O documento descreve as condições extremamente frias da cidade de Yakutsk na Sibéria Oriental, onde as temperaturas podem chegar a -50°C. O autor descreve sua experiência de apenas 13 minutos ao ar livre nestas condições, onde sentiu dores agudas pelo corpo todo. Apesar das dificuldades, os moradores locais se acostumaram a viver nesse clima extremo.
1. Yakutsk - a cidade mais fria do mundo
A 5ºC negativos o frio pode ser refrescante.
A 20ºC negativos a umidade no nariz se congela e fica difícil não tossir.
A 35ºC negativos a pele exposta ao ar fica dormente e a necrose é um risco.
E a menos 45ºC até usar óculos fica complicado. O metal gruda no rosto e na
orelhas e rasga pedaços da pele quando você decide tirá-los.
Music: Dança Russa
(Mik Bath e a Orquestra Filarmônica de Londres)
2.
3. Sei disso porque acabo de chegar a Yakutsk, lugar onde os amistosos nativos me
alertaram para não usar óculos ao ar livre. Yakutsk é uma cidade remota na Sibéria
Oriental (população: 200 mil), famosa por aparecer no clássico jogo de tabuleiro Risk
(versão do War) e por deter a fama de ser a cidade mais fria da Terra. Em Janeiro a
média fica em torno de 40ºC negativos. A névoa que cobre a cidade restringe a
visibilidade a 10 metros. Moradores, em pesados casacos de pele, passam pela praça
central, adornada por uma árvore de Natal congelada e uma estátua de Lênin.
4. Logo descobri que ali, temperaturas na casa dos 40ºC negativos são tidas como
“frio, mas não muito frio” Aqui as pessoas aguardam os ônibus.
5. Sendo assim, antes de me aventurar pela primeira vez nas ruas de Yakutsk, me encapotei
com toda uma mala de roupas. Eis o que estou vestindo: um par de meias de algodão com
um par de meias térmicas por cima; um par de botas; ceroulas térmicas; uma calça jeans;
uma camiseta térmica; uma camiseta de mangas compridas; um suéter justo de caxemira;
um abrigo esportivo; um casaco acolchoado de inverno com capuz; um par de luvas finas de
lã (para que eu não exponha a pele quando tirar a luva externa para fazer fotos); um par de
luvas de lã; um cachecol de lã; e um boné, também revestido em lã.
6. A pequena fresta do meu rosto que está exposta registra o ar frio, mas no
geral a sensação é boa... Até agradável. Desde que você esteja vestido
corretamente, penso eu, não é assim tão ruim. Em poucos minutos, porém,
o clima gélido passa a se impor. A pele exposta começa a dar pontadas e
depois fica adormecida, o que aparentemente é perigoso, porque significa
que o fluxo de sangue para o local parou.
7. Então o frio penetra pela dupla camada de luvas e congela meus dedos. O boné e o
capuz tampouco são páreo para os 43ºC negativos e minhas orelhas começam a
pinicar. Em seguida as pernas sucumbem. Finalmente me vejo com dores agudas
pelo corpo todo e tenho de voltar a um ambiente fechado.
Olho no relógio: fiquei ao ar livre por 13 minutos!
8. Yakutsk é a capital de Yakutia, região que abrange mais de 2.6 milhões de
quilômetros quadrados e onde vivem menos de 1 milhão de pessoas. A cidade
fica a seis fusos horários de Moscou, mas a viagem leva seis horas num precário
avião Tupolev. A passagem custa pelo menos RS 1,8 mil ida e volta, uma enorme
quantia num país em que o salário médio é de RS 930 por mês.
9. Não há ferrovia até Yakutsk. As outras opções são uma viagem de 1,6 mil
quilômetros de barco subindo o rio Lena, nos poucos meses do ano em
que ele não está congelado, ou então a "estrada dos Ossos", uma rodovia
de 2 mil quilômetros construída por prisioneiros do Gulag (o sistema penal
soviético).
10. Em Yakutsk a maioria dos carros é importada do Japão, de segunda mão, que
aparentemente, resistem melhor ao frio do que os veículos russos tradicionais.
Ainda assim, os moradores costumam deixar o motor funcionando, se vão parar
apenas por meia hora
11. E alguns deixam-no ligado o dia inteiro, durante o expediente de trabalho, para
garantir uma temperatura minimamente tolerável na volta para casa. A fumaça dos
escapamentos contribui para a névoa que paira sobre a cidade.
12. A região foi inicialmente conquistada pelos russos na década de 1630. No século XIX era usada
como prisão aberta para dissidentes políticos. Anton Chekhov, em sua Jornada de 1890 pela
Sibéria, pintou um quadro sombrio da vida dos prisioneiros dali. "Eles perderam todo o calor que já
tiveram", escreveu. "As únicas coisas que lhes restam na vida são vodca, vagabundas, mais
vagabundas, mais vodcas... Não são mais seres humanos, mas bestas.” Lenin e Stalin foram dois
dos presos políticos exilados em Yakutsk.
13. Lenin Square,
Yakutsk/Yakutia
Às 17h30 - 40ºC
negativos
A região é rica em ouro e diamantes, razão pela qual os soviéticos decidiram transformar Yakutsk
num importante centro regional, primeiro com o sistema de trabalho forçado do Gulag, depois
colonizando a região com milhares de voluntários em busca de aventura, melhores salários e a
chance de construir o socialismo no gelo. A mega-empresa Alrosa, responsável por 20% da oferta
mundial de diamantes brutos, tem sua sede na região. Com o tempo Yakutsk virou uma cidade de
verdade, com hotéis, cinemas, uma ópera, universidades, entrega de pizza e até zoológico.
14. Apesar de os nativos manterem estoicamente seus afazeres e de crianças brincarem na neve
da praça central, percebo que preciso de um táxi para continuar minha exploração.
Os 13 minutos que passei ao ar livre me deixaram sem fôlego, praguejando e cheio de dores, o
meu rosto tão vermelho que parece que acabo de voltar de uma semana no Caribe. Desabo na
cama do hotel e preciso de meia hora para voltar a sentir meu corpo. A parte mais
desagradável começa 15 minutos depois, quando as pernas, de volta à temperatura habitual,
sentem uma cãibra quente sendo irradiada de dentro para fora, e todo o corpo começa a coçar.
Vou ao mercado,
cheio de gente
vendendo peixe,
porcos e coração
de cavalo. Tudo
congelado.
“É claro que faz
frio, mas você se
acostuma.” Diz
Nina, uma yakut,
que passa oito horas
por dia de pé, na
sua banca de peixes.
Os seres humanos
se acostumam com
qualquer coisa.
Mas, ainda assim,
o nível de resistência
é difícil de
compreender.
15. Os operários continuam trabalhando na construção civil, até os 50ºC negativos.
Abaixo disso, o metal se torna quebradiço.
As aulas só são suspensas quando o termômetro cai abaixo dos 55ºC.
Embora o Jardim de Infância feche com 50ºC negativos.
Shaun Walker escreveu esta reportagem para o jornal britânico THE INDEPENDENT