1) O seminário sobre epistemologia é transferido para outra sala devido ao barulho de escavadeiras.
2) Os participantes discutem diferentes abordagens para o estudo do conhecimento em ciências sociais versus ciências naturais.
3) Jack defende que a filosofia atrapalha a pesquisa científica, enquanto Arthur argumenta que os próprios cientistas se envolvem com filosofia.
1. Coleyao Big Bang
Dirigida por Gita K. Guinsburg
Equipe de Realizayao - Revisao: Sandra Martha Dolinsky; Capa: Sergio Kon; Editorayao Eletronica:
Ponto & Linba; Produyao: Ricardo W.Neves e Raquel Fernandes Abranchcs.
Dialogos
sobre 0
Conhecimento • Feyerabend • Tradu<;ao e Notas
Gita K. Guinsburg
$l/l
::::a ~ PERSPECTIVA
~,~
2. Titulo do original italiano
Dialoghi sulfa conoscenza
Dados Intemacionais de Catalogayao na Publicayao (CIP)
(Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Feyerbend, Paul K., 1924-1994.
Dialogos sobre 0 conhecimento / Feyerabend ;
traduyao e notas Gita K. Guinsburg. -- Sao Paulo:
Perspectiva, 2008. -- (Big Bang)
Titulo original: Dialoghi sulla conoscenza.
Ia reimpr. da 1. ed. de 2001.
ISBN 978-85-273-0237-1
1. Ciencia - Filosofia 2. Conhecimento - Teoria
3. Filosofia - Teoria I. Guinsburg, Gita K. II. Titulo.
III. Serie.
Indices para catalogo sistematico:
1. Ciencia : Filosofia 501
Direitos reservados em lingua portuguesa it:
EDITORA PERSPECTIVA S.A.
Av. Brigadeiro Luis Antonio, 3025
01401-000 - Sao Paulo - SP - Brasil
Telefone: (0--11) 3885-8388
www.editoraperspectiva.com.br
Sumario
Algumas Observa<,;oes da Tradutora 9
Fantasia Platonica 11
Ao Termino de Urn Passeio Nao-Filosofico entre os Bosques 65
Posfacio 113
Cronologia Resumida da Vida e da Obra de Paul Feyerabend 119
3. Algumas Observa~6es
da Tradutora
As ideias de Feyerabend suscitaram grande interesse e poletl1icas
das mais acirradas nos meios cientificos e academicos devido a desafian-te
postUl'a critica desse fisico e filosofo que ganhou renome a partir da
decada de 1960, quando passou a dedicar-se especialmente a analise dos
fundamentos das teorias da fisica e da epistemologia cientlfica. A princi-pal
acusa<,;aolevantada contra suas concep<,;oes era a de ser um pregoei-
1'0do relativismo e do anarquismo intelectual. E os di{llogos que sao tra-vados
neste liv1'Oe que me proponho a levar ao conhecimento do leitor
cle lingua portuguesa giram precisamente em torno desses dois focos.
Neles,o autor procura tanto esclarecer e circunscrever a natureza e 0
alcance de seus pontos de vista, quanta os dos conceitos que os susten-tam,
de modo a infirmar os argumentos de seus ferozes adversarios.
POl' discutiveis que sejam algumas de suas concep<;oes, a discus-
S;IO e 0 modo de discuti-Ias sao de grande riqueza, e 0 pensamento clo
qual sao portadoras apresenta aspectos efetivamente vanguardeiros na
abordagem de algumas das grandes preocupa<,;oes da sociedade contem-por;
l11eana pauta do tecnicismo, da diversidade cultural e da individuali-dade
da pessoa, da trans e multidisciplinaridade e das rela<;oes entre
clf:ncia, politic a e etica. Com esse largo espectro de exame, os Dialogos
.wbre 0 Conhecimento desenvolvem a dialetica de um analista ousado e
agudo, cujas proposi<,;oes hao de incitar a reflexao quer nos caminhos da
fllosol1a quer nos da fisica.
4. Nao posso, entretanto, encerrar 0 meu breve comentario sobre as
ideias desse pensador sem mencionar as dllVidas surgidas em rela<,:aoaos
seus vinculos com 0 nazismo, nao s6 por Feyerabend ter sido criado na
atmosfera da Alemanha de Hitler e participado da Segunda Guerra
Mundial como combatente do exercito germanico, mas tambem pela
estranheza causada por algumas de suas declara<,:oesrelativas as respon-sabilidades
do povo alemao nos terriveis atos contra a humanidade em
geral e os judeus em particular perpetrados pelo III Reich. A esse prop6-
sito cumpre-me dizer que essas coloca<,:oesnao podem ser interpretadas
como uma defesa da ideologia e das praticas dos criminosos de Hitler, 0
que seria e e inaceitavel, sob qualquer 6ptica, mas e mister analisa-Ias e
compreende-Ias no contexto do seu pensamento, que se empenha em
transporta-Ias do plano coletivo para 0 da etica individual e, nesse senti-do,
relativiza-Ias.
Fantasia Platonica
A cena se desenvolve numa celebre universidade durante Uln
seminario. Uma pequena sala sombria, com uma mesa e algumas
cadeiras. Olhando-se para fora, pela janela, veem-se arvores, passari-nhos,
carros estacionados e duas escavadeiras, que procuram abrir
um grande buraco. Lentamente, a sala povoa-se de Ulna variedade de
jJersonagens, entre os quais Arnold, um estudante serio, de 6culos
grandes, com uma por(:ao de livros debaixo do bra(:o e um ar desde-nhoso
no semblante; Maureen, uma atraente senhora de cabelos rui-vos,
que parece Uln pouco confusa; Leslie, um sujeito, ou ao menos,
tun tipo encrenqueiro, possivelmente tmnbem estudante, que tem
todo 0 jeito de ser um cara criador de casos e de estar sempre pronto
a desandar it minima provoca(:ao;Donald, um individuo dificilmen-te
classificavel, armado de Uln caderno de anota(:oes e de um lapis
cuidadosamente apontado; Charles, um estudante coreano, de olhos
ir6nicos debaixo dos 6culos brilhantes; Seidenberg, tun senhor idoso,
com pesado acento centro-europeu, sem nada mais de fastidioso para
o ambiente; Li Feng, um estudante chines de jisica ou matematica, a
julgar pelos titulos dos livros que coloca sobre a mesa; Gaetano, jovem
e timido, tem 0 ar de quem escreve poesia;]ack, um l6gico de modos
1r{lormais e com uma dic(:ao precisa que contradiz a versao estadou-ntdense
dessa profissao, carrega uma grande sacola ...Entra 0 doutor
(:ole, 0 professor, de uns trinta e dois cmos, Ulna nova aqutsi(:ao da
5. David - Sim, e esse mesmo que queremos.
Dr. Cole (mais irritado do que antes) - Espero que saibam qual deles
vao fazer. POl'favor, sentem-se (sentam-se a sua volta, ele abre a
pasta, tira os apontamentos e uma capia do Teetetol). - Bern,
quero dizer que pensei que seria melhor tel' urn ponto de referen-cia
para a nossa discussao, de modo que ela nao venha a dispersar-se,
e pOl' isso sugeri discutir hoje 0 Teeteto de Platao.
Jack - Nao e algo urn tanto atrasado no tempo?
faculdade, inteligente no sentido estrito do tenno, acabou de concluir
uma tese sobre 0 ceticismo, sob a orientaftao de Donald Davidson, e
esta pronto a disseminar 0 conhecimento tal como ele 0 entende.
(A primeira escavadeira eletrica estrondeia.)
(Estrondeia tambem a segunda escavadeira etetrica.)
Leslie (paz um comentario e ri; Donald, que parece ter entendido,
mostra-se gravemente ofen dido).
Dr. Cole (distancia-se para par as coisas no lugar.)
(DuPlo estrondo das escavadeiras eletricas.)
(Dez minutos depois, cb:Cole volta, gesticula em direftao it porta, sai;
os outros 0 seguem, com uma expressao resignada no rosto.)
Maureen (cmninhando pelo corredor, vira-se para Arnold) - Ii esta a
aula de cozinha pos-moderna?
Leslie (que percebeu 0 sentido, ri ruidosamente) - A cozinha pos-moderna?
Nao h;l como enganar-se,o curso e este.
Arnold - Nao e verdade! Este e urn seminario sobre gnoseologia!
Leslie - Equal e a diferenc;;a?Que seja.
Jack - Bern... (tira da sacola um exenlplar do dialogo), esse tipo viveu
ha mais de dois mil anos, nao conhecia nem a logic a nem a cien-cia
moderna; assim, 0 que podemos aprender dele sobre 0 conhe-cimento?
Bruce - E voce pensa que os cientistas sabem 0 que e 0 conhecimento?
Jack - Nao falam dele, mas 0 produzem.
Bruce - Nao sei qual ciencia voce tinha em mente, mas no meu campo,
a sociologia, esta em curso urn debate sobre 0 "metodo con"eto".
De lU11 lado se diz que nao se pode tel' conhecimento sem a esta-tistica.
De outro, ao inves, dizem que e preciso tel' a "prfltica" da
area que se est;l examinando, de modo a estudar pormenorizada-mente
os casos individuais e descreve-Ios, quase como faria urn
romancista. Houve apenas urn pequeno escandalo a proposito de
urn livro, A Transformaftao Social da Medicina Americana; 0
autor, Paul Starr, discutiu alguns fenomenos interessantissimos,
tendo a seu favor a evidencia, mas nada de nllmeros; autorizados
sociologos recusaram-se a toma-Io a serio; outros, entretanto, tam-bem
abalizados, defenderam-no, e criticaram a maneira pela qual a
estatistica e usada. Em psicologia sao os comportamentalistas e os
introspectivistas, os neurologistas e os psicologos clinicos ...
Dr. Cole (gesticulando em direftao a uma outra sala) - Aqui dentro,
pOl' favor.
(Agora esta1nos numa enorme sala sem janelas, com uma mesa e
algumas cadeiras nov[ssimas, mas tambemmuito incamodas.)
Dr. Cole (senta-se it cabeceira da mesa) - Estou aborrecido com 0 atra-so
e a confusao. Finalmente podemos dar inicio ao nosso semina-rio
sobre gnoseologia.
David e Bruce (aparecem it porta) - Ii este 0 seminario de filosofia?
Dr. Cole (ligeiramente irritado) - Urn dos muitos. H;l outros ...
David (guardando 0 prospecto) - ...quero dizer,aquele sobre gno ...gno ...
Bruce - Gnoseologia.
I. Teeteto, Ol{ Sobre 0 Conhecimento, dialogo platonico de Socrates com outras persona-gens,
entre as quais figura 0 matematico Teodoro, que, ao discutir a posi<,;ao de
Protagoras sobre a "opiniao verdadeira", vai buscar, a pedido de seu interlocutor, 0
"embora nao bela, mas bem dot ado intelectualmente" jovem Teeteto, para encetar uma
investiga<,;;lOsobre a ciencia. Esse dialogo [oi um dos llltimos escritos par Platao com 0
objetivo de del~1()liLQEelatiyisn1Qe--(H:~J!hismo_d0S.Sofi£tas,
6. Jack - Bem ... as ciencias sociais ...
Bruce - Sao ciencias ou nao?
Jack - Voces ai ja viram elaborada uma coisa tao simples, bela e bem-sucedida
como a teoria de Newton?
David - Naturalmente que nao! As pessoas SaGmais complicadas do
que os planetas! Tanto e assim que as maravilhosas ciencias natu-rais
de voces nem ao menos se arriscam a tratar dos fenomenos
atmosfericos ...
Arthur (que per111aneceu junto ({porta, ({ escuta, e agora adentra, vol-tando-
se para jack) - Desculpe-me, nao pude deixar de ouvir.
Sou historiador da ciencia e penso que voces tern uma ideia acer-ca
de Newton um pouco superficial demais.Antes de tudo, aquilo
que chamaram de "simples e belo"nao equivale aquilo que chama-ram
de "bem-sucedido" - ao menos, nao em Newton. "Simples e
belo" refere-se aos seus prindpios basicos; "bem-sucedido" e 0
modo pelo qual ele os aplica. Nesse caso, ele usa uma cole<,;aoum
tanto incoerente de novas assun<,;oes,dentre elas uma, segundo a
qual Deus interfere periodicamente no sistema planetario a fim
de impedi-lo que caia aos peda<,;os. E Newton faz, na verdade,
filosofia. Ele se baseia num certo nllmero de prindpios que dizem
respeito aos procedimentos corretos. Formula os prindpios da
pesquisa e insiste muito neles. A dificuldade e que ele viola esses
prindpios no proprio momenta em que come<,;aa fazer pesquisa.
o mesmo vale para muitos outros fisicos. Num certo sentido, os
cientistas nao SaGaqueles que fazem ...
Jack - Certamente, quando come<,;ama filosofm".Eu posso compreender
que, entrando nessa area confusa, eles tambem se confundem.
Arthur - E sua pesquisa permanece inaiterada, malgrado tal confusao?
Jack - Bern ..., se a filosofia confunde ate a pesquisa, e uma razao a mais
para mante-la fora da ciencia.
