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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
           CENTRO DE ARTES E LETRAS
            CURSO DE ARTES CÊNICAS




O PRINCÍPIO DA OMISSÃO COMO PROCEDIMENTO
   TÉCNICO E SENSÍVEL NA CONCEPÇÃO DO
           PERSONAGEM PAI UBU




     PROJETO DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO




             Ícaro Alexsander Costa




               Santa Maria, RS, Brasil
                        2012
2



O PRINCÍPIO DA OMISSÃO COMO PROCEDIMENTO
     TÉCNICO E SENSÍVEL NA CONCEPÇÃO DO
                PERSONAGEM PAI UBU




                   Ícaro Alexsander Costa




    Projeto de ensino, pesquisa e extensão apresentado ao
Curso de Artes Cênicas, da Universidade Federal de Santa Maria
  UFSM, RS, como requisito parcial para obtenção do grau de
     Bacharel em Artes Cênicas – Interpretação Teatral.




           Orientadora: Prof.ª Dr.ª Mariane Magno




                   Santa Maria, RS, Brasil
                            2012
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                                                      SUMÁRIO


1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................         04
2 JUSTIFICATIVA.....................................................................................................        06
3 OBJETIVO GERAL................................................................................................            08
3.1 Objetivos Específicos.......................................................................................            08
4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS..............................................................                                 09
5 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA .................................................................................                   10
5.1 Diferenciando o corpo cotidiano do corpo extracotidiano...........................                                      10
5.2 O treinamento, segundo a Antropologia Teatral............................................                               11
5.2.1 Omissão..........................................................................................................     12
5.2.2 Oposição.........................................................................................................     13
5.2.3. Dilatação.........................................................................................................   15
5.3 Autor e obra.......................................................................................................     16
6 CRONOGRAMA.....................................................................................................           19
7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................                          20
4



1 INTRODUÇÃO


        O presente Projeto de Ensino, Pesquisa e Extensão O princípio da omissão
como procedimento técnico e sensível na concepção do personagem Pai Ubu,
também é requisito parcial para aprovação nas disciplinas Técnicas de
Representação VIII e Laboratório de Orientação IV1, do curso de Artes Cênicas da
Universidade Federal de Santa Maria, bem como para a obtenção do grau de
Bacharel em Interpretação Teatral do referido curso.
        O objetivo técnico e criativo do trabalho está na investigação, na concepção e
no desenvolvimento do personagem Pai Ubu, que será criado com base técnica e
teórica a partir do princípio da omissão, apresentado pela Antropologia Teatral
(BARBA& SAVARESE: 2005). A criação do personagem Pai Ubu se dará durante o
processo criativo do espetáculo Ubu Rei sob direção de Luiza de Rossi, aluna do
curso de bacharelado em Artes Cênicas – Direção Teatral do mesmo departamento.
        Convém salientar que os procedimentos metodológicos desta pesquisa
organizam-se em quatro diretrizes – teórica, prática, experimental e reflexiva – que
serão desenvolvidas de forma conjunta durante o andamento deste projeto.
        Visando o desenvolvimento dramatúrgico, criativo e cênico, utilizar-se-á como
ponto de partida o texto dramático Ubu Rei, de Alfred Jarry (1972), adaptado pela
aluna-diretora Luiza de Rossi , cujo enredo será a matéria textual que fundamentará
a vivência investigativa e criativa do aluno-ator-pesquisador. Para o estudo do texto
de Jarry utilizaremos como base o eixo da estrutura básica de análise ativa proposta
pelo sistema de Konstantin Stanislávski (2002).
        Esta pesquisa, que parte do estudo dramatúrgico do texto de Jarry e das
investigações teórico-práticas sobre o princípio da omissão, engloba, ainda, os
conceitos de oposição, dilatação e treinamento, segundo Barba&Savarese (1995),
como forma de fundamentar o conhecimento teórico desta pesquisa e também para


1
  O aluno encontra-se em Situação 6 por conta de ter adoecido no mês de agosto de 2011, necessitando ficar em
repouso completo por dois meses e, consequentemente, impossibilitado de concluir seu espetáculo de formatura.
Considerando também que cada processo criativo é único e que o grupo no qual o aluno estava inserido já
encerrou a pesquisa, para cumprir as exigências das disciplinas Técnicas de Representação VIII e Laboratório de
Orientação IV é necessário que se refaça os procedimentos de Técnicas de Representação VII e Laboratório de
Orientação III, na forma de um novo projeto e de um novo processo criativo, ambos convergentes na concepção
de um espetáculo cênico.
5



contribuir no entendimento teórico-prático em laboratório experimental, até chegar à
composição do personagem Pai Ubu e sua posterior reflexão.
      Cabe ressaltar que esta pesquisa, que também é um trabalho de conclusão
de curso prevê, ainda, a participação em eventos científicos, a concretização do
espetáculo levado a público e a formatação de um relatório final que será submetido
à uma banca examinadora.
6



2 JUSTIFICATIVA


           No ano passado, 2011, desenvolvi uma pesquisa de iniciação científica,
também como trabalho de conclusão de curso, mas que não foi totalmente
concluída2,         intitulada      Um     corpo      apropriador:         a   Mímesis   Corpórea      como
procedimento técnico e sensível na composição da personagem. Naquele momento
(2011) me propus a investigar a concepção de um personagem feminino a partir da
técnica de Mímesis Corpórea3, tendo determinadas fotografias de mulheres como
ponto de partida para observação. As fotografias foram escolhidas a partir de dois
elementos organizados por Roland Barthes: Punctum4 e Studium5; e também em
função do personagem ser feminino.
           Hoje identifico que, de certa maneira, o princípio da omissão já estava latente
no meu processo criativo do ano passado, como por exemplo, no intuito de
desenvolver a suavidade e a sinuosidade do movimento corporal do personagem
feminino no corpo masculino do ator foi concebido um treinamento a partir de uma
sequencia de movimentos com um leque. Esses movimentos acabaram fazendo
parte da concepção de diversas cenas após passarem por uma transformação, de
modo que a sequencia do leque (matriz) ficou oculta, mas certas qualidades de
movimentos e até determinados movimentos foram utilizados, porém, não estavam
evidentes. A omissão não estava em primeiro plano e nem totalmente consciente
naquele momento e naquela pesquisa, mas agora, conscientemente, ela passa a ser
o objeto central desta pesquisa teórico-prática e sensível.




2
    Para a conclusão da pesquisa, faltou apenas a estreia do espetáculo.
3
 A Mímesis Corpórea é uma técnica desenvolvida pelo Núcleo de Pesquisas Teatrais da Unicamp – LUME – e
baseia-se na observação minuciosa de ações cotidianas, executadas por indivíduos em situações corriqueiras.
Estas ações são posteriormente imitadas precisamente. Uma vez imitadas em seus mínimos detalhes, são
codificadas, de maneira a serem reproduzidas, “re-apresentadas”, e/ou manipuladas. Somente a codificação
permite que o material primeiro, denominado “matriz”, possa ser alterado, reelaborado, teatralizado (SOUZA
apud FERRACINI, 2006, p. 114).
4
 Punctum é um conceito utilizado por Barthes para nomear um “detalhe” na foto que chama a atenção daquele
que a olha, é uma espécie de “extracampo sutil, como se a imagem lançasse o desejo para além daquilo que ela
dá a ver” (BARTHES, 1984, p.89).
5
 Studium é o vasto campo de estudo de uma fotografia, pré-determinado por uma pesquisa, que pode até causar
“uma espécie de interesse geral, às vezes emocionado, mas cuja emoção passa pelo revezamento judicioso de
uma cultura moral e política” (BARTHES, 1984, p.45).
7



