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LUIZA BELLOTTO DE VITO
A LINHA TÊNUE ENTRE O DISCURSO DE ÓDIO E O
JORNALISMO OPINATIVO
Londrina
2016
LUIZA BELLOTTO DE VITO
A LINHA TÊNUE ENTRE O DISCURSO DE ÓDIO E O
JORNALISMO OPINATIVO
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado ao Departamento de
Comunicação Social - Jornalismo da
Universidade Estadual de Londrina.
Orientador: Prof. Dr. Manoel Dourado Bastos
Londrina
2016
LUIZA BELLOTTO DE VITO
A LINHA TÊNUE ENTRE O DISCURSO DE ÓDIO E O
JORNALISMO OPINATIVO
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado ao Departamento de
Comunicação Social - Jornalismo da
Universidade Estadual de Londrina.
____________________________________
Prof. Dr. Manoel Dourado Bastos
Universidade Estadual de Londrina
____________________________________
Prof. Fábio Alves Silveira
Universidade Estadual de Londrina
____________________________________
Prof. Márcia Neme Buzalaf
Universidade Estadual de Londrina
Londrina, _____de ___________de _____.
AGRADECIMENTOS
Chegar até o momento da entrega do TCC não foi fácil. Foram
quatro anos de batalha, trabalhos, correria, insônia e fadiga. Mas também foram
quatro anos de gargalhadas, ombro amigo, cerveja pós-aula, premiações e
conhecimento.
Por todo esse trajeto e pelo nascimento desse trabalho, gostaria de
agradecer, primeiramente, aos meus pais e ao meu irmão, por todo apoio e força
que eu recebi ao longo desse período.
Pela raça da minha mãe que, mesmo doente, segurava a bronca
para que eu pudesse estudar, trabalhar e, dessa forma, crescer; pela torcida e
carinho do meu pai, que sempre se manteve de braços abertos; pelo
companheirismo do meu irmão; e pelo pulso firme do meu padrasto e madrasta, os
quais eu tive a sorte imensa de ter como segundos pais.
Agradeço também ao meu orientador, por aceitar entrar na loucura
que é estudar discursos de ódio e por acredidar que é possível fazer um jornalismo
mais digno, ético e humano.
Aos componentes da banca, que se prontificaram a me ajudar no
que eu precisasse e a ler um trabalho que foi tão difícil de ser feito. Em especial à
professora Márcia, que, ao dizer “escolha algo que te incomode”, me deu asas e
impulso para conseguir escrever o trabalho.
Aos meus colegas de sala, que nunca deixaram a boa vibração e o
bom humor serem rebaixados e que sempre deram força um para o outro,
principalmente nos momentos de maior correria. Eu não podia ter entrado em uma
sala melhor.
À minha companheira Bruna, que não popou esforços para trazer a
felicidade mais perto de mim, e à minha grande amiga e irmã Bárbara, que sempre
esteve presente nos momentos mais terríveis e mais maravilhosos dos meus anos
de graduação.
Por último, agradeço à Deus, pela oportunidade e permissão de
entrar em contato com tanto amor, aprendizado e evolução nesses últimos anos.
“Não há futuro em uma sociedade cujo pensamento comum
nasce na televisão fascista”.
Márcia Tiburi.
VITO, Luiza Bellotto. A linha tênue entre o discurso de ódio e o jornalismo
opinativo. 2015. 57 folhas. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em
Comunicação Social – Jornalismo) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina,
2015.
RESUMO
O objetivo deste trabalho é analisar o discurso de ódio travestido de opinião dentro
do jornalismo e estudar a interferência dele dentro da sociedade. O trabalho também
busca trazer exemplos contemporâneos desse tipo de jornalismo e as
consequências de sua existência para os telespectadores, ouvintes ou leitores. A
partir de comparações entre comentários de jornalistas, o trabalho utiliza alguns
autores para se basear na hipótese de que o jornalismo opinativo deve existir de
forma ética, sem que haja nenhum discurso ofensivo ou de ódio nas entrelinhas
dele.
Palavras-chave: Preconceito. Jornalismo. Ódio. Ética. Opinião. Sheherazade.
VITO, Luiza Bellotto. A linha tênue entre o discurso de ódio e o jornalismo
opinativo. 2015. 57 folhas. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em
Comunicação Social – Jornalismo) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina,
2015.
ABSTRACT
The aim of this study is to analyze the hate speech disguised of opinion within the
journalism and to study its interference in the society. The work also seeks to bring
contemporary examples of its type of journalism and the consequences for viewers,
listeners or readers, from its existence. By making comparisons between comments
of journalists, the paper uses some authors for basing the assumption that the
opinionated journalism should exist in an ethical form, without any offensive or hateful
speech on its lines.
Palavras-chave: Preconception. Journalism. Hate. Ethics. Opinion. Sheherazade.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................... 08
2 ÓDIO E PRECONCEITO................................................................................................. 10
2.1 RACHEL SHEHERAZADE E O DISCURSO DE ÓDIO ............................................................ 10
2.2 O SENTIMENTO DE ÓDIO .................................................................................................. 11
2.3 LINCHAMENTOS................................................................................................................. 12
2.4 UMA ANÁLISE PSICOLÓGICA ............................................................................................. 15
3 RACHEL SHEHERAZADE E O DISCURSO DE ÓDIO NO JORNALISMO........... 18
3.1 O MENINO NO POSTE ........................................................................................................ 18
3.2 O OUTRO LADO DA MOEDA ............................................................................................... 24
3.3 O BRASIL TEM CURA......................................................................................................... 26
4 O CENÁRIO JORNALÍSTICO ........................................................................................ 35
4.1 JORNALISMO OPINATIVO ................................................................................................... 35
4.2 O ALCANCE DO JORNALISMO ........................................................................................... 39
4.3 JORNALISMO, PRECONCEITO E FASCISMO....................................................................... 41
4.4 OUTROS EXEMPLOS DE PRECONCEITO ............................................................................ 47
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 51
REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 53
ANEXOS ................................................................................................................................ 55
ANEXO A – Captura de imagens da jornalista Rachel Sheherazade no momento dos
comentários analisados..............................................................................................54
8
1 INTRODUÇÃO
Trabalhar em cima de discursos de ódio não é fácil. As mãos
não fluem facilmente no teclado. O estômago, por vezes (muitas vezes), dói. As
palavras de perplexidade viraram corriqueiras nos últimos quatro meses de
criação. Assistir, incansáveis vezes, a alguns vídeos absurdos que continham
racismo, elitismo e preconceitos de forma geral me tiraram noites de sono.
Porém, ao mesmo tempo em que tudo isso era grandiosamente difícil e
perigoso para minha saúde mental (e física também), era extremamente
gratificante ver nascer um trabalho de tal importância, discutindo o que é
necessário ser discutido.
Antes de escolher o tema estudado, vaguei por outros vários
assuntos, passando por assessoria de imprensa, manifestações de 2013,
jornalismo no Facebook e Marcha das Vadias. Nenhum deles me inquietava
tanto. Então, aceitando um conselho, fui atrás daquilo que me incomodava,
daquilo que me tirava do sério.
O objetivo deste trabalho foi provar que ainda hoje não há
separação clara entre um e outro conceito: o jornalismo opinativo e o discurso
de ódio. A pesquisa aborda também questões sobre o jornalismo opinativo em
si, trazendo explanações teóricas sobre esse gênero, e sobre o fascismo,
defendendo que os discursos podem e devem ser livres, parciais e opinativos
desde que não firam os direitos humanos e que não se confundam com
discurso de ódio.
O trabalho é dividido em cinco capítulos. O primeiro consiste na
introdução. O segundo traz conceitos sobre o sentimento de ódio, dando um
panorama sobre esse tema ao leitor. Além disso, traz a prática de linchamento
como consequência desse sentimento, fazendo uma rápida análise psicológica
acerca do assunto.
Em seguida, o terceiro capítulo traz reflexões sobre o objeto de
estudo do trabalho: a jornalista Rachel Sheherazade, âncora do jornal SBT
Brasil. Para isso, abordei, analisei e discuti dois comentários dela, ambos
veiculados no ano de 2014. O primeiro é sobre um jovem, menor infrator, negro
e pobre que foi amarrado nu a um poste. O segundo é sobre um jovem cantor
9
estrangeiro (Justin Bieber), também menor infrator, porém branco e rico. Há
uma clara diferença de tratamento da jornalista para com os dois casos,
mesmo os dois contendo infrações como furtos, pichações e desacato.
O quarto capítulo elucida e discute o conceito de jornalismo
opinativo e o alcance do jornalismo em si, trazendo outros exemplos de
discurso de ódio dentro da área. Já o quinto capítulo, traz à tona as minhas
considerações sobre o assunto ao longo do período estudado.
10
2 ÓDIO E PRECONCEITO
2.1 RACHEL SHEHERAZADE E O DISCURSO DE ÓDIO
As mil e uma noites é um livro mitológico do século IX, da
cultura árabe, o qual retrata a história de uma rainha que, para se livrar da
morte, conta uma história tão longa ao seu marido que dura mil e uma noites. O
fato curioso se dá porque, antes da princesa Sherazade se casar com o rei, ele
foi traído por sua ex-mulher. Ao descobrir a traição e matar tanto ela quanto
seu amante, o rei jurou que se casaria com uma mulher diferente a cada noite
e a mataria na manhã seguinte. Quando Sherazade, a princesa, foi a escolhida
da noite, para fugir do final trágico, passa a contar uma história hipnótica e
encantadora a ele, fazendo com que, a cada manhã, seu marido desistisse de
matá-la.
Hoje, no século XXI, outras formas de manipulação e hipnose
são realizadas. Um exemplo disso é Rachel Sheherazade, uma das mais
polêmicas jornalistas do momento. Sua forma conservadora e retrógrada de
pensar a coloca nessa posição.
Assim como a princesa Sherazade, ela também é contadora de
histórias hipnóticas. Com falas construídas em cima de discursos de ódio e
opiniões preconceituosas, Sheherazade conseguiu uma infinidade de
seguidores nas redes sociais e sua audiência é grandiosa. Ela contabiliza mais
de 1,6 milhões de curtidas no Facebook e mais de 590 mil seguidores no
Twitter. Enquanto muitos a adoram, outros discordam de suas posições e
comentários racistas, machistas e homofóbicos.
Nascida em João Pessoa, na Paraíba, e formada em
Comunicação Social pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), atua hoje
como âncora do Jornal da Manhã, na Rádio Jovem Pan, e do telejornal SBT
Brasil, da emissora SBT. Também já trabalhou como repórter de afiliadas das
emissoras Record e Globo e como assessora de imprensa no Tribunal de
Justiça da Paraíba.
11
Seu primeiro comentário que ganhou visualização nacional
contém uma crítica ao Carnaval do Brasil1. Após ser disseminado e viralizado
na internet, a jornalista chamou a atenção de Silvio Santos, dono da atual
emissora onde trabalha. A partir desse momento, passou a angariar cada vez
mais fãs e ganhar mais espaço para “vomitar” discursos antiéticos sem que
seja devidamente advertida.
2.2 O SENTIMENTO DE ÓDIO
“Amar se aprende amando. Odiar se aprende odiando”: é o que
diz Márcia Tiburi (2015, p.33), em seu livro Como Conversar com um Fascista.
Mas como sintetizar esse afeto? O ódio é um dos sentimentos mais antigos
que a humanidade conhece. Porém, além de sua historicidade datar dos
primórdios da vida na Terra, ele é pouco estudado e os filósofos sempre
tiveram uma dificuldade grande em conceituá-lo.
Ultimamente, ouve-se muito falar sobre discurso de ódio e o
preconceito pautado nesse sentimento, mas pouco se tem esclarecido sobre
suas raízes. Logo, antes de chegarmos ao cerne da discussão sobre o discurso
de ódio deferido na atualidade, em grande parte, pela mídia brasileira, é
importante que esclareçamos, na medida do possível, o conceito de ódio e qual
sua influência na psique do homem.
O papel deste trabalho não será resolver a questão do conceito
de ódio, muito menos minimizar a dificuldade de achar um pesquisador que
traga esse dado de forma mais clara. Por conta disso, trabalharemos com o
conceito que mais casar com o que temos em mente, a fim de tornar a
pesquisa mais inteligível e coerente.
De acordo com Roland Gori (2006), psicanalista e professor de
psicopatologia clínica na Universidade de Aix-Marseille, em seu artigo
“Realismo do Ódio”, “o ódio é realista, seu objeto é o real, ele recusa o
aparelho de linguagem onde o sujeito ora se encontra, ora se perde, nos
desfiladeiros da palavra”. Isso nos deixa muito clara a permeabilidade odiosa,
muitas vezes sem fundamento, nas falas de algumas pessoas como políticos,
1 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=oLmFQxsMbN4 >. Acesso em: 17 jan.2016.
12
formadores de opinião e jornalistas. Ou seja, há um objeto que é atacado por
esse sentimento e há um meio de tornar o ódio parte camuflada de um
discurso: a fala. Por meio da fala e da linguagem, é possível que haja
manipulação de sentimentos e afetos.
As ondas de amor e ódio que sustentam e abalam as sociedades
não podem ser controladas simplesmente, mas podem ser
manipuladas. Esse controle é possível pela linguagem porque ela
é a grande produtora de afetos. (TIBURI, 2015, p.35).
É óbvia, também, a ideia de que o sentimento do ódio e do
preconceito (que nada mais é do que o medo acoplado ao ódio do
desconhecido) não é inerente a essa parcela da população (jornalistas e
políticos). O ódio e o preconceito, sejam de classe, sexual, de gênero ou de
raça, permeiam a sociedade como um todo. Portanto, a discussão que aqui se
encontra visa não resolver o problema no geral, mas sim contrariar a mídia
atual que oferece a base para que essas práticas se perpetuem.
Mais do que cristalizar o ódio no cotidiano das pessoas, o
momento em que vivemos hoje permite que os cidadãos possam expor esse
ódio, sem que haja consequências legais ou morais. Isso não acontece apenas
com a população comum, mas também com pessoas públicas, jornalistas,
publicitários etc.
Há algo assustador no ódio contemporâneo. Não se tem vergonha
dele, ele está autorizado hoje em dia e não é evitado. A estranha
autorização para o ódio vem de uma manipulação não percebida a
partir de discursos e de dispositivos criadores desse afeto.
(TIBURI, 2015, p.30).
Sendo assim, delimitando o trabalho apenas para a parte do
jornalismo em si, é necessário que combatamos a ideia de que o ódio pode ser
pautado e travestido de opinião.
2.3 LINCHAMENTOS
Os linchamentos não são uma novidade na sociedade brasileira.
Há registros documentais de formas de justiçamento desse tipo no
país já na primeira metade do século XVIII, antes mesmo que
13
aparecesse a palavra que o designa. Os jornais brasileiros do final
do século XIX, aproximadamente a partir das vésperas da
abolição da escravatura negra, trazem frequentes notícias de
linchamentos nos Estados Unidos, mas também, no Brasil. Eram
linchamentos de motivação racial, contra negros, mas também
contra seus protetores brancos. Nessa época, a palavra
linchamento já era de uso corrente no vocabulário brasileiro.
(MARTINS, 1995).
O Brasil sempre teve uma cultura de “justiça pelas próprias
mãos”. Desde a época escravista, essa ideia é imposta por gente da elite, ou
seja, os senhores de engenho, que castigavam seus escravos por qualquer
motivo, do mais grave ao mais leve “pecado”, com chibatadas no tronco,
abandono, restrição de comida e, em alguns casos, até com a morte.
Aliás, a prática dos linchamentos é naturalizada desde muito
tempo. Um exemplo próximo, histórica e geograficamente, é de Tiradentes.
Joaquim José da Silva Xavier, mais conhecido por Tiradentes, era um dentista
mineiro, comerciante, militar e ativista político. Curiosamente, o apelido
“Tiradentes” veio da sua profissão de dentista, a qual ele abandonou quando
virou soldado.
Ele foi morto em 1792 por enforcamento e esquartejamento
pela monarquia portuguesa (sistema político da época). O motivo disso foi sua
grande participação na Inconfidência Mineira, movimento que pedia a
autonomia do estado de Minas Gerais e protestava contra os aumentos de
impostos. Para punir os líderes da revolta, os governantes decidiram dar um
“exemplo” do que poderia acontecer com quem continuasse indo contra suas
decisões.
O processo do linchamento, como podemos notar, foi tido
como exemplo para que a sociedade não fizesse aquilo que seria
“repreensível”. Ele também foi motivo de estudo de muitos filósofos e
sociólogos. Além disso, é óbvio que, antigamente, essa prática era muito mais
corriqueira e, mesmo que hoje cause espanto em alguns, era moralmente
aceita. Por esse motivo, podemos ter como certo o “avanço” que a humanidade
conquistou. Porém, mesmo que o linchamento não seja mais encarado da
mesma forma pela sociedade, ele ainda acontece, só não é tão explícito como
antes.
14
O livro de Michael Foucault, Vigiar e Punir, traz diversos fatos e
análises sobre isso:
[Damiens fora condenado, a 2 de março de 1757], a pedir perdão
publicamente diante da porta principal da Igreja de Paris [aonde
devia ser] levado e acompanhado numa carroça, nu, de camisola,
carregando uma tocha de cera acesa de duas libras; [em seguida],
na dita carroça, na praça de Greve, e sobre um patíbulo que aí
será erguido, atenazado nos mamilos, braços, coxas e barrigas
das pernas, sua mão direita segurando a faca com que cometeu o
dito parricídio, queimada com fogo de enxofre, e às partes em que
será atenazado se aplicarão chumbo derretido, óleo fervente,
piche em fogo, cera e enxofre derretidos conjuntamente, e a
seguir seu corpo será puxado e desmembrado por quatro cavalos
e seus membros e corpo consumidos ao fogo, reduzidos a cinzas,
e suas cinzas lançadas ao vento. (FOUCAULT, 1987, p.8).
O parágrafo inicial do livro é chocante e descreve, em detalhes,
como eram as punições-exemplo da época. Mesmo que hoje já não exista
mais, explicitamente, tantas atitudes como essa, notam-se algumas
semelhanças com um dos casos relatados pela jornalista Rachel Sheherazade.
Inferimos, então, que estamos vivendo não na mesma barbárie que estava
instaurada no século XVIII, segundo o nosso olhar pós-moderno, mas em uma
“meia-barbárie”, o que já é suficientemente ruim para o século XXI.
Punições menos diretamente físicas, uma certa discrição na arte
de fazer sofrer, um arranjo de sofrimentos mais sutis, mais
velados e despojados de ostentação, merecerá tudo isso acaso
um tratamento à parte, sendo apenas o efeito sem dúvida de
novos arranjos com maior profundidade? (FOUCAULT, 1987,
p.12).
Com o passar dos anos, foi-se diminuindo o ato público de
punir. Essas práticas foram desaparecendo e sendo substituídas por outros
meios, cada vez mais humanos (mesmo que a passos lentos) de fazer-se
justiça. “A confissão pública dos crimes tinha sido abolida na França pela
primeira vez em 1791, depois novamente em 1830 após ter sido restabelecida
por breve tempo; o pelourinho foi suspenso em 1789; a Inglaterra aboliu-o em
1837”. (FOUCAULT, 1987, p.13).
Mas, existem, ainda que em menor quantidade, casos
chocantes dessa violência hedionda. Violência que é fruto de uma
disseminação de ódio sem precedentes, difundida e acobertada, em diversas
15
vezes, pela própria mídia, que ou tolera esse tipo de ação ou simplesmente
finge que não existe.
Fabiane Maria de Jesus, dona de casa, foi morta num linchamento
no Guarujá em 2014. André Luiz Ribeiro, professor, escapou por
pouco quando corria no Rio de Janeiro e foi confundido com um
assaltante. Outras pessoas foram linchadas em 2015. Já sabemos
da banalidade da vida e da morte em nossa cultura. Mas o que
autoriza uns e outros ao assassinato? O aval. (TIBURI, 2015,
p.80).
Os contextos dos linchamentos contemporâneos são diferentes
dos antigos, mas preservam um mesmo princípio: a ideia de eleger alguém que
mereça ser exemplo para uma sociedade e, por meio de violência explícita,
atacá-lo em um ritual público que, no imaginário coletivo, eliminaria o mal e
traria uma espécie de redenção para aplacar a fúria coletiva.
2.4 UMA ANÁLISE PSICOLÓGICA
Segundo Sigmund Freud, em seu livro Psicologia das Massas
e Análise do Eu (2013), há uma diferença entre a psicologia do homem
individual e a psicologia do homem em grupo. A primeira se importa com seus
caminhos e decisões tomadas individualmente. Já a segunda interessa-se pelo
estudo do homem como membro de um grupo, seja étnico, racial, religioso,
profissional, entre outros. No livro, o autor discute o que é e como um grupo
consegue exercer uma influência tão grandiosa sobre um indivíduo citando
frases de outro autor: Le Bon.
De acordo com Le Bon, os indivíduos, dentro de seu grupo,
agem de forma diferente da qual agiriam se estivessem sozinhos:
[...] a mera circunstância de sua transformação numa massa lhes
confere uma alma coletiva, graças a qual sentem, pensam e agem
de um modo inteiramente diferente do que cada um deles sentiria,
pensaria e agiria isoladamente. (LE BON apud FREUD, 2013,
p.41).
Dessa forma, podemos entender como cada vez mais pessoas
têm se identificado com a atitude dos chamados – erroneamente – de
16
“justiceiros”. Pessoas que eram consideradas neutras passam a concordar com
a ação por causa da defesa pública de uma jornalista. Isso levanta a questão
para a seguinte pergunta: será mesmo que o jornalismo não tem
responsabilidade por diversas ações e opiniões dos cidadãos?
Do mesmo jeito que o indivíduo sozinho não se mostra como
ele próprio (ou seja, as atitudes violentas que toma quando está em grupo já
estão dentro dele, apenas escondidas), ele também precisa que algo o una
com os outros indivíduos do grupo. Isso significa que todos os integrantes
devem pensar de uma mesma forma para conseguirem compatibilidade.
Essa maneira diferente de se pensar, que não se mostra
quando o indivíduo está sozinho, está compactada no inconsciente dele.
“Nossos atos conscientes se derivam de um substrato inconsciente criado na
mente” (LE BON apud FREUD, 2013, p.42).
A mudança de comportamento brusca desses indivíduos se dá
porque, em grupo, sentem-se donos de um poder inigualável, como se
estivessem acima da lei (já que não acreditam nela) e das punições. Eles se
rendem aos instintos do inconsciente.
Dentro dessa ideia, há também o líder do grupo. Esse líder
geralmente é aquele com que todos os outros indivíduos se identificam.
[...] o indivíduo é colocado sob condições que lhe permitem se
livrar dos recalcamentos de suas moções de impulso
inconscientes. As qualidades, aparentemente novas que ele então
mostra são justamente as manifestações desse inconsciente, que,
afinal, contém tudo o que há de malvado na alma humana; o
desaparecimento da consciência moral ou do sentimento de
responsabilidade nessas circunstâncias não oferece qualquer
dificuldade para nossa compreensão. (FREUD, 2013, p.44).
Esse líder pode ser um jornalista, que detém o conhecimento e
a palavra para manipular discretamente um grupo de milhares (quiçá milhões)
de brasileiros que assistem a ele. Sendo assim, a ideia de que a tolerância da
intolerância se dá por meio do jornalismo é irredutível.
Voltando a Le Bon, existem algumas causas para que os
integrantes do grupo obedeçam aos líderes. A primeira delas é o sentimento de
poder anteriormente mencionado; a segunda é o que chamamos de “contágio”,
que traz a ideia de que, a partir de um comando de alguém do grupo
17
(geralmente o líder), todos os outros passem a pensar e agir da mesma forma;
e, por fim, a terceira causa é a “sugestionabilidade”.
