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Coleyao Big Bang 
Dirigida por Gita K. Guinsburg 
Equipe de Realizayao - Revisao: Sandra Martha Dolinsky; Capa: Sergio Kon; Editorayao Eletronica: 
Ponto & Linba; Produyao: Ricardo W.Neves e Raquel Fernandes Abranchcs. 
Dialogos 
sobre 0 
Conhecimento • Feyerabend • Tradu<;ao e Notas 
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~,~
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Dialoghi sulfa conoscenza 
Dados Intemacionais de Catalogayao na Publicayao (CIP) 
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Feyerbend, Paul K., 1924-1994. 
Dialogos sobre 0 conhecimento / Feyerabend ; 
traduyao e notas Gita K. Guinsburg. -- Sao Paulo: 
Perspectiva, 2008. -- (Big Bang) 
Titulo original: Dialoghi sulla conoscenza. 
Ia reimpr. da 1. ed. de 2001. 
ISBN 978-85-273-0237-1 
1. Ciencia - Filosofia 2. Conhecimento - Teoria 
3. Filosofia - Teoria I. Guinsburg, Gita K. II. Titulo. 
III. Serie. 
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1. Ciencia : Filosofia 501 
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Sumario 
Algumas Observa<,;oes da Tradutora 9 
Fantasia Platonica 11 
Ao Termino de Urn Passeio Nao-Filosofico entre os Bosques 65 
Posfacio 113 
Cronologia Resumida da Vida e da Obra de Paul Feyerabend 119
Algumas Observa~6es 
da Tradutora 
As ideias de Feyerabend suscitaram grande interesse e poletl1icas 
das mais acirradas nos meios cientificos e academicos devido a desafian-te 
postUl'a critica desse fisico e filosofo que ganhou renome a partir da 
decada de 1960, quando passou a dedicar-se especialmente a analise dos 
fundamentos das teorias da fisica e da epistemologia cientlfica. A princi-pal 
acusa<,;aolevantada contra suas concep<,;oes era a de ser um pregoei- 
1'0do relativismo e do anarquismo intelectual. E os di{llogos que sao tra-vados 
neste liv1'Oe que me proponho a levar ao conhecimento do leitor 
cle lingua portuguesa giram precisamente em torno desses dois focos. 
Neles,o autor procura tanto esclarecer e circunscrever a natureza e 0 
alcance de seus pontos de vista, quanta os dos conceitos que os susten-tam, 
de modo a infirmar os argumentos de seus ferozes adversarios. 
POl' discutiveis que sejam algumas de suas concep<;oes, a discus- 
S;IO e 0 modo de discuti-Ias sao de grande riqueza, e 0 pensamento clo 
qual sao portadoras apresenta aspectos efetivamente vanguardeiros na 
abordagem de algumas das grandes preocupa<,;oes da sociedade contem-por; 
l11eana pauta do tecnicismo, da diversidade cultural e da individuali-dade 
da pessoa, da trans e multidisciplinaridade e das rela<;oes entre 
clf:ncia, politic a e etica. Com esse largo espectro de exame, os Dialogos 
.wbre 0 Conhecimento desenvolvem a dialetica de um analista ousado e 
agudo, cujas proposi<,;oes hao de incitar a reflexao quer nos caminhos da 
fllosol1a quer nos da fisica.
Nao posso, entretanto, encerrar 0 meu breve comentario sobre as 
ideias desse pensador sem mencionar as dllVidas surgidas em rela<,:aoaos 
seus vinculos com 0 nazismo, nao s6 por Feyerabend ter sido criado na 
atmosfera da Alemanha de Hitler e participado da Segunda Guerra 
Mundial como combatente do exercito germanico, mas tambem pela 
estranheza causada por algumas de suas declara<,:oesrelativas as respon-sabilidades 
do povo alemao nos terriveis atos contra a humanidade em 
geral e os judeus em particular perpetrados pelo III Reich. A esse prop6- 
sito cumpre-me dizer que essas coloca<,:oesnao podem ser interpretadas 
como uma defesa da ideologia e das praticas dos criminosos de Hitler, 0 
que seria e e inaceitavel, sob qualquer 6ptica, mas e mister analisa-Ias e 
compreende-Ias no contexto do seu pensamento, que se empenha em 
transporta-Ias do plano coletivo para 0 da etica individual e, nesse senti-do, 
relativiza-Ias. 
Fantasia Platonica 
A cena se desenvolve numa celebre universidade durante Uln 
seminario. Uma pequena sala sombria, com uma mesa e algumas 
cadeiras. Olhando-se para fora, pela janela, veem-se arvores, passari-nhos, 
carros estacionados e duas escavadeiras, que procuram abrir 
um grande buraco. Lentamente, a sala povoa-se de Ulna variedade de 
jJersonagens, entre os quais Arnold, um estudante serio, de 6culos 
grandes, com uma por(:ao de livros debaixo do bra(:o e um ar desde-nhoso 
no semblante; Maureen, uma atraente senhora de cabelos rui-vos, 
que parece Uln pouco confusa; Leslie, um sujeito, ou ao menos, 
tun tipo encrenqueiro, possivelmente tmnbem estudante, que tem 
todo 0 jeito de ser um cara criador de casos e de estar sempre pronto 
a desandar it minima provoca(:ao;Donald, um individuo dificilmen-te 
classificavel, armado de Uln caderno de anota(:oes e de um lapis 
cuidadosamente apontado; Charles, um estudante coreano, de olhos 
ir6nicos debaixo dos 6culos brilhantes; Seidenberg, tun senhor idoso, 
com pesado acento centro-europeu, sem nada mais de fastidioso para 
o ambiente; Li Feng, um estudante chines de jisica ou matematica, a 
julgar pelos titulos dos livros que coloca sobre a mesa; Gaetano, jovem 
e timido, tem 0 ar de quem escreve poesia;]ack, um l6gico de modos 
1r{lormais e com uma dic(:ao precisa que contradiz a versao estadou-ntdense 
dessa profissao, carrega uma grande sacola ...Entra 0 doutor 
(:ole, 0 professor, de uns trinta e dois cmos, Ulna nova aqutsi(:ao da
David - Sim, e esse mesmo que queremos. 
Dr. Cole (mais irritado do que antes) - Espero que saibam qual deles 
vao fazer. POl'favor, sentem-se (sentam-se a sua volta, ele abre a 
pasta, tira os apontamentos e uma capia do Teetetol). - Bern, 
quero dizer que pensei que seria melhor tel' urn ponto de referen-cia 
para a nossa discussao, de modo que ela nao venha a dispersar-se, 
e pOl' isso sugeri discutir hoje 0 Teeteto de Platao. 
Jack - Nao e algo urn tanto atrasado no tempo? 
faculdade, inteligente no sentido estrito do tenno, acabou de concluir 
uma tese sobre 0 ceticismo, sob a orientaftao de Donald Davidson, e 
esta pronto a disseminar 0 conhecimento tal como ele 0 entende. 
(A primeira escavadeira eletrica estrondeia.) 
(Estrondeia tambem a segunda escavadeira etetrica.) 
Leslie (paz um comentario e ri; Donald, que parece ter entendido, 
mostra-se gravemente ofen dido). 
Dr. Cole (distancia-se para par as coisas no lugar.) 
(DuPlo estrondo das escavadeiras eletricas.) 
(Dez minutos depois, cb:Cole volta, gesticula em direftao it porta, sai; 
os outros 0 seguem, com uma expressao resignada no rosto.) 
Maureen (cmninhando pelo corredor, vira-se para Arnold) - Ii esta a 
aula de cozinha pos-moderna? 
Leslie (que percebeu 0 sentido, ri ruidosamente) - A cozinha pos-moderna? 
Nao h;l como enganar-se,o curso e este. 
Arnold - Nao e verdade! Este e urn seminario sobre gnoseologia! 
Leslie - Equal e a diferenc;;a?Que seja. 
Jack - Bern... (tira da sacola um exenlplar do dialogo), esse tipo viveu 
ha mais de dois mil anos, nao conhecia nem a logic a nem a cien-cia 
moderna; assim, 0 que podemos aprender dele sobre 0 conhe-cimento? 
Bruce - E voce pensa que os cientistas sabem 0 que e 0 conhecimento? 
Jack - Nao falam dele, mas 0 produzem. 
Bruce - Nao sei qual ciencia voce tinha em mente, mas no meu campo, 
a sociologia, esta em curso urn debate sobre 0 "metodo con"eto". 
De lU11 lado se diz que nao se pode tel' conhecimento sem a esta-tistica. 
De outro, ao inves, dizem que e preciso tel' a "prfltica" da 
area que se est;l examinando, de modo a estudar pormenorizada-mente 
os casos individuais e descreve-Ios, quase como faria urn 
romancista. Houve apenas urn pequeno escandalo a proposito de 
urn livro, A Transformaftao Social da Medicina Americana; 0 
autor, Paul Starr, discutiu alguns fenomenos interessantissimos, 
tendo a seu favor a evidencia, mas nada de nllmeros; autorizados 
sociologos recusaram-se a toma-Io a serio; outros, entretanto, tam-bem 
abalizados, defenderam-no, e criticaram a maneira pela qual a 
estatistica e usada. Em psicologia sao os comportamentalistas e os 
introspectivistas, os neurologistas e os psicologos clinicos ... 
Dr. Cole (gesticulando em direftao a uma outra sala) - Aqui dentro, 
pOl' favor. 
(Agora esta1nos numa enorme sala sem janelas, com uma mesa e 
algumas cadeiras nov[ssimas, mas tambemmuito incamodas.) 
Dr. Cole (senta-se it cabeceira da mesa) - Estou aborrecido com 0 atra-so 
e a confusao. Finalmente podemos dar inicio ao nosso semina-rio 
sobre gnoseologia. 
David e Bruce (aparecem it porta) - Ii este 0 seminario de filosofia? 
Dr. Cole (ligeiramente irritado) - Urn dos muitos. H;l outros ... 
David (guardando 0 prospecto) - ...quero dizer,aquele sobre gno ...gno ... 
Bruce - Gnoseologia. 
I. Teeteto, Ol{ Sobre 0 Conhecimento, dialogo platonico de Socrates com outras persona-gens, 
entre as quais figura 0 matematico Teodoro, que, ao discutir a posi<,;ao de 
Protagoras sobre a "opiniao verdadeira", vai buscar, a pedido de seu interlocutor, 0 
"embora nao bela, mas bem dot ado intelectualmente" jovem Teeteto, para encetar uma 
investiga<,;;lOsobre a ciencia. Esse dialogo [oi um dos llltimos escritos par Platao com 0 
objetivo de del~1()liLQEelatiyisn1Qe--(H:~J!hismo_d0S.Sofi£tas,
Jack - Bem ... as ciencias sociais ... 
Bruce - Sao ciencias ou nao? 
Jack - Voces ai ja viram elaborada uma coisa tao simples, bela e bem-sucedida 
como a teoria de Newton? 
David - Naturalmente que nao! As pessoas SaGmais complicadas do 
que os planetas! Tanto e assim que as maravilhosas ciencias natu-rais 
de voces nem ao menos se arriscam a tratar dos fenomenos 
atmosfericos ... 
Arthur (que per111aneceu junto ({porta, ({ escuta, e agora adentra, vol-tando- 
se para jack) - Desculpe-me, nao pude deixar de ouvir. 
Sou historiador da ciencia e penso que voces tern uma ideia acer-ca 
de Newton um pouco superficial demais.Antes de tudo, aquilo 
que chamaram de "simples e belo"nao equivale aquilo que chama-ram 
de "bem-sucedido" - ao menos, nao em Newton. "Simples e 
belo" refere-se aos seus prindpios basicos; "bem-sucedido" e 0 
modo pelo qual ele os aplica. Nesse caso, ele usa uma cole<,;aoum 
tanto incoerente de novas assun<,;oes,dentre elas uma, segundo a 
qual Deus interfere periodicamente no sistema planetario a fim 
de impedi-lo que caia aos peda<,;os. E Newton faz, na verdade, 
filosofia. Ele se baseia num certo nllmero de prindpios que dizem 
respeito aos procedimentos corretos. Formula os prindpios da 
pesquisa e insiste muito neles. A dificuldade e que ele viola esses 
prindpios no proprio momenta em que come<,;aa fazer pesquisa. 
o mesmo vale para muitos outros fisicos. Num certo sentido, os 
cientistas nao SaGaqueles que fazem ... 
Jack - Certamente, quando come<,;ama filosofm".Eu posso compreender 
que, entrando nessa area confusa, eles tambem se confundem. 
Arthur - E sua pesquisa permanece inaiterada, malgrado tal confusao? 
Jack - Bern ..., se a filosofia confunde ate a pesquisa, e uma razao a mais 
para mante-la fora da ciencia. 
Arthur - E como se faz isso? 
Jack - Atendo-se 0 maximo possivel a observa<,;ao! 
Arthur - E os experimentos? 
Jack - Naturalmente, observa<,;oes e experimentos! 
Arthur - POl'que os experimentos? 
Jack - POl"queas observa<,;oes a olho nu nem sempre SaGconfiaveis. 
AJ.thur - Como voce faz para sabe-lo? 
Jack - Outras observa<,;oes mo dizem. 
Arthur - Quer dizer que uma observa<,;ao Ihe diz que voce nao pode 
confiar numa Olltra observa<,;ao? Como? 
Jack - Voce nao sabe como? Bem ... , enfie um bastao na agua; parece 
curvo, mas voce sabe que e reto pOl"que teve a sensa<,;aodisso. 
AJ.'thur - Como faz para sabe-lo? A sensa<,;aode que ele era reto poderia 
ser enganosa! 
Jack - Os bastoes nao se encurvam quando SaGimersos em agua. 
Arthur - Realmente? Nao se diria isso seguindo a observa<,;ao,como voce 
me aconselhou. Olhe aqui (pega U111capo d'agua, que estava 
diante do dr. Cole, e i111ergenele a lapis). 
Jack - Mas 0 que me diz daquilo que voce sente quando 0 toea? 
AJ.thur - Bem ... se devo ser honesto, 0 que sinto e frio, e nao estou muito 
certo de poder julgar a forma do lapis. Mas suponhamos que eu 
consiga; entao, tudo aquilo que estou com vontade de fazel', aten-do- 
me a suas sugestoes, e a compila<,;ao de um rol: 0 lapis se enclU"- 
va quando e visto au"aVeSda agua, 0 lapis e reto quando e tocado 
na agua, 0 lipis e invisivel quando fecho os olhos ... e assim pOl' 
diante, e neste caso 0 lapis e definido pelo elenco. 
Jack - Mas e absurdo - ele e sempre 0 lapis! 
Arthur - De acordo, se quer falar de algo que tem uma propriedade 
estavel mesmo se ninguem 0 observa, voce pode faze-lo, mas as 
observa<,;oes devem COlTerde Olltro modo. 
Jilek - Esta bem, concordo. Mas trata-se de simples senso comum, que 
nao tern nada a vel' com a filosofia. 
Arthur - Ao contrario, tem sim! Muitos debates filosoficos, inclusive 
aquele contido no diilogo que temos a nossa frente, versam pre-cisamente 
sobre tal questao! 
Jllck - Bem ... se a filosofia e essa, voce po de ficar com ela. Quanto ao 
que me diz respeito, manter que os objetos nao SaGapenas elen-
cos de observa<,;oes, mas entidades com caractedsticas proprias, e 
somente uma questan de senso comum - e os cientistas seguem 
o senso comum. 
Arthur - Mas isso nao e verdade, ao menos nao esse genera de senso 
comum! 0 que temos, dizia Heisenberg quando trabalhava num 
de seus primeiros escritos, san as raias espectrais, sua freqiiencia e 
sua intensidade; de modo que e preciso encontrar Ull1esquema 
que nos diga como essas coisas se associam, sem postular "obje-tos" 
subjacentes. E depois de introduzir as matrizes, que san elen-cos, 
embora urn pouco complicados. 
Jack - De acordo.Agora direi que os cientistas pautam-se segundo 0 
senso comum, a menos que a experiencia nao lhes diga algo diver-so. 
Como quer que seja, nao ha necessidade alguma da filosofia. 
Arthur - As coisas nao san tao simples! Quando falei de "experiencia", 
pretendi talar de complicados resultados experimentais. 
Jack - Sim. 
Arthur - E os experimentos complicados estao, muitas vezes, cheios de 
imperfei<,;oes, especialmente quando entramos num novo campo 
de pesquisa. Imperfei<,;oes, quer pr{tticas - alguma parte da ins-trumenta<,; 
ao nao funciona como deveria-,querteoricas - alglU1s 
efeitos san descurados ou calculados erroneamente. 
Arthur - Mas esta dito que voces estao salvos. Os computadores estao 
programados para efetuar aproxima<,;oes, e estas podem acumu-larose 
de modo a distorcer os resultados. Seja como for, san muitis-simos 
os problemas. Pense somente nas numerasas tentativas de 
descobrir urn so polo magnetico, ou Ulll quark isolado.Alguns os 
encontraratl1, outros nao, outros ainda descobriratn coisas trans ... 
Jack - 0 que tern a vel' tudo isso com filosofia? 
Arthur - Vou dizer-lhe dentra de urn minuto! Como quer que seja, voce 
concorda que nao seria prudente presumir que todos os experimen-tos 
efetuados num novo campo dao, de repente, 0 mesmo resultado? 
 r .( 
,'f  i v - Fantasia Platonica 0 17 J I ' 
'll '~.~ t Al:tijur - E assim, uma boa teoria, ate mesmo uma teoria excelente, pode 
~1.I,' estar em dificuldade pOl' causa de tal fenomeno. E pOl'"boa" teoria 
~ ,  :entendo uma teoria que concorda com todos os experimentos , 
"!~:" isentos de pecha. E,como as vezes precisamos de anos, senao secu- 
~ ~ .~:  los, para remover os defeitos, temos necessidade de manter viva a 
,'~ j. ~ ~ teoria de qualquer modo, embora indo de encontro a evidencia. 
l! Jack - Seculos? 
Arthur - Com certeza. Pense na teoria atomica! Foi introduzida pOl' 
oj Democrito ja faz muito tempo. Desde entao, foi criticada freqiien- 
~ 011 'f~3,'temente, e com excelentes razoes, se se considerar 0 conhecimen- to da epoca. POl'volta do fim do seculo passado, alguns fisicos con- 
~ -! t " tinentais consideravam-na urn monstro antediluviano, motivo pelo 
I•~• '.'- ual nao era incluida na ciencia. Todavia, foi mantida viva, e isso 
constituiu urn bern, porquanto as ideias sobre 0 atomo forneceram 
otimas contribui<,;oes a ciencia. Ou entao, tome a ideia do movi-mento 
da Terra! Ela existia naAntigiiidade; foi criticada severamen-te 
e de maneira assaz razoavel pOl'Aristoteles. Mas sua lembran<,;a 
sobreviveu, e isso foi muito importante para Copernico, que colheu 
(,) '"' 
a ideia e a levou ao triunfo. POl'isso, e born manter viva a teoria 
r~utadg.bomnaoSe<:l~.ix;~~~~i~_~i.Rf~;~~~i~=e, 
pelos experimentos! 
~,..,_".·~"'N~~'~'''.''''"~_.'..',~••._.".•.~ 
, 
';' Arthur - Nao, nos somos cientistas, pOl' conseguinte, procuraremos 
.' 
~I Ht~:::~?~~:~:~~::;~,~if 
 r i  .~ mundo independente daquele do qual nos falam as observa<,;oes /Ii 
l '.Ii disponiveis, mas apto a sustentar uma refutada tese pat·ticular. ) •..• t'! I . . 
II~~ 
Jack r'r",- Mas d~~'~;~~~:isso e metafisica! ·~;Q:;~:;,:,::C'~~;I J, "'" . ( . ". ."
argumentos metafisicos para continual' a se desenvolver; hoje ela 
nao seria 0 que e sem essa dimensao filosofica. 
Jack - Bern ... terei de pensar nisso! Como quer que seja, uma filosofia 
desse genera estaria estritamente conectada a pesquisa - e, em 
vez disso, 0 que encontramos aqui, em Platao (indica 0 livro)? Urn 
dialogo, quase uma telenovela, urn monte de conversa fiada daqui 
e de la ... 
Gaetano - Platao era urn poeta ... 
Jack - Bern ... se era, entao a minha opiniao esta confirmada; nao e certa-mente 
este 0 genero de filosofia de que temos necessidade! 
Arnold (para Gaetano) - Nao penso que se possa afirmar que Platao 
era urn poeta! Ele disse coisas muito duras sobre a poesia, de fato 
falou de uma "longa batalha entre filosofia e poesia" e alinhou-se 
firmemente ao lado dos filosofos. 
Jack (voltando ao ataque) - E pior do que eu pensava! Nao the agrada-va 
a poesia e nao sabia como escrever urn ensaio decente, pOl' isso 
caiu numa versao enfadonha da poesia ... 
Arnold - Alto la!Alto la! Permita que eu me explique! Platao e contrario a 
poesia. Mas e tambem contrario a qualquer coisa que se poderia cha-mar 
prasa cientit1ca.E ele 0 diz de urn modo bastante explicito ... 
!Jf J 
Arnold - Nao, em outro dialogo, Fedro. Ele insinua 
fico e, em grande parte, umaf;~~lde. 
Bruce - Nao havia urn artigo que se intitulava E 0 ensaio cientifico 
umafraude? 
Arthur - Sim, voce tern razao, e de Medawar, urn laureado do premio 
Nobel, mas nao me lembro onde 0 vi. 
Arnold - Seja como for, aquilo que preocupava Platao era 0 fato de que 
urn ensaio fornece resultados e talvez algumas demonstra<,;oes, 
mas diz a mesma coisa, repetidas vezes, quando a gente propoe 
uma pergunta. 
Arthur - Bern ...tambem urn dialogo escrito diz a mesma coisa repetidas 
vezes; a {mica diferenc;:a e dada pelo fato de que a mensagem e 
repetida nao apenas pOl' uma so personagem, mas pOl' muitas. 
Nao, a dificuldade do trabalho cientffico e que ele the conta uma 
fabula. Quando Thomas Kuhn2 entrevistou os participantes da 
revoluc;:ao quantica ainda vivos na epoca, eles repetiram, de infcio, 
aquilo que aparecia impresso. Mas Kuhn se preparara bem. Lera 
cartas, relatorios informais, e todos esses documentos diziam algu-ma 
coisa de muito diferente. Ele indicou a circunstancia e, pouco 
a pouco, as pessoas come<,;aram a recordar aquilo que havia real-mente 
acontecido.Tambem Newton corresponde a esse modelo. 
No fim das contas, depois de tudo, fazer perguntas significa intera-gir 
com m~teriais altamente idiossincraticos ... 
Jack - Trata-se da tipica instrumentac;:ao experimental. 
Arthur - Quao pouco sabem voces, logicos, daquilo que sucede nos 
laboratorios e nos observatorios! A instrumenta<,;ao tfpica funciomli 
para a perda de tempo tfpica, nao para a pesquisa que procura 
impelir os limites um pouco mais aIem. Nesse caso, ou voce usa a " 
instrumentac;:ao tfpica de urn modo atipico, ou entao precisa inven-tar 
coisas inteiramente novas, cujos efeitos colaterais nao the sao 
familiares, de forma que deve aprender a conhecer 0 seu aparelho 
como se faz com uma pessoa, e assim pOl' diante - nada de tudo 
aquilo que se apresenta nos relatorios tradicionais que sao publica-dos. 
Mas a questao agora e discutida em conferencias, seminarios e 
pequenos coloquios.Tais discussoes, onde urn argumento e defini-do 
e mantido a superficie grac;:asao debate continuo, constituem 
uma parte absolutamente necessaria do conhecimento cientffico, 
sobretudo la onde as coisas se movem de maneira muito veloz. Urn 
matem;ltico, um fisico de altas energias, um biologo molecular, que 
conhecem somente os tratados mais recentes, nao so estao atrasa-dos 
em meses, como nao sabem sequel' sobre 0 que versa a obra 
impressa; ela poderia tambem escapar-lhes inteiramente. Tambem 
li Fedro, e esse me parece ser precisamente aquilo que Platao pre-tendia; 
ele queria uma "troca viva", como 0 denomina; e e essa 
troca, e nao a sua reprodu<,;ao estilizada*, que de define como 
I2. Vide A Jistrutura etasRevo!uxies CientfJicas, de Thomas S. Kuhn, traer. brasileira, Sao 
Paulo, Perspectiva, 1976.
conhecimento. Naturalmente, Platao utilizou dialogos, e nao prosa 
cientifica, que tambem existia em seu tempo e ja estava bem 
desenvolvida. Como quer que seja, 0 conhecimento nao esta conti-do 
no dialogo, mas, sim, no debate de onde brota, e que 0 partici-pante 
recorda quando Ie 0 dialogo. Direi que ao menos, a esse res-peito, 
Platao e muito moderno! 
Donald (com voz queixosa) - POl'que nao podemos comec;ar agora 
com Platao?Temos um texto - todo esse palavrorio sobre ciencia 
esta acima de meu alcance e, aIem disso, nao cabe num seminario 
sobre gnoseologia. Nos devemos definir 0 conhecimento ... 
Maureen - Ainda estou confusa; e este curso de ... 
Leslie - ...de cozinha pos-moderna? Naturalmente que sim! Mas h;1 
razoes. Querosaber um pouco mais sobre Platao. Dei apenas uma 
olhada na 1iltima pagina (pega uma c6pia do dialogo que estava 
com Donald e indica um trecho) e a julgo muito estranha. Quando 
tudo acaba, Socrates vai a julgamento. Mas ele nao foi mOt10? 
Dr. Cole - Bem... penso que deveremos comec;ar pdo inicio. 
Seidenberg - Posso dizer uma coisa? 
Dr. Cole (levanta os olhos para 0 teto com um ar desesperado). 
Seidenberg - Nao, creio que e importante. De inicio pensei que esse 
senhor ai (aponta para Leslie) nao estivesse muito interessado na 
filosotla. 
Leslie - Pode muito bem dize-Io ... 
Seidenberg - Nao, nao, nao e verdade. Olhe! (Voltou sua ate11(;aopara 
a ultima pagina e repentinamente mostrou interesse). 
Leslie - Bem, e um pouco estranho ... 
Seidenberg - De modo algum! E verdade, Socrates foi acusado de impie-dade 
e precisou apresentar-se perante a assembleia geral.A conde-nac; 
ao a morte era uma conseqiiencia possivel. Em Olltro diilogo, 
o Fedon, ele j;1estava condenado it morte, presume-se que deva 
beber 0 veneno ao par-do-sol. Ele assim 0 faz e mon-e, precis amen-te 
no fim do dialogo. 
Maureen (que esta ficando menos confusa e mais interessada) _ 
Quer dizer que Socrates falava de filosofia sabendo que estava 
para mOlTer? 
,',No original, em ingles, streamlined cross-section, que significa literall11ente "se;ao trans-versal 
aerodinamica". 
Lt.:slie- Estranho! Um professor que fala e fala, embora saiba que seus 
verdugos estao realmente esperando por ele fora da sala de aula. 
Como e possivel isso? 
Sddenberg (excitado) - Nao e so isso! Os dois personagens principais do 
dialogo que 0 professor Cole pretende ler conosco, Teeteto e 
Teodoro, eram personagens historicos, ambos eminentes matemati-cos. 
ETeeteto - e dito na introduc;ao - fora gravemente ferido 
numa batalha e pouco depois morreu de disenteria.Num certo sen-tido, 
o dialogo foi escrito em sua memoria, em memoria de um gran-de 
matematico que tambem havia sido um valoroso combatente. 
Estas sao coisas muito interessantes. Em primeiro lugar, pelo fato de 
ser um dialogo; de nao ter nada a ver com a poesia, se entendida 
supertlcialmente como um discurso ligeiro; de derivar de uma con-cepc; 
ao especial do conhecimento e de esta concepc;ao estar muito 
viva ainda hoje em dia, como dizArthur, nao" em materias atrasadas" 
(lan<r'auma olhada para Jack), mas entre as disciplinas mais res-peitadas 
e de desenvolvimento mais rapido, como a matem;ltica e a 
fisica das altas energias. Em segundo lugar, encontra-se aquilo que 
se pocleria chamar cle"climensoes existenciais", vale clizer,o moclo 
pelo qual a cOt1Versac;aointeira esta insericla nas situac;oes extremas 
ciavida real. Eu me dou conta de que isso e muito cliferente clegran-de 
parte cia tllosofia moderna, que so analisa as propriedacles logi-cas 
dos conceitos e pensa que isto seja tuclo 0 que se pode dizer a 
seu respeito. 
