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O capital
Prof. Ricardo Feijó
Divisão da obra
A obra econômica principal de Marx, O Capital,
está dividida em 3 volumes, além do quarto
volume compilado por Engels.
O volume I tem por foco a explicação da
natureza do capital e da origem do lucro; não
se preocupa em explicar preços reais. Os
valores são os únicos determinantes do valor
de troca, abstraindo-se a diferença na relação
entre capitais. Trabalha inicialmente com o
conceito de mercadoria, depois analisa a
transformação do dinheiro em capital e a
teoria da mais-valia.
O volume II começa por considerar as
variações na intensidade e na produtividade
do trabalho e seus efeitos sobre a mais-
valia, discute a questão dos salários e o
processo de acumulação do capital, onde
distingue a reprodução simples da
acumulação capitalista.
Também discute a colonização.
Volumes III e IV
O volume III explica preços reais; ele
não foi totalmente terminado por
Marx.
O volume IV reúne uma série de
materiais de conteúdo mais histórico
do que teórico.
A perspectiva de Marx
A interpretação dessa obra requer situá-la
no contexto das crenças filosóficas básicas
de Marx e seu enfoque peculiar da ciência
econômica. Marx vê a economia de uma
perspectiva histórica.
A produção é uma atividade social que
assume diferentes “modos” dependendo da
organização social e das técnicas.
O que é capital?
O capital não é um elemento universal
presente em todos os estágios da história;
é trabalho passado acumulado, não só
instrumento de produção; é fonte de
geração de lucro de uma classe social no
capitalismo.
A atividade econômica não se resume
apenas na esfera das trocas: há também a
esfera da produção.
Esfera da produção e da
circulação
É na produção onde se evidenciam os
papéis sociais, a desigualdade das
classes; enquanto a troca, ou esfera
da circulação, é o sistema da
igualdade formal sob o império da mão
invisível de Smith.
A mercadoria
Mercadoria é um conceito básico em Marx e
apresenta duas características essenciais: “valor
de uso”, por possuir propriedades que satisfazem a
necessidades humanas ou qualidades físicas que
geram utilidade, e “valor de troca”, por serem
depositárias materiais de valor.
O valor de troca pressupõe um elemento comum a
todas as mercadorias: o tempo de trabalho
socialmente necessário para a produção. A
mercadoria apresenta-se como incorporação
material do trabalho empregado na produção. É a
cristalização de valores.
Trabalho útil e trabalho
abstrato
O conceito de trabalho também é central.
Marx separa trabalho útil, que cria valor de
uso ou utilidade, de trabalho abstrato que
cria valor de troca ou simplesmente valor.
O trabalho abstrato é medido pelo tempo
de trabalho socialmente necessário, com o
grau médio de habilidade e intensidade em
dada época.
Capítulo 1 de O Capital
No capítulo 1 do volume I do Capital,
intitulado “A Mercadoria”, começa-se
dizendo que a propriedade corpórea da
mercadoria que gera utilidade define o seu
valor de uso e que a mercadoria também é
portadora material de um outro conceito, o
valor de troca, expressão de um conteúdo
diferente da própria mercadoria.
O valor de troca é a “forma de
manifestação” de um processo social.
Marx exemplifica, se um quarter de trigo é
trocado por a quintais de ferro, deve haver
algo em comum nessas duas mercadorias. A
troca pressupõe a igualdade, e a igualdade
pressupõe a comensurabilidade.
Certamente o elemento comum não é as
propriedades corpóreas que geram valor de
uso ou utilidades, pois não há nada
fisicamente que aproxima trigo e ferro.
Valor de uso e valor de troca
Ao se analisar o valor de troca deve-se abstrair o
valor de uso, pois se trata de diferenças de
quantidade e não de qualidade entre as mercadorias.
Ao se abstrair o valor de uso, desconsidera-se
também o caráter concreto ou útil do trabalho
associado. Importa agora serem elas produto de
trabalho humano abstrato ou cristalizações de uma
substância social comum que é o valor:
“O que há de comum que se revela na relação de
troca ou valor de troca da mercadoria, é, portanto,
seu valor.”
Trabalho abstrato
O valor de troca é a forma de manifestação
do valor.
O trabalho abstrato é a substância do valor,
gerada a partir do tempo de trabalho
enquanto força média de trabalho social ou
tempo de trabalho socialmente necessário
com o grau médio de habilidade e de
intensidade de trabalho.
Enquanto valores todas as mercadorias são
apenas medidas determinadas de tempo de
trabalho cristalizado.
Duplo caráter do trabalho:
Mercadoria representa valor de uso somente para
os outros que a obtém no mercado e não para o seu
próprio produtor. É um valor de uso social
transferido pela troca.
O trabalho representado nas mercadorias possui um
duplo caráter: é o trabalho produtor de valor de uso
e é o trabalho expresso no valor.
O primeiro é o trabalho útil, trabalho cuja utilidade
está representada no valor de uso. A troca sempre
ocorre entre mercadorias com valores de uso
qualitativamente diferentes.
O trabalho representado no valor é trabalho
abstrato: mero dispêndio de força humana de
trabalho, mero dispêndio produtivo de cérebro,
Capitalismo versus sociedades
tradicionais
É preciso ter em mente o tipo de sociedade
identificada por Marx.
Grosso modo, ele separa o capitalismo das
sociedades tradicionais. Enquanto nestas as
relações entre os homens na produção
estão pré-estipuladas e são mantidas pela
tradição, e mesmo o destino dos bens
produzidos é estabelecido pelo sistema de
obrigações recíprocas, no capitalismo os
homens estão livres dessas amarras sociais
e se afirmam como indivíduos.
Produtores autônomos e
independentes
Com a divisão social do trabalho no
capitalismo, as unidades produtivas
tornam-se autônomas e independentes da
totalidade social. Tal condição é um
requisito para a produção de mercadorias.
A relação entre produtores se transforma
em relação entre mercadorias:
“Apenas produtos de trabalhos privados
autônomos e independentes entre si
confrontam-se como mercadorias.”
Valor como relação social
As mercadorias têm como característica
comum serem resultado da produção, onde
ocorre a mudança na forma da matéria, e
serem confrontadas no mercado umas com
as outras. Na sua forma natural ela é
objeto de uso e na sua forma valor é
portadora de valor. O valor não existe
fora do contesto social:
“A objetividade de valor (da mercadoria) é
puramente social – relação social de
mercadoria para mercadoria.”
Teoria das formas do valor
Marx dedica os dois primeiros capítulos do
Capital a discutir o processo de
sociabilidade na produção das
mercadorias, contrapondo a sociedade
tradicional à sociedade de produtores
privados independentes e autônomos, onde
a socialização se dá via mercado.
Discorrendo sobre esse processo, ele
desenvolve a teoria dos desdobramentos
das formas valores até a generalização do
dinheiro.
Da forma simples do valor à
forma dinheiro
A forma valor das mercadorias mais usual e
comum é a forma dinheiro, onde os valores
estão expressos em unidades monetárias.
Marx analisa o que entende como a gênese
dessa forma dinheiro do valor, partindo do
estudo de uma forma mais simples na
relação de valor das mercadorias.
A relação de valor de uma mercadoria com
uma única outra mercadoria de um tipo
diferente é o que denomina de “forma
simples, singular ou acidental de valor”.
x.A = y.B
Se x unidades da mercadoria A valem y da
mercadoria B, ou x.A = y.B, A  B, A
expressa seu valor em B, ou B serve de
material para essa expressão de valor.
A é ativo e B passivo.
O valor de A é a “forma valor relativa” e o
de B é a “forma equivalente” ou permutável,
e a própria relação das mercadorias
expressa o caráter de valor de A.
A e B não podem inverter os papéis, pois aí
já seria outra relação.
O trabalho humano cria valor, porém ele
mesmo não é valor. No caso anterior, o
valor de A é uma objetividade
concretamente diferente de A e comum
também a B. Marx diz que o valor da
mercadoria A é expresso no corpo da
mercadoria B, ou no valor de uso desta.
No processo, a forma natural de B torna-
se a forma de valor de A, o corpo de B
espelha o valor da mercadoria A.
Valor de uso como forma de
manifestação do valor
Na relação x.A = y.B , x e y dependem do valor
contido em A e B, medido em trabalho
abstrato.
Se 10 varas de linho valem 1 casaco, o linho
expressa seu valor no valor de uso do casaco,
enquanto forma de valor equivalente.
O valor de uso torna-se forma de
manifestação do valor.
A forma natural da mercadoria torna-se
forma de valor para outra mercadoria
na relação de troca entre elas.
“Expressando a forma relativa de valor
de uma mercadoria, por exemplo, do
linho, sua qualidade de ter valor como
algo inteiramente distinto de seu corpo
e suas propriedades... esta expressão
mesma indica que nela se oculta uma
relação social.”
A forma equivalente
Na forma equivalente se dá o
contrário, o corpo da mercadoria
expressa valor enquanto corporificação
do trabalho humano abstrato:
“Trabalho concreto se converte na
forma de manifestação de seu
contrário: trabalho humano abstrato.”
O trabalho concreto privado produz
mercadorias que ao serem
confrontadas com outras se confronta
também trabalho com outro trabalho.
O trabalho privado se converte em
forma diretamente social de trabalho.
Forma de valor total ou
desdobrada
Agora diversas mercadorias confrontam-se
ao longo da cadeia: z mercadorias A = u
mercadorias B = v mercadorias C etc. É a
forma relativa de valor desdobrada. Agora
a mercadoria A está em relação social com
todo o mundo das mercadorias. Evidencia-se
que:
“Não é a troca que regula a grandeza de
valor, mas, ao contrário, é a grandeza de
valor da mercadoria que regula suas
relações de troca.”
Equivalente geral
Invertendo a série, Marx chega à “forma
geral de valor” em que todas as
mercadorias em questão (1 casaco, 10 libras
de chá...) são trocadas por 20 varas de
linho.
Neste caso, esta última funciona como
equivalente geral, onde todas as
mercadorias, exceto ela mesma,
representam seus valores de modo simples
e unitário, isto é, na mesma mercadoria.
O linho funciona como forma de valor
simples e comum a todas as
mercadorias, que também permite
relacionar todas elas entre si por
meio do linho.
Escreve Marx:
“Essa forma é a primeira a
relacionar realmente as
mercadorias entre si como
valores, ou as deixa aparecer
reciprocamente como valores de
troca.”
Forma dinheiro
Finalmente Marx chega à forma dinheiro
onde todas as mercadorias têm o seu valor
representado numa mercadoria de
aceitação geral que assume a função de
dinheiro:
1 casaco, 20 varas de linho... = 2 onças de
ouro.
A forma dinheiro é o desdobramento da
forma mercadoria simples e esta é o germe
da forma dinheiro.
O dinheiro...
“É a forma de manifestação do valor das
mercadorias, no qual as grandezas de
valor das mercadorias se expressam
socialmente.”
O dinheiro é mercadoria geral que
funciona como materialização do
trabalho humano abstrato:
“A forma dinheiro é apenas o reflexo
aderente a uma única mercadoria das
relações de todas as outras
mercadorias.”
Forma dinheiro e relações
humanas
A forma dinheiro é a manifestação de relações
humanas ocultas.
Ela fornece à mercadoria não o seu valor, mas sua
forma valor específica.
Se o dinheiro, como valor, é apenas um invólucro
reificado do trabalho humano despedido na
mercadoria, ele pode ser pensado como um mero
signo.
Mas o signo é um produto arbitrário da reflexão
dos homens, enquanto o valor expresso no dinheiro
é tempo de trabalho, um processo social
verdadeiro e não arbitrário.
