Stf libera circulação de revista que liga cid gomes ao 'petrolão'José Ripardo
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso atendeu pedido da editora responsável pela publicação da IstoÉ e liberou a circulação da revista que cita o governador do Ceará, Cid Gomes (PROS), em reportagem sobre a Operação Lava Jato.
A Justiça de Fortaleza (CE) havia proibido na última segunda-feira, 15, a circulação da revista ou de publicação da editora que contivesse "qualquer notícia relacionada" a Cid em relação ao depoimento do ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto da Costa ou ainda "qualquer outro fato que diga respeito à operação Lava Jato". A pena imposta pela justiça do Ceará era de R$ 5 milhões de multa diária.
A edição da revista IstoÉ ampliou a lista dos citados por Costa na delação premiada. De acordo com a publicação, o governador Cid Gomes é apontado como dos envolvidos no suposto esquema de pagamento de propinas oriundas de contratos da estatal.
Na decisão liminar proferida nesta quarta-feira, Barroso considera que a justiça de Fortaleza "impôs censura prévia a uma publicação jornalística em situação que não admite esse tipo de providência". A análise do ministro é de que a solução adequada para o caso é permitir a divulgação da notícia, podendo Cid Gomes, posteriormente, pleitear algum tipo de reparação na Justiça caso se sinta prejudicado.
Apesar da liberação do STF, a do cantor continua proibida
Logo que entramos na sala, o juiz foi nos advertindo da gravidade da situação. (...) “A editora pode até vir a ser fechada”, ameaçou o juiz sem meias palavras. “Fechar à editora? Como assim?” (...). “Sim, a editora pode ser fechada porque é muito grave no Brasil publicar uma biografia não autorizada”, enfatizou o magistrado, para espanto do executivo argentino. (...) O juiz respondeu com certa impaciência: “Não adianta, a situação de vocês é muito difícil”, e em seguida indagou: “Paulo Cesar, quantos anos você tem?” (...). “Pois, então, vocês vão querer carregar durante cinco anos uma queixa-crime nas costas? Perder a condição de réus primários? Isso vai trazer uma série de aborrecimentos para a vida de vocês. Vamos selar um acordo com o artista biografado (...)”. Surpreendido com a atitude do juiz ponderei que estava aberto a um acordo desde que não atingisse a integridade da obra. “Mas ele não quer essa biografia. Acabei de conversa com o artista e ele está muito aborrecido com isso e não aceita nenhuma proposta que não seja a retirada de circulação do livro.”
ninguém protestou e, e então mais uma vez me levantei e fui o meu próprio advogado. “Excelência por favor, isso também não pode constar do acordo”. (...) Confesso que já não tinha mais argumentos para retrucar, e novamente ninguém veio em minha defesa. (...) “É que eu não quero mais ter problemas com ele, não quero mais ter que discutir se ele está invadindo ou não a minha privacidade”. Com essa frase, o autor de “Jesus Cristo” manifestou a sua vontade de se livrar definitivamente de mim. Isso me incomodou muito na hora, e reagi: Eu sou um homem sério, um pesquisador e historiador da música brasileira. (...) Eu fiz este livro com tanto amor e carinho que o dediquei á minha filha Amanda, de cinco anos. E será lamentável essa biografia não mais existir quando ela crescer. Disse dessa última frase desatei a chorar, ali na cadeira, com a mão direita sobre o rosto. Acho que as lágrimas já estavam presas havia muito tempo, porque chorei compulsivamente. (...) É possível que, eu estivesse ali com algum amigo – como desejei levar – ou com um advogado próprio – que fui aconselhado a contratar –-, naquele momento eles tivessem me retirado da sala a audiência tivesse (ARAÚJO, 2014, p.299-323)
Stf libera circulação de revista que liga cid gomes ao 'petrolão'José Ripardo
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso atendeu pedido da editora responsável pela publicação da IstoÉ e liberou a circulação da revista que cita o governador do Ceará, Cid Gomes (PROS), em reportagem sobre a Operação Lava Jato.