David (hesitante) - Li 0 cli;llogo pOl'que queria estar preparado para a 
aula. Ate eu fiquei surpreso com 0 final, mas nao vejo que efeito 
pocleria ter sobre 0 debate, que se assemelha muito a uma aula 
como aquela que eu tambem assisti; alguem diz qllC~~oconheci- 
~E.!.2-.t experiencia ... 
Dr.Cole - P:~~eP<i:.'lo ... 
Davicl- ...Bem ...que 0 conhecimento e~r~s;.ao,..algum Olltro ofere- 
-, -----------~ ~-., 
ce contra-exemplos, e assim por cliante. E verdacle, 0 clialogo e um
pouco palavroso, mas nele nao se faz nenhuma referencia a 
morte.Ao fim, Socrates imprevistamente diz que deve ir ao tribu-nal. 
Poderia tambem dizer que estava com fome e que iria cear. 
Seja como for, parece aposto apenas para produzir efeito e nao 
acrescenta nenhuma dimensao existencial aos conceitos ... 
Seidenberg - Mas no Fedon ... 
Charles - Eu 0 tenho aqui (soergue um livro). Penso que seja ainda 
pior. De fato, como come<;;a? Socrates esta em companhia de 
alguns de seus admiradores. E eis sua mulher (W a texto do livro) 
"com seu filho nos bra<;;os".Ela chora e the diz:"agora, seus amigos 
vido falar com voce pela tlltima vez, Socrates" - pelo menos con-forme 
0 relato urn pouco desdenhoso fornecido por Fedon, 0 
principal interlocutor. "Ela diz todo genera de coisas que as 
mulheres estao propensas a dizer em certas ocasioes" - tal e 0 
modo como ele fala dela. E Socrates 0 que faz? Pede a seus amigos 
que a conduzam para casa a fim de que ele possa falar de coisas 
mais elevadas. E urn tanto insensivel, diria. 
Maureen - Mas ele est;l para morrer! 
Charles - Por que deveria alguem jamais ser levado a serio e pOl'que se 
deveria permitir que se comportasse como urn bastardo so por-que 
ele esta para moner? 
Bruce - E par culpa dele mesmo! 
Maureen - 0 que pretende dizer com isso? 
Bruce - Nao sera, talvez, verdade que ele proferiu a sua arenga diante de 
uma assemblda geral que 0 condenara, mas the dera a possibilida-de 
de defender-se? E Socrates escarneceu deles -leia a ApoZogia! 
Depois disso, condenaram-no por uma margem ainda mais ampla. 
Tratara a assembleia com 0 mesmo cui dado que havia dispensado 
a sua mulher e ao filho. 
Maureen - Mas morreu por suas ideias, nao cedeu. 
Charles - Tampouco Goering, no processo dos nazistas. "E 0 poder" - 
disse ele - "que decide uma questao, e nos 0 desfrutamos enquan-to 
esse durou". E depois se suicidou, realmente como Socrates. 
Seidenberg - Nao acho que se deveria comparar as pessoas desse modo. 
Leslie - Por que nao? Ambos sac membi'os da ra<;;ahumana! Charles tem 
realmente razao. Moner pelas proprias iddas nao produz automa-ticamente 
santos.Veja 0 que se diz aqui - encontrei justamente 0 
trecho.O que significa 0 ntlmero 173escrito a mal-gem? 
.tk Cole (querendo jaZar). 
,/y'nold (mais rapido do que dr.CoZe)- E 0 ntlmero da pagina da edi<;;ao 
critica a qual os estudiosos fazem normalmente referencia ... 
,'Arnold - Nao, e pratico. Ha muitas edi<;;oes,tradu<;;oesetc. todas diferen-tes 
umas das outras. Em vez de fazer referencia a uma obscura tra-du<;; 
aoque ninguem conhece, mas que por acaso acabou entre 
suas maos, da-se este ntlmero da edi<;;aocritica ... 
Leslie - ...de toda maneira, parece que diz aqui haver uma diferen<;;a 
entre 0 cidadao comum e 0 filosofo. Ora, agrada-me aquilo que e 
dito do filosofo - "Ele vaga a "Tontadede um argumento ao outro 
e do segundo a um terceiro"--"-, isto e, 0 modo do qual haviamos 
falado e que e, pois, 0 motivo por que estamos ainda aqui. Mas 
depois e dito que "um advogado" anda sempre depressa, pOl"que 
ha limites de tempo nos tribunais: ele ridiculariza 0 advogado que 
anda sempre depressa e diz que "a comida muitas vezes preserva 
sua vida". Bem, tenho a impressao de quenao pretende referir-se 
somente aos advogados, mas tambem aos cidadaos comuns. Estes 
nao tem tanto dinheiro quanto Platao, e precisam cuidar da fami-lia 
e dos filhos. Um modo de pensar que ocupa uma vida inteira 
apenas para propor simples perguntas nao lhes e de nenhuma uti-lidade 
- morreriam logo de fome. Eles precisam pensar de forma 
difc!rente. E, em vez de simpatizar com sua dificil condi<;;aoe pre-za1". 
as solu<;;oespor eles encontradas, Socrates escarnece deles e 
os trata com desprezo, como procedeu com a assembleia. 
Dr. Cole - Bem... isso e Platao e nao Socrates ... 
Leslie (Ull1 pouco enraivecido) - Platao, Socrates, nao me importam 
nada! A idda de filosofia que aparece justamente aqui, neste dialo-go, 
com sua "dimensao existencial", implica que, quando se pensa 
e se age para sobrevivel- e manter a propria familia, a gente mere-ce 
ser tratada com desprezo.
Gaetano - Penso que pode achar alguma coisa aqui (tira um liuro de sua 
bolsa), tenho uma traduc;:ao alema, com uma introduc;:ao de Olof 
Gigon, urn eminente estudioso dos classicos. Ele comenta 0 fato de 
que Socrates manda embora a mulher e 0 filho. a que diz? "Ambos 
representavam 0 mundo da humanidade simples e nao dedicada a 
filosofia, que merece respeito, mas deve arredar um pas so quando a 
filosofia entra em cena". "Deve arredar urn passo" significa que a 
gente comum, que carece da sutileza filosofica, nao conta quando 
urn filosofo, que po de ser tambem urn marido, abre a boca. 
Maureen - Entao toda essa fala da morte e somente papo furado. 
Gaetano - Nao, nao creio. Platao queria, na verdade, enfatizar aquela 
que, segundo ele, era 0 conhecimento con'eto, ligando-a com uma 
nova visao da,morte. Bem, p.elo menos disp6e de um horizonte 
mais amplo do que aquele que possuem (uoltando-se para jack) 
os seus cientistas ... 
Charles - Qualquer fascista tem a disposic;:ao aquilo que voce chama 
"urn horizonte mais amplo", pOl'que para ele a ciencia e somente 
"parte de urn todo maior", ou qualquer outra coisa que se diga a 
esse proposito ... 
Seidenberg (hesitante) - Fico um pouco preocupado com 0 modo pelo 
qual estao falando de Platao. Sei que hoje esta fora de moda 0 res-peito 
a cultura e posso compreender 0 motivo; freqiientemente 
tem-se feito urn uso perverso da cultura. Penso, todavia, que os 
senhores estao exagerando um pouco. Pertenc;:o a uma gerac;:aona 
qual 0 conhecimento e a difusao da cultura eram assuntos serios. 
Todos sabiam que havia os estudiosos e os respeitavam, inclusive a 
gente pobre. Para nos, intelectuais, os filosofos e os poetas eram 
pessoas que nos forneciam luzes, que nos mostravam a existencia 
de algo mais alem da vida miseravel que estavamos vivendo. Veja, 
provenho de uma familia muito pobre, da gente comum da qual 
estavam falando; mas nao penso que voces a conheceram deveras, 
ao menos nao .conhecem a gente pobre da regiao de onde prove-nho." 
Nosso filho" - disseram-me meus pais -" deveria tel' aquilo 
que nos nao pudemos tel', deveria tel' uma educac;:ao.Deveria estar 
em condic;:6es de leI' os livros que nos pudemos olhar so de longe 
e que nao teriamos compreendido se os tivessemos tido em maos." 
Assim, trabalharam e economizaram durante toda a vida a fim de 
que eu pudesse receber uma educac;:ao.Tambem eu trabalhei co-mo 
aprendiz de encadernador. E la, urn dia, tive entre as maos uma 
edic;:ao em catorze volumes da obra de Platao. Estava urn pouco 
maltratada, cabia-me de fato preparar umanova capa. Voces nao 
podem imaginal' como eu me sentia. Para mim, era como a terra 
prometida, mas havia muitos obstaculos. Certamente eu nao pode-ria 
comprar e tel' aqueles livros. Mas, admitindo-se que os tivesse 
comprado, poderia eu compreende-los? Abri urn volume e encon-trei 
uma passagem na qual Socrates estava falando. Nao me lembro 
o que dizia, mas lembro-me muito bem que eu sentia como se ele 
estivesse falando comigo, de urn modo gentil, elegante e um pouco 
ironico. Depois chegaram os nazistas.Alguns estudantes ja eram 
partidarios do nazismo - e me desagrada dizer, senhores, mas 0 
modo como falavam assemelhava-se muito ao de voces - havia 
desprezo na voz. "Estes saG novos tempos" - disseram eles - "de 
maneira que vamos esquecer todos os escritores antigos!" Con-cordo 
que Platao, amillde, evita os problemas banais, e de vez em 
quando faz troc;:a,mas nao acho que zombe das pessoas que ai 
estao envolvidas. Ele zomba dos sofistas, os quais afirmavam dog-maticamente 
que nao existe nada. De fato, a gente comum, ao 
menos a gente comum que eu conhec;:o, nao e assim. Espera uma 
vida melhor, se nao para si, para os proprios filhos.Saibam, ha uma 
coisa interessante sobre a datac;:aodos diilogos. as primeiros dialo-gos 
de Platao escritos apos a morte de Socrates nada tinham a vel' 
com sua morte. Eram comedias como 0 Eutidemo ou 0Ionia, ple-nos 
de argllcia e de ironia.A Apologia, 0 Pedon e 0 Teeteto vieram 
depois, presumivelmente depois de Platao haver assimilado a dou-trina 
pitagorica da vida ultraterrena.Ate a morte assume urn aspec-to 
diferente - e urn inkio e nao um fim. E e tambem verdade que 
Socrates, 0 verdadeiro Socrates, nao engolia, como voces dizem na 
lingua de voces, a demoCl'acia com todos os seus anexos e cone-xos. 
Via que ela apresentava problemas. Diz-se que escarnecia da 
democracia como sendo aquela instituic;:ao na qual um macaco se 
torna urn cavalo, quando um numero suficiente de pessoasvota
nesse sentido. Bem, nao e esse um problema a ser enfrentado ainda 
hoje? - quando discutimos sobre 0 papel da ciencia nasociedade 
e, especialmente, na sociedade democratica? Nem tudo pode ser 
decidido por meio do voto, mas onde fica a linha divisoria! E quem 
e que vai tra<;;a-la?Para Platao, a resposta era clara: as pessoas que 
estudaram 0 problema, os homens sabios, a eles cabera tra<;;ara 
linha divisoria! Os meus pais e eu pensavamos exatamente a mes-ma 
coisa. Naturalmente, Platao tinha dinheiro e mais tempo a dis-posi<;; 
ao,mas nao e acusado por isso. Ele nao gasta seu dinheiro 
como os outros men1bros de sua classe em aventuras amorosas, 
corridas de cavalo e jogos politicos do poder. Ele amava Socrates, 
que era pobre, feio e desmazelado. Falou dele em seus escritos nao 
apenas para honra-lo, mas tambem para lan<;;aros fundamentos de 
uma vida melhor, precisamente como 0 movimento pacifista mo-derno 
luta por uma vida melhor. Lembrem-se - aquela era a epoca 
da Guerra do Peloponeso, de atrocidades politicas; a democracia 
foi revirada, renovada, tramaram contra ela conspira<;;oes.Em suma, 
queria dizer que deveriamos ser gratos a essas pessoas, em vez de 
zombar delas ... 
Li Feng - Compreendo 0 que pretende dizer, senhor, e estou de pleno 
acordo, nao so pOl'que penso que uma comunidade ou uma na<;;ao 
tem necessidade de homens sabios, mas tambem pOl'que penso 
que uma vida sem uma migalha de respeito por alguma coisa e 
uma vida bastante superficial. Mas percebo um problema la onde 
esse respeito nao e equilibrado com um pouco de sadio ceticismo. 
]ulgo que a historia recente de meu pais seja um bom exemplo ... 
Gaetano - Mas ha exemplos mais proximos de nos; po de acontecer que 
sejam banais, se comparados aqueles dos quais voce fala (voltan-do- 
se para Ii Rmg),mas penso que constituem 0 motivo pelo qual 
Leslie e Charles reagiram tao violentamente.Aqui, alguns professo-res 
e alguns doutores falam dos luminares eminentes em sua pro-fissao 
como se fossem divindades; nao sabem escrever uma linha 
sem citar Nietzsche, Heidegger ou Den-ida, e parece que para eles 
a vida consiste em ficar pulando aqui e ali entre uns poucos ico-nes. 
Ele, senhores (voltando-se para Seidenberg), viveu muito pro-vavelmente 
num tempo e numa comunidade na qual as criaturas 
tinham uma rela<;;aopessoal com os proprios sabios e com aquilo 
que diziam. Nao creio que exista hoje lill1arela<;;aopessoal analoga, 
o que ha e uma forte pressao pessoal para 0 conformismo e, sobre-tudo, 
em vez da conversa<;;ao viva que Platao queria, temos frases 
vazias combinadas de maneira esquem{ltica. Trata-se de um feno-meno 
odioso - ha pouco motivo para espantar-se se Leslie e 
Charles explodem quando veem qualquer coisa similar ou aparen-temente 
similar num autor antigo.Alem disso, e algo diferente 0 
modo democratico de olhar as pessoas e 0 modo pelo qual parece 
que os atenienses teriam olhado Socrates. "Sim, esse Socrates" - 
creio que teriamos dito - "nos 0 conhecemos: e um pouco tolo, 
nao tem nada melhor a fazer do que ficar junto das pessoas para 
importun{l-las,mas nao e mau sujeito e muitas vezes diz coisas bas-tante 
inteligentes." Riam dele quando 0 viam representado em 
cena, nas Nuvens de Aristofanes - e parece que Socrates ria junto 
com eles. 0 respeito esta unido ao ceticismo e, as vezes, ao escar-nio. 
Podemos ir adiante. Se podemos confiar em Heraclito, entao , 
patTCe que a gente de Efeso diria qualquer coisa do genero: "nao 
queremos ninguem que seja melhor do que nos - que essa pessoa 
va vi;::er em outra parte e com outra gente". Creio que tal atitude 
tinha perfeitamente sentido. Isto nao significa que todas as pessoas 
dotadas de conhecimentos especiais devam ser ca<;;adas,mas 
somente aquelas que pOl' causa de seu conhecimento especial 
querem um tratamento especial! Como quer que seja, a 9.~IrisA()e 
mil vezes melhor do que 0 assassinio ou que a critica mortalmente 
seria que eleva 0 Cl'itico a estatura atribuida a pessoa criticada. 
Suspeito que seja esse 0 verdadeiro motivo pelo qual escritores 
sem talento se estendem a respeito de outros escritores sem tal en-to, 
insistindo que devam ser tomados a serio. 
Dr. Cole - Acho que estamos nos afastando muito do nosso argumento. 
Alem disso, nao se pocle julgar um autor por umas poucas linhas 
extrapoladas do contexto. Entao, por que nao come<;;amos a ler 0 
dialogo de um modo mais coerente e decidimos, depois, quais sao 
os seus meritos? Platao tem a dizer alguma coisa de muito interes-sante 
sobre 0 conhecimento, por exemplo, sobre 0 relativismo. 
Sem dtlVida voces ouviram falar de relativismo.
Charles - Pretende dizer Feyerabend? 
Dr. Cole (chocado) - Nao,certamente nao.Mas nos somos pessoas com-petentes 
que julgamos possuir argumentos para demonstrar que 
qualquer coisa que se diga, e qualquer motivo que se de para aqui- 
10 que se diz, depende do "contexto cultural", isto e, do modo de 
viver do qual se faz parte. 
Li Feng - Isso significa que asle~_~i:~tifica~ nao SaDuniversalmente 
verdadeiras? 
Dr. Cole - Sim! Elas sao con'etas para quem pertence a civilizac;:aooei-dental, 
SaDcon'etas em l:~l~~ao-aossellsprocedi;~~tose'~~f~~'e 
dos criterios desenvolvidos por essa eivilizac;:ao,porem nao s2_~0 
sao verdadeiras, mas com certeza elas nao tern sentido numa C.l~!- 
tura diferente. 
Jack - POl'que as pessoas nao as compreendem. 
Dr. Cole - Nao, nao apenas pOl'que elas nao as compreendem, mas por-que 
os criterios para avaliar 0 que tern sentido e 0 que nao tern 
sao diferentes. Colocadas diante das leis de Kepler, nao dizem ape-nas: 
"0 que significa isso?", pOl"em acrescentam: "Trata-se de urn 
discurso sem pe nem cabec;:a". 
Bruce - Alguem jamais lhes perguntou isso? 
Dr. Cole - Nao sei, mas e irrelevante; os relativistas nao fazem disso urna 
questao logica. 
Jack - Isso significa que eles nao dizem" OsMar" 3,quando estao diante da 
teoria de Newton, mas dizern: 'Isso nao tern sentido"', se bem que 
"Julgada segundo os criterios implicitos no sistema de pensanlento 
desenvolvido pelosMar, a teoria de Newton nao tern sentido". 
Dr. Cole - Sim. 
Jack - 0 que presume que os Mar - ou, sob esse ponto de vista, qual-quer 
que seja a cultura - tenham urn sistema de pensamento que 
pode ser usado para proferir tais juizos. 
Dr. Cole - Naturalmente. 
Jack - Nesse caso, se a teoria de Newtonnao tern sentido para uma cul-tura 
ou urn periodo, como poderiam aprende-Ia as pessoas perten-centes 
a tal cultura e como pade a propl"ia teoria vir a existir? 
Ikuce - Estas sao ~s_r.e::~oll~ - voce nao leu 0 livro de ~I8' As pas- 
  
sagens entre as diversas formas de pensanlento revolucionam os 
I~ criterios, os prindpios basic os e tudo 0 mais. 
Jack - Sao meras palavras! Nao conhec;:o Kuhn muito bern, mas eu me 
pergunto como se leva adiante uma revoluc;:ao desse tipo. As pes-soas 
nao raciocinam durante as revoluc;:6es? 
Dr.Cole - Num certo sentido, nao. 
Charles (desdenhosa111ente) - Dizendo num certo sentido, pretende 
dizer: segundo a tese pela qual ~~,,~E~~~?J:e/]:.t':1:C;:.§.~~J~.m$epticl() 
somente em a urn sistema. 
Charles - Mas Jack pas mesrno em discussao essa tese, de tal modo que 
nao posso utiliza-Ia para responder a sua pergunta, vale dizer: as 
argumentac;:oes transieionais tedo sentido? E preeiso encontrar 
uma resposta diferente. 
Charles - Por exemplo, examinando 0 modo pelo qual as pessoas rea-gem 
a tais argumentac;:oes. 
I)1'. Cole - Bern, a historia nos ensina que se formam novos grupos, e os 
velhos desaparecem ... 
(;harles - E isso, segundo 0 senhor, provaria que as argumentac;:oes tran-sicionais 
nao tern nenhuma forc;:a? 
Ik Cole - Nao e rnais questao de argumentac;:oes, mas de conversoes. 
Formam-se novos grupos que tern criterios novos. 
(;harles - Nao corra demais! Antes de tudo, os fatos que 0 senhor aduz 
nao sao justos. Por exemplo, muitos aristotelicos tornaram-se co-pernicanos 
quando leram Copernico ou Galileu, ou ouviram falar
de Galileu. Naturalmente havia novos grupos, mas esses grupos 
foram dissuadidos de suas venus convicc,;oes pOl' meio de proce-dimentos 
que tambem foram m,mtidos a seguir. Nao houve, aqui, 
uma mudanc,;a completa do "sistema". Em segundo lugar, admitin-do- 
se que seja uma questao de conversao, ao que deveriam con-verter- 
se essas pessoas? au 0 sistema j~lexiste e, entao, nao temos 
nenhuma conversao, ou nao existe e, entao, nao se converte em 
nada. Nao, as coisas nao podem ser tao simples. a que eu queria 
dizer e que as argumentac,;oes transicionais tem sentido, mas nao 
para todos, pOl'quanto nao existe argumentac,;ao alguma que tenha 
sentido para todos; elas tem sentido para alguns, e isso significa 
que a tese segundo a qual ha "sistemas" que pOl' si sos dao signifi-cado 
aquilo que se diz deve ser equivocada. 
Jack - E exatamente 0 que eu quero dizer. A necessidade logica de uma 
argumentac,;ao depende dos criterios em que se baseia e uma re-voluc,; 
aomuda os criterios. Entao, parece que uma revoluc,;ao nao 
pode basear-se em argumentac,;oes, ou que a irrefutabilidade das 
argumentac,;oes nao depende de um "sistema de pensamento" - 
nesse llitimo caso, 0 relativismo e falso. De outra parte, se fosse 
verdadeiro, estariamos encravados para sempre num sistema, ate 
que um milagre nos fornecesse um outro sistema ao qual estaria-mos 
presos dai pOl' diante. Estranha opiniao. 
Donald - Platao discute essa opiniao? 
Dr. Cole - Ele coloca em discussao um dos primeiros relativistas da his-toria 
ocidental, Protagoras. 
Bruce - E 0 relativismo nao fez qualquer progresso desde entao? 
Dr. Cole - Sim e nao.A posic,;ao basica ainda e muito semelhante a de 
Protagoras, mas h~l muitos expedientes protetores que fazem a 
coisa parecer mais dificil do que ela e na realidade. 
Bruce - Isso significa que Protagoras diz aquilo que dizem os relativis-tas 
modernos, mas de um modo mais simples. 
Dr. Cole - Poder-se-ia dizer assim. Mas agora, finalmente, comecemos 
com 0 di~llogo. 
Li Feng - Onde, pOl' favor? 
Dr. Cole - Aqui, na linha 146... Socrates pede a Teeteto que defina 0 
conhecimento. 
Jack - A que voce se refere? 
Arthur - A tentativa de definir 0 conhecimento. 
Jack - Trata-se do procedimento usual na ciencia e alhures. Se uma 
expressao e longa e inc6moda, entao decide-se introduzir uma abre-viac,; 
aoe a frase que expoe aquilo que e abreviado e a definic,;ao. 
Arthur - Mas a situac,;aoaqui e contraria aquela que voce descreveu! a 
conhecimento ja existe, h~las artes e os misteres, as varias profis-soes, 
Teodoro eTeeteto possuem uma consideravel quantidade de 
conhecimentos matem~lticos e presume-se que Teeteto caracteri-ze 
esse conjunto vasto e POllCOmanejavel com uma formula bre-ve. 
Nao se trata de abreviar uma formula longa, pOl'em de encon-trar 
uma propriedade comum entre os elementos de um conjunto 
variado que, alem do mais, muda constantemente. 
,1l1ck - Bem, de qualquer modo, e necessario tambem trac,;aruma linha, 
especialmente hoje, quando ha em circuhlc,;aogente que quer res-suscitar 
a astrologia, a bruxaria, a magia. Algumas coisas sao conhe-cimentos, 
outras nao - concorda com isso? 
Arlhur - Com certeza. Mas nao creio que se possa trac,;aruma linha de 
uma vez pOl' todas, e com a ajuda de uma simples formula. Nao 
penso tampouco que se possa trac,;a-lacomo se fosse um regulamen-to 
de trifego. as limites emergem, apagados, desaparecemnovamen-te, 
enquanto sao parte de um processo historico muito complexo ... 
,1l1d, - Mas nao e assim. as filosofos trac,;aram freqiientemente linhas e 
definiram 0 conhecimento ... 
Al'tllm - ...e quem usou suas definic,;oes?Veja.Newton trac,;ouuma linha 
quando defendia sua pesquisa na optica e imediatamente a ultra-passou. 
A pesquisa e muito complicada para seguir linhas simples. 
ETeeteto sabe disso! Socrates pergunta:"O que e 0 co'nhecimen-lo?" 
Teeteto replica ... 
l)oll:lld - Onde?
Arthur - Em alguma parte, perto da linha 146. Bern, ele replica que 0 
conhecimento e "toda a ciencia que ele aprendeu de Teodoro - a 
geometria e tudo aquilo que acabei de mencionar" - ele esta falan-do 
da astronomia, da harmonia e da aritmetica. E,continua: "deseja-ria 
incluir a arte dos sapateiros e dos outros artesaos; essas sao todas 
formas de conhecimento". Eis uma otima replica: 0 conhecimento 
e urn assunto complexo, e ~ife~~}lJJ..~[la~.<:liversas talvez a _ ....~.~ ". - .._. 
melhor resposta a pergunta "0 que e 0 conhecimento?" seja urn 
elenco. De minha parte, ajuntaria os pormenores e citaria as varias 
escolas que existem em cada materia. Como quer que seja, ~~~~a 
de que 0 conhecitnentoe,aesse respeito, tambem a<:i.~1"lcia.possam 
;:~'-;pri~k;~~d;~~lillla simples formula, e uma quimera. 
Arnold - Ela nao e uma quimera, e urn fato.~~c_i~[lcia,pOl' exemplo, 
pode ser caracterizada como aquilo que po de ser criticado. 
Bruce - Mas qualquer coisa po de ser criticada, nao apenas 0 conheci-mento. 
Arnold - Bern, devo ser mais preciso: a gente tern 0 direito de reivindi-car 
a qualificac;ao do conhecimento somente se a pessoa que 
apresenta tal pedido pode dizer com antecipac;ao em qual cir-cunstancia 
0 retiraria. 
Leslie - Essa nao e uma definic;ao de "conhecimento", mas antes de "rei-vindicac; 
ao de conhecimento". 
Arthur - Nao importa, ao contririo, agora posso formular minha objec;ao 
ainda mais claramente: segundo sua detlnic;ao de "reivindicac;ao de 
conhecimento", as teorias mais cientiiicas nao entram em tais rei-vindicac; 
oes, pOl'quanto, dada uma teoria complexa, dificilmente os 
cientistas sabem antecipadamente quais circunstancias particula-res 
os farao desistir dela. Muitas vezes, a teoria contem hipoteses 
escondidas, das quais tampouco se esta ciente. Novos desenvolvi-mentos 
levam ao palco essas assunc;oes - ai sim, entao, a critica 
pode comec;ar. 
Li Feng - Pode dar algum exemplo? 
Bruce - Sim, a hipotese da velocidade dos sinais infinitos se faz notal' 
somente com a teoria da relatividade especial. Segundo sua defi- ' 
nic;ao,presume-se que se poderia dizer em 1690 0 que teria acon-tecido 
a teoria de Newton em 1919,0 que e absurdo. E esse 0 
genero de absurdidade que esta contido na solicitac;ao de definir 
o "conhecimento". Novos temas entram constantenlente em ce-na 
e velhos temas mudam, vale dizer que a definic;ao devera ser 
muito longa, compreender uma porc;ao de qualificac;oes e estar 
sujeita a modificac;oes. 
Amolcl - Masvoce devera, no entanto, dispor de urn criterio para separar 
os argumentos falsos dos genuinos, e precisara formular tal criterio 
independentemente dos argumentos existentes, pois de que outro 
modo podera julg;l-los objetivamente? 
Al'tllUr - "Objetivamente" - estas sao apenas palavras. Nao acha que 
uma coisa tao decisiva como os criterios que definem 0 conheci-mento 
devam ser examinados com grande cuidado? E se ja foram 
examinados, entao foi levada a efeito uma analise acerca dos crite-rios 
e tal indagac;ao ser;l ela mesma guiada pOl' criterios, pois e 
simplesmente impossivel colocar-se pOl' fora do conhecimento e 
da indagac;ao.Ademais, suponhamos que exista urn criterio a dis-posic; 
ao. Isso nao basta. Pode haver tambem a disposic;ao algo que 
esteja de acordo com 0 criterio, algo de outro modo vazio. Duvido 
que hoje alguem dedicasse muito tempo para encontrar a defini-c; 
ao correta do "unicornio". 