O fetichismo da mercadoria:
Marx discute também no capítulo 1 o que
denomina de segredos do caráter
fetichista da mercadoria.
A sua argumentação adquire um tom
bastante peculiar. Diz que a mercadoria é
uma coisa muito complicada, cheia de
sutileza metafísica e manhas teológicas.
Os homens trabalham uns para os outros e
o trabalho adquire uma forma social.
O trabalho ganha um caráter enigmático
quando assume a forma mercadoria. As
relações entre produtores se tornam
relação social entre mercadorias, uma
relação existente fora deles, uma relação
entre objetos. O complexo de trabalhos
privados transforma-se em trabalho social
total e o fetichismo adere aos produtos do
trabalho. No capitalismo temos relações
reificadas entre as pessoas e relações
sociais entre as coisas, pois...
“Somente dentro da troca os
produtos recebem uma objetividade
de valor socialmente igual, separada
da sua objetividade de uso,
fisicamente diferenciada.”
Na sociedade de troca, na produção já se
considera o caráter de valor das coisas. Há
um duplo caráter dos trabalhos privados:
por um lado, satisfazem determinada
necessidade social enquanto trabalho útil e
são participantes do trabalho total na
divisão social do trabalho. Por outro lado,
só satisfazem a necessidade do produtor
quando o trabalho privado útil é permutável
por toda espécie de trabalho privado que
lhe equivale.
Em outras formas de produção pré-
capitalistas não existe o misticismo do
mundo das mercadorias. Na Idade Média a
relação entre mercadorias é substituída
pela dependência pessoal. No almejado
comunismo, acredita Marx, a associação de
homens livres com meios de produção
comunais conferirá transparência nas
relações entre os homens, e a distribuição
de riquezas se dará pelo tempo de trabalho
de cada qual.
No capítulo 2
Marx explicita o modelo de uma sociedade
onde os homens representam meras funções
subordinadas às exigências das mercadorias no
processo de troca. Eles são reduzidos ao papel
de guardiões ou possuidores das mercadorias.
Para que as mercadorias se refiram umas às
outras como tal, é necessário que seus
guardiões se relacionem entre si como pessoas.
A troca pressupõe um ato de vontade comum a
ambos os participantes dela e o
reconhecimento recíproco como proprietários
privados.
As relações de vontade se expressam
num contrato, reflexo da relação
econômica que por sua vez dá
conteúdo à relação jurídica.
As pessoas são representantes de
mercadorias, são personificações das
relações econômicas ou personagens
econômicos encarnados. Para a mercadoria,
a outra mercadoria que se contrapõe a ela é
tão-somente forma de manifestação do seu
próprio valor. O valor de uso da mercadoria
confere a ela ser portadora de valor de
troca. A troca realiza a mercadoria como
valor.
Equivalente particular e geral
Para o possuidor dela, a troca é um
processo individual; ele visa o valor de uso
da outra mercadoria, não se importando se
a sua mercadoria tem valor de uso para o
outro. A relação entre mercadorias M-M’ é
um processo genericamente social. M’
funciona como equivalente particular de M,
M é o equivalente geral de qualquer M’. M
para o outro portador é M’, o equivalente
particular.
Forma equivalente
Qualquer M pode entrar na forma valor geral
relativa para se comparar valores. As
mercadorias se defrontam como produto ou
valor de uso. A ação social faz de M um
equivalente geral, como representação
universal de valores. A forma natural de M é a
forma equivalente socialmente válida. Para a
circulação, a mercadoria necessita de uma
representação externa, que pode se dar em
outra mercadoria ou em dinheiro; a forma de
representação independe do valor de M, no que
Marx denomina de processo de duplicação da
mercadoria.
Processo de alienação recíproca
Quando se representa: x da mercadoria A é
trocada por y da mercadoria B, a troca
direta possui só por um lado a forma da
expressão simples do valor. Na forma de
troca direta dos produtos, x objetos de uso
de A são trocados por Y objetos de uso de
B, onde A e B não são mercadorias antes da
troca. Há um processo de alienação
recíproca: os homens como proprietários
privados, como pessoas independentes, se
vêem diante de um estranhamento
recíproco.
Separação entre valor de uso e
valor de troca
Na tribo primitiva, a relação de troca era
inteiramente casual, os produtos eram
permutáveis pela vontade dos possuidores
de aliená-los, as mercadorias tinham
utilidade para as necessidades imediatas e
para a troca. Dissolve-se nela a separação
entre valor de uso e valor de troca; valor
não é independente de valor de uso na
troca, a relação de troca é função da
produção e a grandeza de valor é fixa pelo
costume.
Mais-valia
Explicada a natureza do processo de
socialização subjacente às trocas, Marx se
lança no volume I a descrever os esquemas
de circulação. No sistema não capitalista, a
produção simples de mercadorias é
representada por Me-Mo-Me, ou seja, a
moeda Mo é mera intermediária das trocas.
No sistema capitalista ocorre a seqüência
Mo-Me-Mo’, onde Mo’>Mo. A circulação
começa e termina com moeda, e termina
com um valor maior do que o inicial. A
diferença é a mais-valia.
A origem da mais-valia:
Qual o papel que ela representa no
capitalismo e qual a origem dela?
Marx começa dizendo que:
“A busca de quantidades cada vez
maiores de mais-valia é a força
motivadora que move todo o sistema
capitalista.”
A esfera da produção
Sobre a origem da mais-valia, ela não é
formada na esfera da circulação, mas na
produção. Os capitais comerciais e financeiros
(que ganham juros) são meras formas
parasitárias de rendas que não estão
envolvidas no processo da verdadeira criação
da mais-valia. A fonte da mais-valia é a
diferença entre o valor da força de trabalho,
ou trabalho potencial, como mercadoria e o
valor da mercadoria produzida que incorpora o
trabalho concretizado, ou o valor de uso
consumido da força de trabalho.
A mercadoria força de trabalho
A força de trabalho é a única mercadoria
que gera valor em seu consumo ou uso. A
força de trabalho é diferente do trabalho
executado ou incorporado à produção. A
primeira é mercadoria e a última o seu valor
de uso. A mercadoria trabalho vale o valor
da subsistência da família de um operário,
não estritamente no sentido biológico
O valor da mercadoria força de trabalho: porque a mais-valia não é um
roubo
Marx aponta a mais-valia como produto da exploração da força de trabalho, mas não se trata de
roubo. O fato de o trabalho ser remunerado abaixo do que ele é capaz de transferir de valor às mercadoriasnão
viola as regras do jogo capitalista. Como toda mercadoria, a força-de-trabalho vale a quantidade de trabalho
incorporada à sua produção, no caso a subsistência do trabalhador. O que há de especial nessa mercadoriaéque
ela é capaz de criar valor quando posta em uso na produção, transferindo ao produto mais do que foi pago por
ela. Trata-se de uma peculiaridade do trabalho, de exploração e não roubo.
Trabalho simples e trabalho
complexo
Há de se levar em conta também os
diferentes trabalhos entre as diferentes
ocupações. Marx cria as terminologias de
trabalho simples e trabalho complexo como
trabalho simples potencializado ou
multiplicado. Um pequeno quantum de
trabalho complexo conteria uma grande
quantidade de trabalho simples. O problema
da heterogeneidade do trabalho já
enfrentado por Ricardo também fica sem
solução em Marx, a despeito de seus
rodeios conceituais.
Trabalho necessário e trabalho
excedente
Marx fala em trabalho necessário e
trabalho excedente. O primeiro representa
o número de horas diárias necessárias para
pagar o valor do trabalho, ou seja, é o
montante de horas trabalhada que
remunera a subsistência do operário.
Por exemplo, de 8 horas diárias
trabalhadas suponha que 4 horas
remunerem o trabalho. As demais 4 horas
representam o trabalho excedente. No
trabalho necessário ocorre o processo de
produção do valor da força de trabalho.
O trabalho excedente é apossado pelo capitalista,
representa a mais-valia. Assim, Marx desvenda a
fórmula da circulação do capital industrial como
sendo Mo-Me...P...Me’-Mo’.
A origem da mais valia está na esfera da produção,
representada por P. Todos os instrumentos de
produção transferem ao produto o seu valor, ou o
trabalho incorporado neles, mas isto não ocorre
com a mercadoria força de trabalho. Esta é a
fonte da mais-valia ao transferir ao produto mais
do que ela vale.
Capital constante c e capital
variável v
Marx identifica dois tipos de capitais:
capital constante c e capital variável v.
O primeiro representa os gastos com os
meios de produção e o segundo gastos com
a força de trabalho. O capital total C é
expresso como a soma do capital constante
e variável C = c + v. O valor no final da
produção C’ é maior que C. A diferença
entre eles é a mais-valia s.
Taxa de mais valia
C’ = c+v+s.
A taxa de mais valia define-se como s/v,
igual à razão entre trabalho excedente e
trabalho necessário. Essa taxa mede o grau
de exploração da força de trabalho pelo
capital: quantas horas o operário trabalhou
para gerar lucros para o capitalista em
relação a cada hora que ele trabalhou para
gerar o valor equivalente à sua própria
subsistência.
A composição orgânica do capital
Definida a noção de taxa de mais-valia,
Marx identifica outro conceito chave na
formulação da teoria da acumulação
capitalista: a composição orgânica do
capital, nada mais que a relação entre
capital fixo e variável c/v.
De posse desses conceitos, Marx passa a
descrever os fatos que acompanham a
acumulação crescente de capital, tendência
inexorável do capitalismo.
Concentração econômica
Simultaneamente a ela, o processo de
concorrência entre capitalistas leva à
concentração econômica, pela ruína dos
pequenos capitalistas que não podem
concorrer com os grandes que se valem das
economias proporcionadas pela maior escala
de produção, adaptando-se melhor ao
ambiente de pressão para aumento de
produtividade.
Taxa de lucro decrescente
Marx mostra como no processo a taxa de
lucro tende a decrescer com o tempo. A
acumulação leva com o tempo ao aumento na
composição orgânica do capital c/v. O valor
total dos meios de produção tende a
aumentar em ritmo mais rápido que o valor
da força de trabalho, isto porque as novas
tecnologias de produção concentrada
empregam mais máquinas, equipamentos,
insumos e instrumentos físicos de produção
do que mão-de-obra. Marx demonstra que
decorre então a queda na taxa de lucro.
A taxa de lucro é medida pela razão
entre o trabalho excedente e o
capital total s/C.
s/C = s/(c + v) = (s/v)/(c/v + v/v) =
(s/v)/(1 +(c/v))
Portanto, álgebra das mais simples mostra
que a taxa de lucro é a razão entre a taxa
de mais valia e 1 mais a composição orgânica
do capital. Logicamente, se a razão da mais
valia for constante, um aumento em c/v leva
à queda na taxa de lucro.
Marx acredita que na prática, a taxa de
mais-valia s/v é constante ou só aumenta
até certo limite.
O declínio na taxa de lucro não implica
a queda do lucro total, pois este
depende não só da taxa de lucro, mas
da quantidade de capital.
Marx acredita que a massa de lucro
total tende a aumentar mesmo com a
queda na taxa de lucro.
Influências compensatórias
Diversas influências compensatórias podem
postergar o processo de queda na taxa de lucro.
Marx discorre extensamente sobre elas.
De início, há de se considerar que a taxa de lucro
pode ser mantida mesmo com aumento na
composição orgânica do capital, por meio de
expedientes que elevam a taxa de mais-valia, tais
como o aumento na intensidade da produção, ou
seja, a intensificação no trabalho pelo controle e
administração científica dele por via de novas
técnicas de produção em massa: taylorismo,
fordismo etc. Há ainda a possibilidade de se
aumentar a jornada de trabalho.
