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[A citação de Paul Giraud, posta à cabeça do trabalho de
Manuel Ferreira Rosa (“A instrução ocidental produz tipos
desenquadrados entre os povos não preparados para a receber,
indivíduos perigosos que podemos comparar aos nossos
anarquistas para quem uma revolução apenas dá ocasião de
utilizar os seu saber e satisfazer a sua ambição. (…) O germe de
intelectualismo levado pelo Ocidente entra em fermentação em vez
de se desenvolver: uma efervescência nociva dos espíritos
demonstra que, onde quisemos um progresso demasiado rápido,
não provocámos senão agitação e desorganização”.) é a linha de
orientação do seu pensamento para a perspectiva que tem do
ensino a ministrar aos indígenas. E é que não estão preparados
para o intelectual (os negros têm um “primitivismo intonso e
rude… estrutura mental prelógica ou paralógica… vida imemorial
estagnada ou em regresso”, diz ele), apenas para o prático; daí
que esteja fundamentado basicamente para o ensino rudimentar
do português, para a formação de enfermeiros, para a
aprendizagem dos trabalhos agrícolas e oficinais. É evidente a
preocupação em criar condições que melhorem o desempenho
da mão-de-obra indígena ao serviço dos colonos, que entendam
as suas ordens, que sejam saudáveis para o trabalho.

Mas há outras evidências: o sentimento de supremacia do
branco ocidental e, também, que este documento, escrito em
1951, demonstra, pelo menos neste aspecto, que nada foi feito
nos 500 anos anteriores. É como começar do princípio.]
[Diz aqui o mentor de “Sobre a educação das raças” que “O
selvagem não raciocina, não pode raciocinar como o homem
civilizado; a qualidade do seu pensamento não é a mesma,
porque este pensamento tem raízes diferentes porque teve
origem num terreno fisiológico e num meio social diferentes. (…)
O pensamento primitivo é essencialmente concreto; somente
constituído   por   imagens   muito   precisas,   muito   claras,
correspondendo sempre a realidades bem determinadas ”. Não
raciocina como o homem civilizado… mas de qual civilização?
Da civilização milenar chinesa, da indú da Índia, dos aztecas da
América Central, da dos “índios” da América do Norte ou do
Brasil, ou dos aborígenes da Austrália?... Não, não me parece,
acho que se refere à civilização branca ocidental. Mas será que
os chineses, os indús, os aztecas, os índios e os aborígenes não
raciocinavam, embora em “meios sociais” diferentes? É claro
que raciocinavam, assim como os pretos da Guiné, de acordo
com a vida que tinham e os meios de que dispunham para viver.

Os camponeses portugueses, maioritariamente analfabetos, das
primeiras décadas e das dos meados do século XX, ao cavarem,
semearem e colherem, também o faziam de acordo com
“imagens muito precisas, muito claras, correspondendo sempre
a realidades bem determinadas”. Isto é, a sua experiência
concreta da vida no campo é que lhes dizia como e quando
haviam de fazer. Eram ocidentais, oficialmente “civilizados”,
eram campónios, rupestres, mas não selvagens.

Nas minhas pesquisas não encontrei nenhum Paul Girau, como
vem na primeira citação, ou Giraud, como está nesta, autor do
livro “De l’éducation des races”. Encontrei, sim, um Paul-Émile
Giran autor de De l'éducation des races, études de sociologie
coloniale, par Giran, Paris, Challamel, 1913.Palpita-me que houve
um erro na revisão do original. Este homem foi funcionário
colonial durante muitos anos nas colónias francesas da
Indochina, tendo várias obras sobre os povos dessa região.

Quando ele diz (e noto que se refere aos povos da Indochina e
não aos de Àfrica) que a qualidade do pensamento do selvagem
tem origem num terreno “fisiológico” diferente daquele dos
civilizados descobre-lhe, parece-me, laivos de racismo. Não
conheço a obra e não sei, por isso, se isso se torna evidente no
seu conjunto. O facto de o autor deste texto incluso no Boletim
Cultural da Guiné Portuguesa agarrar nestas citações torna
clara a ideia que ele tinha dos indígenas da Guiné e qual o
ensino que lhes devia ser dado.]
É muito claro este último parágrafo que sublinhei
As missões católicas como factor activo e apoio
determinante à colonização e não meros difusores da
fé.
«…a verdadeira escola é a da experiência, da realidade. É por
ela que os povos-criança, como as próprias crianças, devem
começar. (…) O selvagem adulto tem ainda uma mentalidade
infantil. É por isso que o ensino a ministrar-lhe deve ser muito
terra-a-terra, ligado o mais possível à realidade: e à realidade
selvagem, local, não à nossa, porque ele não a compreende.»

