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O TRIMATADOR
Everton
Autor
WILLIAM VOLTZ
Tradução
RICHARD PAUL NETO
(P-257)
Eles marcam um encontro no planeta secreto dos guardiões
do centro e acabam tendo um encontro com a morte.
O avanço de Perry Rhodan para a galáxia de Andrômeda, que é a área
propriamente sob o domínio dos misteriosos senhores da galáxia, começou há
muito tempo.
O veículo usado por Perry Rhodan nesta expedição perigosa é a Crest
III, a nova nave-capitânia da Frota Solar. Trata-se de uma nave esférica de
2.500 metros de diâmetro, guarnecida por 5.000 soldados de elite do Império
Solar, que é quase inexpugnável.
Mas até mesmo uma nave gigante como esta pode enfrentar um perigo
iminente. A melhor prova disto é o incidente que se verificou em KA-barato,
nome dado ao estaleiro voador do engenheiro cósmico Kalak. Neste meio
tempo Kalak, o andarilho, e os indivíduos de sua espécie que puderam ser
salvos, transformaram-se em aliados fiéis dos terranos, e KA-barato é usado
há tempo como base da expedição de Andrômeda.
Perry Rhodan já pode pensar em prosseguir no avanço para o
desconhecido! No mês de março do ano 2.404 a Crest já penetrou
profundamente na área proibida formada pela zona central de Andrômeda, e
já houve vários encontros com os tefrodenses, que vigiam a área por ordem
dos senhores da galáxia.
De fora os guardiães são iguais aos seres humanos do planeta Terra, e
também se comportam como estes — exceto pelo fato de que saem correndo
apavorados toda vez que põem os olhos no halutense Icho Tolot.
Os tripulantes de uma corveta têm o privilégio de descobrir uma coisa
que lança uma luz inteiramente nova sobre a estranha reação dos tefrodenses.
Esta corveta está sob o comando de Arl Tratlo, O Trimatador...
= = = = = = = Personagens Principais: = = = = = = =
Capitão Arl Tratlo — Conhecido como o trimatador.
Tenente Kaarn Baroon — O gênio de Reyan.
Kalim Slate e Vern Horun — Dois seres nascidos em Purthag.
Batins — Um engenheiro cósmico.
Perry Rhodan — Administrador-Geral do Império Solar e chefe da
expedição de Andrômeda.
Major Don Redhorse — O homem cuja corveta pousa no
dudecimatador.
Gucky — O rato-castor que, como já aconteceu tantas vezes, aparece
no último instante, para tirar os outros de uma situação muito
difícil.
Em Meredi IV, um planeta pertencente ao grupo dos Plêiades,
viviam cerca de dez mil homens. Trezentos destes homens tinham o
direito de usar o nome de monomatadores, porque tinham
conseguido matar um réptil chamado tarak nas selvas do planeta.
Um tarak adulto pesa pelo menos dezesseis toneladas. Para matar
um animal destes com uma lança precisa-se de muita força e
coragem.
Dezesseis dos homens que vivem em Meredi IV têm o direito
de usar o nome de bimatadores, porque conseguiram, num só dia,
matar um tarak e também um randler, numa luta corpo a corpo. O
randler tem certa semelhança com um urso polar. Os dezesseis
homens que conseguiram matar no mesmo dia um tarak e um
randler gozam de todos os privilégios imagináveis em Meredi IV,
um mundo selvático onde só os mais fortes podem sobreviver.
Uma única vez em toda a história cheia de aventuras de
Meredi IV um homem conseguiu matar ao mesmo tempo um tarak,
um randler e um pássaro de seis asas.
Este homem pôde usar o nome de trimatador. Os habitantes de
Meredi IV passaram a venerá-lo tanto que quiseram fazer dele o
presidente de seu planeta.
O nome do trimatador era Arl Tratlo.
Não quis ser presidente. Preferiu servir na USO.
* * *
O planeta Reyan, situado no setor Vega, é considerado um
mundo paradisíaco. Nele vivem dez mil homens, todos eles artistas.
As pinturas feitas em Reyan não encontram igual em toda a galáxia.
As obras filosóficas mais conhecidas dos tempos modernos foram
escritas em Reyan. E é neste planeta que surgem as músicas
arrebatadoras, que os habitantes de todos os planetas ouvem
encantados.
Muitos artistas que vivem neste mundo desfrutam uma
reputação toda especial, porque além de grandes escritores são
pintores consagrados.
Uma única vez em toda a história de Reyan um artista
conseguiu adquirir fama simultaneamente com um romance, uma
pintura e uma peça de música.
Este homem foi brindado com o título de gênio de Reyan.
Depois de ele ter criado suas grandes obras, os homens que
habitavam o planeta Reyan passaram a venerá-lo tanto que
quiseram fazer dele o presidente do planeta.
O nome do gênio de Reyan era Kaarn Baroon. Recusou-se a
ser presidente. Preferiu servir na USO.
1
A mão erguida do Capitão Arl Tratlo, que ia jogar um trunfo sobre a mesa, ficou
suspensa no ar, tremendo ligeiramente. Tratlo lançou um olhar indagador para o sargento
Kalim Slate, que estava sentado à sua frente.
— Que é isso, sargento?
Slate teve de fazer um grande esforço para tirar os olhos de cima do montinho de
notas que Tratlo empilhara à sua frente. Inclinou a cabeça ligeiramente para a frente e
pôs-se a escutar.
— Está ensaiando de novo — disse depois de algum tempo.
Tratlo juntou suas cartas em forma de leque e atirou-as sobre a mesa.
— Deste jeito uma pessoa normal não consegue concentrar-se — berrou a plenos
pulmões. — Estes pios já começam a me cansar.
Slate pegou o dinheiro que acabara de ganhar, enfiou-o nos bolsos do uniforme e
levantou sorrindo. Tratlo fitou-o com uma expressão furiosa.
— O que é que o senhor sabe fazer, além de jogar cartas, sargento? — perguntou.
Kalim Slate coçou o queixo volumoso. Parecia pensativo.
— Possuo um talento de organizador, capitão — respondeu depois de algum tempo.
— Ah, é? — perguntou Tratlo, incrédulo. — E o senhor acredita que este talento o
torna capaz de reduzir os ensaios enervantes de certo homem a uma dose suportável? —
olhou fixamente para os bolsos recheados de Slate.
— Depois da presa que acaba de conseguir, o senhor bem que deveria ser capaz
disso.
Slate prestou atenção aos pios, que ora aumentavam, ora diminuíam, atravessando a
porta fechada do camarote.
— Baroon sempre ocupa o posto de tenente, senhor — observou. — O senhor
certamente sabe que ele tem certa influência.
— Ele é um fraco! — resmungou Tratlo em tom de desprezo. — Um dia ainda lhe
darei uma surra que o faça perder a vontade de desfiar essa cantoria que para ele é uma
música.
Slate franziu a testa.
— Dizem que existem pessoas que gostam disso — objetou. — E ele não ensaia sua
música a toda hora. Às vezes trabalha nas pinturas ou no romance que está escrevendo.
— Já viu o quadro que está pintando? — perguntou Tratlo.
— Já — confessou Slate. — Lembra as linhas traçadas pelo estilete de um
sismógrafo. Ele lhe deu o nome de Dança do Sacrifício da Fada do Espaço. Ou coisa que
o valha.
Tratlo fez uma careta. Até parecia que acabara de morder uma fruta azeda.
— Bem, a gente não ouve quando ele mexe com os pincéis ou fica borrando a tela
— disse. — As coisas ficam mesmo ruins quando ele toca algumas composições na
learta.
Arl Tratlo empertigou-se, e Kalim Slate encolheu instintivamente. O terrano
colonial tinha dois metros de altura e era de estatura robusta. Sua cabeleira de cor verde-
oxidada caía sobre os ombros.
— O gênio de Reyan — disse Tratlo em tom de desprezo. — Não consigo
compreender como um idiota deste tipo sempre consegue entrar numa organização.
— Bem — disse Slate, cauteloso. — Baroon não deixa de ser um homem
inteligente.
Tratlo estalou os dedos.
— Seria derrotado até mesmo por uma minhoca razor, que em meu mundo costuma
ser caçada por meninos de seis anos.
— Seja como for — disse Slate em tom valente — ele deve ter suas qualidades,
senão não teria chegado a te...
— Não me venha dizer que o senhor vai defender este sujeito — interrompeu
Tratlo, fora de si. — Logo o senhor, que nasceu em Purthag?
— Não — apressou-se Slate em afirmar. — O senhor sabe que pode confiar em
mim.
— Muito bem — resmungou Tratlo, um pouco mais calmo. — Vá andando e tente
tirar-lhe o instrumento.
O sargento Kalim Slate gemeu baixinho e retirou-se. Não era a primeira vez que
Tratlo lhe sugerira algo parecido. Mas era a primeira vez que permitira que a raiva que
sentia por Kaarn Baroon lhe custasse tanto dinheiro.
* * *
O Tenente Kaarn Baroon descansou a learta e sorriu para o ouvinte, que parecia
encantado.
— Então, gostou? — perguntou em tom suave.
O sargento Vern Horun fechou os olhos, dando a impressão de que queria
rememorar cada um dos tons maravilhosos que acabara de ouvir.
— É uma coisa fascinante! — disse. — É a primeira vez em toda vida que sinto
uma harmonia como esta.
Baroon guardou a learta numa caixa forrada de veludo e fechou-a cuidadosamente.
— Infelizmente — disse, pensativo — minha atividade nem sempre encontra o
merecido reconhecimento a bordo desta nave.
O rosto de Horun assumiu uma expressão sombria. Até parecia que acabara de ser
arrancado de um belo sonho.
— Tratlo! — exclamou.
Baroon acenou com a cabeça, preocupado.
— O trimatador faz tudo para perturbar meu descanso — disse. — Acho que já está
na hora de mostrar a esse gigante grosseiro qual é seu lugar. Não compreendo que um
pateta destes tenha sido aceito em nossa organização.
— Tratlo não deixa de ser um homem inteligente — observou Horun, cauteloso.
— Ele não sabe ler partituras e não conhece os maiores clássicos da literatura
terrana — observou Baroon. — É quase tão estúpido como os animais que se deixam
matar por ele.
— Ele deve ter suas qualidades — respondeu Vern Horun, pensativo. — Afinal,
chegou a capitão e...
— Um homem nascido em Purthag como o senhor não deveria defender um tipo
como Arl Tratlo — repreendeu Baroon com a voz estridente. Virou a cabeça tão
abruptamente para Horun que este estremeceu. Kaarn Baroon era pequeno e delicado,
como todos os reyanenses. Os olhos que se abriam em seu rosto enrugado eram de um
tamanho descomunal, tamanho este que era realçado ainda mais pelo fato de não haver
cabelos em sua cabeça.
— O senhor sabe que eu o admiro — disse Horun. — Pode contar comigo, haja o
que houver.
— Excelente — disse Baroon. — Se tirarmos alguns dos aparelhos de treinamento
com os quais Tratlo costuma fazer suas demonstrações de força, talvez consigamos
abafar sua arrogância.
— Hum — fez o sargento Vern Horun, que não parecia nem um pouco
entusiasmado.
Era a primeira vez que Kaarn Baroon manifestava sua antipatia por Tratlo com
tamanha franqueza. E era a primeira vez que tocara exclusivamente para Horun.
“É estranho”, pensou Vern Horun ao retirar-se, “que a raiva que o gênio de Reyan
sente por Arl Tratlo o leve a praticar atos como este.”
* * *
Quando o sargento Kalim Slate entrou no camarote que ocupava juntamente com
Vern Horun, viu este sentado junto à mesa. Horun estava com as pernas cruzadas,
olhando fixamente para a parede. Slate bateu fortemente a porta, mas nem por isso Horun
olhou para outro lado.
— Ora, veja! — exclamou Slate. — Até parece que o senhor e eu ouvimos as
mesmas declarações de amor — vindas de pessoas diferentes.
— Quer dizer que Tratlo também andou falando? — perguntou Horun, preocupado.
— E como! — respondeu Slate. Sacudiu o bolso do uniforme com ambas as mãos,
fazendo as moedas tilintarem. — Pediu-me que subtraísse o instrumento musical do
gênio de Reyan.
Horun fechou os olhos, apavorado.
— Baroon quer que eu faça uma coisa parecida — informou. — Quer que eu
esconda os aparelhos de treinamento do merediense.
O sargento Kalim Slate sentou na outra cadeira que havia no camarote. Os dois
homens nascidos em Purthag eram tipos atarracados, que quase davam a impressão de
serem obesos. Seus longos cabelos brancos formavam tranças grossas na nuca. A insígnia
da tribo a que pertenciam fora tatuada na testa de Horun e Slate. Ambos descendiam dos
colonos que há vários decênios tinham ocupado o planeta Purthag, pertencente ao sistema
de Gellert.
— A desavença está cada vez pior — constatou Slate, preocupado. — Baroon e
Tratlo ainda acabam se esquecendo de que nos encontramos numa galáxia estranha, onde
nossa vida corre perigo a cada instante.
— Será que podemos fazer alguma coisa, Kalim? — perguntou Horun.
Slate deu de ombros, resignado.
— Não sei — confessou. — Se não acontecer alguma coisa que faça com que eles
se unam, ainda acabam se matando.
Horun estremeceu.
— São dois tipos completamente diferentes — disse.
— Para mim ambos são formidáveis — respondeu Slate, pensativo. — Já está na
hora de cada um deles pensar a mesma coisa a respeito de seu adversário.
2
O pequeno alto-falante do intercomunicador emitiu um estalo.
— Capitão Tratlo, favor comparecer à sala de comando! Capitão Tratlo, favor
comparecer à sala de comando!