Al'llold - Estou muito inclinado a admitir que 0 meu criterio possa des-mascarar 
qualquer coisa como urn engano ... 
Brllce - Bern, voce nao continuara a usar alguma dessas coisas engano-sas, 
separando-as das outras? POl'exemplo, nao continuara a dar fe 
a certos fisicos de preferencia a outros? Ou a fiar-se num astra no-mo 
que predisse urn eclipse solar, mas nao num astrologo que pre-disse 
urn terremoto? Se for assim, entao 0 seu criterio revel a ser 
ele mesmo urn engano; do contririo, logo estari morto. 
David - Mas algumas definic;oes sao necess;lrias para fins legais. POl' 
exemplo, para as leis que separam a Igreja do Estado e exigem que 
a ciencia, mas nao as concepc;oes religiosas, seja ensinada nas 
escolas pllblicas. Nao ser;l esse 0 caso dos fundamentalistas que 
tern tentado introduzir algumas de suas ideias na escola elemen-tal', 
chamando-as de teorias cientificas?
Arthm - E verdade, no Arkansas. as peritos forneceram atestados e algu-mas 
defini«;;oes simples, e assim 0 negocio foi feito. 
Charles - Bem, isto demonstra somente que a pratica legal precisa ser 
melhorada. 
Donald _ Nao podemos voltar ao diiilogo? Voces dizem que basta um 
elenco, mas Socrates levanta obje«;;oes! 
Arthur - Qual e a obje«;;aodele? 
Maureen - Ele quer uma coisa so, nao muitas. 
Bruce _ E exatamente aquilo sobre 0 que acabamos de falar - ele nao 
pocle encontrar uma defini«;;aoan~l1ogaque tivesse tambem um 
contelido. 
Maureen - Mas se ha uma so palavra," conhecimento", por que nao ha 
tambem uma coisa tmica? 
Arnold - "Circulo" e uma palavra so, mas ha 0 drculo geometrico, 0 dr-culo 
de amigos que nao devem sentar-se em torno do drculo geo-metrico; 
0 raciodnio circular, isto e, aquele que presume aquilo 
que deve ser provado sem mover-se sobre 0 tra«;;adodo drculo 
geometrico ... 
Maureen - Bem, nao e 0 mesmo caso! Ha um drculo originario e os 
outros san expressoes, bem, aquilo que chamam ... 
Gaetano - MetMoras? 
Li Feng - Analogias? 
Leslie - Nao tem import~lllcia - uma palavra, muitos significados, mui-tas 
coisas. E Socrates presume que coisas do genero nao aconte-cem 
jamais ... 
Gaetano - Ademais, na passagem que precede a indaga«;;ao... 
Leslie - Onde? 
Gaetano - Perto do fim da pagina 145 - mas voce nao a encontrara na 
edi«;;aoinglesa, deve consul tar 0 grego - ele ja usa tres palavras 
diferentes,episteme (e 0 verbo correspondente) ,sophia (e outras 
duas formas com a mesma raiz) e manthanein. 
Leslie (ccu;oando gentilmente de Seidenberg) - Seu grande e sabio 
Platao? 
Ll Feng - Mas 0 proprio Teeteto sugere 0 modo pelo qml1 0 conheci-mento 
poderia ser unificado. E verdade, aquilo que Socrates diz 
nao e so dogmatico, mas tambem incoerente. Por isso,Teeteto 
tenta torn~l-lo sensato, e 0 faz de uma maneira interessante. Para 
preparar sua proposta descreve uma descoberta matematica feita 
por ele e pOl' um amigo seu, tempo atras. 
Donald - Procurei compreender aquela passagem, mas nao fa«;;oideia a 
que ela se refere. 
LI Feng - Mas e, na verdade, muito simples. Aqui se parte da metade da 
pagina 147 - da 147d 3, para ser preciso. 
Leslie - a que significa isso? 
Al'l1old- Significa a pagina 147 da edi«;;aocritic a -lembra-se? - se«;;ao 
daquela pagina (toda pagina da edi«;;aocritica e subdividida em 
se<;oes,por comodidade), linha 3. 
JJ Feng (te) - "Teodoro estava tra«;;ando diagramas para demonstrar-nos 
algo sobre quadrados ..." 
Donald - a meu texto nao reza assim ... 
l.eslie - Tampouco 0 meu. Aqui diz:"Teodoro estava transcrevendo para 
nos algo sobre raizes ..." 
1>1". Cole - Bem, cedo ou tarde deviamos nos deparar com esse proble-ma 
- nem todas as tradu«;;oes sao iguais. 
Donald - as tradutores nao sabem grego? 
1>1". Cole - Sim e nao. a grego de Platao nao e uma lingua viva, entao 
devemos nos basear em textos. E os autores empregam, amitIde, as 
mesmas palavras de modo diverso, razao pela qual temos nao ape-nas 
dicionarios de grego antigo, mas tambem dicion~lrios espe-ciais 
para Homero, Herodoto, Plat~lo,Aristoteles e outros. AIem do 
mais, temos de nos haver aqui com uma passagem matematica, e 
quem fala e um matematico. as matematicos utilizam, muitas 
vezes, num sentido tecnico, palavras comuns, e nen1 sempre fica 
claro de que significado se trata. Dynamis, a palavra traduzida 
como "raiz" no texto de voces, significa de h~lbito pot en cia, for«;;a: 
ocorre tambem na economia. Foi preciso bastante tempo para 
que os estudiosos descobrissem que aqui, muito provavelmente,
ela denot'1 um quadrado. Problemas como este surgiram em todos 
os trechos mais dificeis. 
Donald - a que podemos fazer? 
Dr. Cole - Aprender 0 grego. 
Donald - Aprender 0 grego? 
Dr. Cole - Bem, ou entao estarmos prontos para descobrir que por mais 
aferr'1d'1 que ela seja, tr'1ta-se apenas de uma informa<,;ao muito 
expurgada daquilo que sucede "realmente". (Voltando-se para Li 
Feng) - A sua tradu<,;ao parece feita por alguem que conhecia as 
p.articulares dificuld'1des dessa pass'1gem ... 
Li Feng Cguardando seu texto) - E de um certo Mc Dowell. 
Dr. Cole - Ah, John - Bem, ele certamente sabe 0 que f'1z,'10 menos 
nesse trecho. Continuem! 
Li Feng - "Teodoro estava tra<,;ando diagr'1mas para demonstrar alguma 
coisa sobre quach-ados - isto e, que um quadrado de tres metros 
quadrados e um de cinco nao saG comensuraveis, no que diz res-peito 
a longitude do l'1do com um de um metro quadrado ..." 
Donald - a que significa "comensuraveis"? 
Li Feng - Suponhamos que temos um quadrado de tres metros qu'1dra-dos. 
Entao, 0 lado desse qu'1dr'1do nao pode ser expresso por uma 
fr'1<,;aodecimal finita, ou mais simplesmente, por uma fr'1<,;aocom 
um nllmero inteiro no numer'1dor e um outro, por maior que seja, 
no denominador. 
Donald - Como se faz para sabe-Io? 
Dr. Cole - Ha uma demonstra<,;ao ... 
Arthur - De fato, existem diversos generos de demonstra<,;oes ... 
Dr. Cole - ...e algumas j{ler'1m notadas na antigi.iid'1de, mas nao acho 
que devemos adentrar-nos n'1questao. Aceitemos simplesmente 0 
f'1to de que tais demonstra<,;oes existem, que eram conhecidas por 
Teodoro e que ele as ilustrava com diagramas. 
Li Feng (continua) - "...com um quadr'1do de um metro qu'1drado; e 
assim por diante, individualizando atentamente cada caso ate os 
17 metros quadrados". 
Jack - Isto significa que havia uma demonstra<,;ao diversa para cada 
numero? 
I.k Cole - Se, como Teeteto no caso do conhecimento, ele fornecia um 
elenco de nllmeros irracionais, come<,;ando pela raiz quadrada de 
tres, associ'1ndo cad'1 nllmero a um'1 demonstr'1<,;aodiferente. 
Jack - Agora, se fosse dada a1uma s6 demonstra<,;ao,a me sma que, aplica-da 
a qualquer nlm1ero, mostrasse se este era ou nao irracional, neste 
caso a demonstra<,;ao teria sido um criterio geral de irracionalidade. 
LiFeng - Este e 0 ponto. MasTeeteto faz algo diferente. Ele divide todos 
os numeros em duas classes, uma que contem os numeros da 
forma AxA, e outra, os nllmeros da forma AxB, onde A e diferente 
de B e tanto A como B saG ambos nllmeros inteiros, e ele denomi-na 
os nllmeros do primeiro tipo de nllmeros quadrados, e os nll-meros 
do segundo tipo, de nllmeros oblongos. 
.lack - Al1-ah,e os lados dos quadrados cuja area e dada pelos numeros 
quadrados ... 
LiFeng - Ele os chama de "longitudes" ... 
.lack - ...sao nllmeros racionais, os lados dos quadrados cuja area e dada 
por Uh1 numero oblongo ... 
Li Feng - ...que ele chama potencia ... 
Jack - ...sao nllmeros irracionais.Assim, nesta tel-minologia, os nllmeros 
irracionais saG classificados como potencias e nao mais enumera-dos 
um a um. Bastante engenhoso. 
Leslie - E S6crates quer 0 mesmo para 0 conhecimento? 
Dr.Cole - Sim. 
Bruce - Mas 0 conhecimento nao e como os numeros. 
Dr.Cole - Isso e exatamente 0 que dizTeeteto. 
Bruce - E tem razao. as nllmeros sao antes simples, transparentes, e 
nao nmdam. a conhecimento pode ser um tanto complicado, 
muda continuamente, e pessoas diferentes dizem coisas diferen-tes 
no merito. Em certo sentido, a diferen<,;a entre os nllmeros e 
o conhecimento e semelhante aquela que ha entre a fisica basi-ca, 
onde vigem leis simples e gerais, e a meteorologia, por exem-
plo,onde se experimenta ora um artificio, ora outro.Alem disso, 
o conhecimento nao est{lexatamente ali, a disposi<;ao, ele e feito 
pelas pessoas, e como uma obra de arte ... 
David - Quer dizer que 0 ~.s:imento.~ uma ciencia sociaL.. 
Bruce - Nao uma ciencia social, mas um fenomeno social. Ora, ao que 
parece, Socrates queria que"tOd--;~os~~~~C;;-do-~onhecimento 
fossem como a matem{ltica, onde h{l conceitos gerais que com-preendemmuitos 
casos diferentes, nao obstante os teoremas rela-tivos. 
Bem, como responde Socrates a Teeteto? 
David (examinando 0 texto) - Fala demoradamente do ser uma partei-ra 
- espera ummomento - agora levou Teeteto para onde que-ria, 
finalmente d{luma defini<;ao:0 conhecimento e percep<;ao! 
Maureen - E nao h{lnenhuma discussao? 
David (ainda exmninando) - Nao, Socrates insiste precisamente numa 
defini<;ao e Teeteto finalmente the d{luma. 
Arnold - Nao seja demasiado severo com Teeteto, ele tinha apenas 
dezessete anos na epoca em que supostamente 0 di3JOgO se 
desenvolveu. 
Bruce - Nao, estou falando de Socrates. 0 problema nao e discutido, e 
dado como tacito que 0 conhecimento, todo, nao apenas as suas 
componentes matem.aticas, e similar a matematica ... 
Dr. Cole - Nao exatamente. Se algum dia chegarmos ao fim do dialo-go, 
veremos 0 que estamos deixando sem defini<;ao.Sao propos-tas 
tre:s defini<;oes, e todas as tres sao refutadas, depois Socrates 
precisa dirigir-se ao tribunal. Alguns filosofos seguintes inclui-ram 
Platao entre os cepticos, precisamente pOl' essa razao. Car-neades, 
um dos llitimos expoentes da escola, foi ele proprio um 
ceptico. 
Leslie - Mas 0 Teeteto nao e mais recente em rela<;aoa A Republica? 
Dr. Cole - Sim,tem razao. Essa e a opiniao geral. EmA Republica a ques-t; 
lOdo conhecimento humano parece mais ou menos sistematiza-da. 
No Teeteto apresenta-se de novo confusa e, muito mais tarde, 
no Timeu, a teoria de A Republica e considerada como ummode- 
10 que deve ser verificado, pelo confronto com a forma atual e 
imperfeita, nao com 0 desenvolvimento, dos seres humanos, da 
sociedade e do universo inteiro. De modo que aquilo que deve-mos 
considerar nao e 0 di{llogo singular, mas a seqiiencia inteira. 
Maureen - No dialogo que estamos lendo nada e sistematizado? 
If 1>1". Cole - Alguma coisa sim, pOl' exemplo a questao do relativismo. 
~ Charles - Refere-se a Protagoras? 
, 1>1". Cole - Sim. -'k 
ii, Charles - Mas a coisa come<;amuito mal.Teeteto diz que "0 conhecimen-to 
e percep<;ao". Socrates replica que "e uma opiniao de Protagoras" 
e depois 0 cita:"O homem e a medida de todas as coisas, daquelas 
que sao pOl'que sao, e daquelas que nao sao pOl'que nao sao..." 
Donald - POl'que voce nao se atem ao texto? Aqui se diz "da existencia 
das coisas que sao". 
1>1". Cole - Lembrem-se, essa e uma tradu<;ao! E,neste caso, 0 tradutor fez 
uma parafi'ase ... 
Donald - Uma parifrase? 
1>1'. Cole - Bem, nao traduziu palavra pOl' palavra, aquilo que em Ingles 
teria soado um pouco grosseiro, mas encontrou um modo mais 
elegante para exprimir a coisa. Muitos tradutores 0 fazem; de 
tanto em tanto Platao usa longas descri<;oes a fim de representar 
coisas para as quais alguns tradutores julgam tel' a disposi<;ao um 
termo mais simples. Mas, com fi-eqiiencia, 0 proprio Platao nao 
possuia 0 termo justo, de modo que a tradu<;ao,alem de ser preci-samente 
uma parifrase, resulta ser anacronica. POl' todos esses 
motivos devemos ser muito precavidos com frases como "Platao 
disse isto" ou "Platao disse aquilo" ... 
Chades - Mas Platao nao e muito cauteloso. Protagoras fala do "ho-mem" 
- suponho que se refira a todo ser humano. 
1k (:ole - Sim,em grego e em latim sao palavras diferentes que indicam 
o ser humano - anthropos em grego, homo em latim - e para 
indicar um homem - aner em grego e vir em latim. 
l:h" dc, :- Edl, que 0 'u hum",," e a medkla de toda, " eoi"" pmem, 
~ 
nao dlZ como 0 ser humano mecle - pode ser pela percep<;ao, 
pocle ser pela intui<;ao e pocle ser pela expel'iencia passiva.
Arnold _ Mas temos ainda outras indica~oes. Aristoteles, por exemplo, diz 
que, segundo Protagoras, a tangente nao toca 0 circulo num ponto, 
mas, sim,em mais pontos; ao que parece, ele se baseia na percep~ao. 
Charles _ Bem, qualquer teorico dos quanta diria a mesma coisa, mas 
nao por causa da sua percep~ao, e, atem disso, veja a pagina 167, 
onde Socrates permite que Protagoras explique melhor ,suas 
ideias.Aqui,o Protagoras de Socrates compara 0 professor a um 
medico. Um medico cura 0 doente, diz ele, usando 0 medicamen-to. 
O doente sente nao estar em forma e diz corretamente, segun-do 
Protagotas, que nao esta em forma. 0 medico transforma a ma 
concli~ao do paciente numa condi~ao melhor - ele nao troca 0 
verdadeiro pelo falso, po is que 0 juizo do paciente, sendo a medi-da 
das coisas, e sempre verdadeiro. Do mesmo modo, diz Prota-goras, 
os bons retores "procedem de tal maneira que 0 bem de 
preferencia ao mal possa jungir a cidade" ou, melhor, os habitantes 
de uma cidade. Ora, Bem e Mal, Justo e Injusto nao SaGtermos 
reconduziveis a percep~oes sensoriais - a gente julga 0 bem e 0 
mal de modo muito diverso, mas os julga, e, portanto, os mede.A 
seguir Platao da um apanhado do pensamento de Protagoras que 
contradiz a identifica~ao desse principio da medida com a ideia 
de que 0 conhecimento seja percep~ao. Transformar Ptot;lgoras 
num empirista ingenuo e simplesmente calunioso. 
Leslie - Mas aqui ha 0 exemplo do vento que a um parece frio e a 011tro 
quente ... 
Maureen - Bem, pode acontecer que seja so um exemplo. 
Leslie - E a ideia de que tudo muda continuamente ... 
Charles - Tambem isso decorre daquilo que Protagoras diz do homem-medida. 
Ao contrario, "medindo" 0 proprio ambiente, algumas 
pessoas descobrem que as coisas remanescem sempre iguais e se 
enfadam ... 
Maureen - E,no caso, sejam as ciencias um produto humano que desve- 
1'1regularidade e repeti~ao. 
Arnold - E ha outro di;llogo, 0 Protagoras, onde este compara pessoas 
e recomenda que todos os que violam as leis da cidade sejam, '10 
fim, condenados a morte. A cidade "mediu" que a mudan~a exces-siva 
e malevola, decidindo introduzir leis que garantam algum 
genero de estabilidade e defender tais leis, justi~ando os transgres-sores 
recidivos, se necessario. 
l.t:slie - E um tipo assim e dito relativista? 
I)1', Cole - Bem,vejam, e preciso ser muito cauteloso com os termos gerais 
como "relativista","racionalista", "empirista", e assim por diante. 
Donald - Mas e inteiramente sensato ligar Protagoras a mudan~a. 0 
homem e medida, mas 0 homem muda constantemente ... 
Charles - Nao para mim, que me~o aquilo que sucede em mim e ao 
meu redor! Naturalmente mudo aqui e ali, pot-em mantenho mui-tas 
ideias, eu as aperfei~60, encontro para as mesmas ideias argu-menta~ 
oes melhores ... 
Amokl - E quem decide? 
(:harles - Eu, naturalmente, segundo Protagoras. 
,lack - Temo que a taretil nao seja mesmo tao simples.Voces estao dizendo 
que Platao relaciona m-bitrm-iamenteProtagoras com a doutrina da 
mudan~a, mas vejam aqui 0 exemplo que aparece na pagina 154... 
Donald - A questao dos dados? 
,lack - Sim. 
Donald - Justo aquilo que nao compreendi em absoluto. 
,luck - Compreender;l se voce a abordar tendo em mente certos pressu-postos. 
Aqui estao seis dados - que SaGmais do que quatro e 
menos do que doze. Do seis, nao haviamos tirado nada, 0 seis per- 
111aneCe0 nlesnlO, e, no entanto, tornou-se menos. 
Donald - E banal: "maior" e "menor" SaGrela~oes. 
,Iud: - Aha!Agora 0 que temos SaGcoisas estaveis, seis dados aqui, quatro 
dados ali e doze acola, entre os quais intercorrem rela~oes diver-sas. 
Ora, tambem a doutrina protagorica da medida introduz uma 
rela~ao entre aquilo que existe e a atividade da mensura~ao. Mas 
aqui nao temos entidades estaveis entre as quais intercorrem rela- 
~oes, a situa~ao se apresenta em tudo de Olltro modo - tudo 0 
QUEE e constituido par rela~oes: a mensura~ao faz com que assim 
• SEJA,Dai, penso que tudo quanta Socrates diz na pagina 153d 3 e
seguintes seja totalmente apropriado. No tocante a vista, nao se 
pocle dizer que a cor que voce ve ESTA nos seus olhos, nem que ela 
ESTA fora, ou, pOl' essa razao, nem que est;l em qualquer outra 
parte; cumpre dizer que isso e a sua coloca<,,:ao sao experimenta-dos 
durante 0 processo da percep<,,:ao - sao parte de um bloco 
indivisivel que une aquilo que e com aquilo que e percebido. 
Li Feng - A correla<,,:ao de Einstein-Podolsky-Rosenl4 
Donald - 0 que e isso? 
Li Feng _ E precisamente aquilo que a teoria quantica diz do processo 
de medida.Tratava-se de um experimento imaginario que foi intro-duzido 
pOl' Einstein e seus colaboradores para provar, tal como 
Platao queria provar, que as coisas tem propriedades definidas 
antes mesmo de serem medidas. Imagine-se uma situa<,,:aoespecial 
na qual ocorrem duas particulas das quais conhecemos a soma de 
suas quantidades de movimento e a diferen<,,:ade suas posi<,,:6es... 
Donald _ Nao entendo uma palavra - 0 que tem isso a vel' com Platao? 
Charles - Bem, depende do modo como voce quer discutir um filosofo. 
Voce quer vel' somente como ele trata os adversarios, dado 0 
conhecimento de seu tempo, ou quer s,lber em que medida suas 
ideias tem correla<,,:ao com uma epoca subseqiiente? A primeira 
aproxima<,,:ao e muito interessante, mas penso que a segunda seja 
ainda mais. Antes de tuclo, uma argumenta<,,:ao e como uma bata- 
4. 0 anigo "Can Quantum Mechanical Description of physical Reality be Considered 
Complete", publicado no Physical Review de maio de 1935, conhecido tambem como 
Paradoxo de E. P. R. oU "E. P. R. paper", que Einstein escreveu com Boris Podolsky e 
Nathan Rosen, dirigia-se diretamente contra a interpreta<;ao cia Mecanica Quantica 
aclotacla por Niels Bohr et altri, da chamacla Escola cle Copenhague, e clizia respeito it 
clescri<;ao completa de um sistema tlsico ou de uma situa<;ao real. Para 0 grupo do fisi-co 
dinamarques, as propriedades intrinsecas clas particulas apresentam val ores proba-bilisticos 
e sua determina<;ao s6 ocorre ap6s a intera<;ao entre elas, n;O corresponden-do, 
pois, tais propriedades a dados cle realiclacle. Usando um experirnento mental, 
Einstein e seus colaboraclores provaram que a visao de Bohr era incompleta, uma vez 
que deve sempre existir urna realidacle tlsica corresponclente a urna quanticlacle fisica, 
inclepenclente de qualquer perturb:u;ao ou intera<;ao.A despeito cia imediata replica cle 
Bohr e das considera<;6es sobre sistemas isolaclos ou nao clo postulaclo cia cornplemen-tariclacle, 
clas perturba<;6es nao-locais, etc ..., eo problema da causaliclacle e da indeter-mina<; 
ao que est: subjacente a essa controversia, a qual continua em nossos clias na 
pauta da cliscussao sabre os fundamentos cia tlsica. 
Iha. Uma das cluas partes e clerrotada - cladas as armas da epoca. 
Mas as armas muclam constantemente.Aprenclemos coisas novas, 
a nossa matematica torna-se mais complicada, pOl' um lado, porem 
mais simples, pOl' outro - 0 que requer paginas e paginas de 
demonstra<,,:oes, antes que possa ser tratado numa linha ou duas - 
modifica a nossa instrumenta<,,:ao experimental, e assim pOl' clian-te. 
POl'tanto, uma ideia derrotada hoje, pocle ser uma ideia que 
amanha se revelara como justa - pense ha ideia cle que a Terra 
esta em movimento. Dai, e muito interessante que Platao, em sua 
,. tentativa cle refutal' Protagoras, procluza uma teoria cla percep<,,:ao 
que clemonstra, '10 menos para nos, em que medida Protagoras 
havia antecipado uma teoria do seculo xx. 
Donalcl - Mas qual e essa teoria do seculo? 
1.1 Jiang - Bem, e um pouco clificil de explicar - YOUtent'll'. Sem cllivida 
faz senticlo falar clas rela<,,:oescle incletermina<,,:ao. 
Leslie - Sim, Hasenberg. 
1.1 Feng - Heisenberg. Bem, para exprimir-se de maneira simples, tais 
rela<,,:6es clizem que nao se pode conhecer seja a posi<,,:ao seja a 
quantidacle de movimento ... 
Donalcl - 0 que e essa quantidade de movimento? 
LI Feng - Alguma coisa semelhante ;l velociclacle - pense nela simples-mente 
como velociclacle. Seja como for, nao se pode conhecer 
com absoluta precisao quer a posi<,,:aoquer a quanticlacle de movi-mento 
de uma particula. Se se conhece muito bem uma delas, a 
antra torna-se mais vaga, e vice-versa. Portanto, e possivel interpre-t'll' 
tais rela<,,:oes de v;lrios moclos. POl' exemplo, pode-se dizer: a 
particula esta sempre numa localiza<,,:aoprecisa e tem uma veloci-clade 
precisa, mas nao se pode conhecer ambas '10 mesmo tempo, 
pOl'que qualquer mensura<,,:ao efetuacla numa moclifica aquilo que 
se pocleria saber da outra, 
Al'Ilokl - Entao, se conhe<,,:omuito bem a posi<,,:aode uma particula e pro- 
Ljr' lii cmuernotomedcalirpos,u;a,avoe'lociclade, essa tentativa anulara 0 meu conheci- II,,," - Ii po"',,l dim '''0 
~i:'"
Leslie - Estranho! 
Li Feng - Ora, h{tuma outra interpretac;;to das relac;6es de indetermina-c; 
ao.Ela afirma que a propria particula, e nao 0 conhecimento que 
dela temos, torna-se indefinida. POl' exemplo, se com algum expe-diente 
se consegue determinar sua quantidade de movimento com 
absoluta precisao, entao n;to se sabe nada de sua localizac;ao, mas e 
imediato que nao exista mais nada que se assemelhe a uma posic;ao. 
Donald - Entao nao e uma particula. 
Li Feng - Pode-se dizer assim. E aquilo que ha pouco falei da posic;ao e 
da quantidade de movimento aplica-se a muitos outros pares de 
grandezas fisicas, pOl' exemplo, as componentes x e y do momen-to 
angular de uma particula. Um par de grandezas que nao pode 
ser determinado em conjunto e dito par de grandezas complemen-tares. 
A posic;ao e a quantidade de movimento saGcomplementares 
nesse sentido, ou, antes, qualquer componente da posic;ao numa 
certa direc;ao e complemental' a componente da quantidade de 
movimento na mesma direc;ao. Ora, Einstein e seus colaboradores 
construiran1 Ull1caso ... 
Charles - Um experimento imagin{trio? 
Li Feng - Sim, era um experimento imaginario quando Einstein 0 introdu-ziu 
pela primeira vez - que depois se tornou um experimento real. 
Bem, Einstein construiu um caso especial pOl' cujo intermedio pro-curou 
demonstrar que a propria teoria qU;l11tica, tomada em conjun-to 
com assuntos triviais, implica que as grandezas complementares 
tem valores simult;l11eosprecisos. Estou procurando explicar a argu-mentac; 
ao, mas me interrompam caso nao compreendam. 
Leslie - Nao se preocupe, nos 0 faremos com certeza. 
Li Feng - Einstein toma duas particulas, ReS, e presume que se conhe-c; 
atanto sua distfmcia quanta a soma de suas quantidades de movi-mento. 
Donald - Mas nao podemos saber ao mesmo tempo a localizac;ao e a 
velocidade - voce 0 disse h{tpouco! 
Li Feng - Tem absoluta razao. Mas podemos conhecer certas combina-c; 
6es das duas, por exemplo, a difereru;:ade posic;ao das duas par-ticulas, 
que e, pois, sua dist;mcia, e a soma de suas quantidades de 
movimento - trata-se de dois valores que podemos conhecer 
com absoluta precisao. 
Li Feng - Bem, tome como valido 0 fato de que conseguimos isso, de 
outro modo nao poderemos ir para a frente. Ora, suponhamos que 
R se encontre perto de nos e que S se mova tao longe que nao 
esteja mais interessado de nenhum modo com 0 que fizermos nas 
vizinhanc;as de R. Ora, mec;amos a posic;ao de R, coisa que poc!e-mos 
fazer com absoluta precisao. 
Bl'uce - Nenhuma medida goza de uma precisao absoluta - ha sempre 
uma margen1 de erro. 
I.i Feng - Lembre-se que este e um experimento imaginario concernen-te 
a teoria quantica! Aqui, "precisao absoluta" significa que nenhu-ma 
lei da teoria quantica e contradita quando se consegue tal pre-cisao. 