A taxa de mais-valia pode crescer
também quando os salários caem
abaixo do valor da força de trabalho,
o que ocorre no curto prazo pela
superpopulação relativa de operários
e a presença de um grande exército
de desempregados.
Sustentando a taxa de lucro
Outro expediente para sustentar a
taxa de lucro seria o barateamento do
capital constante pelo progresso
técnico, que tornaria a razão c/v mais
estável.
Finalmente, temos o comércio
exterior. Neste ponto Marx incorpora
o que seria depois a base da teoria do
imperialismo.
Expansão de mercado
O capitalismo necessita de um
mercado sempre em expansão para
elevar as taxas de mais-valia.
A possibilidade de explorar
trabalhadores do mundo inteiro faz
com que o capital variável v caia, pela
queda de salários, e se eleve o
coeficiente s/v.
Como os salários são mantidos no
nível de subsistência?
Para explicar como os salários são mantidos
no nível de subsistência, Marx não aplica a
teoria da população de Malthus, já que para
ele a própria lei que comanda o crescimento
da população é condicionada
historicamente. Ao rejeita uma teoria da
população universal e ahistórica, Marx
escreve:
“Todo modo de produção histórico especial
tem suas próprias leis especiais de população
historicamente válidas apenas dentro de seus
limites.”
A teoria do salário de subsistência de Marx
parte do seguinte esquema:
Acumulação
Excesso de
trabalhadores
Reserva de
operários
Concorrência entre operários
Salário de
subsistênc
ia
A acumulação do capital se faz
acompanhada de uma população excedente
de trabalhadores que não conseguindo
emprego irão compor um exército de
operários de reserva vivendo abaixo do
nível de subsistência. A concorrência entre
os que conseguem uma colocação comprime
as taxas salariais até o nível de
subsistência.
Como para o patrão o nível de salários é
dado enquanto variável de mercado, a
resposta à tendência de queda nas taxas de
lucro se dá pelo aumento na produtividade
do trabalho associando-o a mais capital.
Mudando-se as técnicas de produção,
máquinas poupadoras de mão-de-obra
elevam a relação entre capital e trabalho
empregados. Esta resposta dos capitalistas
recompõe o contingente de desempregados
forçando a queda salarial.
Desequilíbrio setorial
Se tal estratégia parece convir aos
interesses de cada capitalista, surge aí um
problema para o sistema como um todo de
desequilíbrio setorial. Com a queda de
salários e da massa salarial relativa, há um
problema de insuficiência de demanda para
bens de capital. Marx visualiza a produção
na sociedade como estando dividida em
setores: o setor produtor de bens de
consumo ao lado do setor produtor de bens
de capital.
Para a expansão tranqüila e continua da
economia, necessita-se de uma troca
equilibrada entre eles. A queda de salários
gera um excesso de capacidade no setor de
bens de salário. A resposta natural a esse
excesso é a redução na demanda por máquinas
e equipamentos. Com isso, o excesso de
capacidade é exportado para o setor de bens
de capital. O desequilíbrio recorrente entre
setores seria para Marx a causa da grande
depressão dos anos setenta do século XIX.
A teoria do valor trabalho
Nos volumes I e II do Capital Marx
discorre sobre esses temas, apresentados
aqui sumariamente, intercalando
importantes e extensas digressões
históricas. Marx também apresenta nestes
dois volumes iniciais a sua versão da teoria
do valor trabalho. Ele compara o que chama
a sua teoria do valor trabalho simples às
versões anteriores de Smith e Ricardo.
Revisa que para Smith o valor seria igual ao
trabalho incorporado apenas na sociedade
primitiva.
Smith
Como para Smith a concorrência iguala as taxas de
lucros, que seria função do capital total da sociedade;
onde se tem diferentes mercadorias sendo produzidas,
com vários processos técnicos e cada qual assumindo
particular relação capital/trabalho, os preços não
podem guardar proporcionalidade ao volume de
trabalho incorporado. Se a relação capital/trabalho é
diferente em cada processo produtivo, a relação entre
lucro e salário também o é. Os salários são
proporcionais ao trabalho incorporado, mas os preços
incluem custos salariais e lucros. Os preços, em Smith,
são a somatória dos custos de produção, calculados em
termos de preços pré-existentes.
Ricardo
Já Ricardo consegue manter o valor como
função do trabalho incorporado. Nele as
diferenças na relação entre capital e
trabalho seriam um fator de importância
secundária. No entanto, assevera Marx,
Ricardo apenas fornece, uma explicação da
renda da terra, dos salários e dos lucros em
termos de unidades físicas. A sua teria do
valor-trabalho incorporado só observa a
estrita proporcionalidade entre preço e
trabalho incorporado no caso em que a
relação capital/trabalho é a média social.
Se a mercadoria é produzida em outras
condições técnicas, isto é com relação
capital-trabalho maior ou menor que a
socialmente média, os preços são
respectivamente maiores ou menores que o
trabalho incorporado. Por exemplo, no
segundo caso eles são maiores porque a
maior proporção de capitais requer para
eles uma maior remuneração na medida em
que aumenta a parcela de lucros totais.
Ciente destas dificuldades de se precisar o
fundamento do valor, Ricardo buscou em
vão um numerário cujo valor de troca não
fosse ele mesmo afetado por variações
salariais, ou que o total de todos os preços
expresso nele não variasse. Marx também
acreditou que os preços reais poderiam se
desviar dos preços previstos pela teoria do
valor-trabalho mais pura e simples. No
entanto, a questão da formação dos preços
só seria atacada por ele no volume III da
obra em questão.
Ainda no volume I do Capital, Marx expõe
as condições do caso simples em que os
preços seriam iguais ao valor da produção.
O valor da mercadoria é a soma de dois
componentes: o trabalho morto e o trabalho
vivo, ou seja, o trabalho passado que aderiu
aos fatores físicos de produção e o
trabalho corrente. O trabalho morto é
associado ao capital constante c.
O trabalho vivo se desdobra em
trabalho necessário que produz o
capital variável v e trabalho
excedente que gera a mais-valia.
Portanto o valor w é expresso como
w = c + v + s.
Na hipótese simplificadora de que s/v e c/v
sejam o mesmo em qualquer indústria, a
taxa de lucro r, como vimos r = (s/v)/(1
+(c/v)), é a mesma em todas elas. Definindo
os preços de produção como a soma dos
custos dos fatores produtivos c, mais o
custo do trabalho usado na produção v e
mais a margem de lucro total r.C,
demonstra-se trivialmente que:
p = c + v + r(c+v) =
c + v + [(s/v)/((c + v)/v))](c+v) =
c + v + s = w
Ou seja, o valor é igual ao preço de
produção.
No volume III do Capital, Marx relaxa a
hipótese anterior e supõe que as várias
indústrias trabalham com diferentes
composições do capital c/v de modo que p 
w. Mostra-se, de início, que a mesma taxa de
mais-valia em diferentes indústrias com
diferentes composições do capital leva a
diferentes taxas de lucro. No exemplo
numérico da tabela abaixo, supõe-se o mesmo
capital total C para todas elas e que em cada
caso somente uma parcela do capital total é
consumida.
Indústria Capital
constante c
Capital
variável v
Composição
orgânica do
capital c/v
Mais-valia
s
Custo da
produção
c+v
Valor da
mercadoria
w = c+v+s
Taxa de
lucro r
=s/100
I 40 20 2,0 20 60 80 0,2
II 45 25 1,8 25 70 95 0,25
III 50 17 2,9 17 67 84 0,17
IV 40 15 2,7 15 55 70 0,15
V 24 30 0,8 30 54 84 0,3
Observa-se na tabela que em todas as
indústrias a taxa de mais-valia é de 100%
já que s = v. O capital total é $100 como
aparece no cálculo da taxa de lucro na
última coluna, então apenas uma parcela
dele é consumida durante um período de
produção, já que c + v < 100. Note que cada
indústria apresenta diferente relação c/v e
que em cada qual calcula-se uma taxa de
lucro diferenciada das demais.
O problema para a teoria de Marx que este
simples exemplo numérico coloca é que a
hipótese realista de diferentes
composições de capital entre as indústrias
leva à desigualdade nas taxas de lucro,
mesmo que as taxas de mais-valia sejam
iguais. Este resultado é incompatível com o
modelo de concorrência que tende a igualar
a taxa de lucro de todas as indústrias.
Se fixarmos uma mesma taxa de lucro
para todas, digamos de 20%, a mais-
valia s seria de 20 em todas as
indústrias e neste caso as taxas de
mais-valia seriam:
Indústria Capital
constante c
Capital
variável v
Mais-valia
s
Taxa de
Mais-Valia
s/v
Taxa de
lucro r
=s/100
I 40 20 20 1 0,2
II 45 25 20 0,8 0,2
III 50 17 20 1,18 0,2
IV 40 15 20 1,33 0,2
V 24 30 20 0,67 0,2
Se as taxas de salários e a duração da
jornada de trabalho são iguais entre todos
os setores, respectivamente pela
arbitragem entre mercados e por imposição
legal, as taxas de mais-valia teriam que ser
iguais e não diferentes como na tabela
anterior. A solução a esse aparente
paradoxo consiste em separar dois
conceitos de taxa de mais-valia: como
relação s/v e como a relação entre trabalho
excedente e trabalho necessário.
A taxa de mais-valia expressa em s/v é a
mais-valia realizada na esfera da
circulação. A mais-valia como trabalho
excedente/trabalho necessário é criada na
esfera da produção. Essa última é sempre
a mesma em todos os setores
independentemente das diferenças nas
composições orgânicas do capital, a outra
não precisa ser igual entre eles.
Se a razão s/v é diferente em cada caso,
isto não está em contradição com o
modelo de Marx se aceitarmos que ela é
algo realizado na esfera da circulação e
Marx só igual taxas de mais-valia
geradas na esfera da produção.
Ainda com base na tabela anterior, com o lucro comum de
20%, teríamos um preço de produção obtido da soma do
lucro com o custo de produção c + v:
Indústria Capital
constante c
Capital
variável v
Taxa de
lucro r
Montante
do lucro
=r.100
Custo de
produção
c+v
Preço de
produção
l+c+v
I 40 20 0,2 20 60 80
II 45 25 0,2 20 70 90
III 50 17 0,2 20 67 87
IV 40 15 0,2 20 55 75
V 24 30 0,2 20 54 74
Comparando-se o lucro com a mais-valia
realizada na esfera da produção (não
confundir com a mais-valia na esfera da
circulação que resultou em diferentes
taxas de mais-valia) temos em cada
indústria um desvio do lucro em relação à
ela. Somando-se este desvio ao preço de
produção resulta o valor da mercadoria
identificado por Marx.
Indústria Capital
constante c
Capital
variável v
Montante do
lucro =r.100
Composição
orgânica c/v
Preço de
produção
l+c+v
Mais-valia
realizada na
produção
Desvio do
lucro em
relação a
mais-valia
Valor
I 40 20 20 2,0 80 20 0 80
II 45 25 20 1,8 90 25 5 95
III 50 17 20 2,9 87 17 -3 84
IV 40 15 20 2,7 75 15 -5 70
V 24 30 20 0,8 74 30 10 84
Taxa de mais
valia =1
A média da composição orgânica do
capital é 2,0. Setores que apresentam a
composição orgânica do capital acima da
média têm os preços de produção
superior ao respectivo valor, casos das
indústrias III e IV; os setores com
composição orgânica abaixo da média têm
os preços abaixo dos correspondentes
valores e o setor I cuja relação c/v é
igual à média da economia tem p = w.