      Para a concretização dramatúrgica do objetivo geral deste projeto, que é a
investigação e a criação de um personagem inserido em um espetáculo, assim como
o estudo de seus elementos constituintes, optou-se por um texto que refletisse de
um modo exagerado a sociedade e cultura ocidentais. Na obra de Alfred Jarry, é
retratada a história de Pai Ubu, um pequeno burguês, funcionário a serviço do Rei
da Polônia. Sob a pressão de Mãe Ubu, sua mulher ambiciosa, ele decide matar o
Rei para ocupar o seu lugar. Mas Pai Ubu é covarde e malcriado. Uma vez no trono,
revela-se cruel, estúpido e o seu pensamento político é absurdo. De pequeno
burguês, ele se transforma em um tirano sanguinário, mas não é desprovido de um
singular grão de razão, proferindo verdades inquietantes, como se fossem verdades
saindo da boca de uma criança.
      Como fundamento psicotécnico para o trabalho do aluno-ator-pesquisador,
optou-se pelo princípio da omissão proposto pela Antropologia Teatral, por se tratar
de um procedimento que possibilita a investigação e a descoberta de novas
configurações corporais do ator, afastando-o de seu comportamento cotidiano e,
consequentemente, contribuindo para ampliar sua presença cênica através da
potencialização de suas ações e também pelas investigações e criações no campo
sensível no trabalho do ator.
      Os    conceitos   oposição,   dilatação   e   treinamento   integram-se   como
contribuição para o entendimento teórico-prático da presença de cena e também
para o trabalho criativo em laboratório, todos convergentes como vivência técnica e
sensível na construção do personagem Pai Ubu, inserido no espetáculo Ubu Rei.
      Deste modo, este projeto está vinculado ao Projeto de Ensino Pesquisa e
Extensão Ubu: corpo e cena, desenvolvido nas disciplinas de Encenação V e VI pela
aluna Luiza de Rossi, acadêmica do curso de bacharelado em Artes Cênicas –
Direção Teatral.
8



3 OBJETIVO GERAL


      Investigar e criar o personagem Pai Ubu utilizando a fusão criativa entre o
texto adaptado Ubu Rei e o princípio da omissão como fundamento técnico e
sensível.


3.1 Objetivos Específicos


      3.1.1. Realizar estudos teóricos sobre os princípios omissão, oposição e
      dilatação e sobre o conceito de treinamento, segundo a Antropologia Teatral;
      3.1.2. Identificar e estudar a estrutura dramatúrgica do texto Ubu Rei, de
      Alfred Jarry, visando a composição do personagem Pai Ubu;
      3.1.3. Investigar e exercitar sistematicamente em laboratórios individuais os
      princípios omissão, oposição e dilatação como um caminho criativo tanto para
      o treinamento do ator quanto à criação do personagem Pai Ubu;
      3.1.4. Investigar e ampliar o repertório corporal;
      3.1.5. Investigar, conceber e compor o personagem Pai Ubu a partir do texto
      dramático e da utilização dos princípios técnicos treinados em laboratórios
      individuais, todos à serviço dos procedimentos propostos pela diretora;
      3.1.6. Apresentações públicas do espetáculo final;
      3.1.7. Produzir um relatório reflexivo final da disciplina de Técnicas de
      Representação VIII com o desenvolvimento do processo criativo, no segundo
      semestre de 2012;
      3.1.8. Defender o relatório, perante banca examinadora;
      3.1.9. Apresentar este projeto em eventos científicos.
9



4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS


      Os procedimentos metodológicos deste Projeto de Iniciação Científica que
abrange o tripé Ensino, Pesquisa e Extensão, inclui o processo criativo do
personagem Pai Ubu a partir da fusão criativa do texto dramático e relaciona os
aspectos teóricos e práticos como diferentes prismas de uma unidade. Portanto esta
pesquisa dispõe-se didaticamente a partir de quatro diretrizes interdependentes:


      1. Diretriz Teórica – compreende os estudos teóricos sobre os princípios
          omissão, oposição, dilatação e o conceito de treinamento, apresentados
          na Antropologia Teatral; abarca ainda o estudo do texto dramático Ubu Rei
          e do autor Alfred Jarry.


      2. Diretriz Prática – contempla a minha pesquisa e trabalho individuais, como
          por exemplo, o treinamento em laboratório para investigar e sistematizar
          um treinamento pessoal incluindo os princípios omissão, oposição e
          dilatação.


      3. Diretriz Experimental – engloba a investigação de procedimentos técnicos
          para ampliar o repertório corporal do ator e para a criação de partituras;
          abarca ainda o estudo destes procedimentos como forma de fundir, de
          modo criativo, o trabalho do ator com o texto dramático. Vale lembrar que
          o desenvolvimento desta diretriz estará predominantemente à serviço das
          orientações da diretora do espetáculo no qual o personagem Pai Ubu está
          inserido.


      4. Diretriz Reflexiva – descrever e refletir sobre o processo, unindo a diretriz
          teórica, prática e experimental, visando à formatação de um relatório final
          de conclusão de curso que será defendido perante banca examinadora,
          além de apresentar este projeto em eventos científicos.
10



5 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

        Neste item abordaremos a distinção entre o corpo cotidiano e o corpo
extracotidiano, o treinamento do ator como forma de buscar a organicidade e os
princípios da omissão, oposição e dilatação que direcionarão o desenvolvimento
prático deste projeto.

5.1 Diferenciando o corpo cotidiano do corpo extracotidiano


                           (...) o primeiro e o mais natural objeto técnico, e ao mesmo tempo meio
                           técnico, do homem, é seu corpo. (MAUSS, 2003, p.407)


        Nascemos todos em uma sociedade, em um ambiente e em uma época
específica. No decorrer da infância e da adolescência passamos por um processo de
aculturação6, onde são organizados nossos comportamentos físicos e mentais, em
função da posição social, profissão e cultura na qual estamos inseridos. Geralmente
não temos essa consciência por que nossas ações do dia-a-dia são simplesmente
imitadas e habituais, ou seja, comuns ao meio.

        Segundo o antropólogo francês Marcel Mauss (2003), cada sociedade tem
seus hábitos corporais próprios, que variam de acordo com seus costumes, suas
conveniências e educações. Vejamos o seguinte exemplo formulado por Mauss: na
hora do almoço, as crianças ocidentais, de um modo geral, são ensinadas desde
pequenas a sentarem-se em cadeiras dispostas em torno de uma mesa; ao passo
em que no Oriente, pelo fato das mesas serem mais baixas, as crianças são
condicionadas a sentarem-se no chão no momento das refeições. Para ambos são
ações cotidianas e naturais, porém determinadas por culturas distintas entre si e que
propõem ao corpo um condicionamento psicofísico cotidiano, específico de cada
cultura.

        Mauss entende como técnicas do corpo as formas pelas quais os homens
servem-se de seus corpos a partir da utilização inconsciente das técnicas cotidianas.
Partindo deste entendimento sobre o uso do corpo, Barba afirma que a utilização do
corpo em estado extracotidiano deve ser substancialmente diferente da maneira

6
 Aculturação é o processo de absorção de determinados hábitos e costumes estabelecidos pela cultura do local
em que se vive, ou mesmo de culturas diversas, que acabam por direcionar o nosso comportamento e
pensamento.
11



como o empregamos no cotidiano. Evidentemente não seria teatro se um ator se
comportasse de modo anfêmero quando em situação de representação cênica.

      A partir deste entendimento sobre o aprendizado corporal, organiza-se uma
das funções do treinamento no trabalho do ator, ou seja, buscar conhecer e se
desvencilhar dos condicionamentos psicofísicos cotidianos a fim de investigar e
descobrir outras possibilidades para o corpo agir e reagir artisticamente de modo
cênico.

      Para tal objetivo, o ator deve desenvolver e ampliar o seu repertório corporal
por meio de procedimentos técnicos extracotidianos que sejam o oposto ao natural –
ou como Barba chama – que sejam artificiais.