A sugestionabilidade remonta a ideia de que, a partir de uma
sugestão (direta ou não) do líder, os indivíduos passam a agir da forma por ele
sugerida. Le Bon assemelha esse processo à hipnose e à fascinação, em que
os indivíduos praticam ações sem que entendam realmente que foram
induzidos a elas.
É isso o que o jornalismo faz com sua audiência. Dependendo
de sua vontade e ideologia editorial, o jornalismo induz (direta ou
indiretamente) seu leitor/ouvinte/telespectador a fazer aquilo que será melhor
para seu próprio proveito.
18
3 RACHEL SHEHERAZADE E O DISCURSO DE ÓDIO NO JORNALISMO
3.1 O MENINO NO POSTE
É sabido que, hoje, muitos casos que passam na televisão
sobre linchamentos angariam cada vez mais defensores e seguidores. Em um
país onde essa cultura já era enraizada, mas que, de alguma forma, ainda tinha
sua resistência, a população tem se mostrado avessa à ideia de paz e justiça
legal.
O caso de maior repercussão foi em 2014, quando um menino
menor de idade, acusado de furto, foi violentado fisicamente e amarrado nu a
um poste. Ao mostrarem o caso no jornal SBT Brasil, a jornalista Rachel
Sheherazade apoiou a atitude, de maneira quase descarada, afirmando que, já
que as autoridades de segurança não faziam nada, era compreensível que um
grupo de civis o fizesse.
A tolerância por parte da jornalista e do jornalismo como um
todo (porque ela não é o único exemplo desse tipo de atitude) de atos
intolerantes nos leva a crer que a barbárie do “olho por olho, dente por dente”
está ressurgindo de forma mascarada.
Segue comentário2:
É, o marginalzinho amarrado ao poste era tão inocente que em
vez de prestar queixa contra seus agressores, ele preferiu fugir,
antes que ele mesmo acabasse preso. É que a ficha do sujeito
está mais suja do que pau de galinheiro. Num país que ostenta
incríveis 26 assassinatos a cada 100 mil habitantes, que arquiva
mais de 80% de inquéritos de homicídio e sofre de violência
endêmica, a atitude dos vingadores é até compreensível. O estado
é omisso, a polícia, desmoralizada, a justiça é falha. “Que que”
resta ao cidadão de bem que, ainda por cima, foi desarmado? Se
defender, é claro. O contra-ataque aos bandidos é o que eu
chamo de legítima defesa coletiva de uma sociedade sem estado
contra um estado de violência sem limite. E aos defensores dos
direitos humanos que se apiedaram do marginalzinho preso ao
poste, eu lanço uma campanha: faça um favor ao Brasil, adote um
bandido! (informação verbal)
Esse texto mostra, do início ao fim, o tamanho do preconceito
implícito. Porém, se fizermos uma simples análise geral e impressionista sobre
2 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=p_F9NwIx66Y>. Acesso em: 20 dez. 2015.
19
ele, pouco aprofundamento teríamos. A ideia é casar gestos, takes de câmera,
tom de voz, olhares e expressões com o discurso de ódio proferido. Alguns
takes de câmera aqui mencionados estão presentes em imagem no Anexo
para serem mais bem compreendidos.
Em toda a filmagem, a jornalista permanece, em sua maior
parte, quase de frente para a câmera, um pouco de perfil, com os ombros altos
e bem postos, como se estivesse acima do bem e do mal. Tanto sua
maquiagem quanto sua roupa estão bem carregadas, sendo, ambas, escuras,
em tons de preto, cinza e marrom. Isso é um fato importante de ser
mencionado, já que aprendemos em toda a graduação e até mesmo na própria
profissão jornalística que existem maneiras de nos portarmos, vestirmos e
utilizarmos a câmera como formas de manipulação do público.
O primeiro indício de preconceito está, coincidentemente (ou
não), na primeira palavra do texto: “marginalzinho”. A palavra “marginal” é
usada, em sua forma literal, para indicar alguém que vive à margem da
sociedade, excluída e com pouco acesso aos bens sociais e materiais. Ou seja,
pessoas de baixa renda e escolaridade. Mas, essa mesma palavra é usada,
pejorativamente, para designar pessoas que não valem nada e são
desonestas: os criminosos.
Então, podemos concluir que ela quis dizer que pessoas
marginalizadas pela sociedade são automaticamente criminosas. Para deixar a
situação ainda pior, ela usa essa palavra (que já é intolerante por si só) no
diminutivo, reduzindo ainda mais sua imagem. Faz, assim, que o menino
personificado como “marginalzinho” fosse imaginado e visto pela audiência
como o real problema da sociedade. Para caracterizar ainda mais a exclusão
do garoto, ao dizer essa palavra, Sheherazade aponta com o dedão para o
lado, como se desdenhando daquele ser.
Logo após, a jornalista fala a expressão “tão inocente” com
bastante ênfase no “tão”, dando um sorriso de deboche e fazendo um gesto de
grandeza com a mão, caracterizando seu sarcasmo ácido. Daí seguem
diversas outras palavras e expressões embebidas em olhares e tons divergindo
entre o irônico e o bravo, como a palavra “sujeito”, por exemplo, que
descaracteriza o menino como pessoa que tem nome, vida e dificuldades.
Nesse momento, Rachel Sheherazade aponta o dedo para a câmera, como se
20
desse uma ordem aos espectadores e aos outros “marginaizinhos” que a
assistem. Fala como se desse um aviso.
“Ficha mais suja que pau de galinheiro” também entra no rol de
atrocidades verbais. Aumentando o tom de voz na expressão “mais suja” e
utilizando uma cena imaginária covardemente chula e baixa, como “pau de
galinheiro”, ela dá força para suas palavras e intimida quem discorda. Para dar
mais dramaticidade e manipular mais os telespectadores, o close up da câmera
é utilizado de forma mais lenta que o normal nesse momento da fala.
Após toda a destilação do ódio contra o menino amarrado ao
poste, a jornalista passa a falar sobre dados de violência no Brasil, impondo
sempre o dedo contra a câmera, como se desse ordem e fosse autoridade.
Porém, após essa introdução, como se não pudesse piorar, Sheherazade dá o
“xeque mate” de seu comentário da noite: ela defende as pessoas que
prenderam o “marginalzinho” ao poste. Ao falar a palavra “vingadores” (nome
dado aos criminosos que agrediram o menor de idade), levanta os ombros para
cima, como se utilizasse o apelido de forma menos depreciativa, quase tímida.
Essa ação faz com que o peso da palavra fique menor e menos
incompreensível. A jornalista justifica sua defesa dizendo que o estado é
omisso e falho e usa a expressão “ainda por cima”, com tom de indignação,
para falar que a população foi desarmada.
Para fechar com chave do ouro, Rachel Sheherazade
claramente critica os defensores dos direitos humanos, contrariando o código
de ética da própria profissão, usando um meio sorriso debochado, um tom
sarcástico e os olhos semicerrados, com a feição da mais pura maldade. Ao
dizer a frase “adote um bandido”, abre os braços e se delicia com a piada
infame e injusta sobre as pessoas que simpatizam com a ideia de que todo ser
humano merece o mínimo de dignidade, independente dos seus atos.
Após essa explanação sobre a jornalista e seu comentário,
podemos casar a fala de Le Bon perfeitamente: “Todos os sentimentos e o
pensamento se orientam na direção estabelecida pelo hipnotizador” (LE BON
apud FREUD, 2013, p.46). Ora, se ela diz que é tolerável que atitudes como
essas ocorram, certamente é porque quer que seus telespectadores pensem
da mesma maneira e, dependendo da situação, ajam da mesma maneira que
os “justiceiros” sem que sejam culpados por isso.
21
Sua forma de conduzir o assunto e o comentário veiculado
tanto na televisão quanto na internet entram em acordo com o conceito de
“sugestionabilidade”. Segundo Tiburi (2015, p.78), “Nesse campo entram os
meios de comunicação controlando o modo de pensar e, portanto, de agir das
pessoas”.
A questão não deve ser tratada com extremismo. Não há como
tratar nem o menino que sofreu o linchamento como inocente e muito menos as
pessoas que fizeram isso com ele (e as que compactuaram com a atitude)
como pessoas do bem. A questão levantada é que, mesmo que o menino seja
culpado, não cabe a nenhum vingador (termo utilizado pela própria jornalista)
prendê-lo a um poste e violentá-lo. Consequentemente a isso, não cabe ao
jornalismo levantar essa questão e muito menos defendê-la.
Ainda um ponto importante de ser discutido é a notícia em si.
Qual era o fato? O furto do menino amarrado ao poste ou a ação dos homens
que o prenderam? Qual era a real necessidade do comentário da jornalista
sobre a agressão física e moral que o menino sofreu? O gancho da notícia era
a ficha criminal do garoto preso ao poste ou a agressão que ele sofreu? É
preciso refletir qual foi o objetivo das palavras proferidas por Sheherazade.
Essa discussão é muito importante, pois abre ou não espaço
para comentários preconceituosos e discursos de ódio. Não havia necessidade
de expor a intimidade de uma pessoa, principalmente por ser menor de idade,
independente de qual crime ela cometeu.
Após o comentário feito por ela, o Sindicato dos Jornalistas
Profissionais do Município do Rio de Janeiro divulgou uma nota de repúdio por
tal ato, alegando que sua postura fora preconceituosa, indo contra o exercício
de jornalista.
Segue nota na íntegra3:
O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do
Rio de Janeiro e a Comissão de Ética desta entidade se
manifestam radicalmente contra a grave violação de direitos
humanos e ao Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros
representada pelas declarações da âncora Rachel Sheherazade
durante o Jornal do SBT.
3 Disponível em: <http://jornalistas.org.br/index.php/nota-de-repudio-do-sindicato-e-da-comissao-de-
etica-contra-declaracoes-da-jornalista-rachel-sheherazade/>.Acesso em: 5 nov. 2015.
22
O desrespeito aos direitos humanos tem sido prática
recorrente da jornalista, mas destacamos a violência simbólica dos
recentes comentários por ela proferidos no programa de
04/02/2014 (http://www.youtube.com/watch?v=nXraKo7hG9Y).
Sheherazade violou os direitos humanos, o Estatuto da Criança e
do Adolescente e fez apologia à violência quando afirmou achar
que “num país que sofre de violência endêmica, a atitude dos
vingadores é até compreensível” — Ela se referia ao grupo de
rapazes que, em 31/01/2014, prendeu um adolescente acusado
de furto e, após acorrentá-lo a um poste, espancou-o, filmou-o e
divulgou as imagens na internet.
O Sindicato e a Comissão de Ética do Rio de Janeiro
solicitam à Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) que
investigue e identifique as responsabilidades neste e em outros
casos de violação dos direitos humanos e do Código de Ética dos
Jornalistas Brasileiros, que ocorrem de forma rotineira em
programas de radiodifusão no nosso país. É preciso lembrar que
os canais de rádio e TV não são propriedade privada, mas
concessões públicas que não podem funcionar à revelia das leis e
da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Eis os pontos do Código de Ética referentes aos Direitos
Humanos:
Art. 6º É dever do jornalista:
I – opor-se ao arbítrio, ao autoritarismo e à opressão, bem
como defender os princípios expressos na Declaração Universal
dos Direitos Humanos;
XI – defender os direitos do cidadão, contribuindo para a
promoção das garantias individuais e coletivas, em especial as
das crianças, adolescentes, mulheres, idosos, negros e minorias;
XIV – combater a prática de perseguição ou discriminação
por motivos sociais, econômicos, políticos, religiosos, de gênero,
raciais, de orientação sexual, condição física ou mental, ou de
qualquer outra natureza.
Art. 7º O jornalista não pode:
V – usar o jornalismo para incitar a violência, a intolerância,
o arbítrio e o crime;
Também atuando no sentido pedagógico que acreditamos
que deva ser uma das principais intervenções do sindicato e da
Comissão de Ética, realizaremos um debate sobre o tema em
nosso auditório com o objetivo de refletir sobre o papel do
jornalista como defensor dos direitos humanos e da
democratização da comunicação.
Porém, para que atitudes como essa possam ser tratadas da
forma mais natural possível, sem que a audiência ou os próprios colegas de
profissão se lembrem do código de ética, o jornalismo tem buscado fazer com
que todas as pessoas que o assistem se sintam parte de um grupo, ou seja,
sintam-se parte de uma mesma ideia, o que dá sensação de proximidade do
jornalista com o público. Por isso, cada vez mais o jornalismo aposta na
linguagem pessoal. A partir do momento em que as pessoas se sentem parte
desse mesmo núcleo, fica mais fácil de controlá-las. Mesmo que saibamos que
23
generalizações não existem (e nem devem existir), está claro que, no caso
estudado, é isso que acontece.
Após o caso ocorrido, Rachel Sheherazade foi convidada para
ir a diversos programas de TV e para dar diversas entrevistas em revistas e
programas de rádio, sempre para mostrar a boa moça que existe por trás de
todo esse discurso de ódio.
A clareza pode ser compreendida a partir do momento em que
a jornalista que defende tais atos não é diretamente prejudicada com eles. Ou
seja, dizer que o grupo de vingadores é compreensível é mais fácil que
defender os direitos de um jovem negro, pobre e acusado de furto. Mais fácil
porque defender que a culpa do jovem estar onde ele está é da sociedade é
uma tarefa árdua.
É necessário que jornalistas entendam que fazer um
comentário em horário nacional no meio de comunicação mais abrangente do
país tem suas consequências morais e éticas dentro da própria profissão. E
mais, é preciso que haja estudos e entendimentos sobre o assunto, para que,
futuramente, se possa romper com a ideia de que opinião é igual a discurso de
ódio.
Quem fala o que fala, sem nenhuma responsabilidade, por um
lado deve ser legalmente questionado, por outro, é preciso trazer
à luz quais condições, na cultura, possibilitam fazer surgir falas
como essa que, na desqualificação do outro, praticam uma
humilhação simbólica, e mais, estimulam o ódio e, assim, incitam
à matança. (TIBURI, 2015, p.43).
Além disso, há um ódio que permeia todo o discurso da
jornalista. O ódio pode ser da cor do menino amarrado ao poste (racismo) ou
de sua classe social, mas talvez nem ela enxergue esse ódio, que já pode estar
emaranhado em sua personalidade e caráter devido a sua formação pessoal.
Dessa forma, podemos perceber que o ódio incrustrado nas falas de
Sheherazade não serve para destruir o alvo diretamente, mas sim para acabar,
lentamente, com todo e qualquer símbolo que vem dele.
Gori, citando um trecho de Le seminaire, de Lacan (1954),
afirma e embasa o argumento defendido acima.
24
Existe uma dimensão imaginária do ódio, por isso a destruição do
outro é um pólo da própria estrutura da relação intersubjetiva. Lá
mesmo, a dimensão imaginária é enquadrada pela relação
simbólica, razão pela qual o ódio não se satisfaz com o
desaparecimento do adversário. Se o amor aspira ao
desenvolvimento do ser do outro, o ódio quer o contrário, ou seja,
sua humilhação, sua derrota, seu desvio, seu delírio, sua negação
detalhada, sua subversão. É nesse sentido que o ódio, como o
amor, é uma carreira sem limite. (LACAN apud GORI, 2006).
3.2 O OUTRO LADO DA MOEDA
Porém, para se entender melhor o preconceito implícito dentro
de seu discurso, analisaremos outra fala da jornalista. A situação é parecida:
outro jovem que comete diversos delitos e é autuado e criticado por milhares
de pessoas. A história seria exatamente igual se não fossem as classes sociais
e a cor de pele de ambos os meninos: um é negro e pobre (o “marginalzinho do
poste”) e outro é rico, branco e famoso (o cantor Justin Bieber).
Quando a história é repercutida pelo telejornal SBT Brasil,
Rachel Sheherazade, novamente, dá sua opinião. Para a surpresa de todos
(nem tanto), a jornalista defende o cantor.
Segue comentário4:
Menino prodígio ou adolescente problema? Namoradinho
romântico ou pegador contumaz? Um protótipo de bad boy, James
Dean repaginado. Afinal, quem é hoje o astro Justin Bieber? No
Instagram postou uma foto onde se lê a frase “você realmente me
conhece?”. Bieber está irreconhecível. Cuspiu em fã, deixou o
palco, pichou muro, dormiu com prostitutas. Prato cheio para os
paparazzi e fofoqueiros de plantão. Mas, atire a primeira pedra
quem nunca foi um rebelde sem causa, quem nunca questionou
seus valores, quem nunca se perdeu de si mesmo ou procurou se
encontrar. Os médicos dizem que é normal, é a síndrome da
adolescência. Para anônimos e famosos como o Justin, é fase de
turbulência, hormônios em ebulição, conflitos, agressividade. É a
busca da própria identidade. Pegue leve com o Justin. O menino
está só crescendo.
Nesse segundo comentário, outros trejeitos e atitudes são
adotados pela jornalista Rachel Sheherazade. A edição e a produção também
são totalmente diferentes nesse caso: ela está vestida de branco, com a
maquiagem mais leve e o close up é quase despercebido, deixando de ser
4 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=EDBIirfsj78>. Acesso em: 3 nov. 2015.
25
invasivo e agressivo. Desde o princípio, o sorriso benevolente e paciente está
estampado no rosto e as palavras são ditas de forma mais suave e lenta. Um
fato curioso desse vídeo é que, enquanto fala, usa muito pouco as mãos, sem
apontar o dedo e sem fazer gestos que diminuam ou engrandeçam o texto
declamado.
Ao dizer a frase “cuspiu em fã, deixou o palco, pichou muro,
dormiu com prostitutas”, ela usa um tom de bronca, porém, diferentemente do
vídeo em que tem o objetivo de ferir a integridade moral do acusado (o menino
amarrado ao poste), o tom é quase que maternal, como quem diz que são
atitudes feias, mas perdoáveis. Após citar todos os delitos cometidos pelo
cantor Justin Bieber, Sheherazade diz “mas” em tom mais alto do que o natural,
adiantando ao telespectador que a defesa do garoto branco e rico está por vir.
Como é de praxe em todos os seus comentários e argumentos,
a jornalista é sempre muito bem embasada com dados e/ou citações
importantes. Dessa vez não foi diferente. Para a defesa do cantor, ela traz
informações médicas sobre a idade do menino. Quando fala sobre isso, na
frase “os médicos dizem que é normal”, a palavra “normal” recebe uma
intensidade maior. Isso se repete logo a seguir, quando diz “é a síndrome da
adolescência”, usando, dessa vez, a palavra “adolescência”.
Do início ao fim, Rachel Sheherazade permanece com o
mesmo olhar caridoso. As palavras são ditas de forma muito mais pausada e
seus olhos piscam de maneira também mais lenta. Para fechar o comentário,
apela dizendo “pegue leve com o Justin. O menino está só crescendo”. A
palavra “menino” ganha a mesma intensidade e lentidão das palavras “normal”
e “adolescência”. O vídeo é finalizado com um sorriso simpático. Os takes de
câmera mencionados acima também estão presentes em imagem no Anexo, a
fim de que sejam melhor elucidados.
Se compararmos os dois casos, vamos perceber que ambos
são parecidos: nos dois, dois adolescentes cometem pequenos delitos. Por que
então há uma diferença tão gritante na forma de tratamento entre os dois
garotos? Ambos não têm a ficha suja? Ambos não têm a mesma idade? Por
que um é perdoado por isso e outro não? Por que a audiência é aconselhada a
“pegar leve” com um deles e com o outro é aconselhada a entender o lado
daqueles que o agrediram? Por que em um dos casos é compreensível a
26
brutalidade e a violência? Por que não usar o mesmo princípio do perdão com
o menino negro e pobre? Por que só um deles é passível de se redimir
enquanto outro tem que se contentar com castigos e penas que violam sua
integridade física e moral? Está claro e provado que há diferença de tratamento
entre os dois adolescentes.
Ainda mais: quando criticada por sua forma conservadora de
pensar e tem que enfrentar argumentos dos defensores dos direitos humanos,
os quais afirmam que o problema da violência é mais profundo do que se pode
imaginar e provém de uma desigualdade e injustiça social, Sheherazade alega
que “esse argumento não pode ser usado, pois se for assim, significa que a
violência é inerente ao pobre”5. Essas voltas e mais voltas em torno do mesmo
assunto para não assumir a responsabilidade do que propaga só provam que
suas falas não são opinativas, mas sim um discurso de ódio.
Para entendermos ainda mais a jornalista estudada, fomos
atrás de outras fontes que nos mostram de forma mais clara seus pensamentos
políticos e ideológicos.
3.3 O BRASIL TEM CURA
O livro O Brasil tem cura, escrito por Rachel Sheherazade e
lançado pela editora Mundo Cristão, chegou às livrarias em outubro de 2015.
Na obra, a autora e jornalista conta sua trajetória profissional e faz uma análise
dos males, elencados por ela, que adoecem o país. Em um livro carregado de
dados numéricos e pouco aprofundamento em questões sociológicas,
históricas e antropológicas, a autora busca soluções para esses problemas, de
acordo com sua visão pessoal e posicionamento político.
Sheherazade começa o livro contando sua própria história:
quando mais jovem, em 1992, largou a faculdade de administração para fazer
jornalismo na Universidade Federal da Paraíba. Enquanto ainda estava na
faculdade, passou a trabalhar na Vara da Infância e da Juventude de João
Pessoa, tendo, assim, seu primeiro contato com questões do direito. Ao
finalizar a faculdade, a jornalista deixou de trabalhar na área judicial e virou
5 Comentário realizado em entrevista ao Programa Pânico,na Rádio Jovem Pan, no dia 15/04/2015.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=5V_7WGO-V90>. Acesso em: 19 nov. 2015.
27
repórter de TV, trabalhando em diversas emissoras: Record, Globo e, por fim,
SBT.
Ainda na introdução do livro, fala sobre sua ascensão na
carreira como comentarista e âncora. Seu primeiro comentário, em 2011, foi
uma crítica sobre o carnaval brasileiro e o dinheiro desnecessário que o poder
público gastava com isso. Isso aconteceu enquanto Rachel Sheherazade ainda
trabalhava em um jornal local no Nordeste do país. Após um internauta filmar
sua fala e publicar online, Silvio Santos se interessou por seu trabalho e
convidou a autora para ser apresentadora da edição nacional do jornal: o SBT
Brasil. Rachel Sheherazade conta que, a partir daí, ganhou a oportunidade de
levar suas opiniões para todo o país.
O primeiro capítulo do livro, intitulado “O diagnóstico”, traz, na
visão da autora, um raio-x do Brasil. Com intenção de fazer um histórico, a
escritora descreve, de forma rápida e superficial, a descoberta e a colonização
do Brasil. Após isso, caracteriza os brasileiros como pessoas pessimistas, com
síndrome de vira-lata (se referindo ao vitimismo) e com pouco incentivo à
cultura. De acordo com ela, a culpa desse DNA brasileiro é dos colonizadores,
que não vieram para cá com o objetivo de tornarem o Brasil sua nova casa,
mas sim transformaram-no em refúgio de bandidos e presos políticos.
Diferentemente do que ocorreu nos Estados Unidos, escolhido
como novo lar para os colonizadores ingleses, o Brasil sempre
serviu aos portugueses exclusivamente como colônia de
exploração. [...] Assim, nossa nação foi erguida sobre os frágeis
alicerces de uma colonização egoísta e exploradora.
(SHEHERAZADE, 2015, p.39).
Sheherazade também afirma, nesse capítulo, que os brasileiros
herdaram o gene da acomodação e da preguiça, citando o programa do
governo federal Bolsa Família e seus beneficiados como exemplo. “Isso revela
que, desde os primórdios, nossa pátria foi construída sem um real senso de
coletividade, tampouco alguma disposição ao sacrifício individual pela
comunidade, pelo povo, pela nação.” (SHEHERAZADE, 2015, p.40). Sempre
citando diversas passagens bíblicas, a jornalista fecha o capítulo dizendo que,
para que o país tenha cura, é necessário que haja uma mudança interior em
cada cidadão.