Durante   séculos,    os   adultos   não   selvagens   europeus
fomentaram o tráfico de escravos com os selvagens adultos
chefes tribais e reis dos negros. Tinham estes mentalidade
infantil? Parece que, na altura, houve uma compreensão mútua
das realidades selvagens de uns e de outros. Mais uma vez,
retirou-se um texto para apoiar o “pensamento que informou”, e
enformou, digo eu, os regulamentos para o ensino a dar aos
indígenas da Guiné.
Seg




D




Dizaqui




D




D

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  • 1. [A citação de Paul Giraud, posta à cabeça do trabalho de Manuel Ferreira Rosa (“A instrução ocidental produz tipos desenquadrados entre os povos não preparados para a receber, indivíduos perigosos que podemos comparar aos nossos anarquistas para quem uma revolução apenas dá ocasião de utilizar os seu saber e satisfazer a sua ambição. (…) O germe de intelectualismo levado pelo Ocidente entra em fermentação em vez de se desenvolver: uma efervescência nociva dos espíritos demonstra que, onde quisemos um progresso demasiado rápido, não provocámos senão agitação e desorganização”.) é a linha de orientação do seu pensamento para a perspectiva que tem do ensino a ministrar aos indígenas. E é que não estão preparados para o intelectual (os negros têm um “primitivismo intonso e rude… estrutura mental prelógica ou paralógica… vida imemorial estagnada ou em regresso”, diz ele), apenas para o prático; daí que esteja fundamentado basicamente para o ensino rudimentar do português, para a formação de enfermeiros, para a aprendizagem dos trabalhos agrícolas e oficinais. É evidente a preocupação em criar condições que melhorem o desempenho da mão-de-obra indígena ao serviço dos colonos, que entendam as suas ordens, que sejam saudáveis para o trabalho. Mas há outras evidências: o sentimento de supremacia do branco ocidental e, também, que este documento, escrito em 1951, demonstra, pelo menos neste aspecto, que nada foi feito nos 500 anos anteriores. É como começar do princípio.]
  • 2.
  • 3.
  • 4.
  • 5.
  • 6.
  • 7.
  • 8. [Diz aqui o mentor de “Sobre a educação das raças” que “O selvagem não raciocina, não pode raciocinar como o homem civilizado; a qualidade do seu pensamento não é a mesma, porque este pensamento tem raízes diferentes porque teve origem num terreno fisiológico e num meio social diferentes. (…) O pensamento primitivo é essencialmente concreto; somente constituído por imagens muito precisas, muito claras, correspondendo sempre a realidades bem determinadas ”. Não raciocina como o homem civilizado… mas de qual civilização? Da civilização milenar chinesa, da indú da Índia, dos aztecas da América Central, da dos “índios” da América do Norte ou do Brasil, ou dos aborígenes da Austrália?... Não, não me parece, acho que se refere à civilização branca ocidental. Mas será que os chineses, os indús, os aztecas, os índios e os aborígenes não raciocinavam, embora em “meios sociais” diferentes? É claro que raciocinavam, assim como os pretos da Guiné, de acordo com a vida que tinham e os meios de que dispunham para viver. Os camponeses portugueses, maioritariamente analfabetos, das primeiras décadas e das dos meados do século XX, ao cavarem, semearem e colherem, também o faziam de acordo com “imagens muito precisas, muito claras, correspondendo sempre a realidades bem determinadas”. Isto é, a sua experiência concreta da vida no campo é que lhes dizia como e quando haviam de fazer. Eram ocidentais, oficialmente “civilizados”, eram campónios, rupestres, mas não selvagens. Nas minhas pesquisas não encontrei nenhum Paul Girau, como vem na primeira citação, ou Giraud, como está nesta, autor do livro “De l’éducation des races”. Encontrei, sim, um Paul-Émile Giran autor de De l'éducation des races, études de sociologie coloniale, par Giran, Paris, Challamel, 1913.Palpita-me que houve um erro na revisão do original. Este homem foi funcionário colonial durante muitos anos nas colónias francesas da Indochina, tendo várias obras sobre os povos dessa região. Quando ele diz (e noto que se refere aos povos da Indochina e não aos de Àfrica) que a qualidade do pensamento do selvagem tem origem num terreno “fisiológico” diferente daquele dos civilizados descobre-lhe, parece-me, laivos de racismo. Não conheço a obra e não sei, por isso, se isso se torna evidente no seu conjunto. O facto de o autor deste texto incluso no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa agarrar nestas citações torna
  • 9. clara a ideia que ele tinha dos indígenas da Guiné e qual o ensino que lhes devia ser dado.]
  • 10.
  • 11.
  • 12.
  • 13.
  • 14.
  • 15.
  • 16.
  • 17.
  • 18. É muito claro este último parágrafo que sublinhei
  • 19. As missões católicas como factor activo e apoio determinante à colonização e não meros difusores da fé.
  • 20.
  • 21.
  • 22.
  • 23.
  • 24.
  • 25. «…a verdadeira escola é a da experiência, da realidade. É por ela que os povos-criança, como as próprias crianças, devem começar. (…) O selvagem adulto tem ainda uma mentalidade infantil. É por isso que o ensino a ministrar-lhe deve ser muito terra-a-terra, ligado o mais possível à realidade: e à realidade selvagem, local, não à nossa, porque ele não a compreende.» Durante séculos, os adultos não selvagens europeus fomentaram o tráfico de escravos com os selvagens adultos chefes tribais e reis dos negros. Tinham estes mentalidade infantil? Parece que, na altura, houve uma compreensão mútua das realidades selvagens de uns e de outros. Mais uma vez, retirou-se um texto para apoiar o “pensamento que informou”, e enformou, digo eu, os regulamentos para o ensino a dar aos indígenas da Guiné.
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