Arthur - E como se faz isso?
Jack - Atendo-se 0 maximo possivel a observa<,;ao!
Arthur - E os experimentos?
Jack - Naturalmente, observa<,;oes e experimentos!
Arthur - POl'que os experimentos?
Jack - POl"queas observa<,;oes a olho nu nem sempre SaGconfiaveis.
AJ.thur - Como voce faz para sabe-lo?
Jack - Outras observa<,;oes mo dizem.
Arthur - Quer dizer que uma observa<,;ao Ihe diz que voce nao pode
confiar numa Olltra observa<,;ao? Como?
Jack - Voce nao sabe como? Bem ... , enfie um bastao na agua; parece
curvo, mas voce sabe que e reto pOl"que teve a sensa<,;aodisso.
AJ.'thur - Como faz para sabe-lo? A sensa<,;aode que ele era reto poderia
ser enganosa!
Jack - Os bastoes nao se encurvam quando SaGimersos em agua.
Arthur - Realmente? Nao se diria isso seguindo a observa<,;ao,como voce
me aconselhou. Olhe aqui (pega U111capo d'agua, que estava
diante do dr. Cole, e i111ergenele a lapis).
Jack - Mas 0 que me diz daquilo que voce sente quando 0 toea?
AJ.thur - Bem ... se devo ser honesto, 0 que sinto e frio, e nao estou muito
certo de poder julgar a forma do lapis. Mas suponhamos que eu
consiga; entao, tudo aquilo que estou com vontade de fazel', aten-do-
me a suas sugestoes, e a compila<,;ao de um rol: 0 lapis se enclU"-
va quando e visto au"aVeSda agua, 0 lapis e reto quando e tocado
na agua, 0 lipis e invisivel quando fecho os olhos ... e assim pOl'
diante, e neste caso 0 lapis e definido pelo elenco.
Jack - Mas e absurdo - ele e sempre 0 lapis!
Arthur - De acordo, se quer falar de algo que tem uma propriedade
estavel mesmo se ninguem 0 observa, voce pode faze-lo, mas as
observa<,;oes devem COlTerde Olltro modo.
Jilek - Esta bem, concordo. Mas trata-se de simples senso comum, que
nao tern nada a vel' com a filosofia.
Arthur - Ao contrario, tem sim! Muitos debates filosoficos, inclusive
aquele contido no diilogo que temos a nossa frente, versam pre-cisamente
sobre tal questao!
Jllck - Bem ... se a filosofia e essa, voce po de ficar com ela. Quanto ao
que me diz respeito, manter que os objetos nao SaGapenas elen-
7. cos de observa<,;oes, mas entidades com caractedsticas proprias, e
somente uma questan de senso comum - e os cientistas seguem
o senso comum.
Arthur - Mas isso nao e verdade, ao menos nao esse genera de senso
comum! 0 que temos, dizia Heisenberg quando trabalhava num
de seus primeiros escritos, san as raias espectrais, sua freqiiencia e
sua intensidade; de modo que e preciso encontrar Ull1esquema
que nos diga como essas coisas se associam, sem postular "obje-tos"
subjacentes. E depois de introduzir as matrizes, que san elen-cos,
embora urn pouco complicados.
Jack - De acordo.Agora direi que os cientistas pautam-se segundo 0
senso comum, a menos que a experiencia nao lhes diga algo diver-so.
Como quer que seja, nao ha necessidade alguma da filosofia.
Arthur - As coisas nao san tao simples! Quando falei de "experiencia",
pretendi talar de complicados resultados experimentais.
Jack - Sim.
Arthur - E os experimentos complicados estao, muitas vezes, cheios de
imperfei<,;oes, especialmente quando entramos num novo campo
de pesquisa. Imperfei<,;oes, quer pr{tticas - alguma parte da ins-trumenta<,;
ao nao funciona como deveria-,querteoricas - alglU1s
efeitos san descurados ou calculados erroneamente.
Arthur - Mas esta dito que voces estao salvos. Os computadores estao
programados para efetuar aproxima<,;oes, e estas podem acumu-larose
de modo a distorcer os resultados. Seja como for, san muitis-simos
os problemas. Pense somente nas numerasas tentativas de
descobrir urn so polo magnetico, ou Ulll quark isolado.Alguns os
encontraratl1, outros nao, outros ainda descobriratn coisas trans ...
Jack - 0 que tern a vel' tudo isso com filosofia?
Arthur - Vou dizer-lhe dentra de urn minuto! Como quer que seja, voce
concorda que nao seria prudente presumir que todos os experimen-tos
efetuados num novo campo dao, de repente, 0 mesmo resultado?
r .(
,'f i v - Fantasia Platonica 0 17 J I '
'll '~.~ t Al:tijur - E assim, uma boa teoria, ate mesmo uma teoria excelente, pode
~1.I,' estar em dificuldade pOl' causa de tal fenomeno. E pOl'"boa" teoria
~ , :entendo uma teoria que concorda com todos os experimentos ,
"!~:" isentos de pecha. E,como as vezes precisamos de anos, senao secu-
~ ~ .~: los, para remover os defeitos, temos necessidade de manter viva a
,'~ j. ~ ~ teoria de qualquer modo, embora indo de encontro a evidencia.
l! Jack - Seculos?
Arthur - Com certeza. Pense na teoria atomica! Foi introduzida pOl'
oj Democrito ja faz muito tempo. Desde entao, foi criticada freqiien-
~ 011 'f~3,'temente, e com excelentes razoes, se se considerar 0 conhecimen- to da epoca. POl'volta do fim do seculo passado, alguns fisicos con-
~ -! t " tinentais consideravam-na urn monstro antediluviano, motivo pelo
I•~• '.'- ual nao era incluida na ciencia. Todavia, foi mantida viva, e isso
constituiu urn bern, porquanto as ideias sobre 0 atomo forneceram
otimas contribui<,;oes a ciencia. Ou entao, tome a ideia do movi-mento
da Terra! Ela existia naAntigiiidade; foi criticada severamen-te
e de maneira assaz razoavel pOl'Aristoteles. Mas sua lembran<,;a
sobreviveu, e isso foi muito importante para Copernico, que colheu
(,) '"'
a ideia e a levou ao triunfo. POl'isso, e born manter viva a teoria
r~utadg.bomnaoSe<:l~.ix;~~~~i~_~i.Rf~;~~~i~=e,
pelos experimentos!
~,..,_".·~"'N~~'~'''.''''"~_.'..',~••._.".•.~
,
';' Arthur - Nao, nos somos cientistas, pOl' conseguinte, procuraremos
.'
~I Ht~:::~?~~:~:~~::;~,~if
r i .~ mundo independente daquele do qual nos falam as observa<,;oes /Ii
l '.Ii disponiveis, mas apto a sustentar uma refutada tese pat·ticular. ) •..• t'! I . .
II~~
Jack r'r",- Mas d~~'~;~~~:isso e metafisica! ·~;Q:;~:;,:,::C'~~;I J, "'" . ( . ". ."
8. argumentos metafisicos para continual' a se desenvolver; hoje ela
nao seria 0 que e sem essa dimensao filosofica.
Jack - Bern ... terei de pensar nisso! Como quer que seja, uma filosofia
desse genera estaria estritamente conectada a pesquisa - e, em
vez disso, 0 que encontramos aqui, em Platao (indica 0 livro)? Urn
dialogo, quase uma telenovela, urn monte de conversa fiada daqui
e de la ...
Gaetano - Platao era urn poeta ...
Jack - Bern ... se era, entao a minha opiniao esta confirmada; nao e certa-mente
este 0 genero de filosofia de que temos necessidade!
Arnold (para Gaetano) - Nao penso que se possa afirmar que Platao
era urn poeta! Ele disse coisas muito duras sobre a poesia, de fato
falou de uma "longa batalha entre filosofia e poesia" e alinhou-se
firmemente ao lado dos filosofos.
Jack (voltando ao ataque) - E pior do que eu pensava! Nao the agrada-va
a poesia e nao sabia como escrever urn ensaio decente, pOl' isso
caiu numa versao enfadonha da poesia ...
Arnold - Alto la!Alto la! Permita que eu me explique! Platao e contrario a
poesia. Mas e tambem contrario a qualquer coisa que se poderia cha-mar
prasa cientit1ca.E ele 0 diz de urn modo bastante explicito ...
!Jf J
Arnold - Nao, em outro dialogo, Fedro. Ele insinua
fico e, em grande parte, umaf;~~lde.
Bruce - Nao havia urn artigo que se intitulava E 0 ensaio cientifico
umafraude?
Arthur - Sim, voce tern razao, e de Medawar, urn laureado do premio
Nobel, mas nao me lembro onde 0 vi.
Arnold - Seja como for, aquilo que preocupava Platao era 0 fato de que
urn ensaio fornece resultados e talvez algumas demonstra<,;oes,
mas diz a mesma coisa, repetidas vezes, quando a gente propoe
uma pergunta.
Arthur - Bern ...tambem urn dialogo escrito diz a mesma coisa repetidas
vezes; a {mica diferenc;:a e dada pelo fato de que a mensagem e
repetida nao apenas pOl' uma so personagem, mas pOl' muitas.
Nao, a dificuldade do trabalho cientffico e que ele the conta uma
fabula. Quando Thomas Kuhn2 entrevistou os participantes da
revoluc;:ao quantica ainda vivos na epoca, eles repetiram, de infcio,
aquilo que aparecia impresso. Mas Kuhn se preparara bem. Lera
cartas, relatorios informais, e todos esses documentos diziam algu-ma
coisa de muito diferente. Ele indicou a circunstancia e, pouco
a pouco, as pessoas come<,;aram a recordar aquilo que havia real-mente
acontecido.Tambem Newton corresponde a esse modelo.
No fim das contas, depois de tudo, fazer perguntas significa intera-gir
com m~teriais altamente idiossincraticos ...
Jack - Trata-se da tipica instrumentac;:ao experimental.
Arthur - Quao pouco sabem voces, logicos, daquilo que sucede nos
laboratorios e nos observatorios! A instrumenta<,;ao tfpica funciomli
para a perda de tempo tfpica, nao para a pesquisa que procura
impelir os limites um pouco mais aIem. Nesse caso, ou voce usa a "
instrumentac;:ao tfpica de urn modo atipico, ou entao precisa inven-tar
coisas inteiramente novas, cujos efeitos colaterais nao the sao
familiares, de forma que deve aprender a conhecer 0 seu aparelho
como se faz com uma pessoa, e assim pOl' diante - nada de tudo
aquilo que se apresenta nos relatorios tradicionais que sao publica-dos.
Mas a questao agora e discutida em conferencias, seminarios e
pequenos coloquios.Tais discussoes, onde urn argumento e defini-do
e mantido a superficie grac;:asao debate continuo, constituem
uma parte absolutamente necessaria do conhecimento cientffico,
sobretudo la onde as coisas se movem de maneira muito veloz. Urn
matem;ltico, um fisico de altas energias, um biologo molecular, que
conhecem somente os tratados mais recentes, nao so estao atrasa-dos
em meses, como nao sabem sequel' sobre 0 que versa a obra
impressa; ela poderia tambem escapar-lhes inteiramente. Tambem
li Fedro, e esse me parece ser precisamente aquilo que Platao pre-tendia;
ele queria uma "troca viva", como 0 denomina; e e essa
troca, e nao a sua reprodu<,;ao estilizada*, que de define como
I2. Vide A Jistrutura etasRevo!uxies CientfJicas, de Thomas S. Kuhn, traer. brasileira, Sao
Paulo, Perspectiva, 1976.
9. conhecimento. Naturalmente, Platao utilizou dialogos, e nao prosa
cientifica, que tambem existia em seu tempo e ja estava bem
desenvolvida. Como quer que seja, 0 conhecimento nao esta conti-do
no dialogo, mas, sim, no debate de onde brota, e que 0 partici-pante
recorda quando Ie 0 dialogo. Direi que ao menos, a esse res-peito,
Platao e muito moderno!
Donald (com voz queixosa) - POl'que nao podemos comec;ar agora
com Platao?Temos um texto - todo esse palavrorio sobre ciencia
esta acima de meu alcance e, aIem disso, nao cabe num seminario
sobre gnoseologia. Nos devemos definir 0 conhecimento ...
Maureen - Ainda estou confusa; e este curso de ...
Leslie - ...de cozinha pos-moderna? Naturalmente que sim! Mas h;1
razoes. Querosaber um pouco mais sobre Platao. Dei apenas uma
olhada na 1iltima pagina (pega uma c6pia do dialogo que estava
com Donald e indica um trecho) e a julgo muito estranha. Quando
tudo acaba, Socrates vai a julgamento. Mas ele nao foi mOt10?
Dr. Cole - Bem... penso que deveremos comec;ar pdo inicio.
Seidenberg - Posso dizer uma coisa?
Dr. Cole (levanta os olhos para 0 teto com um ar desesperado).
Seidenberg - Nao, creio que e importante. De inicio pensei que esse
senhor ai (aponta para Leslie) nao estivesse muito interessado na
filosotla.