28
Intitulado de “A doença”, o capítulo 2 fala sobre os males do
Brasil, de acordo com a autora. Porém, muito mais do que apenas citar o que
deve ser arrumado, Rachel Sheherazade também discorre sobre eles,
colocando seu ponto de vista dentro de cada um. Ao longo do livro (em todos
os capítulos), a autora repete, incansavelmente, que o país tem cura e que
essa cura só se dará por meio da transformação moral de cada um. Porém, a
moral de cada cidadão deve ser de acordo com aquilo que ela acha que é
correto, justo e bom.
O primeiro problema que ela cita é a violência. Para a escritora,
a culpa da violência vem da colonização errônea e desumana que tivemos,
além da escravidão violenta e sem precedentes. Sempre embasada de muitos
dados (e pouca análise sociológica), Sheherazade defende a opinião de que, a
partir disso, a violência foi passada de geração a geração, como se apenas a
má formação fosse o suficiente para manter um país entre os mais violentos do
mundo.
A jornalista também tenta desconstruir o argumento de que a
desigualdade social aumenta a violência, alegando que, na Islândia, também
há desigualdade e a violência é quase nula. Porém, comparar o Brasil com a
Islândia não faz muito sentido, já que suas realidades sociais são
extremamente diferentes. Outro argumento que ela usa para tentar
desmoralizar esse pensamento é de que a desigualdade social não é uma
anomalia e, pelo contrário, é uma questão natural, já que cada um é diferente
por si só. Além disso, para ela, um mundo igualitário vai contra o princípio da
meritocracia, com o qual, evidentemente, ela compactua.
O ideal de mundo homogêneo e igualitário é ao mesmo tempo
medíocre, ingênuo e injusto, pois, além de antinatural, não atende
à lógica humana da recompensa, do ‘quem semeia colhe’, e
contraria o princípio da meritocracia, pelo qual o esforço é
gratificado e, quanto maior o empenho, maior deve ser a
recompensa de quem o imprime. (SHEHERAZADE, 2015, p. 51).
A autora também é contra o pensamento de que a violência é
ligada à pobreza e, para provar seu argumento, traz dados que mostram que
nos últimos anos o Brasil diminuiu a quantidade de famílias pobres, porém, a
violência aumentou. Novamente, Rachel Sheherazade trata os problemas do
29
país de forma muito superficial, deixando de lado questões históricas e
sociológicas importantes.
Outro tópico por ela abordado é a impunidade. Segundo a
escritora, ela é uma das causas da violência. Mostrando mais dados e
pesquisas, cita também a impunidade na corrupção, falando sobre escândalos
como o Mensalão do Partido dos Trabalhadores (PT) e a Lava Jato (escândalo
de corrupção na Petrobrás).
O terceiro tópico citado é a má legislação brasileira que, para
ela, constitui um sistema penal falho e uma justiça lenta. A autora defende uma
reforma no código penal e o não favorecimento ao réu, voltando a falar sobre a
impunidade e já antecipando um pouco da sua opinião sobre a redução da
maioridade penal.
A educação é o quarto tópico do segundo capítulo. De acordo
com Sheherazade, a educação (tanto pública quanto privada) é fraca no Brasil,
o que causa muitos problemas sociais. Também regado a dados, nesse tópico
a escritora compara a educação do país com a da Suíça e mostra o abismo
que existe entre uma e outra. Outra crítica que a jornalista faz à educação se
refere aos salários dos professores, que são muito baixos e insuficientes. Ela
também compara os gastos públicos entre estudantes e detentos, dizendo que
se gasta mais com um presidiário do que com um aluno.
Rachel Sheherazade critica, também, o sistema de aprovação
automática que existiu e ainda existe em algumas escolas, em que o aluno não
repete de ano, mesmo não estando preparado para avançar. Segundo ela, a
má educação auxilia na falta de emprego que, por consequência, leva ao
assistencialismo (cita o Bolsa Família novamente) e, por consequência, à
violência.
Ainda discorre sobre as cotas, posicionando-se contra e
argumentando que isso causa uma situação de “coitadismo” aos cotistas. Em
vez de ser contra as cotas por uma ideologia que não seja preconceituosa, ela
desmerece os alunos que ingressam na universidade por meio desse sistema,
dizendo que esse tipo de auxílio faz com que haja alunos e profissionais
despreparados e medíocres.
Outra falsa solução para o problema crônico da educação no
Brasil é a reserva de cotas em universidades públicas. Com a
30
desculpa de resolver o problema de exclusão social, esse sistema
permite que alunos despreparados egressos do ensino
fundamental e médio entrem pela porta da frente do ensino
superior, com o empurrãozinho de um governo que ignora o mérito
e nivela todos os estudantes pela régua do ‘coitadismo’.
(SHEHERAZADE, 2015, p 70).
E continua:
Seria necessário um esforço extraordinário dos cotistas para não
ficarem para trás. Caso concluam o curso e obtenham o diploma,
tudo indica que continuarão aquém dos outros formados, em
termos de capacitação e preparo. [...] No mundo real, é preciso
merecer para conquistar. (SHEHERAZADE, 2015, p.71).
O próximo tópico a ser discutido pela autora é a maioridade
penal. No começo desse tópico, ela cita o que alguns menores de 18 anos já
podem fazer, como votar e ter relações sexuais. Para continuar introduzindo o
assunto, a jornalista critica o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA),
alegando que, amparado pela péssima legislação do país, protege demais os
adolescentes que não devem ser protegidos.
Embasada mais uma vez em dados e teóricos conservadores,
Rachel Sheherazade defende que deve haver redução da maioridade penal,
diminuindo qualquer argumento contrário e citando-os de forma superficial e
rápida. Para ela, essa impunidade auxilia no crescimento da violência.
Mostrando, mais uma vez, sua intolerância aos pensamentos contrários,
subestima as pessoas que são contra a redução, chamando-os de “defensores
de bandidos”, sem respeitar nem buscar entender tal posicionamento.
Como sexto (e mais surpreendente) tópico, a jornalista fala
sobre perseguição religiosa ou, mais precisamente, a Cristofobia. De acordo
com ela, nós herdamos o cristianismo de nossos colonizadores quando vieram
para cá e, junto com ele, a ética e a noção de valores. A autora afirma que o
Brasil é um país 85% cristão e traz dados de feriados santos e nome de
cidades que levam a tradição católica. Porém, mesmo alegando tudo isso,
incoerentemente Sheherazade afirma que há perseguição contra cristãos no
país, a começar por parlamentares que seguem essa crença. Citando alguns
exemplos irreais de Cristofobia, disserta sobre ataques violentos de militantes e
ateus contra aqueles que seguem a religião cristã.
31
Para defender seu argumento, ela usa a ideia de que liberdade
de expressão tem limites e, por isso, esses militantes não podem dizer ou fazer
aquilo que querem a hora que quiserem e onde quiserem. Um de seus
exemplos desses ataques regados de violência é o episódio da travesti Viviany
Beleboni, que encenou uma crucificação na parada gay de São Paulo em 2015.
Outro episódio que chocou pela violência religiosa foi a encenação
de um travesti durante uma Parada Gay em São Paulo. [...] O
desrespeito à religião majoritária no Brasil, com crimes que se
tornam invisíveis aos olhos da lei, pode ser o princípio das
perseguições. (SHEHERAZADE, 2015, p.83).
Segundo a jornalista, essa perseguição de uma minoria feroz
contra uma maioria de pessoas benevolentes e caridosas é preocupante, já
que, em determinados casos, isso poderia levar ao genocídio da comunidade
cristã no Brasil. De acordo com a jornalista (2015, p.84), “A Cristofobia começa
com o simples preconceito contra cristãos, que evolui para ódio, a perseguição
e pode culminar com a aniquilação.” Fechando esse tópico, alega que a mídia
compactua com essa ideia de Cristofobia, comparando a situação ao nazismo
alemão, que teve apoio máximo da imprensa na época.
Para fechar o capítulo, o último tópico ganha o nome de “Crise
de valores”. Para isso, Rachel Sheherazade afirma que os maiores valores do
ser humano são a família, a educação, a moral, a cultura e a política. Também
traz a ideia fascista de que vivemos em uma época em que existe relativismo
em tudo, ou seja, não existe verdade absoluta para determinadas pessoas, e
esse é o maior problema.
Esse argumento é fascista porque, em uma democracia, é
necessário que haja relativismo para que possa haver respeito a toda e
qualquer singularidade.
O fascista não consegue relacionar-se com outras dimensões que
ultrapassem as verdades absolutas nas quais ele firmou seu modo
de ser. Sua falta de abertura, fácil de reconhecer no dia a dia,
corresponde a um ponto de vista fixo que lhe serve de certeza
contra pessoas que não correspondem à sua visão de mundo
preestabelecida. (TIBURI, 2015, p.24).
32
Como exemplo dessa verdade absoluta, Sheherazade cita a
configuração de uma família: deve ser composta de um homem e uma mulher.
Outras ideias de família, por exemplo, cairiam no relativismo. Questões de
filiação também entram nessa rede: composto de um pai e uma mãe. Qualquer
noção diferente dessa também cairia no relativismo. Esse pensamento de que
existe apenas uma verdade absoluta (e é a que ela crê) é extremamente
preconceituoso com outros tipos de vida e configurações familiares.
Os ventos do relativismo sopram com forma no Brasil do século
21. [...] Embora, legalmente, segundo o artigo 226 da Constituição
Federal do Brasil, a família seja a comunidade formada por
homem, mulher e seus filhos ou, ainda, por qualquer dos pais e
seus descendentes, na prática grupos heterodoxos, como os
homoafetivos, formados por casais homossexuais, e os
poliafetivos, formados por casais poligâmicos, também vêm sendo
interpretados como entidades familiares. (SHEHERAZADE, 2015,
p.86).
Dentre outras crises de valor, a escritora cita também a justiça
que protege bandido, a política corrupta e a tentativa de legalização do aborto e
da maconha. Sheherazade não utiliza análises profundas e importantes sobre
cada tema que é relacionado à sociedade brasileira (que, por sinal, é laica),
mas sim sua crença pessoal e religiosa para discernir e discutir sobre qualquer
assunto. Por isso, usa citações e se embasa em clérigos católicos para
defender sua posição.
O capítulo três do livro foi batizado de “O tratamento” e traz
sugestões de como curar o país. Segundo a jornalista, os males do Brasil
nascem dos próprios brasileiros e a equivocada forma de pensar, que é
consequência da identidade herdada pelos colonizadores. O chamado “jeitinho
brasileiro” e a ideia do malandro são os piores entraves para a melhoria da
nação, segundo ela.
Para a autora, é necessário renovar os valores antigos pela
mudança de pensamento de cada um. Ou seja, a responsabilidade para que o
país possa melhorar é dos cidadãos. Por isso fala sobre a transformação do
indivíduo e como isso pode causar um efeito cascata no círculo de convivência
de cada um. Ela também aborda a transformação da família, alegando que o
comportamento ético e moral nascem desse nicho. Para Rachel Sheherazade,
33
uma família desestruturada moralmente é a causa de todos os males da
sociedade.
Ela também discorre sobre a transformação das instituições,
tanto privadas quanto públicas. Segundo a jornalista, empresas representam
um papel positivo na sociedade, já que arrecadam impostos que deveriam ser
utilizados na melhoria de serviços coletivos. Porém, para que essas instituições
possam melhorar, é necessário que haja consumidores mais conscientes que
transformem, por influência, as empresas em empresas cidadãs.
A transformação das leis também é essencial para a autora,
que alega existir um excesso delas no Brasil, que mais atravancam sua cura do
que ajudam. A partir disso é que se dará a transformação do Brasil como um
todo. Para a escritora, o país se transformará pela ética de cada um, por isso é
necessária uma mudança de pensamento.
Outra transformação urgente é a da educação. Segundo
Sheherazade, muitos brasileiros não se preocupam com a educação, não só
necessariamente os políticos. Mesmo pais e alunos dão pouco valor para ela.
Porém, mesmo fazendo uma crítica, ela vê a situação com otimismo, citando
exemplos de adolescentes que se mobilizaram para auxiliar as causas em prol
da educação pública.
A indignação é outra forma de transformar o Brasil, segundo a
jornalista. Para ela, os cidadãos estão acomodados, portanto protestos são
importantes para a mudança do país. Finalizando, disserta sobre a
transformação pelo voto e de como a população deve se tornar um eleitorado
consciente ao fazer suas escolhas. Para concluir o livro, Rachel Sheherazade
escreve sobre sua oportunidade no jornalismo opinativo e se usa como
exemplo de transformação.
Em um misto de autoajuda e preconceito, o livro O Brasil tem
cura traz toda a visão de mundo da jornalista, que não deixa de lado suas
críticas e discursos de ódio em nome da ética da profissão. Em certos
momentos, é nítida a boa vontade que tem em transformar para melhor o
ambiente onde vive. Porém, de maneira muito errônea, deixa escapar suas
intolerâncias e preconceitos com a opinião alheia e com homossexuais,
cotistas e beneficiários do programa Bolsa Família; além de se aprofundar
pouco em assuntos de integral urgência e preocupação para o país. Sua
34
análise dos problemas é extremamente superficial, trazendo não soluções e
propostas reais, mas opiniões religiosas, conservadoras, curtas e vazias sobre
o que deveria ser feito.
A crítica a ativistas gays que fazem manifestações em público
(como um simples beijo) vem embasada da ideia de que a liberdade de
expressão tem limites. Mas, essa mesma noção parece não se aplicar à
jornalista quando o assunto é direitos humanos (o qual ela faz questão, ao
longo de todo o livro, de falar mal). Dentro do jornalismo, sempre haverá
espaço para diferentes opiniões. Porém, dentro do jornalismo opinativo, não
pode haver nenhum espaço para o discurso de ódio e o preconceito.
35
4 O CENÁRIO JORNALÍSTICO
4.1 JORNALISMO OPINATIVO
A obra de José Marques de Melo, Jornalismo Opinativo:
gêneros opinativos no jornalismo brasileiro (2003), traz um estudo acerca do
tema, clareando o entendimento sobre a história do jornalismo e classificando
os formatos de jornalismo opinativo existentes. Segundo ele, o jornalismo é
uma ciência difícil de ser estudada, já que tem uma “natureza mutável, melhor
dizendo, não definitiva, dos conceitos, categorias e esquemas empregados no
estudo científico do jornalismo”. (MELO, 2003, p.13).
O jornal impresso foi, desde sua criação e por muito tempo, o
único meio de informação da sociedade. A imprensa eclodiu em um momento
em que as ideias e a informação precisavam ser mais rápidas. Criada no
século XV, as primeiras publicações eram gazetas e avisos, contendo apenas
descrição de acontecimentos, evitando-se notícias políticas contendo
julgamentos de valor.
“O autêntico jornalismo – processos regulares, contínuos e
livres de informação sobre a atualidade e de opinião sobre a conjuntura – só
emerge com a ascensão da burguesia ao poder e a abolição da censura
prévia” (MELO, 2003, p.22), entre os séculos XVII e XVIII. Notícias que falavam
sobre política, comportamento e que continham crítica à sociedade eram
veiculadas periodicamente em jornais impressos.
De qualquer maneira, o fim da censura prévia constituiu um fator
preponderante para que o jornalismo assumisse fisionomia
peculiar – a de uma atividade comprometida com o exercício do
poder político, difundindo ideias, combatendo princípios e
defendendo pontos de vista. (MELO, 2003, p.23).
A partir do século XIX, o jornalismo puramente informativo
começou a ganhar mais espaço, tornando-se um padrão. Isso aconteceu
porque a notícia, principalmente em países capitalistas, passou a ser
mercadoria, dando voz a quem pagava mais. Porém, mesmo que a hegemonia
seja da informação a partir dessa época, José Marques de Melo traz a ideia de
que os processos jornalísticos, mesmo sendo informativos, contêm sua
36
ideologia própria, dependendo da visão de quem escreve e para quem escreve.
“Cada processo jornalístico tem sua dimensão ideológica própria, independente
do artifício narrativo utilizado”. (MELO, 2003, p.25).
O jornalismo é dividido em quatro categorias gerais:
informativo, opinativo, interpretativo e de entretenimento, sendo a primeira a
mais importante delas.
Hoje, o primeiro propósito e responsabilidade do jornalismo é
assegurar ao povo a informação. Essa responsabilidade requer
uma completa objetividade nas notícias. A necessidade de
interpretação e explanação das notícias em nossa época é
realmente visível. A vida tem se tornado tão complexa e seus
interesses tão diversos que mesmo os especialistas ficam
confusos em seu próprio campo do conhecimento [...]. Desde os
primeiros tempos, o jornalismo tem procurado influenciar o
homem. [...] o jornal esforça-se abertamente por influenciar seus
leitores através de seus artigos, editoriais, caricaturas e colunas
assinadas. O rádio também, abertamente, procura influenciar por
meio de seus comentaristas, de suas entrevistas e de muitos
locutores que advogam vários pontos de vida enquanto a televisão
procura impressionar os seus espectadores por meio de suas
mesas-redondas, documentários e entrevistas. (BOND apud
MELO, 2003, p.27).
Os meios jornalísticos são considerados, pelo autor, aparatos
ideológicos. O simples fato de selecionar determinadas notícias e não outras já
é uma forma de opinar sobre determinadas questões. Isso ocorre também com
pautas, tipo de cobertura e fontes escolhidas. Tanto a opinião do repórter
quanto a linha editorial do meio de comunicação influenciam nesse fator. A
escolha de manchetes, capas, títulos e até mesmo imagens são, indiretamente,
uma forma de mostrar uma determinada visão de um determinado assunto.
Nada está imune à parcialidade jornalística.
O jornalismo opinativo, segundo Melo (2003, p.29),
[...] reage diante das notícias, difundindo opiniões, seja as
opiniões próprias, seja as que lê, ouve ou vê. Nesse sentido,
assemelha-se à instituição do Fórum na Grécia Antiga, atuando
como conselheira, como formadora de opinião.
Dentro da categoria de jornalismo opinativo, existem diversos
gêneros, como editorial, artigo, resenha, coluna, crônica, caricatura, carta e o
que mais interessa para este trabalho: o comentário.
37
Explanando melhor cada categoria, temos que o editorial
mostra a opinião da empresa, que é resultado do consenso dos pontos de vista
dos diferentes núcleos: empresa, jornalistas, colaboradores (patrocinadores,
anunciantes, estado etc.) e leitores. Por ser um espaço de amplas visões, por
vezes pode ser contraditório. Diferentemente do que parece, um editorial não é
feito para o público leitor, e sim, para o próprio Estado.
Não se trata de uma atitude voltada para perceber as
reivindicações da coletividade e expressá-las a quem é de direito.
Significa muito mais um trabalho de ‘coação’ ao Estado para a
defesa de interesses dos segmentos empresariais e financeiros
que representam. (MELO, 2003, p.105).
Já o artigo é a junção de uma matéria composta por dados e
informações com a opinião de quem o escreve. Nele, o autor interpreta, julga e
explica um fato ou uma ideia atual. Esse tipo de texto não é necessariamente
escrito por um jornalista, podendo ser feito por especialistas no assunto tratado
ou até mesmo por um leitor assíduo.
A resenha é outro gênero do jornalismo opinativo. Geralmente
de alguma obra artística, resenhas analisam mercadorias da indústria cultural.
Ou seja, o maior objetivo da resenha é vender (ou não) determinado produto.
Por conta do aumento do consumismo, gêneros como a resenha tem ganhado
mais espaço, principalmente em jornais impressos e mídia online.
Por sua vez, a coluna é um gênero dividido em quatro tipos:
padrão, em que são expostos assuntos editoriais de menor importância;
miscelânea, que não tem um padrão fixo, podendo pender para o humor e o
sarcasmo de determinada situação; mexericos, que se baseiam em fofocas e
pessoas; e bastidores da política. A coluna “procura trazer fatos, ideias e
julgamentos em primeira mão, antecipando-se à sua apropriação pelas outras
secções dos jornais, quando não funciona como fonte de informação” (MELO,
2003, p.140).
A crônica é um gênero opinativo brasileiro. É qualificada como
um relato literário ou poético do real. Suas características mais marcantes são:
fidelidade ao cotidiano e crítica social. A crônica não se restringe ao jornal
impresso diário, podendo existir também na TV, no rádio e como gênero
literário.
38
As caricaturas são muito usadas para expressar
descontentamento com determinadas questões. Geralmente, servem para
ridicularizar e/ou afetar alguém. Esse gênero surgiu com os avanços
tecnológicos e a popularização do jornal. “A opinião se manifesta explícita e
permanentemente através da caricatura, cuja finalidade satírica ou humorística
pressupõe a emissão de juízos de valor”. (MELO, 2003, p.163).
A carta é um dos únicos espaços que o leitor ainda tem de
manifestar sua opinião dentro do jornalismo, principalmente no impresso.
O comentário é um gênero opinativo recente no jornalismo.
Introduzido no rádio e na televisão por conta da rapidez da notícia, seu objetivo
é trazer um ponto de vista sobre determinado assunto.
De acordo com o autor (2003, p.112), não é qualquer jornalista
que pode ser comentarista. Ele deve ter bagagem cultural e experiência para
isso. “O comentarista é um profissional que possui farta bagagem cultural, e
portanto tem elementos para emitir opiniões e valores capazes de credibilidade.
Atua assim como líder de opinião”. Um comentarista não deve impor nenhuma
opinião e nem demonstrar paixão em suas falas. “Raramente o comentário é
conclusivo. Arriscar uma conclusão é perigoso, já que se torna exíguo o tempo
que tem o comentarista entre a ocorrência e a sua apreciação”. (p.116).
Contudo, o comentarista não é um julgador partidário, alguém que
faz proselitismo ou doutrinação. É um analista que aprecia os
fatos e estabelece conexões, sugere desdobramentos, mas
procura manter, até onde é possível, um distanciamento das
ocorrências. (MELO, 2003 p.112).
Outro ponto importante sobre os comentaristas é que não deve
(ou não deveria) haver comentaristas de assuntos gerais. “Por sua própria
natureza, o comentário exige especialização. Não há comentarista de assuntos
gerais. Comentar é uma tarefa que pressupõe ancoragem informativa e
perspectiva histórica”. (MELO, 2003, p.116). Existem três tipos de comentários:
aquele que analisa um problema, aquele que documenta um fato e aquele que
critica alguma situação.
É fácil perceber, nesse caso, que a jornalista Rachel
Sheherazade, por exemplo, foge da regra do “ser comentarista”. Podemos
levantar alguns pontos: ela não é especialista em nenhum assunto em
39
particular, comentando sobre todo e qualquer tema; ela não tem experiência
suficiente na carreira jornalística para que se possa arcar com as
responsabilidades morais, éticas e legais de um comentarista; ela, mesmo
fazendo comentários opinativos, não tem a destreza de deixar suas paixões e
emoções de lado para que o trabalho seja sério e profissional como deve ser;
ela impõe suas ideias com agressividade, concluindo o pensamento pelo
próprio telespectador.
A forma autoritária com que a jornalista apresenta suas visões
de mundo mostra, de maneira clara, que Sheherazade não é uma jornalista
opinativa de qualidade, que segue os preceitos éticos da profissão. Além disso,
é fácil perceber suas características fascistas e conservadoras quando ela usa
e repete ideias e frases prontas, já que “o autoritarismo é ‘citacionista’. Repete
ideias lançadas no âmbito da propaganda fascista, ela mesma viciosa e
repetitiva”. (TIBURI, 2015, p.37).