O Capitão Arl Tratlo abandonou seu camarote. Já estava no corredor, quando
começou a abotoar o casaco do uniforme. Ficou se perguntando por que o comandante da
nave Imperador, Coronel Heske Alurin, queria falar com ele.
Há dois dias, mais precisamente, em 4 de março de 2.404, Perry Rhodan decolara
com a Crest III do estaleiro de reparos KA-barato, partindo para o espaço cósmico. Tratlo
sabia que o Administrador-Geral ainda não podia estar de volta. Rhodan já devia estar
chegando à área proibida. O terrano dera ordens terminantes para que nenhuma das naves
estacionadas em KA-barato seguisse a Crest III, a não ser que surgissem circunstâncias
extraordinárias.
Arl Tratlo preferiu não refletir mais sobre os motivos que tinham levado Alurin a
solicitar sua presença na sala de comando. Provavelmente tratava-se de algum trabalho de
rotina. O rosto de Tratlo assumiu uma expressão irônica. Sempre havia comandantes que
eram de opinião que a calma excessiva não era boa para as tripulações das espaçonaves.
A gravidade reinante a bordo da Imperador era de um gravo, o que fazia com que os
movimentos de Tratlo parecessem leves e graciosos. A gravitação de Meredi IV era um
pouco mais elevada que a da Terra. Dizia-se que as reações dos colonos que habitavam
este mundo eram extremamente rápidas.
Quando entrou na sala de comando, Arl Tratlo viu que não se tratava apenas de um
assunto de rotina. Quase todos os oficiais da nave estavam reunidos. Os vídeos dos rádios
mostravam os rostos dos comandantes de outras naves, que desta forma participavam da
conferência. Tratlo passou instintivamente a andar mais depressa e dali a instante viu-se
no meio dos oficiais do couraçado da USO chamado Imperador.
Alurin cumprimentou-o com um gesto. Tratlo percebeu imediatamente que teria um
papel de destaque durante a conferência. Franziu as sobrancelhas ao ver que o Tenente
Kaarn Baroon estava parado bem ao lado do Coronel Alurin.
Baroon fitou-o com uma inconfundível expressão de desagrado. Tratlo enfrentou o
olhar. Finalmente Alurin parecia sentir a tensão que se formara e apressou-se em dizer
alguma coisa.
— O senhor já deve saber que há uma hora um cruzador de vigilância pousou no
estaleiro — disse Alurin.
Tratlo ainda não sabia, mas estava lembrado que grande quantidade das naves de
vigilância patrulhavam a vizinha nebulosa Andro-Alfa, para observar as lutas que se
desenvolviam entre os povos maahks rebelados e os combatentes que se tinham
transformado em servos dos senhores da galáxia.
O Coronel Alurin fez um gesto em direção a um homem magro, que mexia
nervosamente na fivela do cinto.
— Major Duncan — disse Alurin a título de apresentação. — Ninguém melhor que
ele para contar o que aconteceu.
Notava-se que ultimamente Duncan dormira menos do que deveria. O brilho
estranho dos olhos do oficial mostrava que ele tomara estimulantes. Tratlo não invejava
nem um pouco os comandantes dos cruzadores de vigilância, cujas operações arriscadas
constantemente os levavam para perto das frentes das frotas espaciais que se combatiam.
Duncan engoliu fortemente em seco e olhou para o chão.
— A guerra na nebulosa de Alfa chegou ao fim — disse o major, indo diretamente
ao assunto. — Os maahks rebelados derrotaram os povos submetidos aos senhores da
galáxia — de repente Duncan levantou os olhos. — Os rebeldes destruíram o transmissor
gigante da nebulosa, formado por três grandes sóis azuis, impedindo os defensores de
receber reforços e abastecimentos. O planeta de controle, habitado por maahks submissos
aos senhores da galáxia, foi transmitido num sol. Alfa-Centro não existe mais.
— Quer dizer que os maahks conseguiram evitar que os senhores da galáxia enviem
outros povos auxiliares à sua galáxia — acrescentou Alurin.
Duncan sacudiu a cabeça. Até parecia que queria espantar uma lembrança
desagradável.
— É uma coisa incrível — disse. — Andro-Alfa até parece um acampamento
militar. Há bilhões de combatentes maahks concentrados lá.
Tratlo olhou primeiro para Alurin, e depois para Duncan. Nunca acreditara que os
rebeldes pudessem sair vitoriosos da luta. Com a destruição de Alfa-Centro, conseguiram
conquistar de repente uma posição de superioridade. Arl Tratlo teve a impressão de que
sabia o que iria acontecer em seguida, e dali a instantes o Coronel Alurin disse
exatamente aquilo que pensava o trimatador.
— Parece que uma ofensiva em grande escala dos povos maahks contra a nebulosa
de Andrômeda é iminente — disse Alurin. — É o que se conclui forçosamente das
imensas concentrações de naves de que Duncan acaba de falar. Os maahks criaram
sistemas de propulsão tão aperfeiçoados que não terão nenhuma dificuldade em percorrer
os cento e cinqüenta mil anos-luz que os separam da nebulosa de Andrômeda. Anda lhes
restará um raio de ação suficientemente grande para operarem em grandes áreas da
galáxia.
— Está para haver uma expedição punitiva dos maahks contra aqueles que os
subjugavam — confirmou Duncan. — Os misteriosos donos de Andrômeda terão de
lançar mão de todos os recursos para rechaçar a invasão.
— As coisas estão tomando um curso muito rápido — disse o Coronel Heske
Alurin. — A notícia reveste-se da maior importância para a ofensiva secreta que
pretendemos lançar no interior de Andrômeda. Não podemos arriscar-nos a avisar Perry
Rhodan pelo hiper-rádio. Não sabemos se a Crest continua na rota prevista, e além disso
o perigo de sermos descobertos seria muito grande.
De repente Alurin encarou Arl Tratlo.
— De qualquer maneira, resolvi informar Rhodan e Atlan sobre o que está
acontecendo. Acho que os acontecimentos são tão importantes que vale a pena enviar
uma corveta atrás da Crest. A tarefa dos ocupantes deste veículo consistirá
exclusivamente em informar Rhodan.
O Capitão Tratlo levantou a cabeça, como quem espera ouvir alguma coisa. Sabia
que como chefe do grupo de corvetas da Imperador comandaria a operação planejada.
— O senhor comandará a expedição, Capitão Tratlo — disse Alurin. — Haverá
vinte e um homens a bordo de sua corveta, o que representa a tripulação normal. Um dos
tripulantes da corveta será um andarilho, que poderá orientá-lo durante o vôo.
A surpresa foi tamanha que Arl Tratlo nem soube o que responder. A idéia de ter de
penetrar na área proibida da nebulosa de Andrômeda deixava-o tenso e incomodado ao
mesmo tempo. Já ultrapassara a idade em que uma incumbência como esta o teria
deixado entusiasmado. Sabia que a vida dos tripulantes estaria em perigo durante o vôo.
— Tome todas as providências — ordenou Alurin. — Mais tarde darei outros
detalhes. O Major Duncan lhe fornecerá material fotográfico e gravações das
transmissões de rádio, que mostrarão exatamente o que está acontecendo em Andro-Alfa.
— Sim senhor — conseguiu dizer Tratlo.
— Outra coisa — disse Alurin em tom indiferente. — O Tenente Baroon será seu
substituto no comando da corveta.
Tratlo, que já fizera menção de retirar-se, parou abruptamente.
Um sorriso misterioso brincou em torno dos lábios de Alurin.
— É só, capitão — apressou-se em dizer.
O rosto de Tratlo ficou vermelho. Olhou para Baroon, que o fitava com uma
expressão nada amável. Ao que parecia, o gênio de Reyan gostava tão pouco da tarefa
conjunta quanto Tratlo.
O merediense teve de fazer um grande esforço para ficar calado. Sabia que como
oficial não podia dar-se ao luxo de recusar-se a cooperar com Baroon, que afinal era
considerado um homem de grande capacidade.
Tinha certeza quase absoluta de que Alurin tivera uma intenção bem definida ao
designar Baroon como seu substituto.
Mas quem, perguntou a si mesmo, poderia ter informado o coronel de que ele tinha
certa antipatia por este homem?
* * *
Alguém colara um cartaz junto à entrada da eclusa. A base do cartaz era amarela, e
nele estava pintada em negro uma figura em forma de lágrima. Embaixo da lágrima lia-se
a palavra Fantasia em letras vermelho-berrantes.
O Capitão Arl Tratlo parou e contemplou o desenho com uma expressão de
perplexidade.
— Sargento Slate! — berrou.
Demorou alguns minutos até que uma figura atarracada aparecesse no interior da
eclusa, fazendo uma continência apressada.
— Pois não, senhor! — exclamou Kalim Slate.
— O que é isto? — perguntou Tratlo, ameaçador. — Qual dos tripulantes ilude-se
pensando que pode permitir-se este tipo de brincadeira comigo?
— Queira desculpar, senhor — balbuciou Slate como quem não tinha
compreendido. — Não sei do que está falando.
Um dos braços musculosos de Tratlo subiu abruptamente, apontando para a placa.
— Ah, é isso? — disse Alate, esticando as palavras. — Foi o Tenente Baroon.
— Retire — ordenou Tratlo com uma voz na qual ninguém seria capaz de descobrir
o menor traço de amabilidade.
Slate recuou cautelosamente para dentro da câmara da eclusa.
— Não creio que o Tenente Baroon quisesse ofendê-lo, senhor — disse. — Apenas
era de opinião que além da designação oficial KI-33 a corveta deveria ter um nome. Disse
que este emblema simbolizava perfeitamente o nome escolhido.
Tratlo contemplou o desenho, bastante interessado, mas os traços de seu rosto não
se tornaram menos duros.
— O que será isto, sargento? — perguntou, apontando para a figura em forma de
lágrima.
— Hum — fez Slate, pensativo. — Em minha opinião tem certa semelhança com
um pepino em conserva.
— Ah, é? — rugiu Tratlo. — E o senhor pensa que vou atravessar a nebulosa de
Andrômeda com um emblema em forma de pepino?
— Não senhor — respondeu Slate.
Tratlo fez um gesto significativo em direção à placa.
— Então? — perguntou.
Slate suspirou e arrancou o desenho.
— Batins já se encontra a bordo? — perguntou Tratlo.
— Chegou há alguns minutos, senhor — respondeu Slate, apressado. Sentia-se
satisfeito por não ter de falar mais a respeito de Baroon. — O andarilho é um homem
bem jovem, senhor.
— O Coronel Alurin me disse que era um cosmonauta muito competente, que
conhece perfeitamente as condições reinantes no interior da nebulosa de Andrômeda.
Mal acabou de dizer isto, Tratlo desapareceu na câmara da eclusa. Era um homem
que dava grande valor aos contatos pessoais entre os oficiais e a tripulação. Segundo sua
teoria, um bom relacionamento traz com o tempo uma cooperação bem-sucedida. Por isso
resolveu dirigir-se antes de mais nada aos compartimentos dos tripulantes, para só depois
ir à sala de comando e ao seu camarote.
Quando passou pelo refeitório dos tripulantes, viu que a porta estava aberta.
Entrou e viu o sargento Vern Horun, que estava escrevendo os nomes dos
tripulantes em três fileiras num quadro pendurado na parede.
— Está fazendo uma lista de presença? — perguntou Tratlo, bem-humorado.
Horun sorriu.
— É claro que não é isso, senhor. Só estou fazendo a divisão das equipes.
O sorriso de Tratlo congelou.
— Está dividindo o quê? — resmungou.
— Pelos cálculos do Tenente Baroon, levaremos pelo menos dez dias para entrar
em contato com a Crest — apressou-se o sargento Vern Horun a dizer. — Por isso
sugeriu que a tripulação faça um torneio de jogos. A equipe vencedora escolherá entre
seus membros a pessoa que receberá o prêmio oferecido pelo Tenente Baroon.
Tratlo chegou mais perto do quadro e viu seu nome em primeiro lugar na primeira
coluna.
— O senhor naturalmente é um dos chefes de equipe, senhor — disse Horun.
— Formidável! — berrou Tratlo e pegou um pano que se encontrava junto ao
quadro. Apagou seu nome. — Coloque Batins no meu lugar — disse.
— O senhor ainda não viu o prêmio — disse Horun, decepcionado, e desembrulhou
cuidadosamente uma peça de linho, sobre a qual havia uma mistura de cores. Alisou a
peça com as mãos e contemplou-a encantado. — Que tal?
— Horrível! — disse Tratlo em tom resoluto. — Não permitirei que uma coisa
destas seja pendurada numa nave que esteja sob meu comando.
Retirou-se, certo de ter causado uma decepção a Horun. Parou na entrada.
— Onde está ele? — perguntou.
— Ele quem, senhor? — perguntou Horun, confuso.
— Baroon. Quem mais poderia ser?
— Na sala de comando, senhor.
Tratlo resolveu não dar maior atenção aos camarotes dos tripulantes e ir à sala de
comando antes que o Tenente Baroon pudesse fazer das suas por lá.
Tratlo sabia que uma das obrigações do substituto do comandante era cuidar de tudo
que dissesse respeito à tripulação. Por isso não podia acusar Baroon. Este não exorbitara
de suas atribuições.
Quando entrou na sala de comando, viu Baroon e o andarilho entretidos numa
conversa animada. O tenente calou-se imediatamente e recostou-se na poltrona.
— Fiquem à vontade — pediu Tratlo em tom mordaz.
— O engenheiro Batins e eu estávamos discutindo a rota que a Fantasia deverá
seguir, capitão — disse Baroon.
Ao ouvir o nome Fantasia, Tratlo estremeceu sem querer.
— A rota da KI-33 já foi fixada, tenente — enfatizou Tratlo. — Seguiremos
praticamente o mesmo trajeto percorrido pela Crest.
Se o jovem engenheiro cósmico notara alguma coisa da animosidade que havia
entre os dois homens, ele não deixou perceber.