Os vários desvios observados dos preços
de produção em relação ao valor se
cancelam dentre todos os setores.
Portanto, o total das mercadorias
produzidas conjuntamente consideradas
apresenta valor e preço de produção
igualados. Os desvios em cada caso só
ocorrem porque as composições orgânicas
do capital são diferentes da média.
Uma mercadoria, como na indústria I, que
tem uma proporção entre insumos fixos e
variáveis igual a da economia como todo tem
o seu preço determinado exatamente pelo
valor. Ela poderia ser usada como um
numerário já que seu preço não se desvia do
valor. Então o numerário é qualquer
mercadoria produzida com a composição
média de capital da economia.
A solução de Marx ao problema do
numerário foi criticada por
marxistas que se debruçaram no
problema. Piero Sraffa, no século
XX, demonstrou que com uma
medida invariável do valor não se
estabelece necessariamente o
vínculo apropriado entre valores
medidos em trabalho e preços.
O volume III de fato não chegou a
ser completado e lacunas na
construção de Marx foram percebidas
pelos seus seguidores.
A VISÃO DA HISTÓRIA
o discurso de Marx tal como
no Manifesto do Partido
Comunista.
No começo do Manifesto Comunista,
Marx (e Engels) escreve que existem
duas classes sociais básicas no
capitalismo, burgueses e proletários.
Os primeiros são os proprietários dos
meios de produção e os segundos os que
vendem força de trabalho. Em seguida
assevera que a história da sociedade tem
sido a história da luta de classes que
sempre termina pela reconstituição da
sociedade com a destruição das classes
envolvidas.
A divisão da sociedade em diferentes
classes sempre existiu e os antagonismos
de classe permanecem na sociedade
burguesa, agora simplificados pelas duas
classes de que falamos. Antes havia
outras classes; em Roma, patrícios,
guerreiros, plebeus e escravos; na Idade
Média, senhores, vassalos, mestres,
companheiros, aprendizes e servos.
A expressão “burguês” vem de “burgos”,
feiras em volta de castelos ou no
encontro de rotas que depois se
transformaram em cidades. A
colonização, a navegação, o comércio, o
uso generalizado da moeda, a indústria e
um número de outros desenvolvimentos
desestabilizaram a sociedade feudal.
O sistema manufatureiro substituiu
as velhas guildas no atendimento de
novos mercados e a divisão entre as
guildas deu lugar à divisão do
trabalho dentro de cada oficina.
Marx continua o Manifesto dizendo que
com a revolução industrial e o surgimento
de máquinas irrompe a grande indústria.
A indústria criou excedentes e em busca
de novos mercados foi dado impulso à
navegação e outros meios de transporte
e comunicação. A conseqüência de tudo
isso foi o desenvolvimento da burguesia,
um longo desenvolvimento com uma série
de revoluções nos modos de produção e
de troca.
A projeção econômica da burguesia se fez
acompanhar do progresso no campo da
política. Associando-se ao rei, a burguesia
conquista o poder. O absolutismo da
primeira fase do poder burguês
transformou-se no Estado representativo
moderno, que Marx avalia:
“O governo do Estado é apenas um comitê
para gerenciar os negócios de toda a
burguesia.”
Marx enaltece o papel revolucionário da
burguesia ao romper a antiga tradição em
troca de relações impessoais de mercado.
Mesmo as profissões mais nobres
transformam-se em trabalho assalariado;
até relações familiares viram relações
monetárias. Nas palavras de Marx, a
burguesia está sempre revolucionando os
meios de produção, as relações de
produção e as relações sociais.
Ela invade todo o globo em busca de
mercado e globalização da
produção, promovendo também o
intercâmbio das criações
intelectuais e criando com isso a
impossibilidade do isolamento
nacional também no campo da
cultura.
Todas as nações são arrastadas para a
civilização. Na guerra de conquista de
mercadorias a baixo preço, a burguesia
submete o campo à cidade. Irrompe
tendência de concentração não só
demográfica-espacial, mas também da
propriedade dos meios de produção e
concentração política, promovendo a
criação dos Estados nacionais.
Marx enfatiza o progresso tecnológico
trazido pela burguesia. Escreve que no
passado as relações feudais se tornaram
incompatíveis com o desenvolvimento das
forças produtivas. Quando tais relações
viraram entraves elas foram despedaçadas,
surgiu o livre comércio com suas
instituições sociais e políticas próprias.
Agora, no momento em que vive Marx,
a propriedade burguesa tinha se
tornado um entrave para as forças
produtivas. A burguesia destrói as
forças produtivas com as crises de
superprodução do capitalismo e busca
desesperadamente novos mercados.
Ela produz o proletariado que matará
a burguesia.
Lê-se no Manifesto que no capitalismo só
há emprego aos trabalhadores
ingressantes com ampliação do capital.
Para o capital o trabalhador é uma
mercadoria, um ser alienado que funciona
como apêndice da máquina e que se
submete a um trabalho enfadonho em
troca de salários cada vez menores.
Cada vez mais, diagnostica Marx,
acentua-se a exploração com o aumento
das horas trabalhadas.
Homens, mulheres e crianças são igualados
no chão apertado das fábricas. Os
trabalhadores também são vítimas de
outros variados membros da burguesia,
como proprietários, varejistas e usuários.
Mesmo a classe média vira proletariado, à
medida que sucumbe à concorrência e aos
novos métodos de produção.
Ao mesmo tempo em que são reunidos nas
fábricas sob a sanha do capital, a
organização militar dos operários no
interior das fábricas facilitou a evolução de
sua luta aproximando-os de modo a
evidenciar a unidade de propósitos e de
interesses. De início, os proletários
estiveram ao lado da burguesia combatendo
os inimigos dos inimigos.
A burguesia em sua luta contra a aristocracia e
contra a burguesia de países estrangeiros contou
com a ajuda da classe trabalhadora. A vitória da
burguesia também foi a vitória dos trabalhadores.
No amadurecimento da consciência de classe do
proletariado, as diferenças entre eles de tarefas e
salários são igualadas. Surgem conflitos individuais
que vão assumindo o caráter de conflito de classes.
Surgem sindicatos, depois a luta se transforma em
motim. Ela não tem êxito imediato, mas une os
trabalhadores.
Embora parte da burguesia venha a se juntar ao
proletariado, a pequena burguesia jamais perde seu
caráter conservador, só o proletariado é a classe
revolucionária, exclama Marx. Em sua luta, sem se
identificar com os valores de sua sociedade, ele se
volta contra a propriedade privada. A luta primeiro
adquire um caráter nacional, visando a derrubada
violenta da burguesia local, e depois um alcance
mundial. Assim, conclui Marx: a burguesia produz
os seus próprios coveiros.
Marx continua sua pregação no Manifesto:
somente os comunistas se identificam com
os proletários. Não enfatizam a
nacionalidade e sim o interesse comum de
todos os proletários e visam a conquista do
poder político pelos proletários. A teoria
dos comunistas, acredita Marx, é a
expressão geral das condições reais de uma
luta de classes existente no atual momento
histórico.
Essa luta visa a abolição da propriedade
privada burguesa, não da propriedade em
geral, e o fim da exploração. Os
trabalhadores não têm nada a perder, pois
a propriedade pessoal deles já foi abolida
pelo capitalista, trata-se agora de extinguir
a propriedade burguesa dos meios de
produção, a fim de que a apropriação de
produtos da sociedade não seja destinada a
subjugar o trabalho alheio.
O comunismo, assevera Marx, também
prega o fim da hostilidade entre as nações:
a nacionalidade é uma ilusão e os
trabalhadores não têm pátria. Todos eles
devem lutar por uma causa comum e
manterem-se unidos a despeito das
diferentes nacionalidades, conclui Marx
com a famosa frase:
“Trabalhadores de todo o mundo: uni-vos.”
Desta união, profetiza Marx, surgirá
uma nova sociedade que porá fim ao
antagonismo de classe; onde o
desenvolvimento de cada um é a
condição do livre desenvolvimento de
todos.
Então o Manifesto Comunista é, além de um panfleto para a
mobilização dos trabalhadores pela causa comunista, um
notável texto de interpretação da história e da sociedade
escrito numa linguagem simples e direta. É difícil fazer uma
avaliação isenta da visão da história apregoada por Marx já
que ela é carregada de elementos normativos que envolvem
algum juízo de valor. Decorridos mais de 150 anos deste que
ele foi escrito, tendo o mundo percorrido um longo caminho
de guerras e revoluções, alguma coisa pode ser dita com
relação à visão da história de Marx sem ferir
suscetibilidades de seus admiradores.
Avaliação do legado de Marx
Primeiramente, é preciso situar o
lugar de Marx na história do
pensamento econômico. É um autor
importante, mas cujo alcance de suas
idéias no desenvolvimento da
Economia como ciência tem sido por
vezes exagerado. É dito que ele
influenciou J.M. Keynes e outros da
escola keynesiana.
O maior intervencionismo das políticas keynesianas
pode ser interpretado como uma concessão a
Marx, ao reconhecer que o capitalismo tem falhas
e não funciona de modo automático, um ponto
também defendido por muitos dos que são
rotulados de liberais. No entanto, vale lembrar que
Keynes não manifestou simpatias à obra de Marx e
considerava O Capital semelhante ao Alcorão dos
mulçumanos ao propagar fervor e violência
(certamente uma interpretação unilateral também
em relação a este livro religioso).
É certo que sementes do pensamento de
Marx estão em Schumpeter e muitos
outros grandes economistas do século XX.
Não se pode deixar de reconhecer,
entretanto, que a contribuição de Marx não
se incorporou ao núcleo teórico principal da
Economia e Marx permaneceu
“marginalizado pelos marginalistas”, esta
última sendo a principal via teórica da
Economia moderna.
Tão perigoso como exagerar o impacto do
pensamento marxista na Economia é negá-lo
em relação às ciências sociais. Ao lado de
Max Weber, o sistema de Marx é a
principal fonte de referência à análise do
fenômeno social. A obra de Marx compõe
um respeitável sistema de análise e
erudição, de modo que é sempre
recomendável cautela e mesmo humildade
diante de suas proposições.
Fora do campo científico, as idéias políticas
de Marx continuam a despertar interesse e
adesão. Hoje em dia está se firmando uma
avaliação, um tanto pretensiosa, de que o
comunismo marxista representa apenas uma
vertente da esquerda política que se havia
firmado muito antes na época da Revolução
Francesa do fim do século XIX. É uma
reação aos princípios democráticos que
deitaram raízes nas nações do chamado
capitalismo desenvolvido.
A democracia moderna ensejou reações que
se conformaram a um padrão comum: o
apelo à união em torno de uma causa, a idéia
de luta social identificando um inimigo
comum e estabelecendo uma separação
nítida entre grupos antagônicos. Nesta
interpretação o comunismo seria uma
modalidade dentre outras linhas políticas
de inspiração totalitária.
Não se pode dizer que a visão da história
de Marx seja falsa, no sentido de que os
fenômenos que analisa são reais, como no
famoso capítulo 24 de O Capital intitulado
“A Assim Chamada Acumulação Primitiva”. A
violência e a exploração identificadas por
Marx ocorreram de fato na história. No
entanto, a história é um fenômeno
complexo que enseja diversas leituras.
Marx é uma das leituras possíveis,
certamente com elevado grau de
idiossincrasia e unilateralidade. Ele
deve ser estudado e não tomado como
objeto de fé. Mais importante para a
evolução da Economia foi a
emergência do marginalismo.