4.2 O ALCANCE DO JORNALISMO
Muito sabemos e estudamos sobre o alcance que a grande
mídia conquistou. O jornalismo, hoje, é dono de muita responsabilidade quanto
à informação e formação de opinião de sua audiência, seja ela pela web, pelo
jornal impresso, por rádio ou televisão, sendo este último o mais influente até o
presente momento. Segundo uma estatística feita pela empresa de dados e
consultoria em telecomunicações, a Teleco, até 2014, 97,1%6 da população
tinha ao menos um aparelho de televisão em casa. Isso nos mostra, em
números, o tamanho do poder de uma mídia como essa no Brasil.
No livro Cultura de Massas no Século XX, Edgar Morin (2011)
evidencia as consequências causadas pela cultura de massas em uma
sociedade, sejam elas psicológicas ou sociais. No livro, o autor traz à tona
mitos que são passados por essa cultura e que acabam condicionando
questões existenciais do público, principalmente relacionadas a sentimentos
(amor, felicidade, prazer, raiva etc.).
6 Informação disponível em: <http://www.teleco.com.br/nrtv.asp>. Acesso em: 12 out. 2015.
40
Ainda de acordo com o autor, a partir do momento em que
surgiu a imprensa, a cultura de massas passou a ser mais disseminada. Ou
seja, a cultura de massas é uma cultura mais acessível. Logo, a televisão,
atualmente, pode ser considerada o maior meio tanto de informação quanto de
cultura massiva.
Inicialmente (e teoricamente), essa é uma questão positiva
dentro do cenário da sociedade, já que mais pessoas teriam acesso a
diferentes tipos de arte e informações. Isso porque no começo do século XX,
quando se passou a disseminar mais a “cultura para o povo”, existiam barreiras
gigantescas entre classes sociais, pois os níveis de educação eram muito
distantes um do outro. Sendo assim, quem tinha mais acesso à educação,
tinha também mais acesso à cultura “clássica”.
Porém, essa cultura de massas é usada de maneira diferente
e, na prática, acaba idealizando os gostos e vontades da sociedade de acordo
com “quem manda”. Por exemplo, se um fascista, racista e homofóbico for
quem comanda alguma parte da indústria cultural (setor responsável pela
“fabricação” da cultura de massas), ele produzirá conteúdos que lhe agrade e
convença (ou exclua) quem não lhe agrade.
Dessa forma, trazemos a imprensa como parte dessa cultura,
que pretende angariar seguidores de acordo com sua ideologia.
A cultura de massas, portanto, é uma “terceira Cultura, oriunda
da imprensa, do cinema, do rádio, da televisão, que surge, se desenvolve, se
projeta ao lado das culturas clássicas – religiosas ou humanistas – e
nacionais”. (MORIN, 2011, p.4).
Novamente voltamos à tecla da responsabilidade da imprensa
quanto à formação de opinião e caráter de sua audiência. Morin (2011, p.5)
também coloca que “uma cultura orienta, desenvolve e domestica certas
virtualidades humanas, mas inibe ou propõe outras”.
“O consumo da cultura de massa se registra em grande parte
no lazer moderno” (MORIN, 2011, p.58). O lazer moderno, para muitos
brasileiros trabalhadores, é chegar em casa, ligar a TV e descansar no sofá. É
aí que ele entra no universo da indústria cultural televisiva e hipnótica. Novelas,
programas de entretenimento e, mais do que nunca, o jornalismo têm sido
responsáveis pela criação de ideologias e distrações para o trabalhador.
41
Disso tudo podemos concluir que a) a imprensa passou a ser
uma poderosa fábrica de cultura de massas; b) o homem passou a se ocupar,
em suas horas de lazer, dessa mesma cultura de massas; c) o homem passou
a ser mais influenciado pela mídia; d) a responsabilidade da mídia perante suas
falas e discursos deveria ser maior.
É necessária uma preocupação grande com os tipos e modos
de discursos dentro do jornalismo, principalmente pela televisão. A audiência,
por ser grande e, muitas vezes, fiel, passa a ser fragilizada e afetada por
qualquer afirmação constatada nas emissoras de TV. Mais do que isso: a
audiência se encontra envolvida e compatível com parte do discurso,
satisfazendo, quase sempre, seu desejo de estar presente em um grupo. O
cuidado também é necessário, pois o ódio e o preconceito são sentimentos
que, dentro de uma sociedade assim criada, são motivos de prazer, mesmo
que inconscientemente. “A crueldade paradoxal da consciência moral é que ela
se nutre justamente das satisfações que lhe oferecem”. (GORI, 2006).
Logo, alguns comentários podem levar a ideias violentas de
como se portar em uma sociedade. Como citado no capítulo anterior, o caso do
comentário sobre o menino amarrado ao poste é uma clara e preocupante
incitação à violência, produzindo afetos como raiva, medo e ódio. Essas são
atitudes que precisamos compreender e frear.
Se pensarmos nos discursos de incitação à violência – uma das
formas expressivas do ódio – veremos que ela é transmitida de
cima para baixo, como numa engrenagem acionada de fora.
Líderes políticos, publicitários, jornalísticos e todos os que detêm o
discurso podem ligar essa máquina incitando o ódio. (TIBURI,
2015, p.34).
4.3 JORNALISMO, PRECONCEITO E FASCISMO
Não é de hoje que jornalistas usam do discurso de ódio para
impor algumas ideias e ideais de sociedade. Mesmo que, ao contrário do que
dizem alguns pessimistas, a mídia não esteja fadada ao discurso massivo e
enrijecido e que a imprensa alternativa esteja crescendo e se consolidando
cada vez mais (principalmente na web), a maneira como a parte ruim ainda tem
força é preocupante e assustadora.
42
Para que possamos combater o discurso daqueles que dizem
que a crise ética na profissão jornalística não passa de uma teoria
conspiratória, usaremos uma análise feita por Adorno e descrita no artigo “A
Técnica Psicológica das Palestras Radiofônicas de Martin Luther Thomas”
(1943).
Nesse trabalho, o autor analisou o discurso de um radialista
fascista e religioso que se utilizava de ideias preconceituosas. Sua maneira de
se promover e de usar a comunicação se assemelhava às técnicas usadas por
Hittler quando estava no poder.
A partir disso, podemos comparar a maneira de comunicação
usada por ele com a imprensa atual, que usa maneiras parecidas ou até
mesmo iguais para chegar onde quer. Para entendermos melhor, “o que
chamamos de fascista é um tipo psicopolítico bastante comum. Sua
característica é ser politicamente pobre. O empobrecimento do qual ele é
portador se deu pela perda da dimensão do diálogo”. (TIBURI, 2015, p.23).
A forma de tentar enlaçar o público tanto antes como agora
permanece a mesma: trazendo mais proximidade entre o jornalista e o
telespectador/ouvinte/leitor. Para Adorno, Martin Luther Thomas fazia isso de
uma maneira eficaz. Segundo ele, o radialista
[...] não apenas se refere aos interesses mais imediatos dos seus
ouvintes como, também, abarca a esfera privada do orador que,
assim, faz parecer que tem em seus ouvintes pessoas de sua
confiança e que pode passar por cima das distâncias que separam
as pessoas. (ADORNO, s.d.).
Algumas coisas mudaram na relação do “jornalista” (que está
mais para pop-star do que para profissional do ramo) com o seu público da
primeira metade do século XX para cá. Antes, era mais proveitoso que a
audiência não soubesse muito sobre a vida privada deles. Hoje, em alguns
casos, acontece o contrário.
Utilizando como exemplo a jornalista Rachel Sheherazade, sua
vida particular foi levada de programas de entretenimento a entrevistas para
revistas. Essa rotina foi criada após sua fala polêmica sobre o garoto, suspeito
de furto, que foi amarrado em um poste, para que ela pudesse se defender das
críticas. Uma de suas estratégias de defesa foi abrir sua vida pessoal para que
43
as pessoas achassem que suas palavras não eram um discurso de ódio, e sim,
uma opinião de alguém que é “normal” e que leva uma vida como tantos outros
trabalhadores brasileiros.
Porém, voltando ao radialista de mais de 70 anos atrás,
podemos observar como as manobras de manipulação ainda são
extremamente atuais. A ideia é manter-se cada vez mais próximo ao ouvinte
para que este, como explicado anteriormente, possa realizar aquilo que a
ideologia da imprensa elitista deseja, mas não está apta a fazer. Ou seja,
utilizam-se da população para fazer o “trabalho sujo”, seja ele perpetuar o
preconceito como forma de pensar ou praticar atos e atrocidades físicas.
O principal é, antes, a ideia de que o fraco pode se tornar forte, se
ele entregar sua existência privada ao movimento, à causa, à
cruzada ou qualquer outra coisa. Referindo-se a si próprio de
maneira ambivalente, como homem e super-homem, fraco e forte,
próximo e distante, o líder fascista serve de modelo para cada
atitude que ele procura firmar em seus ouvintes. (ADORNO, s.d.).
Isso significa, em outras palavras, a ideia de sentimento de
poder, “contágio” e “sugestionabilidade” de Le Bon, citadas no segundo
capítulo.
A propaganda fascista permanece se disseminando da mesma
forma (não usamos aqui a palavra “propaganda” no sentido publicitário, mas
sim no sentido de propagar um discurso, manipulando a população). “A
propaganda fascista, a propaganda do ódio, prega a intolerância, afirma coisas
estarrecedoras com alto teor performativo, ou seja, capaz de provocar efeitos e
orientar ações”. (TIBURI, 2015, p.41). É essa propaganda que precisamos
parar. É essa tolerância ao ódio e ao preconceito que precisamos exterminar
tanto do jornalismo quanto da sociedade.
A autora Marli Quadros Leite, em seu livro Preconceito e
Intolerância na Linguagem, disserta sobre questões de preconceito e
intolerância dentro de alguns setores da imprensa, principalmente a escrita, e
faz uma análise sobre como isso acontece. No livro, a autora bate na tecla do
preconceito linguístico, porém também cita outros tipos de preconceito e como
isso pode afetar a sociedade. “Antes de tudo, como sabemos muito bem, a
44
linguagem é social, plena de valores, é axiológica e, por meio dela, consciente
ou inconscientemente, o falante mostra sua ideologia”. (LEITE, 2008, p.14).
A partir desse pensamento, podemos levar em conta e até
mesmo concluir que o discurso da jornalista Rachel Sheherazade não é limpo e
destituído de conceitos pré-concebidos. Eles estão tão carregados quanto
qualquer ato mais claramente intolerante.
A metalinguagem intolerante (ou preconceituosa) camufla (ou
denuncia) outros preconceitos, de todas as ordens. Isso significa
que o preconceito ou a intolerância não são somente linguísticos,
são também de outra ordem (social, política, religiosa, racial etc.).
(LEITE, 2008 p.14).
A cadeia alimentar do preconceito, assim como mostra a
autora, é cíclica e viciosa. Ou seja, a partir de uma fala ou de um modo de
linguagem é possível desencadear outros tipos de preconceito. Dessa forma, a
responsabilidade sobre como e o que se fala dentro da imprensa é muito maior
do que se imagina.
O quadro analisado, protagonizado por Sheherazade, não é o
único dentro da imprensa. A todo momento acontecem situações parecidas,
como por exemplo nos jornais policiais ou até mesmo no modo que alguns
editoriais são escritos em jornais impressos. O preconceito e a intolerância
estão espalhados pela mídia.
No mundo moderno, pela expansão das mídias, a todo momento
acontecem episódios em que as pessoas experimentam, ou
simplesmente tomam conhecimento de casos de preconceito ou
de intolerância, materializados pela linguagem. (LEITE, 2008,
p.17).
Um exemplo de texto preconceituoso linguística e socialmente
é o do jornalista da Folha de São Paulo, Fernando Rodrigues, em 2007. O texto
também é usado como exemplo pela autora (2008, p.18) citada acima.
O crepúsculo de Renan7
É impossível prever o desfecho da crise na qual
mergulhou o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMBD-
7 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1606200704.htm>. Acesso em: 12 nov.
2015.
45
AL). Como o processo já começou, ele só pode ser absolvido
ou cassado. Não há mais a hipótese de renunciar para fugir de
uma eventual punição. Há um certo tom patético em todo o
caso, como nos escândalos políticos midiáticos de qualquer
país. Homem casado, relação fora do casamento, filha, mulher
bonita, pensão em dinheiro vivo e rebanho de gado fabuloso no
interior de Alagoas. O azar de Renan é a fácil inteligibilidade da
sua encrenca. Poucos brasileiros sabem descrever o longínquo
caso dos precatórios ou mesmo o conteúdo da recente
Operação Hurricane, da PF.
Mas filha fora do casamento, dinheiro vivo e vacas
milionárias suspeitas todos entendem. Para completar, Renan
Calheiros não é um qualquer. Preside o Senado. Foi aliado de
todos os governos pós-ditadura militar: Sarney, Collor, Itamar,
FHC e Lula. Tem sotaque nordestino. É o protótipo do político
marcado para ser detestado no Sul e no Sudeste – mesmo que
os eleitores dessas regiões despachem para Brasília certos
clones caucasianos do mesmo Renan. (grifo da autora)
A primeira reação ao ler o texto é de que o autor não é a favor,
politicamente, do atual presidente do Senado, Renan Calheiros. O objetivo do
trabalho não é debater sobre questões políticas, mas sim analisar o
preconceito e a intolerância dentro da fala da imprensa. Portanto, em uma
segunda análise do texto publicado na Folha, podemos perceber que o autor
faz uma referência à má atuação política de Calheiros dando como motivos
para isso ter uma determinada origem: a nordestina.
Como já está muito claro que o preconceito existe (assumido
ou não), é necessário que se entenda, de fato, o significado das palavras
“preconceito” e “intolerância”. Apesar de as duas terem ideias parecidas, elas
não são sinônimas. “Preconceito é a ideia, a opinião ou o sentimento que pode
conduzir o indivíduo à intolerância, à atitude de não admitir opinião divergente
e, por isso, à atitude de reagir com violência ou agressividade a certas
situações”. (LEITE, 2008, p.20).
Sobre essa definição, voltamos novamente a pensar no caso
do menino amarrado ao poste, citado no capítulo anterior. Mesmo que ele
tenha praticado atos ilícitos, mesmo que ele tenha a “ficha mais suja do que
pau de galinheiro” (como disse Sheherazade), tratar a situação com violência e
agressividade esboça não uma “indignação com o caso”, mas sim um
preconceito tão grande a ponto de levar as pessoas que praticaram o ato a
agirem assim. Esboça uma tolerância com a violência. Além disso, a
intolerância maior para com o menino (menor de idade, negro e pobre) não foi
46
apenas dos “justiceiros”, mas também da jornalista Rachel Sheherazade que,
para perpetuar seu preconceito e ideologia, tolerou, em sua fala, uma atitude
como essa.
Marli Quadros cita Norberto Bobbio, filósofo italiano, que
elucida sobre a intolerância e diz que ela “refere-se à incapacidade de o
indivíduo conviver com a diversidade de conceitos, crenças e opiniões”
(BOBBIO apud LEITE, 2008, p.21). Ele também afirma, conforme a autora, que
[...] muito sumariamente, a intolerância pode ser definida como
uma atitude de ódio sistemático e de agressividade irracional com
relação a indivíduos e grupos específicos, à sua maneira de ser, a
seu estilo de vida e às suas crenças e convicções. (BOBBIO apud
LEITE, 2008, p.21).
Algumas pessoas se perguntam como a jornalista, nesse caso,
é intolerante, já que ela “apenas deu sua opinião”. Porém, voltando novamente
no assunto e deixando de lado toda a parte de responsabilidade de um
discurso como esse no maior veículo de comunicação do país, Bobbio nos
clareia as ideias, mais uma vez, dizendo que
[...] tolerância em sentido negativo é sinônimo de indulgência
culposa, de condescendência com o mal, com o erro, por falta de
princípios, por amor da vida tranquila ou por cegueira diante dos
valores. (BOBBIO apud LEITE, 2008, p.24).
Todo esse conjunto de fatores, portanto, leva a uma exclusão
de determinados grupos sociais, trazendo contra (e com) eles comportamentos
violentos e que atingem a integridade física e moral da população. As
consequências, nesses casos, são graves e grandiosas, impedindo-nos até
mesmo de mensurar seu tamanho.
O jornalismo, atualmente, mostra várias faces da direita radical.
Jornalistas como Rachel Sheherazade não se escondem mais e não têm mais
medo de proclamar ódio e preconceito disfarçados de simples opinião. Esse
jornalismo obscuro e perigoso renasceu depois de muito tempo escondido nas
sombras da ditadura e, dessa vez, com um poder de alcance ainda maior. São
dos mais variados perfis: uns mais radicais, outros menos; uns mais violentos,
outros que escondem melhor. Nomes como Reinaldo Azevedo, Arnaldo Jabor,
Luíz Felipe Pondé, Merval Pereira, entre outros passam por esse leque de
47
profissionais que seguem a mesma linha de Sheherazade. Porém, poucos (ou
quase nenhum) com a mesma capacidade hipnótica da jornalista em questão.
Além de estarem nas televisões, jornais impressos e rádio, hoje
o jornalismo conta com outra ferramenta: a internet. É fato que o boom da
internet e das redes sociais tem democratizado cada vez mais o acesso à
informação. De acordo com a primeira pesquisa feita pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE)8 sobre o assunto e divulgada em abril desse
ano, 49,4% dos brasileiros já utilizam a internet como fonte de informação.
Ainda segundo essa mesma pesquisa, 71,1% dos domicílios têm internet
banda larga em casa. Dessa forma, esse tipo de jornalismo sem escrúpulos e
ética, amparado por todos os meios de comunicação, ganha, cada vez mais,
um espaço notório e assustador.
Meios de comunicação em geral, inclusas as redes sociais e
grande parte da imprensa, onde ideologias e indivíduos podem se
expressar livremente sem limites de responsabilidade ética e legal,
estabelecem compreensões gerais sobre fatos que passam a
circular como verdades apenas porque são repetidas. Quem sabe
manipular o círculo vicioso e tortuoso da linguagem ganha em
termos de poder. (TIBURI, 2015, p.60).
É certo que a liberdade de expressão foi uma vitória
reconquistada pela classe jornalística após a ditadura militar. Justamente por
ela ser tão importante que muitos profissionais do ramo deveriam se preocupar
com a forma como lidam com seus trabalhos e comentários. O discurso de ódio
nada tem a ver com liberdade de expressão e muito menos com o jornalismo
opinativo. O discurso de ódio vai contra o código de ética jornalístico. O
discurso de ódio deve ser identificado, evitado e banido do seio da profissão.
4.4 OUTROS EXEMPLOS DE PRECONCEITO
Existem ainda diversos outros exemplos de preconceito dentro
do jornalismo. Alguns culminaram em demissões, outros, apenas em
desligamento por parte dos próprios jornalistas. O trabalho não visa analisar
8 Disponível em:
<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2013/>.Acesso em:
23 nov. 2015.
48
todos eles, já que não são poucos e muitos nem se encontram mais em
circulação.
Vivemos em uma época em que se pode dizer tudo sobre
qualquer coisa sem consequência alguma. Por conta da internet, tem sido cada
vez mais difícil identificar e até mesmo frear as propagações desse tipo de
comentário. Será um desafio para os próximos estudiosos do ramo e para a
própria legislação regulamentar e reeducar uma população que não tem
reparado na linha tênue entre o jornalismo opinativo e o discurso de ódio.
A título de complementação, seguem outros dois comentários
preconceituosos dos últimos anos. O primeiro é de Luiz Carlos Prates, ex-
comentarista da RBS (afiliada da rede Globo), de 20119:
É só isso. As pessoas saem absolutamente desatinadas por uma
pressa que não se justifica por nenhuma razão. Eu andei ontem
na BR-101. Nunca a tinha visto com tanto movimento nem em dias
de semana. Ontem era metade de um feriadão. Quem tinha que
ter saído já tinha saído e ainda era muito cedo pra voltar pra casa.
Mas o que é isso? Antes de mais nada, a popularização do
automóvel. Hoje qualquer miserável tem um carro. O sujeito
jamais leu um livro, mora apertado numa gaiola que hoje chamam
de apartamento, não tem nenhuma qualidade de vida, mas tem
um carro na garagem. E este camarada, casado, como não
suporta a mulher nem a mulher suporta ele, saem, vão pra
estrada, vão se distrair, vão se divertir. E aí, inconscientemente, o
cara quer compensar as suas frustrações com excesso de
velocidade. Tem cabimento um camarada não vencer a curva?
Como se curva fosse feita para vencer. Quando o camarada morre
sozinho, problema dele. Mas e quando mata um inocente? Ontem
havia um acidente na estrada, no trecho norte da BR-101, eu
vinha para Florianópolis, era do outro lado. Os caras paravam do
lado em que eu vinha e atravessavam a pé para ver o que tinha
acontecido. Com um movimento absolutamente incomum. Se um
desgraçado desses é atropelado, e essa é a palavra, se um
desgraçado desses é atropelado e feito sanduíche na pista, o que
é que vão dizer? Este trânsito insano. Insano é cara que para o
carro, atravessa a BR pra ver o que aconteceu com a pessoa.
Então é isso: estontícia, falta de respeito, frustração, casais que
não se toleram, popularização do automóvel, resultado deste
governo espúrio que popularizou pelo crédito fácil o carro para
quem nunca tinha lido um livro.
O segundo comentário é de Silvia Pilz, ex-blogueira do O
Globo, feito em 201510:
9 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=4tbOIuPU5Vs>. Acesso em: 2 out. 2015.
49
O plano cobre
Todo pobre tem problema de pressão. Seja real ou
imaginário. É uma coisa impressionante. E todos têm fascinação
por aferir [verificar] a pressão constantemente. Pobre desmaia em
velório, tem queda ou pico de pressão. Em churrascos, não.
Atualmente, com as facilidades que os planos de saúde oferecem,
fazer exames tornou-se um programa sofisticado. Hemograma
completo, chapa do pulmão, ressonância magnética e etc.
Acontece que o pobre – normalmente – alega que se não tomar
café da manhã tem queda de pressão.
Como o hemograma completo exige jejum de 8 ou 12 horas,
o pobre, sempre bem arrumado, chega bem cedo no laboratório,
pega sua senha, já suando de emoção [uma mistura de medo e
prazer, como se estivesse entrando pela primeira vez em um
avião] e fica obcecado pelo lanchinho que o laboratório oferece
gratuitamente depois da coleta. Deve ser o ambiente. Piso
brilhante de porcelanato, ar condicionado, TV ligada na Globo,
pessoas uniformizadas. O pobre provavelmente se sente em um
cenário de novela.
Normalmente, se arruma para ir a consultas médicas e aos
laboratórios. É comum ver crianças e bebês com laçarotes
enormes na cabeça e tênis da GAP sentados no colo de suas
mães de cabelos lisos [porque atualmente, no Brasil, não existem
mais pessoas de cabelos cacheados] e barriga marcada na
camiseta agarrada.
O pobre quer ter uma doença. Problema na tireoide, por
exemplo, está na moda. É quase chique. Outro dia assisti um
programa da Globo, chamado Bem-Estar. Interessantíssimo.
Parece um programa infantil. A apresentadora cola coisas em um
painel, separando o que faz bem e o que faz mal dependendo do
caso que esteja sendo discutido. O caso normalmente é a dúvida
de algum pobre. Coisas do tipo “tenho cisto no ovário e quero
saber se posso engravidar”. Porque a grande preocupação do
pobre é procriar. O programa é educativo, chega a ser divertido.
Voltando ao exame de sangue, vale lembrar que todo pobre
fica tonto depois de tirar o sangue. Evita trabalhar naquele dia.
Faz drama, fica de cama.