A Justiça de Fortaleza (CE) havia proibido na última segunda-feira, 15, a circulação da revista ou de publicação da editora que contivesse "qualquer notícia relacionada" a Cid em relação ao depoimento do ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto da Costa ou ainda "qualquer outro fato que diga respeito à operação Lava Jato". A pena imposta pela justiça do Ceará era de R$ 5 milhões de multa diária.
A edição da revista IstoÉ ampliou a lista dos citados por Costa na delação premiada. De acordo com a publicação, o governador Cid Gomes é apontado como dos envolvidos no suposto esquema de pagamento de propinas oriundas de contratos da estatal.
Na decisão liminar proferida nesta quarta-feira, Barroso considera que a justiça de Fortaleza "impôs censura prévia a uma publicação jornalística em situação que não admite esse tipo de providência". A análise do ministro é de que a solução adequada para o caso é permitir a divulgação da notícia, podendo Cid Gomes, posteriormente, pleitear algum tipo de reparação na Justiça caso se sinta prejudicado.
Apesar da liberação do STF, a do cantor continua proibida
Logo que entramos na sala, o juiz foi nos advertindo da gravidade da situação. (...) “A editora pode até vir a ser fechada”, ameaçou o juiz sem meias palavras. “Fechar à editora? Como assim?” (...). “Sim, a editora pode ser fechada porque é muito grave no Brasil publicar uma biografia não autorizada”, enfatizou o magistrado, para espanto do executivo argentino. (...) O juiz respondeu com certa impaciência: “Não adianta, a situação de vocês é muito difícil”, e em seguida indagou: “Paulo Cesar, quantos anos você tem?” (...). “Pois, então, vocês vão querer carregar durante cinco anos uma queixa-crime nas costas? Perder a condição de réus primários? Isso vai trazer uma série de aborrecimentos para a vida de vocês. Vamos selar um acordo com o artista biografado (...)”. Surpreendido com a atitude do juiz ponderei que estava aberto a um acordo desde que não atingisse a integridade da obra. “Mas ele não quer essa biografia. Acabei de conversa com o artista e ele está muito aborrecido com isso e não aceita nenhuma proposta que não seja a retirada de circulação do livro.”
ninguém protestou e, e então mais uma vez me levantei e fui o meu próprio advogado. “Excelência por favor, isso também não pode constar do acordo”. (...) Confesso que já não tinha mais argumentos para retrucar, e novamente ninguém veio em minha defesa. (...) “É que eu não quero mais ter problemas com ele, não quero mais ter que discutir se ele está invadindo ou não a minha privacidade”. Com essa frase, o autor de “Jesus Cristo” manifestou a sua vontade de se livrar definitivamente de mim. Isso me incomodou muito na hora, e reagi: Eu sou um homem sério, um pesquisador e historiador da música brasileira. (...) Eu fiz este livro com tanto amor e carinho que o dediquei á minha filha Amanda, de cinco anos. E será lamentável essa biografia não mais existir quando ela crescer. Disse dessa última frase desatei a chorar, ali na cadeira, com a mão direita sobre o rosto. Acho que as lágrimas já estavam presas havia muito tempo, porque chorei compulsivamente. (...) É possível que, eu estivesse ali com algum amigo – como desejei levar – ou com um advogado próprio – que fui aconselhado a contratar –-, naquele momento eles tivessem me retirado da sala a audiência tivesse (ARAÚJO, 2014, p.299-323)
Os donos da palavra: da censura judicial da arte à ineficácia da Justiça tardia
1. 1
Os donos da palavra: da censura judicial da arte à
ineficácia da Justiça tardia
Perguntei a um homem o que era o Direito.
Ele me respondeu que era a garantia do exercício
da possibilidade. Este homem chama-se Gali
Mathias. Comi-o. Manifesto Antropófago, Oswald
de Andrade
No ano de 2011, o artista visual Vicente Pessôa1 converteu em
linguagem simbólica a escolha do Rio de Janeiro como cidade sede dos Jogos
Olímpicos do ano de 2016, tendo produzido uma série de nove imagens em
forma de estampas postais, denominadas como “selos comemorativos”, nos
quais representou, parodiando práticas esportivas, atos de violência.