Leslie - Pode muito bem dize-Io ...
Seidenberg - Nao, nao, nao e verdade. Olhe! (Voltou sua ate11(;aopara
a ultima pagina e repentinamente mostrou interesse).
Leslie - Bem, e um pouco estranho ...
Seidenberg - De modo algum! E verdade, Socrates foi acusado de impie-dade
e precisou apresentar-se perante a assembleia geral.A conde-nac;
ao a morte era uma conseqiiencia possivel. Em Olltro diilogo,
o Fedon, ele j;1estava condenado it morte, presume-se que deva
beber 0 veneno ao par-do-sol. Ele assim 0 faz e mon-e, precis amen-te
no fim do dialogo.
Maureen (que esta ficando menos confusa e mais interessada) _
Quer dizer que Socrates falava de filosofia sabendo que estava
para mOlTer?
,',No original, em ingles, streamlined cross-section, que significa literall11ente "se;ao trans-versal
aerodinamica".
Lt.:slie- Estranho! Um professor que fala e fala, embora saiba que seus
verdugos estao realmente esperando por ele fora da sala de aula.
Como e possivel isso?
Sddenberg (excitado) - Nao e so isso! Os dois personagens principais do
dialogo que 0 professor Cole pretende ler conosco, Teeteto e
Teodoro, eram personagens historicos, ambos eminentes matemati-cos.
ETeeteto - e dito na introduc;ao - fora gravemente ferido
numa batalha e pouco depois morreu de disenteria.Num certo sen-tido,
o dialogo foi escrito em sua memoria, em memoria de um gran-de
matematico que tambem havia sido um valoroso combatente.
Estas sao coisas muito interessantes. Em primeiro lugar, pelo fato de
ser um dialogo; de nao ter nada a ver com a poesia, se entendida
supertlcialmente como um discurso ligeiro; de derivar de uma con-cepc;
ao especial do conhecimento e de esta concepc;ao estar muito
viva ainda hoje em dia, como dizArthur, nao" em materias atrasadas"
(lan<r'auma olhada para Jack), mas entre as disciplinas mais res-peitadas
e de desenvolvimento mais rapido, como a matem;ltica e a
fisica das altas energias. Em segundo lugar, encontra-se aquilo que
se pocleria chamar cle"climensoes existenciais", vale clizer,o moclo
pelo qual a cOt1Versac;aointeira esta insericla nas situac;oes extremas
ciavida real. Eu me dou conta de que isso e muito cliferente clegran-de
parte cia tllosofia moderna, que so analisa as propriedacles logi-cas
dos conceitos e pensa que isto seja tuclo 0 que se pode dizer a
seu respeito.
David (hesitante) - Li 0 cli;llogo pOl'que queria estar preparado para a
aula. Ate eu fiquei surpreso com 0 final, mas nao vejo que efeito
pocleria ter sobre 0 debate, que se assemelha muito a uma aula
como aquela que eu tambem assisti; alguem diz qllC~~oconheci-
~E.!.2-.t experiencia ...
Dr.Cole - P:~~eP<i:.'lo ...
Davicl- ...Bem ...que 0 conhecimento e~r~s;.ao,..algum Olltro ofere-
-, -----------~ ~-.,
ce contra-exemplos, e assim por cliante. E verdacle, 0 clialogo e um
10. pouco palavroso, mas nele nao se faz nenhuma referencia a
morte.Ao fim, Socrates imprevistamente diz que deve ir ao tribu-nal.
Poderia tambem dizer que estava com fome e que iria cear.
Seja como for, parece aposto apenas para produzir efeito e nao
acrescenta nenhuma dimensao existencial aos conceitos ...
Seidenberg - Mas no Fedon ...
Charles - Eu 0 tenho aqui (soergue um livro). Penso que seja ainda
pior. De fato, como come<;;a? Socrates esta em companhia de
alguns de seus admiradores. E eis sua mulher (W a texto do livro)
"com seu filho nos bra<;;os".Ela chora e the diz:"agora, seus amigos
vido falar com voce pela tlltima vez, Socrates" - pelo menos con-forme
0 relato urn pouco desdenhoso fornecido por Fedon, 0
principal interlocutor. "Ela diz todo genera de coisas que as
mulheres estao propensas a dizer em certas ocasioes" - tal e 0
modo como ele fala dela. E Socrates 0 que faz? Pede a seus amigos
que a conduzam para casa a fim de que ele possa falar de coisas
mais elevadas. E urn tanto insensivel, diria.
Maureen - Mas ele est;l para morrer!
Charles - Por que deveria alguem jamais ser levado a serio e pOl'que se
deveria permitir que se comportasse como urn bastardo so por-que
ele esta para moner?
Bruce - E par culpa dele mesmo!
Maureen - 0 que pretende dizer com isso?
Bruce - Nao sera, talvez, verdade que ele proferiu a sua arenga diante de
uma assemblda geral que 0 condenara, mas the dera a possibilida-de
de defender-se? E Socrates escarneceu deles -leia a ApoZogia!
Depois disso, condenaram-no por uma margem ainda mais ampla.
Tratara a assembleia com 0 mesmo cui dado que havia dispensado
a sua mulher e ao filho.
Maureen - Mas morreu por suas ideias, nao cedeu.
Charles - Tampouco Goering, no processo dos nazistas. "E 0 poder" -
disse ele - "que decide uma questao, e nos 0 desfrutamos enquan-to
esse durou". E depois se suicidou, realmente como Socrates.
Seidenberg - Nao acho que se deveria comparar as pessoas desse modo.
Leslie - Por que nao? Ambos sac membi'os da ra<;;ahumana! Charles tem
realmente razao. Moner pelas proprias iddas nao produz automa-ticamente
santos.Veja 0 que se diz aqui - encontrei justamente 0
trecho.O que significa 0 ntlmero 173escrito a mal-gem?
.tk Cole (querendo jaZar).
,/y'nold (mais rapido do que dr.CoZe)- E 0 ntlmero da pagina da edi<;;ao
critica a qual os estudiosos fazem normalmente referencia ...
,'Arnold - Nao, e pratico. Ha muitas edi<;;oes,tradu<;;oesetc. todas diferen-tes
umas das outras. Em vez de fazer referencia a uma obscura tra-du<;;
aoque ninguem conhece, mas que por acaso acabou entre
suas maos, da-se este ntlmero da edi<;;aocritica ...
Leslie - ...de toda maneira, parece que diz aqui haver uma diferen<;;a
entre 0 cidadao comum e 0 filosofo. Ora, agrada-me aquilo que e
dito do filosofo - "Ele vaga a "Tontadede um argumento ao outro
e do segundo a um terceiro"--"-, isto e, 0 modo do qual haviamos
falado e que e, pois, 0 motivo por que estamos ainda aqui. Mas
depois e dito que "um advogado" anda sempre depressa, pOl"que
ha limites de tempo nos tribunais: ele ridiculariza 0 advogado que
anda sempre depressa e diz que "a comida muitas vezes preserva
sua vida". Bem, tenho a impressao de quenao pretende referir-se
somente aos advogados, mas tambem aos cidadaos comuns. Estes
nao tem tanto dinheiro quanto Platao, e precisam cuidar da fami-lia
e dos filhos. Um modo de pensar que ocupa uma vida inteira
apenas para propor simples perguntas nao lhes e de nenhuma uti-lidade
- morreriam logo de fome. Eles precisam pensar de forma
difc!rente. E, em vez de simpatizar com sua dificil condi<;;aoe pre-za1".
as solu<;;oespor eles encontradas, Socrates escarnece deles e
os trata com desprezo, como procedeu com a assembleia.
Dr. Cole - Bem... isso e Platao e nao Socrates ...
Leslie (Ull1 pouco enraivecido) - Platao, Socrates, nao me importam
nada! A idda de filosofia que aparece justamente aqui, neste dialo-go,
com sua "dimensao existencial", implica que, quando se pensa
e se age para sobrevivel- e manter a propria familia, a gente mere-ce
ser tratada com desprezo.
11. Gaetano - Penso que pode achar alguma coisa aqui (tira um liuro de sua
bolsa), tenho uma traduc;:ao alema, com uma introduc;:ao de Olof
Gigon, urn eminente estudioso dos classicos. Ele comenta 0 fato de
que Socrates manda embora a mulher e 0 filho. a que diz? "Ambos
representavam 0 mundo da humanidade simples e nao dedicada a
filosofia, que merece respeito, mas deve arredar um pas so quando a
filosofia entra em cena". "Deve arredar urn passo" significa que a
gente comum, que carece da sutileza filosofica, nao conta quando
urn filosofo, que po de ser tambem urn marido, abre a boca.
Maureen - Entao toda essa fala da morte e somente papo furado.
Gaetano - Nao, nao creio. Platao queria, na verdade, enfatizar aquela
que, segundo ele, era 0 conhecimento con'eto, ligando-a com uma
nova visao da,morte. Bem, p.elo menos disp6e de um horizonte
mais amplo do que aquele que possuem (uoltando-se para jack)
os seus cientistas ...
Charles - Qualquer fascista tem a disposic;:ao aquilo que voce chama
"urn horizonte mais amplo", pOl'que para ele a ciencia e somente
"parte de urn todo maior", ou qualquer outra coisa que se diga a
esse proposito ...
Seidenberg (hesitante) - Fico um pouco preocupado com 0 modo pelo
qual estao falando de Platao. Sei que hoje esta fora de moda 0 res-peito
a cultura e posso compreender 0 motivo; freqiientemente
tem-se feito urn uso perverso da cultura. Penso, todavia, que os
senhores estao exagerando um pouco. Pertenc;:o a uma gerac;:aona
qual 0 conhecimento e a difusao da cultura eram assuntos serios.
Todos sabiam que havia os estudiosos e os respeitavam, inclusive a
gente pobre. Para nos, intelectuais, os filosofos e os poetas eram
pessoas que nos forneciam luzes, que nos mostravam a existencia
de algo mais alem da vida miseravel que estavamos vivendo. Veja,
provenho de uma familia muito pobre, da gente comum da qual
estavam falando; mas nao penso que voces a conheceram deveras,
ao menos nao .conhecem a gente pobre da regiao de onde prove-nho."
Nosso filho" - disseram-me meus pais -" deveria tel' aquilo
que nos nao pudemos tel', deveria tel' uma educac;:ao.Deveria estar
em condic;:6es de leI' os livros que nos pudemos olhar so de longe
e que nao teriamos compreendido se os tivessemos tido em maos."
Assim, trabalharam e economizaram durante toda a vida a fim de
que eu pudesse receber uma educac;:ao.Tambem eu trabalhei co-mo
aprendiz de encadernador. E la, urn dia, tive entre as maos uma
edic;:ao em catorze volumes da obra de Platao. Estava urn pouco
maltratada, cabia-me de fato preparar umanova capa. Voces nao
podem imaginal' como eu me sentia. Para mim, era como a terra
prometida, mas havia muitos obstaculos. Certamente eu nao pode-ria
comprar e tel' aqueles livros. Mas, admitindo-se que os tivesse
comprado, poderia eu compreende-los? Abri urn volume e encon-trei
uma passagem na qual Socrates estava falando. Nao me lembro
o que dizia, mas lembro-me muito bem que eu sentia como se ele
estivesse falando comigo, de urn modo gentil, elegante e um pouco
ironico. Depois chegaram os nazistas.Alguns estudantes ja eram
partidarios do nazismo - e me desagrada dizer, senhores, mas 0
modo como falavam assemelhava-se muito ao de voces - havia
desprezo na voz. "Estes saG novos tempos" - disseram eles - "de
maneira que vamos esquecer todos os escritores antigos!" Con-cordo
que Platao, amillde, evita os problemas banais, e de vez em
quando faz troc;:a,mas nao acho que zombe das pessoas que ai
estao envolvidas. Ele zomba dos sofistas, os quais afirmavam dog-maticamente
que nao existe nada. De fato, a gente comum, ao
menos a gente comum que eu conhec;:o, nao e assim. Espera uma
vida melhor, se nao para si, para os proprios filhos.Saibam, ha uma
coisa interessante sobre a datac;:aodos diilogos. as primeiros dialo-gos
de Platao escritos apos a morte de Socrates nada tinham a vel'
com sua morte. Eram comedias como 0 Eutidemo ou 0Ionia, ple-nos
de argllcia e de ironia.A Apologia, 0 Pedon e 0 Teeteto vieram
depois, presumivelmente depois de Platao haver assimilado a dou-trina
pitagorica da vida ultraterrena.Ate a morte assume urn aspec-to
diferente - e urn inkio e nao um fim. E e tambem verdade que
Socrates, 0 verdadeiro Socrates, nao engolia, como voces dizem na
lingua de voces, a demoCl'acia com todos os seus anexos e cone-xos.