Marx hoje...
Hoje em dia, há três correntes de pesquisa que procuram
resgatar o pensamento de Marx: a análise estruturalista,
especialmente forte décadas atrás por ocasião do
lançamento de escritos inéditos de Marx, como os
Grundrisse, e do influente movimento do estruturalismo
francês de Althusser; a leitura de Marx com base na
dialética hegeliana resgatando a base filosófica de seu
pensamento e o chamado “marxismo analítico”, especialmente
forte nos países anglo-saxões onde se mistura Marx com
teoria dos jogos e modernas técnicas matemáticas de análise.
O programa de pesquisa marxista continua a gerar novos
frutos.

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O Capital

  • 2. Divisão da obra A obra econômica principal de Marx, O Capital, está dividida em 3 volumes, além do quarto volume compilado por Engels. O volume I tem por foco a explicação da natureza do capital e da origem do lucro; não se preocupa em explicar preços reais. Os valores são os únicos determinantes do valor de troca, abstraindo-se a diferença na relação entre capitais. Trabalha inicialmente com o conceito de mercadoria, depois analisa a transformação do dinheiro em capital e a teoria da mais-valia.
  • 3. O volume II começa por considerar as variações na intensidade e na produtividade do trabalho e seus efeitos sobre a mais- valia, discute a questão dos salários e o processo de acumulação do capital, onde distingue a reprodução simples da acumulação capitalista. Também discute a colonização.
  • 4. Volumes III e IV O volume III explica preços reais; ele não foi totalmente terminado por Marx. O volume IV reúne uma série de materiais de conteúdo mais histórico do que teórico.
  • 5. A perspectiva de Marx A interpretação dessa obra requer situá-la no contexto das crenças filosóficas básicas de Marx e seu enfoque peculiar da ciência econômica. Marx vê a economia de uma perspectiva histórica. A produção é uma atividade social que assume diferentes “modos” dependendo da organização social e das técnicas.
  • 6. O que é capital? O capital não é um elemento universal presente em todos os estágios da história; é trabalho passado acumulado, não só instrumento de produção; é fonte de geração de lucro de uma classe social no capitalismo. A atividade econômica não se resume apenas na esfera das trocas: há também a esfera da produção.
  • 7. Esfera da produção e da circulação É na produção onde se evidenciam os papéis sociais, a desigualdade das classes; enquanto a troca, ou esfera da circulação, é o sistema da igualdade formal sob o império da mão invisível de Smith.
  • 8. A mercadoria Mercadoria é um conceito básico em Marx e apresenta duas características essenciais: “valor de uso”, por possuir propriedades que satisfazem a necessidades humanas ou qualidades físicas que geram utilidade, e “valor de troca”, por serem depositárias materiais de valor. O valor de troca pressupõe um elemento comum a todas as mercadorias: o tempo de trabalho socialmente necessário para a produção. A mercadoria apresenta-se como incorporação material do trabalho empregado na produção. É a cristalização de valores.
  • 9. Trabalho útil e trabalho abstrato O conceito de trabalho também é central. Marx separa trabalho útil, que cria valor de uso ou utilidade, de trabalho abstrato que cria valor de troca ou simplesmente valor. O trabalho abstrato é medido pelo tempo de trabalho socialmente necessário, com o grau médio de habilidade e intensidade em dada época.
  • 10. Capítulo 1 de O Capital No capítulo 1 do volume I do Capital, intitulado “A Mercadoria”, começa-se dizendo que a propriedade corpórea da mercadoria que gera utilidade define o seu valor de uso e que a mercadoria também é portadora material de um outro conceito, o valor de troca, expressão de um conteúdo diferente da própria mercadoria. O valor de troca é a “forma de manifestação” de um processo social.
  • 11. Marx exemplifica, se um quarter de trigo é trocado por a quintais de ferro, deve haver algo em comum nessas duas mercadorias. A troca pressupõe a igualdade, e a igualdade pressupõe a comensurabilidade. Certamente o elemento comum não é as propriedades corpóreas que geram valor de uso ou utilidades, pois não há nada fisicamente que aproxima trigo e ferro.
  • 12. Valor de uso e valor de troca Ao se analisar o valor de troca deve-se abstrair o valor de uso, pois se trata de diferenças de quantidade e não de qualidade entre as mercadorias. Ao se abstrair o valor de uso, desconsidera-se também o caráter concreto ou útil do trabalho associado. Importa agora serem elas produto de trabalho humano abstrato ou cristalizações de uma substância social comum que é o valor: “O que há de comum que se revela na relação de troca ou valor de troca da mercadoria, é, portanto, seu valor.”
  • 13. Trabalho abstrato O valor de troca é a forma de manifestação do valor. O trabalho abstrato é a substância do valor, gerada a partir do tempo de trabalho enquanto força média de trabalho social ou tempo de trabalho socialmente necessário com o grau médio de habilidade e de intensidade de trabalho. Enquanto valores todas as mercadorias são apenas medidas determinadas de tempo de trabalho cristalizado.
  • 14. Duplo caráter do trabalho: Mercadoria representa valor de uso somente para os outros que a obtém no mercado e não para o seu próprio produtor. É um valor de uso social transferido pela troca. O trabalho representado nas mercadorias possui um duplo caráter: é o trabalho produtor de valor de uso e é o trabalho expresso no valor. O primeiro é o trabalho útil, trabalho cuja utilidade está representada no valor de uso. A troca sempre ocorre entre mercadorias com valores de uso qualitativamente diferentes. O trabalho representado no valor é trabalho abstrato: mero dispêndio de força humana de trabalho, mero dispêndio produtivo de cérebro,
  • 15. Capitalismo versus sociedades tradicionais É preciso ter em mente o tipo de sociedade identificada por Marx. Grosso modo, ele separa o capitalismo das sociedades tradicionais. Enquanto nestas as relações entre os homens na produção estão pré-estipuladas e são mantidas pela tradição, e mesmo o destino dos bens produzidos é estabelecido pelo sistema de obrigações recíprocas, no capitalismo os homens estão livres dessas amarras sociais e se afirmam como indivíduos.
  • 16. Produtores autônomos e independentes Com a divisão social do trabalho no capitalismo, as unidades produtivas tornam-se autônomas e independentes da totalidade social. Tal condição é um requisito para a produção de mercadorias. A relação entre produtores se transforma em relação entre mercadorias: “Apenas produtos de trabalhos privados autônomos e independentes entre si confrontam-se como mercadorias.”
  • 17. Valor como relação social As mercadorias têm como característica comum serem resultado da produção, onde ocorre a mudança na forma da matéria, e serem confrontadas no mercado umas com as outras. Na sua forma natural ela é objeto de uso e na sua forma valor é portadora de valor. O valor não existe fora do contesto social: “A objetividade de valor (da mercadoria) é puramente social – relação social de mercadoria para mercadoria.”
  • 18. Teoria das formas do valor Marx dedica os dois primeiros capítulos do Capital a discutir o processo de sociabilidade na produção das mercadorias, contrapondo a sociedade tradicional à sociedade de produtores privados independentes e autônomos, onde a socialização se dá via mercado. Discorrendo sobre esse processo, ele desenvolve a teoria dos desdobramentos das formas valores até a generalização do dinheiro.
  • 19. Da forma simples do valor à forma dinheiro A forma valor das mercadorias mais usual e comum é a forma dinheiro, onde os valores estão expressos em unidades monetárias. Marx analisa o que entende como a gênese dessa forma dinheiro do valor, partindo do estudo de uma forma mais simples na relação de valor das mercadorias. A relação de valor de uma mercadoria com uma única outra mercadoria de um tipo diferente é o que denomina de “forma simples, singular ou acidental de valor”.
  • 20. x.A = y.B Se x unidades da mercadoria A valem y da mercadoria B, ou x.A = y.B, A  B, A expressa seu valor em B, ou B serve de material para essa expressão de valor. A é ativo e B passivo. O valor de A é a “forma valor relativa” e o de B é a “forma equivalente” ou permutável, e a própria relação das mercadorias expressa o caráter de valor de A. A e B não podem inverter os papéis, pois aí já seria outra relação.
  • 21. O trabalho humano cria valor, porém ele mesmo não é valor. No caso anterior, o valor de A é uma objetividade concretamente diferente de A e comum também a B. Marx diz que o valor da mercadoria A é expresso no corpo da mercadoria B, ou no valor de uso desta. No processo, a forma natural de B torna- se a forma de valor de A, o corpo de B espelha o valor da mercadoria A.
  • 22. Valor de uso como forma de manifestação do valor Na relação x.A = y.B , x e y dependem do valor contido em A e B, medido em trabalho abstrato. Se 10 varas de linho valem 1 casaco, o linho expressa seu valor no valor de uso do casaco, enquanto forma de valor equivalente. O valor de uso torna-se forma de manifestação do valor.
  • 23. A forma natural da mercadoria torna-se forma de valor para outra mercadoria na relação de troca entre elas. “Expressando a forma relativa de valor de uma mercadoria, por exemplo, do linho, sua qualidade de ter valor como algo inteiramente distinto de seu corpo e suas propriedades... esta expressão mesma indica que nela se oculta uma relação social.”
  • 24. A forma equivalente Na forma equivalente se dá o contrário, o corpo da mercadoria expressa valor enquanto corporificação do trabalho humano abstrato: “Trabalho concreto se converte na forma de manifestação de seu contrário: trabalho humano abstrato.”
  • 25. O trabalho concreto privado produz mercadorias que ao serem confrontadas com outras se confronta também trabalho com outro trabalho. O trabalho privado se converte em forma diretamente social de trabalho.
  • 26. Forma de valor total ou desdobrada Agora diversas mercadorias confrontam-se ao longo da cadeia: z mercadorias A = u mercadorias B = v mercadorias C etc. É a forma relativa de valor desdobrada. Agora a mercadoria A está em relação social com todo o mundo das mercadorias. Evidencia-se que: “Não é a troca que regula a grandeza de valor, mas, ao contrário, é a grandeza de valor da mercadoria que regula suas relações de troca.”
  • 27. Equivalente geral Invertendo a série, Marx chega à “forma geral de valor” em que todas as mercadorias em questão (1 casaco, 10 libras de chá...) são trocadas por 20 varas de linho. Neste caso, esta última funciona como equivalente geral, onde todas as mercadorias, exceto ela mesma, representam seus valores de modo simples e unitário, isto é, na mesma mercadoria.
  • 28. O linho funciona como forma de valor simples e comum a todas as mercadorias, que também permite relacionar todas elas entre si por meio do linho.
  • 29. Escreve Marx: “Essa forma é a primeira a relacionar realmente as mercadorias entre si como valores, ou as deixa aparecer reciprocamente como valores de troca.”
  • 30. Forma dinheiro Finalmente Marx chega à forma dinheiro onde todas as mercadorias têm o seu valor representado numa mercadoria de aceitação geral que assume a função de dinheiro: 1 casaco, 20 varas de linho... = 2 onças de ouro. A forma dinheiro é o desdobramento da forma mercadoria simples e esta é o germe da forma dinheiro.
  • 31. O dinheiro... “É a forma de manifestação do valor das mercadorias, no qual as grandezas de valor das mercadorias se expressam socialmente.” O dinheiro é mercadoria geral que funciona como materialização do trabalho humano abstrato: “A forma dinheiro é apenas o reflexo aderente a uma única mercadoria das relações de todas as outras mercadorias.”