POl'isso medimos a posic;ao de R - conhecemos a distancia 
de ReS e podemos inferir nao so a posic;ao de Sapos a men sura-c; 
ao, mas tambem sua posic;ao imediatmnente antes da men-surac; 
ao, pOl'que S esta de tal modo distante que a realizac;ao de 
uma medida sobre R nao pode exercer nenhuma influencia. E,para 
a mesma regiao, podemos ainda dizer que Stem sempre uma posi- 
(:ao bem definida, quer a mensuremos ou nao, pOl'que seria possi-vel 
efetuar a mensurac;ao em qualquer momento. 0 mesmo argu-mento 
aplicado a velocidade diz aqui que S sempre teve uma 
quantidade de movil1wnto bem definida - de modo que sem-pre 
houve uma posic;ao e uma quantidade de movimento bem defi-nidas, 
contrariamente a segunda interpretac;ao das relac;6es de 
indeterminac;ao que forneci h{tpouco. 
JIIl'I< - Bem, obviamente deve-se pOl' de lado aquela interpretac;ao. 
Ll Jlt:ng - Mas nao podemos faze-Io! Ela foi introduzida pOl' um motivo 
preciso. E a (mica interpretac;ao em condic;6es de conciliar resul-tados 
experimentaisaparentemente conflitantes. 
LeNllt· - Entao devemos simples mente dizer que uma mensurac;ao inte-ressa 
a um objeto, mesmo que esteja muito distante ...
Charles _ 0 que e muito semelhante ao exemplo dos dados - as coisas 
mudam, embora nada seja adicionado e nada seja retirado ... 
Li Feng _ A menos que se fac;:aaquilo que se fez l;l - declarar que a 
posic;:ao e a quantidade de movimento sao relac;:oes,nao proprie-dades 
inerentes as particulas, e nao simples relac;:oesentre coisas 
que tem propriedades est;lveis independentemente das relac;:oes, 
mas relac;:oes entre coisas cujas propriedades sao, em parte, cons-tituidas 
pOl' uma interac;:ao - exatamente como na teoria da 
visao desenvolvida pOl' Platao e pOl' ele atribuida a Protagoras. 
Penso que isso seja muito interessante, porquanto demonstra que 
as argumentac;:oes de Platao contra Protagoras podem ser volta-das 
tambem contra a mednica quantica que, seja como for, esta 
bem consolidada. 
Donald _ Bem, eu n~lOtenho, com certeza, a menor ideia daquilo que 
voce esta dizendo! Mas li 0 dialogo e Socrates apresenta refuta-coes 
muito claras da ideia que voce conecta a mednica quantica. 
1" / lromemos uma, somente: a tese diz que "0 conhecilnento e per- 
~ !cepc;:ao". Ora, eu olho para voce, eu 0 percebo e sei que voce e ~ivoce. Fecho os olhos e sei ainda que voce .e ~oce, embora eu n~o 
I 0 perceba mais. "Assim, pOl'tanto - conclUl Socrates - a asserc;:ao 
I ~. / .• 
 de que 0 conhecimento e a percepc;:ao consutuem uma so COlS,l 
implica manifesta impossibilidade" .Agora, 0 que diz disso? 
David (excitado) - Que voce nao leu 0 suficiente.Va adiante algumas 
linhas! 
Donald - Ate aonde? 
David _ Ate depois da linha que voce acabou de citar! 0 que diz ela? 
Donald (Ie) _ "Aqui nos afastamos do argumento sem tel' conquistado a 
vitoria e cantamos como um galo que nao serve para nada" .Nao 
compreendo. 
Bruce _ E muito simples.Ele diz que as argumentac;:oes apresentadas ate 
aqui sao apenas uma mistificac;:ao. 
Donald _ POl'que iria fazer uma coisa desse genero? Primeiro construi-ria 
uma certa quantidade de contra-argumentac;:oes - de fato, esta 
nao e a {mica - para depois dizer que nao tem nenhum valor? 
Dr. Cole - POl'que assim faziam os sofistas, e ele que ria expor 0 seu 
modo de argument'll'. 
Donald - Isto e, mediante 0 usa do contra-exemplo? 
Dr. Cole - Exatamente. 
Donald - Mas nao e isso que se bz na ciencia, sugerir hipoteses e usar 
contra-exemplos para falsificar? 
,Jack - Depende! Peguem a afirmac;:ao "todos os corvos sao negros". 
Como e refutada? 
Donald - POl'um corvo branco. 
,Jack - Eu imagino um corvo branco. 
Donald - Nao, pOl'um corvo branco de verdade. 
,Jack - Eu pinto um corvo branco. 
Donald - Obviamente nao um corvo pintado. 
Jack - E exatamente 0 que diz Socrates. Fechando os olhos, ainda conhe-cemos, 
mas nao percebemos mais; da! pOl' que a consciencia nao 
pode ser percepc;:ao - esta era a argumentac;:ao. Olhando um corvo 
pintado, vemos que e mn corvo, mas que nao e negro, de modo que 
nem todos os corvos sao negros. Qual e 0 erro? Fomos guiados pelo 
acordo ou pelo desacordo entre palavras. No caso dos corvos nao 
e suficiente descobrir que ha um corvo corretamente descrito 'Pela 
palavra "branco", devemos tambem saber que genero de brancura 
queremos - e isso nao e uma coisa simples (suponhamos que um 
grupo de COl'VOSperca a cor pOl' causa de uma molestia - como 
consideraremos tal evento?). No caso do conhecimento, nao basta 
descobrir que ha um conhecimento nao-perceptivo, devemos deci-dir 
que genero de nao-percepc;:ao queremos. Ora, um filosofo que 
iclentifica 0 conhecimento com a percepc;:ao (e e cluvicloso que 
Protagoras 0 tenha feito) pocle tel' uma noc;:aocle percepc;:ao muito 
mais sofisticada, e entao precisara aprofunclar-se um pouco mais na 
teoria. POl'exemplo, muito provavelmente de nao presumir,'t que a 
memoria (entendicla em senticlo simples) e a percepc;:ao sejam 
pouco mais ou menos a mesma coisa, visto que de tera Ulilllteoria 
da memoria tanto mais complicacla quanta a teoria cla percepc;:ao 
que aqui, Li Feng, ha pouco, associou a teoria quantica.
f . ? Donald _ Isso signit1ca que a falsificac.,:aonao unClona. 
Charles _ Oh, n:w, funciona, mas e um processo sobretudo comple~o. Os 
simples contra-exemplos na~o s~ao sufi1Cientes - podem ser tao qm-mericos 
quanto os COl"VOpSintados e, notem, trata-se de uma ql~es-tao 
conceitual! Nao estamoS falando das observac.,:oes,mas do t~p~ 
de entidades que lhes sao conexas; estamos falando de meta~s1ca. 
Qualquer boa refutac.,:aoimplica juizos metafisi~os! SOCl-at~sd1~que 
unla teona. nova conlb1"1'nr,:1',lScoisas de mane1ra nova, da1por qude' 
a refutac.,::woperada por uma comparac.,:aoque usa palavl-as,~on 1- 
zentes com 0 velho ordenamento e uma critica desleal. A cnt1c~ de 
Einstein, Podolsky e Rosen era desleal, precisamente nesse sent1do. 
Donald (desalentado) - Entao devemos recomec.,:artudo desde 0 inicio. 
D 
" C I _ Acho que sim (olhando para 0 re16gio). - Mas penso que 
L 0 e ~ resta 
devemos proceder um pouco mais velozmente, ~lao no.s . 
nll1.1tote1upo,. e 1la, proxinn ' vez eu gostaria de cont1l1uar d1scut1l1- 
do a respeito de John Searle. POl"tanto,permitam que eu enumere 
a segun da se'"n'e de critiC'1Slevantadas por Socrates ... 
Donald _ E essas criticas sao verdadeiras, nao sao criticas fingidas? 
Dr. Cole _ Sao verdadeiras. A primeira critica diz respeito ao futuro" 
Maureen _ Mas aquela, a segunda, vem muito depois. 
D Cole _ Bem eu l)reflro trata-la agora, pOl'que e uma questao muito 
r, , '" 178 
. sim )les. Siga1uate 0 fim da pagina 177 e adiante, ate a pa~1l1~ . 
SegIundo Protagoras, as boas le1.;s- sao aque h,s que a nla,lOna dos 
cidacl:w reputa como tal. Mas os cidadaos pensam tambem q~e ~~ 
boas leis sao aquelas que fazem a cidade prosperar - que e, ah- 
. 1 0 motivo l)elo qual elas foram introcluzidas. Ora, 0 que aconte-n, 
l , " 'd . l)or 
ce quanco1 aS leis que pareciam boas aos leg1sla ores, .e que 
isso eram boas para eles, resu1tam ser a ruina da cidade? 
Lesh.e - tece quando leis objetivamente acabam resultando 0 que acon ' 
na ruina da ciclade? 
Donald - 0 que pretende dizer? 
L 1 
· _ Bem e obvio que Platao tinha em mente alguma alternativa. Ele 
es 1e , , 1 A' seJ'am 
't ca Protagoras pOl"que acredita que as ideias p atOl11cas 
., ,1a , , . 1" 1 tonicas 
melhores do que as opinioes protagoricas" Mas,as 1Ce1asp a , 
defrontam-se exatamente com 0 mesmo problema. Sao verdadeiras, 
objetivamente vatidas, para empregar essa palavra que sempre salta 
fora quando alguem quer reprimir os outros, mas nao quer assumir 
a responsabilidade pessoalmente - e 0 resultado e lun desastre. 
Dr. Cole - Bem, suponhamos que tenha razao. 0 proprio Platao deve 
enfrentar um problema, mas nao e tambem um problema para 
Protagoras? 
.Jack - Nao acho. Ha alguns anos a gente dizia:"Estas leis parecem boas 
pOl"quesao boas para nos". Agora dizemos:"Estas leis parecem mas 
pOl"quesao mas para nos". Nao existe nenhuma contradic.,:ao,exata-mente 
como nao existe nenhuma contradic.,:aose eu, na terc.,:a-feira, 
digo: "Sinto-me bem e por isso estou em forma", e na quarta-feira: 
"Sinto-me mal e por isso nao estou em forma". 
Arnold - Mas se as coisas sao assim, vejo um outro problema, bastante 
diferente. Como sed possivel instaurar um debate? Para instaurar 
um debate, A deve estar em condic.,:oesde dizer qualquer coisa que 
contradiga aquilo que diz B.Isto significa que tudo quanto dizem A 
e B deve ser indepenclente do estado mental de cada um deles. 
,101ek - N:lO,para instaurar um debate e suficiente que tudo quanta diz B 
se afigure aA diverso daquilo que ele diz.Ademais, essa condic.,:ao 
e tambem necess{lria; se A e B se contradizem "objetivamente", 
mas nao se dao conta, entao nao havera debate. As ideias platoni-cas 
devem deixar urn trac.,:ono munclo em que vivenl0s, mas uma 
vez que 0 tenham deixado podemos continuar sem elas. 
MOilireen- Mas, se isso e aquilo que penso, como pocle conseguir con-vencer 
uma pessoa e por que voce quereria persuadir alguem? 
,IlICk- Julgo que Protagoras fornec.,:aa resposta quando compara 0 retor a 
urn medico, mas a um medico que usa como remedio palavras em 
vez de pilulas. Um filosofo encontra uma pessoa que, segundo ele, 
precisa ser melhorada. Aproxima-se cla pessoa e the fala. Se realiza 
bem seu trabalho, 0 papo funciona como urn remedio e moditlca 
quer as ideias, quer a atitude geral da pessoa que parecia transviada. 
MlIlIl"ccn- Mas essa llltima frase, isto e, "0 papo funciona como um 
remedio", e alguma coisa que e, mas que nao parece a ninguem ser.
Jack - Oh, naol Se 0 filosofo realiza bem seu trabalho, entao pareceri 
tanto a ele quanto a seu paciente que 0 remedio funcionou, e 
pareceri tambem assim a um sociologo que indague sobre 0 fato 
_ muito embora ninguem tivesse necessidade dele, visto que 0 
filosofo e seu discipulo podem alcanc;:ar 0 acordo sem tais infor-mac;: 
oesadicionais. 
Maureen - Quer dizer que 0 criterio llitimo e a sensac;:aode bem-estar 
que ambos experimentam? 
Bruce _ Bem, nao sedl isso, talvez, verdade com respeito a todos os 
debates teoricos? Voce tem alguma teoria altamente abstrata, a 
saber, Hegel na filosofia ou a supergravidade na fisica.As pessoas 
nao falam.Voce observa a conversac;:ao a dist;l11cia.Voce nao com-preende 
uma palavra, mas ve que as coisas transcorrem tranqiiila-mente 
- as pessoas nao estao de acordo, mas parecem saber 0 
que fazem. Parece-lhe que sabem sobre 0 que estao falando, embo-ra 
para voce seja completamente ininteligivel. Ora, objetivo ou 
nao,o criterio de compreensao que usam na vida pritica em ma-teria 
altamente abstrata consiste no fato de que 0 assunto to do se 
abre diante de voce, e que voce e capaz de mergulhar nele sem 
encontrar resistencia. 
Jack _ Pode-se dizer a mesma coisa a proposito da teoria fisica. Hi a teo-ria 
e hi os experimentos ... 
Li Feng - Todas essas coisas podem ser feitas pelo computador ... 
Jack - Sim, e verdade, mas a pergunta e - pOl' que temos todo esse ins-trumental? 
- e aqui entram em jogo os jUizos pessoais ... 
Li Feng - Sim, na periferia ... 
Jack _ N;lOimporta aonde chegam - SaGdecisivos! Se os cientistas, de 
repente, se aborrecessem daquilo que estao fazendo, ou se come-c;: 
assema tel' alucinac;:oes cada qual a seu modo, ou se 0 ptlblico 
em geral se convertesse ao misticismo, entao a ciencia ruiria 
como um castelo de cartas. Ora, os juizos pessoais que sustentam 
a fisica SaGfreqiientemente tao ocultos e tao automiticos que, na 
aparencia, tudo e cileulo e experimentac;:ao. De fato, eu diria que 
e exatamente esta falta de reflexao que cria a impressao da objeti-vidade! 
Aquilo que permanece implicito e uma forma de juizo 
pessoal, ou uma faIta de juizo. Creio que existe tambem um livro 
de um fisico ... 
Arthur - Um fisico-quimico - Michael Polanyi; voce esti falando do 
livro que ele escreveu sobre 0 Conhecimento Pessoal ... 
Maureen - Estou muito preocupada com esta conversa. Qualquer que 
seja a coisa, ela parece reduzir-se a impressoes que as pessoas 
comunicam. Mas, entao, nao tenho que me haver com ninguem 
mais alem de mim mesma. 
Arnold - Voce se refere ao solipsismo, a ideia de que existe somente 
voce e que todo 0 resto e apenas uma parte variegada de sua per-sonalidade? 
Maureen - Sim,mas provavelmente a inteira verdade nao se reduz a isso. 
kslie - Esti segura? 
.Jack - Seja como for, Protigoras nao diria isso. Ele diria, estendendo a 
mao, que e sua mao, que sua mao e diferente da ideia de mao, e que 
ambas SaGdiferentes da pessoa em frente da qual ele se encontra. 
Mas acrescentaria que sabe de tudo isso grac;:asa experiencia pes-soal, 
sem tel' Olltra fonte. De fato, mesmo que diga: "Eu Ii isso num 
Iivro", ele se baseia ainda na sua impressao do livro, e assim pOl' 
diante. 
Ma ureen - Mas isso nao significa, talvez, que ele conhece apenas a exte-rioridade 
das pessoas - mas somente aquilo que delas 0 toca ... 
Gaelano - Bem, permita-me inverter a situac;:ao!Voce jamais conheceu 
algo alem da exterioridade das pessoas? Deixe que eu Ihe fac;:a 
algumas perguntas. Chegou a vel', alguma vez, um seu amigo de 
perto ou de longe, sem que voce percebesse que era exatamente 
seu amigo? 
MUlIl'ccn - Sim, cheguei e foi muito desconcertante. Uma vez vi um 
bom amigo meu em pe numa livraria, a uma certa distancia de 
mim e pensei: "Que aspecto desagradivel tem aquela pessoa!" - 
Depois 0 reconheci. 
CSIlt'lallo - Eo que aconteceu? 
Mlllll'('t'n - Bem, e uma pessoa muito doce, e assim me pareceu quando 
o reconheci.
Gaetano - E 0 que me diz da outra impressao? 
Maureen - Foi apenas urn acidente. 
Gaetano - Por que durou pouquissimo tempo? 
Maureen - Sim. 
Gaetano - Evoce est~lcerta que outros jamais 0 tenha visto desse modo? 
Maureen - Bem, de fate nao sei; foi uma experiencia muito perturbadora! 
Gaetano - Mas essa experiencia, e aquela outra, e as suas lembran<;,:as 
nao representam tudo 0 que ha? 
Maureen - Sim. 
Gaetano - E adquirir conhecimento significa criar uma especie de 
ordem nesse conjunto ... 
Dr. Cole - Pen so que seria melhor voltar ao di~llogo,visto que algumas 
das perguntas de voces podem encontrar uma resposta l~l.Pen so 
que Platao cliria que nem sempre a gente est~lem condi<;,:oescle 
criar 0 justo tipo de orclem - para isso e preciso um perito. Este 
eo ponto principal. Nem toclos conseguem julgai"- 0 especialis-ta 
sim. Por exemplo (ze) "0 cozinheiro ser~lum juiz melhor clo hos-pecle 
que nao e cozinheiro sobre 0 prazer que ter~l cia ceia que 
esta senclo preparacla ..:' 
Davicl - Bern, nao cleve ter visitado muitos restaurantes! Ontem comi 
num restaurante frances, os criticos 0 haviam elogiado, alguns 
cozinheiros cle outros restaurantes tambem, era recomenclaclo ate 
pelo Time Magazine, e 0 que sucecleu? Eu quase vomitei! 
Charles - Precisamente! E os especialistas sao, talvez, melhores "em si 
mesmos"? N~lo,sao melhor trataclos e melhor pagos pOl"que mui-tissima 
gente cre naquilo que eles clizem e pOl"quea muita gente 
parece born ter urn especialista que the diga 0 que fazer. 
Leslie - Bern, ao que parece, as criticas "verazes" nao sao, afinal, tao 
melhores que as simulaclas. 
Dr. Cole - Esperem urn minuto - nao haviamos terminaclo aincla! 
Concordo que algumas coisas sustentaclas por Socrates nao sao 
nluito convincentes - mas ha, no caso, tanlbem, outros argumen-tos! 
Por exemplo, Socrates argument a que 0 principio de Prota-goras 
se auto-refuta. 
Fantasia Platonica © 53 
Jack - Com 0 que ter~lvida dura! Socrates define como "primorosa" essa 
a1~gl~me~nt~1<;,:aoe,mu aesnxergo ai apenas urn ingenue 10gro.Vejam 
so. A pag111a170, cita Protagoras, pOl"que quer refuta-lo com as 
proprias palavras dele. Cita-o quanclo diz que, para um homem as 
COis,~ssao como the aparecem5. E, notem, ele nao diz que as ~Oi-sas 
sac como aparecem ao homem, mas que, para ele, sao como 
lhe aparecem. 
1)1-C. ole - Sim, Prot~lgoras diz isso. 
Jack - Ora, se entenclo corretamente 0 raciocinio, ele salienta que mui-tas 
pessoas nao compartilham cle tal convic<;,:ao.Nao clizem, com 
efeito, "as coisas para mim sac como me aparecem", nao se preocu-pam 
com aquilo que lhes aparece, na maioria das vezes, nao tern 
uma opiniao propria, seguem precisamente a cle urn especialista. 
Davicl - Bern, a eles parece que os especialistas possuem a verclacle. 
Jack - Nao e esse 0 ponto que me interessa. Diante cia maxima cle 
Protagoras, a maior parte das pessoas alegm"ia,segundo Socrates, nao 
ser medicla, e os proprios peritos cliriam "nos, sim, e que sabemos 
aquilo que clissemos, e ninguem mais". Nao e 0 que clizSocrates? 
I)r. Cole - Nao com essas palavras, mas 0 senticlo e esse. 
.lack - E depois, perto clo fim, Socrates cliz que isso significa que 0 
mesmo Prot~lgoras, com base em seu proprio principio, cleve 
aclmitir que seu principio e falso - notem, nao falso para essas 
pessoas, ou falso para esses especialistas, como cleveria clizer,aten-clo- 
se a enuncia<;,:aodo principio,mas simplesmentefalso.Bem-repito- 
o - isso nao e uma argumenta<;,:ao,e urn logro. 
Sddenb~rg - Nao pode ser a interpreta<;,:aojusta! Nao digo que Platao 
nao usa nunca algum truque, mas se quisesse embrulhar-nos 
~o~o voces americanos dizem, nao 0 teria feito de modo quas~ 
111genu~.Vejam! Quando introduz pela primeira vez 0 principio 
de Protagoras, toma 0 cuidado de juntar "para ele" tambem no 
exemplo que fornece: 0 vento e frio para ele que sente frio, mas 
S,icrat~~,pergunta a Teeteto, em 152 b: "Esse aparecer nao e a mesma coisa que ser per- 
(·('hlda. , ao que seu interlocutor responde: "Exatamente".
nao para ele que sente calor ... e assim pOl' diante. 0 mesmo vale 
para 0 trecho que 'estamos ora discutindo. Ele come<;:adizendo 
que, como as coisas aparecem para um, assim sao para ele. Dai, se 
deixa cair a expressao "para ele", deve tel' uma razao para faze-Io. 
Jack - Gostaria de saber qual e. 
Seidenberg. _ Bem, YOUexperimentar. (Voltando-se para jack) Nao 
tenho seu preparo 16gico e pode suceder que eu cometa erros, 
mas YOUexperimental'. Entao, Protagoras diz: "As coisas para um 
homem sao como the aparecem" ou, com uma simples troca," Para 
um homem e verdade aquilo que the aparece". Ou ainda, "Aquilo 
que para um homem patTCe nao ser nao e verdadeiro para aquele 
homem" .De acordo? 
Jack - Sim, continue. 
Seidenberg _ Podemos dizer de outro modo, tomando as duas coisas 
em conjunto, que Prot;lgoras enuncia a equivaWncia de "Ax pare-ce 
que p" e "E verdade para x que P" .Tenho razao ate aqui? 
Dr. Cole - Direi que sim. 
Seidenberg _ Agora, quero imitar seus logic os (voltado para jack) - 
denomino essa equivalencia P. Suponhamos agora que alguem 
negue P.Socrates, pOl' exemplo. 
Jack _ Bem, entao a ele parece que nao-P e, pOl' isso, para ele e nao-p'de 
acordo com 0 principio. 
Seidenberg _ Pode acontecer. PocIe acontecer que ele diga nao-P segun-do 
0 principio, mas dizendo-o, nao importa segundo qual princi-pio, 
ele nega 0 principio. Aten<;:ao,ele nao 0 nega universalmente. 
Ele nao diz "Para mim P nao e jamais verdadeiro" ou "Para todas as 
proposi<;:oesp e para todas as pessoas x e falso pot'que se a x pare-ce 
que p, entao p e verdadeiro para x" - ele diz simplesmente 
"Para mim P' e falso" ,0 que significa que para ele ha algumas pro-posi<;: 
oes para as quais a aparencia de serem verdadeiras para 
uma pessoa nao as tornam verdadeiras para aquela pessoa. 
Socrates certamente nao queria negar P para as asser<;:oessenso-riais 
_ nesse caso, parecer verdadeiro e, de fato, ser verdadeiro, e 
ele mesmo 0 diz. 
Jack - E entao? 
Seidenberg - Bem, segundo Protagoras, para uma pessoa as coisas sao 
com~ ll~e aparecem. Assim, de acordo com Prot;lgoras, algumas 
aparenClas (para Socrates) diferem das correspondentes verdades 
(para Socrates). E entao, segundo Protagoras, P nao e verdadeiro - 
pat'.a ele, para Protagoras mesmo. 0 (mico modo de sail' do aperto 
S~~ta0 de negar que duas pessoas possam jamais tel' uma so opi-mao 
sobre ~ proprio enunciado, mas nesse caso, 0 seu principio, 
que se sup~e v:ler para toda proposi<;:ao sustentada pOl' qualquer 
pessoa e nao so para as proposi<;:oes sustentadas pOl' Protagoras, 
cessa _det~r signifIcado. Portanto, e verdade que Platao exprime a 
questao dtzendo que 0 principio e falso - ponto e basta' mas ele 
pocle faze-Io,de fato, uma vez que "verdadeiro para"ficou ~eparado 
de "parece a", e nao existem razoes ulteriores para conservar 0 
"para", pot'que havia sido introduzido somente pOl' analogia com 
o aparecer. De modo que, para mim, a argumenta<;:ao e efetivamen-te 
decisiva. 
Bruce - ~em, eu nao estou tao convencido. Nao digo que sua interpre-ta<;: 
aodo argumento nao seja con'eta, mas todos os dois - ele e 
Platao.-~r~correm a um pressuposto relevante. Suponham que 
um pnnCtplO, ou um procedimento, deva ser abandonado quan-do, 
aplicado a si mesmo, conduz a um absurdo ou a uma contradi- 
<;:ao.Trata-sede um pressuposto muito discutivel.Tanto assim que, 
P:l1'~l come<;:ar,pode ser que Protagoras nao quisesse usar seu prin- 
CtplOdesse modo. 
Dr. Cole - Nao estou seguro disso. Protagoras era um sofista, e os sofis-tas 
eram mestres na constru<;:ao de argumenta<;:oes insidiosas. 
Charles - Entao separemos 0 principio de Protagoras da interpreta<;ao 
que ele the da. 0 que podemos fazer com esse principio? A refuta- 
<;:aoque ha pouco ouvimos deve ser aceita? 
Bruce - Nao, pot'que nao e necessario aceitar a regra segundo a qual um 
principio cuja auto-aplica<;:ao cria dificuldades deva ser abandona-do. 
Vejam 0 enunciado no espa<;:oabaixo:
Lendo 0 enunciado, posso inferir que e verdadeiro, e se e verdadei- 
1'0,entao e falso, e se e falso, entao e verdadeiro - e assim pOl'dian-te. 
Trata-se, ainda, do velho paradoxo do mentiroso tal qual.Alguns 
concluiram que a auto-referencia e evitada; um enunciado nao 
deve jCl111Clis falar de si mesmo. POl'exemplo, nao devo nunca pro-ferir 
um enunciado como "Estou falando humildemente". POl'que? 
POl'que se presume que todos os possiveis enunciados de uma lin-guagem 
j{lforam pronunciados e existem como sistema abstrato. 
Naturalmente, introduzir a auto-referencia em tal sistema cria difi-culdades. 
Mas as linguas de que falamos nao se identificam com 
tais sistemas. E seus enunciados nao existem ja, SaGproduzidos um 
a um quando falamos, e as regras da linguagem tomam forma, con-seqiientemente. 
Suponhamos que eu diga: "Amelancolia rosa tre-pava 
sobre a colina". Tem sentido? Num sistema tidnico no qual se 
presume que os nomes das cores sejam atribuidos somente aos 
objetos materiais, nao. Todavia, e possivel introduzir uma nova 
mocla poetica, posso emitir essa assen;:ao para comunicar 0 estado 
de animo de um sonho ao meu psiquiatra - e e muito provavel 
que ele compreenda aquilo que quero exprimir - posso dize-lo a 
uma estudante de canto para ajud{l-laa impostar a voz - e, creiam-me, 
os maestros de canto usam realmente asser<;:oesdesse tipo, e 
com grande exito! E, em cada um desses casos, nao seguimos 
somente as regras, mas as constituimos e as modificamos com 0 
nossO modo de pro ceder. 
Gaetano _ Isso e muito interessante. Estou estudando agora a teoria da 
harmonia e da composi<;:ao.Bem, aqui SaGos professores que for-rnulam 
regras, fornecem a seu prop6sito algumas razoes abstratas 
e insistem para que todo mundo siga essas regras. Dando uma 
olhada na hist6ria, encontram um saco de exce<;:oespOl'quanto os 
compositores violam constanteluente as regras. 0 que fazem 
esses professores? Ou criticam os compositores, ou tornam as 
regras cada vez mais complicadas.Walter Piston, em sua teoria da 
harmonia, procede de um modo diverso. Nao desmentirei jamais 
uma das frases com que exprime sua atitude. "Amllsica - diz ele 
_ e 0 resultado da composi<;:ao e nao da aplica<;:ao de regras". 
