Este poema narra o episódio bíblico da mulher adúltera. Jesus impede que a mulher seja apedrejada, escrevendo no chão. Ele perdoa a mulher e diz para ela ir em paz e não pecar mais. O poema mostra como Jesus representa a compaixão contra a dureza dos que queriam punir a mulher.
2. Puseram a mulher no
meio e eles em volta,
pedras, na mão,
pedras no olhar
e o coração de pedra...
3. Ela, encolhida, morta de vergonha,
antecipa tremendo a primeira pedrada,
pensando se será na testa ou se no
rosto...
no rosto de que sempre ela cuidou
com tanta vaidade e com tanto esmero
para ofertar aos beijos do pecado...
4. Ah, que adiantam agora e de que servem
pétalas de flor do prazer proibido
que se vão transformar, brevemente, em
pedradas?
Mas por que não começam logo a cena
hedionda
em que adúlteros ferem uma adúltera
em nome da pureza, em nome de Moisés
e até em nome de Deus?...
5. É que foram buscar Jesus para assistir
como se faz justiça a uma pecadora.
O mestre chega e, então,
um astuto judeu de longas barbas,
olhar parado e penetrante de serpente,
com perfídias na voz, pergunta sorrateiro:
6. "Que dizes, Mestre? Esta mulher foi
presa,
ainda há pouco, em flagrante
adultério!
Moisés, o nosso pai,
ordenou que essa laia fosse
apedrejada".
Brilha um sorriso mau em todos os
semblantes...
está pronta a armadilha:
7. Se ele recomendar perdão para a infeliz,
agirá contra a lei das escrituras,
contra a lei de Moisés;
se Ele mandar, porém, que a lei se cumpra,
as pedras voarão sobre a mulher
e Ele vai fracassar diante do povo,
vai perder sua fama de bondade,
tornando-se o advogado das pedradas
o mesmo que se diz Paladino do amor!
8. E agora "Seu Jesus"?... Sai dessa se
puder!
Puseram-te a perder entre a pedra e a
mulher!
Jesus não se perturba. Inclina-se até o
chão
e começa a escrever com o dedo sobre a
areia...
Quem sabe o que escreveu?... Talvez
revelações
dos pecados de todos os presentes:
9. talvez deixasse em letras, sobre a
areia,
a maldade interior dos que ali
desejavam
lavar, com mão impura, uma
impureza alheia!
10. O certo é que ao lerem as palavras
riscadas sobre o solo,
das mãos as pedras vão caindo
inofensivas,
pingando reticências de vergonha
no incômodo silêncio que se fez...
E, de cabeça, a partir dos mais velhos,
vão todos se afastando do local
e só fica Jesus diante da mulher,
e só fica a inocência em face da impureza
e só fica o pecado em face do perdão.
11. Cristo não faz "sermão", não diz:
"Olha em que deu a falta de vergonha! Afinal
que lucraste no teu breve pecado? O prazer
dura pouco,
mas é longo o remorso!
Então, valeu a pena?"
Não diz isso porque seria uma pedrada
e não tem pedra alguma o coração de Deus!
12. Ele olhou a mulher com bondade e lhe
disse:
"Mulher, pobre mulher,
onde é que estão agora os que te
ameaçavam?
Ninguém te condenou?"
"Ninguém, Senhor", diz ela,
arrancando uma voz quase inaudível
do fundo da vergonha e do
arrependimento...
"Pois nem eu te condeno! Agora vai em paz.
Volta ao teu lar, mas nunca, nunca peques
mais!"
13. Assim se desmontou uma armadilha
e ficou, para sempre, comprovado
que o coração de Deus é feito de ternura
e o coração humano é, às vezes, pedra
dura!