  • 32. Forma dinheiro e relações humanas A forma dinheiro é a manifestação de relações humanas ocultas. Ela fornece à mercadoria não o seu valor, mas sua forma valor específica. Se o dinheiro, como valor, é apenas um invólucro reificado do trabalho humano despedido na mercadoria, ele pode ser pensado como um mero signo. Mas o signo é um produto arbitrário da reflexão dos homens, enquanto o valor expresso no dinheiro é tempo de trabalho, um processo social verdadeiro e não arbitrário.
  • 33. O fetichismo da mercadoria: Marx discute também no capítulo 1 o que denomina de segredos do caráter fetichista da mercadoria. A sua argumentação adquire um tom bastante peculiar. Diz que a mercadoria é uma coisa muito complicada, cheia de sutileza metafísica e manhas teológicas. Os homens trabalham uns para os outros e o trabalho adquire uma forma social.
  • 34. O trabalho ganha um caráter enigmático quando assume a forma mercadoria. As relações entre produtores se tornam relação social entre mercadorias, uma relação existente fora deles, uma relação entre objetos. O complexo de trabalhos privados transforma-se em trabalho social total e o fetichismo adere aos produtos do trabalho. No capitalismo temos relações reificadas entre as pessoas e relações sociais entre as coisas, pois...
  • 35. “Somente dentro da troca os produtos recebem uma objetividade de valor socialmente igual, separada da sua objetividade de uso, fisicamente diferenciada.”
  • 36. Na sociedade de troca, na produção já se considera o caráter de valor das coisas. Há um duplo caráter dos trabalhos privados: por um lado, satisfazem determinada necessidade social enquanto trabalho útil e são participantes do trabalho total na divisão social do trabalho. Por outro lado, só satisfazem a necessidade do produtor quando o trabalho privado útil é permutável por toda espécie de trabalho privado que lhe equivale.
  • 37. Em outras formas de produção pré- capitalistas não existe o misticismo do mundo das mercadorias. Na Idade Média a relação entre mercadorias é substituída pela dependência pessoal. No almejado comunismo, acredita Marx, a associação de homens livres com meios de produção comunais conferirá transparência nas relações entre os homens, e a distribuição de riquezas se dará pelo tempo de trabalho de cada qual.
  • 38. No capítulo 2 Marx explicita o modelo de uma sociedade onde os homens representam meras funções subordinadas às exigências das mercadorias no processo de troca. Eles são reduzidos ao papel de guardiões ou possuidores das mercadorias. Para que as mercadorias se refiram umas às outras como tal, é necessário que seus guardiões se relacionem entre si como pessoas. A troca pressupõe um ato de vontade comum a ambos os participantes dela e o reconhecimento recíproco como proprietários privados.
  • 39. As relações de vontade se expressam num contrato, reflexo da relação econômica que por sua vez dá conteúdo à relação jurídica.
  • 40. As pessoas são representantes de mercadorias, são personificações das relações econômicas ou personagens econômicos encarnados. Para a mercadoria, a outra mercadoria que se contrapõe a ela é tão-somente forma de manifestação do seu próprio valor. O valor de uso da mercadoria confere a ela ser portadora de valor de troca. A troca realiza a mercadoria como valor.
  • 41. Equivalente particular e geral Para o possuidor dela, a troca é um processo individual; ele visa o valor de uso da outra mercadoria, não se importando se a sua mercadoria tem valor de uso para o outro. A relação entre mercadorias M-M’ é um processo genericamente social. M’ funciona como equivalente particular de M, M é o equivalente geral de qualquer M’. M para o outro portador é M’, o equivalente particular.
  • 42. Forma equivalente Qualquer M pode entrar na forma valor geral relativa para se comparar valores. As mercadorias se defrontam como produto ou valor de uso. A ação social faz de M um equivalente geral, como representação universal de valores. A forma natural de M é a forma equivalente socialmente válida. Para a circulação, a mercadoria necessita de uma representação externa, que pode se dar em outra mercadoria ou em dinheiro; a forma de representação independe do valor de M, no que Marx denomina de processo de duplicação da mercadoria.
  • 43. Processo de alienação recíproca Quando se representa: x da mercadoria A é trocada por y da mercadoria B, a troca direta possui só por um lado a forma da expressão simples do valor. Na forma de troca direta dos produtos, x objetos de uso de A são trocados por Y objetos de uso de B, onde A e B não são mercadorias antes da troca. Há um processo de alienação recíproca: os homens como proprietários privados, como pessoas independentes, se vêem diante de um estranhamento recíproco.
  • 44. Separação entre valor de uso e valor de troca Na tribo primitiva, a relação de troca era inteiramente casual, os produtos eram permutáveis pela vontade dos possuidores de aliená-los, as mercadorias tinham utilidade para as necessidades imediatas e para a troca. Dissolve-se nela a separação entre valor de uso e valor de troca; valor não é independente de valor de uso na troca, a relação de troca é função da produção e a grandeza de valor é fixa pelo costume.
  • 45. Mais-valia Explicada a natureza do processo de socialização subjacente às trocas, Marx se lança no volume I a descrever os esquemas de circulação. No sistema não capitalista, a produção simples de mercadorias é representada por Me-Mo-Me, ou seja, a moeda Mo é mera intermediária das trocas. No sistema capitalista ocorre a seqüência Mo-Me-Mo’, onde Mo’>Mo. A circulação começa e termina com moeda, e termina com um valor maior do que o inicial. A diferença é a mais-valia.
  • 46. A origem da mais-valia: Qual o papel que ela representa no capitalismo e qual a origem dela? Marx começa dizendo que: “A busca de quantidades cada vez maiores de mais-valia é a força motivadora que move todo o sistema capitalista.”
  • 47. A esfera da produção Sobre a origem da mais-valia, ela não é formada na esfera da circulação, mas na produção. Os capitais comerciais e financeiros (que ganham juros) são meras formas parasitárias de rendas que não estão envolvidas no processo da verdadeira criação da mais-valia. A fonte da mais-valia é a diferença entre o valor da força de trabalho, ou trabalho potencial, como mercadoria e o valor da mercadoria produzida que incorpora o trabalho concretizado, ou o valor de uso consumido da força de trabalho.
  • 48. A mercadoria força de trabalho A força de trabalho é a única mercadoria que gera valor em seu consumo ou uso. A força de trabalho é diferente do trabalho executado ou incorporado à produção. A primeira é mercadoria e a última o seu valor de uso. A mercadoria trabalho vale o valor da subsistência da família de um operário, não estritamente no sentido biológico
  • 49. O valor da mercadoria força de trabalho: porque a mais-valia não é um roubo Marx aponta a mais-valia como produto da exploração da força de trabalho, mas não se trata de roubo. O fato de o trabalho ser remunerado abaixo do que ele é capaz de transferir de valor às mercadoriasnão viola as regras do jogo capitalista. Como toda mercadoria, a força-de-trabalho vale a quantidade de trabalho incorporada à sua produção, no caso a subsistência do trabalhador. O que há de especial nessa mercadoriaéque ela é capaz de criar valor quando posta em uso na produção, transferindo ao produto mais do que foi pago por ela. Trata-se de uma peculiaridade do trabalho, de exploração e não roubo.
  • 50. Trabalho simples e trabalho complexo Há de se levar em conta também os diferentes trabalhos entre as diferentes ocupações. Marx cria as terminologias de trabalho simples e trabalho complexo como trabalho simples potencializado ou multiplicado. Um pequeno quantum de trabalho complexo conteria uma grande quantidade de trabalho simples. O problema da heterogeneidade do trabalho já enfrentado por Ricardo também fica sem solução em Marx, a despeito de seus rodeios conceituais.
  • 51. Trabalho necessário e trabalho excedente Marx fala em trabalho necessário e trabalho excedente. O primeiro representa o número de horas diárias necessárias para pagar o valor do trabalho, ou seja, é o montante de horas trabalhada que remunera a subsistência do operário. Por exemplo, de 8 horas diárias trabalhadas suponha que 4 horas remunerem o trabalho. As demais 4 horas representam o trabalho excedente. No trabalho necessário ocorre o processo de produção do valor da força de trabalho.
  • 52. O trabalho excedente é apossado pelo capitalista, representa a mais-valia. Assim, Marx desvenda a fórmula da circulação do capital industrial como sendo Mo-Me...P...Me’-Mo’. A origem da mais valia está na esfera da produção, representada por P. Todos os instrumentos de produção transferem ao produto o seu valor, ou o trabalho incorporado neles, mas isto não ocorre com a mercadoria força de trabalho. Esta é a fonte da mais-valia ao transferir ao produto mais do que ela vale.
  • 53. Capital constante c e capital variável v Marx identifica dois tipos de capitais: capital constante c e capital variável v. O primeiro representa os gastos com os meios de produção e o segundo gastos com a força de trabalho. O capital total C é expresso como a soma do capital constante e variável C = c + v. O valor no final da produção C’ é maior que C. A diferença entre eles é a mais-valia s.
  • 54. Taxa de mais valia C’ = c+v+s. A taxa de mais valia define-se como s/v, igual à razão entre trabalho excedente e trabalho necessário. Essa taxa mede o grau de exploração da força de trabalho pelo capital: quantas horas o operário trabalhou para gerar lucros para o capitalista em relação a cada hora que ele trabalhou para gerar o valor equivalente à sua própria subsistência.
  • 55. A composição orgânica do capital Definida a noção de taxa de mais-valia, Marx identifica outro conceito chave na formulação da teoria da acumulação capitalista: a composição orgânica do capital, nada mais que a relação entre capital fixo e variável c/v. De posse desses conceitos, Marx passa a descrever os fatos que acompanham a acumulação crescente de capital, tendência inexorável do capitalismo.
  • 56. Concentração econômica Simultaneamente a ela, o processo de concorrência entre capitalistas leva à concentração econômica, pela ruína dos pequenos capitalistas que não podem concorrer com os grandes que se valem das economias proporcionadas pela maior escala de produção, adaptando-se melhor ao ambiente de pressão para aumento de produtividade.
  • 57. Taxa de lucro decrescente Marx mostra como no processo a taxa de lucro tende a decrescer com o tempo. A acumulação leva com o tempo ao aumento na composição orgânica do capital c/v. O valor total dos meios de produção tende a aumentar em ritmo mais rápido que o valor da força de trabalho, isto porque as novas tecnologias de produção concentrada empregam mais máquinas, equipamentos, insumos e instrumentos físicos de produção do que mão-de-obra. Marx demonstra que decorre então a queda na taxa de lucro.
  • 58. A taxa de lucro é medida pela razão entre o trabalho excedente e o capital total s/C. s/C = s/(c + v) = (s/v)/(c/v + v/v) = (s/v)/(1 +(c/v))
  • 59. Portanto, álgebra das mais simples mostra que a taxa de lucro é a razão entre a taxa de mais valia e 1 mais a composição orgânica do capital. Logicamente, se a razão da mais valia for constante, um aumento em c/v leva à queda na taxa de lucro. Marx acredita que na prática, a taxa de mais-valia s/v é constante ou só aumenta até certo limite.
  • 60. O declínio na taxa de lucro não implica a queda do lucro total, pois este depende não só da taxa de lucro, mas da quantidade de capital. Marx acredita que a massa de lucro total tende a aumentar mesmo com a queda na taxa de lucro.
  • 61. Influências compensatórias Diversas influências compensatórias podem postergar o processo de queda na taxa de lucro. Marx discorre extensamente sobre elas. De início, há de se considerar que a taxa de lucro pode ser mantida mesmo com aumento na composição orgânica do capital, por meio de expedientes que elevam a taxa de mais-valia, tais como o aumento na intensidade da produção, ou seja, a intensificação no trabalho pelo controle e administração científica dele por via de novas técnicas de produção em massa: taylorismo, fordismo etc. Há ainda a possibilidade de se aumentar a jornada de trabalho.