Eu acho que o sonho de muitos pobres é ter nódulos. O
avanço da medicina – que me amedronta a cada dia porque eu
não quero viver 120 anos – conquistou o coração dos
financeiramente prejudicados. É uma espécie de glamourização
da doença. Faz o exame, espera o resultado, reza para que o
nódulo não seja cancerígeno. Conta para a família inteira, mostra
a cicatriz da cirurgia.
Acho que não conheço nenhuma empregada doméstica que
esteja sempre com atacada da ciática [leia-se nervo ciático
inflamado]. Ah! Eles também têm colesterol [leia-se colesterol alto]
e alegam “estar com o sistema nervoso” quando o médico se
atreve a dizer que o problema pode ser emocional.
O que me fascina é que o interesse deles é o diagnóstico.
10 Matéria intitulada “Blogueira do Globo esculacha pobres em artigo espantoso”, feita pelo site
Pragmatismo Político. Disponível em: <http://www.pragmatismopolitico.com.br/2015/01/blogueira-
globo-esculacha-pobres-em-artigo-espantoso.html>. Acesso em: 5 out. 2015.
50
O tratamento é secundário, apesar deles também
apresentarem certo fascínio pelos genéricos.
Mesmo “com colesterol” continuam comendo pastel de
camarão com catupiry [não existe um pobre na face da terra que
não seja fascinado por camarão] e, no final de semana, todo
mundo enche a cara no churrasco ao som de “deixa a vida me
levar, vida leva eu” debaixo de um calor de 48 graus.
Pressão: 12 por 8
Como são felizes. Babo de inveja.
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  • 1. LUIZA BELLOTTO DE VITO A LINHA TÊNUE ENTRE O DISCURSO DE ÓDIO E O JORNALISMO OPINATIVO Londrina 2016
  • 2. LUIZA BELLOTTO DE VITO A LINHA TÊNUE ENTRE O DISCURSO DE ÓDIO E O JORNALISMO OPINATIVO Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Comunicação Social - Jornalismo da Universidade Estadual de Londrina. Orientador: Prof. Dr. Manoel Dourado Bastos Londrina 2016
  • 3. LUIZA BELLOTTO DE VITO A LINHA TÊNUE ENTRE O DISCURSO DE ÓDIO E O JORNALISMO OPINATIVO Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Comunicação Social - Jornalismo da Universidade Estadual de Londrina. ____________________________________ Prof. Dr. Manoel Dourado Bastos Universidade Estadual de Londrina ____________________________________ Prof. Fábio Alves Silveira Universidade Estadual de Londrina ____________________________________ Prof. Márcia Neme Buzalaf Universidade Estadual de Londrina Londrina, _____de ___________de _____.
  • 4. AGRADECIMENTOS Chegar até o momento da entrega do TCC não foi fácil. Foram quatro anos de batalha, trabalhos, correria, insônia e fadiga. Mas também foram quatro anos de gargalhadas, ombro amigo, cerveja pós-aula, premiações e conhecimento. Por todo esse trajeto e pelo nascimento desse trabalho, gostaria de agradecer, primeiramente, aos meus pais e ao meu irmão, por todo apoio e força que eu recebi ao longo desse período. Pela raça da minha mãe que, mesmo doente, segurava a bronca para que eu pudesse estudar, trabalhar e, dessa forma, crescer; pela torcida e carinho do meu pai, que sempre se manteve de braços abertos; pelo companheirismo do meu irmão; e pelo pulso firme do meu padrasto e madrasta, os quais eu tive a sorte imensa de ter como segundos pais. Agradeço também ao meu orientador, por aceitar entrar na loucura que é estudar discursos de ódio e por acredidar que é possível fazer um jornalismo mais digno, ético e humano. Aos componentes da banca, que se prontificaram a me ajudar no que eu precisasse e a ler um trabalho que foi tão difícil de ser feito. Em especial à professora Márcia, que, ao dizer “escolha algo que te incomode”, me deu asas e impulso para conseguir escrever o trabalho. Aos meus colegas de sala, que nunca deixaram a boa vibração e o bom humor serem rebaixados e que sempre deram força um para o outro, principalmente nos momentos de maior correria. Eu não podia ter entrado em uma sala melhor. À minha companheira Bruna, que não popou esforços para trazer a felicidade mais perto de mim, e à minha grande amiga e irmã Bárbara, que sempre esteve presente nos momentos mais terríveis e mais maravilhosos dos meus anos de graduação. Por último, agradeço à Deus, pela oportunidade e permissão de entrar em contato com tanto amor, aprendizado e evolução nesses últimos anos.
  • 5. “Não há futuro em uma sociedade cujo pensamento comum nasce na televisão fascista”. Márcia Tiburi.
  • 6. VITO, Luiza Bellotto. A linha tênue entre o discurso de ódio e o jornalismo opinativo. 2015. 57 folhas. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Comunicação Social – Jornalismo) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2015. RESUMO O objetivo deste trabalho é analisar o discurso de ódio travestido de opinião dentro do jornalismo e estudar a interferência dele dentro da sociedade. O trabalho também busca trazer exemplos contemporâneos desse tipo de jornalismo e as consequências de sua existência para os telespectadores, ouvintes ou leitores. A partir de comparações entre comentários de jornalistas, o trabalho utiliza alguns autores para se basear na hipótese de que o jornalismo opinativo deve existir de forma ética, sem que haja nenhum discurso ofensivo ou de ódio nas entrelinhas dele. Palavras-chave: Preconceito. Jornalismo. Ódio. Ética. Opinião. Sheherazade.
  • 7. VITO, Luiza Bellotto. A linha tênue entre o discurso de ódio e o jornalismo opinativo. 2015. 57 folhas. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Comunicação Social – Jornalismo) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2015. ABSTRACT The aim of this study is to analyze the hate speech disguised of opinion within the journalism and to study its interference in the society. The work also seeks to bring contemporary examples of its type of journalism and the consequences for viewers, listeners or readers, from its existence. By making comparisons between comments of journalists, the paper uses some authors for basing the assumption that the opinionated journalism should exist in an ethical form, without any offensive or hateful speech on its lines. Palavras-chave: Preconception. Journalism. Hate. Ethics. Opinion. Sheherazade.
  • 8. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO................................................................................................................... 08 2 ÓDIO E PRECONCEITO................................................................................................. 10 2.1 RACHEL SHEHERAZADE E O DISCURSO DE ÓDIO ............................................................ 10 2.2 O SENTIMENTO DE ÓDIO .................................................................................................. 11 2.3 LINCHAMENTOS................................................................................................................. 12 2.4 UMA ANÁLISE PSICOLÓGICA ............................................................................................. 15 3 RACHEL SHEHERAZADE E O DISCURSO DE ÓDIO NO JORNALISMO........... 18 3.1 O MENINO NO POSTE ........................................................................................................ 18 3.2 O OUTRO LADO DA MOEDA ............................................................................................... 24 3.3 O BRASIL TEM CURA......................................................................................................... 26 4 O CENÁRIO JORNALÍSTICO ........................................................................................ 35 4.1 JORNALISMO OPINATIVO ................................................................................................... 35 4.2 O ALCANCE DO JORNALISMO ........................................................................................... 39 4.3 JORNALISMO, PRECONCEITO E FASCISMO....................................................................... 41 4.4 OUTROS EXEMPLOS DE PRECONCEITO ............................................................................ 47 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 51 REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 53 ANEXOS ................................................................................................................................ 55 ANEXO A – Captura de imagens da jornalista Rachel Sheherazade no momento dos comentários analisados..............................................................................................54
  • 9. 8 1 INTRODUÇÃO Trabalhar em cima de discursos de ódio não é fácil. As mãos não fluem facilmente no teclado. O estômago, por vezes (muitas vezes), dói. As palavras de perplexidade viraram corriqueiras nos últimos quatro meses de criação. Assistir, incansáveis vezes, a alguns vídeos absurdos que continham racismo, elitismo e preconceitos de forma geral me tiraram noites de sono. Porém, ao mesmo tempo em que tudo isso era grandiosamente difícil e perigoso para minha saúde mental (e física também), era extremamente gratificante ver nascer um trabalho de tal importância, discutindo o que é necessário ser discutido. Antes de escolher o tema estudado, vaguei por outros vários assuntos, passando por assessoria de imprensa, manifestações de 2013, jornalismo no Facebook e Marcha das Vadias. Nenhum deles me inquietava tanto. Então, aceitando um conselho, fui atrás daquilo que me incomodava, daquilo que me tirava do sério. O objetivo deste trabalho foi provar que ainda hoje não há separação clara entre um e outro conceito: o jornalismo opinativo e o discurso de ódio. A pesquisa aborda também questões sobre o jornalismo opinativo em si, trazendo explanações teóricas sobre esse gênero, e sobre o fascismo, defendendo que os discursos podem e devem ser livres, parciais e opinativos desde que não firam os direitos humanos e que não se confundam com discurso de ódio. O trabalho é dividido em cinco capítulos. O primeiro consiste na introdução. O segundo traz conceitos sobre o sentimento de ódio, dando um panorama sobre esse tema ao leitor. Além disso, traz a prática de linchamento como consequência desse sentimento, fazendo uma rápida análise psicológica acerca do assunto. Em seguida, o terceiro capítulo traz reflexões sobre o objeto de estudo do trabalho: a jornalista Rachel Sheherazade, âncora do jornal SBT Brasil. Para isso, abordei, analisei e discuti dois comentários dela, ambos veiculados no ano de 2014. O primeiro é sobre um jovem, menor infrator, negro e pobre que foi amarrado nu a um poste. O segundo é sobre um jovem cantor
  • 10. 9 estrangeiro (Justin Bieber), também menor infrator, porém branco e rico. Há uma clara diferença de tratamento da jornalista para com os dois casos, mesmo os dois contendo infrações como furtos, pichações e desacato. O quarto capítulo elucida e discute o conceito de jornalismo opinativo e o alcance do jornalismo em si, trazendo outros exemplos de discurso de ódio dentro da área. Já o quinto capítulo, traz à tona as minhas considerações sobre o assunto ao longo do período estudado.
  • 11. 10 2 ÓDIO E PRECONCEITO 2.1 RACHEL SHEHERAZADE E O DISCURSO DE ÓDIO As mil e uma noites é um livro mitológico do século IX, da cultura árabe, o qual retrata a história de uma rainha que, para se livrar da morte, conta uma história tão longa ao seu marido que dura mil e uma noites. O fato curioso se dá porque, antes da princesa Sherazade se casar com o rei, ele foi traído por sua ex-mulher. Ao descobrir a traição e matar tanto ela quanto seu amante, o rei jurou que se casaria com uma mulher diferente a cada noite e a mataria na manhã seguinte. Quando Sherazade, a princesa, foi a escolhida da noite, para fugir do final trágico, passa a contar uma história hipnótica e encantadora a ele, fazendo com que, a cada manhã, seu marido desistisse de matá-la. Hoje, no século XXI, outras formas de manipulação e hipnose são realizadas. Um exemplo disso é Rachel Sheherazade, uma das mais polêmicas jornalistas do momento. Sua forma conservadora e retrógrada de pensar a coloca nessa posição. Assim como a princesa Sherazade, ela também é contadora de histórias hipnóticas. Com falas construídas em cima de discursos de ódio e opiniões preconceituosas, Sheherazade conseguiu uma infinidade de seguidores nas redes sociais e sua audiência é grandiosa. Ela contabiliza mais de 1,6 milhões de curtidas no Facebook e mais de 590 mil seguidores no Twitter. Enquanto muitos a adoram, outros discordam de suas posições e comentários racistas, machistas e homofóbicos. Nascida em João Pessoa, na Paraíba, e formada em Comunicação Social pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), atua hoje como âncora do Jornal da Manhã, na Rádio Jovem Pan, e do telejornal SBT Brasil, da emissora SBT. Também já trabalhou como repórter de afiliadas das emissoras Record e Globo e como assessora de imprensa no Tribunal de Justiça da Paraíba.
  • 12. 11 Seu primeiro comentário que ganhou visualização nacional contém uma crítica ao Carnaval do Brasil1. Após ser disseminado e viralizado na internet, a jornalista chamou a atenção de Silvio Santos, dono da atual emissora onde trabalha. A partir desse momento, passou a angariar cada vez mais fãs e ganhar mais espaço para “vomitar” discursos antiéticos sem que seja devidamente advertida. 2.2 O SENTIMENTO DE ÓDIO “Amar se aprende amando. Odiar se aprende odiando”: é o que diz Márcia Tiburi (2015, p.33), em seu livro Como Conversar com um Fascista. Mas como sintetizar esse afeto? O ódio é um dos sentimentos mais antigos que a humanidade conhece. Porém, além de sua historicidade datar dos primórdios da vida na Terra, ele é pouco estudado e os filósofos sempre tiveram uma dificuldade grande em conceituá-lo. Ultimamente, ouve-se muito falar sobre discurso de ódio e o preconceito pautado nesse sentimento, mas pouco se tem esclarecido sobre suas raízes. Logo, antes de chegarmos ao cerne da discussão sobre o discurso de ódio deferido na atualidade, em grande parte, pela mídia brasileira, é importante que esclareçamos, na medida do possível, o conceito de ódio e qual sua influência na psique do homem. O papel deste trabalho não será resolver a questão do conceito de ódio, muito menos minimizar a dificuldade de achar um pesquisador que traga esse dado de forma mais clara. Por conta disso, trabalharemos com o conceito que mais casar com o que temos em mente, a fim de tornar a pesquisa mais inteligível e coerente. De acordo com Roland Gori (2006), psicanalista e professor de psicopatologia clínica na Universidade de Aix-Marseille, em seu artigo “Realismo do Ódio”, “o ódio é realista, seu objeto é o real, ele recusa o aparelho de linguagem onde o sujeito ora se encontra, ora se perde, nos desfiladeiros da palavra”. Isso nos deixa muito clara a permeabilidade odiosa, muitas vezes sem fundamento, nas falas de algumas pessoas como políticos, 1 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=oLmFQxsMbN4 >. Acesso em: 17 jan.2016.
  • 13. 12 formadores de opinião e jornalistas. Ou seja, há um objeto que é atacado por esse sentimento e há um meio de tornar o ódio parte camuflada de um discurso: a fala. Por meio da fala e da linguagem, é possível que haja manipulação de sentimentos e afetos. As ondas de amor e ódio que sustentam e abalam as sociedades não podem ser controladas simplesmente, mas podem ser manipuladas. Esse controle é possível pela linguagem porque ela é a grande produtora de afetos. (TIBURI, 2015, p.35). É óbvia, também, a ideia de que o sentimento do ódio e do preconceito (que nada mais é do que o medo acoplado ao ódio do desconhecido) não é inerente a essa parcela da população (jornalistas e políticos). O ódio e o preconceito, sejam de classe, sexual, de gênero ou de raça, permeiam a sociedade como um todo. Portanto, a discussão que aqui se encontra visa não resolver o problema no geral, mas sim contrariar a mídia atual que oferece a base para que essas práticas se perpetuem. Mais do que cristalizar o ódio no cotidiano das pessoas, o momento em que vivemos hoje permite que os cidadãos possam expor esse ódio, sem que haja consequências legais ou morais. Isso não acontece apenas com a população comum, mas também com pessoas públicas, jornalistas, publicitários etc. Há algo assustador no ódio contemporâneo. Não se tem vergonha dele, ele está autorizado hoje em dia e não é evitado. A estranha autorização para o ódio vem de uma manipulação não percebida a partir de discursos e de dispositivos criadores desse afeto. (TIBURI, 2015, p.30). Sendo assim, delimitando o trabalho apenas para a parte do jornalismo em si, é necessário que combatamos a ideia de que o ódio pode ser pautado e travestido de opinião. 2.3 LINCHAMENTOS Os linchamentos não são uma novidade na sociedade brasileira. Há registros documentais de formas de justiçamento desse tipo no país já na primeira metade do século XVIII, antes mesmo que
  • 14. 13 aparecesse a palavra que o designa. Os jornais brasileiros do final do século XIX, aproximadamente a partir das vésperas da abolição da escravatura negra, trazem frequentes notícias de linchamentos nos Estados Unidos, mas também, no Brasil. Eram linchamentos de motivação racial, contra negros, mas também contra seus protetores brancos. Nessa época, a palavra linchamento já era de uso corrente no vocabulário brasileiro. (MARTINS, 1995). O Brasil sempre teve uma cultura de “justiça pelas próprias mãos”. Desde a época escravista, essa ideia é imposta por gente da elite, ou seja, os senhores de engenho, que castigavam seus escravos por qualquer motivo, do mais grave ao mais leve “pecado”, com chibatadas no tronco, abandono, restrição de comida e, em alguns casos, até com a morte. Aliás, a prática dos linchamentos é naturalizada desde muito tempo. Um exemplo próximo, histórica e geograficamente, é de Tiradentes. Joaquim José da Silva Xavier, mais conhecido por Tiradentes, era um dentista mineiro, comerciante, militar e ativista político. Curiosamente, o apelido “Tiradentes” veio da sua profissão de dentista, a qual ele abandonou quando virou soldado. Ele foi morto em 1792 por enforcamento e esquartejamento pela monarquia portuguesa (sistema político da época). O motivo disso foi sua grande participação na Inconfidência Mineira, movimento que pedia a autonomia do estado de Minas Gerais e protestava contra os aumentos de impostos. Para punir os líderes da revolta, os governantes decidiram dar um “exemplo” do que poderia acontecer com quem continuasse indo contra suas decisões. O processo do linchamento, como podemos notar, foi tido como exemplo para que a sociedade não fizesse aquilo que seria “repreensível”. Ele também foi motivo de estudo de muitos filósofos e sociólogos. Além disso, é óbvio que, antigamente, essa prática era muito mais corriqueira e, mesmo que hoje cause espanto em alguns, era moralmente aceita. Por esse motivo, podemos ter como certo o “avanço” que a humanidade conquistou. Porém, mesmo que o linchamento não seja mais encarado da mesma forma pela sociedade, ele ainda acontece, só não é tão explícito como antes.
  • 15. 14 O livro de Michael Foucault, Vigiar e Punir, traz diversos fatos e análises sobre isso: [Damiens fora condenado, a 2 de março de 1757], a pedir perdão publicamente diante da porta principal da Igreja de Paris [aonde devia ser] levado e acompanhado numa carroça, nu, de camisola, carregando uma tocha de cera acesa de duas libras; [em seguida], na dita carroça, na praça de Greve, e sobre um patíbulo que aí será erguido, atenazado nos mamilos, braços, coxas e barrigas das pernas, sua mão direita segurando a faca com que cometeu o dito parricídio, queimada com fogo de enxofre, e às partes em que será atenazado se aplicarão chumbo derretido, óleo fervente, piche em fogo, cera e enxofre derretidos conjuntamente, e a seguir seu corpo será puxado e desmembrado por quatro cavalos e seus membros e corpo consumidos ao fogo, reduzidos a cinzas, e suas cinzas lançadas ao vento. (FOUCAULT, 1987, p.8). O parágrafo inicial do livro é chocante e descreve, em detalhes, como eram as punições-exemplo da época. Mesmo que hoje já não exista mais, explicitamente, tantas atitudes como essa, notam-se algumas semelhanças com um dos casos relatados pela jornalista Rachel Sheherazade. Inferimos, então, que estamos vivendo não na mesma barbárie que estava instaurada no século XVIII, segundo o nosso olhar pós-moderno, mas em uma “meia-barbárie”, o que já é suficientemente ruim para o século XXI. Punições menos diretamente físicas, uma certa discrição na arte de fazer sofrer, um arranjo de sofrimentos mais sutis, mais velados e despojados de ostentação, merecerá tudo isso acaso um tratamento à parte, sendo apenas o efeito sem dúvida de novos arranjos com maior profundidade? (FOUCAULT, 1987, p.12). Com o passar dos anos, foi-se diminuindo o ato público de punir. Essas práticas foram desaparecendo e sendo substituídas por outros meios, cada vez mais humanos (mesmo que a passos lentos) de fazer-se justiça. “A confissão pública dos crimes tinha sido abolida na França pela primeira vez em 1791, depois novamente em 1830 após ter sido restabelecida por breve tempo; o pelourinho foi suspenso em 1789; a Inglaterra aboliu-o em 1837”. (FOUCAULT, 1987, p.13). Mas, existem, ainda que em menor quantidade, casos chocantes dessa violência hedionda. Violência que é fruto de uma disseminação de ódio sem precedentes, difundida e acobertada, em diversas
  • 16. 15 vezes, pela própria mídia, que ou tolera esse tipo de ação ou simplesmente finge que não existe. Fabiane Maria de Jesus, dona de casa, foi morta num linchamento no Guarujá em 2014. André Luiz Ribeiro, professor, escapou por pouco quando corria no Rio de Janeiro e foi confundido com um assaltante. Outras pessoas foram linchadas em 2015. Já sabemos da banalidade da vida e da morte em nossa cultura. Mas o que autoriza uns e outros ao assassinato? O aval. (TIBURI, 2015, p.80). Os contextos dos linchamentos contemporâneos são diferentes dos antigos, mas preservam um mesmo princípio: a ideia de eleger alguém que mereça ser exemplo para uma sociedade e, por meio de violência explícita, atacá-lo em um ritual público que, no imaginário coletivo, eliminaria o mal e traria uma espécie de redenção para aplacar a fúria coletiva. 2.4 UMA ANÁLISE PSICOLÓGICA Segundo Sigmund Freud, em seu livro Psicologia das Massas e Análise do Eu (2013), há uma diferença entre a psicologia do homem individual e a psicologia do homem em grupo. A primeira se importa com seus caminhos e decisões tomadas individualmente. Já a segunda interessa-se pelo estudo do homem como membro de um grupo, seja étnico, racial, religioso, profissional, entre outros. No livro, o autor discute o que é e como um grupo consegue exercer uma influência tão grandiosa sobre um indivíduo citando frases de outro autor: Le Bon. De acordo com Le Bon, os indivíduos, dentro de seu grupo, agem de forma diferente da qual agiriam se estivessem sozinhos: [...] a mera circunstância de sua transformação numa massa lhes confere uma alma coletiva, graças a qual sentem, pensam e agem de um modo inteiramente diferente do que cada um deles sentiria, pensaria e agiria isoladamente. (LE BON apud FREUD, 2013, p.41). Dessa forma, podemos entender como cada vez mais pessoas têm se identificado com a atitude dos chamados – erroneamente – de
  • 17. 16 “justiceiros”. Pessoas que eram consideradas neutras passam a concordar com a ação por causa da defesa pública de uma jornalista. Isso levanta a questão para a seguinte pergunta: será mesmo que o jornalismo não tem responsabilidade por diversas ações e opiniões dos cidadãos? Do mesmo jeito que o indivíduo sozinho não se mostra como ele próprio (ou seja, as atitudes violentas que toma quando está em grupo já estão dentro dele, apenas escondidas), ele também precisa que algo o una com os outros indivíduos do grupo. Isso significa que todos os integrantes devem pensar de uma mesma forma para conseguirem compatibilidade. Essa maneira diferente de se pensar, que não se mostra quando o indivíduo está sozinho, está compactada no inconsciente dele. “Nossos atos conscientes se derivam de um substrato inconsciente criado na mente” (LE BON apud FREUD, 2013, p.42). A mudança de comportamento brusca desses indivíduos se dá porque, em grupo, sentem-se donos de um poder inigualável, como se estivessem acima da lei (já que não acreditam nela) e das punições. Eles se rendem aos instintos do inconsciente. Dentro dessa ideia, há também o líder do grupo. Esse líder geralmente é aquele com que todos os outros indivíduos se identificam. [...] o indivíduo é colocado sob condições que lhe permitem se livrar dos recalcamentos de suas moções de impulso inconscientes. As qualidades, aparentemente novas que ele então mostra são justamente as manifestações desse inconsciente, que, afinal, contém tudo o que há de malvado na alma humana; o desaparecimento da consciência moral ou do sentimento de responsabilidade nessas circunstâncias não oferece qualquer dificuldade para nossa compreensão. (FREUD, 2013, p.44). Esse líder pode ser um jornalista, que detém o conhecimento e a palavra para manipular discretamente um grupo de milhares (quiçá milhões) de brasileiros que assistem a ele. Sendo assim, a ideia de que a tolerância da intolerância se dá por meio do jornalismo é irredutível. Voltando a Le Bon, existem algumas causas para que os integrantes do grupo obedeçam aos líderes. A primeira delas é o sentimento de poder anteriormente mencionado; a segunda é o que chamamos de “contágio”, que traz a ideia de que, a partir de um comando de alguém do grupo
  • 18. 17 (geralmente o líder), todos os outros passem a pensar e agir da mesma forma; e, por fim, a terceira causa é a “sugestionabilidade”. A sugestionabilidade remonta a ideia de que, a partir de uma sugestão (direta ou não) do líder, os indivíduos passam a agir da forma por ele sugerida. Le Bon assemelha esse processo à hipnose e à fascinação, em que os indivíduos praticam ações sem que entendam realmente que foram induzidos a elas. É isso o que o jornalismo faz com sua audiência. Dependendo de sua vontade e ideologia editorial, o jornalismo induz (direta ou indiretamente) seu leitor/ouvinte/telespectador a fazer aquilo que será melhor para seu próprio proveito.