Via que ela apresentava problemas. Diz-se que escarnecia da
democracia como sendo aquela instituic;:ao na qual um macaco se
torna urn cavalo, quando um numero suficiente de pessoasvota
12. nesse sentido. Bem, nao e esse um problema a ser enfrentado ainda
hoje? - quando discutimos sobre 0 papel da ciencia nasociedade
e, especialmente, na sociedade democratica? Nem tudo pode ser
decidido por meio do voto, mas onde fica a linha divisoria! E quem
e que vai tra<;;a-la?Para Platao, a resposta era clara: as pessoas que
estudaram 0 problema, os homens sabios, a eles cabera tra<;;ara
linha divisoria! Os meus pais e eu pensavamos exatamente a mes-ma
coisa. Naturalmente, Platao tinha dinheiro e mais tempo a dis-posi<;;
ao,mas nao e acusado por isso. Ele nao gasta seu dinheiro
como os outros men1bros de sua classe em aventuras amorosas,
corridas de cavalo e jogos politicos do poder. Ele amava Socrates,
que era pobre, feio e desmazelado. Falou dele em seus escritos nao
apenas para honra-lo, mas tambem para lan<;;aros fundamentos de
uma vida melhor, precisamente como 0 movimento pacifista mo-derno
luta por uma vida melhor. Lembrem-se - aquela era a epoca
da Guerra do Peloponeso, de atrocidades politicas; a democracia
foi revirada, renovada, tramaram contra ela conspira<;;oes.Em suma,
queria dizer que deveriamos ser gratos a essas pessoas, em vez de
zombar delas ...
Li Feng - Compreendo 0 que pretende dizer, senhor, e estou de pleno
acordo, nao so pOl'que penso que uma comunidade ou uma na<;;ao
tem necessidade de homens sabios, mas tambem pOl'que penso
que uma vida sem uma migalha de respeito por alguma coisa e
uma vida bastante superficial. Mas percebo um problema la onde
esse respeito nao e equilibrado com um pouco de sadio ceticismo.
]ulgo que a historia recente de meu pais seja um bom exemplo ...
Gaetano - Mas ha exemplos mais proximos de nos; po de acontecer que
sejam banais, se comparados aqueles dos quais voce fala (voltan-do-
se para Ii Rmg),mas penso que constituem 0 motivo pelo qual
Leslie e Charles reagiram tao violentamente.Aqui, alguns professo-res
e alguns doutores falam dos luminares eminentes em sua pro-fissao
como se fossem divindades; nao sabem escrever uma linha
sem citar Nietzsche, Heidegger ou Den-ida, e parece que para eles
a vida consiste em ficar pulando aqui e ali entre uns poucos ico-nes.
Ele, senhores (voltando-se para Seidenberg), viveu muito pro-vavelmente
num tempo e numa comunidade na qual as criaturas
tinham uma rela<;;aopessoal com os proprios sabios e com aquilo
que diziam. Nao creio que exista hoje lill1arela<;;aopessoal analoga,
o que ha e uma forte pressao pessoal para 0 conformismo e, sobre-tudo,
em vez da conversa<;;ao viva que Platao queria, temos frases
vazias combinadas de maneira esquem{ltica. Trata-se de um feno-meno
odioso - ha pouco motivo para espantar-se se Leslie e
Charles explodem quando veem qualquer coisa similar ou aparen-temente
similar num autor antigo.Alem disso, e algo diferente 0
modo democratico de olhar as pessoas e 0 modo pelo qual parece
que os atenienses teriam olhado Socrates. "Sim, esse Socrates" -
creio que teriamos dito - "nos 0 conhecemos: e um pouco tolo,
nao tem nada melhor a fazer do que ficar junto das pessoas para
importun{l-las,mas nao e mau sujeito e muitas vezes diz coisas bas-tante
inteligentes." Riam dele quando 0 viam representado em
cena, nas Nuvens de Aristofanes - e parece que Socrates ria junto
com eles. 0 respeito esta unido ao ceticismo e, as vezes, ao escar-nio.
Podemos ir adiante. Se podemos confiar em Heraclito, entao ,
patTCe que a gente de Efeso diria qualquer coisa do genero: "nao
queremos ninguem que seja melhor do que nos - que essa pessoa
va vi;::er em outra parte e com outra gente". Creio que tal atitude
tinha perfeitamente sentido. Isto nao significa que todas as pessoas
dotadas de conhecimentos especiais devam ser ca<;;adas,mas
somente aquelas que pOl' causa de seu conhecimento especial
querem um tratamento especial! Como quer que seja, a 9.~IrisA()e
mil vezes melhor do que 0 assassinio ou que a critica mortalmente
seria que eleva 0 Cl'itico a estatura atribuida a pessoa criticada.
Suspeito que seja esse 0 verdadeiro motivo pelo qual escritores
sem talento se estendem a respeito de outros escritores sem tal en-to,
insistindo que devam ser tomados a serio.
Dr. Cole - Acho que estamos nos afastando muito do nosso argumento.
Alem disso, nao se pocle julgar um autor por umas poucas linhas
extrapoladas do contexto. Entao, por que nao come<;;amos a ler 0
dialogo de um modo mais coerente e decidimos, depois, quais sao
os seus meritos? Platao tem a dizer alguma coisa de muito interes-sante
sobre 0 conhecimento, por exemplo, sobre 0 relativismo.
Sem dtlVida voces ouviram falar de relativismo.
13. Charles - Pretende dizer Feyerabend?
Dr. Cole (chocado) - Nao,certamente nao.Mas nos somos pessoas com-petentes
que julgamos possuir argumentos para demonstrar que
qualquer coisa que se diga, e qualquer motivo que se de para aqui-
10 que se diz, depende do "contexto cultural", isto e, do modo de
viver do qual se faz parte.
Li Feng - Isso significa que asle~_~i:~tifica~ nao SaDuniversalmente
verdadeiras?
Dr. Cole - Sim! Elas sao con'etas para quem pertence a civilizac;:aooei-dental,
SaDcon'etas em l:~l~~ao-aossellsprocedi;~~tose'~~f~~'e
dos criterios desenvolvidos por essa eivilizac;:ao,porem nao s2_~0
sao verdadeiras, mas com certeza elas nao tern sentido numa C.l~!-
tura diferente.
Jack - POl'que as pessoas nao as compreendem.
Dr. Cole - Nao, nao apenas pOl'que elas nao as compreendem, mas por-que
os criterios para avaliar 0 que tern sentido e 0 que nao tern
sao diferentes. Colocadas diante das leis de Kepler, nao dizem ape-nas:
"0 que significa isso?", pOl"em acrescentam: "Trata-se de urn
discurso sem pe nem cabec;:a".
Bruce - Alguem jamais lhes perguntou isso?
Dr. Cole - Nao sei, mas e irrelevante; os relativistas nao fazem disso urna
questao logica.
Jack - Isso significa que eles nao dizem" OsMar" 3,quando estao diante da
teoria de Newton, mas dizern: 'Isso nao tern sentido"', se bem que
"Julgada segundo os criterios implicitos no sistema de pensanlento
desenvolvido pelosMar, a teoria de Newton nao tern sentido".
Dr. Cole - Sim.
Jack - 0 que presume que os Mar - ou, sob esse ponto de vista, qual-quer
que seja a cultura - tenham urn sistema de pensamento que
pode ser usado para proferir tais juizos.
Dr. Cole - Naturalmente.
Jack - Nesse caso, se a teoria de Newtonnao tern sentido para uma cul-tura
ou urn periodo, como poderiam aprende-Ia as pessoas perten-centes
a tal cultura e como pade a propl"ia teoria vir a existir?
Ikuce - Estas sao ~s_r.e::~oll~ - voce nao leu 0 livro de ~I8' As pas-
sagens entre as diversas formas de pensanlento revolucionam os
I~ criterios, os prindpios basic os e tudo 0 mais.
Jack - Sao meras palavras! Nao conhec;:o Kuhn muito bern, mas eu me
pergunto como se leva adiante uma revoluc;:ao desse tipo. As pes-soas
nao raciocinam durante as revoluc;:6es?
Dr.Cole - Num certo sentido, nao.
Charles (desdenhosa111ente) - Dizendo num certo sentido, pretende
dizer: segundo a tese pela qual ~~,,~E~~~?J:e/]:.t':1:C;:.§.~~J~.m$epticl()
somente em a urn sistema.
Charles - Mas Jack pas mesrno em discussao essa tese, de tal modo que
nao posso utiliza-Ia para responder a sua pergunta, vale dizer: as
argumentac;:oes transieionais tedo sentido? E preeiso encontrar
uma resposta diferente.
Charles - Por exemplo, examinando 0 modo pelo qual as pessoas rea-gem
a tais argumentac;:oes.
I)1'. Cole - Bern, a historia nos ensina que se formam novos grupos, e os
velhos desaparecem ...
(;harles - E isso, segundo 0 senhor, provaria que as argumentac;:oes tran-sicionais
nao tern nenhuma forc;:a?
Ik Cole - Nao e rnais questao de argumentac;:oes, mas de conversoes.
Formam-se novos grupos que tern criterios novos.
(;harles - Nao corra demais! Antes de tudo, os fatos que 0 senhor aduz
nao sao justos. Por exemplo, muitos aristotelicos tornaram-se co-pernicanos
quando leram Copernico ou Galileu, ou ouviram falar
14. de Galileu. Naturalmente havia novos grupos, mas esses grupos
foram dissuadidos de suas venus convicc,;oes pOl' meio de proce-dimentos
que tambem foram m,mtidos a seguir. Nao houve, aqui,
uma mudanc,;a completa do "sistema". Em segundo lugar, admitin-do-
se que seja uma questao de conversao, ao que deveriam con-verter-
se essas pessoas? au 0 sistema j~lexiste e, entao, nao temos
nenhuma conversao, ou nao existe e, entao, nao se converte em
nada. Nao, as coisas nao podem ser tao simples. a que eu queria
dizer e que as argumentac,;oes transicionais tem sentido, mas nao
para todos, pOl'quanto nao existe argumentac,;ao alguma que tenha
sentido para todos; elas tem sentido para alguns, e isso significa
que a tese segundo a qual ha "sistemas" que pOl' si sos dao signifi-cado
aquilo que se diz deve ser equivocada.
Jack - E exatamente 0 que eu quero dizer. A necessidade logica de uma
argumentac,;ao depende dos criterios em que se baseia e uma re-voluc,;
aomuda os criterios. Entao, parece que uma revoluc,;ao nao
pode basear-se em argumentac,;oes, ou que a irrefutabilidade das
argumentac,;oes nao depende de um "sistema de pensamento" -
nesse llitimo caso, 0 relativismo e falso. De outra parte, se fosse
verdadeiro, estariamos encravados para sempre num sistema, ate
que um milagre nos fornecesse um outro sistema ao qual estaria-mos
presos dai pOl' diante. Estranha opiniao.
Donald - Platao discute essa opiniao?
Dr. Cole - Ele coloca em discussao um dos primeiros relativistas da his-toria
ocidental, Protagoras.
Bruce - E 0 relativismo nao fez qualquer progresso desde entao?
Dr. Cole - Sim e nao.A posic,;ao basica ainda e muito semelhante a de
Protagoras, mas h~l muitos expedientes protetores que fazem a
coisa parecer mais dificil do que ela e na realidade.
Bruce - Isso significa que Protagoras diz aquilo que dizem os relativis-tas
modernos, mas de um modo mais simples.
Dr. Cole - Poder-se-ia dizer assim. Mas agora, finalmente, comecemos
com 0 di~llogo.
Li Feng - Onde, pOl' favor?
Dr. Cole - Aqui, na linha 146... Socrates pede a Teeteto que defina 0
conhecimento.
Jack - A que voce se refere?
Arthur - A tentativa de definir 0 conhecimento.
Jack - Trata-se do procedimento usual na ciencia e alhures. Se uma
expressao e longa e inc6moda, entao decide-se introduzir uma abre-viac,;
aoe a frase que expoe aquilo que e abreviado e a definic,;ao.
Arthur - Mas a situac,;aoaqui e contraria aquela que voce descreveu! a
conhecimento ja existe, h~las artes e os misteres, as varias profis-soes,
Teodoro eTeeteto possuem uma consideravel quantidade de
conhecimentos matem~lticos e presume-se que Teeteto caracteri-ze
esse conjunto vasto e POllCOmanejavel com uma formula bre-ve.
Nao se trata de abreviar uma formula longa, pOl'em de encon-trar
uma propriedade comum entre os elementos de um conjunto
variado que, alem do mais, muda constantemente.
,1l1ck - Bem, de qualquer modo, e necessario tambem trac,;aruma linha,
especialmente hoje, quando ha em circuhlc,;aogente que quer res-suscitar
a astrologia, a bruxaria, a magia. Algumas coisas sao conhe-cimentos,
outras nao - concorda com isso?
Arlhur - Com certeza. Mas nao creio que se possa trac,;aruma linha de
uma vez pOl' todas, e com a ajuda de uma simples formula. Nao
penso tampouco que se possa trac,;a-lacomo se fosse um regulamen-to
de trifego. as limites emergem, apagados, desaparecemnovamen-te,
enquanto sao parte de um processo historico muito complexo ...
,1l1d, - Mas nao e assim. as filosofos trac,;aram freqiientemente linhas e
definiram 0 conhecimento ...
Al'tllm - ...e quem usou suas definic,;oes?Veja.Newton trac,;ouuma linha
quando defendia sua pesquisa na optica e imediatamente a ultra-passou.