  • 62. A taxa de mais-valia pode crescer também quando os salários caem abaixo do valor da força de trabalho, o que ocorre no curto prazo pela superpopulação relativa de operários e a presença de um grande exército de desempregados.
  • 63. Sustentando a taxa de lucro Outro expediente para sustentar a taxa de lucro seria o barateamento do capital constante pelo progresso técnico, que tornaria a razão c/v mais estável. Finalmente, temos o comércio exterior. Neste ponto Marx incorpora o que seria depois a base da teoria do imperialismo.
  • 64. Expansão de mercado O capitalismo necessita de um mercado sempre em expansão para elevar as taxas de mais-valia. A possibilidade de explorar trabalhadores do mundo inteiro faz com que o capital variável v caia, pela queda de salários, e se eleve o coeficiente s/v.
  • 65. Como os salários são mantidos no nível de subsistência? Para explicar como os salários são mantidos no nível de subsistência, Marx não aplica a teoria da população de Malthus, já que para ele a própria lei que comanda o crescimento da população é condicionada historicamente. Ao rejeita uma teoria da população universal e ahistórica, Marx escreve: “Todo modo de produção histórico especial tem suas próprias leis especiais de população historicamente válidas apenas dentro de seus limites.”
  • 66. A teoria do salário de subsistência de Marx parte do seguinte esquema: Acumulação Excesso de trabalhadores Reserva de operários Concorrência entre operários Salário de subsistênc ia
  • 67. A acumulação do capital se faz acompanhada de uma população excedente de trabalhadores que não conseguindo emprego irão compor um exército de operários de reserva vivendo abaixo do nível de subsistência. A concorrência entre os que conseguem uma colocação comprime as taxas salariais até o nível de subsistência.
  • 68. Como para o patrão o nível de salários é dado enquanto variável de mercado, a resposta à tendência de queda nas taxas de lucro se dá pelo aumento na produtividade do trabalho associando-o a mais capital. Mudando-se as técnicas de produção, máquinas poupadoras de mão-de-obra elevam a relação entre capital e trabalho empregados. Esta resposta dos capitalistas recompõe o contingente de desempregados forçando a queda salarial.
  • 69. Desequilíbrio setorial Se tal estratégia parece convir aos interesses de cada capitalista, surge aí um problema para o sistema como um todo de desequilíbrio setorial. Com a queda de salários e da massa salarial relativa, há um problema de insuficiência de demanda para bens de capital. Marx visualiza a produção na sociedade como estando dividida em setores: o setor produtor de bens de consumo ao lado do setor produtor de bens de capital.
  • 70. Para a expansão tranqüila e continua da economia, necessita-se de uma troca equilibrada entre eles. A queda de salários gera um excesso de capacidade no setor de bens de salário. A resposta natural a esse excesso é a redução na demanda por máquinas e equipamentos. Com isso, o excesso de capacidade é exportado para o setor de bens de capital. O desequilíbrio recorrente entre setores seria para Marx a causa da grande depressão dos anos setenta do século XIX.
  • 71. A teoria do valor trabalho Nos volumes I e II do Capital Marx discorre sobre esses temas, apresentados aqui sumariamente, intercalando importantes e extensas digressões históricas. Marx também apresenta nestes dois volumes iniciais a sua versão da teoria do valor trabalho. Ele compara o que chama a sua teoria do valor trabalho simples às versões anteriores de Smith e Ricardo. Revisa que para Smith o valor seria igual ao trabalho incorporado apenas na sociedade primitiva.
  • 72. Smith Como para Smith a concorrência iguala as taxas de lucros, que seria função do capital total da sociedade; onde se tem diferentes mercadorias sendo produzidas, com vários processos técnicos e cada qual assumindo particular relação capital/trabalho, os preços não podem guardar proporcionalidade ao volume de trabalho incorporado. Se a relação capital/trabalho é diferente em cada processo produtivo, a relação entre lucro e salário também o é. Os salários são proporcionais ao trabalho incorporado, mas os preços incluem custos salariais e lucros. Os preços, em Smith, são a somatória dos custos de produção, calculados em termos de preços pré-existentes.
  • 73. Ricardo Já Ricardo consegue manter o valor como função do trabalho incorporado. Nele as diferenças na relação entre capital e trabalho seriam um fator de importância secundária. No entanto, assevera Marx, Ricardo apenas fornece, uma explicação da renda da terra, dos salários e dos lucros em termos de unidades físicas. A sua teria do valor-trabalho incorporado só observa a estrita proporcionalidade entre preço e trabalho incorporado no caso em que a relação capital/trabalho é a média social.
  • 74. Se a mercadoria é produzida em outras condições técnicas, isto é com relação capital-trabalho maior ou menor que a socialmente média, os preços são respectivamente maiores ou menores que o trabalho incorporado. Por exemplo, no segundo caso eles são maiores porque a maior proporção de capitais requer para eles uma maior remuneração na medida em que aumenta a parcela de lucros totais.
  • 75. Ciente destas dificuldades de se precisar o fundamento do valor, Ricardo buscou em vão um numerário cujo valor de troca não fosse ele mesmo afetado por variações salariais, ou que o total de todos os preços expresso nele não variasse. Marx também acreditou que os preços reais poderiam se desviar dos preços previstos pela teoria do valor-trabalho mais pura e simples. No entanto, a questão da formação dos preços só seria atacada por ele no volume III da obra em questão.
  • 76. Ainda no volume I do Capital, Marx expõe as condições do caso simples em que os preços seriam iguais ao valor da produção. O valor da mercadoria é a soma de dois componentes: o trabalho morto e o trabalho vivo, ou seja, o trabalho passado que aderiu aos fatores físicos de produção e o trabalho corrente. O trabalho morto é associado ao capital constante c.
  • 77. O trabalho vivo se desdobra em trabalho necessário que produz o capital variável v e trabalho excedente que gera a mais-valia. Portanto o valor w é expresso como w = c + v + s.
  • 78. Na hipótese simplificadora de que s/v e c/v sejam o mesmo em qualquer indústria, a taxa de lucro r, como vimos r = (s/v)/(1 +(c/v)), é a mesma em todas elas. Definindo os preços de produção como a soma dos custos dos fatores produtivos c, mais o custo do trabalho usado na produção v e mais a margem de lucro total r.C, demonstra-se trivialmente que:
  • 79. p = c + v + r(c+v) = c + v + [(s/v)/((c + v)/v))](c+v) = c + v + s = w Ou seja, o valor é igual ao preço de produção.
  • 80. No volume III do Capital, Marx relaxa a hipótese anterior e supõe que as várias indústrias trabalham com diferentes composições do capital c/v de modo que p  w. Mostra-se, de início, que a mesma taxa de mais-valia em diferentes indústrias com diferentes composições do capital leva a diferentes taxas de lucro. No exemplo numérico da tabela abaixo, supõe-se o mesmo capital total C para todas elas e que em cada caso somente uma parcela do capital total é consumida.
  • 81. Indústria Capital constante c Capital variável v Composição orgânica do capital c/v Mais-valia s Custo da produção c+v Valor da mercadoria w = c+v+s Taxa de lucro r =s/100 I 40 20 2,0 20 60 80 0,2 II 45 25 1,8 25 70 95 0,25 III 50 17 2,9 17 67 84 0,17 IV 40 15 2,7 15 55 70 0,15 V 24 30 0,8 30 54 84 0,3
  • 82. Observa-se na tabela que em todas as indústrias a taxa de mais-valia é de 100% já que s = v. O capital total é $100 como aparece no cálculo da taxa de lucro na última coluna, então apenas uma parcela dele é consumida durante um período de produção, já que c + v < 100. Note que cada indústria apresenta diferente relação c/v e que em cada qual calcula-se uma taxa de lucro diferenciada das demais.
  • 83. O problema para a teoria de Marx que este simples exemplo numérico coloca é que a hipótese realista de diferentes composições de capital entre as indústrias leva à desigualdade nas taxas de lucro, mesmo que as taxas de mais-valia sejam iguais. Este resultado é incompatível com o modelo de concorrência que tende a igualar a taxa de lucro de todas as indústrias.
  • 84. Se fixarmos uma mesma taxa de lucro para todas, digamos de 20%, a mais- valia s seria de 20 em todas as indústrias e neste caso as taxas de mais-valia seriam:
  • 85. Indústria Capital constante c Capital variável v Mais-valia s Taxa de Mais-Valia s/v Taxa de lucro r =s/100 I 40 20 20 1 0,2 II 45 25 20 0,8 0,2 III 50 17 20 1,18 0,2 IV 40 15 20 1,33 0,2 V 24 30 20 0,67 0,2
  • 86. Se as taxas de salários e a duração da jornada de trabalho são iguais entre todos os setores, respectivamente pela arbitragem entre mercados e por imposição legal, as taxas de mais-valia teriam que ser iguais e não diferentes como na tabela anterior. A solução a esse aparente paradoxo consiste em separar dois conceitos de taxa de mais-valia: como relação s/v e como a relação entre trabalho excedente e trabalho necessário.
  • 87. A taxa de mais-valia expressa em s/v é a mais-valia realizada na esfera da circulação. A mais-valia como trabalho excedente/trabalho necessário é criada na esfera da produção. Essa última é sempre a mesma em todos os setores independentemente das diferenças nas composições orgânicas do capital, a outra não precisa ser igual entre eles.
  • 88. Se a razão s/v é diferente em cada caso, isto não está em contradição com o modelo de Marx se aceitarmos que ela é algo realizado na esfera da circulação e Marx só igual taxas de mais-valia geradas na esfera da produção.
  • 89. Ainda com base na tabela anterior, com o lucro comum de 20%, teríamos um preço de produção obtido da soma do lucro com o custo de produção c + v: Indústria Capital constante c Capital variável v Taxa de lucro r Montante do lucro =r.100 Custo de produção c+v Preço de produção l+c+v I 40 20 0,2 20 60 80 II 45 25 0,2 20 70 90 III 50 17 0,2 20 67 87 IV 40 15 0,2 20 55 75 V 24 30 0,2 20 54 74
  • 90. Comparando-se o lucro com a mais-valia realizada na esfera da produção (não confundir com a mais-valia na esfera da circulação que resultou em diferentes taxas de mais-valia) temos em cada indústria um desvio do lucro em relação à ela. Somando-se este desvio ao preço de produção resulta o valor da mercadoria identificado por Marx.
  • 91. Indústria Capital constante c Capital variável v Montante do lucro =r.100 Composição orgânica c/v Preço de produção l+c+v Mais-valia realizada na produção Desvio do lucro em relação a mais-valia Valor I 40 20 20 2,0 80 20 0 80 II 45 25 20 1,8 90 25 5 95 III 50 17 20 2,9 87 17 -3 84 IV 40 15 20 2,7 75 15 -5 70 V 24 30 20 0,8 74 30 10 84 Taxa de mais valia =1
  • 92. A média da composição orgânica do capital é 2,0. Setores que apresentam a composição orgânica do capital acima da média têm os preços de produção superior ao respectivo valor, casos das indústrias III e IV; os setores com composição orgânica abaixo da média têm os preços abaixo dos correspondentes valores e o setor I cuja relação c/v é igual à média da economia tem p = w.
  • 93. Os vários desvios observados dos preços de produção em relação ao valor se cancelam dentre todos os setores. Portanto, o total das mercadorias produzidas conjuntamente consideradas apresenta valor e preço de produção igualados. Os desvios em cada caso só ocorrem porque as composições orgânicas do capital são diferentes da média.