                    Nosso uso social do corpo é necessariamente um produto de uma cultura: o
                    corpo foi aculturado e colonizado. Ele conhece somente os usos e as
                    perspectivas para os quais foi educado. A fim de encontrar outros ele deve
                    distanciar-se de seus modelos. Deve inevitavelmente ser dirigido para uma
                    nova forma de ‘cultura’ e passar por uma nova ‘colonização’. É este
                    caminho que faz com que os atores descubram sua própria vida, sua própria
                    independência e sua própria eloquência física. (BARBA, 1995, p.245)



5.2 O treinamento, segundo a Antropologia Teatral

      A Antropologia Teatral propõe o estudo do comportamento do ser humano
quando ele usa sua presença psicofísica em situação organizada de representação,
partindo de certos princípios que são comuns em diferentes formas estilísticas de
atuação e que visam superar a conduta cotidiana do ator.

      Segundo Barba, o exercício de um treinamento é o caminho para conquistar,
de forma consciente, o “calor” da organicidade por meio de uma técnica precisa.

      Em outras palavras, é através da repetição de determinados exercícios que
tem por objetivo desenvolver no ator a conscientização dos princípios que podem
tornar seu corpo vivo quando em estado de representação (como o equilíbrio
precário, a omissão, a oposição, a dilatação, a variação de ritmos e velocidades) e
que, posteriormente, com a prática regular, serão apreendidos pelo corpo do ator de
forma a proporcionarem-lhe um desenvolvimento singular, permitindo-lhe realizar
uma viagem própria e, mais além, fazer com que o espectador acredite em todos os
seus sentidos, porque o corpo-mente do ator está afinado e totalmente concentrado
na ação.
12



       Uma vez que o ator domina o princípio de um exercício, se faz necessário
encontrar outros procedimentos técnicos para desenvolver e preservar esses
princípios vivos no corpo do ator; e ainda aplicar toda essa energia tanto no
momento criativo da improvisação e da representação como na ampliação do seu
repertório corporal.

       Podemos perceber e identificar que os princípios desenvolvidos pela
Antropologia Teatral estão presentes em nosso cotidiano, porém de forma
inconsciente e não explorada cênica e artisticamente.

       As crianças ocidentais desenvolvem alguns dos princípios como o equilíbrio, a
base, a dilatação do corpo e a oposição do movimento ao praticarem futebol, por
exemplo, porém sem terem consciência, pois na visão delas, o futebol é
simplesmente um esporte, um jogo e uma brincadeira. Diferente de uma criança
oriental que se inicia na prática da técnica dos samurais instruída por um mestre,
onde aprende que a técnica pressupõe uma filosofia, que exige um empenho
mental, espiritual e a consciência do que faz e para que faz. Há, além do objetivo
técnico, um objetivo estético, filosófico, ético e poético.

       Sobre a importância do treinamento, encontramos equivalência deste
pensamento em Peter Brook, quando ele enuncia que:

                       “Entre nós, esse instrumento que é o corpo não se desenvolve tão bem
                       durante a infância como no Oriente. Por isso, o ator ocidental deve
                       compreender que precisa compensar essa deficiência” (BROOK, 2002,
                       p.16).


       Segundo Barba&Savarese (2005) no treinamento do ator em processo criativo
para desenvolver a conscientização dos princípios básicos é preciso antes realizar a
diferenciação entre o comportamento cotidiano e o comportamento extracotidiano,
ou seja, o que pode ser utilizado em estado cênico e o que não funciona.
       Vale lembrar que não temos como objetivo pré-determinar os exercícios
técnicos a serem realizados, mas sim investigar em laboratório os melhores
procedimentos para atingir os objetivos técnicos e sensíveis pretendidos.
13



5.2.1 Omissão

      Segundo Barba, a omissão baseia-se na supressão de alguns elementos para
destacar outros que, deste modo, aparecem como essenciais na ação; e ainda
acentuam a presença cênica do ator. Este princípio torna-se evidente quando se
eliminam certos elementos visíveis das ações do ator como objetos, acessórios ou
instrumentos, tornando, assim, independentes a ação de seu objeto. Posteriormente
o ator pode trabalhar a posição ou ação sem seu objeto original e inserir a ação
(matriz) em outro contexto, atribuindo a ela outro sentido.

      Para melhor entendimento, apresentamos o seguinte exemplo, retirado do
                                       Dicionário de Antropologia Teatral.

                                              À esquerda temos a representação de
                                       um pregoeiro público medieval. Quando sua
                                       flauta é eliminada, vemos a sua posição
                                       independente da ação (dir.), com um novo
                                       valor, porém intacta, podendo ser utilizada em
                                       uma circunstância completamente diferente.

                                              Mas o princípio da omissão também
                                       pode ser aplicado no campo energético por
                                       meio da absorção das ações. Segundo Barba,
                                       este processo consiste na restrição do espaço
                                       da ação, ao mesmo tempo em que se
conserva a sua energia, ou seja, os movimentos que se utilizam dos membros além
da coluna vertebral podem ser absorvidos por ela, conservando a mesma energia do
movimento originário, transformando-se em microações de um “corpo quase-imóvel
que age” (BARBA, 1994, p.48), ou seja, um corpo que age mais internamente do
que em expansão.



5.2.2 Oposição

      Barba&Savarese (2005) apresentam o princípio da oposição como a
possibilidade de construir tensões de forças contrapostas no corpo. Se o ator inicia
um movimento pelo seu oposto, sua ação poderá tornar-se mais perceptível e,
14



assim, guiar a atenção do espectador por meio de um efeito surpresa proporcionado
pela sua mudança de direção; ou ainda, a ação poderá ser acentuada através da
antecipação do movimento.




                                                            Fonte: A Arte Secreta do ator, p. 176




      Mas pode-se ainda desenvolver o princípio da oposição em uma postura
“estática” ou em sequências de movimentos, a partir da conscientização do ator da
existência de vetores opostos que geram força interna em seu corpo. Para colaborar
com a compreensão desta ideia, em desenvolvimento no presente projeto, segue um
exemplo prático, partindo de um registro fotográfico de um laboratório individual.

      Na primeira imagem vemos o ator tentando pegar o tecido em um exercício
de dinâmicas com objetos; na segunda imagem percebemos que o tecido foi omitido,
tornando a ação independente da ação geradora com o objeto, possibilitando dar a
ela (ação) um novo sentido (o ator nomeou essa posição como súplica). Na última
15



ilustração, podemos observar que mesmo parado, o ator trabalha a oposição por
meio dos vetores opostos de forças internas em seu corpo (setas vermelhas): ao
passo em que uma força interna é gerada para cima, através da imagem de tentar
alcançar o tecido, o ato de encaixar os ombros gera uma força para baixo; e
enquanto o pé direito empurra todo o corpo para cima, o esquerdo é puxado para
baixo por uma força que sai pelo calcanhar. Desta forma, o ator tem quatro
possibilidades de iniciar um movimento partindo da posição apresentada: bastaria
permitir que um dos vetores de força se sobressaísse em relação aos outros, ou
ainda, que um novo vetor interno seja criado para impulsionar outra ação ou
deslocamento.



5.2.3 Dilatação

      Os princípios apresentados pela Antropologia Teatral frequentemente
acontecem no âmbito do comportamento cotidiano; a diferença nas técnicas
extracotidianas está no grau de dilatação destes princípios. O ator deve encontrar
procedimentos que o levem a obter esse corpo dilatado, que como Barba define,
“(...) é acima de tudo um corpo incandescente, no sentido científico do termo: as
partículas que compõe o comportamento cotidiano foram excitadas e produzem mais
energia, sofreram um incremento de movimento, separam-se mais, atraem-se e
opõe-se   com     mais   força,   num   espaço    mais    amplo   ou    reduzido”.
(BARBA&SAVARESE, 1995, p.54).

