O documento discute a importância da fotografia para confirmar vitórias históricas, como a morte de Bin Laden. A foto divulgada de Bin Laden morto é de baixa qualidade e gera dúvidas, diferentemente de exemplos como a foto do corpo do Conselheiro de Canudos e de Che Guevara mortos, usadas para provar suas derrotas. Uma foto melhor de Bin Laden poderia evitar questionamentos sobre sua morte.

1. A fotografia e os fatos na guerra - Bin Laden morto.
O mundo acordou na manhã desta segunda-feira, 02/05, com uma notícia esperada há
muito tempo. Osama Bin Laden está morto. O fato encerra10 anos de caçada ao maior
inimigo dos Estados Unidos e abre as portas do debate histórico. Não adianta nos
debruçarmos sobre os contornos da relação entre inimigos, ou a geopolítica dos
acontecimentos e sua repercussão. O ponto crucial é discutir a imagem do vencedor. O
ícone, a prova, a fotografia, peça fundamental para corroborar o fato e tornar
mundialmente reconhecida a proeza do lado vitorioso.
Na história, é amplamente conhecido o uso do registro fotográfico como prova de uma
conquista. Impossível esquecer uma das primeiras vezes que esse recurso foi usado em
nossas terras. O ano era 1879. Naquele tempo Brasil era uma república que ensaiava
seus primeiros passos. Conter revoltas era preciso para afirmar a identidade nacional e
assim foi feito quando, em outubro, as tropas republicanas estouraram o arraial de Belo
Monte. O fim de Canudos foi fixado no imaginário popular através do relato do mestre
Euclides da Cunha, em Os Sertões. O escritor acompanhou a 4ª e última expedição ao
interior da Bahia. Poucos de nossos contemporâneos sabem que na mesma viajem um
fotógrafo foi incumbido de registrar os acontecimentos.
A campanha de Canudos foi registrada pelo baiano,
Flávio de Barros. Convidado a acompanhar as
tropas, o fotógrafo capturou imagens usadas para
compor uma série de relatos posteriores sobre o
acontecimento. Contudo a fotografia mais
importante foi aquela capaz de corroborar a vitória.
A imagem do Conselheiro morto, fruto da
exumação de seu corpo sepultado quatro dias antes,
foi mandada para a capital e exposta como prova
cabal do sucesso das investidas republicanas. Sua cabeça também foi mandada à capital
(naquela época ainda era usada a banalização do cadáver como prova de vitória, vista
anteriormente com Tiradentes e depois com Lampião).
Outro exemplo da fotografia empregada com fins
políticos é a famosa imagem do corpo de Che, capturada
por Freddy Alborta em 1967. O líder revolucionário
estava rodeado por militares, um deles levantava a cabeça
do defunto e outro apontava um ferimento sobre o
coração. Morto, o revolucionário precisava representar
um último papel, deveria mostrar ao mundo que seus
inimigos haviam vencido. E assim foi feito.
O que esses casos têm haver com a investida americana contra Bin Laden?
Assim como aconteceu antes foi feita e divulgada a imagem do homem morto. Contudo
faltou zelo por parte dos militares em fazer o último registro de seu inimigo. A imagem
carece de resolução, é somente um close do rosto e tem fortes indícios de photoshop
(programa de computador para manipular fotos). Segundo notícias mais recentes o
corpo teria sido cuidado dentro dos preceitos islâmicos (lavado e coberto com um pano
branco), mas teria sido lançado ao mar. Um exame de DNA, referenda a morte.

2. A questão Osama - Após 10 anos de caçada e milhões de dólares investidos teria o
governo americano se esquecido de treinar um militar nas técnicas da fotografia?
Colocar um bom equipamento fotográfico na missão teria sido tão caro? Por que a foto
do inimigo morto é tão ruim? Hoje celulares alcançam resoluções maiores do que
muitos equipamentos profissionais. Quem trabalha com imagem sabe o quão
fundamental é a qualidade do registro. A intenção na hora de capturar uma imagem
resume tudo. A foto divulgada do terrorista morto gera dúvidas, incertezas e temor.
A importância da fotografia - Esperamos a revelação de novas imagens
para referendar o acontecido, pois a maneira tosca como a vitória foi
registrada tem força para gerar um fantasma, como aconteceu na II
Guerra. Hitler em sua esperteza sorrateira mandou queimar o cadáver
após seu suicídio. Com o corpo desaparecido, e sem um registro ideal
de seus restos, surgia o fantasma do líder nazista e sua sombra sinistra,
angustiando a história com a dúvida: estaria morto, ou ele poderia
voltar causando tormento com seu governo de violência e terror?
Leonardo Felipe – jornalista, fotógrafo e professor de fotografia.