— Espero poder ajudar em alguma coisa — disse em tom amável. — Será um
prazer viajar em sua companhia a certas áreas que ainda não tive o privilégio de ver de
perto.
“Sua fala é tão empolada como a de Baroon”, pensou Tratlo, aborrecido.
Assim que estava sentado na poltrona de comando, voltou a dirigir-se ao imediato
da corveta.
— Já providenciou os equipamentos necessários, tenente?
— Foi tudo colocado a bordo. Tivemos a precaução de incluir equipamentos
completos de combate para cada tripulante. Além disso temos hiper-rádios portáteis e
armas portáteis de grosso calibre.
— Muito bem — respondeu Tratlo a contragosto.
Pelo menos Kaarn Baroon sabia cuidar de mais alguma coisa além de suas pinturas.
A KI-33 era uma nave-girino altamente aperfeiçoada. Tal qual os modelos
anteriores, as corvetas também eram esféricas e tinham sessenta metros de diâmetro. Na
calota polar superior estava montado um canhão conversor superpesado.
Tratlo sabia que, além de ser extremamente veloz e ágil, a nave sob seu comando
também tinha um grande poder de fogo.
A tripulação da KI-33 era formada por homens que dispunham de grande
experiência. Tratlo não pôde deixar de reconhecer que até mesmo o gênio de Reyan
possuía certa experiência. Não sabia muito a respeito do andarilho chamado Batins, mas
não tinha a menor dúvida de que o engenheiro cósmico merecia tanta confiança como
qualquer dos outros tripulantes da corveta.
Ron Moseley, o rádio-operador, entrou na sala de comando. Moseley era um dos
tripulantes mais antigos da Imperador. Devia ser o homem mais idoso a bordo da corveta.
Era natural de Perm, um mundo desértico inóspito, no qual os colonos tinham de disputar
cada metro quadrado de terra com a natureza hostil. Moseley era alto e magro, como
todos os permenses.
Tratlo olhou para o relógio. Faltava uma hora para a decolagem.
Batins e Kaarn Baroon ainda estavam conversando. Moseley já se recolhera
novamente à cabine de rádio. Dentro de instantes teria início a revisão de todas as
máquinas e controles.
Tratlo sabia que seria obrigado a trabalhar com Baroon. Não poderia fazer pouco-
caso do imediato da KI-33. Isso causaria uma impressão desfavorável nos tripulantes.
Bastava que os sargentos Slate e Horun estivessem informados sobre o relacionamento
tenso entre os dois oficiais.
Tratlo lembrou-se de que Rhodan tivera a intenção de penetrar com a Crest III
diretamente na área proibida. Seguiria uma reta imaginária que ligava o estaleiro KA-
barato com o lugar em que se supunha ficasse o núcleo central.
O capitão sabia perfeitamente que no fundo este dado não significava nada, já que o
ultracouraçado teria de deslocar-se nas aglomerações mais compactas de estrelas. Seria
difícil encontrar a Crest III.
Tratlo inclinou-se para a frente e ligou os controles mestres, para ativar o
suprimento normal de energia da KI-33. Dali a instantes pediu pelo intercomunicador que
os tripulantes ocupassem seus lugares. Para os astronautas a decolagem e a maior parte
do vôo não passavam de rotina, mas era bem possível que isso mudasse assim que
atingissem a zona de alerta.
Apesar da técnica avançada, a corveta era uma espaçonave vulnerável, que dependia
exclusivamente de seus próprios recursos.
* * *
Os primeiros dois dias de vôo correram sem incidentes. Mas no terceiro dia
aconteceu uma coisa que quase fez ferver o sangue de Arl Tratlo. Tudo começou com um
cheiro desagradável que se espalhou pela sala de comando.
O Capitão Tratlo, que há três horas revezara o Tenente Baroon, franziu o nariz e
lançou um olhar para o sargento Borkmann, que o ajudava nos trabalhos de rotina na sala
de comando. A KI-33 deslocava-se no semi-espaço, desenvolvendo várias vezes a
velocidade da luz.
Borkmann notou o olhar de Tratlo e soube interpretá-lo.
— Alguma coisa está fedendo, senhor — disse em tom seco.
— Sem dúvida — confirmou Tratlo.
Jens Borkmann parecia um terrano, mas era natural de Fauno. Tal qual Tratlo e
Baroon, era capaz de manobrar sozinho uma corveta. Borkmann era muito jovem, e na
opinião de Tratlo tratava-se de um homem muito competente.
Tratlo virou a cabeça sem sair da poltrona do piloto e viu que a porta principal da
sala de comando estava aberta. Viu o navegador Wilcock e o andarilho Batins inclinados
sobre a mesa dos mapas.
— Wilcock! Verifique se este cheiro insuportável vem do lado de fora — ordenou
Tratlo.
Wilcock levantou a cabeça, farejou em várias direções e foi andando para a porta.
Tratlo viu-o enfiar a cabeça no corredor.
— Vem, sim senhor! — gritou. — Aqui fora o cheiro é mais forte.
— Até parece que alguns isoladores se fundiram — disse o Capitão Tratlo,
desconfiado.
Borkmann inalava fortemente o ar e sacudiu a cabeça.
— Parece antes uma panela de legumes queimados, senhor — disse.
— Quem está de serviço na cozinha? — perguntou Tratlo.
— Veroni, senhor — disse Borkmann. — Não acredito que ele tenha algo a nos
oferecer, além de alimentos desidratados e conservas.
— Verifique de onde vem este cheiro — decidiu Tratlo, mas antes que o sargento
tivesse tempo de levantar-se, mudou de idéia. — Não! Cuidarei disso pessoalmente.
Tratlo levantou-se e passou pela mesa dos mapas. Batins sorriu amavelmente para
ele. A cortesia do andarilho já começava a enervar Tratlo. Bastava olhar para Batins, e ele
sorria que nem um idiota ou desfiava algumas fórmulas de cortesia. Tratlo fez questão de
chegar ao corredor o mais depressa possível.
Conforme Wilcock já notara, no corredor o cheiro era mais forte. Arl Tratlo dirigiu-
se ao elevador antigravitacional e deixou que este o levasse ao convés em que ficavam os
compartimentos dos tripulantes.
Quando ia saindo do poço do elevador, quase esbarrou no cabo Ellis Weingarth, que
fechara o nariz com os dedos polegar e indicador da mão direita.
— Desculpe, senhor — disse Weingarth com a voz fanhosa. — Se eu tiver de ficar
aqui mais um minuto que seja, eu me dano todo.
Estupefato, Tratlo quis repreender o cabo pela maneira pouco convencional de
exprimir-se, mas este já saltara para dentro do elevador antigravitacional e ia se
afastando.
Tratlo resmungou, zangado, e seguiu a pista das repugnantes nuvens de vapores,
que o conduziu diretamente à sala dos tripulantes.
Quando entrou na sala, Tratlo viu Peyt Veroni, que distribuía todo entusiasmado
bacias de plástico pelas mesas. No interior da sala o cheiro era tão desagradável que
Tratlo quase perdeu o fôlego.
O Capitão Tratlo empertigou-se.
— Veroni! — exclamou em tom enérgico. — Poderia fazer o favor de dizer o que
está fabricando aí?
— Ah, é o senhor — respondeu Veroni com o rosto alegre. — Queria mesmo
oferecer-lhe uma porção desta iguaria.
— Quer dizer que pretendia guardar uma refeição deste caldo fedorento para mim?
— perguntou Tratlo, estupefato.
— Estou preparando as vergetas segundo uma receita especial fornecida pelo
Tenente Baroon — respondeu Veroni.
— Baroon? — repetiu Tratlo. — Que diabo vêm a ser as tais das vergetas?
— Não venha me dizer que não sabe o que são vergetas! — exclamou Peyt Veroni,
indignado, dando a impressão de que não conseguia conformar-se com a idéia de que
ainda existiam pessoas que nunca tinham ouvido falar nessa iguaria saborosa.
Arl Tratlo já se aproximara do balcão em que eram servidas as comidas e viu a
cozinha. Retirou apressadamente a cabeça, ao ver as nuvens de vapores verdes que
subiam de um grande caldeirão.
— O Tenente Baroon é de opinião que até mesmo a refeição mais simples deve ser
transformada numa obra de arte — disse Veroni. — Cozinhar é uma das artes mais
refinadas que um ser humano pode aprender. Da mesma forma que uma boa pintura exige
uma combinação adequada de cores, uma refeição saborosa precisa de um sortimento de
bons temperos — a voz de Veroni assumiu um tom sonhador. — Um bom cozinheiro que
se encontra junto às suas panelas transforma-se num verdadeiro regente, que...
— Silêncio! — berrou Tratlo, batendo tão fortemente com o pé que os pratos e as
travessas tilintaram. — Será que o senhor não é capaz de preparar uma xícara de café? —
perguntou Tratlo, furioso. — Prepare imediatamente uma refeição de verdade para os
tripulantes.
— E as vergetas? — perguntou Veroni, desconsolado.
— Encha uma grande bacia com elas e envie-as ao camarote do Tenente Baroon.
Tenho certeza de que o tenente saberá dar o devido valor ao resultado dos seus conselhos.
Tratlo foi saindo.
— Feche a porta depois que eu tiver saído — disse.
— Não quero que os tripulantes morram sufocados.
* * *
No sexto dia de viagem, Arl Tratlo já tinha certeza de que não seria mais possível
esconder dos tripulantes as divergências que tinha com Kaarn Baroon. A história das
vergetas espalhara-se pela corveta.
Tratlo estava pensativo, sentado na poltrona do piloto. Refletia para descobrir um
meio de transformar Baroon num homem sensato. Borkmann, que também estava de
serviço, interrompeu suas reflexões, observando que estava na hora de fazer mais uma
ligeira interrupção no vôo linear, para que Batins pudesse orientar-se melhor.
— É verdade, Borkmann — confirmou Tratlo e ligou o microfone do
intercomunicador. — Andarilho Batins, faça o favor de comparecer à sala de comando!
— gritou.
Dali a dez minutos o sargento Vern Horun apareceu na sala de comando. Tratlo
notou que o sargento parecia confuso.
— Pelo que me lembro, solicitei o comparecimento de Batins — observou o
capitão. — Não pôde comparecer? Ou existe algum outro motivo de o senhor ter vindo?
— Está impedido, senhor — respondeu Horun. — Pede que o senhor o desculpe.
Virá logo que puder.
Tratlo refletiu qual poderia ter sido o motivo que impedira o andarilho de
comparecer à sala de comando, mas não descobriu.
— Por que não pôde vir? — perguntou finalmente. Horun preferiu não olhar
diretamente para o capitão.
— Está servindo de modelo — disse.
Tratlo parecia encolher alguns centímetros. Logo bateu com o punho fechado na
braçadeira da poltrona, fazendo-a estalar.
— É por causa de Baroon? — uivou. — Será que ele não pensa em outra coisa
senão fazer um retrato do andarilho?
— Não o está retratando, mas modelando — retificou Horun.
— O quê? — berrou Tratlo.
Levantou de um salto e saiu correndo. Horun fitou-o com uma expressão de
perplexidade. Arl Tratlo atingiu a sala dos tripulantes num tempo recorde e abriu
violentamente a porta. O quadro com que se deparou excedeu seus piores receios.
O andarilho Batins estava agachado na borda da mesa como se fosse uma estátua,
olhando fixamente para o teto. A cinco metros dali o Tenente Kaarn Baroon trabalhava
num bloco de material mole.
Os dedos magros de Baroon soltaram a massa. Estendeu as mãos, dando a
impressão de que tinha medo de sujar o sobretudo que usava. Só então Tratlo teve
oportunidade de ver a obra de arte apenas iniciada, que não tinha a menor semelhança
com Batins.
— Olá, capitão! — exclamou Baroon. — Alegro-me que o senhor esteja interessado
em meu trabalho.
O rosto de Tratlo assumiu uma tonalidade vermelha. O coronel aproximou-se da
massa, para examiná-la mais de perto. Mas quanto mais se aproximava, mais se
convencia de que Baroon não estava reproduzindo a figura do andarilho.
— Que é isso? — perguntou Tratlo, apontando para o material com o qual Baroon
estava trabalhando.
— Não está vendo? — resmungou Baroon. — Estou modelando a cabeça de Batins.
— Ora veja! — disse Tratlo. — Quer dizer que é a cabeça de Batins? Para mim
parece uma batata gigante.
Baroon encolheu-se e tremeu de raiva. — É uma forma moderna de representação
— disse. — É preciso ser entendido em arte para saber avaliar a qualidade deste trabalho.
Tratlo pegou a cabeça de Batins e jogou-a sobre a mesa com tamanha violência, que
ficou achatada de um lado.
— Não sou entendido em assuntos de arte — disse. Mas tenho certeza de que Batins
não tem a obrigação de lhe servir de modelo para este tipo de atividade.
— O senhor não tem o direito de imiscuir-se nos meus assuntos particulares —
grasnou o gênio de Reyan. — Nas horas de folga posso modelar mil cabeças de
andarilhos, caso tenha vontade.
Numa espécie de pesadelo, o Capitão Arl Tratlo imaginou uma cabeça de andarilho
fabricada por Baroon na mesa de cada um dos camarotes.
— Venha comigo! — disse, dirigindo-se a Batins. — A corveta deve interromper o
vôo normal, para que nos orientemos. Para isso precisamos do senhor.
Batins mostrou um sorriso amável e desceu da mesa.
— Sinto muito que sua atividade artística tenha tido um fim tão triste — disse,
dirigindo-se a Baroon.
— Eu também — resmungou o tenente.
Arl Tratlo retirou-se em companhia de Batins.