      O principal procedimento a ser trabalhado nesta pesquisa visando à dilatação
do corpo é o próprio princípio da oposição, mas também se pretende investigar, em
laboratório prático, outros procedimentos técnicos e também sensíveis que,
posteriormente, assim como a oposição, serão omitidos em função da concepção do
personagem.
16



5.3 Autor e obra
        Aos quatorze anos, em um exercício de genialidade, Jarry escreveu sua
primeira obra dramatúrgica, intitulando-a como Ubu Rei ou Os Poloneses7. Esta, de
caráter satírico e linguajar neologista, mostra-se aparentemente despretensiosa,
sem deixar que transpareça de imediato seu forte potencial crítico a um período
fundamental para a história francesa: o Absolutismo.
        Na França, a centralização do poder monárquico foi promovida pelo
amplamente conhecido “Rei Sol”, o rei Luís XIV, tendo ele durado no poder dentre
os anos 1643 e 1715. Além de “Rei Sol”, a Luís XIV foi atribuída a ilustre frase “o
Estado sou eu”, pois, diferentemente de seus antecessores, Luís XIV dispensou a
função do primeiro-ministro, abafando também a voz dos parlamentares e dos
Estados Gerais.
        Retornando os olhos à peça de Jarry, escrita cerca de dois séculos após,
observamos as mesmas ações vinculadas ao personagem central, Pai Ubu. Este
que, por sua vez, leva suas imposições às últimas consequências, evidenciando-se
assim, a inescapável desestruturação de um reino, no caso fictício, do reino polonês.
Dessa maneira, Jarry propõe uma reviravolta em sua trama, ao utilizar-se de um



7
  Sinopse: Influenciado por Mãe Ubu, o conde Pai Ubu reúne-se com o Capitão Bordadura e sua tropa em uma
missão conspiradora que provoca a queda do Rei da Polônia, Venceslau. Assim, matam a família real restando
somente um dos filhos, Bugrelau que, por sua vez, recebe a aparição mágica de um ancestral com uma espada
sagrada para retomar seu trono das mãos do novo Rei, Pai Ubu. O novo tripé do poder, composto por Pai e Mãe
Ubu e pelo Capitão Bordadura, realiza peripécias absurdamente ilógicas, gastos irrecuperáveis em banquetes e
orgias, mortes e cortes desnecessários. Como exemplo, o novo rei entrega ouro de graça ao povo para que pague
seus impostos. Lança uma disputa pelo ouro somente para se divertir assistindo aos pobres homens se matarem
para consegui-lo. Aliás, realiza uma chacina de nobres para tomar todas as suas posses e decide legislar sozinho,
iniciando por uma reforma na Justiça. Todos os que se opõem às impostas vontades de Pai Ubu, são jogados no
alçapão, juízes, magistrados, financistas, entre outros. No entanto, os dias de glória dos Ubu passam a ser
contados quando o Imperador da Rússia Alexis exige ao Capitão Bordadura que saia em missão para destroná-
los. Então, mais uma vez influenciado por Mãe Ubu, Pai Ubu decreta guerra aos inimigos da Polônia, ou seja,
aos seus próprios inimigos, os russos. Parte, assim, rumo à luta, deixando o poder nas mãos dela que, consegue
fugir da revolta de Bugrelau e sua tropa atacando-a em Varsóvia. Enquanto isso, Ubu e o exército polonês em
marcha pela Ucrânia avistam o exército russo e escondem-se em um moinho. Ao serem encontrados, inicia-se
uma árdua e engraçadíssima batalha, na qual passam a ser perseguidos até que, Ubu, Pila e Cotica escondem-se
em uma caverna. De repente, surge um urso e o escândalo de Ubu torna a situação ainda mais cômica. Mas os
soldados, com muita dificuldade, eliminam o animal. Os dois soldados escapam da caverna durante o profundo
sono de Ubu. Eis que, subitamente, surge nesse local a oportunista Mãe Ubu. Esta se finge de urso, objetivando
convencer seu marido, com artifícios sobrenaturais, a perdoar seus furtos. Quando ele percebe a farsa, “ele a
rasga”, literalmente, mas ela ainda vive. Entram, nesse momento, Bugrelau e companhia, provocando enorme
confusão que, com extrema ironia, facilita a fuga do casal Ubu. Na última cena, Ubu e seu bando navegam no
Mar Báltico rumo à França e à Espanha (felizes para sempre).
17



recurso cênico inaugurado por Shakespeare 8. Recurso este que, em Ubu Rei,
configura-se pela aparição fantástica de um ancestral real diante do jovem príncipe
Bugrelau, incentivando-o a retomar o trono roubado, vingando também a morte de
seu nobre pai, Venceslau.
        Além dessa citação shakespeariana, observamos também a forte influência
da personagem Mãe Ubu para concretização do golpe de estado realizado por Pai
Ubu. Esta influência faz referência a outro texto do dramaturgo inglês, Macbeth9. No
entanto, não há de fato um desenvolvimento similar, uma vez que Lady Macbeth
atinge profundo estado de loucura, enquanto que, Mãe Ubu simplesmente delicia-se
com o upgrade de seu status social e, quando perseguida, consegue partir em fuga
levando consigo o ouro real roubado.
        Ao buscarmos observar os aspectos ideológicos da trama de Ubu, nos
deparamos com um reflexo exagerado de nossa sociedade e cultura ocidental, algo
maior que uma caricatura. Sua linguagem é utilizada como veículo destruidor e
sardônico que, através da lúdica figura de Pai Ubu, apresenta a encarnação do
poder, retrato irônico e grotesco dos vencedores. Uma imagem fiel do monstro que
domina os homens, por ter perdido, em parte, a sua humanidade. Diz-se em parte,
pois não há como negar a presença de um conflito interno nesse personagem: a
constante luta entre a coragem e a covardia, aspecto este que nos aproxima e, até
mesmo, nos identifica com ele, tornando-o assim, uma pintura caricatural, grosseira,
rude e primária, mas perfeitamente verossímil. Esse monstro que, em 1896 poderia
parecer exagerado até mesmo na ficção, foi superado de longe pela realidade dos
anos que seguiram 1945, com a aparição de diversos pais ubus ao redor do mundo,
tais como os ditadores Hitler10, Mussolini11, Cháves12 e Hussein13.
        Em função desses elementos de releitura, a comédia de Jarry assume, de
fato, um caráter de paródia política, altamente fortalecido pelas inúmeras soluções


8
  Shakespeare (Inglaterra: 1564-1616) escreveu, entre os anos de 1599 e 1601, a tragédia chamada Hamlet, na
qual um príncipe dinamarquês tenta vingar a morte de seu pai e retomar o poder, incentivado pelo fantasma ou
espectro do mesmo.
9
  Escrita aproximadamente entre 1603 e 1607, essa tragédia inglesa apresenta o poder feminino como um fator
determinante para a tomada de um reino. No entanto, as consequências deste golpe retornam contra os assassinos
na forma de revolta armada, mortes e assombrações psíquicas.
10
   Alemanha.
11
   Itália.
12
   Venezuela.
13
   Iraque.
18



patafísicas14 que o autor propõe. Dessa maneira, ela é considerada precursora de
um teatro inovador, no qual as convenções teatrais são refeitas de modo a
desestruturar o enredo dos padrões até então familiarizados pelo público vigente.




14
  Criada por Jarry, a patafísica é uma ciência na qual fica estabelecido que todo e qualquer problema torna-se
passível de resolução através do redimensionamento do significado da palavra.
19



6 CRONOGRAMA
20



7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


BARBA, Eugenio. A Canoa de Papel. SP: Hucitec, 1994. Reeditado pela Ed.
   Dulcina, Brasília, em 2009.


______________. A Arte Secreta do Ator. São Paulo: Hucitec, 1995. Edição com
    Nicola Savarese.


______________. Queimar a casa. São Paulo: Perspectiva, 2010.


BARTHES, Roland. A câmara clara. Trad. Júlio Castañon Guimarães. Rio de
    Janeiro: Nova Fronteira, 1984.