A pesquisa e muito complicada para seguir linhas simples.
ETeeteto sabe disso! Socrates pergunta:"O que e 0 co'nhecimen-lo?"
Teeteto replica ...
l)oll:lld - Onde?
15. Arthur - Em alguma parte, perto da linha 146. Bern, ele replica que 0
conhecimento e "toda a ciencia que ele aprendeu de Teodoro - a
geometria e tudo aquilo que acabei de mencionar" - ele esta falan-do
da astronomia, da harmonia e da aritmetica. E,continua: "deseja-ria
incluir a arte dos sapateiros e dos outros artesaos; essas sao todas
formas de conhecimento". Eis uma otima replica: 0 conhecimento
e urn assunto complexo, e ~ife~~}lJJ..~[la~.<:liversas talvez a _ ....~.~ ". - .._.
melhor resposta a pergunta "0 que e 0 conhecimento?" seja urn
elenco. De minha parte, ajuntaria os pormenores e citaria as varias
escolas que existem em cada materia. Como quer que seja, ~~~~a
de que 0 conhecitnentoe,aesse respeito, tambem a<:i.~1"lcia.possam
;:~'-;pri~k;~~d;~~lillla simples formula, e uma quimera.
Arnold - Ela nao e uma quimera, e urn fato.~~c_i~[lcia,pOl' exemplo,
pode ser caracterizada como aquilo que po de ser criticado.
Bruce - Mas qualquer coisa po de ser criticada, nao apenas 0 conheci-mento.
Arnold - Bern, devo ser mais preciso: a gente tern 0 direito de reivindi-car
a qualificac;ao do conhecimento somente se a pessoa que
apresenta tal pedido pode dizer com antecipac;ao em qual cir-cunstancia
0 retiraria.
Leslie - Essa nao e uma definic;ao de "conhecimento", mas antes de "rei-vindicac;
ao de conhecimento".
Arthur - Nao importa, ao contririo, agora posso formular minha objec;ao
ainda mais claramente: segundo sua detlnic;ao de "reivindicac;ao de
conhecimento", as teorias mais cientiiicas nao entram em tais rei-vindicac;
oes, pOl'quanto, dada uma teoria complexa, dificilmente os
cientistas sabem antecipadamente quais circunstancias particula-res
os farao desistir dela. Muitas vezes, a teoria contem hipoteses
escondidas, das quais tampouco se esta ciente. Novos desenvolvi-mentos
levam ao palco essas assunc;oes - ai sim, entao, a critica
pode comec;ar.
Li Feng - Pode dar algum exemplo?
Bruce - Sim, a hipotese da velocidade dos sinais infinitos se faz notal'
somente com a teoria da relatividade especial. Segundo sua defi- '
nic;ao,presume-se que se poderia dizer em 1690 0 que teria acon-tecido
a teoria de Newton em 1919,0 que e absurdo. E esse 0
genero de absurdidade que esta contido na solicitac;ao de definir
o "conhecimento". Novos temas entram constantenlente em ce-na
e velhos temas mudam, vale dizer que a definic;ao devera ser
muito longa, compreender uma porc;ao de qualificac;oes e estar
sujeita a modificac;oes.
Amolcl - Masvoce devera, no entanto, dispor de urn criterio para separar
os argumentos falsos dos genuinos, e precisara formular tal criterio
independentemente dos argumentos existentes, pois de que outro
modo podera julg;l-los objetivamente?
Al'tllUr - "Objetivamente" - estas sao apenas palavras. Nao acha que
uma coisa tao decisiva como os criterios que definem 0 conheci-mento
devam ser examinados com grande cuidado? E se ja foram
examinados, entao foi levada a efeito uma analise acerca dos crite-rios
e tal indagac;ao ser;l ela mesma guiada pOl' criterios, pois e
simplesmente impossivel colocar-se pOl' fora do conhecimento e
da indagac;ao.Ademais, suponhamos que exista urn criterio a dis-posic;
ao. Isso nao basta. Pode haver tambem a disposic;ao algo que
esteja de acordo com 0 criterio, algo de outro modo vazio. Duvido
que hoje alguem dedicasse muito tempo para encontrar a defini-c;
ao correta do "unicornio".
Al'llold - Estou muito inclinado a admitir que 0 meu criterio possa des-mascarar
qualquer coisa como urn engano ...
Brllce - Bern, voce nao continuara a usar alguma dessas coisas engano-sas,
separando-as das outras? POl'exemplo, nao continuara a dar fe
a certos fisicos de preferencia a outros? Ou a fiar-se num astra no-mo
que predisse urn eclipse solar, mas nao num astrologo que pre-disse
urn terremoto? Se for assim, entao 0 seu criterio revel a ser
ele mesmo urn engano; do contririo, logo estari morto.
David - Mas algumas definic;oes sao necess;lrias para fins legais. POl'
exemplo, para as leis que separam a Igreja do Estado e exigem que
a ciencia, mas nao as concepc;oes religiosas, seja ensinada nas
escolas pllblicas. Nao ser;l esse 0 caso dos fundamentalistas que
tern tentado introduzir algumas de suas ideias na escola elemen-tal',
chamando-as de teorias cientificas?
16. Arthm - E verdade, no Arkansas. as peritos forneceram atestados e algu-mas
defini«;;oes simples, e assim 0 negocio foi feito.
Charles - Bem, isto demonstra somente que a pratica legal precisa ser
melhorada.
Donald _ Nao podemos voltar ao diiilogo? Voces dizem que basta um
elenco, mas Socrates levanta obje«;;oes!
Arthur - Qual e a obje«;;aodele?
Maureen - Ele quer uma coisa so, nao muitas.
Bruce _ E exatamente aquilo sobre 0 que acabamos de falar - ele nao
pocle encontrar uma defini«;;aoan~l1ogaque tivesse tambem um
contelido.
Maureen - Mas se ha uma so palavra," conhecimento", por que nao ha
tambem uma coisa tmica?
Arnold - "Circulo" e uma palavra so, mas ha 0 drculo geometrico, 0 dr-culo
de amigos que nao devem sentar-se em torno do drculo geo-metrico;
0 raciodnio circular, isto e, aquele que presume aquilo
que deve ser provado sem mover-se sobre 0 tra«;;adodo drculo
geometrico ...
Maureen - Bem, nao e 0 mesmo caso! Ha um drculo originario e os
outros san expressoes, bem, aquilo que chamam ...
Gaetano - MetMoras?
Li Feng - Analogias?
Leslie - Nao tem import~lllcia - uma palavra, muitos significados, mui-tas
coisas. E Socrates presume que coisas do genero nao aconte-cem
jamais ...
Gaetano - Ademais, na passagem que precede a indaga«;;ao...
Leslie - Onde?
Gaetano - Perto do fim da pagina 145 - mas voce nao a encontrara na
edi«;;aoinglesa, deve consul tar 0 grego - ele ja usa tres palavras
diferentes,episteme (e 0 verbo correspondente) ,sophia (e outras
duas formas com a mesma raiz) e manthanein.
Leslie (ccu;oando gentilmente de Seidenberg) - Seu grande e sabio
Platao?
Ll Feng - Mas 0 proprio Teeteto sugere 0 modo pelo qml1 0 conheci-mento
poderia ser unificado. E verdade, aquilo que Socrates diz
nao e so dogmatico, mas tambem incoerente. Por isso,Teeteto
tenta torn~l-lo sensato, e 0 faz de uma maneira interessante. Para
preparar sua proposta descreve uma descoberta matematica feita
por ele e pOl' um amigo seu, tempo atras.
Donald - Procurei compreender aquela passagem, mas nao fa«;;oideia a
que ela se refere.
LI Feng - Mas e, na verdade, muito simples. Aqui se parte da metade da
pagina 147 - da 147d 3, para ser preciso.
Leslie - a que significa isso?
Al'l1old- Significa a pagina 147 da edi«;;aocritic a -lembra-se? - se«;;ao
daquela pagina (toda pagina da edi«;;aocritica e subdividida em
se<;oes,por comodidade), linha 3.
JJ Feng (te) - "Teodoro estava tra«;;ando diagramas para demonstrar-nos
algo sobre quadrados ..."
Donald - a meu texto nao reza assim ...
l.eslie - Tampouco 0 meu. Aqui diz:"Teodoro estava transcrevendo para
nos algo sobre raizes ..."
1>1". Cole - Bem, cedo ou tarde deviamos nos deparar com esse proble-ma
- nem todas as tradu«;;oes sao iguais.
Donald - as tradutores nao sabem grego?
1>1". Cole - Sim e nao. a grego de Platao nao e uma lingua viva, entao
devemos nos basear em textos. E os autores empregam, amitIde, as
mesmas palavras de modo diverso, razao pela qual temos nao ape-nas
dicionarios de grego antigo, mas tambem dicion~lrios espe-ciais
para Homero, Herodoto, Plat~lo,Aristoteles e outros. AIem do
mais, temos de nos haver aqui com uma passagem matematica, e
quem fala e um matematico. as matematicos utilizam, muitas
vezes, num sentido tecnico, palavras comuns, e nen1 sempre fica
claro de que significado se trata. Dynamis, a palavra traduzida
como "raiz" no texto de voces, significa de h~lbito pot en cia, for«;;a:
ocorre tambem na economia. Foi preciso bastante tempo para
que os estudiosos descobrissem que aqui, muito provavelmente,
17. ela denot'1 um quadrado. Problemas como este surgiram em todos
os trechos mais dificeis.
Donald - a que podemos fazer?
Dr. Cole - Aprender 0 grego.
Donald - Aprender 0 grego?
Dr. Cole - Bem, ou entao estarmos prontos para descobrir que por mais
aferr'1d'1 que ela seja, tr'1ta-se apenas de uma informa<,;ao muito
expurgada daquilo que sucede "realmente". (Voltando-se para Li
Feng) - A sua tradu<,;ao parece feita por alguem que conhecia as
p.articulares dificuld'1des dessa pass'1gem ...
Li Feng Cguardando seu texto) - E de um certo Mc Dowell.
Dr. Cole - Ah, John - Bem, ele certamente sabe 0 que f'1z,'10 menos
nesse trecho. Continuem!
Li Feng - "Teodoro estava tra<,;ando diagr'1mas para demonstrar alguma
coisa sobre quach-ados - isto e, que um quadrado de tres metros
quadrados e um de cinco nao saG comensuraveis, no que diz res-peito
a longitude do l'1do com um de um metro quadrado ..."
Donald - a que significa "comensuraveis"?
Li Feng - Suponhamos que temos um quadrado de tres metros qu'1dra-dos.
Entao, 0 lado desse qu'1dr'1do nao pode ser expresso por uma
fr'1<,;aodecimal finita, ou mais simplesmente, por uma fr'1<,;aocom
um nllmero inteiro no numer'1dor e um outro, por maior que seja,
no denominador.
Donald - Como se faz para sabe-Io?
Dr. Cole - Ha uma demonstra<,;ao ...
Arthur - De fato, existem diversos generos de demonstra<,;oes ...
Dr. Cole - ...e algumas j{ler'1m notadas na antigi.iid'1de, mas nao acho
que devemos adentrar-nos n'1questao. Aceitemos simplesmente 0
f'1to de que tais demonstra<,;oes existem, que eram conhecidas por
Teodoro e que ele as ilustrava com diagramas.
Li Feng (continua) - "...com um quadr'1do de um metro qu'1drado; e
assim por diante, individualizando atentamente cada caso ate os
17 metros quadrados".
Jack - Isto significa que havia uma demonstra<,;ao diversa para cada
numero?
I.k Cole - Se, como Teeteto no caso do conhecimento, ele fornecia um
elenco de nllmeros irracionais, come<,;ando pela raiz quadrada de
tres, associ'1ndo cad'1 nllmero a um'1 demonstr'1<,;aodiferente.
Jack - Agora, se fosse dada a1uma s6 demonstra<,;ao,a me sma que, aplica-da
a qualquer nlm1ero, mostrasse se este era ou nao irracional, neste
caso a demonstra<,;ao teria sido um criterio geral de irracionalidade.
LiFeng - Este e 0 ponto. MasTeeteto faz algo diferente. Ele divide todos
os numeros em duas classes, uma que contem os numeros da
forma AxA, e outra, os nllmeros da forma AxB, onde A e diferente
de B e tanto A como B saG ambos nllmeros inteiros, e ele denomi-na
os nllmeros do primeiro tipo de nllmeros quadrados, e os nll-meros
do segundo tipo, de nllmeros oblongos.
.lack - Al1-ah,e os lados dos quadrados cuja area e dada pelos numeros
quadrados ...
LiFeng - Ele os chama de "longitudes" ...
.lack - ...sao nllmeros racionais, os lados dos quadrados cuja area e dada
por Uh1 numero oblongo ...
Li Feng - ...que ele chama potencia ...
Jack - ...sao nllmeros irracionais.Assim, nesta tel-minologia, os nllmeros
irracionais saG classificados como potencias e nao mais enumera-dos
um a um. Bastante engenhoso.
Leslie - E S6crates quer 0 mesmo para 0 conhecimento?