* * *
No oitavo dia de viagem, o Capitão Arl Tratlo já não tinha a menor dúvida de que
todas as pessoas que se encontravam a bordo da nave sabiam que seu relacionamento
com Kaarn Baroon não era dos melhores. Os dois oficiais só falavam o estritamente
necessário. Tratlo preferia fazer pessoalmente certos tipos de trabalho, somente para não
ter de falar com Baroon.
O vôo linear já fora interrompido quatro vezes. Dentro de dois dias no máximo
atingiriam a periferia da área proibida.
Tratlo gostaria de saber o que pensavam os tripulantes sobre suas divergências com
o imediato da KI-33. Sentiu que os homens continuavam a respeitá-lo, mas não conseguia
livrar-se da impressão de que sorriam atrás de suas costas. Mas a mesma coisa faziam
atrás das costas de Baroon.
Tratlo viu confirmada sua teoria, segundo a qual toda divergência entre os oficiais é
aproveitada pela tripulação. Andou com a idéia de ter uma conversa com Baroon, mas
teve medo de que o reyanense pudesse interpretar o gesto como uma retirada covarde.
E foi por isso que no oitavo dia o revezamento entre os dois oficiais foi feito em
silêncio, tal qual acontecera das outras vezes. Kaarn Baroon entrou na sala de comando.
Tratlo levantou-se.
— Pode assumir. Tudo em ordem.
— Está bem, capitão — disse Baroon laconicamente e deixou-se cair na poltrona.
Tratlo saiu caminhando com as pernas duras. Pretendia ir ao seu camarote, para
dormir algumas horas. Quando passava pelo corredor secundário que levava aos
camarotes dos oficiais, encontrou-se com o cabo Ellis Weingarth. O cabo estava de costas
para ele. Tratlo já notara que Weingarth evitava encontrar-se com ele, desde que fugira
do aroma das iguarias de Veroni.
— Cabo! — disse Tratlo em tom enérgico.
Weingarth estremeceu e virou lentamente a cabeça.
Era natural de Purthag, tal qual os sargentos Horun e Slate.
— Eu não sabia que o senhor pertencia à tripulação desta nave — disse Tratlo em
tom amável.
Weingarth fitou-o estupefato.
— Sou um tripulante, sim senhor — apressou-se em dizer. — Desde o início.
Tratlo levantou a voz.
— Quer dizer que foi mesmo o senhor com quem me encontrei há cinco dias perto
do elevador antigravitacional?
— Fui eu, sim senhor — confessou Weingarth.
— O senhor vai... — principiou Tratlo, mas as palavras seguintes foram abafadas
pelo som estridente das sereias de alarme. O merediense deixou Ellis sozinho e saiu
correndo em direção à sala de comando.
Quando entrou na sala de comando, Tratlo não viu confirmados seus piores receios.
Pelo comportamento dos homens não parecia que a corveta estivesse em perigo. Até
mesmo o Tenente Kaarn Baroon não mantinha uma atitude vigilante. Sua atitude parecia
antes desleixada. As sereias de alarme já tinham silenciado.
Arl Tratlo foi diretamente ao posto de controle e fitou os hiper-rastreadores. Não
havia o menor sinal de que uma espaçonave desconhecida se aproximasse da KI-33.
Baroon virou a cabeça e olhou ostensivamente para o relógio.
— Faz apenas alguns minutos que eu o revezei, senhor — disse.
Rugas ameaçadoras apareceram na testa de Tratlo.
— Isso eu já sabia! — gritou para o reyanense. — Quero que me diga por que
acionou os alarmes.
— Trata-se de um treinamento de rotina, capitão — respondeu Baroon, calmo.
Os olhos de Tratlo pareciam querer saltar das órbitas. Arl respirava com dificuldade
e levou algum tempo para conseguir falar.
— Um treinamento? — repetiu com a voz rouca. — Logo agora?
Com uma fleuma imperturbável, o gênio de Reyan tirou um formulário dobrado de
dentro de uma fenda que havia embaixo da poltrona.
— Eis aqui as instruções sobre o alarme, capitão — disse. — O item 7 diz que o
equipamento deve ser testado no mínimo de três em três meses. Este carimbo mostra que
faz exatamente três meses que foi feito o último controle. Quer dizer que só cumpri meu
dever.
Tratlo engoliu a resposta violenta, através da qual queria manifestar sua opinião
sobre as instruções, fossem quais fossem. Sabia perfeitamente que não poderia alegar
nada contra o tenente. Não tinha a menor dúvida de que o ensaio fora uma forma de
vingar-se da cabeça destruída de Batins.
Tratlo arrependeu-se de ter levantado a voz, pois com isso os homens que se
encontravam na sala de comando puderam testemunhar sua derrota.
— Da próxima vez que quiser experimentar alguma coisa, faça o favor de informar
o comandante, tenente — disse e retirou-se.
* * *
No décimo dia de viagem a KI-33 tinha percorrido quase quarenta mil anos-luz.
Tratlo sabia que, se não fosse Batins, teriam levado muito mais tempo. Os andarilhos
tinham catalogado de forma precisa a nebulosa de Andrômeda. Por isso a única coisa que
se tornava necessária para encontrar a rota certa era fazer algumas adaptações nos
computadores positrônicos da KI-33.
— Infelizmente não posso informar quase nada sobre a área proibida da zona
central — disse Batins, dirigindo-se ao comandante, quando já se encontravam próximos
ao destino. — Nenhum povo astronauta da nebulosa de Andrômeda pode penetrar na
zona de bloqueio sem uma permissão especial.
Tratlo olhou para os mapas abertos à sua frente, que em sua maioria tinham sido
fornecidos pelos engenheiros cósmicos.
— Temos certeza de que esta permissão não nos será dada. Por isso penetraremos
sem ela na zona de alerta — disse.
— Já lhes contei alguma coisa a respeito dos tefrodenses — disse Batins. — É o
povo que habita todos os sistemas solares situados dentro de um setor de quinhentos
anos-luz de diâmetro, que representa a zona de alerta situada à frente do centro
propriamente dito — o andarilho apontou para uma área assinalada em vermelho em um
dos mapas. — Do ponto de vista ótico, os sistemas solares e mundos-base dominados
pelos tefrodenses formam uma espécie de envoltório em torno do núcleo central.
— O senhor nos contou verdadeiras maravilhas a respeito dos tefrodenses — disse
Arl Tratlo.
— Trata-se de um conjunto de povos que exercem as funções de guardas setoriais
— disse Batins em tom insistente. — Golpeiam rapidamente e de forma implacável toda
vez que alguém se atreve a penetrar na zona de alerta, tentando atingir o núcleo central.
— Como são mesmo estes heróis invencíveis? — perguntou o sargento Borkmann
em tom irônico.
Batins levantou os olhos, que mantivera pregados nos mapas.
— São iguais aos terranos — respondeu.
— Está brincando! — respondeu o Capitão Tratlo. — É possível que os tefrodenses
sejam humanóides, mas devem ser bem diferentes dos terranos propriamente ditos.
— Não — insistiu Batins em tom enfático. — Talvez um dia o senhor ainda tenha
uma oportunidade de visitar Tefrod, que é o planeta principal dos tefrodenses. Quando
isso acontecer, o senhor verá que estou dizendo a verdade.
Tratlo notou que o andarilho se sentia contrariado por causa de sua incredulidade e
resolveu mudar de assunto.
— Como saberemos quando estivermos entrando na zona de alerta dominada pelos
tefrodenses? — perguntou.
— Os tefrodenses não deixam nada entregue ao acaso — respondeu Batins. — No
início captaremos apitos em todas as hiperfreqüências imagináveis. É um alerta que os
tefrodenses dirigem aos astronautas que se mostrem curiosos demais. Se prosseguirmos,
os símbolos de alerta dos tefrodenses serão projetados em nossas telas.
— A recepção destes sinais significará que fomos descobertos? — perguntou o
Tenente Kaarn Baroon.
Batins respondeu que não.
— Nossa nave está muito bem camuflada. Portanto, teremos uma boa chance de
penetrar profundamente na zona de alerta. Geralmente os astronautas sentem-se inseguros
quando recebem os sinais de alerta e fazem meia-volta, ainda mais que os tefrodenses
fizeram tudo para que as histórias de suas medidas punitivas corressem pela nebulosa de
Andrômeda.
— O senhor acredita que os tefrodenses sejam os próprios senhores da galáxia? —
perguntou Tratlo.
— Certas circunstâncias poderiam levar a esta conclusão — respondeu Batins. —
Mas constantemente surgem dúvidas a este respeito. Quem poderá ser guardado pelos
tefrodenses, a não ser uma força ainda mais poderosa? Parece não haver nenhuma dúvida
de que o núcleo central da nebulosa de Andrômeda não é habitado pelos povos
tefrodenses. Quer dizer que os seres que vivem lá só podem ser outros. Infelizmente
nossos conhecimentos sobre o núcleo central de nossa galáxia são tão reduzidos que não
temos nenhuma indicação sobre isto.
Tratlo estalou os dedos.
— Suponhamos que os senhores da galáxia realmente habitem o núcleo central.
Neste caso os tefrodenses formariam uma espécie de guarda pessoal privilegiada, cuja
posição é superior à dos demais povos auxiliares.
— Isso mesmo — confirmou Batins. — Posso garantir que deve ter havido um
motivo para que os tefrodenses fossem escolhidos para desempenhar esta tarefa. São
considerados os combatentes mais perigosos da nebulosa de Andrômeda. Além disso
parecem ter descoberto uma solução toda especial para o problema de uma descendência
muito numerosa. As tripulações de que dispõem para suas espaçonaves parecem
inesgotáveis.
Tratlo olhou para Baroon, que se encontrava do outro lado da mesa sobre a qual
estavam espalhados os mapas. O reyanense enfrentou o olhar.
— E agora? O que vamos fazer, capitão? — perguntou.
A Crest III encontrava-se no interior da zona de alerta. Quanto a isso Arl Tratlo não
tinha a menor dúvida. A tripulação da KI-33 conhecia a rota aproximada do
ultracouraçado. A corveta teria de penetrar na zona de alerta. Era o único meio de
estabelecer contato com Perry Rhodan.
— Vamos prosseguir — decidiu o Capitão Tratlo. Teve a impressão de que pela
primeira vez desde que tinham decolado de KA-barato ele e o gênio de Reyan eram da
mesma opinião.
3
Foi como o andarilho previra. Dentro de alguns segundos os hiper-rádios da KI-33
captaram sons parecidos com apitos. Os aparelhos ultra-sensíveis da corveta registravam
três sons destes por segundo. Dali a pouco um traço amarelo-pálido projetado na tela
passou a acompanhar cada um destes sons.
Tratlo sabia que o nervosismo que sentia se transmitira à tripulação. Até mesmo
Batins, um homem amável, que não se abalava por nada deste mundo, dava sinais de
nervosismo.
À medida que a KI-33 penetrava cada vez mais profundamente na zona de alerta, a
coloração dos traços que apareciam nas telas tornava-se mais intensa. O amarelo acabou
sendo substituído por um vermelho profundo.
— Estamos bem no meio — constatou o sargento Borkmann.
— Nada disso — respondeu Batins. — Tenho lá minhas dúvidas de que
conseguiríamos atravessar a zona de alerta sem sermos descobertos.
Neste instante a cabeça de Ron Moseley apareceu na Porta da pequena cabine de
rádio.
— Ondas de hiper-rádio, senhor! — exclamou. — Alguém está inundando a
nebulosa de Andrômeda com sinais.
Tratlo levantou-se de um salto, e Borkmann assumiu os controles da KI-33.
— Venha comigo, Batins! — gritou Tratlo. — Vamos ver o que significa isto.
Batins afastou-se da mesa.
— Não compreendo — respondeu. — Esta inundação de notícias não pode
corresponder aos costumeiros sinais de alerta.
Dali a instantes Batins descobriu que parte dos sinais tinham sido redigidos em
Tefroda, a língua dos tefrodenses.
— Estão transmitindo em código — disse Batins. — Mas não existe a menor dúvida
de que estes sinais representam um alarme geral.
— Um alarme geral? — repetiu Tratlo. — Acha que nossa entrada na zona de alerta
foi notada?
— De forma alguma — tranqüilizou Batins. — Os senhores da galáxia devem ter
descoberto que a invasão dos maahks ao seu próprio sistema é iminente. Estão colocando
de prontidão seus povos auxiliares.
— É bem possível que seja isso, senhor — disse Moseley. — O ponto de origem
das hiperondas fica no centro da nebulosa de Andrômeda.
— Excelente! — exclamou Tratlo. — Quer dizer que a invasão logo começará. As
informações fornecidas pelo Major Duncan são corretas. Os senhores da galáxia e seus
aliados mais poderosos, os tefrodenses, ficarão tão ocupados com os maahks que nossas
manobras secretas neste setor nem serão notadas.
— A situação que se delineia é realmente muito vantajosa para o senhor — disse
Batins.
— Moseley! — disse o Capitão Tratlo. — Temos de tirar proveito deste caos de
hipertransmissões. Transmita imediatamente uma mensagem condensada à Crest, usando
a freqüência da frota. Já conhece os dados. Já temos possibilidade de informar Rhodan
sobre a excursão que estamos realizando.
O permense, que era um homem magro, confirmou com um gesto e inclinou-se
sobre as instalações de hiper-rádio. Tratlo exultava. Tudo corria segundo seus desejos. Se
as frotas gigantescas dos maahks passassem para o ataque, os senhores da galáxia e os
tefrodenses provavelmente teriam trabalho de sobra. Duas naves terranas nem seriam
notadas na confusão. Os terranos teriam oportunidade de cuidar ainda mais intensamente
das atividades dos criminosos que dominavam a nebulosa de Andrômeda. Sem querer, os
maahks acabavam de transformar-se em aliados indiretos do Império Solar.