BONFITTO, Matteo. O Ator Compositor. São Paulo: Perspectiva, 2007.


BROOK, Peter. A Porta Aberta. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.


ESSLIN, Martin. O Teatro do Absurdo. Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1968.


JARRY, Alfred. Ubu Rei ou Os Poloneses. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro,
    1972.


MAUSS, Marcel. Sociologia e Antropologia. São Paulo: Cosac Naify, 2003


PAVIS, Patrice. Dicionário de teatro. São Paulo: Perspectiva, 1999.


STANISLÁVSKI, Konstantin. Manual do Ator. Tradução de Jefferson Luiz Camargo.
    Revisão da tradução de João Azenha Jr. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

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  • 1. UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE ARTES E LETRAS CURSO DE ARTES CÊNICAS O PRINCÍPIO DA OMISSÃO COMO PROCEDIMENTO TÉCNICO E SENSÍVEL NA CONCEPÇÃO DO PERSONAGEM PAI UBU PROJETO DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO Ícaro Alexsander Costa Santa Maria, RS, Brasil 2012
  • 2. 2 O PRINCÍPIO DA OMISSÃO COMO PROCEDIMENTO TÉCNICO E SENSÍVEL NA CONCEPÇÃO DO PERSONAGEM PAI UBU Ícaro Alexsander Costa Projeto de ensino, pesquisa e extensão apresentado ao Curso de Artes Cênicas, da Universidade Federal de Santa Maria UFSM, RS, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Artes Cênicas – Interpretação Teatral. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Mariane Magno Santa Maria, RS, Brasil 2012
  • 3. 3 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO....................................................................................................... 04 2 JUSTIFICATIVA..................................................................................................... 06 3 OBJETIVO GERAL................................................................................................ 08 3.1 Objetivos Específicos....................................................................................... 08 4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS.............................................................. 09 5 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ................................................................................. 10 5.1 Diferenciando o corpo cotidiano do corpo extracotidiano........................... 10 5.2 O treinamento, segundo a Antropologia Teatral............................................ 11 5.2.1 Omissão.......................................................................................................... 12 5.2.2 Oposição......................................................................................................... 13 5.2.3. Dilatação......................................................................................................... 15 5.3 Autor e obra....................................................................................................... 16 6 CRONOGRAMA..................................................................................................... 19 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................... 20
  • 4. 4 1 INTRODUÇÃO O presente Projeto de Ensino, Pesquisa e Extensão O princípio da omissão como procedimento técnico e sensível na concepção do personagem Pai Ubu, também é requisito parcial para aprovação nas disciplinas Técnicas de Representação VIII e Laboratório de Orientação IV1, do curso de Artes Cênicas da Universidade Federal de Santa Maria, bem como para a obtenção do grau de Bacharel em Interpretação Teatral do referido curso. O objetivo técnico e criativo do trabalho está na investigação, na concepção e no desenvolvimento do personagem Pai Ubu, que será criado com base técnica e teórica a partir do princípio da omissão, apresentado pela Antropologia Teatral (BARBA& SAVARESE: 2005). A criação do personagem Pai Ubu se dará durante o processo criativo do espetáculo Ubu Rei sob direção de Luiza de Rossi, aluna do curso de bacharelado em Artes Cênicas – Direção Teatral do mesmo departamento. Convém salientar que os procedimentos metodológicos desta pesquisa organizam-se em quatro diretrizes – teórica, prática, experimental e reflexiva – que serão desenvolvidas de forma conjunta durante o andamento deste projeto. Visando o desenvolvimento dramatúrgico, criativo e cênico, utilizar-se-á como ponto de partida o texto dramático Ubu Rei, de Alfred Jarry (1972), adaptado pela aluna-diretora Luiza de Rossi , cujo enredo será a matéria textual que fundamentará a vivência investigativa e criativa do aluno-ator-pesquisador. Para o estudo do texto de Jarry utilizaremos como base o eixo da estrutura básica de análise ativa proposta pelo sistema de Konstantin Stanislávski (2002). Esta pesquisa, que parte do estudo dramatúrgico do texto de Jarry e das investigações teórico-práticas sobre o princípio da omissão, engloba, ainda, os conceitos de oposição, dilatação e treinamento, segundo Barba&Savarese (1995), como forma de fundamentar o conhecimento teórico desta pesquisa e também para 1 O aluno encontra-se em Situação 6 por conta de ter adoecido no mês de agosto de 2011, necessitando ficar em repouso completo por dois meses e, consequentemente, impossibilitado de concluir seu espetáculo de formatura. Considerando também que cada processo criativo é único e que o grupo no qual o aluno estava inserido já encerrou a pesquisa, para cumprir as exigências das disciplinas Técnicas de Representação VIII e Laboratório de Orientação IV é necessário que se refaça os procedimentos de Técnicas de Representação VII e Laboratório de Orientação III, na forma de um novo projeto e de um novo processo criativo, ambos convergentes na concepção de um espetáculo cênico.
  • 5. 5 contribuir no entendimento teórico-prático em laboratório experimental, até chegar à composição do personagem Pai Ubu e sua posterior reflexão. Cabe ressaltar que esta pesquisa, que também é um trabalho de conclusão de curso prevê, ainda, a participação em eventos científicos, a concretização do espetáculo levado a público e a formatação de um relatório final que será submetido à uma banca examinadora.
  • 6. 6 2 JUSTIFICATIVA No ano passado, 2011, desenvolvi uma pesquisa de iniciação científica, também como trabalho de conclusão de curso, mas que não foi totalmente concluída2, intitulada Um corpo apropriador: a Mímesis Corpórea como procedimento técnico e sensível na composição da personagem. Naquele momento (2011) me propus a investigar a concepção de um personagem feminino a partir da técnica de Mímesis Corpórea3, tendo determinadas fotografias de mulheres como ponto de partida para observação. As fotografias foram escolhidas a partir de dois elementos organizados por Roland Barthes: Punctum4 e Studium5; e também em função do personagem ser feminino. Hoje identifico que, de certa maneira, o princípio da omissão já estava latente no meu processo criativo do ano passado, como por exemplo, no intuito de desenvolver a suavidade e a sinuosidade do movimento corporal do personagem feminino no corpo masculino do ator foi concebido um treinamento a partir de uma sequencia de movimentos com um leque. Esses movimentos acabaram fazendo parte da concepção de diversas cenas após passarem por uma transformação, de modo que a sequencia do leque (matriz) ficou oculta, mas certas qualidades de movimentos e até determinados movimentos foram utilizados, porém, não estavam evidentes. A omissão não estava em primeiro plano e nem totalmente consciente naquele momento e naquela pesquisa, mas agora, conscientemente, ela passa a ser o objeto central desta pesquisa teórico-prática e sensível. 2 Para a conclusão da pesquisa, faltou apenas a estreia do espetáculo. 3 A Mímesis Corpórea é uma técnica desenvolvida pelo Núcleo de Pesquisas Teatrais da Unicamp – LUME – e baseia-se na observação minuciosa de ações cotidianas, executadas por indivíduos em situações corriqueiras. Estas ações são posteriormente imitadas precisamente. Uma vez imitadas em seus mínimos detalhes, são codificadas, de maneira a serem reproduzidas, “re-apresentadas”, e/ou manipuladas. Somente a codificação permite que o material primeiro, denominado “matriz”, possa ser alterado, reelaborado, teatralizado (SOUZA apud FERRACINI, 2006, p. 114). 4 Punctum é um conceito utilizado por Barthes para nomear um “detalhe” na foto que chama a atenção daquele que a olha, é uma espécie de “extracampo sutil, como se a imagem lançasse o desejo para além daquilo que ela dá a ver” (BARTHES, 1984, p.89). 5 Studium é o vasto campo de estudo de uma fotografia, pré-determinado por uma pesquisa, que pode até causar “uma espécie de interesse geral, às vezes emocionado, mas cuja emoção passa pelo revezamento judicioso de uma cultura moral e política” (BARTHES, 1984, p.45).
