Coletânea de artigos dos membros do Grupo de Pesquisa Tecnologia, Comunicação e Ciências Cognitivas do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo.
2. T227 Tecnologia, comunicação e ciência cognitiva [livro eletrônico] /
organização de Walter Teixeira Lima Junior, Murilo Bansi Machado. São
Paulo : Momento, 2014.
19 Kb ; ePUB
Coletânia de artigos dos membros do Grupo de Pesquisa Tecnologia,
Comunicação e Ciência Cognitiva do Programa de Pós-Graduação em
Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo.
Bibliografia
ISBN 978-85-62080-08-1
1. Tecnologia 2. Comunicação 3. Ciência cognitiva 4. Comunicação
digital 5. Cibercultura 6. Comunicação móvel 7. Sociedade do
conhecimento 8. Novas tecnologias (Educação) 9. Ciberativismo
10. Sites (Internet) - Compras coletivas I. Lima Junior, Walter Teixeira
II. Machado, Murilo Bansi III. TECCCOG
CDD 302.2
www.tecccog.net
CAPA: Cristiano Freitas
IMAGEM DA CAPA: AGICOM Metodista
EDITORAÇÃO: Claudia M. Arantes de Assis Saar
REVISÃO:Amanda Luiza S. Pereira
Daniel Costa de Paiva
Diego Franco Gonçales
Murilo Machado Bansi
3. SUMÁRIO
Introdução 05
Apontamentos sobre o imprescindível debate da 07
tecnologia para a comunicação social
Amanda Luiza S. Pereira
Mobile Learning: Novos meios, velhas questões 27
Ana Graciela M. F. da Fonseca
Processos comunicacionais assíncronos em ambientes 44
virtuais de aprendizagem: verificação de colaboração
por meio de uma visualização estrutural
André Rosa de Oliveira
Social Games: entretenimento democrático na internet 73
Cláudia Maria Arantes de Assis e Jefferson Ferreira Saar
Simulação Computacional de Fluxos de Informação: 96
uma abordagem no âmbito da Comunicação Social
Daniel Costa de Paiva
Os espaços da recepção: elementos para pensar a 114
interação mídia-mente
Diego Franco Gonçales
Governança da internet, modelos de negócios, 129
cibercrime e ciberespionagem
Diólia de Carvalho Graziano
4. Sociedade do conhecimento: o longo caminho entre 153
democratização da tecnologia e acesso à informação
Eduardo Fernando Uliana Barboz
Mechanical Turk e a conveniência cognitiva como 174
objeto da linguagem
Leandro Golçalves
O Reencontro com o Tangível: notas sobre a 187
materialidade em McLuhan, Gumbrecht e Sennett
Márcio Carneiro dos Santos
Sociedade Digital: A revolução digital na escola e o 203
papel do professor
Michele Loprete Vieira
Hacktivismo e Anonymous Brasil: a força de 221
uma ideia disforme
Murilo Bansi Machado
Avanços tecnológicos e gerações do futuro: novos 240
rumos para a educação e desenvolvimento
de criações coletivas
Rafael Vergili
Os sites de compra coletiva: uma análise com foco 256
nos aspectos cognitivos
Daniel Costa de Paiva, Vanessa Moreira N. de Paiva e
Walter Teixeira Lima Junior
5. INTRODUÇÃO
A rápida e expressa adoção das mais variadas tecnologias digitais
de comunicação por parte das sociedades contemporâneas alterou, em
grande medida, a dinâmica dessas sociedades, bem como o rumo das
áreas do conhecimento que se debruçam sobre elas, propondo novas
questões para responder a situações e hábitos inteiramente insólitos.
Particularmente,aComunicação,enquantocampodoconhecimento
pertencente à área das Ciências Sociais, vem dispendendo contínuos
esforçosnosentidodeestabelecerecompreender,sobumaperspectiva
inter e transdisciplinar, a complexidade das relações entre ciência e
tecnologia.
Mas, mais do que isso, o grupo de pesquisa Tecnologia,
Comunicação e Ciência Cognitiva (TECCOG) acredita que, para
acompanhar efetivamente os caminhos trilhados pela evolução
tecnológica, é necessário que os ferramentais teórico-metodológicos
das pesquisas em Comunicação também se adaptem aos instrumentos
de verificação desenvolvidos em outras áreas do conhecimento – em
especial, na Ciência Cognitiva.
Por isso, liderados pelo Prof. Dr. Walter Lima, os pesquisadores
do TECCOG dedicam-se a pesquisas que tratam dos dispositivos
tecnológicos de comunicação tendo em vista a introdução das
tecnologias digitais de informação e as descobertas da neurociência
no que tange ao processamento, transmissão e transdução de
informações.
Nesse sentido, o e-book Comunicação, Tecnologia e Ciência
Cognitiva tem como objetivo explorar a complexidade dos temas e
objetos de pesquisa dos estudos de Comunicação, relacionando essas
três áreas do conhecimento, ensejando o entendimento e a ampliação
das possibilidades de conexão entre elas.
Afinal, à medida que avança sem precedentes a apropriação
tecnológica por parte das sociedades, tal ato inevitavelmente modifica
o comportamento destas quanto ao consumo de informações. Logo,
compreender as diversas formas por meio das quais as tecnologias
da informação são cognitivamente apropriadas pelos indivíduos, bem
5
6. como o modo como estes interagem com novas maneiras de consumir
informações, por meio de seus impulsos sensoriais, certamente está e
estará entre um dos maiores desafios dos pesquisadores dessas áreas.
Portanto, este livro pretende contribuir para esta auspiciosa gama
de estudos que vem ganhando viço e número nos últimos anos como
um campo de investigação, ação e metodologias transdisciplinares.
Para isso, desejamos ao leitor aproveitamento científico sobre
o imprescindível debate da tecnologia para a comunicação social,
aqui travado por meio de textos assinados por pesquisadores e
colaboradores do TECCCOG.
Boa leitura a todos.
Walter Teixeira Lima Junior
Murilo Bansi Machado
6
7. Apontamentos sobre o
imprescindível debate da tecnologia
para a comunicação social
Amanda Luiza S. Pereira1
Introdução
O pensamento científico contemporâneo, especialmente por
intermédio de sua estruturação metodológica, axiomatiza suas
possibilidades e limitações em função da admissão da falibilidade
humana e das consequentes condições de conhecimento científico
como aproximação racional da realidade (BUNGE, 2008).
São patentes os limites difusos entre os conhecimentos científico
e filosófico no que tange à questão metodológica, bem como o são
as delimitações entre os domínios científicos, visto que versar a ou se
aproximar da realidade não é necessariamente o mesmo que dominá-
la/domesticá-la em função de uma determinada perspectiva reflexiva
ou interventiva.
Tal constatação repete-se no debate endógeno das Ciências,
regulando seu exercício sem, contudo, inviabilizá-lo. Isso se dá porque
mais do que produzir descrições ou classificações dos fenômenos, a
investigação científica se presta primordialmente
à teorização, isto é, equilibra a relação entre o observável e o
inobservável da realidade, inferindo sobre o segundo a partir do
primeiro, ocupando-se essencialmente com o sentido atribuído às
evidências empíricas.
1
Doutoranda em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo.
E-mail: amanda.luiza@gmail.com
7
8. Esse sentido advém da referência ou universo de discurso de dada
teoria, isto é, estabelece-se através da articulação conceitual. E é neste
ponto que a investigação científica distancia-se da Filosofia – se não no
exercício prático, ao menos no plano reflexivo –, ainda que o diálogo
entre ambas seja necessário e evidente. Em uma pesquisa particular,
isso justifica o viés científico como atividade cognitiva produtiva e
imprescindível, tanto quanto outros conhecimentos.
No caso da Comunicação Social, a Teoria do Meio é identificada
como programa de investigação importante e adequado às
prerrogativas científicas apontadas e ao domínio da Comunicação
em si (MARTINO, 2000). Tomando-a como subjacente, investe-se
no exame da questão tecnológica. Além disso, uma vez que para o
estabelecimento e manutenção do fazer científico como produtivo há
o constante retorno ao debate filosófico, as questões das quais este
texto se ocupa são oriundas da premissa de que a reflexão sobre o
tecnológico se impõe ao exercício científico da Comunicação Social,
dada a imbricação da tecnologia com os fenômenos contemporâneos
e aos Objetos de estudo.
Dessa forma, cabe buscar a manutenção dos princípios científicos
frente à tecnologia, afastando-se da noção de que seu entrelaçamento
com outros aspectos da realidade a transformam em um fenômeno
trivial, que não demanda esforço reflexivo, pois passa a ser evidente
no contexto da formulação dos Objetos de pesquisa.
Filosofia da Tecnologia
Em uma visão panorâmica, há dois aspectos constantes nos
diferentes posicionamentos acerca da tecnologia que são aqui
explorados: (1) a pergunta primordial refere-se à essência da técnica
e/ou da tecnologia, isto é, a questão que se coloca é: “O que é?”;
(2) existe uma preocupação com a historicidade da técnica/tecnologia
e com o pensamento sobre a mesma, dentro da qual, a partir da
8
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
9. Revolução Industrial, há um deslocamento relevante.
Tanto no caso da pergunta sobre a essência, cuja percepção de
demanda é consensual, quanto em relação a outras questões sobre
as quais é possível identificar discordância, verifica-se a incidência de
uma abordagem específica que pode ser, segundo Mitcham (1994),
centrada em quatro enquadramentos básicos, nos quais tecnologia
é: objeto, atividade particular, conhecimento ou em função de sua
determinação (ou não).2
A breve explanação de Feenberg (2003), ainda que dedicada à
questão da determinação, termina por refutar a noção de tecnologia
como dominadora do homem. Para tanto, ele distingue as possíveis
concepções de tecnologia a partir de dois elementos diferentes, mas
interdependentes: o valor e o controle humano.
Dessa forma, quando a tecnologia é neutra e humanamente
controlada, trata-se de Instrumentalismo; quando é neutra e autônoma,
Determinismo; se carregada de valor e autônoma, Substantivismo; e,
finalmente, se carregada de valor e humanamente controlada, é Teoria
Crítica.
Feenberg (2003) não admite a possibilidade de neutralidade da
tecnologia, presente nas abordagens instrumental e determinista.
Explica primeiro que o Instrumentalismo prefere o questionamento
“Como funciona?”, dado que se ocupa dos fins das coisas, cuja
essência é convenção e não realidade, sem se questionar sobre a(s)
principal(is) qualidade(s) da tecnologia. Sequencialmente, soma à
negação da neutralidade a contestação da autonomia. Isso porque a
tecnologia autônoma controlaria o homem através da regulação da
sociedade – de acordo, exclusivamente, com demandas de progresso
e eficiência (Determinismo).
Também refuta o fundamento do Substantivismo, para o qual “na
medida em que nós usamos a tecnologia, estamos comprometidos
com o mundo num movimento de maximização e controle [...] O
2
Evitando reduções demasiadas, buscou-se no exame dos textos que compuseram
o referencial a abrangência das possibilidades colocadas por Mitcham (1994).
9
Apontamentos sobre o imprescindível debate da tecnologia para a comunicação social
10. elemento de controle humano seria como escolher marcas de sabão
no supermercado, trivial e ilusório” (FEENBERG, 2003, online).