Tratlo foi ao posto de comando e deu ordem para que Borkmann continuasse na
mesma rota. Dali a mais alguns minutos os receptores da corveta entraram em
funcionamento. Era o Lorde-Almirante Atlan, comunicando a Arl Tratlo que seria
preferível que o comandante da corveta trouxesse sua notícia pessoalmente. Tratlo
recebeu ordem de dirigir-se a um sol geminado verde, que ficava bem no interior da zona
de alerta. Este sol constava do catálogo dos andarilhos.
Uma vez lá, a KI-33 seria recolhida a bordo da Crest III.
— Conseguimos — disse. Notava-se pela sua voz que se sentia decepcionado por
não poder continuar a operar por sua própria conta.
No dia 16 de março de 2.404, tempo terrano, duas naves terranas que seguiam rotas
diferentes aproximaram-se do sol verde geminado que constava do catálogo dos
andarilhos sob a combinação KA I-3365 Erl-9238. Uma destas naves era a Crest III, e a
outra a corveta KI-33.
As duas espaçonaves tinham o mesmo destino, mas o ultracouraçado estava mais
distante do ponto de encontro que a corveta comandada por Arl Tratlo.
* * *
Quando a KI-33 saiu do semi-espaço para retornar ao conjunto espácio-temporal
normal, ela se encontrava junto ao limite interior da zona de alerta, bem próxima do
núcleo central que era a área proibida.
Bastante aflito, o andarilho chamou a atenção de Tratlo para o fato de que o sol
geminado verde provavelmente era o último sistema que os engenheiros cósmicos
puderam incluir em seus catálogos.
— Acho muito arriscado ficarmos por aqui — disse.
— Não há sinal da Crest — constatou o Tenente Baroon.
Tratlo examinou os controles. O sol geminado verde possuía um planeta que era
mais ou menos do tamanho da Lua. Era um mundo que não constava do catálogo dos
engenheiros cósmicos.
— Olhe só, Batins! — pediu Arl Tratlo, dirigindo-se ao cruzador de estruturas. —
Que acha?
Batins pôs-se a contemplar as telas do sistema de rastreamento espacial.
— Geralmente pode-se confiar nos dados fornecidos por meus antepassados —
disse. — Mas é perfeitamente possível que um mundo de dimensões tão reduzidas tenha
escapado à atenção dos engenheiros encarregados das medições. Talvez eles tivessem de
enfrentar perigos enormes enquanto catalogavam o sistema.
A KI-33 deslocava-se lentamente em direção ao mundo desconhecido.
— Não existe atmosfera! — constatou o sargento Borkmann. — Só se vêem
montanhas elevadas e íngremes e extensas planícies pedregosas. Não parece ser um
ambiente muito hospitaleiro.
Tratlo olhou de lado para o sargento. Acreditava que a Crest demoraria mais
algumas horas para aparecer no ponto de encontro previamente combinado. O trimatador
tivera a intenção de entrar com a corveta na área adjacente ao sol A, onde estaria
protegido contra a ação dos rastreadores das espaçonaves desconhecidas. Mas a
descoberta do pequeno planeta abria novas perspectivas.
Arl Tratlo era um homem de iniciativa e a proximidade de um mundo pertencente
ao reino estelar dos tefrodenses exercia uma atração enorme sobre ele.
— Recebemos ordem de transmitir a Perry Rhodan as notícias vindas da nebulosa
Alfa — disse Baroon, interrompendo suas reflexões.
Tratlo ficou vermelho. Até parecia que o tenente adivinhara seus pensamentos.
— Isso nós já sabemos, tenente — retrucou Tratlo em tom áspero. — Ninguém
pensa em fazer outra coisa.
Viu pelo canto dos olhos que Borkmann baixava a cabeça, para dissimular um
sorriso.
— Naturalmente — esclareceu Tratlo — talvez fosse muito interessante fazer uma
pequena visita ao mundo recém-descoberto, que não consta dos catálogos dos andarilhos.
Enquanto Arl Tratlo ainda refletia sobre a forma pela qual poderiam ser
interpretadas as ordens dadas peto Coronel Heske Alurin, a KI-33 prosseguia numa rota
que a aproximava cada vez mais do mundo desértico.
Tratlo mordeu violentamente o lábio inferior. Provavelmente teria cedido à
tentação, se o Tenente Kaarn Baroon não se encontrasse a bordo. O reyanense poderia
causar-lhe dificuldades.
Os outros tripulantes provavelmente ficariam entusiasmados com a idéia de
pousarem no planeta desconhecido, pois veriam na manobra uma variação agradável num
vôo monótono.
— As ordens que recebemos são bem claras — disse Tratlo. — Borkmann, siga em
direção ao sol A.
A decepção do faunense certamente não foi menor que a de Tratlo.
Baroon surpreendeu o comandante, dizendo:
— Que pena! Talvez faríamos uma descoberta interessante!
“Que sujeito hipócrita”, pensou o trimatador, zangado. Esperava que dentro em
breve teria uma oportunidade de passar a perna em Baroon.
O planeta foi ficando cada vez maior, e o maior dos sóis geminados passou a ocupar
toda a área das telas óticas. Tratlo recostou-se na poltrona e observava Borkmann, que
com movimentos seguros conduzia a nave através do espaço cósmico.
Neste instante a desgraça desabou sobre a KI-33.
Veio em forma de uma nave esférica de pelo menos mil metros de diâmetro, que
saiu repentinamente de trás do sol A. A velocidade era tão elevada que a espaçonave
levou somente um instante para aproximar-se da corveta.
Tratlo continuava em sua poltrona, petrificado, quando a KI-33 foi atingida por uma
torrente de fogo. Nenhum tripulante teve oportunidade de ligar os campos defensivos ou
utilizar as armas da nave.
Foi tudo muito silencioso, mas o abalo foi tamanho que Arl Tratlo se viu
arremessado para fora da poltrona. Enquanto caía, viu Jens Borkmann segurar-se com
ambas as mãos na direção. Havia no rosto do tenente uma expressão de espanto e
incredulidade. O ataque fora tão repentino que qualquer tripulação teria sido tomada de
surpresa, pensou Tratlo, enquanto escorregava pelo chão da sala de comando e batia na
mesa dos mapas. Era um consolo muito fraco. As sereias de alarme uivaram, mas já era
tarde.
Tratlo foi-se levantado, apoiado na mesa. As luzes tremiam.
— Os propulsores falharam! — gritou uma voz penetrante.
Tratlo viu que não fora o único que perdera o apoio. Em toda parte os homens se
esforçavam para pôr-se novamente de pé.
A KI-33 fora atingida várias vezes. Tratlo receava que naquele momento estivesse
comandando um montão de destroços. Podia dar-se por satisfeito por ter sobrevivido ao
bombardeio.
O andarilho Batins estava de pé ao lado de Tratlo, inclinado sobre a mesa dos
mapas. Seus olhos muito afundados nas órbitas fitavam Tratlo com um misto de
amabilidade e preocupação. Este olhar ajudou o capitão a recuperar o autocontrole.
Sabia que a essa altura seria inútil tentar ligar os campos defensivos ou responder ao
fogo inimigo. As condições na corveta já não permitiam que se fizesse isso. Só lhes
restava fazer votos de que o inimigo desconhecido se desse por satisfeito com o êxito que
alcançara.
A KI-33 balançava fortemente. Tratlo teve muito trabalho para alcançar a poltrona
de comando. Borkmann continuava agarrado à direção, embora a nave já não obedecesse
aos comandos.
Arl Tratlo aproximou-se do microfone do sistema de intercomunicação.
— Tratlo falando! — gritou, esforçando-se para dar um tom calmo à voz. — Fomos
atacados por uma nave desconhecida. Os propulsores falharam. Todos os tripulantes
colocarão imediatamente trajes protetores equipados com campos defensivos individuais.
O equipamento portátil mais importante será levado à eclusa principal. Preparem-se para
abandonar a nave.
— A nave inimiga se aproxima! — gritou o Tenente Baroon.
O Capitão Tratlo examinou a nave esférica nas telas que continuavam a funcionar.
— Quem vê esta nave, quase é capaz de jurar que ela partiu de um espaçoporto do
Império Solar — disse Baroon. — Possui até mesmo a protuberância equatorial.
O coração de Tratlo começou a bater mais forte.
— Batins! — gritou. — Qual é o povo que possui naves deste tipo?
— Os tefrodenses — respondeu prontamente o engenheiro cósmico. — Como vê,
não é somente no aspecto exterior que os terranos e os tefrodenses se parecem.
— O senhor compreende uma coisa dessas, senhor? — perguntou Borkmann,
desesperado.
Tratlo abanou a cabeça. Teve a impressão de que ainda acabariam de fazer uma
descoberta tremenda. Os terranos esperavam desde o início encontrar surpresas na
nebulosa de Andrômeda.
A nave esférica suspendera o fogo.
— Raios de tração! — disse Baroon. — Estamos sendo rebocados.
Tratlo levantou-se. Acabavam de ganhar um novo prazo, cuja duração não
conheciam. Deviam aproveitar o tempo.
— Vamos! — ordenou. — Todo mundo vai colocar trajes de combate.
Voltou a usar o intercomunicador.
— Quem já tiver colocado o traje protetor e estiver com o equipamento completo,
cuidará dos propulsores. Talvez consigamos consertar as avarias.
Desligou. Enquanto colocava o traje de combate, refletia intensamente sobre o
encontro surpreendente. Tinha certeza de que a nave esférica não aparecera por acaso.
Saíra no momento exato de trás do sol A e partira imediatamente para o ataque.
Certamente estivera à espreita.
“Uma nave de vigilância”, pensou Tratlo. Mas que diabo havia para vigiar?
Quem sabe se era o mundo do tamanho da Lua terrana, do qual o capitão pretendia
aproximar-se? Visto do espaço, este mundo não dava a impressão de que nele havia
alguma coisa para vigiar.
Naturalmente era possível que se tratasse de uma nave-patrulha, que estava
realizando um vôo de rotina e encontrara a corveta.
Tratlo teve a impressão de que tão depressa não teriam a resposta a estas perguntas.
De qualquer maneira, a profecia de Batins, de que os tefrodenses eram inimigos muito
perigosos, acabara se confirmando.
A KI-33 estava completamente indefesa. Qualquer tentativa de oferecer resistência
ao inimigo na situação em que se encontravam equivaleria a um suicídio. Tratlo não pôde
deixar de formular certas auto-recriminações. Como o vôo fora muito calmo, não tivera a
atenção necessária no interior do sistema. No entanto, tinha suas dúvidas de que, mesmo
que tivesse sido atento, teria conseguido fugir.
Tratlo fechou o capacete e ligou o radiofone.
Só neste momento se lembrou de que a Crest III deveria chegar dentro de pouco
tempo. Fazia votos de que o ultracouraçado estivesse em condições de resistir ao inimigo.
Os ocupantes da KI-33 não tinham nenhuma possibilidade de prevenir o Administrador-
Geral. A Crest III cairia na mesma armadilha que acabara de revelar-se fatal para a
corveta.
— Para onde seremos levados? — perguntou Jens Borkmann.
Tratlo levantou os olhos e viu que o faunense também estava enfiado num traje de
combate. Conversavam pelos radiofones embutidos nos capacetes.
Tratlo voltou à poltrona de comando.
— Acho que já sei — respondeu. — Parece que estão nos levando ao mundo
desértico que descobrimos no momento em que chegamos ao sistema.
— É isso mesmo, capitão — disse a voz do Tenente Baroon, saída do rádio-
capacete de Tratlo. — Só fico me Perguntando quanto tempo o comandante da nave
esférica desconhecida ainda levará para reduzir a velocidade. Se continuar assim, o pouso
será bem violento.
Arl Tratlo olhou para os controles e viu que era isso mesmo. A conclusão que se
devia tirar do comportamento do inimigo era clara e assustadora.
Pretendem libertar-nos do raio de tração quando estivermos sobre o mundo
desértico — disse Tratlo. — pelo amor de Deus, tenente! Se até lá não conseguirmos pôr
para funcionar o propulsor, a nave se espatifará na superfície do planeta.
No momento o capitão não tinha nada a fazer na sala de comando. Dirigiu-se à sala
de máquinas o mais depressa que pôde. Encontrou sete homens amargurados, que
praguejavam, enquanto se esforçavam para pôr em funcionamento pelo menos o sistema
de propulsão normal. Tratlo viu os sargentos Horun e Slate. Peyt Veroni também estava
lá.
— Rápido! — gritou para os homens. — Se não andarmos depressa, cairemos na
superfície do planeta.
— É o suprimento de energia, capitão! — exclamou alguém. — Os condutos estão
interrompidos em algum ponto. Deve ser uma avaria leve, mas para consertá-la teremos
de encontrá-la.
— Já experimentou o sistema de emergência? — perguntou Tratlo. — Temos de
ganhar nem que sejam alguns minutos.
— Nas outras salas há um incêndio — disse alguém, transmitindo mais uma notícia
alarmante. — Nestas condições seria muito arriscado ligar o sistema de emergência com
o propulsor normal. Interromperíamos o fornecimento de energia do resto da nave, além
de provocarmos o perigo de uma explosão.
— Não saia daqui! — ordenou Tratlo, enquanto contornava os gigantescos
conversores.
— O que pretende fazer, capitão? — gritou alguém. — Lá atrás há fogo.
Tratlo fez como se não tivesse ouvido estas palavras de advertência. Se não
conseguissem mudar os contatos do conjunto de emergência, não teriam por que
preocupar-se com o futuro.
A escotilha que dava para a sala de máquinas dos fundos estava fechada. Tratlo teve
de fazer um grande esforço para abri-la. Ficara empenada por causa dos fortes abalos.
Quando finalmente a escotilha se abriu, uma figura baixa enfiada num traje de combate
apareceu perto de Tratlo.
— Slate! — exclamou este. — Fique aqui para ajudar os outros.