Ora, sabe-se que a linguagem e 0 produto do discurso e nao da 
Fantasia Plat6nica © 57 
aplica<;:ao de regras; pOl' isso nao se pode julgar uma linguagem 
c~m b~se naquilo que acontece quando congelamos uma parte e 
a msenmos num computador. 
Arthur -- Ddesejbaria acre_scentar que a ciencia e 0 resultado da pesq U.lsa, 
n~o a 0 serva<;:aode regras, e pOl' isso nao se pode julgar a cien- 
tCl.a com base_ em abstratas regras epistemol6gicas ' a men os que 
alS re.gras nao sejam 0 resultado de uma prtiticCl epistemol6gica 
especlal e constantemente mutante. 
Jack - E,en_tao, p.ara que fins servem as demonstraro."es conlO a denlons-tra<;: 
aoda mcompletitude de GodeP6 0 d - • • A • U a emonstra<;:ao mais 
slmples da mcoerencia do caleulo proposicional? 
Gaetan,o ~ Eu estava pensando nisso. Essa demonstra<;:ao nao diz respeito 
as lmguagens faladas, pOl' exemplo, nao se refere as linguagens que 
enlpre,gam os.'nu/meros mas a suas reconst' ru<;-:o"es10l'mal.S, e ela 
mostra que tars reconstru<;:oes SaGlimita,das de uma manelr.a preci-sa. 
Se a g/ente_r.esolve ater-se a certas regr'as' nao I.mportanc 10 0 que 
suceda, e entao mevitavel incorrer em toda sorte de obstaculos. 
Bruce - E. SS"'lSSaGex ce Ientes 1'1ustra<;:-oes daquilo que eu queria dizer' 
Ap,hcando . a p/.ostura de um compositor ou de quem faIa uma lm/ -. 
glU ao pnnclplO de Protagoras , seriamos Ievad'os a consld. era-/lo 
como um~ regra empirica cujo significado emerge do usa e nao e 
es_tabelfecldo de antemao. Os arg.umentos de So/cra tes, 1)01'l.SS0 
nao re utalU ore'I atl.vl.smo. Ref.utam a versao pI tA ' 
• d .. c a omca 0 relatlvls-mo" 
onde as asser<;:oes;n-ao esta-o I1' 9adas a suas enuncia<;:oes, mas 
eXlstem_ mdependentemente do discurso ' de mod 0 que unla nova 
asser<;:aopode converter a precedente numa farsa. 
Illd, - Bem se voce d .d . I , eCl e confecclOnar suas asser<;:oesa medida que 
procede, entao, naturalmente, ninguem po de refuta-lo. 
Mlhur "-te N"ao e de todo ,a,'ssim' 0 comp Iexo de asser<;-:oesdenominado 
Ol1ade Newton sofreu mudan<;:aspOl' obra de Euler Bernoulli 
Lagrange ~ Hamilton; num certo sentido, era a mesma t~oria nun~ 
certo sentldo nao era e,no entanto, ao fl.m, os cientistas indiv'idua- 
I'/'O{ltl de COdel, de Ernest Nagel e ]anles N . 
I 
' . eWl11an tradU("1O b' '1' S' 
'('('speetiva, 2" edi<;ao revista, 2001. ' , "". r,ISI elr;l, ao Paulo,
Feyerabend, paul. diálogos sobre o conhecimento
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Feyerabend, paul. diálogos sobre o conhecimento

  • 1. Coleyao Big Bang Dirigida por Gita K. Guinsburg Equipe de Realizayao - Revisao: Sandra Martha Dolinsky; Capa: Sergio Kon; Editorayao Eletronica: Ponto & Linba; Produyao: Ricardo W.Neves e Raquel Fernandes Abranchcs. Dialogos sobre 0 Conhecimento • Feyerabend • Tradu<;ao e Notas Gita K. Guinsburg $l/l ::::a ~ PERSPECTIVA ~,~
  • 2. Titulo do original italiano Dialoghi sulfa conoscenza Dados Intemacionais de Catalogayao na Publicayao (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Feyerbend, Paul K., 1924-1994. Dialogos sobre 0 conhecimento / Feyerabend ; traduyao e notas Gita K. Guinsburg. -- Sao Paulo: Perspectiva, 2008. -- (Big Bang) Titulo original: Dialoghi sulla conoscenza. Ia reimpr. da 1. ed. de 2001. ISBN 978-85-273-0237-1 1. Ciencia - Filosofia 2. Conhecimento - Teoria 3. Filosofia - Teoria I. Guinsburg, Gita K. II. Titulo. III. Serie. Indices para catalogo sistematico: 1. Ciencia : Filosofia 501 Direitos reservados em lingua portuguesa it: EDITORA PERSPECTIVA S.A. Av. Brigadeiro Luis Antonio, 3025 01401-000 - Sao Paulo - SP - Brasil Telefone: (0--11) 3885-8388 www.editoraperspectiva.com.br Sumario Algumas Observa<,;oes da Tradutora 9 Fantasia Platonica 11 Ao Termino de Urn Passeio Nao-Filosofico entre os Bosques 65 Posfacio 113 Cronologia Resumida da Vida e da Obra de Paul Feyerabend 119
  • 3. Algumas Observa~6es da Tradutora As ideias de Feyerabend suscitaram grande interesse e poletl1icas das mais acirradas nos meios cientificos e academicos devido a desafian-te postUl'a critica desse fisico e filosofo que ganhou renome a partir da decada de 1960, quando passou a dedicar-se especialmente a analise dos fundamentos das teorias da fisica e da epistemologia cientlfica. A princi-pal acusa<,;aolevantada contra suas concep<,;oes era a de ser um pregoei- 1'0do relativismo e do anarquismo intelectual. E os di{llogos que sao tra-vados neste liv1'Oe que me proponho a levar ao conhecimento do leitor cle lingua portuguesa giram precisamente em torno desses dois focos. Neles,o autor procura tanto esclarecer e circunscrever a natureza e 0 alcance de seus pontos de vista, quanta os dos conceitos que os susten-tam, de modo a infirmar os argumentos de seus ferozes adversarios. POl' discutiveis que sejam algumas de suas concep<;oes, a discus- S;IO e 0 modo de discuti-Ias sao de grande riqueza, e 0 pensamento clo qual sao portadoras apresenta aspectos efetivamente vanguardeiros na abordagem de algumas das grandes preocupa<,;oes da sociedade contem-por; l11eana pauta do tecnicismo, da diversidade cultural e da individuali-dade da pessoa, da trans e multidisciplinaridade e das rela<;oes entre clf:ncia, politic a e etica. Com esse largo espectro de exame, os Dialogos .wbre 0 Conhecimento desenvolvem a dialetica de um analista ousado e agudo, cujas proposi<,;oes hao de incitar a reflexao quer nos caminhos da fllosol1a quer nos da fisica.
  • 4. Nao posso, entretanto, encerrar 0 meu breve comentario sobre as ideias desse pensador sem mencionar as dllVidas surgidas em rela<,:aoaos seus vinculos com 0 nazismo, nao s6 por Feyerabend ter sido criado na atmosfera da Alemanha de Hitler e participado da Segunda Guerra Mundial como combatente do exercito germanico, mas tambem pela estranheza causada por algumas de suas declara<,:oesrelativas as respon-sabilidades do povo alemao nos terriveis atos contra a humanidade em geral e os judeus em particular perpetrados pelo III Reich. A esse prop6- sito cumpre-me dizer que essas coloca<,:oesnao podem ser interpretadas como uma defesa da ideologia e das praticas dos criminosos de Hitler, 0 que seria e e inaceitavel, sob qualquer 6ptica, mas e mister analisa-Ias e compreende-Ias no contexto do seu pensamento, que se empenha em transporta-Ias do plano coletivo para 0 da etica individual e, nesse senti-do, relativiza-Ias. Fantasia Platonica A cena se desenvolve numa celebre universidade durante Uln seminario. Uma pequena sala sombria, com uma mesa e algumas cadeiras. Olhando-se para fora, pela janela, veem-se arvores, passari-nhos, carros estacionados e duas escavadeiras, que procuram abrir um grande buraco. Lentamente, a sala povoa-se de Ulna variedade de jJersonagens, entre os quais Arnold, um estudante serio, de 6culos grandes, com uma por(:ao de livros debaixo do bra(:o e um ar desde-nhoso no semblante; Maureen, uma atraente senhora de cabelos rui-vos, que parece Uln pouco confusa; Leslie, um sujeito, ou ao menos, tun tipo encrenqueiro, possivelmente tmnbem estudante, que tem todo 0 jeito de ser um cara criador de casos e de estar sempre pronto a desandar it minima provoca(:ao;Donald, um individuo dificilmen-te classificavel, armado de Uln caderno de anota(:oes e de um lapis cuidadosamente apontado; Charles, um estudante coreano, de olhos ir6nicos debaixo dos 6culos brilhantes; Seidenberg, tun senhor idoso, com pesado acento centro-europeu, sem nada mais de fastidioso para o ambiente; Li Feng, um estudante chines de jisica ou matematica, a julgar pelos titulos dos livros que coloca sobre a mesa; Gaetano, jovem e timido, tem 0 ar de quem escreve poesia;]ack, um l6gico de modos 1r{lormais e com uma dic(:ao precisa que contradiz a versao estadou-ntdense dessa profissao, carrega uma grande sacola ...Entra 0 doutor (:ole, 0 professor, de uns trinta e dois cmos, Ulna nova aqutsi(:ao da
  • 5. David - Sim, e esse mesmo que queremos. Dr. Cole (mais irritado do que antes) - Espero que saibam qual deles vao fazer. POl'favor, sentem-se (sentam-se a sua volta, ele abre a pasta, tira os apontamentos e uma capia do Teetetol). - Bern, quero dizer que pensei que seria melhor tel' urn ponto de referen-cia para a nossa discussao, de modo que ela nao venha a dispersar-se, e pOl' isso sugeri discutir hoje 0 Teeteto de Platao. Jack - Nao e algo urn tanto atrasado no tempo? faculdade, inteligente no sentido estrito do tenno, acabou de concluir uma tese sobre 0 ceticismo, sob a orientaftao de Donald Davidson, e esta pronto a disseminar 0 conhecimento tal como ele 0 entende. (A primeira escavadeira eletrica estrondeia.) (Estrondeia tambem a segunda escavadeira etetrica.) Leslie (paz um comentario e ri; Donald, que parece ter entendido, mostra-se gravemente ofen dido). Dr. Cole (distancia-se para par as coisas no lugar.) (DuPlo estrondo das escavadeiras eletricas.) (Dez minutos depois, cb:Cole volta, gesticula em direftao it porta, sai; os outros 0 seguem, com uma expressao resignada no rosto.) Maureen (cmninhando pelo corredor, vira-se para Arnold) - Ii esta a aula de cozinha pos-moderna? Leslie (que percebeu 0 sentido, ri ruidosamente) - A cozinha pos-moderna? Nao h;l como enganar-se,o curso e este. Arnold - Nao e verdade! Este e urn seminario sobre gnoseologia! Leslie - Equal e a diferenc;;a?Que seja. Jack - Bern... (tira da sacola um exenlplar do dialogo), esse tipo viveu ha mais de dois mil anos, nao conhecia nem a logic a nem a cien-cia moderna; assim, 0 que podemos aprender dele sobre 0 conhe-cimento? Bruce - E voce pensa que os cientistas sabem 0 que e 0 conhecimento? Jack - Nao falam dele, mas 0 produzem. Bruce - Nao sei qual ciencia voce tinha em mente, mas no meu campo, a sociologia, esta em curso urn debate sobre 0 "metodo con"eto". De lU11 lado se diz que nao se pode tel' conhecimento sem a esta-tistica. De outro, ao inves, dizem que e preciso tel' a "prfltica" da area que se est;l examinando, de modo a estudar pormenorizada-mente os casos individuais e descreve-Ios, quase como faria urn romancista. Houve apenas urn pequeno escandalo a proposito de urn livro, A Transformaftao Social da Medicina Americana; 0 autor, Paul Starr, discutiu alguns fenomenos interessantissimos, tendo a seu favor a evidencia, mas nada de nllmeros; autorizados sociologos recusaram-se a toma-Io a serio; outros, entretanto, tam-bem abalizados, defenderam-no, e criticaram a maneira pela qual a estatistica e usada. Em psicologia sao os comportamentalistas e os introspectivistas, os neurologistas e os psicologos clinicos ... Dr. Cole (gesticulando em direftao a uma outra sala) - Aqui dentro, pOl' favor. (Agora esta1nos numa enorme sala sem janelas, com uma mesa e algumas cadeiras nov[ssimas, mas tambemmuito incamodas.) Dr. Cole (senta-se it cabeceira da mesa) - Estou aborrecido com 0 atra-so e a confusao. Finalmente podemos dar inicio ao nosso semina-rio sobre gnoseologia. David e Bruce (aparecem it porta) - Ii este 0 seminario de filosofia? Dr. Cole (ligeiramente irritado) - Urn dos muitos. H;l outros ... David (guardando 0 prospecto) - ...quero dizer,aquele sobre gno ...gno ... Bruce - Gnoseologia. I. Teeteto, Ol{ Sobre 0 Conhecimento, dialogo platonico de Socrates com outras persona-gens, entre as quais figura 0 matematico Teodoro, que, ao discutir a posi<,;ao de Protagoras sobre a "opiniao verdadeira", vai buscar, a pedido de seu interlocutor, 0 "embora nao bela, mas bem dot ado intelectualmente" jovem Teeteto, para encetar uma investiga<,;;lOsobre a ciencia. Esse dialogo [oi um dos llltimos escritos par Platao com 0 objetivo de del~1()liLQEelatiyisn1Qe--(H:~J!hismo_d0S.Sofi£tas,
  • 6. Jack - Bem ... as ciencias sociais ... Bruce - Sao ciencias ou nao? Jack - Voces ai ja viram elaborada uma coisa tao simples, bela e bem-sucedida como a teoria de Newton? David - Naturalmente que nao! As pessoas SaGmais complicadas do que os planetas! Tanto e assim que as maravilhosas ciencias natu-rais de voces nem ao menos se arriscam a tratar dos fenomenos atmosfericos ... Arthur (que per111aneceu junto ({porta, ({ escuta, e agora adentra, vol-tando- se para jack) - Desculpe-me, nao pude deixar de ouvir. Sou historiador da ciencia e penso que voces tern uma ideia acer-ca de Newton um pouco superficial demais.Antes de tudo, aquilo que chamaram de "simples e belo"nao equivale aquilo que chama-ram de "bem-sucedido" - ao menos, nao em Newton. "Simples e belo" refere-se aos seus prindpios basicos; "bem-sucedido" e 0 modo pelo qual ele os aplica. Nesse caso, ele usa uma cole<,;aoum tanto incoerente de novas assun<,;oes,dentre elas uma, segundo a qual Deus interfere periodicamente no sistema planetario a fim de impedi-lo que caia aos peda<,;os. E Newton faz, na verdade, filosofia. Ele se baseia num certo nllmero de prindpios que dizem respeito aos procedimentos corretos. Formula os prindpios da pesquisa e insiste muito neles. A dificuldade e que ele viola esses prindpios no proprio momenta em que come<,;aa fazer pesquisa. o mesmo vale para muitos outros fisicos. Num certo sentido, os cientistas nao SaGaqueles que fazem ... Jack - Certamente, quando come<,;ama filosofm".Eu posso compreender que, entrando nessa area confusa, eles tambem se confundem. Arthur - E sua pesquisa permanece inaiterada, malgrado tal confusao? Jack - Bern ..., se a filosofia confunde ate a pesquisa, e uma razao a mais para mante-la fora da ciencia. Arthur - E como se faz isso? Jack - Atendo-se 0 maximo possivel a observa<,;ao! Arthur - E os experimentos? Jack - Naturalmente, observa<,;oes e experimentos! Arthur - POl'que os experimentos? Jack - POl"queas observa<,;oes a olho nu nem sempre SaGconfiaveis. AJ.thur - Como voce faz para sabe-lo? Jack - Outras observa<,;oes mo dizem. Arthur - Quer dizer que uma observa<,;ao Ihe diz que voce nao pode confiar numa Olltra observa<,;ao? Como? Jack - Voce nao sabe como? Bem ... , enfie um bastao na agua; parece curvo, mas voce sabe que e reto pOl"que teve a sensa<,;aodisso. AJ.'thur - Como faz para sabe-lo? A sensa<,;aode que ele era reto poderia ser enganosa! Jack - Os bastoes nao se encurvam quando SaGimersos em agua. Arthur - Realmente? Nao se diria isso seguindo a observa<,;ao,como voce me aconselhou. Olhe aqui (pega U111capo d'agua, que estava diante do dr. Cole, e i111ergenele a lapis). Jack - Mas 0 que me diz daquilo que voce sente quando 0 toea? AJ.thur - Bem ... se devo ser honesto, 0 que sinto e frio, e nao estou muito certo de poder julgar a forma do lapis. Mas suponhamos que eu consiga; entao, tudo aquilo que estou com vontade de fazel', aten-do- me a suas sugestoes, e a compila<,;ao de um rol: 0 lapis se enclU"- va quando e visto au"aVeSda agua, 0 lapis e reto quando e tocado na agua, 0 lipis e invisivel quando fecho os olhos ... e assim pOl' diante, e neste caso 0 lapis e definido pelo elenco. Jack - Mas e absurdo - ele e sempre 0 lapis! Arthur - De acordo, se quer falar de algo que tem uma propriedade estavel mesmo se ninguem 0 observa, voce pode faze-lo, mas as observa<,;oes devem COlTerde Olltro modo. Jilek - Esta bem, concordo. Mas trata-se de simples senso comum, que nao tern nada a vel' com a filosofia. Arthur - Ao contrario, tem sim! Muitos debates filosoficos, inclusive aquele contido no diilogo que temos a nossa frente, versam pre-cisamente sobre tal questao! Jllck - Bem ... se a filosofia e essa, voce po de ficar com ela. Quanto ao que me diz respeito, manter que os objetos nao SaGapenas elen-
  • 7. cos de observa<,;oes, mas entidades com caractedsticas proprias, e somente uma questan de senso comum - e os cientistas seguem o senso comum. Arthur - Mas isso nao e verdade, ao menos nao esse genera de senso comum! 0 que temos, dizia Heisenberg quando trabalhava num de seus primeiros escritos, san as raias espectrais, sua freqiiencia e sua intensidade; de modo que e preciso encontrar Ull1esquema que nos diga como essas coisas se associam, sem postular "obje-tos" subjacentes. E depois de introduzir as matrizes, que san elen-cos, embora urn pouco complicados. Jack - De acordo.Agora direi que os cientistas pautam-se segundo 0 senso comum, a menos que a experiencia nao lhes diga algo diver-so. Como quer que seja, nao ha necessidade alguma da filosofia. Arthur - As coisas nao san tao simples! Quando falei de "experiencia", pretendi talar de complicados resultados experimentais. Jack - Sim. Arthur - E os experimentos complicados estao, muitas vezes, cheios de imperfei<,;oes, especialmente quando entramos num novo campo de pesquisa. Imperfei<,;oes, quer pr{tticas - alguma parte da ins-trumenta<,; ao nao funciona como deveria-,querteoricas - alglU1s efeitos san descurados ou calculados erroneamente. Arthur - Mas esta dito que voces estao salvos. Os computadores estao programados para efetuar aproxima<,;oes, e estas podem acumu-larose de modo a distorcer os resultados. Seja como for, san muitis-simos os problemas. Pense somente nas numerasas tentativas de descobrir urn so polo magnetico, ou Ulll quark isolado.Alguns os encontraratl1, outros nao, outros ainda descobriratn coisas trans ... Jack - 0 que tern a vel' tudo isso com filosofia? Arthur - Vou dizer-lhe dentra de urn minuto! Como quer que seja, voce concorda que nao seria prudente presumir que todos os experimen-tos efetuados num novo campo dao, de repente, 0 mesmo resultado? r .( ,'f i v - Fantasia Platonica 0 17 J I ' 'll '~.~ t Al:tijur - E assim, uma boa teoria, ate mesmo uma teoria excelente, pode ~1.I,' estar em dificuldade pOl' causa de tal fenomeno. E pOl'"boa" teoria ~ , :entendo uma teoria que concorda com todos os experimentos , "!~:" isentos de pecha. E,como as vezes precisamos de anos, senao secu- ~ ~ .~: los, para remover os defeitos, temos necessidade de manter viva a ,'~ j. ~ ~ teoria de qualquer modo, embora indo de encontro a evidencia. l! Jack - Seculos? Arthur - Com certeza. Pense na teoria atomica! Foi introduzida pOl' oj Democrito ja faz muito tempo. Desde entao, foi criticada freqiien- ~ 011 'f~3,'temente, e com excelentes razoes, se se considerar 0 conhecimen- to da epoca. POl'volta do fim do seculo passado, alguns fisicos con- ~ -! t " tinentais consideravam-na urn monstro antediluviano, motivo pelo I•~• '.'- ual nao era incluida na ciencia. Todavia, foi mantida viva, e isso constituiu urn bern, porquanto as ideias sobre 0 atomo forneceram otimas contribui<,;oes a ciencia. Ou entao, tome a ideia do movi-mento da Terra! Ela existia naAntigiiidade; foi criticada severamen-te e de maneira assaz razoavel pOl'Aristoteles. Mas sua lembran<,;a sobreviveu, e isso foi muito importante para Copernico, que colheu (,) '"' a ideia e a levou ao triunfo. POl'isso, e born manter viva a teoria r~utadg.bomnaoSe<:l~.ix;~~~~i~_~i.Rf~;~~~i~=e, pelos experimentos! ~,..,_".·~"'N~~'~'''.''''"~_.'..',~••._.".•.~ , ';' Arthur - Nao, nos somos cientistas, pOl' conseguinte, procuraremos .' ~I Ht~:::~?~~:~:~~::;~,~if r i .~ mundo independente daquele do qual nos falam as observa<,;oes /Ii l '.Ii disponiveis, mas apto a sustentar uma refutada tese pat·ticular. ) •..• t'! I . . II~~ Jack r'r",- Mas d~~'~;~~~:isso e metafisica! ·~;Q:;~:;,:,::C'~~;I J, "'" . ( . ". ."
  • 8. argumentos metafisicos para continual' a se desenvolver; hoje ela nao seria 0 que e sem essa dimensao filosofica. Jack - Bern ... terei de pensar nisso! Como quer que seja, uma filosofia desse genera estaria estritamente conectada a pesquisa - e, em vez disso, 0 que encontramos aqui, em Platao (indica 0 livro)? Urn dialogo, quase uma telenovela, urn monte de conversa fiada daqui e de la ... Gaetano - Platao era urn poeta ... Jack - Bern ... se era, entao a minha opiniao esta confirmada; nao e certa-mente este 0 genero de filosofia de que temos necessidade! Arnold (para Gaetano) - Nao penso que se possa afirmar que Platao era urn poeta! Ele disse coisas muito duras sobre a poesia, de fato falou de uma "longa batalha entre filosofia e poesia" e alinhou-se firmemente ao lado dos filosofos. Jack (voltando ao ataque) - E pior do que eu pensava! Nao the agrada-va a poesia e nao sabia como escrever urn ensaio decente, pOl' isso caiu numa versao enfadonha da poesia ... Arnold - Alto la!Alto la! Permita que eu me explique! Platao e contrario a poesia. Mas e tambem contrario a qualquer coisa que se poderia cha-mar prasa cientit1ca.E ele 0 diz de urn modo bastante explicito ... !Jf J Arnold - Nao, em outro dialogo, Fedro. Ele insinua fico e, em grande parte, umaf;~~lde. Bruce - Nao havia urn artigo que se intitulava E 0 ensaio cientifico umafraude? Arthur - Sim, voce tern razao, e de Medawar, urn laureado do premio Nobel, mas nao me lembro onde 0 vi. Arnold - Seja como for, aquilo que preocupava Platao era 0 fato de que urn ensaio fornece resultados e talvez algumas demonstra<,;oes, mas diz a mesma coisa, repetidas vezes, quando a gente propoe uma pergunta. Arthur - Bern ...tambem urn dialogo escrito diz a mesma coisa repetidas vezes; a {mica diferenc;:a e dada pelo fato de que a mensagem e repetida nao apenas pOl' uma so personagem, mas pOl' muitas. Nao, a dificuldade do trabalho cientffico e que ele the conta uma fabula. Quando Thomas Kuhn2 entrevistou os participantes da revoluc;:ao quantica ainda vivos na epoca, eles repetiram, de infcio, aquilo que aparecia impresso. Mas Kuhn se preparara bem. Lera cartas, relatorios informais, e todos esses documentos diziam algu-ma coisa de muito diferente. Ele indicou a circunstancia e, pouco a pouco, as pessoas come<,;aram a recordar aquilo que havia real-mente acontecido.Tambem Newton corresponde a esse modelo. No fim das contas, depois de tudo, fazer perguntas significa intera-gir com m~teriais altamente idiossincraticos ... Jack - Trata-se da tipica instrumentac;:ao experimental. Arthur - Quao pouco sabem voces, logicos, daquilo que sucede nos laboratorios e nos observatorios! A instrumenta<,;ao tfpica funciomli para a perda de tempo tfpica, nao para a pesquisa que procura impelir os limites um pouco mais aIem. Nesse caso, ou voce usa a " instrumentac;:ao tfpica de urn modo atipico, ou entao precisa inven-tar coisas inteiramente novas, cujos efeitos colaterais nao the sao familiares, de forma que deve aprender a conhecer 0 seu aparelho como se faz com uma pessoa, e assim pOl' diante - nada de tudo aquilo que se apresenta nos relatorios tradicionais que sao publica-dos. Mas a questao agora e discutida em conferencias, seminarios e pequenos coloquios.Tais discussoes, onde urn argumento e defini-do e mantido a superficie grac;:asao debate continuo, constituem uma parte absolutamente necessaria do conhecimento cientffico, sobretudo la onde as coisas se movem de maneira muito veloz. Urn matem;ltico, um fisico de altas energias, um biologo molecular, que conhecem somente os tratados mais recentes, nao so estao atrasa-dos em meses, como nao sabem sequel' sobre 0 que versa a obra impressa; ela poderia tambem escapar-lhes inteiramente. Tambem li Fedro, e esse me parece ser precisamente aquilo que Platao pre-tendia; ele queria uma "troca viva", como 0 denomina; e e essa troca, e nao a sua reprodu<,;ao estilizada*, que de define como I2. Vide A Jistrutura etasRevo!uxies CientfJicas, de Thomas S. Kuhn, traer. brasileira, Sao Paulo, Perspectiva, 1976.