Finalmente, o autor opta pela Teoria Crítica:
De acordo com a teoria crítica, os valores incorporados
na tecnologia são socialmente específicos e não são
representados adequadamente por tais abstrações como a
eficiência ou o controle. A tecnologia não molda só um
modo de vida, mas muitos possíveis estilos diferentes de
vida, cada um dos quais reflete as escolhas diferentes de
objetivos e extensões diferentes da mediação tecnológica
[...] As molduras são os limites e contêm o que está por
dentro. Semelhantemente, a eficiência “molda” todas as
possibilidades da tecnologia, mas não determina os valores
percebidos dentro daquela moldura (FEENBERG, 2003,
online).
Comisso,pretende-seargumentarque,alémdocontroletécnicoque
viabiliza a eficiência,3
a essência da Tecnologia também é constituída
por um controle de outra ordem, humana. Há um controle humano
porque, mesmo que o controle técnico emoldure as possibilidades
tecnológicas pelos limites da eficiência, ele não determina o homem,
e é também influenciado por uma intencionalidade ou condição social
(FEENBERG, 2009).
A focalização de Feenberg (2003) no aspecto da determinação (ou
não) se estabelece melhor do que a perspectiva que trata a tecnologia
como objeto, por conta dos motivos pontuados por Bunge (1985). O
autor afirma que, na abordagem da tecnologia como objeto, há uma
redução oriunda da noção de que a tecnologia é somente um resultado,
alijando a capacidade de abarcar o processo mais abrangente, que dá
origem ao produto tecnológico e que também é importante e faz
3
A distinção apontada por Galloway (2004 e 2010) acerca do protocolo TCP/IP,
em que o controle da ordem da eficiência também não é o único e diz respeito à
correta forma, o saber-fazer e, no recorte da Filosofia da Tecnologia, “technoi”, isto
é, à técnica.
10
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
11. parte de sua essência. Além disso, dificultaria a distinção entre técnica
e tecnologia, o que preocupa não só Bunge, mas também Heidegger.
Entretanto, ao contrário de Heidegger, Bunge (1985) tende para
a Tecnologia, entendendo que esta é identificada a partir do domínio
da técnica pela atividade científica. Em linha semelhante, Vargas
(1994) abrange a historicidade da tecnologia, relacionando-a com o
estabelecimento das bases da ciência moderna, após a Idade Média:
A teoria abandona, então, o critério de verdade, baseado
na evidência dos princípios e logicidade dos argumentos,
e adota o critério de parte de experiências semelhantes às
da técnica, para com elas formular uma conjetura. A partir
da conjetura, formula-se uma teoria da qual uma conclusão
particular deva ser verificada pelo confronto com um
experimento organizado de acordo com a teoria. Sob esse
mesmo critério de verdade, ao lado da ciência, surge um
novo sistema simbólico até aquele momento inteiramente
desconhecido. E a tecnologia, entendendo-se essa como
a solução de problemas técnicos por meio de teorias,
métodos e processos científicos (VARGAS, 1994, p. 178-
179).
Aqui também estão abarcadas, além da perspectiva de atividade
particular, a distinção e a convergência fundamentais da tecnologia
em relação à técnica: enquanto técnica diz respeito a um saber-fazer
descolado da atividade científica, tecnologia é um fazer distinto que se
apropria, para manter os termos de Vargas (1994), das características
dos sistemas simbólicos técnica e exercício científico.
Dito de outra forma: não é restrita ao produto final porque está
imbrincada com as práticas puramente técnicas, bem como com as
científicas.
A partir da técnica e/ou da tecnologia, o homem cria os objetos e
os processos artificiais, isto é, os Artefatos que, como sintetizado por
Cupani (2004):
11
Apontamentos sobre o imprescindível debate da tecnologia para a comunicação social
12. [...] O artefato não precisa ser todavia uma coisa (por
exemplo, uma bicicleta, ou um remédio), podendo tratar-se
também da modificação do estado de um sistema natural
(por exemplo, desviar ou represar o curso de um rio),
ou bem da transformação de um sistema (por exemplo,
ensinar alguém a ler). Em todos os casos, a ação técnica
– uma forma de trabalho, para Bunge – opera utilizando
recursos naturais (como empregar o cérebro próprio para
resolver um problema de maneira metódica, usar troncos
de árvore para construir uma cabana etc.), transformando-
os (produzir tecidos com base no linho, domesticar animais
etc.), ou bem reunindo elementos naturais para dar origem
a algo inédito (sintetizar moléculas, organizar pessoas
numa firma comercial etc.) (CUPANI, 2004, p. 495).
Para Bunge (1980, p. 186), a tecnologia também pode ser
conhecimento “[...] se e, somente se: (i) é compatível com a ciência
contemporânea e controlável pelo método científico e (ii) é empregado
para controlar, transformar ou criar coisas ou processos, naturais ou
sociais”. Assim, enquanto a Tecnologia possui um objetivo prático
(que é sempre pontuado como melhoramento em materialidade ou
processo), a Ciência aplicada, tipo que, no âmbito da prática, é mais
próximo, visa a um saber útil (também percebido como positivo).
Verifica-se em Feenberg (2003 e 2009) e Bunge (1980 e 1985) a
já mencionada preocupação com o contexto da tecnologia, mas nem
tanto com o da Filosofia da Tecnologia.4
Nesse ponto, acompanha-se
Vargas (1994) quando explica que:
Uma Filosofia da Tecnologia nada tem a ver com as teorias,
métodos, processos e critérios da própria Tecnologia. Ela
será uma “visão” da essência da tecnologia; mas essa visão
será falsa se pretender que a Tecnologia subordine-se à sua
posição. Será ainda mais falsa a Filosofia da Tecnologia que
tentar incorporar às suas conclusões filosóficas soluções
4
Entretanto, cabe considerar que tais textos são artigos e não obra maior, como,
por exemplo, um livro.
12
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
13. particulares da própria Tecnologia (VARGAS, 1994, p.
181).
Aqui, identifica-se contraponto ou complementação à Filosofia da
Tecnologia de Bunge em outros autores que não Feenberg (2003 e
2009). Entretanto, considera-se contraproducente recorrer ao lugar
comum das dicotomias – seja otimismo ou pessimismo, realismo ou
antirrealismo, e assim por diante –, inclusive porque a delimitação e o
objetivo são aqui antes científicos e não filosóficos.
Seria mais adequado, ao menos no que se refere ao exercício
filosófico, preferir um viés que se distancia, já de início, na questão
principal. Neste entendimento particular, seria o resgate de Heidegger,
já que ao menos mantém a preocupação com o histórico, bem como
a pergunta pela essência, mas o faz em parâmetros bem diferentes, a
começar porque o centro é a Técnica.
Apreferênciapelatécnicapossui,mesmoobservandoascolocações
de Bunge e Feenberg, a vantagem metodológica de abarcar não só
uma técnica em especial (a tecnologia), mas toda a diversidade técnica.
Por outro lado, na concepção aqui declarada sobre a investigação
científica, a proposta de Heidegger é a que mais se distancia dos
domínios das Ciências, ainda que o compromisso que mantém com a
Filosofia resulte em uma perspectiva interpretativa fértil.
Finalmente, examinar seriamente a obra de Heidegger, mais do
que um trabalho filosófico, demandaria o questionamento direto das
premissas deste texto e inviabilizaria a realização de seu objetivo, cuja
relação direta é com o pensamento científico. Por isso, os argumentos
de Vargas (1994) são, novamente, pertinentes:
Com referência à técnica – um dos pólos dessa simbiose
– é difícil falar em verdade; pois os seus produtos não
são sentenças mas objetos concretos; e não tem sentido
falar em verdade ou falsidade quando se trata de obras,
instrumentos ou máquinas. Essas, em essência, não tem
um ser próprio; como tais elas simplesmente “servem-
13
Apontamentos sobre o imprescindível debate da tecnologia para a comunicação social
14. para”; tem um valor como utilidade. Com referência à
ciência, pelo contrário, tem sentido falar em verdade ou
falsidade de suas sentenças. Como foi dito, seu critério de
verdade, no fundo, enquadra-se na definição clássica de
“adequação entre a mente e a coisa”. A dificuldade está
em como estabelecer a adequação entre algo mental e
algo material. Já foi dito que a ciência moderna resolveu
a dificuldade, procurando a adequação entre a teoria e o
experimento inteligido; isto é, organizado de acordo com a
teoria (VARGAS, 1994, p. 183).
Filosofia da Tecnologia e princípios da tecnologia
Em Arthur (2009), a preocupação com a natureza da tecnologia
se dá em função da busca por estipular princípios da tecnologia, de
modo que as possibilidades conceituais do Objeto fossem tratadas
pelo domínio que, evidentemente, precisa fornecer as articulações
conceituais que lhes são próprias.
Ao estipular três abordagens para o termo, o autor reflete sobre
questões que dizem respeito às perspectivas filosóficas indicadas por
Mitcham (1994), referindo-se diretamente à relação com propósitos
humanos (patente em Feenberg, 2003 e 2009); ao conjunto de práticas
e componentes (o debate técnica e tecnologia, bem como sobre o
artefato de Bunge); e a aparatos da engenharia pertencentes a uma
determinada cultura (na atenção histórica da Filosofia da Tecnologia e
da Técnica em geral, mas especialmente em Vargas, 1994).
Como resultado, tem-se o desdobramento das abordagens em
“tecnologia singular”, “tecnologia plural” e “tecnologia geral”, sendo
que:
Tecnologia singular – máquina a vapor – origina-se como
um novo conceito e desenvolve-se por modificar suas
partes internas. Tecnologia plural – eletrônicos – surge
construindo ao seu redor certos fenômenos e componentes
14
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
15. e se desenvolve alterando suas partes e práticas. E
tecnologia-geral, todo o conjunto de todas as tecnologias
que já existiram no passado e presente, origina-se do uso
de fenômenos naturais e constrói-se organicamente com
novos elementos formados pela combinação com os
antigos (Arthur, 2009, p. 29, tradução nossa).5
As apropriações de tecnologias por outras são engendradas por
três princípios da Tecnologia.
Em primeiro lugar, a Fenomenalidade, direcionada à relação
fenômeno-efeito6
,isto é, a:
[...] um grupo de fenômenos capturados e colocados
em prática. A razão pela qual isso é central é que a
base do conceito de tecnologia – o que faz a tecnologia
simplesmentefuncionar–ésempreousodealgumefeitoou
efeitos centrais. Em sua essência, uma tecnologia consiste
em fenômenos programados para algum propósito. Eu
uso aqui o termo “programado” deliberadamente para
significar que os fenômenos que fazem uma tecnologia
funcionar são organizados de um modo planejado; eles são
orquestrados para o uso (Arthur, 2009, p. 51, tradução
nossa).7
5
No original: “A technology-singular – the steam engine – originates as a new
concept and develops by modifying its internal parts.Atechnology-plural – electronics
– come into being by building around certain phenomena and components and
develops by changing its parts and practices. And technology-general, the whole
collection of all technologies that have ever existed past and present, originates
from the use of natural phenomena and builds up organically with new elements
forming by combination from olds one” (ARTHUR, 2009, p. 29).
6
Neste contexto específico, “fenômeno” refere-se às relações causais que resultam
na satisfação do propósito estipulado na concepção da tecnologia, enquanto “efei-
to” diz respeito ao funcionamento e eficiência (ou não) de dada tecnologia.