Dr.Cole - Sim.
Bruce - Mas 0 conhecimento nao e como os numeros.
Dr.Cole - Isso e exatamente 0 que dizTeeteto.
Bruce - E tem razao. as nllmeros sao antes simples, transparentes, e
nao nmdam. a conhecimento pode ser um tanto complicado,
muda continuamente, e pessoas diferentes dizem coisas diferen-tes
no merito. Em certo sentido, a diferen<,;a entre os nllmeros e
o conhecimento e semelhante aquela que ha entre a fisica basi-ca,
onde vigem leis simples e gerais, e a meteorologia, por exem-
18. plo,onde se experimenta ora um artificio, ora outro.Alem disso,
o conhecimento nao est{lexatamente ali, a disposi<;ao, ele e feito
pelas pessoas, e como uma obra de arte ...
David - Quer dizer que 0 ~.s:imento.~ uma ciencia sociaL..
Bruce - Nao uma ciencia social, mas um fenomeno social. Ora, ao que
parece, Socrates queria que"tOd--;~os~~~~C;;-do-~onhecimento
fossem como a matem{ltica, onde h{l conceitos gerais que com-preendemmuitos
casos diferentes, nao obstante os teoremas rela-tivos.
Bem, como responde Socrates a Teeteto?
David (examinando 0 texto) - Fala demoradamente do ser uma partei-ra
- espera ummomento - agora levou Teeteto para onde que-ria,
finalmente d{luma defini<;ao:0 conhecimento e percep<;ao!
Maureen - E nao h{lnenhuma discussao?
David (ainda exmninando) - Nao, Socrates insiste precisamente numa
defini<;ao e Teeteto finalmente the d{luma.
Arnold - Nao seja demasiado severo com Teeteto, ele tinha apenas
dezessete anos na epoca em que supostamente 0 di3JOgO se
desenvolveu.
Bruce - Nao, estou falando de Socrates. 0 problema nao e discutido, e
dado como tacito que 0 conhecimento, todo, nao apenas as suas
componentes matem.aticas, e similar a matematica ...
Dr. Cole - Nao exatamente. Se algum dia chegarmos ao fim do dialo-go,
veremos 0 que estamos deixando sem defini<;ao.Sao propos-tas
tre:s defini<;oes, e todas as tres sao refutadas, depois Socrates
precisa dirigir-se ao tribunal. Alguns filosofos seguintes inclui-ram
Platao entre os cepticos, precisamente pOl' essa razao. Car-neades,
um dos llitimos expoentes da escola, foi ele proprio um
ceptico.
Leslie - Mas 0 Teeteto nao e mais recente em rela<;aoa A Republica?
Dr. Cole - Sim,tem razao. Essa e a opiniao geral. EmA Republica a ques-t;
lOdo conhecimento humano parece mais ou menos sistematiza-da.
No Teeteto apresenta-se de novo confusa e, muito mais tarde,
no Timeu, a teoria de A Republica e considerada como ummode-
10 que deve ser verificado, pelo confronto com a forma atual e
imperfeita, nao com 0 desenvolvimento, dos seres humanos, da
sociedade e do universo inteiro. De modo que aquilo que deve-mos
considerar nao e 0 di{llogo singular, mas a seqiiencia inteira.
Maureen - No dialogo que estamos lendo nada e sistematizado?
If 1>1". Cole - Alguma coisa sim, pOl' exemplo a questao do relativismo.
~ Charles - Refere-se a Protagoras?
, 1>1". Cole - Sim. -'k
ii, Charles - Mas a coisa come<;amuito mal.Teeteto diz que "0 conhecimen-to
e percep<;ao". Socrates replica que "e uma opiniao de Protagoras"
e depois 0 cita:"O homem e a medida de todas as coisas, daquelas
que sao pOl'que sao, e daquelas que nao sao pOl'que nao sao..."
Donald - POl'que voce nao se atem ao texto? Aqui se diz "da existencia
das coisas que sao".
1>1". Cole - Lembrem-se, essa e uma tradu<;ao! E,neste caso, 0 tradutor fez
uma parafi'ase ...
Donald - Uma parifrase?
1>1'. Cole - Bem, nao traduziu palavra pOl' palavra, aquilo que em Ingles
teria soado um pouco grosseiro, mas encontrou um modo mais
elegante para exprimir a coisa. Muitos tradutores 0 fazem; de
tanto em tanto Platao usa longas descri<;oes a fim de representar
coisas para as quais alguns tradutores julgam tel' a disposi<;ao um
termo mais simples. Mas, com fi-eqiiencia, 0 proprio Platao nao
possuia 0 termo justo, de modo que a tradu<;ao,alem de ser preci-samente
uma parifrase, resulta ser anacronica. POl' todos esses
motivos devemos ser muito precavidos com frases como "Platao
disse isto" ou "Platao disse aquilo" ...
Chades - Mas Platao nao e muito cauteloso. Protagoras fala do "ho-mem"
- suponho que se refira a todo ser humano.
1k (:ole - Sim,em grego e em latim sao palavras diferentes que indicam
o ser humano - anthropos em grego, homo em latim - e para
indicar um homem - aner em grego e vir em latim.
l:h" dc, :- Edl, que 0 'u hum",," e a medkla de toda, " eoi"" pmem,
~
nao dlZ como 0 ser humano mecle - pode ser pela percep<;ao,
pocle ser pela intui<;ao e pocle ser pela expel'iencia passiva.
19. Arnold _ Mas temos ainda outras indica~oes. Aristoteles, por exemplo, diz
que, segundo Protagoras, a tangente nao toca 0 circulo num ponto,
mas, sim,em mais pontos; ao que parece, ele se baseia na percep~ao.
Charles _ Bem, qualquer teorico dos quanta diria a mesma coisa, mas
nao por causa da sua percep~ao, e, atem disso, veja a pagina 167,
onde Socrates permite que Protagoras explique melhor ,suas
ideias.Aqui,o Protagoras de Socrates compara 0 professor a um
medico. Um medico cura 0 doente, diz ele, usando 0 medicamen-to.
O doente sente nao estar em forma e diz corretamente, segun-do
Protagotas, que nao esta em forma. 0 medico transforma a ma
concli~ao do paciente numa condi~ao melhor - ele nao troca 0
verdadeiro pelo falso, po is que 0 juizo do paciente, sendo a medi-da
das coisas, e sempre verdadeiro. Do mesmo modo, diz Prota-goras,
os bons retores "procedem de tal maneira que 0 bem de
preferencia ao mal possa jungir a cidade" ou, melhor, os habitantes
de uma cidade. Ora, Bem e Mal, Justo e Injusto nao SaGtermos
reconduziveis a percep~oes sensoriais - a gente julga 0 bem e 0
mal de modo muito diverso, mas os julga, e, portanto, os mede.A
seguir Platao da um apanhado do pensamento de Protagoras que
contradiz a identifica~ao desse principio da medida com a ideia
de que 0 conhecimento seja percep~ao. Transformar Ptot;lgoras
num empirista ingenuo e simplesmente calunioso.
Leslie - Mas aqui ha 0 exemplo do vento que a um parece frio e a 011tro
quente ...
Maureen - Bem, pode acontecer que seja so um exemplo.
Leslie - E a ideia de que tudo muda continuamente ...
Charles - Tambem isso decorre daquilo que Protagoras diz do homem-medida.
Ao contrario, "medindo" 0 proprio ambiente, algumas
pessoas descobrem que as coisas remanescem sempre iguais e se
enfadam ...
Maureen - E,no caso, sejam as ciencias um produto humano que desve-
1'1regularidade e repeti~ao.
Arnold - E ha outro di;llogo, 0 Protagoras, onde este compara pessoas
e recomenda que todos os que violam as leis da cidade sejam, '10
fim, condenados a morte. A cidade "mediu" que a mudan~a exces-siva
e malevola, decidindo introduzir leis que garantam algum
genero de estabilidade e defender tais leis, justi~ando os transgres-sores
recidivos, se necessario.
l.t:slie - E um tipo assim e dito relativista?
I)1', Cole - Bem,vejam, e preciso ser muito cauteloso com os termos gerais
como "relativista","racionalista", "empirista", e assim por diante.
Donald - Mas e inteiramente sensato ligar Protagoras a mudan~a. 0
homem e medida, mas 0 homem muda constantemente ...
Charles - Nao para mim, que me~o aquilo que sucede em mim e ao
meu redor! Naturalmente mudo aqui e ali, pot-em mantenho mui-tas
ideias, eu as aperfei~60, encontro para as mesmas ideias argu-menta~
oes melhores ...
Amokl - E quem decide?
(:harles - Eu, naturalmente, segundo Protagoras.
,lack - Temo que a taretil nao seja mesmo tao simples.Voces estao dizendo
que Platao relaciona m-bitrm-iamenteProtagoras com a doutrina da
mudan~a, mas vejam aqui 0 exemplo que aparece na pagina 154...
Donald - A questao dos dados?
,lack - Sim.
Donald - Justo aquilo que nao compreendi em absoluto.
,luck - Compreender;l se voce a abordar tendo em mente certos pressu-postos.
Aqui estao seis dados - que SaGmais do que quatro e
menos do que doze. Do seis, nao haviamos tirado nada, 0 seis per-
111aneCe0 nlesnlO, e, no entanto, tornou-se menos.
Donald - E banal: "maior" e "menor" SaGrela~oes.
,Iud: - Aha!Agora 0 que temos SaGcoisas estaveis, seis dados aqui, quatro
dados ali e doze acola, entre os quais intercorrem rela~oes diver-sas.
Ora, tambem a doutrina protagorica da medida introduz uma
rela~ao entre aquilo que existe e a atividade da mensura~ao. Mas
aqui nao temos entidades estaveis entre as quais intercorrem rela-
~oes, a situa~ao se apresenta em tudo de Olltro modo - tudo 0
QUEE e constituido par rela~oes: a mensura~ao faz com que assim
• SEJA,Dai, penso que tudo quanta Socrates diz na pagina 153d 3 e
20. seguintes seja totalmente apropriado. No tocante a vista, nao se
pocle dizer que a cor que voce ve ESTA nos seus olhos, nem que ela
ESTA fora, ou, pOl' essa razao, nem que est;l em qualquer outra
parte; cumpre dizer que isso e a sua coloca<,,:ao sao experimenta-dos
durante 0 processo da percep<,,:ao - sao parte de um bloco
indivisivel que une aquilo que e com aquilo que e percebido.
Li Feng - A correla<,,:ao de Einstein-Podolsky-Rosenl4
Donald - 0 que e isso?
Li Feng _ E precisamente aquilo que a teoria quantica diz do processo
de medida.Tratava-se de um experimento imaginario que foi intro-duzido
pOl' Einstein e seus colaboradores para provar, tal como
Platao queria provar, que as coisas tem propriedades definidas
antes mesmo de serem medidas. Imagine-se uma situa<,,:aoespecial
na qual ocorrem duas particulas das quais conhecemos a soma de
suas quantidades de movimento e a diferen<,,:ade suas posi<,,:6es...
Donald _ Nao entendo uma palavra - 0 que tem isso a vel' com Platao?
Charles - Bem, depende do modo como voce quer discutir um filosofo.
Voce quer vel' somente como ele trata os adversarios, dado 0
conhecimento de seu tempo, ou quer s,lber em que medida suas
ideias tem correla<,,:ao com uma epoca subseqiiente? A primeira
aproxima<,,:ao e muito interessante, mas penso que a segunda seja
ainda mais. Antes de tuclo, uma argumenta<,,:ao e como uma bata-
4. 0 anigo "Can Quantum Mechanical Description of physical Reality be Considered
Complete", publicado no Physical Review de maio de 1935, conhecido tambem como
Paradoxo de E. P. R. oU "E. P. R. paper", que Einstein escreveu com Boris Podolsky e
Nathan Rosen, dirigia-se diretamente contra a interpreta<;ao cia Mecanica Quantica
aclotacla por Niels Bohr et altri, da chamacla Escola cle Copenhague, e clizia respeito it
clescri<;ao completa de um sistema tlsico ou de uma situa<;ao real. Para 0 grupo do fisi-co
dinamarques, as propriedades intrinsecas clas particulas apresentam val ores proba-bilisticos
e sua determina<;ao s6 ocorre ap6s a intera<;ao entre elas, n;O corresponden-do,
pois, tais propriedades a dados cle realiclacle. Usando um experirnento mental,
Einstein e seus colaboraclores provaram que a visao de Bohr era incompleta, uma vez
que deve sempre existir urna realidacle tlsica corresponclente a urna quanticlacle fisica,
inclepenclente de qualquer perturb:u;ao ou intera<;ao.A despeito cia imediata replica cle
Bohr e das considera<;6es sobre sistemas isolaclos ou nao clo postulaclo cia cornplemen-tariclacle,
clas perturba<;6es nao-locais, etc ..., eo problema da causaliclacle e da indeter-mina<;
ao que est: subjacente a essa controversia, a qual continua em nossos clias na
pauta da cliscussao sabre os fundamentos cia tlsica.