  • 19. 18 3 RACHEL SHEHERAZADE E O DISCURSO DE ÓDIO NO JORNALISMO 3.1 O MENINO NO POSTE É sabido que, hoje, muitos casos que passam na televisão sobre linchamentos angariam cada vez mais defensores e seguidores. Em um país onde essa cultura já era enraizada, mas que, de alguma forma, ainda tinha sua resistência, a população tem se mostrado avessa à ideia de paz e justiça legal. O caso de maior repercussão foi em 2014, quando um menino menor de idade, acusado de furto, foi violentado fisicamente e amarrado nu a um poste. Ao mostrarem o caso no jornal SBT Brasil, a jornalista Rachel Sheherazade apoiou a atitude, de maneira quase descarada, afirmando que, já que as autoridades de segurança não faziam nada, era compreensível que um grupo de civis o fizesse. A tolerância por parte da jornalista e do jornalismo como um todo (porque ela não é o único exemplo desse tipo de atitude) de atos intolerantes nos leva a crer que a barbárie do “olho por olho, dente por dente” está ressurgindo de forma mascarada. Segue comentário2: É, o marginalzinho amarrado ao poste era tão inocente que em vez de prestar queixa contra seus agressores, ele preferiu fugir, antes que ele mesmo acabasse preso. É que a ficha do sujeito está mais suja do que pau de galinheiro. Num país que ostenta incríveis 26 assassinatos a cada 100 mil habitantes, que arquiva mais de 80% de inquéritos de homicídio e sofre de violência endêmica, a atitude dos vingadores é até compreensível. O estado é omisso, a polícia, desmoralizada, a justiça é falha. “Que que” resta ao cidadão de bem que, ainda por cima, foi desarmado? Se defender, é claro. O contra-ataque aos bandidos é o que eu chamo de legítima defesa coletiva de uma sociedade sem estado contra um estado de violência sem limite. E aos defensores dos direitos humanos que se apiedaram do marginalzinho preso ao poste, eu lanço uma campanha: faça um favor ao Brasil, adote um bandido! (informação verbal) Esse texto mostra, do início ao fim, o tamanho do preconceito implícito. Porém, se fizermos uma simples análise geral e impressionista sobre 2 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=p_F9NwIx66Y>. Acesso em: 20 dez. 2015.
  • 20. 19 ele, pouco aprofundamento teríamos. A ideia é casar gestos, takes de câmera, tom de voz, olhares e expressões com o discurso de ódio proferido. Alguns takes de câmera aqui mencionados estão presentes em imagem no Anexo para serem mais bem compreendidos. Em toda a filmagem, a jornalista permanece, em sua maior parte, quase de frente para a câmera, um pouco de perfil, com os ombros altos e bem postos, como se estivesse acima do bem e do mal. Tanto sua maquiagem quanto sua roupa estão bem carregadas, sendo, ambas, escuras, em tons de preto, cinza e marrom. Isso é um fato importante de ser mencionado, já que aprendemos em toda a graduação e até mesmo na própria profissão jornalística que existem maneiras de nos portarmos, vestirmos e utilizarmos a câmera como formas de manipulação do público. O primeiro indício de preconceito está, coincidentemente (ou não), na primeira palavra do texto: “marginalzinho”. A palavra “marginal” é usada, em sua forma literal, para indicar alguém que vive à margem da sociedade, excluída e com pouco acesso aos bens sociais e materiais. Ou seja, pessoas de baixa renda e escolaridade. Mas, essa mesma palavra é usada, pejorativamente, para designar pessoas que não valem nada e são desonestas: os criminosos. Então, podemos concluir que ela quis dizer que pessoas marginalizadas pela sociedade são automaticamente criminosas. Para deixar a situação ainda pior, ela usa essa palavra (que já é intolerante por si só) no diminutivo, reduzindo ainda mais sua imagem. Faz, assim, que o menino personificado como “marginalzinho” fosse imaginado e visto pela audiência como o real problema da sociedade. Para caracterizar ainda mais a exclusão do garoto, ao dizer essa palavra, Sheherazade aponta com o dedão para o lado, como se desdenhando daquele ser. Logo após, a jornalista fala a expressão “tão inocente” com bastante ênfase no “tão”, dando um sorriso de deboche e fazendo um gesto de grandeza com a mão, caracterizando seu sarcasmo ácido. Daí seguem diversas outras palavras e expressões embebidas em olhares e tons divergindo entre o irônico e o bravo, como a palavra “sujeito”, por exemplo, que descaracteriza o menino como pessoa que tem nome, vida e dificuldades. Nesse momento, Rachel Sheherazade aponta o dedo para a câmera, como se
  • 21. 20 desse uma ordem aos espectadores e aos outros “marginaizinhos” que a assistem. Fala como se desse um aviso. “Ficha mais suja que pau de galinheiro” também entra no rol de atrocidades verbais. Aumentando o tom de voz na expressão “mais suja” e utilizando uma cena imaginária covardemente chula e baixa, como “pau de galinheiro”, ela dá força para suas palavras e intimida quem discorda. Para dar mais dramaticidade e manipular mais os telespectadores, o close up da câmera é utilizado de forma mais lenta que o normal nesse momento da fala. Após toda a destilação do ódio contra o menino amarrado ao poste, a jornalista passa a falar sobre dados de violência no Brasil, impondo sempre o dedo contra a câmera, como se desse ordem e fosse autoridade. Porém, após essa introdução, como se não pudesse piorar, Sheherazade dá o “xeque mate” de seu comentário da noite: ela defende as pessoas que prenderam o “marginalzinho” ao poste. Ao falar a palavra “vingadores” (nome dado aos criminosos que agrediram o menor de idade), levanta os ombros para cima, como se utilizasse o apelido de forma menos depreciativa, quase tímida. Essa ação faz com que o peso da palavra fique menor e menos incompreensível. A jornalista justifica sua defesa dizendo que o estado é omisso e falho e usa a expressão “ainda por cima”, com tom de indignação, para falar que a população foi desarmada. Para fechar com chave do ouro, Rachel Sheherazade claramente critica os defensores dos direitos humanos, contrariando o código de ética da própria profissão, usando um meio sorriso debochado, um tom sarcástico e os olhos semicerrados, com a feição da mais pura maldade. Ao dizer a frase “adote um bandido”, abre os braços e se delicia com a piada infame e injusta sobre as pessoas que simpatizam com a ideia de que todo ser humano merece o mínimo de dignidade, independente dos seus atos. Após essa explanação sobre a jornalista e seu comentário, podemos casar a fala de Le Bon perfeitamente: “Todos os sentimentos e o pensamento se orientam na direção estabelecida pelo hipnotizador” (LE BON apud FREUD, 2013, p.46). Ora, se ela diz que é tolerável que atitudes como essas ocorram, certamente é porque quer que seus telespectadores pensem da mesma maneira e, dependendo da situação, ajam da mesma maneira que os “justiceiros” sem que sejam culpados por isso.
  • 22. 21 Sua forma de conduzir o assunto e o comentário veiculado tanto na televisão quanto na internet entram em acordo com o conceito de “sugestionabilidade”. Segundo Tiburi (2015, p.78), “Nesse campo entram os meios de comunicação controlando o modo de pensar e, portanto, de agir das pessoas”. A questão não deve ser tratada com extremismo. Não há como tratar nem o menino que sofreu o linchamento como inocente e muito menos as pessoas que fizeram isso com ele (e as que compactuaram com a atitude) como pessoas do bem. A questão levantada é que, mesmo que o menino seja culpado, não cabe a nenhum vingador (termo utilizado pela própria jornalista) prendê-lo a um poste e violentá-lo. Consequentemente a isso, não cabe ao jornalismo levantar essa questão e muito menos defendê-la. Ainda um ponto importante de ser discutido é a notícia em si. Qual era o fato? O furto do menino amarrado ao poste ou a ação dos homens que o prenderam? Qual era a real necessidade do comentário da jornalista sobre a agressão física e moral que o menino sofreu? O gancho da notícia era a ficha criminal do garoto preso ao poste ou a agressão que ele sofreu? É preciso refletir qual foi o objetivo das palavras proferidas por Sheherazade. Essa discussão é muito importante, pois abre ou não espaço para comentários preconceituosos e discursos de ódio. Não havia necessidade de expor a intimidade de uma pessoa, principalmente por ser menor de idade, independente de qual crime ela cometeu. Após o comentário feito por ela, o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro divulgou uma nota de repúdio por tal ato, alegando que sua postura fora preconceituosa, indo contra o exercício de jornalista. Segue nota na íntegra3: O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro e a Comissão de Ética desta entidade se manifestam radicalmente contra a grave violação de direitos humanos e ao Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros representada pelas declarações da âncora Rachel Sheherazade durante o Jornal do SBT. 3 Disponível em: <http://jornalistas.org.br/index.php/nota-de-repudio-do-sindicato-e-da-comissao-de- etica-contra-declaracoes-da-jornalista-rachel-sheherazade/>.Acesso em: 5 nov. 2015.
  • 23. 22 O desrespeito aos direitos humanos tem sido prática recorrente da jornalista, mas destacamos a violência simbólica dos recentes comentários por ela proferidos no programa de 04/02/2014 (http://www.youtube.com/watch?v=nXraKo7hG9Y). Sheherazade violou os direitos humanos, o Estatuto da Criança e do Adolescente e fez apologia à violência quando afirmou achar que “num país que sofre de violência endêmica, a atitude dos vingadores é até compreensível” — Ela se referia ao grupo de rapazes que, em 31/01/2014, prendeu um adolescente acusado de furto e, após acorrentá-lo a um poste, espancou-o, filmou-o e divulgou as imagens na internet. O Sindicato e a Comissão de Ética do Rio de Janeiro solicitam à Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) que investigue e identifique as responsabilidades neste e em outros casos de violação dos direitos humanos e do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, que ocorrem de forma rotineira em programas de radiodifusão no nosso país. É preciso lembrar que os canais de rádio e TV não são propriedade privada, mas concessões públicas que não podem funcionar à revelia das leis e da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Eis os pontos do Código de Ética referentes aos Direitos Humanos: Art. 6º É dever do jornalista: I – opor-se ao arbítrio, ao autoritarismo e à opressão, bem como defender os princípios expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos; XI – defender os direitos do cidadão, contribuindo para a promoção das garantias individuais e coletivas, em especial as das crianças, adolescentes, mulheres, idosos, negros e minorias; XIV – combater a prática de perseguição ou discriminação por motivos sociais, econômicos, políticos, religiosos, de gênero, raciais, de orientação sexual, condição física ou mental, ou de qualquer outra natureza. Art. 7º O jornalista não pode: V – usar o jornalismo para incitar a violência, a intolerância, o arbítrio e o crime; Também atuando no sentido pedagógico que acreditamos que deva ser uma das principais intervenções do sindicato e da Comissão de Ética, realizaremos um debate sobre o tema em nosso auditório com o objetivo de refletir sobre o papel do jornalista como defensor dos direitos humanos e da democratização da comunicação. Porém, para que atitudes como essa possam ser tratadas da forma mais natural possível, sem que a audiência ou os próprios colegas de profissão se lembrem do código de ética, o jornalismo tem buscado fazer com que todas as pessoas que o assistem se sintam parte de um grupo, ou seja, sintam-se parte de uma mesma ideia, o que dá sensação de proximidade do jornalista com o público. Por isso, cada vez mais o jornalismo aposta na linguagem pessoal. A partir do momento em que as pessoas se sentem parte desse mesmo núcleo, fica mais fácil de controlá-las. Mesmo que saibamos que
  • 24. 23 generalizações não existem (e nem devem existir), está claro que, no caso estudado, é isso que acontece. Após o caso ocorrido, Rachel Sheherazade foi convidada para ir a diversos programas de TV e para dar diversas entrevistas em revistas e programas de rádio, sempre para mostrar a boa moça que existe por trás de todo esse discurso de ódio. A clareza pode ser compreendida a partir do momento em que a jornalista que defende tais atos não é diretamente prejudicada com eles. Ou seja, dizer que o grupo de vingadores é compreensível é mais fácil que defender os direitos de um jovem negro, pobre e acusado de furto. Mais fácil porque defender que a culpa do jovem estar onde ele está é da sociedade é uma tarefa árdua. É necessário que jornalistas entendam que fazer um comentário em horário nacional no meio de comunicação mais abrangente do país tem suas consequências morais e éticas dentro da própria profissão. E mais, é preciso que haja estudos e entendimentos sobre o assunto, para que, futuramente, se possa romper com a ideia de que opinião é igual a discurso de ódio. Quem fala o que fala, sem nenhuma responsabilidade, por um lado deve ser legalmente questionado, por outro, é preciso trazer à luz quais condições, na cultura, possibilitam fazer surgir falas como essa que, na desqualificação do outro, praticam uma humilhação simbólica, e mais, estimulam o ódio e, assim, incitam à matança. (TIBURI, 2015, p.43). Além disso, há um ódio que permeia todo o discurso da jornalista. O ódio pode ser da cor do menino amarrado ao poste (racismo) ou de sua classe social, mas talvez nem ela enxergue esse ódio, que já pode estar emaranhado em sua personalidade e caráter devido a sua formação pessoal. Dessa forma, podemos perceber que o ódio incrustrado nas falas de Sheherazade não serve para destruir o alvo diretamente, mas sim para acabar, lentamente, com todo e qualquer símbolo que vem dele. Gori, citando um trecho de Le seminaire, de Lacan (1954), afirma e embasa o argumento defendido acima.
  • 25. 24 Existe uma dimensão imaginária do ódio, por isso a destruição do outro é um pólo da própria estrutura da relação intersubjetiva. Lá mesmo, a dimensão imaginária é enquadrada pela relação simbólica, razão pela qual o ódio não se satisfaz com o desaparecimento do adversário. Se o amor aspira ao desenvolvimento do ser do outro, o ódio quer o contrário, ou seja, sua humilhação, sua derrota, seu desvio, seu delírio, sua negação detalhada, sua subversão. É nesse sentido que o ódio, como o amor, é uma carreira sem limite. (LACAN apud GORI, 2006). 3.2 O OUTRO LADO DA MOEDA Porém, para se entender melhor o preconceito implícito dentro de seu discurso, analisaremos outra fala da jornalista. A situação é parecida: outro jovem que comete diversos delitos e é autuado e criticado por milhares de pessoas. A história seria exatamente igual se não fossem as classes sociais e a cor de pele de ambos os meninos: um é negro e pobre (o “marginalzinho do poste”) e outro é rico, branco e famoso (o cantor Justin Bieber). Quando a história é repercutida pelo telejornal SBT Brasil, Rachel Sheherazade, novamente, dá sua opinião. Para a surpresa de todos (nem tanto), a jornalista defende o cantor. Segue comentário4: Menino prodígio ou adolescente problema? Namoradinho romântico ou pegador contumaz? Um protótipo de bad boy, James Dean repaginado. Afinal, quem é hoje o astro Justin Bieber? No Instagram postou uma foto onde se lê a frase “você realmente me conhece?”. Bieber está irreconhecível. Cuspiu em fã, deixou o palco, pichou muro, dormiu com prostitutas. Prato cheio para os paparazzi e fofoqueiros de plantão. Mas, atire a primeira pedra quem nunca foi um rebelde sem causa, quem nunca questionou seus valores, quem nunca se perdeu de si mesmo ou procurou se encontrar. Os médicos dizem que é normal, é a síndrome da adolescência. Para anônimos e famosos como o Justin, é fase de turbulência, hormônios em ebulição, conflitos, agressividade. É a busca da própria identidade. Pegue leve com o Justin. O menino está só crescendo. Nesse segundo comentário, outros trejeitos e atitudes são adotados pela jornalista Rachel Sheherazade. A edição e a produção também são totalmente diferentes nesse caso: ela está vestida de branco, com a maquiagem mais leve e o close up é quase despercebido, deixando de ser 4 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=EDBIirfsj78>. Acesso em: 3 nov. 2015.
  • 26. 25 invasivo e agressivo. Desde o princípio, o sorriso benevolente e paciente está estampado no rosto e as palavras são ditas de forma mais suave e lenta. Um fato curioso desse vídeo é que, enquanto fala, usa muito pouco as mãos, sem apontar o dedo e sem fazer gestos que diminuam ou engrandeçam o texto declamado. Ao dizer a frase “cuspiu em fã, deixou o palco, pichou muro, dormiu com prostitutas”, ela usa um tom de bronca, porém, diferentemente do vídeo em que tem o objetivo de ferir a integridade moral do acusado (o menino amarrado ao poste), o tom é quase que maternal, como quem diz que são atitudes feias, mas perdoáveis. Após citar todos os delitos cometidos pelo cantor Justin Bieber, Sheherazade diz “mas” em tom mais alto do que o natural, adiantando ao telespectador que a defesa do garoto branco e rico está por vir. Como é de praxe em todos os seus comentários e argumentos, a jornalista é sempre muito bem embasada com dados e/ou citações importantes. Dessa vez não foi diferente. Para a defesa do cantor, ela traz informações médicas sobre a idade do menino. Quando fala sobre isso, na frase “os médicos dizem que é normal”, a palavra “normal” recebe uma intensidade maior. Isso se repete logo a seguir, quando diz “é a síndrome da adolescência”, usando, dessa vez, a palavra “adolescência”. Do início ao fim, Rachel Sheherazade permanece com o mesmo olhar caridoso. As palavras são ditas de forma muito mais pausada e seus olhos piscam de maneira também mais lenta. Para fechar o comentário, apela dizendo “pegue leve com o Justin. O menino está só crescendo”. A palavra “menino” ganha a mesma intensidade e lentidão das palavras “normal” e “adolescência”. O vídeo é finalizado com um sorriso simpático. Os takes de câmera mencionados acima também estão presentes em imagem no Anexo, a fim de que sejam melhor elucidados. Se compararmos os dois casos, vamos perceber que ambos são parecidos: nos dois, dois adolescentes cometem pequenos delitos. Por que então há uma diferença tão gritante na forma de tratamento entre os dois garotos? Ambos não têm a ficha suja? Ambos não têm a mesma idade? Por que um é perdoado por isso e outro não? Por que a audiência é aconselhada a “pegar leve” com um deles e com o outro é aconselhada a entender o lado daqueles que o agrediram? Por que em um dos casos é compreensível a
  • 27. 26 brutalidade e a violência? Por que não usar o mesmo princípio do perdão com o menino negro e pobre? Por que só um deles é passível de se redimir enquanto outro tem que se contentar com castigos e penas que violam sua integridade física e moral? Está claro e provado que há diferença de tratamento entre os dois adolescentes. Ainda mais: quando criticada por sua forma conservadora de pensar e tem que enfrentar argumentos dos defensores dos direitos humanos, os quais afirmam que o problema da violência é mais profundo do que se pode imaginar e provém de uma desigualdade e injustiça social, Sheherazade alega que “esse argumento não pode ser usado, pois se for assim, significa que a violência é inerente ao pobre”5. Essas voltas e mais voltas em torno do mesmo assunto para não assumir a responsabilidade do que propaga só provam que suas falas não são opinativas, mas sim um discurso de ódio. Para entendermos ainda mais a jornalista estudada, fomos atrás de outras fontes que nos mostram de forma mais clara seus pensamentos políticos e ideológicos. 3.3 O BRASIL TEM CURA O livro O Brasil tem cura, escrito por Rachel Sheherazade e lançado pela editora Mundo Cristão, chegou às livrarias em outubro de 2015. Na obra, a autora e jornalista conta sua trajetória profissional e faz uma análise dos males, elencados por ela, que adoecem o país. Em um livro carregado de dados numéricos e pouco aprofundamento em questões sociológicas, históricas e antropológicas, a autora busca soluções para esses problemas, de acordo com sua visão pessoal e posicionamento político. Sheherazade começa o livro contando sua própria história: quando mais jovem, em 1992, largou a faculdade de administração para fazer jornalismo na Universidade Federal da Paraíba. Enquanto ainda estava na faculdade, passou a trabalhar na Vara da Infância e da Juventude de João Pessoa, tendo, assim, seu primeiro contato com questões do direito. Ao finalizar a faculdade, a jornalista deixou de trabalhar na área judicial e virou 5 Comentário realizado em entrevista ao Programa Pânico,na Rádio Jovem Pan, no dia 15/04/2015. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=5V_7WGO-V90>. Acesso em: 19 nov. 2015.
  • 28. 27 repórter de TV, trabalhando em diversas emissoras: Record, Globo e, por fim, SBT. Ainda na introdução do livro, fala sobre sua ascensão na carreira como comentarista e âncora. Seu primeiro comentário, em 2011, foi uma crítica sobre o carnaval brasileiro e o dinheiro desnecessário que o poder público gastava com isso. Isso aconteceu enquanto Rachel Sheherazade ainda trabalhava em um jornal local no Nordeste do país. Após um internauta filmar sua fala e publicar online, Silvio Santos se interessou por seu trabalho e convidou a autora para ser apresentadora da edição nacional do jornal: o SBT Brasil. Rachel Sheherazade conta que, a partir daí, ganhou a oportunidade de levar suas opiniões para todo o país. O primeiro capítulo do livro, intitulado “O diagnóstico”, traz, na visão da autora, um raio-x do Brasil. Com intenção de fazer um histórico, a escritora descreve, de forma rápida e superficial, a descoberta e a colonização do Brasil. Após isso, caracteriza os brasileiros como pessoas pessimistas, com síndrome de vira-lata (se referindo ao vitimismo) e com pouco incentivo à cultura. De acordo com ela, a culpa desse DNA brasileiro é dos colonizadores, que não vieram para cá com o objetivo de tornarem o Brasil sua nova casa, mas sim transformaram-no em refúgio de bandidos e presos políticos. Diferentemente do que ocorreu nos Estados Unidos, escolhido como novo lar para os colonizadores ingleses, o Brasil sempre serviu aos portugueses exclusivamente como colônia de exploração. [...] Assim, nossa nação foi erguida sobre os frágeis alicerces de uma colonização egoísta e exploradora. (SHEHERAZADE, 2015, p.39). Sheherazade também afirma, nesse capítulo, que os brasileiros herdaram o gene da acomodação e da preguiça, citando o programa do governo federal Bolsa Família e seus beneficiados como exemplo. “Isso revela que, desde os primórdios, nossa pátria foi construída sem um real senso de coletividade, tampouco alguma disposição ao sacrifício individual pela comunidade, pelo povo, pela nação.” (SHEHERAZADE, 2015, p.40). Sempre citando diversas passagens bíblicas, a jornalista fecha o capítulo dizendo que, para que o país tenha cura, é necessário que haja uma mudança interior em cada cidadão.