  • 94. Uma mercadoria, como na indústria I, que tem uma proporção entre insumos fixos e variáveis igual a da economia como todo tem o seu preço determinado exatamente pelo valor. Ela poderia ser usada como um numerário já que seu preço não se desvia do valor. Então o numerário é qualquer mercadoria produzida com a composição média de capital da economia.
  • 95. A solução de Marx ao problema do numerário foi criticada por marxistas que se debruçaram no problema. Piero Sraffa, no século XX, demonstrou que com uma medida invariável do valor não se estabelece necessariamente o vínculo apropriado entre valores medidos em trabalho e preços.
  • 96. O volume III de fato não chegou a ser completado e lacunas na construção de Marx foram percebidas pelos seus seguidores.
  • 97. A VISÃO DA HISTÓRIA o discurso de Marx tal como no Manifesto do Partido Comunista.
  • 98. No começo do Manifesto Comunista, Marx (e Engels) escreve que existem duas classes sociais básicas no capitalismo, burgueses e proletários. Os primeiros são os proprietários dos meios de produção e os segundos os que vendem força de trabalho. Em seguida assevera que a história da sociedade tem sido a história da luta de classes que sempre termina pela reconstituição da sociedade com a destruição das classes envolvidas.
  • 99. A divisão da sociedade em diferentes classes sempre existiu e os antagonismos de classe permanecem na sociedade burguesa, agora simplificados pelas duas classes de que falamos. Antes havia outras classes; em Roma, patrícios, guerreiros, plebeus e escravos; na Idade Média, senhores, vassalos, mestres, companheiros, aprendizes e servos.
  • 100. A expressão “burguês” vem de “burgos”, feiras em volta de castelos ou no encontro de rotas que depois se transformaram em cidades. A colonização, a navegação, o comércio, o uso generalizado da moeda, a indústria e um número de outros desenvolvimentos desestabilizaram a sociedade feudal.
  • 101. O sistema manufatureiro substituiu as velhas guildas no atendimento de novos mercados e a divisão entre as guildas deu lugar à divisão do trabalho dentro de cada oficina.
  • 102. Marx continua o Manifesto dizendo que com a revolução industrial e o surgimento de máquinas irrompe a grande indústria. A indústria criou excedentes e em busca de novos mercados foi dado impulso à navegação e outros meios de transporte e comunicação. A conseqüência de tudo isso foi o desenvolvimento da burguesia, um longo desenvolvimento com uma série de revoluções nos modos de produção e de troca.
  • 103. A projeção econômica da burguesia se fez acompanhar do progresso no campo da política. Associando-se ao rei, a burguesia conquista o poder. O absolutismo da primeira fase do poder burguês transformou-se no Estado representativo moderno, que Marx avalia: “O governo do Estado é apenas um comitê para gerenciar os negócios de toda a burguesia.”
  • 104. Marx enaltece o papel revolucionário da burguesia ao romper a antiga tradição em troca de relações impessoais de mercado. Mesmo as profissões mais nobres transformam-se em trabalho assalariado; até relações familiares viram relações monetárias. Nas palavras de Marx, a burguesia está sempre revolucionando os meios de produção, as relações de produção e as relações sociais.
  • 105. Ela invade todo o globo em busca de mercado e globalização da produção, promovendo também o intercâmbio das criações intelectuais e criando com isso a impossibilidade do isolamento nacional também no campo da cultura.
  • 106. Todas as nações são arrastadas para a civilização. Na guerra de conquista de mercadorias a baixo preço, a burguesia submete o campo à cidade. Irrompe tendência de concentração não só demográfica-espacial, mas também da propriedade dos meios de produção e concentração política, promovendo a criação dos Estados nacionais.
  • 107. Marx enfatiza o progresso tecnológico trazido pela burguesia. Escreve que no passado as relações feudais se tornaram incompatíveis com o desenvolvimento das forças produtivas. Quando tais relações viraram entraves elas foram despedaçadas, surgiu o livre comércio com suas instituições sociais e políticas próprias.
  • 108. Agora, no momento em que vive Marx, a propriedade burguesa tinha se tornado um entrave para as forças produtivas. A burguesia destrói as forças produtivas com as crises de superprodução do capitalismo e busca desesperadamente novos mercados. Ela produz o proletariado que matará a burguesia.
  • 109. Lê-se no Manifesto que no capitalismo só há emprego aos trabalhadores ingressantes com ampliação do capital. Para o capital o trabalhador é uma mercadoria, um ser alienado que funciona como apêndice da máquina e que se submete a um trabalho enfadonho em troca de salários cada vez menores. Cada vez mais, diagnostica Marx, acentua-se a exploração com o aumento das horas trabalhadas.
  • 110. Homens, mulheres e crianças são igualados no chão apertado das fábricas. Os trabalhadores também são vítimas de outros variados membros da burguesia, como proprietários, varejistas e usuários. Mesmo a classe média vira proletariado, à medida que sucumbe à concorrência e aos novos métodos de produção.
  • 111. Ao mesmo tempo em que são reunidos nas fábricas sob a sanha do capital, a organização militar dos operários no interior das fábricas facilitou a evolução de sua luta aproximando-os de modo a evidenciar a unidade de propósitos e de interesses. De início, os proletários estiveram ao lado da burguesia combatendo os inimigos dos inimigos.
  • 112. A burguesia em sua luta contra a aristocracia e contra a burguesia de países estrangeiros contou com a ajuda da classe trabalhadora. A vitória da burguesia também foi a vitória dos trabalhadores. No amadurecimento da consciência de classe do proletariado, as diferenças entre eles de tarefas e salários são igualadas. Surgem conflitos individuais que vão assumindo o caráter de conflito de classes. Surgem sindicatos, depois a luta se transforma em motim. Ela não tem êxito imediato, mas une os trabalhadores.
  • 113. Embora parte da burguesia venha a se juntar ao proletariado, a pequena burguesia jamais perde seu caráter conservador, só o proletariado é a classe revolucionária, exclama Marx. Em sua luta, sem se identificar com os valores de sua sociedade, ele se volta contra a propriedade privada. A luta primeiro adquire um caráter nacional, visando a derrubada violenta da burguesia local, e depois um alcance mundial. Assim, conclui Marx: a burguesia produz os seus próprios coveiros.
  • 114. Marx continua sua pregação no Manifesto: somente os comunistas se identificam com os proletários. Não enfatizam a nacionalidade e sim o interesse comum de todos os proletários e visam a conquista do poder político pelos proletários. A teoria dos comunistas, acredita Marx, é a expressão geral das condições reais de uma luta de classes existente no atual momento histórico.
  • 115. Essa luta visa a abolição da propriedade privada burguesa, não da propriedade em geral, e o fim da exploração. Os trabalhadores não têm nada a perder, pois a propriedade pessoal deles já foi abolida pelo capitalista, trata-se agora de extinguir a propriedade burguesa dos meios de produção, a fim de que a apropriação de produtos da sociedade não seja destinada a subjugar o trabalho alheio.
  • 116. O comunismo, assevera Marx, também prega o fim da hostilidade entre as nações: a nacionalidade é uma ilusão e os trabalhadores não têm pátria. Todos eles devem lutar por uma causa comum e manterem-se unidos a despeito das diferentes nacionalidades, conclui Marx com a famosa frase: “Trabalhadores de todo o mundo: uni-vos.”
  • 117. Desta união, profetiza Marx, surgirá uma nova sociedade que porá fim ao antagonismo de classe; onde o desenvolvimento de cada um é a condição do livre desenvolvimento de todos.
  • 118. Então o Manifesto Comunista é, além de um panfleto para a mobilização dos trabalhadores pela causa comunista, um notável texto de interpretação da história e da sociedade escrito numa linguagem simples e direta. É difícil fazer uma avaliação isenta da visão da história apregoada por Marx já que ela é carregada de elementos normativos que envolvem algum juízo de valor. Decorridos mais de 150 anos deste que ele foi escrito, tendo o mundo percorrido um longo caminho de guerras e revoluções, alguma coisa pode ser dita com relação à visão da história de Marx sem ferir suscetibilidades de seus admiradores.
  • 120. Primeiramente, é preciso situar o lugar de Marx na história do pensamento econômico. É um autor importante, mas cujo alcance de suas idéias no desenvolvimento da Economia como ciência tem sido por vezes exagerado. É dito que ele influenciou J.M. Keynes e outros da escola keynesiana.
  • 121. O maior intervencionismo das políticas keynesianas pode ser interpretado como uma concessão a Marx, ao reconhecer que o capitalismo tem falhas e não funciona de modo automático, um ponto também defendido por muitos dos que são rotulados de liberais. No entanto, vale lembrar que Keynes não manifestou simpatias à obra de Marx e considerava O Capital semelhante ao Alcorão dos mulçumanos ao propagar fervor e violência (certamente uma interpretação unilateral também em relação a este livro religioso).
  • 122. É certo que sementes do pensamento de Marx estão em Schumpeter e muitos outros grandes economistas do século XX. Não se pode deixar de reconhecer, entretanto, que a contribuição de Marx não se incorporou ao núcleo teórico principal da Economia e Marx permaneceu “marginalizado pelos marginalistas”, esta última sendo a principal via teórica da Economia moderna.
  • 123. Tão perigoso como exagerar o impacto do pensamento marxista na Economia é negá-lo em relação às ciências sociais. Ao lado de Max Weber, o sistema de Marx é a principal fonte de referência à análise do fenômeno social. A obra de Marx compõe um respeitável sistema de análise e erudição, de modo que é sempre recomendável cautela e mesmo humildade diante de suas proposições.
  • 124. Fora do campo científico, as idéias políticas de Marx continuam a despertar interesse e adesão. Hoje em dia está se firmando uma avaliação, um tanto pretensiosa, de que o comunismo marxista representa apenas uma vertente da esquerda política que se havia firmado muito antes na época da Revolução Francesa do fim do século XIX. É uma reação aos princípios democráticos que deitaram raízes nas nações do chamado capitalismo desenvolvido.
  • 125. A democracia moderna ensejou reações que se conformaram a um padrão comum: o apelo à união em torno de uma causa, a idéia de luta social identificando um inimigo comum e estabelecendo uma separação nítida entre grupos antagônicos. Nesta interpretação o comunismo seria uma modalidade dentre outras linhas políticas de inspiração totalitária.
  • 126. Não se pode dizer que a visão da história de Marx seja falsa, no sentido de que os fenômenos que analisa são reais, como no famoso capítulo 24 de O Capital intitulado “A Assim Chamada Acumulação Primitiva”. A violência e a exploração identificadas por Marx ocorreram de fato na história. No entanto, a história é um fenômeno complexo que enseja diversas leituras.
  • 127. Marx é uma das leituras possíveis, certamente com elevado grau de idiossincrasia e unilateralidade. Ele deve ser estudado e não tomado como objeto de fé. Mais importante para a evolução da Economia foi a emergência do marginalismo.
  • 128. Marx hoje... Hoje em dia, há três correntes de pesquisa que procuram resgatar o pensamento de Marx: a análise estruturalista, especialmente forte décadas atrás por ocasião do lançamento de escritos inéditos de Marx, como os Grundrisse, e do influente movimento do estruturalismo francês de Althusser; a leitura de Marx com base na dialética hegeliana resgatando a base filosófica de seu pensamento e o chamado “marxismo analítico”, especialmente forte nos países anglo-saxões onde se mistura Marx com teoria dos jogos e modernas técnicas matemáticas de análise. O programa de pesquisa marxista continua a gerar novos frutos.