7
No original: “[...] a set of phenomena captured and put to use. The reason this
is central is that the base concept of the technology – what makes a technology
work at all – is always the use of some core effect or effects. In its essence, a
technology consists of certain phenomena programmed for some purpose. I use
the word “programmed” here deliberately to signify that the phenomena that make
a technology work are organized in a planned way; they are orchestrated for use”
15
Apontamentos sobre o imprescindível debate da tecnologia para a comunicação social
16. Ficam em relevo duas convergências de Arthur (2009) com a
Filosofia da Tecnologia: (1) uma relação aproximada com o artificial/
artefato proposto por Bunge, visto que este se utiliza do natural e,
portanto, depende das satisfações de suas leis (físicas, químicas, e assim
por diante); (2) a indicação de duas esferas de controle (o técnico e
o humano/social), em que o técnico não suprime o humano/social.
O princípio de Combinação refere-se à organização8
de um
método ou ideia de funcionamento que constitui um artefato. Além
disso, o método ou ideia de funcionamento é materializado (acontece)
com alicerce de componentes que executam tarefas subsidiárias:
[...] um princípio base é usado – o conceito central ou a
lógica por trás do programa. Isso é implementado por
um conjunto principal contituído por blocos instrucionais
ou funções – apropriadamente chamado de “Main” em
algumas linguagens de computador. Estas chamadas
em outras subfunções ou subrotinas apoiam o seu
funcionamento. Um programa que cria uma janela gráfica
em uma tela de computador chama subfunções para criar
a janela, definir seu tamanho, sua posição, mostrar o seu
título, buscar o seu conteúdo, trazê-lo para a frente de
outras janelas e excluí-lo quando terminado (ARTHUR,
2009, p. 34, tradução nossa)9
.
Depreende-se daí que os componentes que formam uma
determinada tecnologia constituem uma arquitetura, normalmente
(ARTHUR, 2009, p. 51).
8
Disposição dos componentes que constituem determinada tecnologia e, portanto,
das condições técnicas e tecnológicas que são apropriadas.
9
No original: “[...] a base principle is used - the central concept or logic behind
the program. This is implemented by a main set of instructional building blocks or
functions - appropriately enough called “Main” in some computer languages. These
call on other subfunctions or subroutines to support their workings. A program that
sets up a graphic window on a computer display calls on subfunctions to create the
window, set its size, set its position, display its title, fetch its content, bring it to the
front of other windows, and delete it when it is done with” (ARTHUR, 2009, p. 34).
16
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
17. modular10
(ARTHUR, 2009) e, portanto, sujeita ao princípio da
Recursividade, implicando a afirmação de que:
Cada conjunto ou subconjunto ou parte tem uma tarefa a
ser executada. Se não fosse isso, não estaria lá. Portanto,
cada um é um meio para um propósito. Cada um, a
partir da minha definição anterior, é uma tecnologia.
Isto significa que os conjuntos, subconjuntos e peças
individuais são todos executáveis – são todos tecnologias.
Por conseguinte, uma tecnologia consiste em blocos de
construção que são tecnologias, que consistem em mais
blocos de construção que são tecnologias, que consistem
em outros blocos que são tecnologias, com o padrão se
repetindo em todo o caminho até o nível fundamental
de sua composição. Tecnologias, em outras palavras, têm
uma estrutura recursiva. Elas consistem em tecnologias
dentro de tecnologias por todo o caminho até as partes
elementares (ARTHUR, 2009, p. 38, radução nossa).11
A Fenomenalidade é o princípio mais básico,12
enquanto
Combinação e Recursividade se fundem mais facilmente (ao menos
no que tange à evidência empírica sem as condições reflexivas
aqui colocadas), visto que as estruturas tecnológicas possuem uma
delimitação ou hierarquia endógena da arquitetura relacionada tanto
10
O autor explica que apenas tecnologias de extrema simplicidade podem ser
estruturadas por componentes individuais.
11
No original: “Each assembly or subassembly or part has a task to perform. If it
did not would not be there. Each therefore is a means to a purpose. Each therefore,
by my earlier definition, is a technology. This means that the assemblies, subas-
semblies, and individual parts are all executables - are all technologies. It follows
that a technology consists of building blocks that are technologies, which consist of
yet further building blocks that are technologies, with the pattern repeating all the
way down to the fundamental level of elemental components. Technologies, in other
words, have a recursive structure. They consist of technologies within technologies
all the way down to the elemental parts” (ARTHUR, 2009, p. 38)
12
Porque “para se realizar na realidade física, um princípio precisa ser expresso na
forma de componentes físicos” (ARTHUR, 2009, p. 33, tradução nossa).
17
Apontamentos sobre o imprescindível debate da tecnologia para a comunicação social
18. à questão da eficiência quanto da materialização dos princípios e
objetivos de determinada tecnologia.
Considerando convergências e complementações entre Arthur
(2009)eaFilosofiadaTecnologia(BUNGE,1980e1985;FEENBERG,
2003 e 2009; VARGAS, 1994), depreende-se que a Tecnologia é mais
facilmente percebida como objeto, isto é, resultado de um processo
que se apropria, a partir de específico momento histórico, de técnica
e de investigação científica, formando um conhecimento particular
(BUNGE, 1980).
Do ponto de vista conceitual, o processo subjacente não pode
ser suprimido. Assim, a Tecnologia, que sempre terá uma instância
material (oriunda da necessária relação fenômeno-efeito), carrega
um determinado valor enquadrado nas exigências da eficiência e
do controle técnico, mas que não é por eles encerrado. Soma-se ao
controle humano (FEENBERG, 2003 e 2009).
Isso quer dizer que, se o controle humano e seu consequente valor
contido em Tecnologia encerrarem-se no controle técnico, ainda
assim, serão socialmente específicos, e não tecnicamente específicos.13
Então se explica porque, mesmo com otimismo, Bunge se dedica em
parte do Tratado de Filosofia ao debate contextualizado pela ética, e
Feenberg (2009) sugere a reavaliação de estabelecimentos sociais.
Essa condição da Tecnologia independe do grau de simplicidade
da tecnologia singular, plural ou geral colocada em relevo. Porém, cabe
ressaltar que o controle técnico impõe delimitações às tecnologias das
quais faz parte: não é possível extrair de uma determinada tecnologia
qualquer resultado ou utilizá-la indistintamente. A materialização de um
diferente valor socialmente específico, dependendo do distanciamento
que toma de seu predecessor, implicará a concepção de uma nova
tecnologia.
13
Porque seria uma redução conceitual injustificada equivaler atitude humana à
atitude técnica, ainda que se conceba entre ambas entrelaçamento. O pano de
fundo particular neste texto coincide com o de Vargas (1994), fundamentalmente
Cassirer (1994).
18
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
19. O que é central a partir daí é a condição, própria da Tecnologia,
de suportar alterações superficiais ou profundas, de se apropriar
de outras com base nos princípios de Combinação e Recursividade
(ARTHUR, 2009).
Filosofia da informação
A opção por Floridi no que tange à Informação se dá porque,
apesar de existir condição de diálogo com o referencial de Filosofia
da Tecnologia utilizado, bem como com Arthur (2009), a observação
de sua proposta força o desvelamento de questões pertinentes à
preocupação geral sobre a Tecnologia, sem recair em dualidades
comuns. Tal como pontua Gonzalez (2013), Floridi busca “[...]
elucidar problemas da Filosofia da informação, e não sobre a Filosofia
da Informação, e uma das condições será evitar a mera translação a
uma linguagem filosófica de problemas que sejam de outra ordem
[...]” (GONZALEZ, 2013, p. 4).
Em Information: a very short introduction, Floridi (2010) realiza um
mapeamento conceitual da Informação com o objetivo de estabelecer
bases para o enquadramento de problemáticas para as investigações.
Já a partir da organização dos tópicos da obra e da leitura de sua
introdução é possível verificar que, apesar do privilégio do aporte
tecnológico, o autor não considera essa perspectiva suficiente. Isto
significa dizer que, se a Informação não equivale ao conhecimento,
pelo menos viabiliza um em particular que, para além do universo
computacional, atinge, inclusive, o biológico.
Não sendo a única colocação e entendimento possível, o autor
(2010) entende que a essência da Informação é constituída pelas
relações que evidenciam os dados, imbrincadas com as possibilidades
de significação atribuída aos mesmos. Dessa forma, aponta que a
Informação é constituída por dados articulados a partir da sintaxe de
um determinado sistema, considerando-se que “[...] Sintaxe aqui deve
19
Apontamentos sobre o imprescindível debate da tecnologia para a comunicação social
20. ser entendida em sentido lato, e não apenas linguisticamente, como o
que determina forma, construção, composição ou estrutura de algo
[...]” (FLORIDI, 2010, p. 22, tradução nossa).14
A propósito do dado, o autor (2010) se preocupa em esclarecer
uma classificação para as relações que o torna passível de identificação.
O que os tipos de dados guardam em comum é o fato de o
reconhecimento se dar frente um segundo dado.
Os chamados de primários correspondem ao estado “puro”, isto
é, não estão estruturados. Para Floridi (2010), um dado primário
pode ser percebido em relação a outro do mesmo tipo ou não, ainda
que não subsidie qualquer sentido. Já o dado secundário é oriundo de
uma falta de informação que conduz à dedução de uma informação
indireta como, por exemplo, quando o silêncio de um dos indivíduos
em contato numa ligação telefônica pode levar à noção de que o outro
não pode ouvir (dado derivado).
Metadados informam sobre a natureza e dinâmica de outros (como
no caso da indicação de atualização de um dado em que 18 é a classe
idade do objeto paciente), enquanto os operacionais referem-se à
dinâmica dos dados de um determinado sistema. E, finalmente, os
dados derivados são os extraídos a partir de outros como, por exemplo
– e para manter a elucidação do autor (2010) –, inferir a localização
de um indivíduo em certo horário em função do registro de uso de
cartão de crédito em um posto de gasolina.
Se, por um lado, sugere-se que os Dados se relacionam com índices
da realidade, a Sintaxe que constitui a Informação envolve pensar o
conteúdo semântico e, em alguma instância, implica uma convenção
simbólica. Assim, a Informação com conteúdo semântico é resultado
da adequação dos dados à Sintaxe e, pelo menos, na condição de
potencialmente interpretáveis, constituindo uma Informação instrutiva
14
No original: “[…] Syntax here must be understood broadly, not just linguistically,
as what determines the form, construction, composition, or structuring of something
[…]” (FLORIDI, 2010, p. 22).
20
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
21. ou factual.15
Visto que a informação instrutiva não se refere a um fato/
fenômeno diretamente (limitando-se a propulsionar sua verificação),
diferente da factual, não está submetida às classificações Verdadeiro
ou Falso.
É neste ponto que está calcada a crítica de Floridi (2010) à Teoria
matemática da comunicação proposta por Shannon e Weaver, que
exclui a informação factual e, nesse raciocínio de instrução, preocupa-
se em evitar o descumprimento da instrução fornecida/emitida.
Em se tratando de um tipo de informação específica, o autor
(2010) prefere a denominação Teoria matemática da comunicação de dados,
entendendo que se limita aos fenômenos que envolvem a codificação
e a transmissão dos mesmos, do ponto de vista da eficiência.
Consequentemente, o valor da informação é estritamente quantitativo
e a sua mensuração é propulsionada pelo parâmetro de redução de
incerteza: se para diferentes demandas (déficit de dados/incerteza) a
resposta é sempre a mesma ou não ocorre, o resultado não deveria ser
classificado como informativo.
Nesse contexto, Informação não está calcada naquilo que é
informado (conteúdo, natureza e correlatos), mas nas condições
de informar. Por isso, a ênfase está nos símbolos e sinais que são
portadores da Informação, e não na Informação em si.
Dito de outra forma, diz respeito ao dado sem sentido atribuído
porque contextualizado apenas pelo valor quantitativo, não sendo
ainda significativo. É um dado submetido somente às regras de
um determinado sistema. Novamente mantendo a elucidação de
Floridi (2010), nesse contexto a resposta “sim” para duas perguntas
diferentes (“Você está aí?” e “Você quer se casar comigo?”) possuem
o mesmo valor. Nessa linha, volta-se para redundância e ruído, sendo
este último indesejável:
15
A exceção seria a informação ambiental, cuja verificação ou atribuição como
verdadeira ou falsa se dá a partir de dado derivado que, mesmo assim, não a
abrange como um todo.
21
Apontamentos sobre o imprescindível debate da tecnologia para a comunicação social
22. Na vida real, uma boa codificação é modestamente
redundante. Redundância refere-se à diferença entre a
representação física de uma mensagem e a representação
matemática da mesma mensagem, que não usa mais bits
do que o necessário [...] mas redundância não é sempre
negativa/ruim [...] A mensagem somada a ruído contém
mais dados do que a mensagem original por si só, mas
o objetivo do processo de comunicação é a fidelidade, a
transferência exata da mensagem original do remetente
ao destinatário, não aumento de dados. Estamos mais
propensos a reconstruir corretamente uma mensagem no
final de uma transmissão se algum grau de redundância
contrabalança o inevitável ruído e equívocos introduzidos
pelo processo físico de comunicação e pelo ambiente [...]
(FLORIDI, 2010, p. 40, tradução nossa).16
A consequência da crítica da redução da Informação à informação
instrutiva é o questionamento do autor (2010) sobre a suficiência da
compreensão do princípio “não há informação sem dados” como
envolvendo a realização material de dado:
[...] Vários filósofos aceitaram o princípio enquanto
defendiam a possibilidade de que o universo pode vir a
ser não-material ou baseado em uma fonte não-material.
Na verdade, o debate clássico sobre a natureza última da
realidade poderia ser reconstruído em termos das possíveis
interpretações desse princípio (FLORIDI, 2010, p. 61-62,
tradução nossa).17
16
No original: In real life, a good codification is modestly redundant. Redundancy
refers to the difference between the physical representation of a message and
the mathematical representation of the same message that uses no more bits
than necessary […] but redundancy is not always a bad thing […] A message
+ noise contains more data than the original message by itself, but the aim of a
communication process is fidelity, the accurate transfer of the original message
from sender to receiver, not data increase. We are more likely to reconstruct a
message correctly at the end of the transmission if some degree of redundancy
counterbalances the inevitable noise and equivocation introduced by the physical
process of communication and the environment […]” (FLORIDI, 2010, p. 40).
22
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
23. Entre dados/informação, tecnologia e comunicação
Apesar de se discordar da colocação de Floridi (2010) de que a
informação pode não possuir materialidade, concorda-se com a
insuficiência da informação instrutiva como base explicativa para
qualquer informação.
Isso se dá porque a divergência com a proposta do autor tem
origem em duas questões interdependentes: (1) as consequências do
alargamento de suas colocações para o exercício científico podem
chegar ao questionamento da base contemporânea das Ciências,
que no caso deste texto é axiomática; (2) o argumento do autor só é
possível se considerarmos que a Informação não apenas é mais larga
do que o tecnológico, mas absolutamente neutra do ponto de vista
ontológico, o que não interessa aos domínios científicos em função
da questão (1).
Nesse ponto, não há prejuízo à noção de que a informação
instrutiva é insuficiente porque ela o é, mesmo para Floridi (2010),
já na instância particular do tecnológico e no seu conceito: afirmar
que o dado independe do que é informado é plausível frente à
preponderância da contraposição de um dado a outro para que o
primeiro seja desvelado e não de um sentido semântico e, em alguma
medida, convencional, que só existe a partir da informação. O dado,
assim como a informação ambiental, não depende da convenção para
existir.
O recorte tecnológico que é utilizado por Floridi (2010) exclui a
preocupação com processos comunicacionais, ainda que ele mencione
superficialmente a confusão entre informação e comunicação. Assim,
quando critica a Teoria matemática da comunicação, fornece espaço para
17
No original: “[...] Several philosophers have accepted the principle while defending
the possibility that the universe might ultimately be non-material, or based on a non-
material source. Indeed, the classic debate on the ultimate nature of reality could
be reconstructed in terms of the possible interpretations of that principle”. (FLORIDI,
2010, p. 61-62).
23
Apontamentos sobre o imprescindível debate da tecnologia para a comunicação social
24. que se compreenda como fenômeno de comunicação a transmissão
de dados.
Não parece razoável que o Objeto da Comunicação seja encerrado
por tal perspectiva, ainda que seja notória a transmissão de dados
como aspecto técnico de processos comunicacionais sustentados
por suportes tecnológicos. Por outro lado, não se depreende disso a
defesa de que o processo comunicacional (em qualquer condição) e o
Objeto da Comunicação podem ser idênticos.
A evidente interface com o tecnológico parece justificar a supressão
de questionamentos básicos acerca do próprio Meio de Comunicação,
já que aparentemente tecnologia e técnica são equivalentes.
Na elaboração aqui realizada, essa identificação de equivalências se
deve à inobservância epistemológica em relação ao Objeto (articulação
observável e inobservável).
Quando se percebe que nem mesmo a Tecnologia é subsumida
pela técnica ou pelo seu tipo de controle e eficiência, a retomada do
Meio de Comunicação torna-se mais plausível na medida em que
conduz aos questionamentos sobre os mecanismos (e não apenas ao
emissor e aos possíveis efeitos) pelos quais o processo comunicacional
se realiza.
Estes mecanismos implicam também aspectos simbólicos,
culturais e sociais que não são abarcados pela problematização da
tecnologia, inclusive porque está na alçada da Comunicação Social.
Mas, em contrapartida, a consideração da tecnologia propulsiona a
delimitação clara desses aspectos na superfície do Objeto de pesquisa,
além de viabilizar o mínimo de dissensão necessária para a investigação
produtiva.
Referências
ARTHUR, W. B. The nature of technology: what it is and how it
evolves. New York: Free Press, 2009.
24
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
25. BUNGE, Mario. Epistemologia. São Paulo: T. A. Queiróz/ EDUSP,
1980
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MITCHAM, C. Thinking through technology: the path between
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Press, 1994.
25
Apontamentos sobre o imprescindível debate da tecnologia para a comunicação social
26. VARGAS, Milton. Para uma filosofia da tecnologia. São Paulo:
Alfa Omega, 1994.
26
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
27. Mobile Learning:
Novos meios, velhas questões
Ana Graciela M. F. da Fonseca1
As duas últimas décadas têm sido marcadas pela disseminação
das Tecnologias de Informação e Comunicação – TIC’s, sobretudo
os dispositivos móveis. Segundo Straubhaar e LaRose (2004), a
tecnologia é um agente de transformação e gera implicações na
sociedade. Várias áreas foram afetadas pela popularização e uso
desses aparatos, como, por exemplo, a Educação. De acordo com
Dertouzos (1997), a Educação é afetada pelo mercado da informação.
A combinação tecnologias de comunicação e ensino-aprendizagem
é um assunto que vem sendo bastante debatido, especialmente com
a profusão de dispositivos comunicacionais cada vez mais atraentes,
interessantes e multifuncionais. Assim, a apropriação para fins de
ensino-aprendizagem é um ponto que tem despertado a atenção dessa
área.
A necessidade de “modernizar” o ensino-aprendizagem é
apontada como consequência da disseminação e uso das TICs pelos
alunos, fator que, de acordo com o discurso atual, interfere na tarefa
de ensinar e aprender. A apropriação das TICs tem sido colocada
como caminho para a atualização de metodologias e práticas de
ensino-aprendizagem. Ainda, o uso de novas tecnologias pode ser
uma alternativa para suprir defasagens na aprendizagem.
Não é de hoje que a escola e as formas de ensino são questionadas
(FREIRE; GUIMARÃES, 2011). Paulo Freire e Sérgio Guimarães
1
Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da
Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), bolsista CAPES, membro do
Grupo de Pesquisa TECCCOG – Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva.
E-mail: ana_gcos@hotmail.com, http://lattes.cnpq.br/1689227823117809.
27
28. (2011) também destacam que a presença dos meios de comunicação
no dia-a-dia de alunos e professores não é uma novidade, seja como
ferramenta pedagógica ou na interferência das informações advindas
dessesaparatos.Paraosautores,auniãodetecnologiasdecomunicação
e educação apresenta potencialidades que podem ser aproveitadas
para o ensino-aprendizagem. Embora apontem que a relação escola e
meios de comunicação é antiga, vale ressaltar a existência de uma nova
dinâmica nessa relação no universo das tecnologias digitais.
As características dos dispositivos digitais são fluxo de informação
mais intenso e bidirecional, além da variedade de formatos,
diferentemente dos meios de comunicação de massa, contexto sobre
o qual os autores dissertam o assunto. As diferenças entre os meios
de massa e as TICs pode ser explicada pelo que André Lemos (2007)
denomina de função massiva e pós-massiva. A função massiva é
caracterizada pelo fluxo centralizado de informação, no qual há
o controle do pólo da emissão. Na função pós-massiva, há uma
descentralização e liberação do pólo emissor, de modo que o fluxo
comunicacional torna-se bidirecional (de todos para todos).
Diante da forte presença das TICs no cotidiano e do cenário
atual, que permite o contato com diversos conteúdos em diferentes
formatos e acessíveis em diferentes dispositivos, educadores e
sociedade em geral acreditam que a escola e o processo de ensino-
aprendizagem precisam ser repensados. Sendo assim, a adoção das
TICs como ferramenta pedagógica é colocada como alternativa para
atender essa demanda e, ao mesmo tempo, suprir problemas no
ensino-aprendizagem.
Neste universo de possibilidades, surge o Mobile Learning –
aprendizagem móvel, conceito que representa a aprendizagem
entregue ou suportada por meio de dispositivos de mão tais
como PDAs (Personal Digital Assistant), smartphones, iPods, tablets e
outros pequenos dispositivos digitais que carregam ou manipulam
informações (MÜLBERT; PEREIRA, 2011). Convergentes,
28
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
29. portáteis e multimídias, esses aparatos têm possibilitado um
conjunto de alternativas que podem ser exploradas também para a
aprendizagem. Entre as justificativas para incentivar o Mobile Learning
está à popularização dos dispositivos móveis – celulares e smartphones
–, a extensão do tempo e espaço de ensino e a personalização da
aprendizagem.
No entanto, mesmo sendo um fenômeno recente, algumas
preocupações e questões que envolvem o uso de novas tecnologias
para aprendizagem, como o Mobile Learning, são semelhantes às do
contexto relacionado às mídias de massa, como a figura e postura do
professor e a tarefa de ensinar e aprender num universo permeado
por meios de comunicação. Segundo Paulo Freire e Sérgio Guimarães
(2011), na década de 70, as crianças já traziam fatos e ideias que não
tinham sido levados pela escola, e sim pelos meios de comunicação.
De acordo com os autores, isso seria um reflexo de uma vivência num
mundo em que os meios de comunicação já estavam muito ativos.
Sobre o conflito professor e meios de comunicação: “Claro! inclusive
no sentido de o professor se atualizar. O uso dos meios, de um lado,
desafia, mas, de outro, possibilita uma amplitude da criatividade dele e
do educando” (2011, p.71).
Nesse sentido, podemos de antemão pressupor que algumas
inquietações escola/professor com relação aos meios de comunicação
parecem ter origem bem antes da chegada e ascensão das tecnologias
digitais, embora com nuances diferenciadas, pois é preciso levar em
consideração características como a convergência desses aparatos, o
cerne parece o mesmo.
Parte-se do pressuposto, portanto, de que as preocupações que
afligem a apropriação e relação TICs e ensino-aprendizagem se
assemelham em grande parte às mesmas já delineadas no período da
mídia de massa. Podemos, a priori, definir que, em alguns momentos,
trata-se de novos meios e velhas questões. Sendo assim, temos
aqui a oportunidade para que possamos tentar e/ou ensaiar certas
29
Mobile Learning: Novos meios, velhas questões
30. aproximações em relação à apropriação e uso das novas tecnologias,
neste caso o Mobile Learning, com as demais mídias consideradas
massivas. Dessa maneira, este artigo busca fazer uma reflexão sobre
esse aspecto por meio de alguns exemplos de práticas de Mobile
Learning.
Mobile Learning - “Aprendizagem Móvel”
O Mobile Learning ou M-learning pode ser definido como uma
modalidade de ensino que permite ao aluno acessar materiais, assistir
aulas síncronas e assíncronas, interagir de qualquer lugar e a qualquer
tempo (TAROUCO et al., 2004). De acordo com Mülbert e Pereira
(2011), o termo aparece pela primeira vez em uma publicação científica
de 2001 que destaca a tendência e o potencial dessa metodologia para
a aprendizagem, ressaltando as vantagens de se estudar em qualquer
lugar e tempo.
Em 2013, a UNESCO produziu o guia Policy Guidelines for
Mobile Learning com dez recomendações em que tenta ajudar
governos a implantar tecnologias móveis nas salas de aula. O guia foi
apresentado em Paris durante a Mobile Learning Week. Constam nele,
além das recomendações, treze motivos para o uso de dispositivos
comunicacionais móveis pela educação. A UNESCO tem sido grande
incentivadora do uso de dispositivos móveis pela educação, com ênfase
no telefone celular.2
Em 2011, realizou a “Semana do Aprendizado
pelo Celular” com o objetivo de discutir o impacto dessa tecnologia
na educação e no aprendizado, bem como o modo como telefones
celulares podem apoiar professores e alunos.
De acordo com o Policy Guidelines for Mobile Learning (2013), os
pilares do Mobile Learning são levar informação onde ela é escassa,
2
Disponível em: http://www.onu.org.br/unesco-lanca-iniciativa-de-telefones-
celulares-a-servico-da-educacao. Acesso em: 15 out. 2013.
30
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
31. personalizar e flexibilizar a aprendizagem, proporcionar feedback
imediato e ampliar a produtividade aproveitando a aprendizagem em
qualquer tempo e espaço. O guia enfatiza a necessidade de incorporar
dispositivos comunicacionais móveis aos processos de ensino-
aprendizagem devido à popularização desses aparatos, especialmente
o telefone celular, mas também pela importância do aspecto portátil,
que permite ao usuário transportá-los com facilidade e, por isso, tê-los
sempre a mão.
No caso do telefone celular, que, como Castells (2008) lembra, é
a tecnologia mais rapidamente adotada na história da humanidade,
também é preciso destacar as diversas transformações que ampliaram
a sua função inicial. As novas funcionalidades incorporadas
representam recursos que podem ser usados para práticas de Mobile
Learning. Sobre a evolução tecnológica dos celulares:
Os telefones celulares atuais possuem outras características
alémdefazerumasimpleschamadatelefônica.Osaparelhos
celulares agora podem enviar mensagens de texto; realizar
navegação na Internet; reproduzir música MP3; gravar
memorandos; organizar informações pessoais, contatos
e calendários; enviar e receber e-mails e mensagens
instantâneas; gravar, enviar, receber e assistir a imagens e
vídeos usando câmeras e filmadoras embutidas; executar
diferentes toques, jogos e rádio; realizar push-to-talk
(PTT); utilizar infravermelho e conectividade Bluetooth;
realizar vídeo-chamadas e servir como um modem sem fio
para um PC (SAFKO; BRAKE, 2010, p. 266).
Atualmente, o mercado oferece mais que um telefone, e sim um
dispositivo multimídia que executa diversas funções em diferentes
formatos. Esses modelos são chamados de smartphones, ou “telefones
inteligentes”. Os smartphones apresentam-se como uma tecnologia que
reúne várias mídias num só aparelho (telefone, internet, console de
jogos, recursos dos computadores pessoais, entre outras) (MERIJE,
31
Mobile Learning: Novos meios, velhas questões
32. 2012).
Dentre os dispositivos que podem suportar o Mobile Learning,
o telefone celular é o mais popular. “Se o computador ainda é um
objeto restrito, o celular está presente em boa parte das escolas, nas
mochilas dos alunos de diferentes classes sociais” (MERIJE, 2012, p.
81). O aparelho é uma ferramenta disponível e pode prontamente ser
incorporada como objeto de aprendizagem. Para o Policy Guidelines
(2013), os celulares são populares em locais onde as demais tecnologias
são escassas, como em alguns países africanos. Ainda representa uma
aprendizagem interrupta, ampliada e teoricamente de baixo custo, se
levar em conta que grande parte da população possui um telefone
celular.
Mesmo assim, apesar de comum no cotidiano, o governo brasileiro
tem flertado com o uso de tablets3
e não de celulares. Em 2012,
escolas públicas receberam tablets distribuídos a alunos e professores,
processo que continuou em 20134
. Em contrapartida, a pesquisa
Perspectivas Tecnológicas para o Ensino Fundamental e Médio
Brasileiro de 2012 a 2017, produzida pelo Horizon Project, analisando
o contexto brasileiro, coloca o telefone celular num horizonte de um
ano para que seja adotado massificamente pelas escolas.
Tendo em vista a difusão, a condição portátil e a variedade de
recursos, dispositivos móveis como telefones celulares, smartphones e
tablets oferecem um conjunto de possibilidades para a aprendizagem.
Permitem trocar informações, compartilhar ideias, experiências,
resolver dúvidas, acessar uma gama de recursos e materiais didáticos,
incluindo texto, imagens, áudio, vídeo, notícias, conteúdos de blogs e
jogos, tudo isso no exato momento em que é necessário, devido à
portabilidade (FERREIRA et al., 2012).
3
Disponível em: http://info.abril.com.br/noticias/tecnologia-pessoal/mec-distribuira-
tablets-para-escolas-em-2012-01092011-41.shl. Acesso em: 15 out. 2013.
4
Disponível em: http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/vida-
urbana/2013/06/10/interna_vidaurbana,443944/estudantes-da-rede-municipal-vao-
ganhar-16-mil-tablets.shtml. Acesso em: 15 out. 2013.
32
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
33. A execução de ações como as descritas acima só é possível devido à
associação dos recursos dos aparelhos celulares e das redes de telefonia
móvel com os da internet, o que potencializou as possibilidades de
acesso e compartilhamento de conteúdo (MERIJE, 2012). Aspecto
ressaltado também por Rachid e Ishitani (2012), modernas tecnologias
e padrões de telecomunicação para a computação móvel tornam cada
dia mais viável o m-learning. Por outro lado, ainda existe uma disparidade
em relação ao acesso à internet de banda larga, especialmente fora
dos centros urbanos. Enquanto grande parte da população do Brasil
possui um smartphone, a infraestrutura para suportar a navegação é
insuficiente (PERSPECTIVAS TECNOLÓGICAS... 2012).
Para Rachid e Ishitani (2012), as características da aprendizagem
móvel é que ela utiliza dispositivos móveis que são: usados em qualquer
lugar; considerados de uso pessoal; mais baratos que computadores
pessoais e mais fáceis de usar; utilizados em diversas configurações.
Esses fatores, aliados à convergência e multifuncionalidade
dos dispositivos comunicacionais móveis, criam condições para
o desenvolvimento de atividades de aprendizagem móvel. Com
isso, instituições e educadores vêm se apropriam desses aparatos,
utilizados com objetivos pedagógicos para apoiar o processo de
ensino-aprendizagem (TAROUCO et al., 2004).
Mobile Learning: Novos meios, velhas questões
Descrevendo na íntegra as recomendações e motivos para adoção
de dispositivos comunicacionais móveis propostas pelo guia Policy
Guidelines for Mobile Learning (UNESCO, 2013), elas ficam dessa forma:
criar ou atualizar políticas relacionadas com a aprendizagem móvel;
treinar os professores para o uso de tecnologias móveis; prestar apoio
e treinamento aos professores; criar conteúdo educacional próprio e
adequado para ser usado em dispositivos móveis; garantir a igualdade
33
Mobile Learning: Novos meios, velhas questões
34. de gênero para os alunos móveis; expandir e melhorar as opções
de conectividade, garantindo equidade; desenvolver estratégias para
proporcionar igualdade de acesso para todos; promover o uso seguro,
responsável e saudável de tecnologias móveis; usar a tecnologia
móvel para melhorar a comunicação e gestão da educação e aumentar
a consciência da aprendizagem móvel através do apoio, controle e
diálogo. Dos motivos para o uso de tecnologias móveis: expandir o
alcance e a equidade em educação; personalizar a aprendizagem; provê
avaliação e feedback imediatos; permite que se aprenda em qualquer
hora e lugar; garantir o uso produtivo do tempo gasto em sala de aula;
criar novas comunidades de alunos; dá suporte a aprendizagem in loco;
melhora a aprendizagem contínua; união da aprendizagem formal e
informal; minimizar a interrupção do ensino em áreas de conflito e
desastres; auxiliar os alunos com deficiência; melhorar a comunicação
e administração e maximizar a relação custo-eficiência.
Entre as recomendações e motivos, podemos destacar:
treinamento/preparação de professores; conteúdo educacional
próprio e adequado para cada meio; promoção do uso seguro e
responsável; permitir que se aprenda em qualquer hora e lugar; e união
da aprendizagem formal e informal como pontos em comum com a
apropriação de meios de comunicação para o ensino-aprendizagem,
sejam eles novas tecnologias ou meios massivos.
Paulo Freire e Sérgio Guimarães (2011) destacam a necessidade
de preparar o professor para a realidade de ensinar em um ambiente
cercado pelos meios de comunicação, mas também com um conteúdo
que esteja de acordo e que justifique o uso da tecnologia para, assim,
ser possível fazer a diferença no processo de ensino-aprendizagem:
Acontece que as nossas escolas ficam tão preocupadas,
tão comprometidas com o cumprimento tradicional dos
programas já estabelecidos que elas procuram, apenas,
quando utilizam esses recursos, esses instrumentos
audiovisuais, utilizá-los como exclusivos auxiliares da
34
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
35. execução de programas, e não no sentido de aproveitar
esses instrumentos para desenvolver um novo campo de
atuação e expressão (2011, p. 78-9).
Os autores, que discutem o tema num contexto de mídias
massivas, também apontam para a necessidade de preparar o aluno
para dominar as linguagens da mídia. Ele precisa de suporte para que
o processo de ensino-aprendizagem com tecnologias de comunicação
seja proveitoso, a meta é ensinar o aluno a se servir dos meios. É
preciso instruir sobre os meios para que estes possam ser bem
utilizados, cabendo ao professor essa função. Outro ponto, é que a
formação também pode se dar fora da instituição, e já se considerava
isso com a televisão.
Sobre o professor, a obrigação de atualização e compreensão
desse universo dos meios de comunicação não é de hoje, conforme
posto por Freire e Guimarães (2011), e parece ainda uma questão a
ser superada. De acordo com a pesquisa do Horizon Project, apesar de
existir muita inovação ocorrendo dentro da indústria de tecnologia,
as ferramentas ainda não estão completamente integradas às escolas
porque os professores não estão preparados para implementá-las.
Embora o professor já tivesse que lidar com a presença e influência
dos meios de comunicação desde as mídias massivas, como o rádio
e a televisão e atualmente o fluxo informacional ser diverso, maior e
bidirecional, a postura proposta por Louis Porcher parece caber em
ambos os contextos, pois é necessária uma triagem da informação,
independente do ambiente:
E as pessoas – os professores, os educadores – podem
se dedicar a explicar como procurar a informação, como
“recortar” a informação, uma vez que agora há uma tal
diversidade, uma tal acumulação, vertiginosa, diária, de
informação, que é preciso “recortá-las” (PORCHER apud
FREIRE; GUIMARÃES, 2011, p. 177).
35
Mobile Learning: Novos meios, velhas questões
36. “Escola com Celular” é um projeto realizado na cidade de São
Vicente, no estado de São Paulo, que parte da constatação de que o
telefone celular é muito mais do que um aparelho de comunicação. O
celular é um recurso para trabalhar conteúdos curriculares, efetivar
novas conexões e difundir a educação ambiental. A iniciativa trabalha
pelo viés da sustentabilidade, com foco no descarte de resíduos e
consumo. A proposta consiste, por meio de uma imersão em suas
comunidades, em os alunos estudarem o tema “resíduos e consumo”
e o princípio dos 3Rs (reduzir, reutilizar e reciclar). O resultado das
observações é transformado em conteúdos públicos disponibilizados
em uma rede social desenvolvida para o projeto e, além da construção
de um mapa georreferenciável, sendo esse serviço disponibilizado a
comunidade, indicando os pontos para coleta e reciclagem de resíduos.
No projeto, o celular é instrumento de apoio para as atividades,
sendo usado para a comunicação através de mensagens de texto –
SMS com tarefas, “pílulas de informação” e feedbacks das atividades,
além de registro das observações por meio de vídeos, fotos e texto.
O objetivo é ultrapassar os muros da escola: utilizar os dados da
realidade para estimular a aprendizagem de conteúdos e desenvolver
habilidades e competências.
O projeto piloto foi executado em 2011, envolvendo alunos
do ensino fundamental de escolas municipais, e parte do currículo
escolar foi organizado em projetos interdisciplinares que têm não só o
ambiente escolar como contexto, mas também o ambiente doméstico
e a cidade, visando à integração dos espaços.
Olhando para esse projeto, encontramos respaldo no conceito
“escola paralela”, resgatado por Freire e Guimarães (2011). O
conceito aparece pela primeira vez numa série de artigos assinados
pelo sociólogo Georges Friedmann publicados em janeiro de 1966.
Em 1974, o sociólogo e professor francês Louis Porcher publicou a
primeira edição de Escola Paralela: “A escola paralela é constituída
pelo conjunto dos circuitos graças aos quais chegam aos alunos (bem
36
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
37. comoaosdemais),deforadaescola,informações,conhecimentos,uma
certa formação cultural, nos mais variados domínios” (PORCHER
apud FREIRE; GUIMARÃES, 2011, p. 27). O conjunto de meios de
comunicação de massa foi chamado de escola paralela, assim como
também podemos chamar de “escola paralela” projetos de Mobile
Learning como o Escola com Celular.
No caso do Mobile Learning, podemos afirmar que a aprendizagem
ganha mais “espaços” devido à portabilidade dos dispositivos.
“As tecnologias móveis ampliam o tempo e o espaço de estudo ao
quebrar as barreiras temporais e espaciais, visto que o aluno pode
aceder ao material de estudo em diversos momentos e contextos”
(MOURA; CARVALHO, 2009, p. 36). Desse modo, os dispositivos
comunicacionais móveis permitem mais “escolas paralelas” em
relação às mídias massivas e não móveis.
O projeto “Minha Vida Mobile – MVMob” é desenvolvido desde
2005 e tem como foco as TICs, especialmente o telefone celular.
O MVMob capacita estudantes e educadores para a produção de
conteúdos audiovisuais com celulares – áudio, foto e vídeo. De
acordo com o seu idealizador, Wagner Merije, as atividades do projeto
geram exercícios de interpretação, síntese, categorização, criticidade,
organização, relação grupal, autonomia, criatividade, num processo de
articulação visual com os saberes da prática social dos educandos. A
metodologia consiste na realização de oficinas de produção de vídeos,
fotos, áudios e notícias com o celular, premiação e organização de
mostras dos trabalhos, além da produção de tutoriais e materiais
de subsídio pedagógico. Segundo Merije (2012), essa metodologia
de aprendizagem se mostra mais prazerosa e envolvente para os
estudantes, pois inclui um objeto que faz parte do seu cotidiano, o
celular.
Sobre o projeto MVMob, podemos relacioná-los:
Incorporar às atividades escolares os conteúdos e vivências
37
Mobile Learning: Novos meios, velhas questões
38. veiculados pelos meios de comunicação de massa equivale,
a nível de motivação, a trabalhar com dados extraídos
do próprio cotidiano dos alunos. Não é de surpreender,
por isso, que se obtenham assim melhores resultados do
que quando se introduzem conteúdos estranhos à sua
realidade, mesmo que se trate de programas rigorosamente
elaborados numa progressão lógico-linear (FREIRE;
GUIMARÃES, 2011, p. 212).
É possível atestar, no caso do projeto MVMob, que, mais que
o dispositivo utilizado, é a identificação, a relação com o cotidiano
dos alunos, que parece ser mais crucial para as atividades do que
a tecnologia em si. A metodologia consiste em trabalhar temas
propostos pelos alunos.
Porfim,sobrecomoosmeiospodemserbenéficoseservirdeapoio
ao processo de ensino-aprendizagem, o projeto “PALMA – Programa
de Alfabetização na Língua Materna” tem como objetivo desenvolver
competências básicas de leitura e escrita por meio digital em jovens e
adultos. A iniciativa vem sendo realizada em oito municípios do estado
de São Paulo. Trata-se de um aplicativo para telefones inteligentes
que consiste na combinação de sons, letras e imagens, propondo um
aprendizado por associação de ideias. O aplicativo foi desenvolvido
para complementar a educação formal de jovens e adultos que não
sabem ler e escrever. Segundo uma professora que integra o projeto:
O uso dos smartphones diminuiu os índices de evasão e o
aumento da frequência em sala de aula. “Eles tentam faltar
menos, se preocupam em não deixar de fazer a atividade.
Tornaram-se mais responsáveis”, avalia a professora. Mas
o principal diferencial em relação às aulas tradicionais,
segundo ela, é que os alunos estudam por mais tempo
(OJEDA, 2012, online).
O projeto aproveita a portabilidade do celular para proporcionar
um aprendizado a qualquer hora, em qualquer lugar. De acordo com
38
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
39. Lemos, “a questão do tempo também é crucial nesta comunicação
móvel já que cria temporalidades diferenciadas em relação a espaços
diferenciados” (2009, p. 28). A respeito da discussão sobre tempo e
espaço:
Antônio Sabino de Sousa, colega de Nilma, quase chegou
lá. Aos 62 anos, trabalha no departamento de reposição
de uma loja de material de construção. Sai de casa às cinco
da manhã. No ônibus que o leva para o serviço, liga seu
smartphone, põe um fone de ouvido e faz os exercícios. Às
quatro da tarde, quando volta para casa, repete o ritual.
(OJEDA, 2012,).
[...] Aprendi a ler muito mais com o celular do que com
a lousa. Antes não conseguia reter o que era passado nas
aulas. O telefone ajuda a memorizar, pois eu levo para casa.
É como se um professor estivesse do nosso lado, falando
que tem que fazer de novo (OJEDA, 2012,).
Para Michael Dertouzos, “a imagem que emerge dessa discussão
é a de um Mercado da Informação robusto, dedicado a aperfeiçoar a
educação por expansão e acréscimo, e não pela substituição dos meios
mais próximos de ensino e aprendizado” (1997, p. 241).
Considerações Finais
A apropriação de tecnologias de comunicação pela Educação não
é um fenômeno recente. Os computadores, por exemplo, segundo
Dertouzos (1997), são usados para aperfeiçoar o ensino desde a
década de 1960. De acordo com Paulo Freire e Sérgio Guimarães, em
obra seminal sobre Mídia e Educação, Educar com a Mídia, reeditada
em 2011, os meios de comunicação como ferramenta pedagógica não
são uma novidade. Rádio, televisão, videocassete, jornal, projetores,
39
Mobile Learning: Novos meios, velhas questões
40. história em quadrinhos fizeram e ainda fazem parte dos recursos
disponíveis tanto para professores quanto para alunos. Para os
autores, os meios de comunicação podem tanto ser incorporados
como recurso didático quanto contribuir na formação dos indivíduos,
abastecendo-os de informação.
Diante dos meios de comunicação disponíveis no ano de 1983
(data em que a obra foi escrita), Freire e Guimarães já alertavam para
conflitos apregoados com frequência na atualidade: a necessidade
de mudança na postura da escola e dos modelos educacionais e a
influência e implicações dos aparatos comunicacionais na tarefa de
ensinar e aprender.
Sobre a influência de outros circuitos informativos no cotidiano
da escola, como os meios de comunicação, por exemplo, Freire e
Guimarães resgatam o conceito de “escola paralela”. Segundo este
conceito, existem outros canais de comunicação e informação (além
da escola) que os professores não controlam e que são frequentados
massivamente pelos alunos, não podendo, qualquer que seja a opinião,
negligenciar o problema pedagógico e sociológico que eles colocam.
“Trata-se de saber se a escola e a escola paralela vão se ignorar,
comportar-se como adversárias ou se aliar” (2011, p. 27).
A atribuição do status de seminal a essa obra se deve ao fato
de que os autores apontaram questões em um outro contexto
comunicacional, que ainda não contava com a diversificação de
dispositivos e computação ubíqua. Entretanto, os conflitos se
mostram extremamente atuais e continuam permeando as discussões
quando o assunto é a relação entre Educação e TICs.
Para Freire e Guimarães (2011), a apropriação dos meios de
comunicação para fins de ensino-aprendizagem é perfeitamente
possível e benéfica – como no projeto PALMA –, sejam estes
analógicos ou digitais. Porém, essa apropriação requer habilidades,
planejamento e esforço para que possa de fato ser útil e representar
um diferencial. O uso de aparatos de comunicação pode ser uma
40
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
41. alternativa para renovação de metodologias, passando esta a ser uma
tarefa também do professor, o que implica rever sua postura e métodos.