Conforme as palavras do próprio artista, seu objetivo foi demonstrar
“a contradição entre a euforia recente pela escolha do Rio de Janeiro para sede
dos Jogos Olímpicos e o patético dos eventos relatados diariamente ao longo
das últimas décadas, o que fez com que esta cidade passasse a ser conhecida
internacionalmente pela violência e domínio do narcotráfico”.
1 https://www.vicentepessoa.com/
2. 2
Valendo-se da serigrafia como forma de expressão e reprodução da
sua arte estampou numa camiseta a logomarca que estava presente em
todos os selos e colocou à venda pela internet no site Motejo, marca que
tinha criado, tendo em poucos dias sido surpreendido com uma notificação
do Comitê Olímpico para que cessasse a comercialização, sendo acusado,
dentre outras, de estar denegrindo a marca “Rio 2016”.
O Comitê Olímpico foi incapaz de se atentar para o fato de que o
próprio Estado lhe entregou o “Rio de Janeiro” como marca já denegrida por
décadas de má administração. Não foi obra da arte que a cidade deixou de
ser maravilhosa e o estado se tornou o único da federação que a Secretaria
de Segurança pública atualmente se encontra sob intervenção federal.
Ademais, as associações do Rio de Janeiro às notícias que envolvem
esportes olímpicos foram de pouca duração, de menor relevância e em
volume muito menor do que àquelas que envolvem armas, munições, facas,
granadas e até mesmo artilharia antiaérea, utilizada com sucesso para
abater helicópteros.
3. 3
Por acreditar que sua forma de expressão artística não feria nenhum
direito do Comitê Olímpico, Vicente virou réu num processo judicial,
ajuizado no dia 15/10/2012.
Com a grande eficiência do Poder Judiciário, cinco dias depois
(20/10/2012), um Oficial de Justiça bateu na sua porta para lhe entregar
uma liminar contendo a proibição de venda das camisetas, “sob pena de
multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) limitada ao valor máximo de
R$ 100.000,00 (cem mil reais)”, cem vezes mais do que costumeiramente se
vê sendo aplicada contra as grandes companhias por desrespeito aos
direitos do consumidor.
De acordo com interpretação dada pelo juiz ao art. 6º, inc. II da Lei do
Ato Olímpico2, "a expressão Rio 2016 e a quase totalidade das expressões e
significantes daí decorrentes - somente poder ser utilizada, mediante
autorização" do Comitê Olímpico.
Noutras palavras, o Comitê Olímpico seria o detentor de poderes
ilimitados sobre todas as variações possíveis de algumas palavras e
números, em quaisquer línguas. Foi reconhecida a possibilidade de
privatizar palavras.
Parece-nos que somente no Brasil foi aprovada uma lei com um
dispositivo deste tipo. Apesar da London Olympic Games and Paralympic
Games Act3 (Lei do Ato Olímpico para as Olimpíadas de Londres que ocorreu
em 2012) proteger diversas expressões, em seu item 8.1.c do anexo 4 consta
2 BRASIL. Lei nº 12.035, de 1º de outubro de 2009, que instituiu em nosso país o Ato Olímpico. Art.
6º As autoridades federais, no âmbito de suas atribuições legais, deverão atuar no controle,
fiscalização e repressão de atos ilícitos que infrinjam os direitos sobre os símbolos relacionados aos
Jogos Rio 2016. Parágrafo único. Para os fins desta Lei, a expressão “símbolos relacionados aos
Jogos 2016” refere-se a: (...) II - as denominações “Jogos Olímpicos”, “Jogos Paraolímpicos”, “Jogos
Olímpicos Rio 2016”, “Jogos Paraolímpicos Rio 2016”, “XXXI Jogos Olímpicos”, “Rio 2016”, “Rio
Olimpíadas”, “Rio Olimpíadas 2016”, “Rio Paraolimpíadas”, “Rio Paraolimpíadas 2016” e demais
abreviações e variações e ainda aquelas igualmente relacionadas que, porventura, venham a ser
criadas dentro dos mesmos objetivos, em qualquer idioma, inclusive aquelas de domínio eletrônico
em sítios da internet;
3 The London Olympics association right is not infringed by the use of a representation— (…) as an
incidental inclusion in a literary work, dramatic work, artistic work, sound recording, film or
broadcast, within the meaning of Part I of the Copyright, Designs and Patents Act 1988 (c. 48)
(copyright), Tradução livre feita pelo autor. Texto original da lei disponível em:
http://www.legislation.gov.uk/ukpga/2006/12/schedule/4
4. 4
expressamente que os direitos de associação dos Jogos Olímpicos de
Londres não são violados pelo uso de uma representação se estes forem
incluídos de forma incidental num trabalho literário, dramático, artístico.