O rosto do sargento, que aparecia atrás do visor do capacete, desfigurou-se num
sorriso obstinado. Apontou para as chamas que lavravam na sala.
— Acho que ali minha presença será mais necessária, senhor.
Tratlo deu de ombros e prosseguiu. Se não fossem os trajes de combate,
provavelmente não teriam avançado nem dez metros. O chão estava coberto de peças de
plástico fundidas. O revestimento das paredes fora enegrecido pela fumaça. Tratlo mal
conseguiu orientar-se. Conforme esperara, os geradores de emergência também estavam
em chamas. Mas era apenas o isolamento que começava a fundir-se.
— E agora, senhor? — perguntou Slate.
— Vamos mudar os contatos — respondeu Tratlo.
O sargento devia pensar que ele estava louco, perdendo seu tempo em fazer uma
coisa completamente inútil. Mas Slate ficou a seu lado, enquanto caminhavam entre os
conjuntos geradores de emergência, dirigindo-se aos controles. O estado em que se
encontravam as chaves fez com que Slate temesse o pior. Se não estivesse calçando
luvas, não poderia segurar os comandos. Fechou os olhos por um instante, à espera da
explosão que se seguiria.
— Senhor! — disse Slate com a voz rouca. — Temos de sair daqui.
Saíram correndo para a escotilha.
Tratlo sabia que fizera tudo que estava ao seu alcance para salvar a nave e seus
tripulantes. A única coisa de que precisavam era um pouco de sorte para resistir ao pouso
de emergência.
Os homens que trabalhavam na sala principal dos conversores cumprimentaram-no
com gritos de triunfo. Tratlo compreendeu que os propulsores comuns acabavam de
entrar em ação. Já tinham uma chance de pousar com certa segurança na superfície do
mundo desértico, o que certamente não correspondia aos desejos dos seres que acabavam
de derrotá-los.
Tratlo fazia votos de que Baroon e Borkmann, que se encontravam na sala de
comando, fizessem o que deviam, assumindo os comandos assim que a KI-33 se
libertasse da ação do raio de tração.
Os tripulantes da grande nave esférica pareciam não ter escrúpulos. O objetivo do
ataque fora matar os ocupantes da corveta e apoderar-se do veículo espacial. Se a
espaçonave esférica realmente era tripulada por tefrodenses, Tratlo já compreendia o
receio do andarilho, que achava que não deveriam ter penetrado nesta área. O ataque à
corveta fora executado com um terrível precisão. A tripulação tefrodense abrira fogo, sem
saber quais eram as intenções dos intrusos.
Quando o comandante voltou à sala de comando, a KI-33 encontrava-se apenas a
algumas centenas de metros da superfície do planeta desértico. As telas de imagem
mostravam uma extensa cadeia de montanhas, junto a cujas encostas a corveta pousaria.
O vôo não era tranqüilo, mas Borkmann fez um gesto tranqüilizador, para que Tratlo
soubesse que tinham uma chance de pousar a nave gravemente avariada em segurança.
— A espaçonave esférica voltou a retirar-se para trás do sol A — disse Baroon. —
Parece que considera cumprida sua missão.
— Hum! — fez Tratlo. — Pois eu esperava que nossos inimigos se dispusessem a
pousar, para examinar a corveta.
— Era o que eu receava, capitão — interveio Borkmann. — Mas os tefrodenses
retiraram-se assim que nos soltaram do raio de tração.
— Quer dizer que se trata mesmo de uma nave de vigilância, que fica na espreita
atrás dos dois sóis, onde está protegida da ação dos rastreadores, até que se veja obrigada
a entrar em ação — disse Tratlo. — Provavelmente a esta hora estarão avisando outras
unidades, que se encarregarão de examinar nossa nave.
— Era só o que faltava, senhor — disse Wilcock, o navegador.
— Teremos de abandonar os destroços assim que tivermos pousado — disse o
trimatador. — Perto das montanhas certamente encontraremos algumas cavernas nas
quais possamos retirar-nos. Uma vez lá, ficaremos à espera da Crest.
Um abalo tremendo sacudiu o veículo espacial de sessenta metros de diâmetro,
quando Borkmann o fez entrar em contato com a superfície pedregosa.
— Menos violento que isto não foi possível — lamentou-se o sargento. Quatro das
colunas de sustentação não saíram mais.
— Todo mundo para a eclusa! — ordenou Tratlo. Borkmann, que se encontrava no
assento do piloto, apoiou as mãos nos quadris.
— Só falta encontrar um nome para este planeta solitário — disse.
— Quanto a isso não há problema — disse o Tenente Kaarn Baroon. —
Chamaremos este mundo de Multimatador.
Era a primeira vez que o Capitão Tratlo se lamentava de que era proibido atirar em
qualquer pessoa que pertencesse à USO.
4
O sol A era um gigantesco disco chamejante, que ficava quase verticalmente em
cima dos náufragos espaciais. A luminosidade do sol B ainda era suficiente para
mergulhar as montanhas que se estendiam junto à linha do horizonte numa luz
chamejante, destacando fortemente as silhuetas.
O Capitão Arl Tratlo colocou os pés no chão ressequido pelo calor. As pedras
quebravam embaixo de suas botas. Uma pessoa sem traje protetor não teria sobrevivido
neste ambiente por mais de alguns segundos.
Tratlo regulou o suprimento de oxigênio da pequena aparelhagem que trazia nas
costas.
Protegeu o visor do capacete com a mão e contemplou os arredores. O quadro com
que se deparou não era de molde a deixá-lo mais otimista. Não havia o menor sinal da
existência de uma base pertencente a algum povo estranho.
Arl Tratlo afastou-se, para que os outros homens pudessem retirar da corveta o
equipamento especial e a aparelhagem portátil. O sargento Borkmann colocou-se ao lado
de Tratlo.
— É um lugarzinho bem tranqüilo, capitão — disse, enlevado. — É o tipo de
mundo em que gostaria de viver depois de aposentado.
Tratlo apontou para as encostas das montanhas.
— Vamos tratar de encontrar logo uma caverna — disse. — Os trajes de combate
não resistirão ao calor por muito tempo.
Borkmann girou lentamente em torno do próprio eixo. Apontou para o horizonte
com o braço estendido.
— Olhe o sol B! — disse. — Felizmente está tão baixo que as montanhas nos
protegerão contra seus raios.
— Parece que o planeta fica voltado sempre com a mesma face para o sol maior —
disse Tratlo. — O sol B fica um pouco mais longe, e por isso parte da face noturna do
planeta é iluminada por ele.
— Está vendo sinais de uma civilização? — perguntou a voz do Tenente Baroon
pelo rádio-capacete.
Tratlo abafou a raiva que ameaçava tomar conta dele e respondeu que não. Não
pudera impedir que o planeta conservasse o nome com que Baroon o batizara. A
tripulação da KI-33 aceitara imediatamente a sugestão.
Tratlo sentiu-se aliviado quando Batins apareceu a seu lado, enfiado num traje
especial.
— Que mundo desolado — disse o engenheiro cósmico. — Além dos tefrodenses,
teremos de enfrentar os perigos representados pelo ambiente hostil.
— Vamos retirar-nos para as montanhas — disse Tratlo. — Os rastreadores
portáteis nos ajudarão a encontrar logo uma caverna na qual possamos esconder-nos.
Batins apontou para a corveta, em cuja calota polar se via um enorme rombo.
— O que será feito da nave? — perguntou. — Vamos deixar que caia nas mãos dos
tefrodenses?
— Não — respondeu Tratlo em tom resoluto. — O comando de destruição já está
funcionando. A KI-33 explodirá dentro de dez minutos. Os tefrodenses não encontrarão
nada além de algumas chapas de metal amolecidas pelo calor.
Os tripulantes estavam reunidos em torno de Tratlo. Todos os aparelhos portáteis já
tinham sido retirados da nave. O capitão sentia-se satisfeito porque dispunham de um
equipamento tão valioso, que lhes permitiria conquistar em pouco tempo um planeta
habitado por seres primitivos.
Mas o planeta Multimatador não possuía atmosfera, e nele não havia sinais de uma
civilização. No momento o maior inimigo dos náufragos era o sol, que abrira rachaduras
na superfície do planeta.
Tratlo lançou um olhar para a corveta. Fechou os olhos ao ver uma figura flutuar em
direção à eclusa.
Segurou o braço de Borkmann, que se encontrava a seu lado.
— Quem é este? — perguntou, aborrecido.
— Sou eu, capitão, o Tenente Baroon — respondeu o reyanense.
— Volte imediatamente! — gritou Tratlo, indignado.
— A corveta explodirá dentro de alguns minutos. O que vai fazer dentro da nave?
— Preciso salvar alguns pertences pessoais, capitão — informou Baroon, sem
interromper seu vôo.
Tratlo viu a figura desaparecer na eclusa aberta.
— Volte imediatamente! Isto é uma ordem!
A voz de Tratlo quase chegava a atropelar-se.
— Sinto muito, capitão — respondeu o gênio de Reyan.
— O senhor está se recusando a cumprir as ordens de um superior! — berrou
Tratlo.
— De forma alguma — objetou o tenente. — No caso de naufrágio, os dois oficiais
mais graduados têm o direito de permanecer a bordo enquanto acharem necessário.
— Até parece que o senhor decorou o regulamento — observou Tratlo, furioso.
— Quando fui informado pelo Coronel Alurin de que iria servir como imediato a
bordo de uma corveta comandada pelo senhor, julguei conveniente cuidar disso —
explicou Baroon em tom amável.
— Pois faça o que quiser — resmungou Tratlo. Voltou a dirigir-se aos tripulantes
reunidos em torno dele.
— Vamos embora! — decidiu. — Borkmann, o senhor irá na frente. Sempre que
possível, siga em linha reta para as montanhas. Não podemos deixar para trás nenhum
equipamento.
O sargento Borkamnn ligou o equipamento de vôo e desprendeu-se da superfície. A
gravitação do planeta Multimatador era muito inferior à reinante a bordo da corveta.
Tratlo esperou que os tripulantes se afastassem. Olhou para o relógio. A corveta
explodiria dentro de três minutos.
Finalmente Kaarn Baroon apareceu na eclusa. Segurava uma coisa nas mãos. A
distância a que se encontrava não permitia que Tratlo visse o que era.
— Já estou de volta, capitão — disse a voz de Baroon. — Vamos embora.
O tenente passou voando por cima de Tratlo e não demorou a juntar-se aos
astronautas que iam à sua frente. Tratlo lançou mais um olhar para a corveta e também
partiu. O maior dos sóis gêmeos parecia sugar todos os objetos. Tratlo sentiu calor,
apesar do isolamento térmico do traje de combate.
Quando alcançou o tenente, Tratlo viu que este segurava uma pintura junto ao peito,
para protegê-la contra os raios do sol. Ficou satisfeito ao notar que em toda parte se
formavam bolhas, e as tintas se desmanchavam.
— Estou preocupado com sua obra de arte, tenente — disse Tratlo em tom amável.
— A parte principal dela está pingando no chão.
Baroon virou apressadamente a pintura e contemplou-a, sem reduzir a velocidade.
— É a Dança do Sacrifício da Fada do Espaço — disse, deprimido. — Nunca gastei
tanto tempo numa pintura.
Deixou cair o quadro. Dali a instantes foi parar entre as rochas, onde se desmanchou
no calor.
— Até mesmo um planeta inóspito sempre tem suas vantagens — observou Tratlo e
passou à frente de Baroon, que lançava um olhar triste para baixo.
— Suas concepções filosóficas me impressionam bastante — disse Baroon. — Fico
muito feliz em ouvi-lo falar assim.
O Capitão Tratlo sabia que todos os tripulantes da KI-33 podiam ouvir a conversa.
Por isso achou preferível não responder às palavras do reyanense.
Nem mesmo o ataque repentino e a perda da nave puderam melhorar o
relacionamento de Tratlo e Baroon.
Tratlo não tinha a menor dúvida de que, se houvesse um perigo grave, seriam
forçados a cooperar. Mas era só.
Já estavam sobrevoando os contrafortes das montanhas, quando a corveta explodiu.
Nenhum dos tripulantes da KI-33 poderia culpá-lo por isso, mas Tratlo viu na perda da
nave um infortúnio pessoal. Vivia pensando para descobrir se não teria havido um meio
de defender-se do ataque da nave tefrodense antes que fosse tarde.
Agora, que a corveta deixara de existir, as esperanças do merediense concentravam-
se na Crest III. O grupo de Tratlo dispunha de três aparelhos de hiper-rádio portáteis.
Dessa forma teriam a possibilidade de prevenir a tripulação da ultranave, antes que esta
caísse na mesma armadilha que se revelara fatal para a KI-33.
Arl Tratlo parou à frente dos outros astronautas. Os equipamentos de vôo acoplados
aos trajes de combate consistiam em projetores antigravitacionais conjugados com
micropropulsores. Desta forma a pessoa tinha a possibilidade de escolher um dos dois
meios de locomoção. Os trajes especiais tinham sofrido aperfeiçoamentos constantes no
curso dos anos, fazendo com que reunissem vantagens que antigamente não eram
encontradas num único modelo. Quem usasse um traje de combate deste tipo teria uma
chance de sobrevivência até mesmo no espaço cósmico, desde que o auxílio não
demorasse demais.
— Parece haver grandes espaços ocos lá embaixo — informou Ellis Weingarth, que
carregava um rastreador portátil. — Acho que ali poderemos encontrar um labirinto de
cavernas.
— Ótimo — respondeu Tratlo, satisfeito. — Haveremos de encontrar um lugar em
que possamos entrar voando. Uma vez lá dentro, não correremos perigo, ao menos por
algum tempo.
— Os rastreadores de matéria também estão reagindo — exclamou o cabo
Weingarth, exaltado. — E é uma reação muito intensa. Até se poderia ser levado a
acreditar que por lá existem depósitos de minerais de grande teor de pureza.