Iha. Uma das cluas partes e clerrotada - cladas as armas da epoca.
Mas as armas muclam constantemente.Aprenclemos coisas novas,
a nossa matematica torna-se mais complicada, pOl' um lado, porem
mais simples, pOl' outro - 0 que requer paginas e paginas de
demonstra<,,:oes, antes que possa ser tratado numa linha ou duas -
modifica a nossa instrumenta<,,:ao experimental, e assim pOl' clian-te.
POl'tanto, uma ideia derrotada hoje, pocle ser uma ideia que
amanha se revelara como justa - pense ha ideia cle que a Terra
esta em movimento. Dai, e muito interessante que Platao, em sua
,. tentativa cle refutal' Protagoras, procluza uma teoria cla percep<,,:ao
que clemonstra, '10 menos para nos, em que medida Protagoras
havia antecipado uma teoria do seculo xx.
Donalcl - Mas qual e essa teoria do seculo?
1.1 Jiang - Bem, e um pouco clificil de explicar - YOUtent'll'. Sem cllivida
faz senticlo falar clas rela<,,:oescle incletermina<,,:ao.
Leslie - Sim, Hasenberg.
1.1 Feng - Heisenberg. Bem, para exprimir-se de maneira simples, tais
rela<,,:6es clizem que nao se pode conhecer seja a posi<,,:ao seja a
quantidacle de movimento ...
Donalcl - 0 que e essa quantidade de movimento?
LI Feng - Alguma coisa semelhante ;l velociclacle - pense nela simples-mente
como velociclacle. Seja como for, nao se pode conhecer
com absoluta precisao quer a posi<,,:aoquer a quanticlacle de movi-mento
de uma particula. Se se conhece muito bem uma delas, a
antra torna-se mais vaga, e vice-versa. Portanto, e possivel interpre-t'll'
tais rela<,,:oes de v;lrios moclos. POl' exemplo, pode-se dizer: a
particula esta sempre numa localiza<,,:aoprecisa e tem uma veloci-clade
precisa, mas nao se pode conhecer ambas '10 mesmo tempo,
pOl'que qualquer mensura<,,:ao efetuacla numa moclifica aquilo que
se pocleria saber da outra,
Al'Ilokl - Entao, se conhe<,,:omuito bem a posi<,,:aode uma particula e pro-
Ljr' lii cmuernotomedcalirpos,u;a,avoe'lociclade, essa tentativa anulara 0 meu conheci- II,,," - Ii po"',,l dim '''0
~i:'"
21. Leslie - Estranho!
Li Feng - Ora, h{tuma outra interpretac;;to das relac;6es de indetermina-c;
ao.Ela afirma que a propria particula, e nao 0 conhecimento que
dela temos, torna-se indefinida. POl' exemplo, se com algum expe-diente
se consegue determinar sua quantidade de movimento com
absoluta precisao, entao n;to se sabe nada de sua localizac;ao, mas e
imediato que nao exista mais nada que se assemelhe a uma posic;ao.
Donald - Entao nao e uma particula.
Li Feng - Pode-se dizer assim. E aquilo que ha pouco falei da posic;ao e
da quantidade de movimento aplica-se a muitos outros pares de
grandezas fisicas, pOl' exemplo, as componentes x e y do momen-to
angular de uma particula. Um par de grandezas que nao pode
ser determinado em conjunto e dito par de grandezas complemen-tares.
A posic;ao e a quantidade de movimento saGcomplementares
nesse sentido, ou, antes, qualquer componente da posic;ao numa
certa direc;ao e complemental' a componente da quantidade de
movimento na mesma direc;ao. Ora, Einstein e seus colaboradores
construiran1 Ull1caso ...
Charles - Um experimento imagin{trio?
Li Feng - Sim, era um experimento imaginario quando Einstein 0 introdu-ziu
pela primeira vez - que depois se tornou um experimento real.
Bem, Einstein construiu um caso especial pOl' cujo intermedio pro-curou
demonstrar que a propria teoria qU;l11tica, tomada em conjun-to
com assuntos triviais, implica que as grandezas complementares
tem valores simult;l11eosprecisos. Estou procurando explicar a argu-mentac;
ao, mas me interrompam caso nao compreendam.
Leslie - Nao se preocupe, nos 0 faremos com certeza.
Li Feng - Einstein toma duas particulas, ReS, e presume que se conhe-c;
atanto sua distfmcia quanta a soma de suas quantidades de movi-mento.
Donald - Mas nao podemos saber ao mesmo tempo a localizac;ao e a
velocidade - voce 0 disse h{tpouco!
Li Feng - Tem absoluta razao. Mas podemos conhecer certas combina-c;
6es das duas, por exemplo, a difereru;:ade posic;ao das duas par-ticulas,
que e, pois, sua dist;mcia, e a soma de suas quantidades de
movimento - trata-se de dois valores que podemos conhecer
com absoluta precisao.
Li Feng - Bem, tome como valido 0 fato de que conseguimos isso, de
outro modo nao poderemos ir para a frente. Ora, suponhamos que
R se encontre perto de nos e que S se mova tao longe que nao
esteja mais interessado de nenhum modo com 0 que fizermos nas
vizinhanc;as de R. Ora, mec;amos a posic;ao de R, coisa que poc!e-mos
fazer com absoluta precisao.
Bl'uce - Nenhuma medida goza de uma precisao absoluta - ha sempre
uma margen1 de erro.
I.i Feng - Lembre-se que este e um experimento imaginario concernen-te
a teoria quantica! Aqui, "precisao absoluta" significa que nenhu-ma
lei da teoria quantica e contradita quando se consegue tal pre-cisao.
POl'isso medimos a posic;ao de R - conhecemos a distancia
de ReS e podemos inferir nao so a posic;ao de Sapos a men sura-c;
ao, mas tambem sua posic;ao imediatmnente antes da men-surac;
ao, pOl'que S esta de tal modo distante que a realizac;ao de
uma medida sobre R nao pode exercer nenhuma influencia. E,para
a mesma regiao, podemos ainda dizer que Stem sempre uma posi-
(:ao bem definida, quer a mensuremos ou nao, pOl'que seria possi-vel
efetuar a mensurac;ao em qualquer momento. 0 mesmo argu-mento
aplicado a velocidade diz aqui que S sempre teve uma
quantidade de movil1wnto bem definida - de modo que sem-pre
houve uma posic;ao e uma quantidade de movimento bem defi-nidas,
contrariamente a segunda interpretac;ao das relac;6es de
indeterminac;ao que forneci h{tpouco.
JIIl'I< - Bem, obviamente deve-se pOl' de lado aquela interpretac;ao.
Ll Jlt:ng - Mas nao podemos faze-Io! Ela foi introduzida pOl' um motivo
preciso. E a (mica interpretac;ao em condic;6es de conciliar resul-tados
experimentaisaparentemente conflitantes.
LeNllt· - Entao devemos simples mente dizer que uma mensurac;ao inte-ressa
a um objeto, mesmo que esteja muito distante ...
22. Charles _ 0 que e muito semelhante ao exemplo dos dados - as coisas
mudam, embora nada seja adicionado e nada seja retirado ...
Li Feng _ A menos que se fac;:aaquilo que se fez l;l - declarar que a
posic;:ao e a quantidade de movimento sao relac;:oes,nao proprie-dades
inerentes as particulas, e nao simples relac;:oesentre coisas
que tem propriedades est;lveis independentemente das relac;:oes,
mas relac;:oes entre coisas cujas propriedades sao, em parte, cons-tituidas
pOl' uma interac;:ao - exatamente como na teoria da
visao desenvolvida pOl' Platao e pOl' ele atribuida a Protagoras.
Penso que isso seja muito interessante, porquanto demonstra que
as argumentac;:oes de Platao contra Protagoras podem ser volta-das
tambem contra a mednica quantica que, seja como for, esta
bem consolidada.
Donald _ Bem, eu n~lOtenho, com certeza, a menor ideia daquilo que
voce esta dizendo! Mas li 0 dialogo e Socrates apresenta refuta-coes
muito claras da ideia que voce conecta a mednica quantica.
1" / lromemos uma, somente: a tese diz que "0 conhecilnento e per-
~ !cepc;:ao". Ora, eu olho para voce, eu 0 percebo e sei que voce e ~ivoce. Fecho os olhos e sei ainda que voce .e ~oce, embora eu n~o
I 0 perceba mais. "Assim, pOl'tanto - conclUl Socrates - a asserc;:ao
I ~. / .•
de que 0 conhecimento e a percepc;:ao consutuem uma so COlS,l
implica manifesta impossibilidade" .Agora, 0 que diz disso?
David (excitado) - Que voce nao leu 0 suficiente.Va adiante algumas
linhas!
Donald - Ate aonde?
David _ Ate depois da linha que voce acabou de citar! 0 que diz ela?
Donald (Ie) _ "Aqui nos afastamos do argumento sem tel' conquistado a
vitoria e cantamos como um galo que nao serve para nada" .Nao
compreendo.
Bruce _ E muito simples.Ele diz que as argumentac;:oes apresentadas ate
aqui sao apenas uma mistificac;:ao.
Donald _ POl'que iria fazer uma coisa desse genero? Primeiro construi-ria
uma certa quantidade de contra-argumentac;:oes - de fato, esta
nao e a {mica - para depois dizer que nao tem nenhum valor?
Dr. Cole - POl'que assim faziam os sofistas, e ele que ria expor 0 seu
modo de argument'll'.
Donald - Isto e, mediante 0 usa do contra-exemplo?
Dr. Cole - Exatamente.
Donald - Mas nao e isso que se bz na ciencia, sugerir hipoteses e usar
contra-exemplos para falsificar?
,Jack - Depende! Peguem a afirmac;:ao "todos os corvos sao negros".
Como e refutada?
Donald - POl'um corvo branco.
,Jack - Eu imagino um corvo branco.
Donald - Nao, pOl'um corvo branco de verdade.
,Jack - Eu pinto um corvo branco.
Donald - Obviamente nao um corvo pintado.
Jack - E exatamente 0 que diz Socrates. Fechando os olhos, ainda conhe-cemos,
mas nao percebemos mais; da! pOl' que a consciencia nao
pode ser percepc;:ao - esta era a argumentac;:ao. Olhando um corvo
pintado, vemos que e mn corvo, mas que nao e negro, de modo que
nem todos os corvos sao negros. Qual e 0 erro? Fomos guiados pelo
acordo ou pelo desacordo entre palavras. No caso dos corvos nao
e suficiente descobrir que ha um corvo corretamente descrito 'Pela
palavra "branco", devemos tambem saber que genero de brancura
queremos - e isso nao e uma coisa simples (suponhamos que um
grupo de COl'VOSperca a cor pOl' causa de uma molestia - como
consideraremos tal evento?). No caso do conhecimento, nao basta
descobrir que ha um conhecimento nao-perceptivo, devemos deci-dir
que genero de nao-percepc;:ao queremos. Ora, um filosofo que
iclentifica 0 conhecimento com a percepc;:ao (e e cluvicloso que
Protagoras 0 tenha feito) pocle tel' uma noc;:aocle percepc;:ao muito
mais sofisticada, e entao precisara aprofunclar-se um pouco mais na
teoria. POl'exemplo, muito provavelmente de nao presumir,'t que a
memoria (entendicla em senticlo simples) e a percepc;:ao sejam
pouco mais ou menos a mesma coisa, visto que de tera Ulilllteoria
da memoria tanto mais complicacla quanta a teoria cla percepc;:ao
que aqui, Li Feng, ha pouco, associou a teoria quantica.
23. f . ? Donald _ Isso signit1ca que a falsificac.,:aonao unClona.
Charles _ Oh, n:w, funciona, mas e um processo sobretudo comple~o. Os
simples contra-exemplos na~o s~ao sufi1Cientes - podem ser tao qm-mericos
quanto os COl"VOpSintados e, notem, trata-se de uma ql~es-tao
conceitual! Nao estamoS falando das observac.,:oes,mas do t~p~
de entidades que lhes sao conexas; estamos falando de meta~s1ca.
Qualquer boa refutac.,:aoimplica juizos metafisi~os! SOCl-at~sd1~que
unla teona. nova conlb1"1'nr,:1',lScoisas de mane1ra nova, da1por qude'
a refutac.,::woperada por uma comparac.,:aoque usa palavl-as,~on 1-
zentes com 0 velho ordenamento e uma critica desleal. A cnt1c~ de
Einstein, Podolsky e Rosen era desleal, precisamente nesse sent1do.
Donald (desalentado) - Entao devemos recomec.,:artudo desde 0 inicio.
D
" C I _ Acho que sim (olhando para 0 re16gio). - Mas penso que
L 0 e ~ resta
devemos proceder um pouco mais velozmente, ~lao no.s .
nll1.1tote1upo,. e 1la, proxinn ' vez eu gostaria de cont1l1uar d1scut1l1-
do a respeito de John Searle. POl"tanto,permitam que eu enumere
a segun da se'"n'e de critiC'1Slevantadas por Socrates ...
Donald _ E essas criticas sao verdadeiras, nao sao criticas fingidas?
