O documento descreve as extremas condições climáticas da cidade de Yakutsk na Sibéria, onde as temperaturas chegam a -50°C. O autor relata sua experiência de apenas 13 minutos ao ar livre nessas condições, vestindo muitas camadas de roupas, e observa como os moradores locais parecem se adaptar ao clima extremo. Yakutsk é a capital da região de Yakutia, rica em ouro e diamantes.
3. A 5ºC negativos o frio pode ser refrescante.
A 20ºC negativos a humidade no nariz congela-se e fica
difícil não tossir.
A 35ºC negativos a pele exposta ao ar fica dormente e a
necrose é um risco.
Aos 45ºC negativos até usar óculos fica muito complicado.
As lentes estalam e o metal cola no rosto e nas orelhas e
rasga pedaços de pele quando você decide tirá-los.
Sei disso porque acabo de chegar a Yakutsk, lugar onde os
amistosos nativos me alertaram para não usar óculos ao ar
livre.
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5. Yakutsk é uma cidade remota da Sibéria Oriental, com
uma população de 200 mil habitantes, sendo famosa por
aparecer no clássico jogo de tabuleiro Risk (na versão do
War) e por deter a fama de ser a cidade mais fria da
Terra.
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7. Em Janeiro a média fica em torno dos 40ºC negativos. A
névoa que cobre a cidade restringe a visibilidade a 10
metros.
Os moradores, em pesados casacos de pele, passam
pela praça central, adornada com uma Árvore de Natal
congelada e uma estátua de Lenine.
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9. Depressa descobri que, ali, temperaturas na casa dos
40ºC negativos são descritas como “frio”, mas não como
“muito frio”.
Em seguida, algumas pessoas aguardando o ónibus,
aparentemente sem grande frio.
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11. Sendo assim, antes de me aventurar pela primeira vez nas
ruas de Yakutsk, encapotei-me com toda uma mala de
roupas. Eis o que estou vestindo: um par de meias de
algodão com um par de meias térmicas por cima; um par de
botas (São botas de pele de animais); ceroulas térmicas; uma
calça jeans; uma camisa térmica; uma camisa de mangas
compridas; um sueter justo de caxemira; um abrigo
desportivo; um casaco acolchoado de Inverno com capuz; um
par de luvas finas (para não expor a pele quando tiro fotos;
um par de luvas de lã; um cachecol de lã; e um boné,
também revestido de lã.
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13. Saindo do quarto como se fosse o boneco da Michelin, e
já suando por causa do sistema de aquecimento do hotel,
decido que estou pronto para encarar Yakutsk. Caminho
porta fora e… bem… não acho assim tão ruim.
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15. A pequena fresta do meu rosto que está exposta regista o
ar frio, mas no geral a sensação é boa … até agradável.
Desde que você esteja vestido correctamente, penso eu,
não é assim tão ruim. Em poucos minutos, porém, o clima
gélido passa a impor-se.
A pele exposta ao ar começa a dar pontadas e depois fica
adormecida, o que aparentemente é perigoso, porque
significa que o fluxo sanguíneo para o local parou. Então o
frio penetra pela dupla camada de luvas e congela os meus
dedos. O boné e o capuz tampouco são abrigo suficiente
para os 43ºC negativos e as minhas orelhas começam a
pingar. Em seguida as pernas sucumbem.
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17. Finalmente vejo-me com dores agudas pelo corpo todo e
tenho de voltar rapidamente a um ambiente fechado. Olho
para o relógio (o vidro ainda não quebrou, pois encontra-se
bem abrigado). Fiquei ao ar livre durante 13 minutos.
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19. Yakutsk é a capital da Yakutia, região que abrange
mais de 2,6 milhões de quilómetros quadrados e onde
vivem menos de 1 milhão de pessoas. A cidade fica a 6
fusos horários de Moscovo, mas a viagem leva 6 horas
num precário avião Tupolev. A passagem custa pelo
menos 1,8 mil RS, ida e volta, uma enorme quantia
num país em que o salário médio é de 930 RS mensais.