  • 29. 28 Intitulado de “A doença”, o capítulo 2 fala sobre os males do Brasil, de acordo com a autora. Porém, muito mais do que apenas citar o que deve ser arrumado, Rachel Sheherazade também discorre sobre eles, colocando seu ponto de vista dentro de cada um. Ao longo do livro (em todos os capítulos), a autora repete, incansavelmente, que o país tem cura e que essa cura só se dará por meio da transformação moral de cada um. Porém, a moral de cada cidadão deve ser de acordo com aquilo que ela acha que é correto, justo e bom. O primeiro problema que ela cita é a violência. Para a escritora, a culpa da violência vem da colonização errônea e desumana que tivemos, além da escravidão violenta e sem precedentes. Sempre embasada de muitos dados (e pouca análise sociológica), Sheherazade defende a opinião de que, a partir disso, a violência foi passada de geração a geração, como se apenas a má formação fosse o suficiente para manter um país entre os mais violentos do mundo. A jornalista também tenta desconstruir o argumento de que a desigualdade social aumenta a violência, alegando que, na Islândia, também há desigualdade e a violência é quase nula. Porém, comparar o Brasil com a Islândia não faz muito sentido, já que suas realidades sociais são extremamente diferentes. Outro argumento que ela usa para tentar desmoralizar esse pensamento é de que a desigualdade social não é uma anomalia e, pelo contrário, é uma questão natural, já que cada um é diferente por si só. Além disso, para ela, um mundo igualitário vai contra o princípio da meritocracia, com o qual, evidentemente, ela compactua. O ideal de mundo homogêneo e igualitário é ao mesmo tempo medíocre, ingênuo e injusto, pois, além de antinatural, não atende à lógica humana da recompensa, do ‘quem semeia colhe’, e contraria o princípio da meritocracia, pelo qual o esforço é gratificado e, quanto maior o empenho, maior deve ser a recompensa de quem o imprime. (SHEHERAZADE, 2015, p. 51). A autora também é contra o pensamento de que a violência é ligada à pobreza e, para provar seu argumento, traz dados que mostram que nos últimos anos o Brasil diminuiu a quantidade de famílias pobres, porém, a violência aumentou. Novamente, Rachel Sheherazade trata os problemas do
  • 30. 29 país de forma muito superficial, deixando de lado questões históricas e sociológicas importantes. Outro tópico por ela abordado é a impunidade. Segundo a escritora, ela é uma das causas da violência. Mostrando mais dados e pesquisas, cita também a impunidade na corrupção, falando sobre escândalos como o Mensalão do Partido dos Trabalhadores (PT) e a Lava Jato (escândalo de corrupção na Petrobrás). O terceiro tópico citado é a má legislação brasileira que, para ela, constitui um sistema penal falho e uma justiça lenta. A autora defende uma reforma no código penal e o não favorecimento ao réu, voltando a falar sobre a impunidade e já antecipando um pouco da sua opinião sobre a redução da maioridade penal. A educação é o quarto tópico do segundo capítulo. De acordo com Sheherazade, a educação (tanto pública quanto privada) é fraca no Brasil, o que causa muitos problemas sociais. Também regado a dados, nesse tópico a escritora compara a educação do país com a da Suíça e mostra o abismo que existe entre uma e outra. Outra crítica que a jornalista faz à educação se refere aos salários dos professores, que são muito baixos e insuficientes. Ela também compara os gastos públicos entre estudantes e detentos, dizendo que se gasta mais com um presidiário do que com um aluno. Rachel Sheherazade critica, também, o sistema de aprovação automática que existiu e ainda existe em algumas escolas, em que o aluno não repete de ano, mesmo não estando preparado para avançar. Segundo ela, a má educação auxilia na falta de emprego que, por consequência, leva ao assistencialismo (cita o Bolsa Família novamente) e, por consequência, à violência. Ainda discorre sobre as cotas, posicionando-se contra e argumentando que isso causa uma situação de “coitadismo” aos cotistas. Em vez de ser contra as cotas por uma ideologia que não seja preconceituosa, ela desmerece os alunos que ingressam na universidade por meio desse sistema, dizendo que esse tipo de auxílio faz com que haja alunos e profissionais despreparados e medíocres. Outra falsa solução para o problema crônico da educação no Brasil é a reserva de cotas em universidades públicas. Com a
  • 31. 30 desculpa de resolver o problema de exclusão social, esse sistema permite que alunos despreparados egressos do ensino fundamental e médio entrem pela porta da frente do ensino superior, com o empurrãozinho de um governo que ignora o mérito e nivela todos os estudantes pela régua do ‘coitadismo’. (SHEHERAZADE, 2015, p 70). E continua: Seria necessário um esforço extraordinário dos cotistas para não ficarem para trás. Caso concluam o curso e obtenham o diploma, tudo indica que continuarão aquém dos outros formados, em termos de capacitação e preparo. [...] No mundo real, é preciso merecer para conquistar. (SHEHERAZADE, 2015, p.71). O próximo tópico a ser discutido pela autora é a maioridade penal. No começo desse tópico, ela cita o que alguns menores de 18 anos já podem fazer, como votar e ter relações sexuais. Para continuar introduzindo o assunto, a jornalista critica o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), alegando que, amparado pela péssima legislação do país, protege demais os adolescentes que não devem ser protegidos. Embasada mais uma vez em dados e teóricos conservadores, Rachel Sheherazade defende que deve haver redução da maioridade penal, diminuindo qualquer argumento contrário e citando-os de forma superficial e rápida. Para ela, essa impunidade auxilia no crescimento da violência. Mostrando, mais uma vez, sua intolerância aos pensamentos contrários, subestima as pessoas que são contra a redução, chamando-os de “defensores de bandidos”, sem respeitar nem buscar entender tal posicionamento. Como sexto (e mais surpreendente) tópico, a jornalista fala sobre perseguição religiosa ou, mais precisamente, a Cristofobia. De acordo com ela, nós herdamos o cristianismo de nossos colonizadores quando vieram para cá e, junto com ele, a ética e a noção de valores. A autora afirma que o Brasil é um país 85% cristão e traz dados de feriados santos e nome de cidades que levam a tradição católica. Porém, mesmo alegando tudo isso, incoerentemente Sheherazade afirma que há perseguição contra cristãos no país, a começar por parlamentares que seguem essa crença. Citando alguns exemplos irreais de Cristofobia, disserta sobre ataques violentos de militantes e ateus contra aqueles que seguem a religião cristã.
  • 32. 31 Para defender seu argumento, ela usa a ideia de que liberdade de expressão tem limites e, por isso, esses militantes não podem dizer ou fazer aquilo que querem a hora que quiserem e onde quiserem. Um de seus exemplos desses ataques regados de violência é o episódio da travesti Viviany Beleboni, que encenou uma crucificação na parada gay de São Paulo em 2015. Outro episódio que chocou pela violência religiosa foi a encenação de um travesti durante uma Parada Gay em São Paulo. [...] O desrespeito à religião majoritária no Brasil, com crimes que se tornam invisíveis aos olhos da lei, pode ser o princípio das perseguições. (SHEHERAZADE, 2015, p.83). Segundo a jornalista, essa perseguição de uma minoria feroz contra uma maioria de pessoas benevolentes e caridosas é preocupante, já que, em determinados casos, isso poderia levar ao genocídio da comunidade cristã no Brasil. De acordo com a jornalista (2015, p.84), “A Cristofobia começa com o simples preconceito contra cristãos, que evolui para ódio, a perseguição e pode culminar com a aniquilação.” Fechando esse tópico, alega que a mídia compactua com essa ideia de Cristofobia, comparando a situação ao nazismo alemão, que teve apoio máximo da imprensa na época. Para fechar o capítulo, o último tópico ganha o nome de “Crise de valores”. Para isso, Rachel Sheherazade afirma que os maiores valores do ser humano são a família, a educação, a moral, a cultura e a política. Também traz a ideia fascista de que vivemos em uma época em que existe relativismo em tudo, ou seja, não existe verdade absoluta para determinadas pessoas, e esse é o maior problema. Esse argumento é fascista porque, em uma democracia, é necessário que haja relativismo para que possa haver respeito a toda e qualquer singularidade. O fascista não consegue relacionar-se com outras dimensões que ultrapassem as verdades absolutas nas quais ele firmou seu modo de ser. Sua falta de abertura, fácil de reconhecer no dia a dia, corresponde a um ponto de vista fixo que lhe serve de certeza contra pessoas que não correspondem à sua visão de mundo preestabelecida. (TIBURI, 2015, p.24).
  • 33. 32 Como exemplo dessa verdade absoluta, Sheherazade cita a configuração de uma família: deve ser composta de um homem e uma mulher. Outras ideias de família, por exemplo, cairiam no relativismo. Questões de filiação também entram nessa rede: composto de um pai e uma mãe. Qualquer noção diferente dessa também cairia no relativismo. Esse pensamento de que existe apenas uma verdade absoluta (e é a que ela crê) é extremamente preconceituoso com outros tipos de vida e configurações familiares. Os ventos do relativismo sopram com forma no Brasil do século 21. [...] Embora, legalmente, segundo o artigo 226 da Constituição Federal do Brasil, a família seja a comunidade formada por homem, mulher e seus filhos ou, ainda, por qualquer dos pais e seus descendentes, na prática grupos heterodoxos, como os homoafetivos, formados por casais homossexuais, e os poliafetivos, formados por casais poligâmicos, também vêm sendo interpretados como entidades familiares. (SHEHERAZADE, 2015, p.86). Dentre outras crises de valor, a escritora cita também a justiça que protege bandido, a política corrupta e a tentativa de legalização do aborto e da maconha. Sheherazade não utiliza análises profundas e importantes sobre cada tema que é relacionado à sociedade brasileira (que, por sinal, é laica), mas sim sua crença pessoal e religiosa para discernir e discutir sobre qualquer assunto. Por isso, usa citações e se embasa em clérigos católicos para defender sua posição. O capítulo três do livro foi batizado de “O tratamento” e traz sugestões de como curar o país. Segundo a jornalista, os males do Brasil nascem dos próprios brasileiros e a equivocada forma de pensar, que é consequência da identidade herdada pelos colonizadores. O chamado “jeitinho brasileiro” e a ideia do malandro são os piores entraves para a melhoria da nação, segundo ela. Para a autora, é necessário renovar os valores antigos pela mudança de pensamento de cada um. Ou seja, a responsabilidade para que o país possa melhorar é dos cidadãos. Por isso fala sobre a transformação do indivíduo e como isso pode causar um efeito cascata no círculo de convivência de cada um. Ela também aborda a transformação da família, alegando que o comportamento ético e moral nascem desse nicho. Para Rachel Sheherazade,
  • 34. 33 uma família desestruturada moralmente é a causa de todos os males da sociedade. Ela também discorre sobre a transformação das instituições, tanto privadas quanto públicas. Segundo a jornalista, empresas representam um papel positivo na sociedade, já que arrecadam impostos que deveriam ser utilizados na melhoria de serviços coletivos. Porém, para que essas instituições possam melhorar, é necessário que haja consumidores mais conscientes que transformem, por influência, as empresas em empresas cidadãs. A transformação das leis também é essencial para a autora, que alega existir um excesso delas no Brasil, que mais atravancam sua cura do que ajudam. A partir disso é que se dará a transformação do Brasil como um todo. Para a escritora, o país se transformará pela ética de cada um, por isso é necessária uma mudança de pensamento. Outra transformação urgente é a da educação. Segundo Sheherazade, muitos brasileiros não se preocupam com a educação, não só necessariamente os políticos. Mesmo pais e alunos dão pouco valor para ela. Porém, mesmo fazendo uma crítica, ela vê a situação com otimismo, citando exemplos de adolescentes que se mobilizaram para auxiliar as causas em prol da educação pública. A indignação é outra forma de transformar o Brasil, segundo a jornalista. Para ela, os cidadãos estão acomodados, portanto protestos são importantes para a mudança do país. Finalizando, disserta sobre a transformação pelo voto e de como a população deve se tornar um eleitorado consciente ao fazer suas escolhas. Para concluir o livro, Rachel Sheherazade escreve sobre sua oportunidade no jornalismo opinativo e se usa como exemplo de transformação. Em um misto de autoajuda e preconceito, o livro O Brasil tem cura traz toda a visão de mundo da jornalista, que não deixa de lado suas críticas e discursos de ódio em nome da ética da profissão. Em certos momentos, é nítida a boa vontade que tem em transformar para melhor o ambiente onde vive. Porém, de maneira muito errônea, deixa escapar suas intolerâncias e preconceitos com a opinião alheia e com homossexuais, cotistas e beneficiários do programa Bolsa Família; além de se aprofundar pouco em assuntos de integral urgência e preocupação para o país. Sua
  • 35. 34 análise dos problemas é extremamente superficial, trazendo não soluções e propostas reais, mas opiniões religiosas, conservadoras, curtas e vazias sobre o que deveria ser feito. A crítica a ativistas gays que fazem manifestações em público (como um simples beijo) vem embasada da ideia de que a liberdade de expressão tem limites. Mas, essa mesma noção parece não se aplicar à jornalista quando o assunto é direitos humanos (o qual ela faz questão, ao longo de todo o livro, de falar mal). Dentro do jornalismo, sempre haverá espaço para diferentes opiniões. Porém, dentro do jornalismo opinativo, não pode haver nenhum espaço para o discurso de ódio e o preconceito.
  • 36. 35 4 O CENÁRIO JORNALÍSTICO 4.1 JORNALISMO OPINATIVO A obra de José Marques de Melo, Jornalismo Opinativo: gêneros opinativos no jornalismo brasileiro (2003), traz um estudo acerca do tema, clareando o entendimento sobre a história do jornalismo e classificando os formatos de jornalismo opinativo existentes. Segundo ele, o jornalismo é uma ciência difícil de ser estudada, já que tem uma “natureza mutável, melhor dizendo, não definitiva, dos conceitos, categorias e esquemas empregados no estudo científico do jornalismo”. (MELO, 2003, p.13). O jornal impresso foi, desde sua criação e por muito tempo, o único meio de informação da sociedade. A imprensa eclodiu em um momento em que as ideias e a informação precisavam ser mais rápidas. Criada no século XV, as primeiras publicações eram gazetas e avisos, contendo apenas descrição de acontecimentos, evitando-se notícias políticas contendo julgamentos de valor. “O autêntico jornalismo – processos regulares, contínuos e livres de informação sobre a atualidade e de opinião sobre a conjuntura – só emerge com a ascensão da burguesia ao poder e a abolição da censura prévia” (MELO, 2003, p.22), entre os séculos XVII e XVIII. Notícias que falavam sobre política, comportamento e que continham crítica à sociedade eram veiculadas periodicamente em jornais impressos. De qualquer maneira, o fim da censura prévia constituiu um fator preponderante para que o jornalismo assumisse fisionomia peculiar – a de uma atividade comprometida com o exercício do poder político, difundindo ideias, combatendo princípios e defendendo pontos de vista. (MELO, 2003, p.23). A partir do século XIX, o jornalismo puramente informativo começou a ganhar mais espaço, tornando-se um padrão. Isso aconteceu porque a notícia, principalmente em países capitalistas, passou a ser mercadoria, dando voz a quem pagava mais. Porém, mesmo que a hegemonia seja da informação a partir dessa época, José Marques de Melo traz a ideia de que os processos jornalísticos, mesmo sendo informativos, contêm sua
  • 37. 36 ideologia própria, dependendo da visão de quem escreve e para quem escreve. “Cada processo jornalístico tem sua dimensão ideológica própria, independente do artifício narrativo utilizado”. (MELO, 2003, p.25). O jornalismo é dividido em quatro categorias gerais: informativo, opinativo, interpretativo e de entretenimento, sendo a primeira a mais importante delas. Hoje, o primeiro propósito e responsabilidade do jornalismo é assegurar ao povo a informação. Essa responsabilidade requer uma completa objetividade nas notícias. A necessidade de interpretação e explanação das notícias em nossa época é realmente visível. A vida tem se tornado tão complexa e seus interesses tão diversos que mesmo os especialistas ficam confusos em seu próprio campo do conhecimento [...]. Desde os primeiros tempos, o jornalismo tem procurado influenciar o homem. [...] o jornal esforça-se abertamente por influenciar seus leitores através de seus artigos, editoriais, caricaturas e colunas assinadas. O rádio também, abertamente, procura influenciar por meio de seus comentaristas, de suas entrevistas e de muitos locutores que advogam vários pontos de vida enquanto a televisão procura impressionar os seus espectadores por meio de suas mesas-redondas, documentários e entrevistas. (BOND apud MELO, 2003, p.27). Os meios jornalísticos são considerados, pelo autor, aparatos ideológicos. O simples fato de selecionar determinadas notícias e não outras já é uma forma de opinar sobre determinadas questões. Isso ocorre também com pautas, tipo de cobertura e fontes escolhidas. Tanto a opinião do repórter quanto a linha editorial do meio de comunicação influenciam nesse fator. A escolha de manchetes, capas, títulos e até mesmo imagens são, indiretamente, uma forma de mostrar uma determinada visão de um determinado assunto. Nada está imune à parcialidade jornalística. O jornalismo opinativo, segundo Melo (2003, p.29), [...] reage diante das notícias, difundindo opiniões, seja as opiniões próprias, seja as que lê, ouve ou vê. Nesse sentido, assemelha-se à instituição do Fórum na Grécia Antiga, atuando como conselheira, como formadora de opinião. Dentro da categoria de jornalismo opinativo, existem diversos gêneros, como editorial, artigo, resenha, coluna, crônica, caricatura, carta e o que mais interessa para este trabalho: o comentário.
  • 38. 37 Explanando melhor cada categoria, temos que o editorial mostra a opinião da empresa, que é resultado do consenso dos pontos de vista dos diferentes núcleos: empresa, jornalistas, colaboradores (patrocinadores, anunciantes, estado etc.) e leitores. Por ser um espaço de amplas visões, por vezes pode ser contraditório. Diferentemente do que parece, um editorial não é feito para o público leitor, e sim, para o próprio Estado. Não se trata de uma atitude voltada para perceber as reivindicações da coletividade e expressá-las a quem é de direito. Significa muito mais um trabalho de ‘coação’ ao Estado para a defesa de interesses dos segmentos empresariais e financeiros que representam. (MELO, 2003, p.105). Já o artigo é a junção de uma matéria composta por dados e informações com a opinião de quem o escreve. Nele, o autor interpreta, julga e explica um fato ou uma ideia atual. Esse tipo de texto não é necessariamente escrito por um jornalista, podendo ser feito por especialistas no assunto tratado ou até mesmo por um leitor assíduo. A resenha é outro gênero do jornalismo opinativo. Geralmente de alguma obra artística, resenhas analisam mercadorias da indústria cultural. Ou seja, o maior objetivo da resenha é vender (ou não) determinado produto. Por conta do aumento do consumismo, gêneros como a resenha tem ganhado mais espaço, principalmente em jornais impressos e mídia online. Por sua vez, a coluna é um gênero dividido em quatro tipos: padrão, em que são expostos assuntos editoriais de menor importância; miscelânea, que não tem um padrão fixo, podendo pender para o humor e o sarcasmo de determinada situação; mexericos, que se baseiam em fofocas e pessoas; e bastidores da política. A coluna “procura trazer fatos, ideias e julgamentos em primeira mão, antecipando-se à sua apropriação pelas outras secções dos jornais, quando não funciona como fonte de informação” (MELO, 2003, p.140). A crônica é um gênero opinativo brasileiro. É qualificada como um relato literário ou poético do real. Suas características mais marcantes são: fidelidade ao cotidiano e crítica social. A crônica não se restringe ao jornal impresso diário, podendo existir também na TV, no rádio e como gênero literário.
  • 39. 38 As caricaturas são muito usadas para expressar descontentamento com determinadas questões. Geralmente, servem para ridicularizar e/ou afetar alguém. Esse gênero surgiu com os avanços tecnológicos e a popularização do jornal. “A opinião se manifesta explícita e permanentemente através da caricatura, cuja finalidade satírica ou humorística pressupõe a emissão de juízos de valor”. (MELO, 2003, p.163). A carta é um dos únicos espaços que o leitor ainda tem de manifestar sua opinião dentro do jornalismo, principalmente no impresso. O comentário é um gênero opinativo recente no jornalismo. Introduzido no rádio e na televisão por conta da rapidez da notícia, seu objetivo é trazer um ponto de vista sobre determinado assunto. De acordo com o autor (2003, p.112), não é qualquer jornalista que pode ser comentarista. Ele deve ter bagagem cultural e experiência para isso. “O comentarista é um profissional que possui farta bagagem cultural, e portanto tem elementos para emitir opiniões e valores capazes de credibilidade. Atua assim como líder de opinião”. Um comentarista não deve impor nenhuma opinião e nem demonstrar paixão em suas falas. “Raramente o comentário é conclusivo. Arriscar uma conclusão é perigoso, já que se torna exíguo o tempo que tem o comentarista entre a ocorrência e a sua apreciação”. (p.116). Contudo, o comentarista não é um julgador partidário, alguém que faz proselitismo ou doutrinação. É um analista que aprecia os fatos e estabelece conexões, sugere desdobramentos, mas procura manter, até onde é possível, um distanciamento das ocorrências. (MELO, 2003 p.112). Outro ponto importante sobre os comentaristas é que não deve (ou não deveria) haver comentaristas de assuntos gerais. “Por sua própria natureza, o comentário exige especialização. Não há comentarista de assuntos gerais. Comentar é uma tarefa que pressupõe ancoragem informativa e perspectiva histórica”. (MELO, 2003, p.116). Existem três tipos de comentários: aquele que analisa um problema, aquele que documenta um fato e aquele que critica alguma situação. É fácil perceber, nesse caso, que a jornalista Rachel Sheherazade, por exemplo, foge da regra do “ser comentarista”. Podemos levantar alguns pontos: ela não é especialista em nenhum assunto em
  • 40. 39 particular, comentando sobre todo e qualquer tema; ela não tem experiência suficiente na carreira jornalística para que se possa arcar com as responsabilidades morais, éticas e legais de um comentarista; ela, mesmo fazendo comentários opinativos, não tem a destreza de deixar suas paixões e emoções de lado para que o trabalho seja sério e profissional como deve ser; ela impõe suas ideias com agressividade, concluindo o pensamento pelo próprio telespectador. A forma autoritária com que a jornalista apresenta suas visões de mundo mostra, de maneira clara, que Sheherazade não é uma jornalista opinativa de qualidade, que segue os preceitos éticos da profissão. Além disso, é fácil perceber suas características fascistas e conservadoras quando ela usa e repete ideias e frases prontas, já que “o autoritarismo é ‘citacionista’. Repete ideias lançadas no âmbito da propaganda fascista, ela mesma viciosa e repetitiva”. (TIBURI, 2015, p.37). 4.2 O ALCANCE DO JORNALISMO Muito sabemos e estudamos sobre o alcance que a grande mídia conquistou. O jornalismo, hoje, é dono de muita responsabilidade quanto à informação e formação de opinião de sua audiência, seja ela pela web, pelo jornal impresso, por rádio ou televisão, sendo este último o mais influente até o presente momento. Segundo uma estatística feita pela empresa de dados e consultoria em telecomunicações, a Teleco, até 2014, 97,1%6 da população tinha ao menos um aparelho de televisão em casa. Isso nos mostra, em números, o tamanho do poder de uma mídia como essa no Brasil. No livro Cultura de Massas no Século XX, Edgar Morin (2011) evidencia as consequências causadas pela cultura de massas em uma sociedade, sejam elas psicológicas ou sociais. No livro, o autor traz à tona mitos que são passados por essa cultura e que acabam condicionando questões existenciais do público, principalmente relacionadas a sentimentos (amor, felicidade, prazer, raiva etc.). 6 Informação disponível em: <http://www.teleco.com.br/nrtv.asp>. Acesso em: 12 out. 2015.
  • 41. 40 Ainda de acordo com o autor, a partir do momento em que surgiu a imprensa, a cultura de massas passou a ser mais disseminada. Ou seja, a cultura de massas é uma cultura mais acessível. Logo, a televisão, atualmente, pode ser considerada o maior meio tanto de informação quanto de cultura massiva. Inicialmente (e teoricamente), essa é uma questão positiva dentro do cenário da sociedade, já que mais pessoas teriam acesso a diferentes tipos de arte e informações. Isso porque no começo do século XX, quando se passou a disseminar mais a “cultura para o povo”, existiam barreiras gigantescas entre classes sociais, pois os níveis de educação eram muito distantes um do outro. Sendo assim, quem tinha mais acesso à educação, tinha também mais acesso à cultura “clássica”. Porém, essa cultura de massas é usada de maneira diferente e, na prática, acaba idealizando os gostos e vontades da sociedade de acordo com “quem manda”. Por exemplo, se um fascista, racista e homofóbico for quem comanda alguma parte da indústria cultural (setor responsável pela “fabricação” da cultura de massas), ele produzirá conteúdos que lhe agrade e convença (ou exclua) quem não lhe agrade. Dessa forma, trazemos a imprensa como parte dessa cultura, que pretende angariar seguidores de acordo com sua ideologia. A cultura de massas, portanto, é uma “terceira Cultura, oriunda da imprensa, do cinema, do rádio, da televisão, que surge, se desenvolve, se projeta ao lado das culturas clássicas – religiosas ou humanistas – e nacionais”. (MORIN, 2011, p.4). Novamente voltamos à tecla da responsabilidade da imprensa quanto à formação de opinião e caráter de sua audiência. Morin (2011, p.5) também coloca que “uma cultura orienta, desenvolve e domestica certas virtualidades humanas, mas inibe ou propõe outras”. “O consumo da cultura de massa se registra em grande parte no lazer moderno” (MORIN, 2011, p.58). O lazer moderno, para muitos brasileiros trabalhadores, é chegar em casa, ligar a TV e descansar no sofá. É aí que ele entra no universo da indústria cultural televisiva e hipnótica. Novelas, programas de entretenimento e, mais do que nunca, o jornalismo têm sido responsáveis pela criação de ideologias e distrações para o trabalhador.
  • 42. 41 Disso tudo podemos concluir que a) a imprensa passou a ser uma poderosa fábrica de cultura de massas; b) o homem passou a se ocupar, em suas horas de lazer, dessa mesma cultura de massas; c) o homem passou a ser mais influenciado pela mídia; d) a responsabilidade da mídia perante suas falas e discursos deveria ser maior. É necessária uma preocupação grande com os tipos e modos de discursos dentro do jornalismo, principalmente pela televisão. A audiência, por ser grande e, muitas vezes, fiel, passa a ser fragilizada e afetada por qualquer afirmação constatada nas emissoras de TV. Mais do que isso: a audiência se encontra envolvida e compatível com parte do discurso, satisfazendo, quase sempre, seu desejo de estar presente em um grupo. O cuidado também é necessário, pois o ódio e o preconceito são sentimentos que, dentro de uma sociedade assim criada, são motivos de prazer, mesmo que inconscientemente. “A crueldade paradoxal da consciência moral é que ela se nutre justamente das satisfações que lhe oferecem”. (GORI, 2006). Logo, alguns comentários podem levar a ideias violentas de como se portar em uma sociedade. Como citado no capítulo anterior, o caso do comentário sobre o menino amarrado ao poste é uma clara e preocupante incitação à violência, produzindo afetos como raiva, medo e ódio. Essas são atitudes que precisamos compreender e frear. Se pensarmos nos discursos de incitação à violência – uma das formas expressivas do ódio – veremos que ela é transmitida de cima para baixo, como numa engrenagem acionada de fora. Líderes políticos, publicitários, jornalísticos e todos os que detêm o discurso podem ligar essa máquina incitando o ódio. (TIBURI, 2015, p.34). 4.3 JORNALISMO, PRECONCEITO E FASCISMO Não é de hoje que jornalistas usam do discurso de ódio para impor algumas ideias e ideais de sociedade. Mesmo que, ao contrário do que dizem alguns pessimistas, a mídia não esteja fadada ao discurso massivo e enrijecido e que a imprensa alternativa esteja crescendo e se consolidando cada vez mais (principalmente na web), a maneira como a parte ruim ainda tem força é preocupante e assustadora.
  • 43. 42 Para que possamos combater o discurso daqueles que dizem que a crise ética na profissão jornalística não passa de uma teoria conspiratória, usaremos uma análise feita por Adorno e descrita no artigo “A Técnica Psicológica das Palestras Radiofônicas de Martin Luther Thomas” (1943). Nesse trabalho, o autor analisou o discurso de um radialista fascista e religioso que se utilizava de ideias preconceituosas. Sua maneira de se promover e de usar a comunicação se assemelhava às técnicas usadas por Hittler quando estava no poder. A partir disso, podemos comparar a maneira de comunicação usada por ele com a imprensa atual, que usa maneiras parecidas ou até mesmo iguais para chegar onde quer. Para entendermos melhor, “o que chamamos de fascista é um tipo psicopolítico bastante comum. Sua característica é ser politicamente pobre. O empobrecimento do qual ele é portador se deu pela perda da dimensão do diálogo”. (TIBURI, 2015, p.23). A forma de tentar enlaçar o público tanto antes como agora permanece a mesma: trazendo mais proximidade entre o jornalista e o telespectador/ouvinte/leitor. Para Adorno, Martin Luther Thomas fazia isso de uma maneira eficaz. Segundo ele, o radialista [...] não apenas se refere aos interesses mais imediatos dos seus ouvintes como, também, abarca a esfera privada do orador que, assim, faz parecer que tem em seus ouvintes pessoas de sua confiança e que pode passar por cima das distâncias que separam as pessoas. (ADORNO, s.d.). Algumas coisas mudaram na relação do “jornalista” (que está mais para pop-star do que para profissional do ramo) com o seu público da primeira metade do século XX para cá. Antes, era mais proveitoso que a audiência não soubesse muito sobre a vida privada deles. Hoje, em alguns casos, acontece o contrário. Utilizando como exemplo a jornalista Rachel Sheherazade, sua vida particular foi levada de programas de entretenimento a entrevistas para revistas. Essa rotina foi criada após sua fala polêmica sobre o garoto, suspeito de furto, que foi amarrado em um poste, para que ela pudesse se defender das críticas. Uma de suas estratégias de defesa foi abrir sua vida pessoal para que
  • 44. 43 as pessoas achassem que suas palavras não eram um discurso de ódio, e sim, uma opinião de alguém que é “normal” e que leva uma vida como tantos outros trabalhadores brasileiros. Porém, voltando ao radialista de mais de 70 anos atrás, podemos observar como as manobras de manipulação ainda são extremamente atuais. A ideia é manter-se cada vez mais próximo ao ouvinte para que este, como explicado anteriormente, possa realizar aquilo que a ideologia da imprensa elitista deseja, mas não está apta a fazer. Ou seja, utilizam-se da população para fazer o “trabalho sujo”, seja ele perpetuar o preconceito como forma de pensar ou praticar atos e atrocidades físicas. O principal é, antes, a ideia de que o fraco pode se tornar forte, se ele entregar sua existência privada ao movimento, à causa, à cruzada ou qualquer outra coisa. Referindo-se a si próprio de maneira ambivalente, como homem e super-homem, fraco e forte, próximo e distante, o líder fascista serve de modelo para cada atitude que ele procura firmar em seus ouvintes. (ADORNO, s.d.). Isso significa, em outras palavras, a ideia de sentimento de poder, “contágio” e “sugestionabilidade” de Le Bon, citadas no segundo capítulo. A propaganda fascista permanece se disseminando da mesma forma (não usamos aqui a palavra “propaganda” no sentido publicitário, mas sim no sentido de propagar um discurso, manipulando a população). “A propaganda fascista, a propaganda do ódio, prega a intolerância, afirma coisas estarrecedoras com alto teor performativo, ou seja, capaz de provocar efeitos e orientar ações”. (TIBURI, 2015, p.41). É essa propaganda que precisamos parar. É essa tolerância ao ódio e ao preconceito que precisamos exterminar tanto do jornalismo quanto da sociedade. A autora Marli Quadros Leite, em seu livro Preconceito e Intolerância na Linguagem, disserta sobre questões de preconceito e intolerância dentro de alguns setores da imprensa, principalmente a escrita, e faz uma análise sobre como isso acontece. No livro, a autora bate na tecla do preconceito linguístico, porém também cita outros tipos de preconceito e como isso pode afetar a sociedade. “Antes de tudo, como sabemos muito bem, a
  • 45. 44 linguagem é social, plena de valores, é axiológica e, por meio dela, consciente ou inconscientemente, o falante mostra sua ideologia”. (LEITE, 2008, p.14). A partir desse pensamento, podemos levar em conta e até mesmo concluir que o discurso da jornalista Rachel Sheherazade não é limpo e destituído de conceitos pré-concebidos. Eles estão tão carregados quanto qualquer ato mais claramente intolerante. A metalinguagem intolerante (ou preconceituosa) camufla (ou denuncia) outros preconceitos, de todas as ordens. Isso significa que o preconceito ou a intolerância não são somente linguísticos, são também de outra ordem (social, política, religiosa, racial etc.). (LEITE, 2008 p.14). A cadeia alimentar do preconceito, assim como mostra a autora, é cíclica e viciosa. Ou seja, a partir de uma fala ou de um modo de linguagem é possível desencadear outros tipos de preconceito. Dessa forma, a responsabilidade sobre como e o que se fala dentro da imprensa é muito maior do que se imagina. O quadro analisado, protagonizado por Sheherazade, não é o único dentro da imprensa. A todo momento acontecem situações parecidas, como por exemplo nos jornais policiais ou até mesmo no modo que alguns editoriais são escritos em jornais impressos. O preconceito e a intolerância estão espalhados pela mídia. No mundo moderno, pela expansão das mídias, a todo momento acontecem episódios em que as pessoas experimentam, ou simplesmente tomam conhecimento de casos de preconceito ou de intolerância, materializados pela linguagem. (LEITE, 2008, p.17). Um exemplo de texto preconceituoso linguística e socialmente é o do jornalista da Folha de São Paulo, Fernando Rodrigues, em 2007. O texto também é usado como exemplo pela autora (2008, p.18) citada acima. O crepúsculo de Renan7 É impossível prever o desfecho da crise na qual mergulhou o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMBD- 7 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1606200704.htm>. Acesso em: 12 nov. 2015.
  • 46. 45 AL). Como o processo já começou, ele só pode ser absolvido ou cassado. Não há mais a hipótese de renunciar para fugir de uma eventual punição. Há um certo tom patético em todo o caso, como nos escândalos políticos midiáticos de qualquer país. Homem casado, relação fora do casamento, filha, mulher bonita, pensão em dinheiro vivo e rebanho de gado fabuloso no interior de Alagoas. O azar de Renan é a fácil inteligibilidade da sua encrenca. Poucos brasileiros sabem descrever o longínquo caso dos precatórios ou mesmo o conteúdo da recente Operação Hurricane, da PF. Mas filha fora do casamento, dinheiro vivo e vacas milionárias suspeitas todos entendem. Para completar, Renan Calheiros não é um qualquer. Preside o Senado. Foi aliado de todos os governos pós-ditadura militar: Sarney, Collor, Itamar, FHC e Lula. Tem sotaque nordestino. É o protótipo do político marcado para ser detestado no Sul e no Sudeste – mesmo que os eleitores dessas regiões despachem para Brasília certos clones caucasianos do mesmo Renan. (grifo da autora) A primeira reação ao ler o texto é de que o autor não é a favor, politicamente, do atual presidente do Senado, Renan Calheiros. O objetivo do trabalho não é debater sobre questões políticas, mas sim analisar o preconceito e a intolerância dentro da fala da imprensa. Portanto, em uma segunda análise do texto publicado na Folha, podemos perceber que o autor faz uma referência à má atuação política de Calheiros dando como motivos para isso ter uma determinada origem: a nordestina. Como já está muito claro que o preconceito existe (assumido ou não), é necessário que se entenda, de fato, o significado das palavras “preconceito” e “intolerância”. Apesar de as duas terem ideias parecidas, elas não são sinônimas. “Preconceito é a ideia, a opinião ou o sentimento que pode conduzir o indivíduo à intolerância, à atitude de não admitir opinião divergente e, por isso, à atitude de reagir com violência ou agressividade a certas situações”. (LEITE, 2008, p.20). Sobre essa definição, voltamos novamente a pensar no caso do menino amarrado ao poste, citado no capítulo anterior. Mesmo que ele tenha praticado atos ilícitos, mesmo que ele tenha a “ficha mais suja do que pau de galinheiro” (como disse Sheherazade), tratar a situação com violência e agressividade esboça não uma “indignação com o caso”, mas sim um preconceito tão grande a ponto de levar as pessoas que praticaram o ato a agirem assim. Esboça uma tolerância com a violência. Além disso, a intolerância maior para com o menino (menor de idade, negro e pobre) não foi
  • 47. 46 apenas dos “justiceiros”, mas também da jornalista Rachel Sheherazade que, para perpetuar seu preconceito e ideologia, tolerou, em sua fala, uma atitude como essa. Marli Quadros cita Norberto Bobbio, filósofo italiano, que elucida sobre a intolerância e diz que ela “refere-se à incapacidade de o indivíduo conviver com a diversidade de conceitos, crenças e opiniões” (BOBBIO apud LEITE, 2008, p.21). Ele também afirma, conforme a autora, que [...] muito sumariamente, a intolerância pode ser definida como uma atitude de ódio sistemático e de agressividade irracional com relação a indivíduos e grupos específicos, à sua maneira de ser, a seu estilo de vida e às suas crenças e convicções. (BOBBIO apud LEITE, 2008, p.21). Algumas pessoas se perguntam como a jornalista, nesse caso, é intolerante, já que ela “apenas deu sua opinião”. Porém, voltando novamente no assunto e deixando de lado toda a parte de responsabilidade de um discurso como esse no maior veículo de comunicação do país, Bobbio nos clareia as ideias, mais uma vez, dizendo que [...] tolerância em sentido negativo é sinônimo de indulgência culposa, de condescendência com o mal, com o erro, por falta de princípios, por amor da vida tranquila ou por cegueira diante dos valores. (BOBBIO apud LEITE, 2008, p.24). Todo esse conjunto de fatores, portanto, leva a uma exclusão de determinados grupos sociais, trazendo contra (e com) eles comportamentos violentos e que atingem a integridade física e moral da população. As consequências, nesses casos, são graves e grandiosas, impedindo-nos até mesmo de mensurar seu tamanho. O jornalismo, atualmente, mostra várias faces da direita radical. Jornalistas como Rachel Sheherazade não se escondem mais e não têm mais medo de proclamar ódio e preconceito disfarçados de simples opinião. Esse jornalismo obscuro e perigoso renasceu depois de muito tempo escondido nas sombras da ditadura e, dessa vez, com um poder de alcance ainda maior. São dos mais variados perfis: uns mais radicais, outros menos; uns mais violentos, outros que escondem melhor. Nomes como Reinaldo Azevedo, Arnaldo Jabor, Luíz Felipe Pondé, Merval Pereira, entre outros passam por esse leque de
  • 48. 47 profissionais que seguem a mesma linha de Sheherazade. Porém, poucos (ou quase nenhum) com a mesma capacidade hipnótica da jornalista em questão. Além de estarem nas televisões, jornais impressos e rádio, hoje o jornalismo conta com outra ferramenta: a internet. É fato que o boom da internet e das redes sociais tem democratizado cada vez mais o acesso à informação. De acordo com a primeira pesquisa feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)8 sobre o assunto e divulgada em abril desse ano, 49,4% dos brasileiros já utilizam a internet como fonte de informação. Ainda segundo essa mesma pesquisa, 71,1% dos domicílios têm internet banda larga em casa. Dessa forma, esse tipo de jornalismo sem escrúpulos e ética, amparado por todos os meios de comunicação, ganha, cada vez mais, um espaço notório e assustador. Meios de comunicação em geral, inclusas as redes sociais e grande parte da imprensa, onde ideologias e indivíduos podem se expressar livremente sem limites de responsabilidade ética e legal, estabelecem compreensões gerais sobre fatos que passam a circular como verdades apenas porque são repetidas. Quem sabe manipular o círculo vicioso e tortuoso da linguagem ganha em termos de poder. (TIBURI, 2015, p.60). É certo que a liberdade de expressão foi uma vitória reconquistada pela classe jornalística após a ditadura militar. Justamente por ela ser tão importante que muitos profissionais do ramo deveriam se preocupar com a forma como lidam com seus trabalhos e comentários. O discurso de ódio nada tem a ver com liberdade de expressão e muito menos com o jornalismo opinativo. O discurso de ódio vai contra o código de ética jornalístico. O discurso de ódio deve ser identificado, evitado e banido do seio da profissão. 4.4 OUTROS EXEMPLOS DE PRECONCEITO Existem ainda diversos outros exemplos de preconceito dentro do jornalismo. Alguns culminaram em demissões, outros, apenas em desligamento por parte dos próprios jornalistas. O trabalho não visa analisar 8 Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2013/>.Acesso em: 23 nov. 2015.
  • 49. 48 todos eles, já que não são poucos e muitos nem se encontram mais em circulação. Vivemos em uma época em que se pode dizer tudo sobre qualquer coisa sem consequência alguma. Por conta da internet, tem sido cada vez mais difícil identificar e até mesmo frear as propagações desse tipo de comentário. Será um desafio para os próximos estudiosos do ramo e para a própria legislação regulamentar e reeducar uma população que não tem reparado na linha tênue entre o jornalismo opinativo e o discurso de ódio. A título de complementação, seguem outros dois comentários preconceituosos dos últimos anos. O primeiro é de Luiz Carlos Prates, ex- comentarista da RBS (afiliada da rede Globo), de 20119: É só isso. As pessoas saem absolutamente desatinadas por uma pressa que não se justifica por nenhuma razão. Eu andei ontem na BR-101. Nunca a tinha visto com tanto movimento nem em dias de semana. Ontem era metade de um feriadão. Quem tinha que ter saído já tinha saído e ainda era muito cedo pra voltar pra casa. Mas o que é isso? Antes de mais nada, a popularização do automóvel. Hoje qualquer miserável tem um carro. O sujeito jamais leu um livro, mora apertado numa gaiola que hoje chamam de apartamento, não tem nenhuma qualidade de vida, mas tem um carro na garagem. E este camarada, casado, como não suporta a mulher nem a mulher suporta ele, saem, vão pra estrada, vão se distrair, vão se divertir. E aí, inconscientemente, o cara quer compensar as suas frustrações com excesso de velocidade. Tem cabimento um camarada não vencer a curva? Como se curva fosse feita para vencer. Quando o camarada morre sozinho, problema dele. Mas e quando mata um inocente? Ontem havia um acidente na estrada, no trecho norte da BR-101, eu vinha para Florianópolis, era do outro lado. Os caras paravam do lado em que eu vinha e atravessavam a pé para ver o que tinha acontecido. Com um movimento absolutamente incomum. Se um desgraçado desses é atropelado, e essa é a palavra, se um desgraçado desses é atropelado e feito sanduíche na pista, o que é que vão dizer? Este trânsito insano. Insano é cara que para o carro, atravessa a BR pra ver o que aconteceu com a pessoa. Então é isso: estontícia, falta de respeito, frustração, casais que não se toleram, popularização do automóvel, resultado deste governo espúrio que popularizou pelo crédito fácil o carro para quem nunca tinha lido um livro. O segundo comentário é de Silvia Pilz, ex-blogueira do O Globo, feito em 201510: 9 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=4tbOIuPU5Vs>. Acesso em: 2 out. 2015.
  • 50. 49 O plano cobre Todo pobre tem problema de pressão. Seja real ou imaginário. É uma coisa impressionante. E todos têm fascinação por aferir [verificar] a pressão constantemente. Pobre desmaia em velório, tem queda ou pico de pressão. Em churrascos, não. Atualmente, com as facilidades que os planos de saúde oferecem, fazer exames tornou-se um programa sofisticado. Hemograma completo, chapa do pulmão, ressonância magnética e etc. Acontece que o pobre – normalmente – alega que se não tomar café da manhã tem queda de pressão. Como o hemograma completo exige jejum de 8 ou 12 horas, o pobre, sempre bem arrumado, chega bem cedo no laboratório, pega sua senha, já suando de emoção [uma mistura de medo e prazer, como se estivesse entrando pela primeira vez em um avião] e fica obcecado pelo lanchinho que o laboratório oferece gratuitamente depois da coleta. Deve ser o ambiente. Piso brilhante de porcelanato, ar condicionado, TV ligada na Globo, pessoas uniformizadas. O pobre provavelmente se sente em um cenário de novela. Normalmente, se arruma para ir a consultas médicas e aos laboratórios. É comum ver crianças e bebês com laçarotes enormes na cabeça e tênis da GAP sentados no colo de suas mães de cabelos lisos [porque atualmente, no Brasil, não existem mais pessoas de cabelos cacheados] e barriga marcada na camiseta agarrada. O pobre quer ter uma doença. Problema na tireoide, por exemplo, está na moda. É quase chique. Outro dia assisti um programa da Globo, chamado Bem-Estar. Interessantíssimo. Parece um programa infantil. A apresentadora cola coisas em um painel, separando o que faz bem e o que faz mal dependendo do caso que esteja sendo discutido. O caso normalmente é a dúvida de algum pobre. Coisas do tipo “tenho cisto no ovário e quero saber se posso engravidar”. Porque a grande preocupação do pobre é procriar. O programa é educativo, chega a ser divertido. Voltando ao exame de sangue, vale lembrar que todo pobre fica tonto depois de tirar o sangue. Evita trabalhar naquele dia. Faz drama, fica de cama. Eu acho que o sonho de muitos pobres é ter nódulos. O avanço da medicina – que me amedronta a cada dia porque eu não quero viver 120 anos – conquistou o coração dos financeiramente prejudicados. É uma espécie de glamourização da doença. Faz o exame, espera o resultado, reza para que o nódulo não seja cancerígeno. Conta para a família inteira, mostra a cicatriz da cirurgia. Acho que não conheço nenhuma empregada doméstica que esteja sempre com atacada da ciática [leia-se nervo ciático inflamado]. Ah! Eles também têm colesterol [leia-se colesterol alto] e alegam “estar com o sistema nervoso” quando o médico se atreve a dizer que o problema pode ser emocional. O que me fascina é que o interesse deles é o diagnóstico. 10 Matéria intitulada “Blogueira do Globo esculacha pobres em artigo espantoso”, feita pelo site Pragmatismo Político. Disponível em: <http://www.pragmatismopolitico.com.br/2015/01/blogueira- globo-esculacha-pobres-em-artigo-espantoso.html>. Acesso em: 5 out. 2015.
  • 51. 50 O tratamento é secundário, apesar deles também apresentarem certo fascínio pelos genéricos. Mesmo “com colesterol” continuam comendo pastel de camarão com catupiry [não existe um pobre na face da terra que não seja fascinado por camarão] e, no final de semana, todo mundo enche a cara no churrasco ao som de “deixa a vida me levar, vida leva eu” debaixo de um calor de 48 graus. Pressão: 12 por 8 Como são felizes. Babo de inveja.