Em defesa de Vicente, lembramos que se prevalecesse tal
entendimento, a P&G (Procter & Gamble Company) passaria a ter
legitimidade para censurar no Brasil o uso da palavra gilete como adjetivo
ou mesmo poderia exigir o pagamento de royalties se fosse empregada em
alguma publicação. Gilete, como sabido, é um tabuísmo para indicar um
indivíduo bissexual, o que, em tese, pode denegrir uma marca que se destina
a todo tipo de público.
E se a Apple Inc. fosse titular de irrestritos direitos sobre a palavra
“maçã”, a cosmogonia judaico-cristã deveria ser alterada para que o fruto
proibido passasse a ser, por exemplo, uma goiaba.
Movimentos que pregam a deglutição cultural, tais como o Armorial
Antropofagismo, Tropicalismo e a Pop Art jamais teriam existido, com
prejuízos à cultura contemporânea. Aliás, a paródia, que é garantida por lei4,
passaria a ser proibida e profissões como chargistas se tornariam ilícitas.
Não há como reservar direitos sobre tal expressão, pois “Rio” é uma
palavra polissêmica e, sendo ao mesmo tempo substantivo próprio,
substantivo comum e verbo — como na frase “eu rio de 2016” - estaria se
proibindo a primeira pessoa do singular de achar graça de um ano
específico.
E se houve algo para rir no ano de 2016, não foram as Olimpíadas, que
deixou como legado apenas mais obras superfaturadas. Vicente passou o
evento amordaçado. A boa razão5 prevaleceu apenas depois de seis anos de
tramitação processual, dois anos depois dos jogos.
4 BRASIL. Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998). Art. 47. São livres as
paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária nem lhe
implicarem descrédito.
5 A Lei da Boa Razão, datada de 18 de agosto de 1769, previa expressamente o apenamento
daqueles que se valiam de interpretações maldosas e enganosas nos processos judiciais.
5. 5
Na sentença publicada em 16/08/2018, a juíza, diversa daquele que
concedeu a liminar proibindo a venda das camisetas, considerou que Vicente
“procurava uma forma de expressão artística de protesto e de gosto duvidoso,
mas claramente dentro do exercício de liberdade de expressão bem
imaterial protegido pela nossa ordem constitucional”. E que “por se tratar de
uma manifestação autoral, artesanal a venda da obra de arte não poderia
configurar comercialização de produto contrafeito”. O Comitê Olímpico nem
coragem teve de apresentar recurso.
Ainda que o artista tenha sido absolvido, a censura de que foi vítima
não há como ser desfeita. Os jogos passaram e a Justiça não tem como fazer o
tempo retroceder. A crítica em forma de arte perdeu a importância.
Sobraram as poucas camisas produzidas que hoje cheiram a mofo e estão a
amarelar-se, assim como os papéis do processo, que um dia serão
incinerados, sem deixar qualquer lembrança. E para que possa ser
perpetuada a memória de tal censura ocorrida em pleno o Séc. XXI, o inteiro
teor do processo foi fotografado e disponibilizado para consulta no
Archive.org6.
Texto de autoria do advogado Alex Guedes dos Anjos – OAB-MG 94.467 –
que cuidou da defesa de Vicente Pêssoa.
6 Disponível em https://archive.org/details/ProcessoRio2016Completo