  • 9. conhecimento. Naturalmente, Platao utilizou dialogos, e nao prosa cientifica, que tambem existia em seu tempo e ja estava bem desenvolvida. Como quer que seja, 0 conhecimento nao esta conti-do no dialogo, mas, sim, no debate de onde brota, e que 0 partici-pante recorda quando Ie 0 dialogo. Direi que ao menos, a esse res-peito, Platao e muito moderno! Donald (com voz queixosa) - POl'que nao podemos comec;ar agora com Platao?Temos um texto - todo esse palavrorio sobre ciencia esta acima de meu alcance e, aIem disso, nao cabe num seminario sobre gnoseologia. Nos devemos definir 0 conhecimento ... Maureen - Ainda estou confusa; e este curso de ... Leslie - ...de cozinha pos-moderna? Naturalmente que sim! Mas h;1 razoes. Querosaber um pouco mais sobre Platao. Dei apenas uma olhada na 1iltima pagina (pega uma c6pia do dialogo que estava com Donald e indica um trecho) e a julgo muito estranha. Quando tudo acaba, Socrates vai a julgamento. Mas ele nao foi mOt10? Dr. Cole - Bem... penso que deveremos comec;ar pdo inicio. Seidenberg - Posso dizer uma coisa? Dr. Cole (levanta os olhos para 0 teto com um ar desesperado). Seidenberg - Nao, creio que e importante. De inicio pensei que esse senhor ai (aponta para Leslie) nao estivesse muito interessado na filosotla. Leslie - Pode muito bem dize-Io ... Seidenberg - Nao, nao, nao e verdade. Olhe! (Voltou sua ate11(;aopara a ultima pagina e repentinamente mostrou interesse). Leslie - Bem, e um pouco estranho ... Seidenberg - De modo algum! E verdade, Socrates foi acusado de impie-dade e precisou apresentar-se perante a assembleia geral.A conde-nac; ao a morte era uma conseqiiencia possivel. Em Olltro diilogo, o Fedon, ele j;1estava condenado it morte, presume-se que deva beber 0 veneno ao par-do-sol. Ele assim 0 faz e mon-e, precis amen-te no fim do dialogo. Maureen (que esta ficando menos confusa e mais interessada) _ Quer dizer que Socrates falava de filosofia sabendo que estava para mOlTer? ,',No original, em ingles, streamlined cross-section, que significa literall11ente "se;ao trans-versal aerodinamica". Lt.:slie- Estranho! Um professor que fala e fala, embora saiba que seus verdugos estao realmente esperando por ele fora da sala de aula. Como e possivel isso? Sddenberg (excitado) - Nao e so isso! Os dois personagens principais do dialogo que 0 professor Cole pretende ler conosco, Teeteto e Teodoro, eram personagens historicos, ambos eminentes matemati-cos. ETeeteto - e dito na introduc;ao - fora gravemente ferido numa batalha e pouco depois morreu de disenteria.Num certo sen-tido, o dialogo foi escrito em sua memoria, em memoria de um gran-de matematico que tambem havia sido um valoroso combatente. Estas sao coisas muito interessantes. Em primeiro lugar, pelo fato de ser um dialogo; de nao ter nada a ver com a poesia, se entendida supertlcialmente como um discurso ligeiro; de derivar de uma con-cepc; ao especial do conhecimento e de esta concepc;ao estar muito viva ainda hoje em dia, como dizArthur, nao" em materias atrasadas" (lan<r'auma olhada para Jack), mas entre as disciplinas mais res-peitadas e de desenvolvimento mais rapido, como a matem;ltica e a fisica das altas energias. Em segundo lugar, encontra-se aquilo que se pocleria chamar cle"climensoes existenciais", vale clizer,o moclo pelo qual a cOt1Versac;aointeira esta insericla nas situac;oes extremas ciavida real. Eu me dou conta de que isso e muito cliferente clegran-de parte cia tllosofia moderna, que so analisa as propriedacles logi-cas dos conceitos e pensa que isto seja tuclo 0 que se pode dizer a seu respeito. David (hesitante) - Li 0 cli;llogo pOl'que queria estar preparado para a aula. Ate eu fiquei surpreso com 0 final, mas nao vejo que efeito pocleria ter sobre 0 debate, que se assemelha muito a uma aula como aquela que eu tambem assisti; alguem diz qllC~~oconheci- ~E.!.2-.t experiencia ... Dr.Cole - P:~~eP<i:.'lo ... Davicl- ...Bem ...que 0 conhecimento e~r~s;.ao,..algum Olltro ofere- -, -----------~ ~-., ce contra-exemplos, e assim por cliante. E verdacle, 0 clialogo e um
  • 10. pouco palavroso, mas nele nao se faz nenhuma referencia a morte.Ao fim, Socrates imprevistamente diz que deve ir ao tribu-nal. Poderia tambem dizer que estava com fome e que iria cear. Seja como for, parece aposto apenas para produzir efeito e nao acrescenta nenhuma dimensao existencial aos conceitos ... Seidenberg - Mas no Fedon ... Charles - Eu 0 tenho aqui (soergue um livro). Penso que seja ainda pior. De fato, como come<;;a? Socrates esta em companhia de alguns de seus admiradores. E eis sua mulher (W a texto do livro) "com seu filho nos bra<;;os".Ela chora e the diz:"agora, seus amigos vido falar com voce pela tlltima vez, Socrates" - pelo menos con-forme 0 relato urn pouco desdenhoso fornecido por Fedon, 0 principal interlocutor. "Ela diz todo genera de coisas que as mulheres estao propensas a dizer em certas ocasioes" - tal e 0 modo como ele fala dela. E Socrates 0 que faz? Pede a seus amigos que a conduzam para casa a fim de que ele possa falar de coisas mais elevadas. E urn tanto insensivel, diria. Maureen - Mas ele est;l para morrer! Charles - Por que deveria alguem jamais ser levado a serio e pOl'que se deveria permitir que se comportasse como urn bastardo so por-que ele esta para moner? Bruce - E par culpa dele mesmo! Maureen - 0 que pretende dizer com isso? Bruce - Nao sera, talvez, verdade que ele proferiu a sua arenga diante de uma assemblda geral que 0 condenara, mas the dera a possibilida-de de defender-se? E Socrates escarneceu deles -leia a ApoZogia! Depois disso, condenaram-no por uma margem ainda mais ampla. Tratara a assembleia com 0 mesmo cui dado que havia dispensado a sua mulher e ao filho. Maureen - Mas morreu por suas ideias, nao cedeu. Charles - Tampouco Goering, no processo dos nazistas. "E 0 poder" - disse ele - "que decide uma questao, e nos 0 desfrutamos enquan-to esse durou". E depois se suicidou, realmente como Socrates. Seidenberg - Nao acho que se deveria comparar as pessoas desse modo. Leslie - Por que nao? Ambos sac membi'os da ra<;;ahumana! Charles tem realmente razao. Moner pelas proprias iddas nao produz automa-ticamente santos.Veja 0 que se diz aqui - encontrei justamente 0 trecho.O que significa 0 ntlmero 173escrito a mal-gem? .tk Cole (querendo jaZar). ,/y'nold (mais rapido do que dr.CoZe)- E 0 ntlmero da pagina da edi<;;ao critica a qual os estudiosos fazem normalmente referencia ... ,'Arnold - Nao, e pratico. Ha muitas edi<;;oes,tradu<;;oesetc. todas diferen-tes umas das outras. Em vez de fazer referencia a uma obscura tra-du<;; aoque ninguem conhece, mas que por acaso acabou entre suas maos, da-se este ntlmero da edi<;;aocritica ... Leslie - ...de toda maneira, parece que diz aqui haver uma diferen<;;a entre 0 cidadao comum e 0 filosofo. Ora, agrada-me aquilo que e dito do filosofo - "Ele vaga a "Tontadede um argumento ao outro e do segundo a um terceiro"--"-, isto e, 0 modo do qual haviamos falado e que e, pois, 0 motivo por que estamos ainda aqui. Mas depois e dito que "um advogado" anda sempre depressa, pOl"que ha limites de tempo nos tribunais: ele ridiculariza 0 advogado que anda sempre depressa e diz que "a comida muitas vezes preserva sua vida". Bem, tenho a impressao de quenao pretende referir-se somente aos advogados, mas tambem aos cidadaos comuns. Estes nao tem tanto dinheiro quanto Platao, e precisam cuidar da fami-lia e dos filhos. Um modo de pensar que ocupa uma vida inteira apenas para propor simples perguntas nao lhes e de nenhuma uti-lidade - morreriam logo de fome. Eles precisam pensar de forma difc!rente. E, em vez de simpatizar com sua dificil condi<;;aoe pre-za1". as solu<;;oespor eles encontradas, Socrates escarnece deles e os trata com desprezo, como procedeu com a assembleia. Dr. Cole - Bem... isso e Platao e nao Socrates ... Leslie (Ull1 pouco enraivecido) - Platao, Socrates, nao me importam nada! A idda de filosofia que aparece justamente aqui, neste dialo-go, com sua "dimensao existencial", implica que, quando se pensa e se age para sobrevivel- e manter a propria familia, a gente mere-ce ser tratada com desprezo.
  • 11. Gaetano - Penso que pode achar alguma coisa aqui (tira um liuro de sua bolsa), tenho uma traduc;:ao alema, com uma introduc;:ao de Olof Gigon, urn eminente estudioso dos classicos. Ele comenta 0 fato de que Socrates manda embora a mulher e 0 filho. a que diz? "Ambos representavam 0 mundo da humanidade simples e nao dedicada a filosofia, que merece respeito, mas deve arredar um pas so quando a filosofia entra em cena". "Deve arredar urn passo" significa que a gente comum, que carece da sutileza filosofica, nao conta quando urn filosofo, que po de ser tambem urn marido, abre a boca. Maureen - Entao toda essa fala da morte e somente papo furado. Gaetano - Nao, nao creio. Platao queria, na verdade, enfatizar aquela que, segundo ele, era 0 conhecimento con'eto, ligando-a com uma nova visao da,morte. Bem, p.elo menos disp6e de um horizonte mais amplo do que aquele que possuem (uoltando-se para jack) os seus cientistas ... Charles - Qualquer fascista tem a disposic;:ao aquilo que voce chama "urn horizonte mais amplo", pOl'que para ele a ciencia e somente "parte de urn todo maior", ou qualquer outra coisa que se diga a esse proposito ... Seidenberg (hesitante) - Fico um pouco preocupado com 0 modo pelo qual estao falando de Platao. Sei que hoje esta fora de moda 0 res-peito a cultura e posso compreender 0 motivo; freqiientemente tem-se feito urn uso perverso da cultura. Penso, todavia, que os senhores estao exagerando um pouco. Pertenc;:o a uma gerac;:aona qual 0 conhecimento e a difusao da cultura eram assuntos serios. Todos sabiam que havia os estudiosos e os respeitavam, inclusive a gente pobre. Para nos, intelectuais, os filosofos e os poetas eram pessoas que nos forneciam luzes, que nos mostravam a existencia de algo mais alem da vida miseravel que estavamos vivendo. Veja, provenho de uma familia muito pobre, da gente comum da qual estavam falando; mas nao penso que voces a conheceram deveras, ao menos nao .conhecem a gente pobre da regiao de onde prove-nho." Nosso filho" - disseram-me meus pais -" deveria tel' aquilo que nos nao pudemos tel', deveria tel' uma educac;:ao.Deveria estar em condic;:6es de leI' os livros que nos pudemos olhar so de longe e que nao teriamos compreendido se os tivessemos tido em maos." Assim, trabalharam e economizaram durante toda a vida a fim de que eu pudesse receber uma educac;:ao.Tambem eu trabalhei co-mo aprendiz de encadernador. E la, urn dia, tive entre as maos uma edic;:ao em catorze volumes da obra de Platao. Estava urn pouco maltratada, cabia-me de fato preparar umanova capa. Voces nao podem imaginal' como eu me sentia. Para mim, era como a terra prometida, mas havia muitos obstaculos. Certamente eu nao pode-ria comprar e tel' aqueles livros. Mas, admitindo-se que os tivesse comprado, poderia eu compreende-los? Abri urn volume e encon-trei uma passagem na qual Socrates estava falando. Nao me lembro o que dizia, mas lembro-me muito bem que eu sentia como se ele estivesse falando comigo, de urn modo gentil, elegante e um pouco ironico. Depois chegaram os nazistas.Alguns estudantes ja eram partidarios do nazismo - e me desagrada dizer, senhores, mas 0 modo como falavam assemelhava-se muito ao de voces - havia desprezo na voz. "Estes saG novos tempos" - disseram eles - "de maneira que vamos esquecer todos os escritores antigos!" Con-cordo que Platao, amillde, evita os problemas banais, e de vez em quando faz troc;:a,mas nao acho que zombe das pessoas que ai estao envolvidas. Ele zomba dos sofistas, os quais afirmavam dog-maticamente que nao existe nada. De fato, a gente comum, ao menos a gente comum que eu conhec;:o, nao e assim. Espera uma vida melhor, se nao para si, para os proprios filhos.Saibam, ha uma coisa interessante sobre a datac;:aodos diilogos. as primeiros dialo-gos de Platao escritos apos a morte de Socrates nada tinham a vel' com sua morte. Eram comedias como 0 Eutidemo ou 0Ionia, ple-nos de argllcia e de ironia.A Apologia, 0 Pedon e 0 Teeteto vieram depois, presumivelmente depois de Platao haver assimilado a dou-trina pitagorica da vida ultraterrena.Ate a morte assume urn aspec-to diferente - e urn inkio e nao um fim. E e tambem verdade que Socrates, 0 verdadeiro Socrates, nao engolia, como voces dizem na lingua de voces, a demoCl'acia com todos os seus anexos e cone-xos. Via que ela apresentava problemas. Diz-se que escarnecia da democracia como sendo aquela instituic;:ao na qual um macaco se torna urn cavalo, quando um numero suficiente de pessoasvota
  • 12. nesse sentido. Bem, nao e esse um problema a ser enfrentado ainda hoje? - quando discutimos sobre 0 papel da ciencia nasociedade e, especialmente, na sociedade democratica? Nem tudo pode ser decidido por meio do voto, mas onde fica a linha divisoria! E quem e que vai tra<;;a-la?Para Platao, a resposta era clara: as pessoas que estudaram 0 problema, os homens sabios, a eles cabera tra<;;ara linha divisoria! Os meus pais e eu pensavamos exatamente a mes-ma coisa. Naturalmente, Platao tinha dinheiro e mais tempo a dis-posi<;; ao,mas nao e acusado por isso. Ele nao gasta seu dinheiro como os outros men1bros de sua classe em aventuras amorosas, corridas de cavalo e jogos politicos do poder. Ele amava Socrates, que era pobre, feio e desmazelado. Falou dele em seus escritos nao apenas para honra-lo, mas tambem para lan<;;aros fundamentos de uma vida melhor, precisamente como 0 movimento pacifista mo-derno luta por uma vida melhor. Lembrem-se - aquela era a epoca da Guerra do Peloponeso, de atrocidades politicas; a democracia foi revirada, renovada, tramaram contra ela conspira<;;oes.Em suma, queria dizer que deveriamos ser gratos a essas pessoas, em vez de zombar delas ... Li Feng - Compreendo 0 que pretende dizer, senhor, e estou de pleno acordo, nao so pOl'que penso que uma comunidade ou uma na<;;ao tem necessidade de homens sabios, mas tambem pOl'que penso que uma vida sem uma migalha de respeito por alguma coisa e uma vida bastante superficial. Mas percebo um problema la onde esse respeito nao e equilibrado com um pouco de sadio ceticismo. ]ulgo que a historia recente de meu pais seja um bom exemplo ... Gaetano - Mas ha exemplos mais proximos de nos; po de acontecer que sejam banais, se comparados aqueles dos quais voce fala (voltan-do- se para Ii Rmg),mas penso que constituem 0 motivo pelo qual Leslie e Charles reagiram tao violentamente.Aqui, alguns professo-res e alguns doutores falam dos luminares eminentes em sua pro-fissao como se fossem divindades; nao sabem escrever uma linha sem citar Nietzsche, Heidegger ou Den-ida, e parece que para eles a vida consiste em ficar pulando aqui e ali entre uns poucos ico-nes. Ele, senhores (voltando-se para Seidenberg), viveu muito pro-vavelmente num tempo e numa comunidade na qual as criaturas tinham uma rela<;;aopessoal com os proprios sabios e com aquilo que diziam. Nao creio que exista hoje lill1arela<;;aopessoal analoga, o que ha e uma forte pressao pessoal para 0 conformismo e, sobre-tudo, em vez da conversa<;;ao viva que Platao queria, temos frases vazias combinadas de maneira esquem{ltica. Trata-se de um feno-meno odioso - ha pouco motivo para espantar-se se Leslie e Charles explodem quando veem qualquer coisa similar ou aparen-temente similar num autor antigo.Alem disso, e algo diferente 0 modo democratico de olhar as pessoas e 0 modo pelo qual parece que os atenienses teriam olhado Socrates. "Sim, esse Socrates" - creio que teriamos dito - "nos 0 conhecemos: e um pouco tolo, nao tem nada melhor a fazer do que ficar junto das pessoas para importun{l-las,mas nao e mau sujeito e muitas vezes diz coisas bas-tante inteligentes." Riam dele quando 0 viam representado em cena, nas Nuvens de Aristofanes - e parece que Socrates ria junto com eles. 0 respeito esta unido ao ceticismo e, as vezes, ao escar-nio. Podemos ir adiante. Se podemos confiar em Heraclito, entao , patTCe que a gente de Efeso diria qualquer coisa do genero: "nao queremos ninguem que seja melhor do que nos - que essa pessoa va vi;::er em outra parte e com outra gente". Creio que tal atitude tinha perfeitamente sentido. Isto nao significa que todas as pessoas dotadas de conhecimentos especiais devam ser ca<;;adas,mas somente aquelas que pOl' causa de seu conhecimento especial querem um tratamento especial! Como quer que seja, a 9.~IrisA()e mil vezes melhor do que 0 assassinio ou que a critica mortalmente seria que eleva 0 Cl'itico a estatura atribuida a pessoa criticada. Suspeito que seja esse 0 verdadeiro motivo pelo qual escritores sem talento se estendem a respeito de outros escritores sem tal en-to, insistindo que devam ser tomados a serio. Dr. Cole - Acho que estamos nos afastando muito do nosso argumento. Alem disso, nao se pocle julgar um autor por umas poucas linhas extrapoladas do contexto. Entao, por que nao come<;;amos a ler 0 dialogo de um modo mais coerente e decidimos, depois, quais sao os seus meritos? Platao tem a dizer alguma coisa de muito interes-sante sobre 0 conhecimento, por exemplo, sobre 0 relativismo. Sem dtlVida voces ouviram falar de relativismo.
  • 13. Charles - Pretende dizer Feyerabend? Dr. Cole (chocado) - Nao,certamente nao.Mas nos somos pessoas com-petentes que julgamos possuir argumentos para demonstrar que qualquer coisa que se diga, e qualquer motivo que se de para aqui- 10 que se diz, depende do "contexto cultural", isto e, do modo de viver do qual se faz parte. Li Feng - Isso significa que asle~_~i:~tifica~ nao SaDuniversalmente verdadeiras? Dr. Cole - Sim! Elas sao con'etas para quem pertence a civilizac;:aooei-dental, SaDcon'etas em l:~l~~ao-aossellsprocedi;~~tose'~~f~~'e dos criterios desenvolvidos por essa eivilizac;:ao,porem nao s2_~0 sao verdadeiras, mas com certeza elas nao tern sentido numa C.l~!- tura diferente. Jack - POl'que as pessoas nao as compreendem. Dr. Cole - Nao, nao apenas pOl'que elas nao as compreendem, mas por-que os criterios para avaliar 0 que tern sentido e 0 que nao tern sao diferentes. Colocadas diante das leis de Kepler, nao dizem ape-nas: "0 que significa isso?", pOl"em acrescentam: "Trata-se de urn discurso sem pe nem cabec;:a". Bruce - Alguem jamais lhes perguntou isso? Dr. Cole - Nao sei, mas e irrelevante; os relativistas nao fazem disso urna questao logica. Jack - Isso significa que eles nao dizem" OsMar" 3,quando estao diante da teoria de Newton, mas dizern: 'Isso nao tern sentido"', se bem que "Julgada segundo os criterios implicitos no sistema de pensanlento desenvolvido pelosMar, a teoria de Newton nao tern sentido". Dr. Cole - Sim. Jack - 0 que presume que os Mar - ou, sob esse ponto de vista, qual-quer que seja a cultura - tenham urn sistema de pensamento que pode ser usado para proferir tais juizos. Dr. Cole - Naturalmente. Jack - Nesse caso, se a teoria de Newtonnao tern sentido para uma cul-tura ou urn periodo, como poderiam aprende-Ia as pessoas perten-centes a tal cultura e como pade a propl"ia teoria vir a existir? Ikuce - Estas sao ~s_r.e::~oll~ - voce nao leu 0 livro de ~I8' As pas- sagens entre as diversas formas de pensanlento revolucionam os I~ criterios, os prindpios basic os e tudo 0 mais. Jack - Sao meras palavras! Nao conhec;:o Kuhn muito bern, mas eu me pergunto como se leva adiante uma revoluc;:ao desse tipo. As pes-soas nao raciocinam durante as revoluc;:6es? Dr.Cole - Num certo sentido, nao. Charles (desdenhosa111ente) - Dizendo num certo sentido, pretende dizer: segundo a tese pela qual ~~,,~E~~~?J:e/]:.t':1:C;:.§.~~J~.m$epticl() somente em a urn sistema. Charles - Mas Jack pas mesrno em discussao essa tese, de tal modo que nao posso utiliza-Ia para responder a sua pergunta, vale dizer: as argumentac;:oes transieionais tedo sentido? E preeiso encontrar uma resposta diferente. Charles - Por exemplo, examinando 0 modo pelo qual as pessoas rea-gem a tais argumentac;:oes. I)1'. Cole - Bern, a historia nos ensina que se formam novos grupos, e os velhos desaparecem ... (;harles - E isso, segundo 0 senhor, provaria que as argumentac;:oes tran-sicionais nao tern nenhuma forc;:a? Ik Cole - Nao e rnais questao de argumentac;:oes, mas de conversoes. Formam-se novos grupos que tern criterios novos. (;harles - Nao corra demais! Antes de tudo, os fatos que 0 senhor aduz nao sao justos. Por exemplo, muitos aristotelicos tornaram-se co-pernicanos quando leram Copernico ou Galileu, ou ouviram falar
  • 14. de Galileu. Naturalmente havia novos grupos, mas esses grupos foram dissuadidos de suas venus convicc,;oes pOl' meio de proce-dimentos que tambem foram m,mtidos a seguir. Nao houve, aqui, uma mudanc,;a completa do "sistema". Em segundo lugar, admitin-do- se que seja uma questao de conversao, ao que deveriam con-verter- se essas pessoas? au 0 sistema j~lexiste e, entao, nao temos nenhuma conversao, ou nao existe e, entao, nao se converte em nada. Nao, as coisas nao podem ser tao simples. a que eu queria dizer e que as argumentac,;oes transicionais tem sentido, mas nao para todos, pOl'quanto nao existe argumentac,;ao alguma que tenha sentido para todos; elas tem sentido para alguns, e isso significa que a tese segundo a qual ha "sistemas" que pOl' si sos dao signifi-cado aquilo que se diz deve ser equivocada. Jack - E exatamente 0 que eu quero dizer. A necessidade logica de uma argumentac,;ao depende dos criterios em que se baseia e uma re-voluc,; aomuda os criterios. Entao, parece que uma revoluc,;ao nao pode basear-se em argumentac,;oes, ou que a irrefutabilidade das argumentac,;oes nao depende de um "sistema de pensamento" - nesse llitimo caso, 0 relativismo e falso. De outra parte, se fosse verdadeiro, estariamos encravados para sempre num sistema, ate que um milagre nos fornecesse um outro sistema ao qual estaria-mos presos dai pOl' diante. Estranha opiniao. Donald - Platao discute essa opiniao? Dr. Cole - Ele coloca em discussao um dos primeiros relativistas da his-toria ocidental, Protagoras. Bruce - E 0 relativismo nao fez qualquer progresso desde entao? Dr. Cole - Sim e nao.A posic,;ao basica ainda e muito semelhante a de Protagoras, mas h~l muitos expedientes protetores que fazem a coisa parecer mais dificil do que ela e na realidade. Bruce - Isso significa que Protagoras diz aquilo que dizem os relativis-tas modernos, mas de um modo mais simples. Dr. Cole - Poder-se-ia dizer assim. Mas agora, finalmente, comecemos com 0 di~llogo. Li Feng - Onde, pOl' favor? Dr. Cole - Aqui, na linha 146... Socrates pede a Teeteto que defina 0 conhecimento. Jack - A que voce se refere? Arthur - A tentativa de definir 0 conhecimento. Jack - Trata-se do procedimento usual na ciencia e alhures. Se uma expressao e longa e inc6moda, entao decide-se introduzir uma abre-viac,; aoe a frase que expoe aquilo que e abreviado e a definic,;ao. Arthur - Mas a situac,;aoaqui e contraria aquela que voce descreveu! a conhecimento ja existe, h~las artes e os misteres, as varias profis-soes, Teodoro eTeeteto possuem uma consideravel quantidade de conhecimentos matem~lticos e presume-se que Teeteto caracteri-ze esse conjunto vasto e POllCOmanejavel com uma formula bre-ve. Nao se trata de abreviar uma formula longa, pOl'em de encon-trar uma propriedade comum entre os elementos de um conjunto variado que, alem do mais, muda constantemente. ,1l1ck - Bem, de qualquer modo, e necessario tambem trac,;aruma linha, especialmente hoje, quando ha em circuhlc,;aogente que quer res-suscitar a astrologia, a bruxaria, a magia. Algumas coisas sao conhe-cimentos, outras nao - concorda com isso? Arlhur - Com certeza. Mas nao creio que se possa trac,;aruma linha de uma vez pOl' todas, e com a ajuda de uma simples formula. Nao penso tampouco que se possa trac,;a-lacomo se fosse um regulamen-to de trifego. as limites emergem, apagados, desaparecemnovamen-te, enquanto sao parte de um processo historico muito complexo ... ,1l1d, - Mas nao e assim. as filosofos trac,;aram freqiientemente linhas e definiram 0 conhecimento ... Al'tllm - ...e quem usou suas definic,;oes?Veja.Newton trac,;ouuma linha quando defendia sua pesquisa na optica e imediatamente a ultra-passou. A pesquisa e muito complicada para seguir linhas simples. ETeeteto sabe disso! Socrates pergunta:"O que e 0 co'nhecimen-lo?" Teeteto replica ... l)oll:lld - Onde?
  • 15. Arthur - Em alguma parte, perto da linha 146. Bern, ele replica que 0 conhecimento e "toda a ciencia que ele aprendeu de Teodoro - a geometria e tudo aquilo que acabei de mencionar" - ele esta falan-do da astronomia, da harmonia e da aritmetica. E,continua: "deseja-ria incluir a arte dos sapateiros e dos outros artesaos; essas sao todas formas de conhecimento". Eis uma otima replica: 0 conhecimento e urn assunto complexo, e ~ife~~}lJJ..~[la~.<:liversas talvez a _ ....~.~ ". - .._. melhor resposta a pergunta "0 que e 0 conhecimento?" seja urn elenco. De minha parte, ajuntaria os pormenores e citaria as varias escolas que existem em cada materia. Como quer que seja, ~~~~a de que 0 conhecitnentoe,aesse respeito, tambem a<:i.~1"lcia.possam ;:~'-;pri~k;~~d;~~lillla simples formula, e uma quimera. Arnold - Ela nao e uma quimera, e urn fato.~~c_i~[lcia,pOl' exemplo, pode ser caracterizada como aquilo que po de ser criticado. Bruce - Mas qualquer coisa po de ser criticada, nao apenas 0 conheci-mento. Arnold - Bern, devo ser mais preciso: a gente tern 0 direito de reivindi-car a qualificac;ao do conhecimento somente se a pessoa que apresenta tal pedido pode dizer com antecipac;ao em qual cir-cunstancia 0 retiraria. Leslie - Essa nao e uma definic;ao de "conhecimento", mas antes de "rei-vindicac; ao de conhecimento". Arthur - Nao importa, ao contririo, agora posso formular minha objec;ao ainda mais claramente: segundo sua detlnic;ao de "reivindicac;ao de conhecimento", as teorias mais cientiiicas nao entram em tais rei-vindicac; oes, pOl'quanto, dada uma teoria complexa, dificilmente os cientistas sabem antecipadamente quais circunstancias particula-res os farao desistir dela. Muitas vezes, a teoria contem hipoteses escondidas, das quais tampouco se esta ciente. Novos desenvolvi-mentos levam ao palco essas assunc;oes - ai sim, entao, a critica pode comec;ar. Li Feng - Pode dar algum exemplo? Bruce - Sim, a hipotese da velocidade dos sinais infinitos se faz notal' somente com a teoria da relatividade especial. Segundo sua defi- ' nic;ao,presume-se que se poderia dizer em 1690 0 que teria acon-tecido a teoria de Newton em 1919,0 que e absurdo. E esse 0 genero de absurdidade que esta contido na solicitac;ao de definir o "conhecimento". Novos temas entram constantenlente em ce-na e velhos temas mudam, vale dizer que a definic;ao devera ser muito longa, compreender uma porc;ao de qualificac;oes e estar sujeita a modificac;oes. Amolcl - Masvoce devera, no entanto, dispor de urn criterio para separar os argumentos falsos dos genuinos, e precisara formular tal criterio independentemente dos argumentos existentes, pois de que outro modo podera julg;l-los objetivamente? Al'tllUr - "Objetivamente" - estas sao apenas palavras. Nao acha que uma coisa tao decisiva como os criterios que definem 0 conheci-mento devam ser examinados com grande cuidado? E se ja foram examinados, entao foi levada a efeito uma analise acerca dos crite-rios e tal indagac;ao ser;l ela mesma guiada pOl' criterios, pois e simplesmente impossivel colocar-se pOl' fora do conhecimento e da indagac;ao.Ademais, suponhamos que exista urn criterio a dis-posic; ao. Isso nao basta. Pode haver tambem a disposic;ao algo que esteja de acordo com 0 criterio, algo de outro modo vazio. Duvido que hoje alguem dedicasse muito tempo para encontrar a defini-c; ao correta do "unicornio". Al'llold - Estou muito inclinado a admitir que 0 meu criterio possa des-mascarar qualquer coisa como urn engano ... Brllce - Bern, voce nao continuara a usar alguma dessas coisas engano-sas, separando-as das outras? POl'exemplo, nao continuara a dar fe a certos fisicos de preferencia a outros? Ou a fiar-se num astra no-mo que predisse urn eclipse solar, mas nao num astrologo que pre-disse urn terremoto? Se for assim, entao 0 seu criterio revel a ser ele mesmo urn engano; do contririo, logo estari morto. David - Mas algumas definic;oes sao necess;lrias para fins legais. POl' exemplo, para as leis que separam a Igreja do Estado e exigem que a ciencia, mas nao as concepc;oes religiosas, seja ensinada nas escolas pllblicas. Nao ser;l esse 0 caso dos fundamentalistas que tern tentado introduzir algumas de suas ideias na escola elemen-tal', chamando-as de teorias cientificas?