Dr. Cole _ Sao verdadeiras. A primeira critica diz respeito ao futuro"
Maureen _ Mas aquela, a segunda, vem muito depois.
D Cole _ Bem eu l)reflro trata-la agora, pOl'que e uma questao muito
r, , '" 178
. sim )les. Siga1uate 0 fim da pagina 177 e adiante, ate a pa~1l1~ .
SegIundo Protagoras, as boas le1.;s- sao aque h,s que a nla,lOna dos
cidacl:w reputa como tal. Mas os cidadaos pensam tambem q~e ~~
boas leis sao aquelas que fazem a cidade prosperar - que e, ah-
. 1 0 motivo l)elo qual elas foram introcluzidas. Ora, 0 que aconte-n,
l , " 'd . l)or
ce quanco1 aS leis que pareciam boas aos leg1sla ores, .e que
isso eram boas para eles, resu1tam ser a ruina da cidade?
Lesh.e - tece quando leis objetivamente acabam resultando 0 que acon '
na ruina da ciclade?
Donald - 0 que pretende dizer?
L 1
· _ Bem e obvio que Platao tinha em mente alguma alternativa. Ele
es 1e , , 1 A' seJ'am
't ca Protagoras pOl"que acredita que as ideias p atOl11cas
., ,1a , , . 1" 1 tonicas
melhores do que as opinioes protagoricas" Mas,as 1Ce1asp a ,
defrontam-se exatamente com 0 mesmo problema. Sao verdadeiras,
objetivamente vatidas, para empregar essa palavra que sempre salta
fora quando alguem quer reprimir os outros, mas nao quer assumir
a responsabilidade pessoalmente - e 0 resultado e lun desastre.
Dr. Cole - Bem, suponhamos que tenha razao. 0 proprio Platao deve
enfrentar um problema, mas nao e tambem um problema para
Protagoras?
.Jack - Nao acho. Ha alguns anos a gente dizia:"Estas leis parecem boas
pOl"quesao boas para nos". Agora dizemos:"Estas leis parecem mas
pOl"quesao mas para nos". Nao existe nenhuma contradic.,:ao,exata-mente
como nao existe nenhuma contradic.,:aose eu, na terc.,:a-feira,
digo: "Sinto-me bem e por isso estou em forma", e na quarta-feira:
"Sinto-me mal e por isso nao estou em forma".
Arnold - Mas se as coisas sao assim, vejo um outro problema, bastante
diferente. Como sed possivel instaurar um debate? Para instaurar
um debate, A deve estar em condic.,:oesde dizer qualquer coisa que
contradiga aquilo que diz B.Isto significa que tudo quanto dizem A
e B deve ser indepenclente do estado mental de cada um deles.
,101ek - N:lO,para instaurar um debate e suficiente que tudo quanta diz B
se afigure aA diverso daquilo que ele diz.Ademais, essa condic.,:ao
e tambem necess{lria; se A e B se contradizem "objetivamente",
mas nao se dao conta, entao nao havera debate. As ideias platoni-cas
devem deixar urn trac.,:ono munclo em que vivenl0s, mas uma
vez que 0 tenham deixado podemos continuar sem elas.
MOilireen- Mas, se isso e aquilo que penso, como pocle conseguir con-vencer
uma pessoa e por que voce quereria persuadir alguem?
,IlICk- Julgo que Protagoras fornec.,:aa resposta quando compara 0 retor a
urn medico, mas a um medico que usa como remedio palavras em
vez de pilulas. Um filosofo encontra uma pessoa que, segundo ele,
precisa ser melhorada. Aproxima-se cla pessoa e the fala. Se realiza
bem seu trabalho, 0 papo funciona como urn remedio e moditlca
quer as ideias, quer a atitude geral da pessoa que parecia transviada.
MlIlIl"ccn- Mas essa llltima frase, isto e, "0 papo funciona como um
remedio", e alguma coisa que e, mas que nao parece a ninguem ser.
24. Jack - Oh, naol Se 0 filosofo realiza bem seu trabalho, entao pareceri
tanto a ele quanto a seu paciente que 0 remedio funcionou, e
pareceri tambem assim a um sociologo que indague sobre 0 fato
_ muito embora ninguem tivesse necessidade dele, visto que 0
filosofo e seu discipulo podem alcanc;:ar 0 acordo sem tais infor-mac;:
oesadicionais.
Maureen - Quer dizer que 0 criterio llitimo e a sensac;:aode bem-estar
que ambos experimentam?
Bruce _ Bem, nao sedl isso, talvez, verdade com respeito a todos os
debates teoricos? Voce tem alguma teoria altamente abstrata, a
saber, Hegel na filosofia ou a supergravidade na fisica.As pessoas
nao falam.Voce observa a conversac;:ao a dist;l11cia.Voce nao com-preende
uma palavra, mas ve que as coisas transcorrem tranqiiila-mente
- as pessoas nao estao de acordo, mas parecem saber 0
que fazem. Parece-lhe que sabem sobre 0 que estao falando, embo-ra
para voce seja completamente ininteligivel. Ora, objetivo ou
nao,o criterio de compreensao que usam na vida pritica em ma-teria
altamente abstrata consiste no fato de que 0 assunto to do se
abre diante de voce, e que voce e capaz de mergulhar nele sem
encontrar resistencia.
Jack _ Pode-se dizer a mesma coisa a proposito da teoria fisica. Hi a teo-ria
e hi os experimentos ...
Li Feng - Todas essas coisas podem ser feitas pelo computador ...
Jack - Sim, e verdade, mas a pergunta e - pOl' que temos todo esse ins-trumental?
- e aqui entram em jogo os jUizos pessoais ...
Li Feng - Sim, na periferia ...
Jack _ N;lOimporta aonde chegam - SaGdecisivos! Se os cientistas, de
repente, se aborrecessem daquilo que estao fazendo, ou se come-c;:
assema tel' alucinac;:oes cada qual a seu modo, ou se 0 ptlblico
em geral se convertesse ao misticismo, entao a ciencia ruiria
como um castelo de cartas. Ora, os juizos pessoais que sustentam
a fisica SaGfreqiientemente tao ocultos e tao automiticos que, na
aparencia, tudo e cileulo e experimentac;:ao. De fato, eu diria que
e exatamente esta falta de reflexao que cria a impressao da objeti-vidade!
Aquilo que permanece implicito e uma forma de juizo
pessoal, ou uma faIta de juizo. Creio que existe tambem um livro
de um fisico ...
Arthur - Um fisico-quimico - Michael Polanyi; voce esti falando do
livro que ele escreveu sobre 0 Conhecimento Pessoal ...
Maureen - Estou muito preocupada com esta conversa. Qualquer que
seja a coisa, ela parece reduzir-se a impressoes que as pessoas
comunicam. Mas, entao, nao tenho que me haver com ninguem
mais alem de mim mesma.
Arnold - Voce se refere ao solipsismo, a ideia de que existe somente
voce e que todo 0 resto e apenas uma parte variegada de sua per-sonalidade?
Maureen - Sim,mas provavelmente a inteira verdade nao se reduz a isso.
kslie - Esti segura?
.Jack - Seja como for, Protigoras nao diria isso. Ele diria, estendendo a
mao, que e sua mao, que sua mao e diferente da ideia de mao, e que
ambas SaGdiferentes da pessoa em frente da qual ele se encontra.
Mas acrescentaria que sabe de tudo isso grac;:asa experiencia pes-soal,
sem tel' Olltra fonte. De fato, mesmo que diga: "Eu Ii isso num
Iivro", ele se baseia ainda na sua impressao do livro, e assim pOl'
diante.
Ma ureen - Mas isso nao significa, talvez, que ele conhece apenas a exte-rioridade
das pessoas - mas somente aquilo que delas 0 toca ...
Gaelano - Bem, permita-me inverter a situac;:ao!Voce jamais conheceu
algo alem da exterioridade das pessoas? Deixe que eu Ihe fac;:a
algumas perguntas. Chegou a vel', alguma vez, um seu amigo de
perto ou de longe, sem que voce percebesse que era exatamente
seu amigo?
MUlIl'ccn - Sim, cheguei e foi muito desconcertante. Uma vez vi um
bom amigo meu em pe numa livraria, a uma certa distancia de
mim e pensei: "Que aspecto desagradivel tem aquela pessoa!" -
Depois 0 reconheci.
CSIlt'lallo - Eo que aconteceu?
Mlllll'('t'n - Bem, e uma pessoa muito doce, e assim me pareceu quando
o reconheci.
26. nao para ele que sente calor ... e assim pOl' diante. 0 mesmo vale
para 0 trecho que 'estamos ora discutindo. Ele come<;:adizendo
que, como as coisas aparecem para um, assim sao para ele. Dai, se
deixa cair a expressao "para ele", deve tel' uma razao para faze-Io.
Jack - Gostaria de saber qual e.
Seidenberg. _ Bem, YOUexperimentar. (Voltando-se para jack) Nao
tenho seu preparo 16gico e pode suceder que eu cometa erros,
mas YOUexperimental'. Entao, Protagoras diz: "As coisas para um
homem sao como the aparecem" ou, com uma simples troca," Para
um homem e verdade aquilo que the aparece". Ou ainda, "Aquilo
que para um homem patTCe nao ser nao e verdadeiro para aquele
homem" .De acordo?
Jack - Sim, continue.
Seidenberg _ Podemos dizer de outro modo, tomando as duas coisas
em conjunto, que Prot;lgoras enuncia a equivaWncia de "Ax pare-ce
que p" e "E verdade para x que P" .Tenho razao ate aqui?
Dr. Cole - Direi que sim.
Seidenberg _ Agora, quero imitar seus logic os (voltado para jack) -
denomino essa equivalencia P. Suponhamos agora que alguem
negue P.Socrates, pOl' exemplo.
Jack _ Bem, entao a ele parece que nao-P e, pOl' isso, para ele e nao-p'de
acordo com 0 principio.
Seidenberg _ Pode acontecer. PocIe acontecer que ele diga nao-P segun-do
0 principio, mas dizendo-o, nao importa segundo qual princi-pio,
ele nega 0 principio. Aten<;:ao,ele nao 0 nega universalmente.
Ele nao diz "Para mim P nao e jamais verdadeiro" ou "Para todas as
proposi<;:oesp e para todas as pessoas x e falso pot'que se a x pare-ce
que p, entao p e verdadeiro para x" - ele diz simplesmente
"Para mim P' e falso" ,0 que significa que para ele ha algumas pro-posi<;:
oes para as quais a aparencia de serem verdadeiras para
uma pessoa nao as tornam verdadeiras para aquela pessoa.
Socrates certamente nao queria negar P para as asser<;:oessenso-riais
_ nesse caso, parecer verdadeiro e, de fato, ser verdadeiro, e
ele mesmo 0 diz.
Jack - E entao?
Seidenberg - Bem, segundo Protagoras, para uma pessoa as coisas sao
com~ ll~e aparecem. Assim, de acordo com Prot;lgoras, algumas
aparenClas (para Socrates) diferem das correspondentes verdades
(para Socrates). E entao, segundo Protagoras, P nao e verdadeiro -
pat'.a ele, para Protagoras mesmo. 0 (mico modo de sail' do aperto
S~~ta0 de negar que duas pessoas possam jamais tel' uma so opi-mao
sobre ~ proprio enunciado, mas nesse caso, 0 seu principio,
que se sup~e v:ler para toda proposi<;:ao sustentada pOl' qualquer
pessoa e nao so para as proposi<;:oes sustentadas pOl' Protagoras,
cessa _det~r signifIcado. Portanto, e verdade que Platao exprime a
questao dtzendo que 0 principio e falso - ponto e basta' mas ele
pocle faze-Io,de fato, uma vez que "verdadeiro para"ficou ~eparado
de "parece a", e nao existem razoes ulteriores para conservar 0
"para", pot'que havia sido introduzido somente pOl' analogia com
o aparecer. De modo que, para mim, a argumenta<;:ao e efetivamen-te
decisiva.
Bruce - ~em, eu nao estou tao convencido. Nao digo que sua interpre-ta<;:
aodo argumento nao seja con'eta, mas todos os dois - ele e
Platao.-~r~correm a um pressuposto relevante. Suponham que
um pnnCtplO, ou um procedimento, deva ser abandonado quan-do,
aplicado a si mesmo, conduz a um absurdo ou a uma contradi-
<;:ao.Trata-sede um pressuposto muito discutivel.Tanto assim que,
P:l1'~l come<;:ar,pode ser que Protagoras nao quisesse usar seu prin-
CtplOdesse modo.
Dr. Cole - Nao estou seguro disso. Protagoras era um sofista, e os sofis-tas
eram mestres na constru<;:ao de argumenta<;:oes insidiosas.
Charles - Entao separemos 0 principio de Protagoras da interpreta<;ao
que ele the da. 0 que podemos fazer com esse principio? A refuta-
<;:aoque ha pouco ouvimos deve ser aceita?
Bruce - Nao, pot'que nao e necessario aceitar a regra segundo a qual um
principio cuja auto-aplica<;:ao cria dificuldades deva ser abandona-do.
Vejam 0 enunciado no espa<;:oabaixo: