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A DOENÇA DO FABRÍCIO

Artur Azevedo


O Fabrício era amanuense numa repartição pública, e gostava muito da
Zizinha, filha única do Major Sepúlveda.


O seu desejo era casar-se com ela, mas para isso era preciso ser promovido
porque os vencimentos de amanuense não davam para sustentar família.
Portanto, o Fabrício limitava-se à posição de namorado, esperando ansioso o
momento em que pudesse ter a de noivo.


Um dia, o rapaz recebeu uma carta de Zizinha, participando-lhe que o pai, o
Major Sepúlveda, resolvera passar um mês em Caxambu, com a família, e
pedindo-lhe que também fosse, pois ela não teria forças para viver tão longe
dele.


Sorriu ao amanuense a idéia de ficar uma temporada em Caxambu,
hospedado no mesmo hotel que Zizinha. Sendo como era, moço econômico,
tinha de parte os recursos necessários para as despesas da viagem; faltava-
lhe apenas a licença, mas com certeza o ministro não lha negaria.


Enganava-se o pobre namorado. O ministro, a quem ele se dirigiu
pessoalmente, perguntou-lhe de carão fechado:


- Para que quer o senhor dois meses de licença?


- Para tratar-me.


- Mas o senhor não está doente!


- Estou, sim, senhor; não parece, mas estou.
Nesse caso submeta-se à inspeção de saúde e traga-me o laudo. Só lhe darei
a licença sob essa condição.


Três dias depois o Fabrício, metido numa capa, com lenço de seda atado em
volta do pescoço, a barba por fazer, algodão nos ouvidos, foi à Diretoria Geral
de Saúde.


O seu aspecto era tão doentio que o doutor encarregado de examiná-lo disse
logo que o viu:


- Aqui está um que não engana: vê-se que está realmente enfermo!


E dirigindo-se ao Fabrício:


- Que sente o senhor?


O Fabrício respondeu com uma voz arrastada e chorosa:


- Sinto muitas coisas, doutor; dores pelo corpo, cansaço, ferroadas no
estômago, opressão no peito.


- Vamos lá ver isso! Dispa o casaco!


O Fabrício pôs-se em mangas de camisa, e o médico auscultou-o.


- Não tem tosse?


- Tenho, mas só à noite; não me deixa dormir.


- Bom. Pode vestir o casaco.


E o doutor foi escrever o laudo, que entregou ao amanuense. Este na rua
desdobrou o papel, para ver que espécie de doença lhe arranjara o médico e
leu: "Cardialgia sintomática da diátese artrítica."
Não imaginem o efeito que lhe produziram essas palavras enigmáticas para
ele.


- E não é que eu estou mesmo doente? - pensou o pobre rapaz.


Ao chegar a casa, tinha as fontes a estalar. Vieram depois arrepios de frio, a
que sucedeu uma febre violenta e febre foi ela, que durou vinte dias.


O enfermo teve alta justamente quando Zizinha voltava de Caxambu com um
noivo arranjado lá.


Maldita cardialgia sintomática da diátese artrítica.

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  • 1. A DOENÇA DO FABRÍCIO Artur Azevedo O Fabrício era amanuense numa repartição pública, e gostava muito da Zizinha, filha única do Major Sepúlveda. O seu desejo era casar-se com ela, mas para isso era preciso ser promovido porque os vencimentos de amanuense não davam para sustentar família. Portanto, o Fabrício limitava-se à posição de namorado, esperando ansioso o momento em que pudesse ter a de noivo. Um dia, o rapaz recebeu uma carta de Zizinha, participando-lhe que o pai, o Major Sepúlveda, resolvera passar um mês em Caxambu, com a família, e pedindo-lhe que também fosse, pois ela não teria forças para viver tão longe dele. Sorriu ao amanuense a idéia de ficar uma temporada em Caxambu, hospedado no mesmo hotel que Zizinha. Sendo como era, moço econômico, tinha de parte os recursos necessários para as despesas da viagem; faltava- lhe apenas a licença, mas com certeza o ministro não lha negaria. Enganava-se o pobre namorado. O ministro, a quem ele se dirigiu pessoalmente, perguntou-lhe de carão fechado: - Para que quer o senhor dois meses de licença? - Para tratar-me. - Mas o senhor não está doente! - Estou, sim, senhor; não parece, mas estou.
  • 2. Nesse caso submeta-se à inspeção de saúde e traga-me o laudo. Só lhe darei a licença sob essa condição. Três dias depois o Fabrício, metido numa capa, com lenço de seda atado em volta do pescoço, a barba por fazer, algodão nos ouvidos, foi à Diretoria Geral de Saúde. O seu aspecto era tão doentio que o doutor encarregado de examiná-lo disse logo que o viu: - Aqui está um que não engana: vê-se que está realmente enfermo! E dirigindo-se ao Fabrício: - Que sente o senhor? O Fabrício respondeu com uma voz arrastada e chorosa: - Sinto muitas coisas, doutor; dores pelo corpo, cansaço, ferroadas no estômago, opressão no peito. - Vamos lá ver isso! Dispa o casaco! O Fabrício pôs-se em mangas de camisa, e o médico auscultou-o. - Não tem tosse? - Tenho, mas só à noite; não me deixa dormir. - Bom. Pode vestir o casaco. E o doutor foi escrever o laudo, que entregou ao amanuense. Este na rua desdobrou o papel, para ver que espécie de doença lhe arranjara o médico e leu: "Cardialgia sintomática da diátese artrítica."
  • 3. Não imaginem o efeito que lhe produziram essas palavras enigmáticas para ele. - E não é que eu estou mesmo doente? - pensou o pobre rapaz. Ao chegar a casa, tinha as fontes a estalar. Vieram depois arrepios de frio, a que sucedeu uma febre violenta e febre foi ela, que durou vinte dias. O enfermo teve alta justamente quando Zizinha voltava de Caxambu com um noivo arranjado lá. Maldita cardialgia sintomática da diátese artrítica.