  • 7. 7 Para a concretização dramatúrgica do objetivo geral deste projeto, que é a investigação e a criação de um personagem inserido em um espetáculo, assim como o estudo de seus elementos constituintes, optou-se por um texto que refletisse de um modo exagerado a sociedade e cultura ocidentais. Na obra de Alfred Jarry, é retratada a história de Pai Ubu, um pequeno burguês, funcionário a serviço do Rei da Polônia. Sob a pressão de Mãe Ubu, sua mulher ambiciosa, ele decide matar o Rei para ocupar o seu lugar. Mas Pai Ubu é covarde e malcriado. Uma vez no trono, revela-se cruel, estúpido e o seu pensamento político é absurdo. De pequeno burguês, ele se transforma em um tirano sanguinário, mas não é desprovido de um singular grão de razão, proferindo verdades inquietantes, como se fossem verdades saindo da boca de uma criança. Como fundamento psicotécnico para o trabalho do aluno-ator-pesquisador, optou-se pelo princípio da omissão proposto pela Antropologia Teatral, por se tratar de um procedimento que possibilita a investigação e a descoberta de novas configurações corporais do ator, afastando-o de seu comportamento cotidiano e, consequentemente, contribuindo para ampliar sua presença cênica através da potencialização de suas ações e também pelas investigações e criações no campo sensível no trabalho do ator. Os conceitos oposição, dilatação e treinamento integram-se como contribuição para o entendimento teórico-prático da presença de cena e também para o trabalho criativo em laboratório, todos convergentes como vivência técnica e sensível na construção do personagem Pai Ubu, inserido no espetáculo Ubu Rei. Deste modo, este projeto está vinculado ao Projeto de Ensino Pesquisa e Extensão Ubu: corpo e cena, desenvolvido nas disciplinas de Encenação V e VI pela aluna Luiza de Rossi, acadêmica do curso de bacharelado em Artes Cênicas – Direção Teatral.
  • 8. 8 3 OBJETIVO GERAL Investigar e criar o personagem Pai Ubu utilizando a fusão criativa entre o texto adaptado Ubu Rei e o princípio da omissão como fundamento técnico e sensível. 3.1 Objetivos Específicos 3.1.1. Realizar estudos teóricos sobre os princípios omissão, oposição e dilatação e sobre o conceito de treinamento, segundo a Antropologia Teatral; 3.1.2. Identificar e estudar a estrutura dramatúrgica do texto Ubu Rei, de Alfred Jarry, visando a composição do personagem Pai Ubu; 3.1.3. Investigar e exercitar sistematicamente em laboratórios individuais os princípios omissão, oposição e dilatação como um caminho criativo tanto para o treinamento do ator quanto à criação do personagem Pai Ubu; 3.1.4. Investigar e ampliar o repertório corporal; 3.1.5. Investigar, conceber e compor o personagem Pai Ubu a partir do texto dramático e da utilização dos princípios técnicos treinados em laboratórios individuais, todos à serviço dos procedimentos propostos pela diretora; 3.1.6. Apresentações públicas do espetáculo final; 3.1.7. Produzir um relatório reflexivo final da disciplina de Técnicas de Representação VIII com o desenvolvimento do processo criativo, no segundo semestre de 2012; 3.1.8. Defender o relatório, perante banca examinadora; 3.1.9. Apresentar este projeto em eventos científicos.
  • 9. 9 4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Os procedimentos metodológicos deste Projeto de Iniciação Científica que abrange o tripé Ensino, Pesquisa e Extensão, inclui o processo criativo do personagem Pai Ubu a partir da fusão criativa do texto dramático e relaciona os aspectos teóricos e práticos como diferentes prismas de uma unidade. Portanto esta pesquisa dispõe-se didaticamente a partir de quatro diretrizes interdependentes: 1. Diretriz Teórica – compreende os estudos teóricos sobre os princípios omissão, oposição, dilatação e o conceito de treinamento, apresentados na Antropologia Teatral; abarca ainda o estudo do texto dramático Ubu Rei e do autor Alfred Jarry. 2. Diretriz Prática – contempla a minha pesquisa e trabalho individuais, como por exemplo, o treinamento em laboratório para investigar e sistematizar um treinamento pessoal incluindo os princípios omissão, oposição e dilatação. 3. Diretriz Experimental – engloba a investigação de procedimentos técnicos para ampliar o repertório corporal do ator e para a criação de partituras; abarca ainda o estudo destes procedimentos como forma de fundir, de modo criativo, o trabalho do ator com o texto dramático. Vale lembrar que o desenvolvimento desta diretriz estará predominantemente à serviço das orientações da diretora do espetáculo no qual o personagem Pai Ubu está inserido. 4. Diretriz Reflexiva – descrever e refletir sobre o processo, unindo a diretriz teórica, prática e experimental, visando à formatação de um relatório final de conclusão de curso que será defendido perante banca examinadora, além de apresentar este projeto em eventos científicos.
  • 10. 10 5 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Neste item abordaremos a distinção entre o corpo cotidiano e o corpo extracotidiano, o treinamento do ator como forma de buscar a organicidade e os princípios da omissão, oposição e dilatação que direcionarão o desenvolvimento prático deste projeto. 5.1 Diferenciando o corpo cotidiano do corpo extracotidiano (...) o primeiro e o mais natural objeto técnico, e ao mesmo tempo meio técnico, do homem, é seu corpo. (MAUSS, 2003, p.407) Nascemos todos em uma sociedade, em um ambiente e em uma época específica. No decorrer da infância e da adolescência passamos por um processo de aculturação6, onde são organizados nossos comportamentos físicos e mentais, em função da posição social, profissão e cultura na qual estamos inseridos. Geralmente não temos essa consciência por que nossas ações do dia-a-dia são simplesmente imitadas e habituais, ou seja, comuns ao meio. Segundo o antropólogo francês Marcel Mauss (2003), cada sociedade tem seus hábitos corporais próprios, que variam de acordo com seus costumes, suas conveniências e educações. Vejamos o seguinte exemplo formulado por Mauss: na hora do almoço, as crianças ocidentais, de um modo geral, são ensinadas desde pequenas a sentarem-se em cadeiras dispostas em torno de uma mesa; ao passo em que no Oriente, pelo fato das mesas serem mais baixas, as crianças são condicionadas a sentarem-se no chão no momento das refeições. Para ambos são ações cotidianas e naturais, porém determinadas por culturas distintas entre si e que propõem ao corpo um condicionamento psicofísico cotidiano, específico de cada cultura. Mauss entende como técnicas do corpo as formas pelas quais os homens servem-se de seus corpos a partir da utilização inconsciente das técnicas cotidianas. Partindo deste entendimento sobre o uso do corpo, Barba afirma que a utilização do corpo em estado extracotidiano deve ser substancialmente diferente da maneira 6 Aculturação é o processo de absorção de determinados hábitos e costumes estabelecidos pela cultura do local em que se vive, ou mesmo de culturas diversas, que acabam por direcionar o nosso comportamento e pensamento.
