2. Nunca esqueci de uma senhora que, ao
responder por quanto tempo pretendia
trabalhar, respondeu com toda a
convicção: “Até os 100 anos”.
O repórter, provocador, insistiu:
“E depois?”.
“Ué, depois vou aproveitar a vida”.
3. É de se comemorar que as pessoas aparentem
ter menos idade do que realmente têm e que
mantenham a vitalidade e o bom humor intactos
– os dois grandes elixires da juventude.
No entanto, cedo ou tarde (cada vez mais
tarde, aleluia), envelheceremos todos.
Não escondo que isso me amedronta um pouco.
4. Ainda não cheguei perto da terceira idade,
mas chegarei, e às vezes me angustio por
antecipação com a dor inevitável de um dia
ter que contrapor meu eu de dentro com
meu eu de fora.
5. Rugas, tudo bem.
Velhice não é isso, conheço gente enrugada
que está saindo da faculdade.
A velhice tem armadilhas bem mais
elaboradas do que vincos em torno dos olhos.
Ela pressupõe uma desaceleração gradativa:
descer escadas de forma mais cautelosa, ser
traída pela memória com mais regularidade,
6. ter o corpo mais flácido, menos frescor
nos gestos, os órgãos internos não
respondendo com tanta presteza,
o fôlego faltando por causa de uma
ladeira à toa, ainda que isso nem sempre
se cumpra: há muitos homens e mulheres
que além de um ótimo aspecto, mantêm
uma saúde de pugilista.
7. A comparação com os pugilistas não é de
todo absurda: é de briga mesmo que
estamos falando.
A briga contra o olhar do outro.
8. Muitos se queixam da pior das
invisibilidades:
“Não me olham mais com desejo”.
Ouvi uma mulher belíssima dizer isso num
programa de tevê, e eu pensei: não pode
ser por causa da embalagem, que é tão
charmosa.
9. Deve estar lhe faltando ousadia,
agilidade de pensamento, a mesma gana
de viver que tinha aos 30 ou 40.
Ela deve estar se boicotando de alguma
forma, porque só cuidar da embalagem
não adianta, o produto interno é que
precisa seguir na validade.
10. Quem viu o filme “Fatal” deve lembrar
do professor sessentão, vivido por Ben
Kingsley, que se apaixona por uma linda e
jovem aluna (Penélope Cruz) e passa a
ter com ela um envolvimento que lhe
serve como tubo de oxigênio e ao mesmo
tempo o faz confrontar-se com a própria
finitude.
11. No livro que deu origem ao filme (O Animal
Agonizante, de Philip Roth), há uma frase que
resume essa comovente ansiedade de vida:
“Nada se aquieta, por mais que a gente
envelheça”.
12. Essa é a ardileza da passagem do tempo:
ela não te sossega por dentro da mesma
forma que te desgasta por fora.
O corpo decai com mais ligeireza que o
espírito, que, ao contrário, costuma
rejuvenescer quando a maturidade se
estabelece.
13. Como compensar as perdas inevitáveis que a
idade traz? Usando a cabeça: em vez de
lutarmos para não envelhecer, devemos lutar
para não emburrecer.
Seguir trabalhando, viajando, lendo, se
relacionando, se interessando e se renovando.
Porque se emburrecermos, aí sim,
não restará mais nada.
14. FORMATAÇÃO: Mima (Wilma) Badan
mimabadan@yahoo.com.br
Texto publicado no jornal ZERO HORA em 03/05/2009
MÚSICA: My way
Interpretação: Frank Sinatra
IMAGENS: Retrato de Cora Coralina
(Repasse com os devidos créditos)
www.mimabadan.blogspot.com
www.slideshare.net/mimabadan