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21. Em Yakutsk a maioria dos carros são importados, em
segunda mão, do Japão, pois que aparentemente
resistem melhor ao frio do que os veículos russos
tradicionais. Ainda assim os moradores costumam deixar
o motor a trabalhar quando fazem uma paragem de
apenas meia hora, mas alguns deixam o motor a trabalhar
o dia inteiro, durante o expediente de trabalho, para lhes
garantirem uma temperatura minimamente tolerável na
volta para casa. A fumaça dos escapes dos motores
contribui para a névoa que paira sobre a cidade.
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23. A região foi inicialmente conquistada pelos russos na
década de 1630. No século XIX era usada como prisão
aberta para dissidentes políticos. Anton Chekhov, na sua
Jornada de 1890 pela Sibéria, pintou um quadro sombrio
da vida dos prisioneiros que ali se encontravam. “Eles
perderam todo o calor que já tiveram” escreveu. “As únicas
coisas que lhe restam na vida são vodka, vagabundas,
mais vagabundas, mais vodka… Não são mais seres
humanos, mas bestas selvagens”.
Lenin e Stalin foram dois dos presos políticos exilados em
Yakutsk.
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25. A região é rica em ouro e diamantes, razão pela qual os
soviéticos decidiram transformar Yakutsk num importante
centro regional, primeiro com o sistema de trabalho
forçado do Gulag, depois colonizando a região com
milhares de voluntários em busca de aventura, melhores
salários e a chance de construir o socialismo no gelo.
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27. A mega-empresa Alrosa, responsável por 20% da oferta
mundial de diamantes brutos, tem a sua sede na região.
Com o tempo Yakutsk transformou-se numa cidade de
verdade, com hotéis, cinemas, uma ópera, universidades,
entrega de pizzas e até um jardim zoológico.
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29. Apesar dos nativos manterem estoicamente os seus
afazeres e de as crianças brincarem na neve da praça
central, percebo que preciso de um táxi para continuar a
minha exploração.
Os 13 minutos que passei ao ar livre deixaram-me sem
fôlego, praguejando e cheio de dores, o meu rosto está tão
vermelho que parece que acabo de voltar de uma semana
no Caribe.
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31. Desabo na cama do hotel e preciso de meia hora para
voltar a sentir o meu corpo. A parte mais desagradável
começa 15 minutos depois, quando as pernas, de volta à
temperatura habitual do hotel, sentem uma cãibra quente
sendo irradiada de dentro para fora, e todo o corpo
começa a coçar.
Vou ao mercado, cheio de gente vendendo peixe, porcos e
coração de cavalo, tudo congelado. “É claro que faz frio,
mas você acostuma-se”, diz Nina, uma yakut que passa 8
horas por dia de pé na sua banca de peixes. “Os seres
humanos acostumam-se com qualquer coisa”.
Mas ainda assim o nível de resistência daquela gente é
difícil de compreender.
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33. Os operários continuam trabalhando na construção civil
até aos 50ºC negativos (com temperaturas mais baixas o
metal torna-se quebradiço) e as aulas só são suspensas
quando o termómetro cai abaixo de 55ºC negativos
(embora o Jardim de Infância encerre quando se atingem
os 50ºC negativos).
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35. Quase sem excepção, as mulheres cobrem-se da cabeça
até pés com peles de animais, muitas delas produzidas ali
mesmo. Naquele clima a ética pouco importa.
Diz Natasha, uma moradora de Yakutsk que veste um
casaco de pele de coelho e um encantador chapéu de
raposa ártica, “Vi na televisão que na Europa existem
lunáticos que dizem que não é legal usar peles porque eles
amam os animais. Deveriam vir para cá, para ver se ainda
se preocupavam tanto com os animais. Aqui você tem
mesmo que vestir peles se quiser sobreviver”.
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37. Shaun Walker escreveu esta reportagem para o jornal
britânico “The Independent, para a “Revista da Semana” e
para o “Neo Seganet Reporter”.
S. N.