— Não é possível! — objetou Tratlo. — Isso não combinaria com a estrutura do
planeta. Não se vê nenhum filete de minério na superfície.
O trimatador apressou-se em chegar perto de Weingarth. Leu as indicações
projetadas no mostrador do rastreador. Weingarth tinha razão.
— Tem alguma explicação, Batins? — perguntou Tratlo, dirigindo-se ao andarilho.
— Espaços ocos e depósitos de minerais são duas coisas que não combinam —
disse Batins, pensativo. — Mas é possível que nestas cavernas exista outra coisa que
tenha provocado a reação dos rastreadores.
— Senhor! — exclamou Jens Borkmann. — Não se esqueça da Lua. O satélite do
planeta Tena também foi completamente escavado e está recheado de máquinas.
— Não vamos tirar conclusões apressadas — advertiu Tratlo. — Se houvesse
instalações dos tefrodenses lá embaixo, deveria haver algum sinal na superfície. Ao
menos depois da explosão da corveta alguém se teria interessado por nós.
— A idéia de Borkmann não é tão absurda como poderia parecer, senhor — disse o
Tenente Baroon. — Não se esqueça da nave de vigilância. Caso existam instalações
subterrâneas aqui, já sabemos o que a nave está vigiando.
— É apenas uma teoria — resmungou Tratlo. Não podia deixar de reconhecer que
Borkmann talvez tivesse razão, mas não gostou que Baroon tivesse apoiado e
desenvolvido a idéia do sargento.
Caso no interior do planeta realmente houvesse instalações dos tefrodenses, a fuga
para dentro das cavernas Poderia ser o fim do pequeno grupo. Tratlo sabia que não lhe
restava nenhuma alternativa senão investigar o assunto. Se permanecessem na superfície
aquecida do planeta, morreriam com certeza.
— Espalhem-se! — ordenou Tratlo. — Precisamos dividir-nos para descobrir a
entrada das cavernas.
Passou a voar apenas alguns metros acima da superfície rochosa. Havia inúmeras
fendas capazes de abrigar um homem, mas geralmente não tinham mais de dois ou três
metros de profundidade. Poucas vezes Tratlo vira um mundo mais desolado que este.
— Acho que encontrei uma coisa, capitão! — disse uma voz saída do rádio-
capacete de Tratlo. — Larcoon, o rádio-operador, falando. Encontro-me junto ao pico
escarpado, junto à extensa planície rochosa.
Tratlo procurou orientar-se e finalmente viu Larcoon imobilizado sobre o lugar
indicado. Alguns dos homens já voavam em sua direção.
— O que foi que o senhor descobriu? — gritou Tratlo.
— Embaixo deste pico parece haver a entrada de uma caverna — respondeu o
homem natural do setor de Vega.
Os tripulantes da nave destruída aproximavam-se do pico, vindos de todos os lados.
Tratlo foi um dos primeiros a chegar. Larcoon desceu mais um pouco e apontou para uma
reentrância em forma de rim, aberta na rocha.
— É uma entrada bem grande. Parece que não está sendo vigiada, capitão — disse
Borkmann.
— Sargento Slate, desça e examine o lugar. Ficaremos aqui em cima para dar-lhe
cobertura.
Mesmo enfiado no traje de combate, o homem baixo nascido em Purthag destacava-
se entre os demais. Os homens permaneceram em silêncio, vendo Kalim Slate descer e
pousar são e salvo junto à entrada da caverna. Só então Tratlo viu que a entrada na rocha
tinha vários metros de diâmetro.
Slate contornou a entrada.
— Desce obliquamente, senhor — informou. — Não vejo nada que indique a
existência de instalações subterrâneas.
— Está bem — disse Tratlo, calmo. — Entre voando na caverna e verifique como
estão as coisas lá dentro. Não quero que se arrisque. Assim que surja algum perigo, volte.
Quem se encontrava mais em cima, poderia ter a impressão de que Slate hesitava
em cumprir a ordem. Mas isto acontecia somente porque o sargento tinha que subir na
superfície, para entrar voando na abertura. Tratlo viu por um instante a luz do farol de
Slate na sombra do penhasco. Finalmente o sargento desapareceu no interior da abertura
existente na superfície do planeta superaquecido.
— Tudo em ordem, sargento? — gritou Tratlo.
— Pode vir, senhor — respondeu Slate. — Mais para baixo a caverna fica mais
larga, mas está completamente abandonada.
O Capitão Arl Tratlo fez um sinal para os companheiros. Foram descendo um após
o outro e entrando na caverna. Até se poderia ter a impressão de que eram tragados pela
boca de um monstro.
5
Os faróis dos homens da USO iluminavam as paredes ásperas da caverna. O aspecto
interno do Multimatador não era muito diferente do externo. Os homens voavam em fila
indiana, com o sargento Slate e Arl Tratlo na frente.
Pelos cálculos do capitão, já tinham deslocado uns cem metros, mas ainda não se
encontravam mais de vinte metros abaixo da superfície. Logo depois da entrada a caverna
descia fortemente, mas depois de alguns metros corria quase paralelamente à superfície.
Os rastreadores mostravam perfeitamente que a tripulação da corveta penetrara num
verdadeiro labirinto de cavernas. Acabariam dando com galerias laterais ou poços que
descessem para as profundezas. Os rastreadores de matéria indicavam os valores
máximos.
Tratlo fez girar o farol e iluminou as paredes. Poderia dar ordem de parar, pois no
lugar em que se encontravam estariam razoavelmente seguros. Mas queria descobrir o
que provocava a reação nos aparelhos altamente sensíveis. Será que o planeta em que se
encontravam possuía um núcleo magnético? Ou será que havia instalações gigantescas
dos tefrodenses na face noturna do planeta?
— Senhor! — gritou a voz estridente de Slate.
Tratlo fez girar abruptamente a luz do farol, dirigindo-a para o lugar iluminado pelo
sargento.
A caverna terminava ali. Mas a luz dos faróis não batia nas paredes ásperas da
caverna. Ia quebrar-se em peças de metal polido.
— Parem! — ordenou Tratlo, baixando instintivamente a voz.
Foram parar lado a lado no chão acidentado da caverna. Todos dirigiam seus faróis
para o obstáculo que os impedia de prosseguir.
— Então é isso! — exclamou o Tenente Baroon, nervoso.
Tratlo e Batins foram para junto da parede metálica.
— Não acredito que seja uma simples barreira — disse o andarilho. — Ao que tudo
indica, é o começo de um grande estabelecimento subterrâneo. Esta parede forma seu
limite. Provavelmente só foi engastada na rocha para evitar que o oxigênio escape das
salas que ficam lá atrás.
— Até parece que o senhor espera encontrar uma supercidade — disse o sargento
Borkmann.
— Pelo que se sabe, os tefrodenses costumam fazer muito bem feito tudo em que
põem as mãos — respondeu Batins.
— A ausência de guardas parece depor contra o fato de eles fazerem as coisas bem
feitas — observou o sargento Horun.
— Os tefrodenses sabem perfeitamente que é impossível um grupo maior de naves
chegar até aqui — respondeu Batins. — E o que acontece com uma nave isolada que se
aproxime nós acabamos de ver. Por que haveriam de colocar guardas?
— Será que as pessoas que se encontram lá dentro já estão informadas sobre nossa
chegada? — perguntou Baroon.
— Tenho minhas dúvidas — respondeu Batins. — O comandante da nave de
vigilância certamente deve ter comunicado aos tefrodenses que se encontram lá dentro
que a tripulação da nave derrubada pereceu na queda.
Tratlo deu uma risada zangada.
— Vamos dar uma olhada por aqui — disse.
Ele e Batins puseram-se a examinar a parede metálica, que não apresentava a menor
fresta e parecia soldada à rocha. Parecia não haver nenhuma passagem.
— Ficamos retidos — confessou Tratlo. — Aqui não conseguiremos passar. Mas os
tefrodenses devem ter um meio de chegar ao seu reino subterrâneo.
Tratlo mandou que os homens se espalhassem e saíssem à procura de galerias
laterais. Ele e Batins permaneceram junto à parede metálica.
— Alguma coisa é fabricada aqui — conjeturou Batins.
— Não devem ser espaçonaves — disse Tratlo. — Para isso as instalações são
muito pequenas.
— Não são tão grandes assim, mas devem ser muito importantes — respondeu
Batins.
— Mais um motivo para verificarmos de que se trata — disse Tratlo em tom
arrojado.
— Tenha cuidado — disse Batins em tom sério. — Os tefrodenses costumam não
fazer muitas cerimônias com os visitantes inoportunos.
— Vamos com calma — disse Tratlo com um sorriso.
— Estamos tão bem equipados que podemos resistir por algum tempo a um
pequeno exército. Parece que os tefrodenses só têm a vantagem do número.
Batins ficou calado. Devia estar cansado de chamar a atenção do capitão para o
perigo que representavam os tefrodenses. Mas por mais que o andarilho o advertisse,
Tratlo não se deixaria demover da resolução tomada. Em sua opinião, o Multimatador
devia esconder um segredo cuja descoberta os aproximaria bastante do mistério dos
senhores da galáxia. Tratlo queria descobrir tudo que fosse possível sobre as instalações
dos tefrodenses, antes que a Crest III chegasse. E era o que pensavam todos os
companheiros. Quanto a isso não tinha nenhuma dúvida.
Depois de algum tempo o cabo Ellis Weingarth descobriu uma fenda lateral junto à
parede metálica. Chamou o Capitão Tratlo. O trimatador passou a luz do farol pela
abertura.
— É muito estreito para dar passagem a um homem — concluiu. — Teremos de
ampliar isto à força.
— Para isso teríamos de usar as armas — objetou o Tenente Kaarn Baroon. — Os
tefrodenses certamente detectariam a descarga energética.
— É um risco que vamos assumir — disse Tratlo. Pegou a arma energética pesada
que trazia presa ao cinto e apontou-a para a fenda.
— Para trás! — disse, dirigindo-se a Weingarth.
— Capitão! — exclamou Batins. — Não se esqueça de que usando a arma o senhor
chamará a atenção do inimigo para nossa presença. Por que não voltamos e procuramos
outro lugar por onde possamos entrar?
— Dispenso suas lições! — gritou Tratlo, zangado, e puxou o gatilho. A rocha
desmanchou-se. Numa questão de segundos a fenda abriu-se bastante para que os homens
pudessem espremer-se por ela. Tratlo foi na frente. Viu-se numa caverna maior, cujo
chão fora alisado. Em toda parte viam-se recipientes em forma de barril.
Tratlo esperou que Borkmann atravessasse a abertura. Iluminou os barris.
— É um depósito, senhor — disse Borkmann. — Deve haver uma eclusa que leve
ao interior das instalações.
— Talvez este lugar tenha sido abandonado há tempo pelos tefrodenses — disse Arl
Tratlo. — Parece tudo tão abandonado.
Enquanto os tripulantes da corveta se reuniam no depósito, Tratlo revistou a parede.
Acabou descobrindo uma eclusa de três metros de altura.
Batins e Veroni tinham aberto um dos barris, que continha um pó grosso e cinzento.
Tratlo ficou parado à frente da eclusa, com os lábios cerrados. Viam-se
perfeitamente as alavancas que serviam para acionar o mecanismo, mas o merediense
ainda hesitava. Até então tinham tido muita sorte. Os tefrodenses não os haviam
descoberto. Mas era bem possível que isso acontecesse assim que abrissem a eclusa.
Tratlo sabia perfeitamente que, se não penetrassem nas instalações subterrâneas,
não descobririam nada. Alguns barris cheios de pó não permitiam nenhuma conclusão.
De repente Tratlo viu-se interrompido em suas reflexões, pois a parede da eclusa
deslizou para o lado. O merediense levantou o desintegrador, preparado para rechaçar
qualquer atacante. Uma luz filtrou de dentro da câmara da eclusa. Tratlo viu um carro
robotizado com barris sobre a plataforma de carga aproximar-se.
Baixou a arma. Um acaso acabara de dar-lhes a oportunidade de entrarem na
câmara da eclusa sem serem percebidos. Seria mesmo um acaso? Tratlo acompanhou o
carro robotizado, que parou à frente de uma pilha de barris. Duas garras metálicas
seguraram os recipientes e colocaram-nos cuidadosamente no chão.
— E agora? — cochichou o sargento Borkmann. Tratlo viu os últimos barris serem
tirados da plataforma de carga do veículo. Teria de decidir logo, pois o veículo voltaria a
qualquer momento e a eclusa se fecharia atrás dele.
Era possível que aquilo fosse uma armadilha dos tefrodenses, mas se era assim
também poderiam ser atacados no lugar em que se encontravam. O inimigo não haveria
de permitir que voltassem à superfície.
O capitão empertigou-se e entrou na câmara da eclusa, seguido pelos tripulantes da
corveta. Desligaram os faróis. Tiveram de ficar bem encostados às paredes, para dar
Passagem ao veículo.
Numa súbita resolução, Tratlo saltou para cima da plataforma de carga.
— Vamos, tenente! — disse a Baroon. — Suba!
Baroon obedeceu, evidentemente contrariado.
— Assim que a parede da eclusa se abrir, os outros ficarão perto do carro, até que
saltemos — decidiu Tratlo.
A eclusa fechou-se. Os homens já não podiam ver mais o depósito. Tratlo sabia que
não teriam mais como voltar. Estava agachado na plataforma de carga do veículo, ao lado
de Baroon, esperando que a parede interna da eclusa se abrisse.
Os tripulantes da KI-33 comprimiam-se em torno do veículo. Batins estava de pé,
na ponta do carro, com a cabeça abaixada. Tratlo não acreditava que o andarilho fosse um
homem temeroso, mas ele deixava ver claramente que não concordava com os planos do
capitão.