  • 11. 11 como o empregamos no cotidiano. Evidentemente não seria teatro se um ator se comportasse de modo anfêmero quando em situação de representação cênica. A partir deste entendimento sobre o aprendizado corporal, organiza-se uma das funções do treinamento no trabalho do ator, ou seja, buscar conhecer e se desvencilhar dos condicionamentos psicofísicos cotidianos a fim de investigar e descobrir outras possibilidades para o corpo agir e reagir artisticamente de modo cênico. Para tal objetivo, o ator deve desenvolver e ampliar o seu repertório corporal por meio de procedimentos técnicos extracotidianos que sejam o oposto ao natural – ou como Barba chama – que sejam artificiais. Nosso uso social do corpo é necessariamente um produto de uma cultura: o corpo foi aculturado e colonizado. Ele conhece somente os usos e as perspectivas para os quais foi educado. A fim de encontrar outros ele deve distanciar-se de seus modelos. Deve inevitavelmente ser dirigido para uma nova forma de ‘cultura’ e passar por uma nova ‘colonização’. É este caminho que faz com que os atores descubram sua própria vida, sua própria independência e sua própria eloquência física. (BARBA, 1995, p.245) 5.2 O treinamento, segundo a Antropologia Teatral A Antropologia Teatral propõe o estudo do comportamento do ser humano quando ele usa sua presença psicofísica em situação organizada de representação, partindo de certos princípios que são comuns em diferentes formas estilísticas de atuação e que visam superar a conduta cotidiana do ator. Segundo Barba, o exercício de um treinamento é o caminho para conquistar, de forma consciente, o “calor” da organicidade por meio de uma técnica precisa. Em outras palavras, é através da repetição de determinados exercícios que tem por objetivo desenvolver no ator a conscientização dos princípios que podem tornar seu corpo vivo quando em estado de representação (como o equilíbrio precário, a omissão, a oposição, a dilatação, a variação de ritmos e velocidades) e que, posteriormente, com a prática regular, serão apreendidos pelo corpo do ator de forma a proporcionarem-lhe um desenvolvimento singular, permitindo-lhe realizar uma viagem própria e, mais além, fazer com que o espectador acredite em todos os seus sentidos, porque o corpo-mente do ator está afinado e totalmente concentrado na ação.
  • 12. 12 Uma vez que o ator domina o princípio de um exercício, se faz necessário encontrar outros procedimentos técnicos para desenvolver e preservar esses princípios vivos no corpo do ator; e ainda aplicar toda essa energia tanto no momento criativo da improvisação e da representação como na ampliação do seu repertório corporal. Podemos perceber e identificar que os princípios desenvolvidos pela Antropologia Teatral estão presentes em nosso cotidiano, porém de forma inconsciente e não explorada cênica e artisticamente. As crianças ocidentais desenvolvem alguns dos princípios como o equilíbrio, a base, a dilatação do corpo e a oposição do movimento ao praticarem futebol, por exemplo, porém sem terem consciência, pois na visão delas, o futebol é simplesmente um esporte, um jogo e uma brincadeira. Diferente de uma criança oriental que se inicia na prática da técnica dos samurais instruída por um mestre, onde aprende que a técnica pressupõe uma filosofia, que exige um empenho mental, espiritual e a consciência do que faz e para que faz. Há, além do objetivo técnico, um objetivo estético, filosófico, ético e poético. Sobre a importância do treinamento, encontramos equivalência deste pensamento em Peter Brook, quando ele enuncia que: “Entre nós, esse instrumento que é o corpo não se desenvolve tão bem durante a infância como no Oriente. Por isso, o ator ocidental deve compreender que precisa compensar essa deficiência” (BROOK, 2002, p.16). Segundo Barba&Savarese (2005) no treinamento do ator em processo criativo para desenvolver a conscientização dos princípios básicos é preciso antes realizar a diferenciação entre o comportamento cotidiano e o comportamento extracotidiano, ou seja, o que pode ser utilizado em estado cênico e o que não funciona. Vale lembrar que não temos como objetivo pré-determinar os exercícios técnicos a serem realizados, mas sim investigar em laboratório os melhores procedimentos para atingir os objetivos técnicos e sensíveis pretendidos.
  • 13. 13 5.2.1 Omissão Segundo Barba, a omissão baseia-se na supressão de alguns elementos para destacar outros que, deste modo, aparecem como essenciais na ação; e ainda acentuam a presença cênica do ator. Este princípio torna-se evidente quando se eliminam certos elementos visíveis das ações do ator como objetos, acessórios ou instrumentos, tornando, assim, independentes a ação de seu objeto. Posteriormente o ator pode trabalhar a posição ou ação sem seu objeto original e inserir a ação (matriz) em outro contexto, atribuindo a ela outro sentido. Para melhor entendimento, apresentamos o seguinte exemplo, retirado do Dicionário de Antropologia Teatral. À esquerda temos a representação de um pregoeiro público medieval. Quando sua flauta é eliminada, vemos a sua posição independente da ação (dir.), com um novo valor, porém intacta, podendo ser utilizada em uma circunstância completamente diferente. Mas o princípio da omissão também pode ser aplicado no campo energético por meio da absorção das ações. Segundo Barba, este processo consiste na restrição do espaço da ação, ao mesmo tempo em que se conserva a sua energia, ou seja, os movimentos que se utilizam dos membros além da coluna vertebral podem ser absorvidos por ela, conservando a mesma energia do movimento originário, transformando-se em microações de um “corpo quase-imóvel que age” (BARBA, 1994, p.48), ou seja, um corpo que age mais internamente do que em expansão. 5.2.2 Oposição Barba&Savarese (2005) apresentam o princípio da oposição como a possibilidade de construir tensões de forças contrapostas no corpo. Se o ator inicia um movimento pelo seu oposto, sua ação poderá tornar-se mais perceptível e,
  • 14. 14 assim, guiar a atenção do espectador por meio de um efeito surpresa proporcionado pela sua mudança de direção; ou ainda, a ação poderá ser acentuada através da antecipação do movimento. Fonte: A Arte Secreta do ator, p. 176 Mas pode-se ainda desenvolver o princípio da oposição em uma postura “estática” ou em sequências de movimentos, a partir da conscientização do ator da existência de vetores opostos que geram força interna em seu corpo. Para colaborar com a compreensão desta ideia, em desenvolvimento no presente projeto, segue um exemplo prático, partindo de um registro fotográfico de um laboratório individual. Na primeira imagem vemos o ator tentando pegar o tecido em um exercício de dinâmicas com objetos; na segunda imagem percebemos que o tecido foi omitido, tornando a ação independente da ação geradora com o objeto, possibilitando dar a ela (ação) um novo sentido (o ator nomeou essa posição como súplica). Na última
  • 15. 15 ilustração, podemos observar que mesmo parado, o ator trabalha a oposição por meio dos vetores opostos de forças internas em seu corpo (setas vermelhas): ao passo em que uma força interna é gerada para cima, através da imagem de tentar alcançar o tecido, o ato de encaixar os ombros gera uma força para baixo; e enquanto o pé direito empurra todo o corpo para cima, o esquerdo é puxado para baixo por uma força que sai pelo calcanhar. Desta forma, o ator tem quatro possibilidades de iniciar um movimento partindo da posição apresentada: bastaria permitir que um dos vetores de força se sobressaísse em relação aos outros, ou ainda, que um novo vetor interno seja criado para impulsionar outra ação ou deslocamento. 5.2.3 Dilatação Os princípios apresentados pela Antropologia Teatral frequentemente acontecem no âmbito do comportamento cotidiano; a diferença nas técnicas extracotidianas está no grau de dilatação destes princípios. O ator deve encontrar procedimentos que o levem a obter esse corpo dilatado, que como Barba define, “(...) é acima de tudo um corpo incandescente, no sentido científico do termo: as partículas que compõe o comportamento cotidiano foram excitadas e produzem mais energia, sofreram um incremento de movimento, separam-se mais, atraem-se e opõe-se com mais força, num espaço mais amplo ou reduzido”. (BARBA&SAVARESE, 1995, p.54). O principal procedimento a ser trabalhado nesta pesquisa visando à dilatação do corpo é o próprio princípio da oposição, mas também se pretende investigar, em laboratório prático, outros procedimentos técnicos e também sensíveis que, posteriormente, assim como a oposição, serão omitidos em função da concepção do personagem.