  • 16. Arthm - E verdade, no Arkansas. as peritos forneceram atestados e algu-mas defini«;;oes simples, e assim 0 negocio foi feito. Charles - Bem, isto demonstra somente que a pratica legal precisa ser melhorada. Donald _ Nao podemos voltar ao diiilogo? Voces dizem que basta um elenco, mas Socrates levanta obje«;;oes! Arthur - Qual e a obje«;;aodele? Maureen - Ele quer uma coisa so, nao muitas. Bruce _ E exatamente aquilo sobre 0 que acabamos de falar - ele nao pocle encontrar uma defini«;;aoan~l1ogaque tivesse tambem um contelido. Maureen - Mas se ha uma so palavra," conhecimento", por que nao ha tambem uma coisa tmica? Arnold - "Circulo" e uma palavra so, mas ha 0 drculo geometrico, 0 dr-culo de amigos que nao devem sentar-se em torno do drculo geo-metrico; 0 raciodnio circular, isto e, aquele que presume aquilo que deve ser provado sem mover-se sobre 0 tra«;;adodo drculo geometrico ... Maureen - Bem, nao e 0 mesmo caso! Ha um drculo originario e os outros san expressoes, bem, aquilo que chamam ... Gaetano - MetMoras? Li Feng - Analogias? Leslie - Nao tem import~lllcia - uma palavra, muitos significados, mui-tas coisas. E Socrates presume que coisas do genero nao aconte-cem jamais ... Gaetano - Ademais, na passagem que precede a indaga«;;ao... Leslie - Onde? Gaetano - Perto do fim da pagina 145 - mas voce nao a encontrara na edi«;;aoinglesa, deve consul tar 0 grego - ele ja usa tres palavras diferentes,episteme (e 0 verbo correspondente) ,sophia (e outras duas formas com a mesma raiz) e manthanein. Leslie (ccu;oando gentilmente de Seidenberg) - Seu grande e sabio Platao? Ll Feng - Mas 0 proprio Teeteto sugere 0 modo pelo qml1 0 conheci-mento poderia ser unificado. E verdade, aquilo que Socrates diz nao e so dogmatico, mas tambem incoerente. Por isso,Teeteto tenta torn~l-lo sensato, e 0 faz de uma maneira interessante. Para preparar sua proposta descreve uma descoberta matematica feita por ele e pOl' um amigo seu, tempo atras. Donald - Procurei compreender aquela passagem, mas nao fa«;;oideia a que ela se refere. LI Feng - Mas e, na verdade, muito simples. Aqui se parte da metade da pagina 147 - da 147d 3, para ser preciso. Leslie - a que significa isso? Al'l1old- Significa a pagina 147 da edi«;;aocritic a -lembra-se? - se«;;ao daquela pagina (toda pagina da edi«;;aocritica e subdividida em se<;oes,por comodidade), linha 3. JJ Feng (te) - "Teodoro estava tra«;;ando diagramas para demonstrar-nos algo sobre quadrados ..." Donald - a meu texto nao reza assim ... l.eslie - Tampouco 0 meu. Aqui diz:"Teodoro estava transcrevendo para nos algo sobre raizes ..." 1>1". Cole - Bem, cedo ou tarde deviamos nos deparar com esse proble-ma - nem todas as tradu«;;oes sao iguais. Donald - as tradutores nao sabem grego? 1>1". Cole - Sim e nao. a grego de Platao nao e uma lingua viva, entao devemos nos basear em textos. E os autores empregam, amitIde, as mesmas palavras de modo diverso, razao pela qual temos nao ape-nas dicionarios de grego antigo, mas tambem dicion~lrios espe-ciais para Homero, Herodoto, Plat~lo,Aristoteles e outros. AIem do mais, temos de nos haver aqui com uma passagem matematica, e quem fala e um matematico. as matematicos utilizam, muitas vezes, num sentido tecnico, palavras comuns, e nen1 sempre fica claro de que significado se trata. Dynamis, a palavra traduzida como "raiz" no texto de voces, significa de h~lbito pot en cia, for«;;a: ocorre tambem na economia. Foi preciso bastante tempo para que os estudiosos descobrissem que aqui, muito provavelmente,
  • 17. ela denot'1 um quadrado. Problemas como este surgiram em todos os trechos mais dificeis. Donald - a que podemos fazer? Dr. Cole - Aprender 0 grego. Donald - Aprender 0 grego? Dr. Cole - Bem, ou entao estarmos prontos para descobrir que por mais aferr'1d'1 que ela seja, tr'1ta-se apenas de uma informa<,;ao muito expurgada daquilo que sucede "realmente". (Voltando-se para Li Feng) - A sua tradu<,;ao parece feita por alguem que conhecia as p.articulares dificuld'1des dessa pass'1gem ... Li Feng Cguardando seu texto) - E de um certo Mc Dowell. Dr. Cole - Ah, John - Bem, ele certamente sabe 0 que f'1z,'10 menos nesse trecho. Continuem! Li Feng - "Teodoro estava tra<,;ando diagr'1mas para demonstrar alguma coisa sobre quach-ados - isto e, que um quadrado de tres metros quadrados e um de cinco nao saG comensuraveis, no que diz res-peito a longitude do l'1do com um de um metro quadrado ..." Donald - a que significa "comensuraveis"? Li Feng - Suponhamos que temos um quadrado de tres metros qu'1dra-dos. Entao, 0 lado desse qu'1dr'1do nao pode ser expresso por uma fr'1<,;aodecimal finita, ou mais simplesmente, por uma fr'1<,;aocom um nllmero inteiro no numer'1dor e um outro, por maior que seja, no denominador. Donald - Como se faz para sabe-Io? Dr. Cole - Ha uma demonstra<,;ao ... Arthur - De fato, existem diversos generos de demonstra<,;oes ... Dr. Cole - ...e algumas j{ler'1m notadas na antigi.iid'1de, mas nao acho que devemos adentrar-nos n'1questao. Aceitemos simplesmente 0 f'1to de que tais demonstra<,;oes existem, que eram conhecidas por Teodoro e que ele as ilustrava com diagramas. Li Feng (continua) - "...com um quadr'1do de um metro qu'1drado; e assim por diante, individualizando atentamente cada caso ate os 17 metros quadrados". Jack - Isto significa que havia uma demonstra<,;ao diversa para cada numero? I.k Cole - Se, como Teeteto no caso do conhecimento, ele fornecia um elenco de nllmeros irracionais, come<,;ando pela raiz quadrada de tres, associ'1ndo cad'1 nllmero a um'1 demonstr'1<,;aodiferente. Jack - Agora, se fosse dada a1uma s6 demonstra<,;ao,a me sma que, aplica-da a qualquer nlm1ero, mostrasse se este era ou nao irracional, neste caso a demonstra<,;ao teria sido um criterio geral de irracionalidade. LiFeng - Este e 0 ponto. MasTeeteto faz algo diferente. Ele divide todos os numeros em duas classes, uma que contem os numeros da forma AxA, e outra, os nllmeros da forma AxB, onde A e diferente de B e tanto A como B saG ambos nllmeros inteiros, e ele denomi-na os nllmeros do primeiro tipo de nllmeros quadrados, e os nll-meros do segundo tipo, de nllmeros oblongos. .lack - Al1-ah,e os lados dos quadrados cuja area e dada pelos numeros quadrados ... LiFeng - Ele os chama de "longitudes" ... .lack - ...sao nllmeros racionais, os lados dos quadrados cuja area e dada por Uh1 numero oblongo ... Li Feng - ...que ele chama potencia ... Jack - ...sao nllmeros irracionais.Assim, nesta tel-minologia, os nllmeros irracionais saG classificados como potencias e nao mais enumera-dos um a um. Bastante engenhoso. Leslie - E S6crates quer 0 mesmo para 0 conhecimento? Dr.Cole - Sim. Bruce - Mas 0 conhecimento nao e como os numeros. Dr.Cole - Isso e exatamente 0 que dizTeeteto. Bruce - E tem razao. as nllmeros sao antes simples, transparentes, e nao nmdam. a conhecimento pode ser um tanto complicado, muda continuamente, e pessoas diferentes dizem coisas diferen-tes no merito. Em certo sentido, a diferen<,;a entre os nllmeros e o conhecimento e semelhante aquela que ha entre a fisica basi-ca, onde vigem leis simples e gerais, e a meteorologia, por exem-
  • 18. plo,onde se experimenta ora um artificio, ora outro.Alem disso, o conhecimento nao est{lexatamente ali, a disposi<;ao, ele e feito pelas pessoas, e como uma obra de arte ... David - Quer dizer que 0 ~.s:imento.~ uma ciencia sociaL.. Bruce - Nao uma ciencia social, mas um fenomeno social. Ora, ao que parece, Socrates queria que"tOd--;~os~~~~C;;-do-~onhecimento fossem como a matem{ltica, onde h{l conceitos gerais que com-preendemmuitos casos diferentes, nao obstante os teoremas rela-tivos. Bem, como responde Socrates a Teeteto? David (examinando 0 texto) - Fala demoradamente do ser uma partei-ra - espera ummomento - agora levou Teeteto para onde que-ria, finalmente d{luma defini<;ao:0 conhecimento e percep<;ao! Maureen - E nao h{lnenhuma discussao? David (ainda exmninando) - Nao, Socrates insiste precisamente numa defini<;ao e Teeteto finalmente the d{luma. Arnold - Nao seja demasiado severo com Teeteto, ele tinha apenas dezessete anos na epoca em que supostamente 0 di3JOgO se desenvolveu. Bruce - Nao, estou falando de Socrates. 0 problema nao e discutido, e dado como tacito que 0 conhecimento, todo, nao apenas as suas componentes matem.aticas, e similar a matematica ... Dr. Cole - Nao exatamente. Se algum dia chegarmos ao fim do dialo-go, veremos 0 que estamos deixando sem defini<;ao.Sao propos-tas tre:s defini<;oes, e todas as tres sao refutadas, depois Socrates precisa dirigir-se ao tribunal. Alguns filosofos seguintes inclui-ram Platao entre os cepticos, precisamente pOl' essa razao. Car-neades, um dos llitimos expoentes da escola, foi ele proprio um ceptico. Leslie - Mas 0 Teeteto nao e mais recente em rela<;aoa A Republica? Dr. Cole - Sim,tem razao. Essa e a opiniao geral. EmA Republica a ques-t; lOdo conhecimento humano parece mais ou menos sistematiza-da. No Teeteto apresenta-se de novo confusa e, muito mais tarde, no Timeu, a teoria de A Republica e considerada como ummode- 10 que deve ser verificado, pelo confronto com a forma atual e imperfeita, nao com 0 desenvolvimento, dos seres humanos, da sociedade e do universo inteiro. De modo que aquilo que deve-mos considerar nao e 0 di{llogo singular, mas a seqiiencia inteira. Maureen - No dialogo que estamos lendo nada e sistematizado? If 1>1". Cole - Alguma coisa sim, pOl' exemplo a questao do relativismo. ~ Charles - Refere-se a Protagoras? , 1>1". Cole - Sim. -'k ii, Charles - Mas a coisa come<;amuito mal.Teeteto diz que "0 conhecimen-to e percep<;ao". Socrates replica que "e uma opiniao de Protagoras" e depois 0 cita:"O homem e a medida de todas as coisas, daquelas que sao pOl'que sao, e daquelas que nao sao pOl'que nao sao..." Donald - POl'que voce nao se atem ao texto? Aqui se diz "da existencia das coisas que sao". 1>1". Cole - Lembrem-se, essa e uma tradu<;ao! E,neste caso, 0 tradutor fez uma parafi'ase ... Donald - Uma parifrase? 1>1'. Cole - Bem, nao traduziu palavra pOl' palavra, aquilo que em Ingles teria soado um pouco grosseiro, mas encontrou um modo mais elegante para exprimir a coisa. Muitos tradutores 0 fazem; de tanto em tanto Platao usa longas descri<;oes a fim de representar coisas para as quais alguns tradutores julgam tel' a disposi<;ao um termo mais simples. Mas, com fi-eqiiencia, 0 proprio Platao nao possuia 0 termo justo, de modo que a tradu<;ao,alem de ser preci-samente uma parifrase, resulta ser anacronica. POl' todos esses motivos devemos ser muito precavidos com frases como "Platao disse isto" ou "Platao disse aquilo" ... Chades - Mas Platao nao e muito cauteloso. Protagoras fala do "ho-mem" - suponho que se refira a todo ser humano. 1k (:ole - Sim,em grego e em latim sao palavras diferentes que indicam o ser humano - anthropos em grego, homo em latim - e para indicar um homem - aner em grego e vir em latim. l:h" dc, :- Edl, que 0 'u hum",," e a medkla de toda, " eoi"" pmem, ~ nao dlZ como 0 ser humano mecle - pode ser pela percep<;ao, pocle ser pela intui<;ao e pocle ser pela expel'iencia passiva.
  • 19. Arnold _ Mas temos ainda outras indica~oes. Aristoteles, por exemplo, diz que, segundo Protagoras, a tangente nao toca 0 circulo num ponto, mas, sim,em mais pontos; ao que parece, ele se baseia na percep~ao. Charles _ Bem, qualquer teorico dos quanta diria a mesma coisa, mas nao por causa da sua percep~ao, e, atem disso, veja a pagina 167, onde Socrates permite que Protagoras explique melhor ,suas ideias.Aqui,o Protagoras de Socrates compara 0 professor a um medico. Um medico cura 0 doente, diz ele, usando 0 medicamen-to. O doente sente nao estar em forma e diz corretamente, segun-do Protagotas, que nao esta em forma. 0 medico transforma a ma concli~ao do paciente numa condi~ao melhor - ele nao troca 0 verdadeiro pelo falso, po is que 0 juizo do paciente, sendo a medi-da das coisas, e sempre verdadeiro. Do mesmo modo, diz Prota-goras, os bons retores "procedem de tal maneira que 0 bem de preferencia ao mal possa jungir a cidade" ou, melhor, os habitantes de uma cidade. Ora, Bem e Mal, Justo e Injusto nao SaGtermos reconduziveis a percep~oes sensoriais - a gente julga 0 bem e 0 mal de modo muito diverso, mas os julga, e, portanto, os mede.A seguir Platao da um apanhado do pensamento de Protagoras que contradiz a identifica~ao desse principio da medida com a ideia de que 0 conhecimento seja percep~ao. Transformar Ptot;lgoras num empirista ingenuo e simplesmente calunioso. Leslie - Mas aqui ha 0 exemplo do vento que a um parece frio e a 011tro quente ... Maureen - Bem, pode acontecer que seja so um exemplo. Leslie - E a ideia de que tudo muda continuamente ... Charles - Tambem isso decorre daquilo que Protagoras diz do homem-medida. Ao contrario, "medindo" 0 proprio ambiente, algumas pessoas descobrem que as coisas remanescem sempre iguais e se enfadam ... Maureen - E,no caso, sejam as ciencias um produto humano que desve- 1'1regularidade e repeti~ao. Arnold - E ha outro di;llogo, 0 Protagoras, onde este compara pessoas e recomenda que todos os que violam as leis da cidade sejam, '10 fim, condenados a morte. A cidade "mediu" que a mudan~a exces-siva e malevola, decidindo introduzir leis que garantam algum genero de estabilidade e defender tais leis, justi~ando os transgres-sores recidivos, se necessario. l.t:slie - E um tipo assim e dito relativista? I)1', Cole - Bem,vejam, e preciso ser muito cauteloso com os termos gerais como "relativista","racionalista", "empirista", e assim por diante. Donald - Mas e inteiramente sensato ligar Protagoras a mudan~a. 0 homem e medida, mas 0 homem muda constantemente ... Charles - Nao para mim, que me~o aquilo que sucede em mim e ao meu redor! Naturalmente mudo aqui e ali, pot-em mantenho mui-tas ideias, eu as aperfei~60, encontro para as mesmas ideias argu-menta~ oes melhores ... Amokl - E quem decide? (:harles - Eu, naturalmente, segundo Protagoras. ,lack - Temo que a taretil nao seja mesmo tao simples.Voces estao dizendo que Platao relaciona m-bitrm-iamenteProtagoras com a doutrina da mudan~a, mas vejam aqui 0 exemplo que aparece na pagina 154... Donald - A questao dos dados? ,lack - Sim. Donald - Justo aquilo que nao compreendi em absoluto. ,luck - Compreender;l se voce a abordar tendo em mente certos pressu-postos. Aqui estao seis dados - que SaGmais do que quatro e menos do que doze. Do seis, nao haviamos tirado nada, 0 seis per- 111aneCe0 nlesnlO, e, no entanto, tornou-se menos. Donald - E banal: "maior" e "menor" SaGrela~oes. ,Iud: - Aha!Agora 0 que temos SaGcoisas estaveis, seis dados aqui, quatro dados ali e doze acola, entre os quais intercorrem rela~oes diver-sas. Ora, tambem a doutrina protagorica da medida introduz uma rela~ao entre aquilo que existe e a atividade da mensura~ao. Mas aqui nao temos entidades estaveis entre as quais intercorrem rela- ~oes, a situa~ao se apresenta em tudo de Olltro modo - tudo 0 QUEE e constituido par rela~oes: a mensura~ao faz com que assim • SEJA,Dai, penso que tudo quanta Socrates diz na pagina 153d 3 e
  • 20. seguintes seja totalmente apropriado. No tocante a vista, nao se pocle dizer que a cor que voce ve ESTA nos seus olhos, nem que ela ESTA fora, ou, pOl' essa razao, nem que est;l em qualquer outra parte; cumpre dizer que isso e a sua coloca<,,:ao sao experimenta-dos durante 0 processo da percep<,,:ao - sao parte de um bloco indivisivel que une aquilo que e com aquilo que e percebido. Li Feng - A correla<,,:ao de Einstein-Podolsky-Rosenl4 Donald - 0 que e isso? Li Feng _ E precisamente aquilo que a teoria quantica diz do processo de medida.Tratava-se de um experimento imaginario que foi intro-duzido pOl' Einstein e seus colaboradores para provar, tal como Platao queria provar, que as coisas tem propriedades definidas antes mesmo de serem medidas. Imagine-se uma situa<,,:aoespecial na qual ocorrem duas particulas das quais conhecemos a soma de suas quantidades de movimento e a diferen<,,:ade suas posi<,,:6es... Donald _ Nao entendo uma palavra - 0 que tem isso a vel' com Platao? Charles - Bem, depende do modo como voce quer discutir um filosofo. Voce quer vel' somente como ele trata os adversarios, dado 0 conhecimento de seu tempo, ou quer s,lber em que medida suas ideias tem correla<,,:ao com uma epoca subseqiiente? A primeira aproxima<,,:ao e muito interessante, mas penso que a segunda seja ainda mais. Antes de tuclo, uma argumenta<,,:ao e como uma bata- 4. 0 anigo "Can Quantum Mechanical Description of physical Reality be Considered Complete", publicado no Physical Review de maio de 1935, conhecido tambem como Paradoxo de E. P. R. oU "E. P. R. paper", que Einstein escreveu com Boris Podolsky e Nathan Rosen, dirigia-se diretamente contra a interpreta<;ao cia Mecanica Quantica aclotacla por Niels Bohr et altri, da chamacla Escola cle Copenhague, e clizia respeito it clescri<;ao completa de um sistema tlsico ou de uma situa<;ao real. Para 0 grupo do fisi-co dinamarques, as propriedades intrinsecas clas particulas apresentam val ores proba-bilisticos e sua determina<;ao s6 ocorre ap6s a intera<;ao entre elas, n;O corresponden-do, pois, tais propriedades a dados cle realiclacle. Usando um experirnento mental, Einstein e seus colaboraclores provaram que a visao de Bohr era incompleta, uma vez que deve sempre existir urna realidacle tlsica corresponclente a urna quanticlacle fisica, inclepenclente de qualquer perturb:u;ao ou intera<;ao.A despeito cia imediata replica cle Bohr e das considera<;6es sobre sistemas isolaclos ou nao clo postulaclo cia cornplemen-tariclacle, clas perturba<;6es nao-locais, etc ..., eo problema da causaliclacle e da indeter-mina<; ao que est: subjacente a essa controversia, a qual continua em nossos clias na pauta da cliscussao sabre os fundamentos cia tlsica. Iha. Uma das cluas partes e clerrotada - cladas as armas da epoca. Mas as armas muclam constantemente.Aprenclemos coisas novas, a nossa matematica torna-se mais complicada, pOl' um lado, porem mais simples, pOl' outro - 0 que requer paginas e paginas de demonstra<,,:oes, antes que possa ser tratado numa linha ou duas - modifica a nossa instrumenta<,,:ao experimental, e assim pOl' clian-te. POl'tanto, uma ideia derrotada hoje, pocle ser uma ideia que amanha se revelara como justa - pense ha ideia cle que a Terra esta em movimento. Dai, e muito interessante que Platao, em sua ,. tentativa cle refutal' Protagoras, procluza uma teoria cla percep<,,:ao que clemonstra, '10 menos para nos, em que medida Protagoras havia antecipado uma teoria do seculo xx. Donalcl - Mas qual e essa teoria do seculo? 1.1 Jiang - Bem, e um pouco clificil de explicar - YOUtent'll'. Sem cllivida faz senticlo falar clas rela<,,:oescle incletermina<,,:ao. Leslie - Sim, Hasenberg. 1.1 Feng - Heisenberg. Bem, para exprimir-se de maneira simples, tais rela<,,:6es clizem que nao se pode conhecer seja a posi<,,:ao seja a quantidacle de movimento ... Donalcl - 0 que e essa quantidade de movimento? LI Feng - Alguma coisa semelhante ;l velociclacle - pense nela simples-mente como velociclacle. Seja como for, nao se pode conhecer com absoluta precisao quer a posi<,,:aoquer a quanticlacle de movi-mento de uma particula. Se se conhece muito bem uma delas, a antra torna-se mais vaga, e vice-versa. Portanto, e possivel interpre-t'll' tais rela<,,:oes de v;lrios moclos. POl' exemplo, pode-se dizer: a particula esta sempre numa localiza<,,:aoprecisa e tem uma veloci-clade precisa, mas nao se pode conhecer ambas '10 mesmo tempo, pOl'que qualquer mensura<,,:ao efetuacla numa moclifica aquilo que se pocleria saber da outra, Al'Ilokl - Entao, se conhe<,,:omuito bem a posi<,,:aode uma particula e pro- Ljr' lii cmuernotomedcalirpos,u;a,avoe'lociclade, essa tentativa anulara 0 meu conheci- II,,," - Ii po"',,l dim '''0 ~i:'"
  • 21. Leslie - Estranho! Li Feng - Ora, h{tuma outra interpretac;;to das relac;6es de indetermina-c; ao.Ela afirma que a propria particula, e nao 0 conhecimento que dela temos, torna-se indefinida. POl' exemplo, se com algum expe-diente se consegue determinar sua quantidade de movimento com absoluta precisao, entao n;to se sabe nada de sua localizac;ao, mas e imediato que nao exista mais nada que se assemelhe a uma posic;ao. Donald - Entao nao e uma particula. Li Feng - Pode-se dizer assim. E aquilo que ha pouco falei da posic;ao e da quantidade de movimento aplica-se a muitos outros pares de grandezas fisicas, pOl' exemplo, as componentes x e y do momen-to angular de uma particula. Um par de grandezas que nao pode ser determinado em conjunto e dito par de grandezas complemen-tares. A posic;ao e a quantidade de movimento saGcomplementares nesse sentido, ou, antes, qualquer componente da posic;ao numa certa direc;ao e complemental' a componente da quantidade de movimento na mesma direc;ao. Ora, Einstein e seus colaboradores construiran1 Ull1caso ... Charles - Um experimento imagin{trio? Li Feng - Sim, era um experimento imaginario quando Einstein 0 introdu-ziu pela primeira vez - que depois se tornou um experimento real. Bem, Einstein construiu um caso especial pOl' cujo intermedio pro-curou demonstrar que a propria teoria qU;l11tica, tomada em conjun-to com assuntos triviais, implica que as grandezas complementares tem valores simult;l11eosprecisos. Estou procurando explicar a argu-mentac; ao, mas me interrompam caso nao compreendam. Leslie - Nao se preocupe, nos 0 faremos com certeza. Li Feng - Einstein toma duas particulas, ReS, e presume que se conhe-c; atanto sua distfmcia quanta a soma de suas quantidades de movi-mento. Donald - Mas nao podemos saber ao mesmo tempo a localizac;ao e a velocidade - voce 0 disse h{tpouco! Li Feng - Tem absoluta razao. Mas podemos conhecer certas combina-c; 6es das duas, por exemplo, a difereru;:ade posic;ao das duas par-ticulas, que e, pois, sua dist;mcia, e a soma de suas quantidades de movimento - trata-se de dois valores que podemos conhecer com absoluta precisao. Li Feng - Bem, tome como valido 0 fato de que conseguimos isso, de outro modo nao poderemos ir para a frente. Ora, suponhamos que R se encontre perto de nos e que S se mova tao longe que nao esteja mais interessado de nenhum modo com 0 que fizermos nas vizinhanc;as de R. Ora, mec;amos a posic;ao de R, coisa que poc!e-mos fazer com absoluta precisao. Bl'uce - Nenhuma medida goza de uma precisao absoluta - ha sempre uma margen1 de erro. I.i Feng - Lembre-se que este e um experimento imaginario concernen-te a teoria quantica! Aqui, "precisao absoluta" significa que nenhu-ma lei da teoria quantica e contradita quando se consegue tal pre-cisao. POl'isso medimos a posic;ao de R - conhecemos a distancia de ReS e podemos inferir nao so a posic;ao de Sapos a men sura-c; ao, mas tambem sua posic;ao imediatmnente antes da men-surac; ao, pOl'que S esta de tal modo distante que a realizac;ao de uma medida sobre R nao pode exercer nenhuma influencia. E,para a mesma regiao, podemos ainda dizer que Stem sempre uma posi- (:ao bem definida, quer a mensuremos ou nao, pOl'que seria possi-vel efetuar a mensurac;ao em qualquer momento. 0 mesmo argu-mento aplicado a velocidade diz aqui que S sempre teve uma quantidade de movil1wnto bem definida - de modo que sem-pre houve uma posic;ao e uma quantidade de movimento bem defi-nidas, contrariamente a segunda interpretac;ao das relac;6es de indeterminac;ao que forneci h{tpouco. JIIl'I< - Bem, obviamente deve-se pOl' de lado aquela interpretac;ao. Ll Jlt:ng - Mas nao podemos faze-Io! Ela foi introduzida pOl' um motivo preciso. E a (mica interpretac;ao em condic;6es de conciliar resul-tados experimentaisaparentemente conflitantes. LeNllt· - Entao devemos simples mente dizer que uma mensurac;ao inte-ressa a um objeto, mesmo que esteja muito distante ...