É importante ressaltar que, segundo Freire e Guimarães (2011), essa
percepção já existia, no entanto, é reconfigurada com a TICs, que
têm como característica intensificar o fluxo comunicacional, pois são
meios bidirecionais (de todos para todos), nos quais a informação
pode ser acessada e compartilhada de múltiplos dispositivos.
Uma questão que figura com a profusão de tecnologias e
dispositivos comunicacionais é justamente a figura do professor. Para
Muniz Sodré, “não há dúvida de que as tecnologias da comunicação
e da informação impõem uma revisão do estatuto tradicional do
professor” (2012, p. 202). No entanto, Freire e Guimarães (2011)
afirmam que sempre foi necessário o professor se atualizar e os meios
de comunicação sempre representaram um desafio no exercício de
ensinar.
Tendo em vista os argumentos apresentados, é possível afirmar
que, em alguns momentos, as questões e preocupações que afligem a
apropriação e a relação TICs e ensino-aprendizagem se assemelham
em partes com as mesmas delineadas no período das mídias massivas.
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Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
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43
Mobile Learning: Novos meios, velhas questões
44. Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
44
Processos comunicacionais
assíncronos em ambientes virtuais
de aprendizagem: verificação de
colaboração por meio de uma
visualização estrutural
André Rosa de Oliveira1
Contexto:Conhecimento,ferramentasassíncronasecolaboração
Ao redigir o prólogo do livro Más Allá de Google, de Jorge Juan
Fernández García, Alfons Cornella, fundador da empresa espanhola
Infonomia, relacionou as palavras informação, comunicação, tecnologia
e conhecimento:
a informação é a substância do mundo: a comunicação
— a relação —, uma das razões da existência dos seres
vivos; a inteligência, o que nos distingue de outras espécies;
a tecnologia, a ferramenta que nos permite transformar
o mundo (embora não necessariamente para melhor); o
conhecimento, o que transforma o possível em realidade
(2008, p. 8, tradução nossa).
Em poucas palavras, Cornella sintetizou a proximidade entre
as áreas da educação e da comunicação, conectadas por meio da
1
Jornalista. Doutorando pela Universidade Metodista de São Paulo. Mestre em
Comunicação pela Faculdade Casper Líbero. Professor das Faculdades Integradas
Rio Branco. Contato: andrerosa.jor@gmail.com
45. 45
tecnologia.
Portrásdadensidadeecomplexidadedadefiniçãodeconhecimento,
sua importância revela-se diante das possibilidades de combinação
das configurações e aplicações da informação com as tecnologias da
comunicação (SQUIRRA, 2005, p. 258). Ainda que não seja novidade
— no século XIX, estudantes se relacionavam com alunos por
correspondência (KEEGAN, 1996) —, modelos de ensino a distância
despertam interesse em distintas áreas. O fascínio provocado por esta
combinação é nítido a partir dos anos 1990, momento definido por
Romiszowski (2009) como “onda de e-learning”: pesquisas foram
conduzidas em instituições das mais variadas áreas — basicamente
educação, mas também ciência da informação, engenharia de
produção, administração, entre outras — dispostas a compreender
as oportunidades em buscar conhecimento em ambientes mediados
tecnologicamente. Em especial, a comunicação mediada por
computador (CMC):
Processo pelo qual pessoas criam, trocam e percebem
a informação utilizando sistemas de telecomunicações
em rede, que facilitam a codificação, transmissão e
decodificação de mensagens... Estudos em comunicação
mediada por computador podem visualizar este processo
a partir de uma variedade de perspectivas teóricas e
interdisciplinares, concentrando-se em uma combinação
de pessoas, tecnologias, processos e efeitos (DECEMBER,
1996 apud ROMISZOWSKI; MASON, 2004, p. 398,
tradução nossa).
Os primeiros sistemas de comunicação baseados em uso de
computadores foram desenvolvidos nos anos 1970. Paralelamente
ao desenvolvimento da Arpanet e seu sistema de comunicação mais
popular — o serviço de e-mail, cuja mensagem pode ser de um para
um, de um para muitos ou uma lista de discussão — havia redes locais
de computadores que contavam com serviços de fóruns, conhecidos
Processos comunicacionais assíncronos em ambientes virtuais de aprendizagem:
verificação de colaboração por meio de uma visualização estrutural
46. Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
46
e usados até os dias de hoje. Hiltz e Turoff (1993, p. 22) lembram
que, na época, esta ferramenta era denominada computer conference,
caracterizada por discussões orientadas por tópicos, cuja transcrição
permanente é construída durante o processo. A troca de mensagens
pode ser realizada de forma assíncrona, dando aos interlocutores a
flexibilidade para registrar suas participações a qualquer tempo.
Nos últimos anos, instrumentos para comunicação mediada
por computador são utilizados para a publicação de informações
e o compartilhamento de conhecimento por meio da rede. Tais
ferramentas foram combinadas e agrupadas em sistemas únicos,
formando ambientes virtuais de aprendizagem (AVA), também
conhecidos pela sigla LMS — em inglês, learning management system.
O Moodle, acrônimo de Modular Object-Oriented Dynamic Learning
Environment, é um exemplo de software gerenciador de cursos e
disciplinas, composto por recursos e atividades acessíveis a partir de
um navegador web e distribuído gratuitamente (SILVA, 2010).
Construído em código aberto, dispõe de diversos recursos para que
alunos e tutores compartilhem e acessem conteúdos. Sua flexibilidade
permite a adaptação de sistemas como webconferência, mas em sua
instalação padrão habilita a utilização de fóruns assíncronos, aos
moldes dos pioneiros serviços de computer conference.
Além de disponibilizar conteúdos de maneira simples e
organizada, os AVAs pretendem estimular o “processo individual,
que pode ser potencializado, com atividades colaborativas, como a
combinação de situações-problema e interações sociais, de forma a
desenvolver habilidades pessoais e coletivas” (PESCE et al, 2009,
s.p.). O envolvimento dos seus participantes a partir das ferramentas
de comunicação é sintetizada pelo termo colaboração, cuja relação
imediata com ambientes virtuais pode mostrar-se delicada.
Os termos colaboração e colaborativo são penetrantes.
Algumas vezes, eles parecem ser usados como legitimadores
47. 47
Processos comunicacionais assíncronos em ambientes virtuais de aprendizagem:
verificação de colaboração por meio de uma visualização estrutural
de jargões: “nosso projeto proposto vale a pena ser
financiado porque temos a promessa de colaborar!” E
algumas vezes elas parecem ser usadas como atalhos
em torno da organização detalhada do projeto: “nosso
projeto proposto será um esforço colaborativo entre
departamentos interessados, com a partilha de custos
colaborativa e alocação de equipe” (RENTFROW, 2007, p.
8, tradução nossa).
O cenário apresentado acima norteou a realização de uma
pesquisa no âmbito das ciências sociais aplicadas (OLIVEIRA, 2011),
com objetivo de identificar a existência de colaboração em ambientes
virtuais de aprendizagem, registradas em bancos de dados por meio
de trocas assíncronas de mensagens a partir de ferramentas baseadas
em texto — ou seja, os fóruns.
Indicadores que denotam colaboração
O trabalho parte do conceito de aprendizagem colaborativa
proposto por Pierre Dillenbourg, um dos pioneiros entre os
pesquisadores que observam o uso de computadores conectados
em rede para a educação, reforçando o conceito de aprendizagem
colaborativa por meio de computador — computer supported collaborative
learning (CSCL): uma situação onde duas ou mais pessoas aprendem
ou tentam aprender algo juntos através de processos de interação
social, mediadas pela linguagem, em busca do desenvolvimento de
habilidades específicas e a resolução de problemas (DILLENBOURG,
1999, p. 2).
O autor propõe indicadores para avaliar a adequação de um
ambiente à colaboração. Sua situação, condições do ambiente em
promover simetria de ação e status entre os agentes, sem hierarquia,
diante de objetivos comuns; suas interações, o diálogo negociado
48. Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
48
entre os interlocutores (em oposição a ordens), em que o todo é
constituído a partir de partes; seus mecanismos, processos capazes de
acionar mecanismos de participação e aprendizagem; e seus efeitos,
isto é, se houve colaboração ou não e em que medida.
Assim, espera-se que o ambiente se aproxime do que Paloff
e Pratt (2004, p. 39) definem por comunidade: presença de trocas
ativas entre os interlocutores, envolvendo tanto conteúdo pertinente
e objetivos propostos quanto comunicação pessoal, expressões de
apoio e estímulo, significados construídos socialmente evidenciados
pela busca a um acordo.
O resultado da combinação entre interações e mecanismos nesta
situação deve ser uma síntese das ideias, algo diferente do que poderia
ser produzido por indivíduos isoladamente.
Wenger (1998) recorta o conceito, ao definir comunidade de
prática: indivíduos conectados por um propósito comum por meio
de sistema complementares, normalmente de caráter voluntário não
hierárquico e auto-organizado.
Esta comunidade se vê diante de problemas práticos, e a resposta
a influências externas deriva da experiência e conhecimento dos
participantes, e não de uma diretriz ou política externa.
Este artigo descreve a metodologia utilizada em uma pesquisa
empírica, buscando visualizar os indicadores de colaboração em
um ambiente que se apresenta como uma comunidade de prática
aberta. Em linhas gerais, os registros textuais de um AVA foram lidos
e organizados em categorias, procedimento que remete a Grounded
Theory.
Da mesma forma, as conexões semânticas entre as mensagens
também foram rotuladas, permitindo uma visualização estrutural:
considerando as mensagens e suas relações, respectivamente, como
vértices e laços, os fóruns foram representados graficamente.
Diante destas estruturas, foi possível fazer inferências de caráter
quantitativo sobre as interações, bem como apontamentos qualitativos
49. 49
Processos comunicacionais assíncronos em ambientes virtuais de aprendizagem:
verificação de colaboração por meio de uma visualização estrutural
baseados nos indicadores de colaboração propostos.
Metodologia: Combinação de SNA e Grouded Theory
A capacidade de computadores “interpretarem” dados de maneira
mais estruturada, definida pelo físico Tim Berners-Lee como web
semântica, revela-se um campo de pesquisa fértil aos interessados em
relacionar nossa capacidade cognitiva e a recuperação de dados em
rede — algo possível, por exemplo, com os fóruns assíncronos em
um AVA.
Tendo como pano de fundo a web semântica, Zhuge (2003) propõe o
conceito de active document framework (ADF), um navegador inteligente
capaz de percorrer grandes bases de dados e que, a partir de algumas
palavras ou expressões processadas por algoritmos, seja capaz de
conectar fragmentos de texto semanticamente.
Este conceito pode ser aplicado a troca de mensagens em
ferramentas assíncronas, onde usuários interagem colaborativamente
expondo não apenas suas expectativas, mas também intenções e
outras marcações emocionais em seu discurso — é o que Walther
(1996) observa como nível de diálogo interpessoal, que passa a uma
condição hiperpessoal a medida em que, diante apenas de elementos
textuais para a formação do perfil de um interlocutor, aspectos
positivos são mais valorizados.
Presume-se que, a partir da primeira mensagem de um tópico, é
possível percorrê-la em meio a participação coletiva dos membros,
cuja finalidade é a busca por solução.
Cada fragmento de texto, portanto, é parte de um único documento,
resultado de um processo de negociação entre usuários a partir de
ideias e pontos de vista distintos.
Um tópico aberto (isto é, um documento) pode ser representado
graficamente, de forma análoga ao modelo de ADF proposto por
50. Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
50
Zhuge: fragmentos textuais representados por vértices, conectados
entre si como exemplificado na Figura 1. Mais do que isso, o autor
propõe a classificação do tipo de conexão entre dois fragmentos,
formando uma rede de links semânticos (semantic link network, SLN).
Mesmo considerando as postagens como fragmentos de um único
documento, o caráter independente das mesmas não indica um único
fluxo de leitura possível.
Por essa razão, os laços não possuem orientação (setas).
Uso de Social Network Analysis (SNA)
A visualização das trocas de mensagens por meio de estruturas
em forma de grafos permite a aplicação da análise de redes sociais
(ARS, ou em inglês, Social Network Analysis, SNA), instrumento
que vem chamando atenção das ciências sociais (FRAGOSO et al,
2010, p. 115). Trata-se de uma ferramenta metodológica de origem
multidisciplinar, que permite a quantificação e a relação matemática
entre elementos, de modo a testar a manutenção ou a alteração de
padrões em um determinado tempo por meio de indicadores, como
a quantidade de conexões em um determinado nó (grau de conexão),
a proporção do número de conexões em relação ao seu limite ou a
quantidade de conexões em um único nó (SOUZA; QUANDT, 2008;
WASSERMANN; FAUST, 1994).
51. 51
Processos comunicacionais assíncronos em ambientes virtuais de aprendizagem:
verificação de colaboração por meio de uma visualização estrutural
Figura 1: representação de um fórum por meio de um grafo
Tradicionalmente, este método é usado em fenômenos onde os nós
dografocorrespondemaosmembrosdogrupo,inclusiveemambientes
virtuais de aprendizagem (GRUZD; HAYTHORNTHWAITE,
2008; ZHU, 2006). Ao observar fragmentos de texto, nem todos
os indicadores propostos pela SNA mostram-se relevantes – um
exemplo é a densidade da rede, isto é, a relação entre os elos existentes
e o máximo de conexões possível. Espera-se, nesse caso, apenas o
número de laços suficientes para estabelecer diálogos: ao menos
duas para mensagens intermediárias e uma para as que encerram a
discussão.
Outras propriedades, no entanto, podem estar relacionadas ao
comportamento de mensagens num fórum. O grau nodal (número de
conexões em um vértice) representa a quantidade de reações de uma
postagem. A distância geodésica (distância entre um ponto e outro,
medida pelo número de laços) indica a extensão e profundidade
da conversa. Já o grau de intermediação (probabilidade de um nó
fazer parte de um caminho) revela postagens cruciais, afinal, todos
os caminhos possíveis passam por ele. Presume-se ainda que,
normalmente, o nó que apresenta o maior grau de intermediação é a
postagem inicial.
52. Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
52
Categorização por meio da Grounded Theory
A análise de um fórum por meio de grafos, levando em conta
propriedades matemáticas quantitativas, pode caracterizar a presença
de colaboração por meio das interações. Sua verificação por meio do
ambiente ou mecanismos, no entanto, exige uma percepção qualitativa.
Gunawardena et al (1997, p. 414) leva em conta cinco etapas que levam
ao processo de colaboração mediada por ferramentas assíncronas: o
compartilhamento e comparação de informações, a exploração de
pontos de vista divergentes, a negociação de significados, a construção
e a aplicação de uma síntese proposta.
Um caminho para identificar os níveis de diálogo é a classificação
das mensagens e suas conexões. Este processo remete a Grounded
Theory, metodologia das Ciências Sociais conhecida em português
como Teoria Fundamentada em Dados, que tem em Barney Glaser e
Anselm Strauss seus precursores. Eles a definem como um “método
geral de análise comparativa e um conjunto de procedimentos capazes
de gerar sistematicamente uma teoria fundada nos dados” (GLASER;
STRAUSS, 1967, apud TAROZZI, 2011, p. 17).
Na Grounded Theory, a teoria deve emergir de maneira indutiva,
baseando-se na valorização e observação sistemática, na
comparação, classificação, análise de similaridades e contrastes
entre dados.
Assim, um dos elementos mais importantes da coleta de
dados é a organização desses dados, que passa por um
processo denominado codificação. Essa codificação é já,
em si, uma forma de análise e consiste numa sistematização
dos dados coletados, de forma a reconhecer padrões
e elementos relevantes para a análise e para o problema
(FRAGOSO ET AL., 2011, p. 92).
53. 53
Processos comunicacionais assíncronos em ambientes virtuais de aprendizagem:
verificação de colaboração por meio de uma visualização estrutural
Há divergências entre suas premissas, perspectivas e abordagens,
especialmente diante das técnicas de codificação possíveis. No entanto,
para classificar uma pesquisa como fundamentada em dados, não se
trata de tarefa simples. Para Fragoso et al (2011, p. 110), o método é
pouco indicado para pesquisadores muito iniciantes, por ter um nível
de abstração muito alto.
É necessária a adoção de um conjunto sistemático de
procedimentos precisos para coleta, análise e articulação da
teoria conceitualmente abstrata. No cardápio dos métodos
de pesquisa, a Grounded Theory classica é “table d’hôte”,
e não “a la carte”. Gerar Grounded Theory requer tempo
(HOLTON, 2007, p. 258, tradução nossa).
Uma das exigências mais complexas da Grounded Theory é a de que
o pesquisador não deve ter ideias preconcebidas antes de analisar os
dados. Ora, diante de abordagens similares já realizadas, construir
um modelo de codificação sem uma agenda prévia, considerando
apenas a sensibilidade do observador, é uma missão impossível. É
possível, no entanto, “reconhecer essa experiência e esse lugar de fala
como existentes, essa carga de percepções pode influenciar de forma
positiva” (FRAGOSO ET AL, 2011, p. 90).
Em relação a trabalhos que também propuseram a codificação
de postagens, Gilbert e Dabbagh (2005) partiram de postagens
assíncronas entre estudantes e professores num curso de graduação
intitulado “Instructional Technology Foundations and Learning Theory on
Student Learning”. As pesquisadoras analisaram a transcrição das
discussões on-line e criaram um esquema de codificação com base na
compreensão dos estudantes. Da mesma forma, De Liddo e Alevizou
(2010) elaboraram um método específico para analisar fóruns de
cursos abertos da P2PU2
, a partir da observação e codificação das
2
Peer e Peer University, iniciativa de educação aberta online. Disponível em HTTP:
54. Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
54
mensagens. “Em síntese, é oportuno receber formação sobre o
processo
ideal de fazer GT, mesmo sabendo que assim como o processo é
apresentado na formação, nunca será encontrado na prática”
(TAROZZI, 2011, p. 59).
A combinação dos métodos Grounded Theory e SNA, para
classificação das postagens em um fórum e sua estruturação por
meio de grafos, permite compreender elementos a respeito de grupos
e, consequentemente, perceber como se dá a colaboração em um
ambiente de aprendizagem a partir das visualizações dos fóruns.
Aplicação em um ambiente virtual de aprendizagem aberto
O AVA escolhido para testar os métodos foi o grupo de estudos
on-line Educar na Cultura Digital3
, projeto coordenado pela jornalista
e educadora Priscila Gonsales e apoiado pelas Fundações Telefônica
e Santillana, em parceria com a Organização dos Estados Ibero-
americanos. Baseado no ambiente virtual de aprendizagem Moodle
instalado no portal global EducaRede, a proposta do grupo é aprender
a lidar com os desafios que as inovações tecnológicas trazem para a
escola.
Trata-se de um ambiente de aprendizagem aberto, pois qualquer
usuário interessado em aprender sobre o tema pode participar. Ao
mesmo tempo, cada membro intervém de acordo com o seu ritmo e em
qualquer das cinco áreas de estudo, reforçando seu caráter assíncrono.
Como se espera ainda que as discussões dos usuários transitem entre
o ambiente online e as salas de aula, o grupo de estudos pode ser
caracterizado como uma comunidade de prática.
//p2pu.org
3
Mais informações em http://www.educared.org/global/educarnaculturadigital
55. 55
Processos comunicacionais assíncronos em ambientes virtuais de aprendizagem:
verificação de colaboração por meio de uma visualização estrutural
Figura 2: relação entre o número de mensagens, usuários e data
A primeira etapa do grupo de estudos permaneceu funcionando
entre os dias 20 de agosto e 20 de dezembro de 2010, dividido em cinco
áreas, cada qual com o seu fórum temático: Mundo Digital, Geração
Interativa, Aprendizagem na Cultura Digital, Inovação Pedagógica e
Avaliação no Uso das TIC. Nesse período de quatro meses, foram
abertos 56 tópicos, distribuídos nestas áreas. Destes, os membros da
equipe abriram e moderaram 19, enquanto 30 participantes diferentes
cuidaram dos outros 37 — um destes abriu quatro, outro dois abriam
dois tópicos. Segundo as diretrizes do grupo, o usuário responsável
pela abertura de um tópico se responsabiliza por sua moderação.
Foram contabilizadas 4.275 postagens, 328 feitas pela equipe. Dos
2.325 membros que se inscreveram no grupo, 406 registraram alguma
participação. A Figura 2 distribui as mensagens no decorrer do tempo,
reforçando seu caráter assíncrono.
Todas as mensagens foram reproduzidas em uma planilha do
Microsoft Excel, onde foram comparadas com as publicações originais,
lidas e observadas, em busca de padrões de uso. De antemão, percebe-
se que os fóruns começam com alguma interrogação, incentivando os
interlocutores ao debate. Verificou-se uma diferença entre questões
que sugerem discussões amplas e outras, mais diretas, com pedidos
56. Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
56
ou convites.
Enquanto as perguntas podem ser divididas em “questões” e
“pedidos”, as respostas pressupõem uma variedade maior de rótulos
possíveis. No grupo de estudo observado, saltam aos olhos afirmações
pontuadas com verbos como “acho”, “penso”, “acredito”... pontos
de vista classificados como opiniões. Alguns destes trazem como base
algumaexperiênciapessoalouarealizaçãodealgumaatividadepróxima
ao tema em discussão. Outras são lastreadas por apontamentos ou
referência de textos ou autores.
Como nem todas as perguntas pedem apenas opiniões abertas,
é possível apontar caminhos diretos, bem como alguma sugestão
compartilhada: bibliografia, arquivo, link externo: casos que podem ser
caracterizados como recomendações. Alguns participantes se sentem
à vontade para fechar uma proposição, consolidando um discurso.
Por fim, algumas mensagens têm como único objetivo a socialização
— algo como um agradecimento pela contribuição ou um elogio.
Dessa forma, a observação destes fóruns permitiu a classificação das
mensagens em oito categorias, conforme o Quadro 1.
Rótulo Nome Características
QU Questão
Proposta de discussão referente
ao tema
PE Pedido
Solicitação de ajuda, orientação
aos membros
OP Opinião
Pensamento, ideia, analogia ou
metáfora
EX Exemplo
Descrição de experiências
pessoais ligadas ao tema
CI Citação
Menção a alguma das leituras
propostas pelo sistema
RE Recomendação
Compartilhamento de link
externo ou sugestão