  • 16. 16 5.3 Autor e obra Aos quatorze anos, em um exercício de genialidade, Jarry escreveu sua primeira obra dramatúrgica, intitulando-a como Ubu Rei ou Os Poloneses7. Esta, de caráter satírico e linguajar neologista, mostra-se aparentemente despretensiosa, sem deixar que transpareça de imediato seu forte potencial crítico a um período fundamental para a história francesa: o Absolutismo. Na França, a centralização do poder monárquico foi promovida pelo amplamente conhecido “Rei Sol”, o rei Luís XIV, tendo ele durado no poder dentre os anos 1643 e 1715. Além de “Rei Sol”, a Luís XIV foi atribuída a ilustre frase “o Estado sou eu”, pois, diferentemente de seus antecessores, Luís XIV dispensou a função do primeiro-ministro, abafando também a voz dos parlamentares e dos Estados Gerais. Retornando os olhos à peça de Jarry, escrita cerca de dois séculos após, observamos as mesmas ações vinculadas ao personagem central, Pai Ubu. Este que, por sua vez, leva suas imposições às últimas consequências, evidenciando-se assim, a inescapável desestruturação de um reino, no caso fictício, do reino polonês. Dessa maneira, Jarry propõe uma reviravolta em sua trama, ao utilizar-se de um 7 Sinopse: Influenciado por Mãe Ubu, o conde Pai Ubu reúne-se com o Capitão Bordadura e sua tropa em uma missão conspiradora que provoca a queda do Rei da Polônia, Venceslau. Assim, matam a família real restando somente um dos filhos, Bugrelau que, por sua vez, recebe a aparição mágica de um ancestral com uma espada sagrada para retomar seu trono das mãos do novo Rei, Pai Ubu. O novo tripé do poder, composto por Pai e Mãe Ubu e pelo Capitão Bordadura, realiza peripécias absurdamente ilógicas, gastos irrecuperáveis em banquetes e orgias, mortes e cortes desnecessários. Como exemplo, o novo rei entrega ouro de graça ao povo para que pague seus impostos. Lança uma disputa pelo ouro somente para se divertir assistindo aos pobres homens se matarem para consegui-lo. Aliás, realiza uma chacina de nobres para tomar todas as suas posses e decide legislar sozinho, iniciando por uma reforma na Justiça. Todos os que se opõem às impostas vontades de Pai Ubu, são jogados no alçapão, juízes, magistrados, financistas, entre outros. No entanto, os dias de glória dos Ubu passam a ser contados quando o Imperador da Rússia Alexis exige ao Capitão Bordadura que saia em missão para destroná- los. Então, mais uma vez influenciado por Mãe Ubu, Pai Ubu decreta guerra aos inimigos da Polônia, ou seja, aos seus próprios inimigos, os russos. Parte, assim, rumo à luta, deixando o poder nas mãos dela que, consegue fugir da revolta de Bugrelau e sua tropa atacando-a em Varsóvia. Enquanto isso, Ubu e o exército polonês em marcha pela Ucrânia avistam o exército russo e escondem-se em um moinho. Ao serem encontrados, inicia-se uma árdua e engraçadíssima batalha, na qual passam a ser perseguidos até que, Ubu, Pila e Cotica escondem-se em uma caverna. De repente, surge um urso e o escândalo de Ubu torna a situação ainda mais cômica. Mas os soldados, com muita dificuldade, eliminam o animal. Os dois soldados escapam da caverna durante o profundo sono de Ubu. Eis que, subitamente, surge nesse local a oportunista Mãe Ubu. Esta se finge de urso, objetivando convencer seu marido, com artifícios sobrenaturais, a perdoar seus furtos. Quando ele percebe a farsa, “ele a rasga”, literalmente, mas ela ainda vive. Entram, nesse momento, Bugrelau e companhia, provocando enorme confusão que, com extrema ironia, facilita a fuga do casal Ubu. Na última cena, Ubu e seu bando navegam no Mar Báltico rumo à França e à Espanha (felizes para sempre).
  • 17. 17 recurso cênico inaugurado por Shakespeare 8. Recurso este que, em Ubu Rei, configura-se pela aparição fantástica de um ancestral real diante do jovem príncipe Bugrelau, incentivando-o a retomar o trono roubado, vingando também a morte de seu nobre pai, Venceslau. Além dessa citação shakespeariana, observamos também a forte influência da personagem Mãe Ubu para concretização do golpe de estado realizado por Pai Ubu. Esta influência faz referência a outro texto do dramaturgo inglês, Macbeth9. No entanto, não há de fato um desenvolvimento similar, uma vez que Lady Macbeth atinge profundo estado de loucura, enquanto que, Mãe Ubu simplesmente delicia-se com o upgrade de seu status social e, quando perseguida, consegue partir em fuga levando consigo o ouro real roubado. Ao buscarmos observar os aspectos ideológicos da trama de Ubu, nos deparamos com um reflexo exagerado de nossa sociedade e cultura ocidental, algo maior que uma caricatura. Sua linguagem é utilizada como veículo destruidor e sardônico que, através da lúdica figura de Pai Ubu, apresenta a encarnação do poder, retrato irônico e grotesco dos vencedores. Uma imagem fiel do monstro que domina os homens, por ter perdido, em parte, a sua humanidade. Diz-se em parte, pois não há como negar a presença de um conflito interno nesse personagem: a constante luta entre a coragem e a covardia, aspecto este que nos aproxima e, até mesmo, nos identifica com ele, tornando-o assim, uma pintura caricatural, grosseira, rude e primária, mas perfeitamente verossímil. Esse monstro que, em 1896 poderia parecer exagerado até mesmo na ficção, foi superado de longe pela realidade dos anos que seguiram 1945, com a aparição de diversos pais ubus ao redor do mundo, tais como os ditadores Hitler10, Mussolini11, Cháves12 e Hussein13. Em função desses elementos de releitura, a comédia de Jarry assume, de fato, um caráter de paródia política, altamente fortalecido pelas inúmeras soluções 8 Shakespeare (Inglaterra: 1564-1616) escreveu, entre os anos de 1599 e 1601, a tragédia chamada Hamlet, na qual um príncipe dinamarquês tenta vingar a morte de seu pai e retomar o poder, incentivado pelo fantasma ou espectro do mesmo. 9 Escrita aproximadamente entre 1603 e 1607, essa tragédia inglesa apresenta o poder feminino como um fator determinante para a tomada de um reino. No entanto, as consequências deste golpe retornam contra os assassinos na forma de revolta armada, mortes e assombrações psíquicas. 10 Alemanha. 11 Itália. 12 Venezuela. 13 Iraque.
  • 18. 18 patafísicas14 que o autor propõe. Dessa maneira, ela é considerada precursora de um teatro inovador, no qual as convenções teatrais são refeitas de modo a desestruturar o enredo dos padrões até então familiarizados pelo público vigente. 14 Criada por Jarry, a patafísica é uma ciência na qual fica estabelecido que todo e qualquer problema torna-se passível de resolução através do redimensionamento do significado da palavra.
  • 20. 20 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARBA, Eugenio. A Canoa de Papel. SP: Hucitec, 1994. Reeditado pela Ed. Dulcina, Brasília, em 2009. ______________. A Arte Secreta do Ator. São Paulo: Hucitec, 1995. Edição com Nicola Savarese. ______________. Queimar a casa. São Paulo: Perspectiva, 2010. BARTHES, Roland. A câmara clara. Trad. Júlio Castañon Guimarães. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. BONFITTO, Matteo. O Ator Compositor. São Paulo: Perspectiva, 2007. BROOK, Peter. A Porta Aberta. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. ESSLIN, Martin. O Teatro do Absurdo. Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1968. JARRY, Alfred. Ubu Rei ou Os Poloneses. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1972. MAUSS, Marcel. Sociologia e Antropologia. São Paulo: Cosac Naify, 2003 PAVIS, Patrice. Dicionário de teatro. São Paulo: Perspectiva, 1999. STANISLÁVSKI, Konstantin. Manual do Ator. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. Revisão da tradução de João Azenha Jr. São Paulo: Martins Fontes, 2002.