  • 22. Charles _ 0 que e muito semelhante ao exemplo dos dados - as coisas mudam, embora nada seja adicionado e nada seja retirado ... Li Feng _ A menos que se fac;:aaquilo que se fez l;l - declarar que a posic;:ao e a quantidade de movimento sao relac;:oes,nao proprie-dades inerentes as particulas, e nao simples relac;:oesentre coisas que tem propriedades est;lveis independentemente das relac;:oes, mas relac;:oes entre coisas cujas propriedades sao, em parte, cons-tituidas pOl' uma interac;:ao - exatamente como na teoria da visao desenvolvida pOl' Platao e pOl' ele atribuida a Protagoras. Penso que isso seja muito interessante, porquanto demonstra que as argumentac;:oes de Platao contra Protagoras podem ser volta-das tambem contra a mednica quantica que, seja como for, esta bem consolidada. Donald _ Bem, eu n~lOtenho, com certeza, a menor ideia daquilo que voce esta dizendo! Mas li 0 dialogo e Socrates apresenta refuta-coes muito claras da ideia que voce conecta a mednica quantica. 1" / lromemos uma, somente: a tese diz que "0 conhecilnento e per- ~ !cepc;:ao". Ora, eu olho para voce, eu 0 percebo e sei que voce e ~ivoce. Fecho os olhos e sei ainda que voce .e ~oce, embora eu n~o I 0 perceba mais. "Assim, pOl'tanto - conclUl Socrates - a asserc;:ao I ~. / .• de que 0 conhecimento e a percepc;:ao consutuem uma so COlS,l implica manifesta impossibilidade" .Agora, 0 que diz disso? David (excitado) - Que voce nao leu 0 suficiente.Va adiante algumas linhas! Donald - Ate aonde? David _ Ate depois da linha que voce acabou de citar! 0 que diz ela? Donald (Ie) _ "Aqui nos afastamos do argumento sem tel' conquistado a vitoria e cantamos como um galo que nao serve para nada" .Nao compreendo. Bruce _ E muito simples.Ele diz que as argumentac;:oes apresentadas ate aqui sao apenas uma mistificac;:ao. Donald _ POl'que iria fazer uma coisa desse genero? Primeiro construi-ria uma certa quantidade de contra-argumentac;:oes - de fato, esta nao e a {mica - para depois dizer que nao tem nenhum valor? Dr. Cole - POl'que assim faziam os sofistas, e ele que ria expor 0 seu modo de argument'll'. Donald - Isto e, mediante 0 usa do contra-exemplo? Dr. Cole - Exatamente. Donald - Mas nao e isso que se bz na ciencia, sugerir hipoteses e usar contra-exemplos para falsificar? ,Jack - Depende! Peguem a afirmac;:ao "todos os corvos sao negros". Como e refutada? Donald - POl'um corvo branco. ,Jack - Eu imagino um corvo branco. Donald - Nao, pOl'um corvo branco de verdade. ,Jack - Eu pinto um corvo branco. Donald - Obviamente nao um corvo pintado. Jack - E exatamente 0 que diz Socrates. Fechando os olhos, ainda conhe-cemos, mas nao percebemos mais; da! pOl' que a consciencia nao pode ser percepc;:ao - esta era a argumentac;:ao. Olhando um corvo pintado, vemos que e mn corvo, mas que nao e negro, de modo que nem todos os corvos sao negros. Qual e 0 erro? Fomos guiados pelo acordo ou pelo desacordo entre palavras. No caso dos corvos nao e suficiente descobrir que ha um corvo corretamente descrito 'Pela palavra "branco", devemos tambem saber que genero de brancura queremos - e isso nao e uma coisa simples (suponhamos que um grupo de COl'VOSperca a cor pOl' causa de uma molestia - como consideraremos tal evento?). No caso do conhecimento, nao basta descobrir que ha um conhecimento nao-perceptivo, devemos deci-dir que genero de nao-percepc;:ao queremos. Ora, um filosofo que iclentifica 0 conhecimento com a percepc;:ao (e e cluvicloso que Protagoras 0 tenha feito) pocle tel' uma noc;:aocle percepc;:ao muito mais sofisticada, e entao precisara aprofunclar-se um pouco mais na teoria. POl'exemplo, muito provavelmente de nao presumir,'t que a memoria (entendicla em senticlo simples) e a percepc;:ao sejam pouco mais ou menos a mesma coisa, visto que de tera Ulilllteoria da memoria tanto mais complicacla quanta a teoria cla percepc;:ao que aqui, Li Feng, ha pouco, associou a teoria quantica.
  • 23. f . ? Donald _ Isso signit1ca que a falsificac.,:aonao unClona. Charles _ Oh, n:w, funciona, mas e um processo sobretudo comple~o. Os simples contra-exemplos na~o s~ao sufi1Cientes - podem ser tao qm-mericos quanto os COl"VOpSintados e, notem, trata-se de uma ql~es-tao conceitual! Nao estamoS falando das observac.,:oes,mas do t~p~ de entidades que lhes sao conexas; estamos falando de meta~s1ca. Qualquer boa refutac.,:aoimplica juizos metafisi~os! SOCl-at~sd1~que unla teona. nova conlb1"1'nr,:1',lScoisas de mane1ra nova, da1por qude' a refutac.,::woperada por uma comparac.,:aoque usa palavl-as,~on 1- zentes com 0 velho ordenamento e uma critica desleal. A cnt1c~ de Einstein, Podolsky e Rosen era desleal, precisamente nesse sent1do. Donald (desalentado) - Entao devemos recomec.,:artudo desde 0 inicio. D " C I _ Acho que sim (olhando para 0 re16gio). - Mas penso que L 0 e ~ resta devemos proceder um pouco mais velozmente, ~lao no.s . nll1.1tote1upo,. e 1la, proxinn ' vez eu gostaria de cont1l1uar d1scut1l1- do a respeito de John Searle. POl"tanto,permitam que eu enumere a segun da se'"n'e de critiC'1Slevantadas por Socrates ... Donald _ E essas criticas sao verdadeiras, nao sao criticas fingidas? Dr. Cole _ Sao verdadeiras. A primeira critica diz respeito ao futuro" Maureen _ Mas aquela, a segunda, vem muito depois. D Cole _ Bem eu l)reflro trata-la agora, pOl'que e uma questao muito r, , '" 178 . sim )les. Siga1uate 0 fim da pagina 177 e adiante, ate a pa~1l1~ . SegIundo Protagoras, as boas le1.;s- sao aque h,s que a nla,lOna dos cidacl:w reputa como tal. Mas os cidadaos pensam tambem q~e ~~ boas leis sao aquelas que fazem a cidade prosperar - que e, ah- . 1 0 motivo l)elo qual elas foram introcluzidas. Ora, 0 que aconte-n, l , " 'd . l)or ce quanco1 aS leis que pareciam boas aos leg1sla ores, .e que isso eram boas para eles, resu1tam ser a ruina da cidade? Lesh.e - tece quando leis objetivamente acabam resultando 0 que acon ' na ruina da ciclade? Donald - 0 que pretende dizer? L 1 · _ Bem e obvio que Platao tinha em mente alguma alternativa. Ele es 1e , , 1 A' seJ'am 't ca Protagoras pOl"que acredita que as ideias p atOl11cas ., ,1a , , . 1" 1 tonicas melhores do que as opinioes protagoricas" Mas,as 1Ce1asp a , defrontam-se exatamente com 0 mesmo problema. Sao verdadeiras, objetivamente vatidas, para empregar essa palavra que sempre salta fora quando alguem quer reprimir os outros, mas nao quer assumir a responsabilidade pessoalmente - e 0 resultado e lun desastre. Dr. Cole - Bem, suponhamos que tenha razao. 0 proprio Platao deve enfrentar um problema, mas nao e tambem um problema para Protagoras? .Jack - Nao acho. Ha alguns anos a gente dizia:"Estas leis parecem boas pOl"quesao boas para nos". Agora dizemos:"Estas leis parecem mas pOl"quesao mas para nos". Nao existe nenhuma contradic.,:ao,exata-mente como nao existe nenhuma contradic.,:aose eu, na terc.,:a-feira, digo: "Sinto-me bem e por isso estou em forma", e na quarta-feira: "Sinto-me mal e por isso nao estou em forma". Arnold - Mas se as coisas sao assim, vejo um outro problema, bastante diferente. Como sed possivel instaurar um debate? Para instaurar um debate, A deve estar em condic.,:oesde dizer qualquer coisa que contradiga aquilo que diz B.Isto significa que tudo quanto dizem A e B deve ser indepenclente do estado mental de cada um deles. ,101ek - N:lO,para instaurar um debate e suficiente que tudo quanta diz B se afigure aA diverso daquilo que ele diz.Ademais, essa condic.,:ao e tambem necess{lria; se A e B se contradizem "objetivamente", mas nao se dao conta, entao nao havera debate. As ideias platoni-cas devem deixar urn trac.,:ono munclo em que vivenl0s, mas uma vez que 0 tenham deixado podemos continuar sem elas. MOilireen- Mas, se isso e aquilo que penso, como pocle conseguir con-vencer uma pessoa e por que voce quereria persuadir alguem? ,IlICk- Julgo que Protagoras fornec.,:aa resposta quando compara 0 retor a urn medico, mas a um medico que usa como remedio palavras em vez de pilulas. Um filosofo encontra uma pessoa que, segundo ele, precisa ser melhorada. Aproxima-se cla pessoa e the fala. Se realiza bem seu trabalho, 0 papo funciona como urn remedio e moditlca quer as ideias, quer a atitude geral da pessoa que parecia transviada. MlIlIl"ccn- Mas essa llltima frase, isto e, "0 papo funciona como um remedio", e alguma coisa que e, mas que nao parece a ninguem ser.
  • 24. Jack - Oh, naol Se 0 filosofo realiza bem seu trabalho, entao pareceri tanto a ele quanto a seu paciente que 0 remedio funcionou, e pareceri tambem assim a um sociologo que indague sobre 0 fato _ muito embora ninguem tivesse necessidade dele, visto que 0 filosofo e seu discipulo podem alcanc;:ar 0 acordo sem tais infor-mac;: oesadicionais. Maureen - Quer dizer que 0 criterio llitimo e a sensac;:aode bem-estar que ambos experimentam? Bruce _ Bem, nao sedl isso, talvez, verdade com respeito a todos os debates teoricos? Voce tem alguma teoria altamente abstrata, a saber, Hegel na filosofia ou a supergravidade na fisica.As pessoas nao falam.Voce observa a conversac;:ao a dist;l11cia.Voce nao com-preende uma palavra, mas ve que as coisas transcorrem tranqiiila-mente - as pessoas nao estao de acordo, mas parecem saber 0 que fazem. Parece-lhe que sabem sobre 0 que estao falando, embo-ra para voce seja completamente ininteligivel. Ora, objetivo ou nao,o criterio de compreensao que usam na vida pritica em ma-teria altamente abstrata consiste no fato de que 0 assunto to do se abre diante de voce, e que voce e capaz de mergulhar nele sem encontrar resistencia. Jack _ Pode-se dizer a mesma coisa a proposito da teoria fisica. Hi a teo-ria e hi os experimentos ... Li Feng - Todas essas coisas podem ser feitas pelo computador ... Jack - Sim, e verdade, mas a pergunta e - pOl' que temos todo esse ins-trumental? - e aqui entram em jogo os jUizos pessoais ... Li Feng - Sim, na periferia ... Jack _ N;lOimporta aonde chegam - SaGdecisivos! Se os cientistas, de repente, se aborrecessem daquilo que estao fazendo, ou se come-c;: assema tel' alucinac;:oes cada qual a seu modo, ou se 0 ptlblico em geral se convertesse ao misticismo, entao a ciencia ruiria como um castelo de cartas. Ora, os juizos pessoais que sustentam a fisica SaGfreqiientemente tao ocultos e tao automiticos que, na aparencia, tudo e cileulo e experimentac;:ao. De fato, eu diria que e exatamente esta falta de reflexao que cria a impressao da objeti-vidade! Aquilo que permanece implicito e uma forma de juizo pessoal, ou uma faIta de juizo. Creio que existe tambem um livro de um fisico ... Arthur - Um fisico-quimico - Michael Polanyi; voce esti falando do livro que ele escreveu sobre 0 Conhecimento Pessoal ... Maureen - Estou muito preocupada com esta conversa. Qualquer que seja a coisa, ela parece reduzir-se a impressoes que as pessoas comunicam. Mas, entao, nao tenho que me haver com ninguem mais alem de mim mesma. Arnold - Voce se refere ao solipsismo, a ideia de que existe somente voce e que todo 0 resto e apenas uma parte variegada de sua per-sonalidade? Maureen - Sim,mas provavelmente a inteira verdade nao se reduz a isso. kslie - Esti segura? .Jack - Seja como for, Protigoras nao diria isso. Ele diria, estendendo a mao, que e sua mao, que sua mao e diferente da ideia de mao, e que ambas SaGdiferentes da pessoa em frente da qual ele se encontra. Mas acrescentaria que sabe de tudo isso grac;:asa experiencia pes-soal, sem tel' Olltra fonte. De fato, mesmo que diga: "Eu Ii isso num Iivro", ele se baseia ainda na sua impressao do livro, e assim pOl' diante. Ma ureen - Mas isso nao significa, talvez, que ele conhece apenas a exte-rioridade das pessoas - mas somente aquilo que delas 0 toca ... Gaelano - Bem, permita-me inverter a situac;:ao!Voce jamais conheceu algo alem da exterioridade das pessoas? Deixe que eu Ihe fac;:a algumas perguntas. Chegou a vel', alguma vez, um seu amigo de perto ou de longe, sem que voce percebesse que era exatamente seu amigo? MUlIl'ccn - Sim, cheguei e foi muito desconcertante. Uma vez vi um bom amigo meu em pe numa livraria, a uma certa distancia de mim e pensei: "Que aspecto desagradivel tem aquela pessoa!" - Depois 0 reconheci. CSIlt'lallo - Eo que aconteceu? Mlllll'('t'n - Bem, e uma pessoa muito doce, e assim me pareceu quando o reconheci.
  • 25. Gaetano - E 0 que me diz da outra impressao? Maureen - Foi apenas urn acidente. Gaetano - Por que durou pouquissimo tempo? Maureen - Sim. Gaetano - Evoce est~lcerta que outros jamais 0 tenha visto desse modo? Maureen - Bem, de fate nao sei; foi uma experiencia muito perturbadora! Gaetano - Mas essa experiencia, e aquela outra, e as suas lembran<;,:as nao representam tudo 0 que ha? Maureen - Sim. Gaetano - E adquirir conhecimento significa criar uma especie de ordem nesse conjunto ... Dr. Cole - Pen so que seria melhor voltar ao di~llogo,visto que algumas das perguntas de voces podem encontrar uma resposta l~l.Pen so que Platao cliria que nem sempre a gente est~lem condi<;,:oescle criar 0 justo tipo de orclem - para isso e preciso um perito. Este eo ponto principal. Nem toclos conseguem julgai"- 0 especialis-ta sim. Por exemplo (ze) "0 cozinheiro ser~lum juiz melhor clo hos-pecle que nao e cozinheiro sobre 0 prazer que ter~l cia ceia que esta senclo preparacla ..:' Davicl - Bern, nao cleve ter visitado muitos restaurantes! Ontem comi num restaurante frances, os criticos 0 haviam elogiado, alguns cozinheiros cle outros restaurantes tambem, era recomenclaclo ate pelo Time Magazine, e 0 que sucecleu? Eu quase vomitei! Charles - Precisamente! E os especialistas sao, talvez, melhores "em si mesmos"? N~lo,sao melhor trataclos e melhor pagos pOl"que mui-tissima gente cre naquilo que eles clizem e pOl"quea muita gente parece born ter urn especialista que the diga 0 que fazer. Leslie - Bern, ao que parece, as criticas "verazes" nao sao, afinal, tao melhores que as simulaclas. Dr. Cole - Esperem urn minuto - nao haviamos terminaclo aincla! Concordo que algumas coisas sustentaclas por Socrates nao sao nluito convincentes - mas ha, no caso, tanlbem, outros argumen-tos! Por exemplo, Socrates argument a que 0 principio de Prota-goras se auto-refuta. Fantasia Platonica © 53 Jack - Com 0 que ter~lvida dura! Socrates define como "primorosa" essa a1~gl~me~nt~1<;,:aoe,mu aesnxergo ai apenas urn ingenue 10gro.Vejam so. A pag111a170, cita Protagoras, pOl"que quer refuta-lo com as proprias palavras dele. Cita-o quanclo diz que, para um homem as COis,~ssao como the aparecem5. E, notem, ele nao diz que as ~Oi-sas sac como aparecem ao homem, mas que, para ele, sao como lhe aparecem. 1)1-C. ole - Sim, Prot~lgoras diz isso. Jack - Ora, se entenclo corretamente 0 raciocinio, ele salienta que mui-tas pessoas nao compartilham cle tal convic<;,:ao.Nao clizem, com efeito, "as coisas para mim sac como me aparecem", nao se preocu-pam com aquilo que lhes aparece, na maioria das vezes, nao tern uma opiniao propria, seguem precisamente a cle urn especialista. Davicl - Bern, a eles parece que os especialistas possuem a verclacle. Jack - Nao e esse 0 ponto que me interessa. Diante cia maxima cle Protagoras, a maior parte das pessoas alegm"ia,segundo Socrates, nao ser medicla, e os proprios peritos cliriam "nos, sim, e que sabemos aquilo que clissemos, e ninguem mais". Nao e 0 que clizSocrates? I)r. Cole - Nao com essas palavras, mas 0 senticlo e esse. .lack - E depois, perto clo fim, Socrates cliz que isso significa que 0 mesmo Prot~lgoras, com base em seu proprio principio, cleve aclmitir que seu principio e falso - notem, nao falso para essas pessoas, ou falso para esses especialistas, como cleveria clizer,aten-clo- se a enuncia<;,:aodo principio,mas simplesmentefalso.Bem-repito- o - isso nao e uma argumenta<;,:ao,e urn logro. Sddenb~rg - Nao pode ser a interpreta<;,:aojusta! Nao digo que Platao nao usa nunca algum truque, mas se quisesse embrulhar-nos ~o~o voces americanos dizem, nao 0 teria feito de modo quas~ 111genu~.Vejam! Quando introduz pela primeira vez 0 principio de Protagoras, toma 0 cuidado de juntar "para ele" tambem no exemplo que fornece: 0 vento e frio para ele que sente frio, mas S,icrat~~,pergunta a Teeteto, em 152 b: "Esse aparecer nao e a mesma coisa que ser per- (·('hlda. , ao que seu interlocutor responde: "Exatamente".
  • 26. nao para ele que sente calor ... e assim pOl' diante. 0 mesmo vale para 0 trecho que 'estamos ora discutindo. Ele come<;:adizendo que, como as coisas aparecem para um, assim sao para ele. Dai, se deixa cair a expressao "para ele", deve tel' uma razao para faze-Io. Jack - Gostaria de saber qual e. Seidenberg. _ Bem, YOUexperimentar. (Voltando-se para jack) Nao tenho seu preparo 16gico e pode suceder que eu cometa erros, mas YOUexperimental'. Entao, Protagoras diz: "As coisas para um homem sao como the aparecem" ou, com uma simples troca," Para um homem e verdade aquilo que the aparece". Ou ainda, "Aquilo que para um homem patTCe nao ser nao e verdadeiro para aquele homem" .De acordo? Jack - Sim, continue. Seidenberg _ Podemos dizer de outro modo, tomando as duas coisas em conjunto, que Prot;lgoras enuncia a equivaWncia de "Ax pare-ce que p" e "E verdade para x que P" .Tenho razao ate aqui? Dr. Cole - Direi que sim. Seidenberg _ Agora, quero imitar seus logic os (voltado para jack) - denomino essa equivalencia P. Suponhamos agora que alguem negue P.Socrates, pOl' exemplo. Jack _ Bem, entao a ele parece que nao-P e, pOl' isso, para ele e nao-p'de acordo com 0 principio. Seidenberg _ Pode acontecer. PocIe acontecer que ele diga nao-P segun-do 0 principio, mas dizendo-o, nao importa segundo qual princi-pio, ele nega 0 principio. Aten<;:ao,ele nao 0 nega universalmente. Ele nao diz "Para mim P nao e jamais verdadeiro" ou "Para todas as proposi<;:oesp e para todas as pessoas x e falso pot'que se a x pare-ce que p, entao p e verdadeiro para x" - ele diz simplesmente "Para mim P' e falso" ,0 que significa que para ele ha algumas pro-posi<;: oes para as quais a aparencia de serem verdadeiras para uma pessoa nao as tornam verdadeiras para aquela pessoa. Socrates certamente nao queria negar P para as asser<;:oessenso-riais _ nesse caso, parecer verdadeiro e, de fato, ser verdadeiro, e ele mesmo 0 diz. Jack - E entao? Seidenberg - Bem, segundo Protagoras, para uma pessoa as coisas sao com~ ll~e aparecem. Assim, de acordo com Prot;lgoras, algumas aparenClas (para Socrates) diferem das correspondentes verdades (para Socrates). E entao, segundo Protagoras, P nao e verdadeiro - pat'.a ele, para Protagoras mesmo. 0 (mico modo de sail' do aperto S~~ta0 de negar que duas pessoas possam jamais tel' uma so opi-mao sobre ~ proprio enunciado, mas nesse caso, 0 seu principio, que se sup~e v:ler para toda proposi<;:ao sustentada pOl' qualquer pessoa e nao so para as proposi<;:oes sustentadas pOl' Protagoras, cessa _det~r signifIcado. Portanto, e verdade que Platao exprime a questao dtzendo que 0 principio e falso - ponto e basta' mas ele pocle faze-Io,de fato, uma vez que "verdadeiro para"ficou ~eparado de "parece a", e nao existem razoes ulteriores para conservar 0 "para", pot'que havia sido introduzido somente pOl' analogia com o aparecer. De modo que, para mim, a argumenta<;:ao e efetivamen-te decisiva. Bruce - ~em, eu nao estou tao convencido. Nao digo que sua interpre-ta<;: aodo argumento nao seja con'eta, mas todos os dois - ele e Platao.-~r~correm a um pressuposto relevante. Suponham que um pnnCtplO, ou um procedimento, deva ser abandonado quan-do, aplicado a si mesmo, conduz a um absurdo ou a uma contradi- <;:ao.Trata-sede um pressuposto muito discutivel.Tanto assim que, P:l1'~l come<;:ar,pode ser que Protagoras nao quisesse usar seu prin- CtplOdesse modo. Dr. Cole - Nao estou seguro disso. Protagoras era um sofista, e os sofis-tas eram mestres na constru<;:ao de argumenta<;:oes insidiosas. Charles - Entao separemos 0 principio de Protagoras da interpreta<;ao que ele the da. 0 que podemos fazer com esse principio? A refuta- <;:aoque ha pouco ouvimos deve ser aceita? Bruce - Nao, pot'que nao e necessario aceitar a regra segundo a qual um principio cuja auto-aplica<;:ao cria dificuldades deva ser abandona-do. Vejam 0 enunciado no espa<;:oabaixo:
  • 27. Lendo 0 enunciado, posso inferir que e verdadeiro, e se e verdadei- 1'0,entao e falso, e se e falso, entao e verdadeiro - e assim pOl'dian-te. Trata-se, ainda, do velho paradoxo do mentiroso tal qual.Alguns concluiram que a auto-referencia e evitada; um enunciado nao deve jCl111Clis falar de si mesmo. POl'exemplo, nao devo nunca pro-ferir um enunciado como "Estou falando humildemente". POl'que? POl'que se presume que todos os possiveis enunciados de uma lin-guagem j{lforam pronunciados e existem como sistema abstrato. Naturalmente, introduzir a auto-referencia em tal sistema cria difi-culdades. Mas as linguas de que falamos nao se identificam com tais sistemas. E seus enunciados nao existem ja, SaGproduzidos um a um quando falamos, e as regras da linguagem tomam forma, con-seqiientemente. Suponhamos que eu diga: "Amelancolia rosa tre-pava sobre a colina". Tem sentido? Num sistema tidnico no qual se presume que os nomes das cores sejam atribuidos somente aos objetos materiais, nao. Todavia, e possivel introduzir uma nova mocla poetica, posso emitir essa assen;:ao para comunicar 0 estado de animo de um sonho ao meu psiquiatra - e e muito provavel que ele compreenda aquilo que quero exprimir - posso dize-lo a uma estudante de canto para ajud{l-laa impostar a voz - e, creiam-me, os maestros de canto usam realmente asser<;:oesdesse tipo, e com grande exito! E, em cada um desses casos, nao seguimos somente as regras, mas as constituimos e as modificamos com 0 nossO modo de pro ceder. Gaetano _ Isso e muito interessante. Estou estudando agora a teoria da harmonia e da composi<;:ao.Bem, aqui SaGos professores que for-rnulam regras, fornecem a seu prop6sito algumas razoes abstratas e insistem para que todo mundo siga essas regras. Dando uma olhada na hist6ria, encontram um saco de exce<;:oespOl'quanto os compositores violam constanteluente as regras. 0 que fazem esses professores? Ou criticam os compositores, ou tornam as regras cada vez mais complicadas.Walter Piston, em sua teoria da harmonia, procede de um modo diverso. Nao desmentirei jamais uma das frases com que exprime sua atitude. "Amllsica - diz ele _ e 0 resultado da composi<;:ao e nao da aplica<;:ao de regras". Ora, sabe-se que a linguagem e 0 produto do discurso e nao da Fantasia Plat6nica © 57 aplica<;:ao de regras; pOl' isso nao se pode julgar uma linguagem c~m b~se naquilo que acontece quando congelamos uma parte e a msenmos num computador. Arthur -- Ddesejbaria acre_scentar que a ciencia e 0 resultado da pesq U.lsa, n~o a 0 serva<;:aode regras, e pOl' isso nao se pode julgar a cien- tCl.a com base_ em abstratas regras epistemol6gicas ' a men os que alS re.gras nao sejam 0 resultado de uma prtiticCl epistemol6gica especlal e constantemente mutante. Jack - E,en_tao, p.ara que fins servem as demonstraro."es conlO a denlons-tra<;: aoda mcompletitude de GodeP6 0 d - • • A • U a emonstra<;:ao mais slmples da mcoerencia do caleulo proposicional? Gaetan,o ~ Eu estava pensando nisso. Essa demonstra<;:ao nao diz respeito as lmguagens faladas, pOl' exemplo, nao se refere as linguagens que enlpre,gam os.'nu/meros mas a suas reconst' ru<;-:o"es10l'mal.S, e ela mostra que tars reconstru<;:oes SaGlimita,das de uma manelr.a preci-sa. Se a g/ente_r.esolve ater-se a certas regr'as' nao I.mportanc 10 0 que suceda, e entao mevitavel incorrer em toda sorte de obstaculos. Bruce - E. SS"'lSSaGex ce Ientes 1'1ustra<;:-oes daquilo que eu queria dizer' Ap,hcando . a p/.ostura de um compositor ou de quem faIa uma lm/ -. glU ao pnnclplO de Protagoras , seriamos Ievad'os a consld. era-/lo como um~ regra empirica cujo significado emerge do usa e nao e es_tabelfecldo de antemao. Os arg.umentos de So/cra tes, 1)01'l.SS0 nao re utalU ore'I atl.vl.smo. Ref.utam a versao pI tA ' • d .. c a omca 0 relatlvls-mo" onde as asser<;:oes;n-ao esta-o I1' 9adas a suas enuncia<;:oes, mas eXlstem_ mdependentemente do discurso ' de mod 0 que unla nova asser<;:aopode converter a precedente numa farsa. Illd, - Bem se voce d .d . I , eCl e confecclOnar suas asser<;:oesa medida que procede, entao, naturalmente, ninguem po de refuta-lo. Mlhur "-te N"ao e de todo ,a,'ssim' 0 comp Iexo de asser<;-:oesdenominado Ol1ade Newton sofreu mudan<;:aspOl' obra de Euler Bernoulli Lagrange ~ Hamilton; num certo sentido, era a mesma t~oria nun~ certo sentldo nao era e,no entanto, ao fl.m, os cientistas indiv'idua- I'/'O{ltl de COdel, de Ernest Nagel e ]anles N . I ' . eWl11an tradU("1O b' '1' S' '('('speetiva, 2" edi<;ao revista, 2001. ' , "". r,ISI elr;l, ao Paulo,