A luz apagou-se, e a parede interna da eclusa abriu-se. Logo voltou a ficar claro.
Tratlo agarrou firmemente o desintegrador e ficou bem encostado à plataforma de carga
do veículo, que saiu com um solavanco. Tratlo pôs a cabeça para o lado a fim de enxergar
para além do revestimento do motor, e viu um pavilhão gigantesco, fortemente
iluminado. Respirou aliviado, porque não via nenhum ser vivo. A maior parte do espaço
era ocupada por máquinas de aspecto estranho. Havia faixas de transporte relativamente
estreitas entre elas. As esteiras automáticas estavam em movimento, mas os objetos
transportados por elas eram tão pequenos que na distância em que se encontrava Tratlo
não pôde identificá-los.
O carro passou entre duas máquinas grandes. Tratlo fez um sinal para o tenente, e os
dois saltaram. O veículo robotizado prosseguiu e dali a pouco não foi visto mais pelos
homens.
Tratlo esperou que toda a tripulação da KI-33 se reunisse num lugar em que
estivesse protegida pelas máquinas e dirigiu-se a Batins.
— Se há tefrodenses por aqui, eles certamente já estão informados sobre nossa
presença — disse. — Por que não demonstram nenhum interesse por nós?
— O motivo é bem simples — respondeu o andarilho. — Certamente só há alguns
técnicos e cientistas por aqui. Seu número é tão reduzido que não podem tornar-se
perigosos para nós. Mas isto não importa, pois os tefrodenses nunca se esquecem de
nenhum detalhe. Sem dúvida têm algum meio de trazer reforços.
Tratlo confirmou com um gesto. Talvez o tempo de que dispunham para examinar
as instalações fosse bastante reduzido.
Batins apontou para as máquinas.
— Já não tenho a menor dúvida de que conseguimos entrar num conjunto de
instalações tefrodenses — disse. — A forma das máquinas é típica deles.
“E têm uma semelhança espantosa com as máquinas terranas”, acrescentou Tratlo
em pensamento. Não adiantava querer negar este fato. As idéias mais absurdas passaram
pela cabeça do trimatador. Será que as duas galáxias tinham algo em comum? Teria
havido uma repetição na seqüência dos acontecimentos cósmicos? Tratlo lembrou-se de
várias teorias e de algumas explicações fantásticas encontradas em certos mitos antigos.
Mas a lógica lhe dizia que isto só podia ser obra do acaso. Haveria algum motivo
que impedisse que em duas galáxias diferentes surgissem povos muito parecidos? Talvez
as condições em que os tefrodenses tinham construído sua civilização fossem as mesmas
que se tinham verificado nos primórdios da história da Humanidade.
Tratlo percebeu que estas reflexões não levariam a nada. A solução do enigma teria
de ficar por conta de outras pessoas. A única coisa que podia fazer era prestar sua
contribuição para que a solução fosse mais rápida.
— Baroon e eu examinaremos as vias robotizadas — disse. — Os outros não sairão
daqui. Tomem cuidado para que não sejamos atacados. Não atirem enquanto o inimigo
não abrir fogo — fez um sinal para o tenente. — Venha comigo, Baroon.
Tratlo e o reyanense saíram de trás das máquinas, onde estavam relativamente
protegidos, e dirigiram-se às esteiras transportadoras. Era como Tratlo supusera: as
esteiras só transportavam objetos pequenos. Ao que parecia, tratava-se de
microaparelhos. Tratava-se de placas metálicas circulares, de um centímetro de diâmetro
por três milímetros de espessura.
— Até parecem moedas — disse Baroon. — Será que acabamos de descobrir a
indústria de cunhagem de moedas do banco tefrodense?
— Até que seria uma boa idéia — disse Tratlo, dando uma risada.
— Naturalmente não é nada disso — disse Baroon. — As moedas teriam de
apresentar gravuras.
Tratlo pegou algumas placas metálicas que estavam sendo transportadas na esteira e
enfiou-as no bolso de seu traje de combate. Baroon abanou a cabeça.
— Tomara que este furto não cause confusão no fluxo de produção — disse.
Tratlo deu de ombros.
— Isso não modificaria nada. De qualquer maneira, já devemos estar sendo
observados de algum lugar.
Parecia que a única coisa que se fabricava nas instalações subterrâneas eram as
placas de metal. Se os tefrodenses escolhiam um mundo afastado para sua produção,
montavam as instalações embaixo da superfície e colocavam uma nave no respectivo
sistema solar para vigiar o local, estes objetos deviam ser muito importantes.
Tratlo pesou uma das plaquinhas na mão. Parecia pensativo. Teve a impressão de
que se deparara com um dos maiores segredos dos poderosos tefrodenses. Mas que
importância poderiam ter estes microaparelhos para os tefrodenses?
— O senhor tem alguma idéia do que poderia ser, tenente? — perguntou, dirigindo-
se a Baroon.
O reyanense abanou a cabeça.
— Talvez estejamos superestimando a importância da descoberta que acabamos de
fazer, capitão.
— É claro que não podemos excluir esta possibilidade — reconheceu Tratlo. —
Batins! Faça o favor de vir para cá.
Viram o andarilho sair de trás de algumas máquinas. Quando chegou mais perto,
Tratlo entregou-lhe uma das plaquinhas.
— Já viu uma coisa parecida? — perguntou Tratlo.
— Já — respondeu Batins, surpreendendo o capitão.
— Sabe o que é?
Tratlo nem se esforçou para disfarçar a desconfiança.
— Não é que eu saiba — respondeu Batins. — Mas parece que os tefrodenses
atribuem a estes objetos um sentido quase sobrenatural.
— Sobrenatural? Está brincando! Um povo tão desenvolvido já deve ter
reconhecido que aquilo que se costuma chamar de sobrenatural sempre tem uma
explicação científica.
— É verdade — disse Batins. — Acontece que certo mercador que levava consigo
uma plaquinha destas e a mostrava a todo mundo contou que os tefrodenses usam estes
aparelhos como talismã.
— Um talismã! — gemeu Tratlo. — O senhor ouviu, tenente? O segredo dos
tefrodenses é uma simples peça metálica, um talismã, do qual parecem esperar certos
milagres.
— O senhor está sendo injusto com sua ironia — resmungou Batins, contrariado. —
O senhor pediu que dissesse o que sei a respeito. E eu disse. Naturalmente tenho certeza
tal qual o senhor que estas peças metálicas não são simples talismãs.
No momento em que Arl Tratlo enfiava no bolso o objeto misterioso, três
tefrodenses armados apareceram na outra extremidade do pavilhão.
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  • 2. Eles marcam um encontro no planeta secreto dos guardiões do centro e acabam tendo um encontro com a morte. O avanço de Perry Rhodan para a galáxia de Andrômeda, que é a área propriamente sob o domínio dos misteriosos senhores da galáxia, começou há muito tempo. O veículo usado por Perry Rhodan nesta expedição perigosa é a Crest III, a nova nave-capitânia da Frota Solar. Trata-se de uma nave esférica de 2.500 metros de diâmetro, guarnecida por 5.000 soldados de elite do Império Solar, que é quase inexpugnável. Mas até mesmo uma nave gigante como esta pode enfrentar um perigo iminente. A melhor prova disto é o incidente que se verificou em KA-barato, nome dado ao estaleiro voador do engenheiro cósmico Kalak. Neste meio tempo Kalak, o andarilho, e os indivíduos de sua espécie que puderam ser salvos, transformaram-se em aliados fiéis dos terranos, e KA-barato é usado há tempo como base da expedição de Andrômeda. Perry Rhodan já pode pensar em prosseguir no avanço para o desconhecido! No mês de março do ano 2.404 a Crest já penetrou profundamente na área proibida formada pela zona central de Andrômeda, e já houve vários encontros com os tefrodenses, que vigiam a área por ordem dos senhores da galáxia. De fora os guardiães são iguais aos seres humanos do planeta Terra, e também se comportam como estes — exceto pelo fato de que saem correndo apavorados toda vez que põem os olhos no halutense Icho Tolot. Os tripulantes de uma corveta têm o privilégio de descobrir uma coisa que lança uma luz inteiramente nova sobre a estranha reação dos tefrodenses. Esta corveta está sob o comando de Arl Tratlo, O Trimatador... = = = = = = = Personagens Principais: = = = = = = = Capitão Arl Tratlo — Conhecido como o trimatador. Tenente Kaarn Baroon — O gênio de Reyan. Kalim Slate e Vern Horun — Dois seres nascidos em Purthag. Batins — Um engenheiro cósmico. Perry Rhodan — Administrador-Geral do Império Solar e chefe da expedição de Andrômeda. Major Don Redhorse — O homem cuja corveta pousa no dudecimatador. Gucky — O rato-castor que, como já aconteceu tantas vezes, aparece no último instante, para tirar os outros de uma situação muito difícil.
  • 3. Em Meredi IV, um planeta pertencente ao grupo dos Plêiades, viviam cerca de dez mil homens. Trezentos destes homens tinham o direito de usar o nome de monomatadores, porque tinham conseguido matar um réptil chamado tarak nas selvas do planeta. Um tarak adulto pesa pelo menos dezesseis toneladas. Para matar um animal destes com uma lança precisa-se de muita força e coragem. Dezesseis dos homens que vivem em Meredi IV têm o direito de usar o nome de bimatadores, porque conseguiram, num só dia, matar um tarak e também um randler, numa luta corpo a corpo. O randler tem certa semelhança com um urso polar. Os dezesseis homens que conseguiram matar no mesmo dia um tarak e um randler gozam de todos os privilégios imagináveis em Meredi IV, um mundo selvático onde só os mais fortes podem sobreviver. Uma única vez em toda a história cheia de aventuras de Meredi IV um homem conseguiu matar ao mesmo tempo um tarak, um randler e um pássaro de seis asas. Este homem pôde usar o nome de trimatador. Os habitantes de Meredi IV passaram a venerá-lo tanto que quiseram fazer dele o presidente de seu planeta. O nome do trimatador era Arl Tratlo. Não quis ser presidente. Preferiu servir na USO. * * * O planeta Reyan, situado no setor Vega, é considerado um mundo paradisíaco. Nele vivem dez mil homens, todos eles artistas. As pinturas feitas em Reyan não encontram igual em toda a galáxia. As obras filosóficas mais conhecidas dos tempos modernos foram escritas em Reyan. E é neste planeta que surgem as músicas arrebatadoras, que os habitantes de todos os planetas ouvem encantados. Muitos artistas que vivem neste mundo desfrutam uma reputação toda especial, porque além de grandes escritores são pintores consagrados. Uma única vez em toda a história de Reyan um artista conseguiu adquirir fama simultaneamente com um romance, uma pintura e uma peça de música. Este homem foi brindado com o título de gênio de Reyan. Depois de ele ter criado suas grandes obras, os homens que habitavam o planeta Reyan passaram a venerá-lo tanto que quiseram fazer dele o presidente do planeta. O nome do gênio de Reyan era Kaarn Baroon. Recusou-se a ser presidente. Preferiu servir na USO.
  • 4. 1 A mão erguida do Capitão Arl Tratlo, que ia jogar um trunfo sobre a mesa, ficou suspensa no ar, tremendo ligeiramente. Tratlo lançou um olhar indagador para o sargento Kalim Slate, que estava sentado à sua frente. — Que é isso, sargento? Slate teve de fazer um grande esforço para tirar os olhos de cima do montinho de notas que Tratlo empilhara à sua frente. Inclinou a cabeça ligeiramente para a frente e pôs-se a escutar. — Está ensaiando de novo — disse depois de algum tempo. Tratlo juntou suas cartas em forma de leque e atirou-as sobre a mesa. — Deste jeito uma pessoa normal não consegue concentrar-se — berrou a plenos pulmões. — Estes pios já começam a me cansar. Slate pegou o dinheiro que acabara de ganhar, enfiou-o nos bolsos do uniforme e levantou sorrindo. Tratlo fitou-o com uma expressão furiosa. — O que é que o senhor sabe fazer, além de jogar cartas, sargento? — perguntou. Kalim Slate coçou o queixo volumoso. Parecia pensativo. — Possuo um talento de organizador, capitão — respondeu depois de algum tempo. — Ah, é? — perguntou Tratlo, incrédulo. — E o senhor acredita que este talento o torna capaz de reduzir os ensaios enervantes de certo homem a uma dose suportável? — olhou fixamente para os bolsos recheados de Slate. — Depois da presa que acaba de conseguir, o senhor bem que deveria ser capaz disso. Slate prestou atenção aos pios, que ora aumentavam, ora diminuíam, atravessando a porta fechada do camarote. — Baroon sempre ocupa o posto de tenente, senhor — observou. — O senhor certamente sabe que ele tem certa influência. — Ele é um fraco! — resmungou Tratlo em tom de desprezo. — Um dia ainda lhe darei uma surra que o faça perder a vontade de desfiar essa cantoria que para ele é uma música. Slate franziu a testa. — Dizem que existem pessoas que gostam disso — objetou. — E ele não ensaia sua música a toda hora. Às vezes trabalha nas pinturas ou no romance que está escrevendo. — Já viu o quadro que está pintando? — perguntou Tratlo. — Já — confessou Slate. — Lembra as linhas traçadas pelo estilete de um sismógrafo. Ele lhe deu o nome de Dança do Sacrifício da Fada do Espaço. Ou coisa que o valha. Tratlo fez uma careta. Até parecia que acabara de morder uma fruta azeda. — Bem, a gente não ouve quando ele mexe com os pincéis ou fica borrando a tela — disse. — As coisas ficam mesmo ruins quando ele toca algumas composições na learta. Arl Tratlo empertigou-se, e Kalim Slate encolheu instintivamente. O terrano colonial tinha dois metros de altura e era de estatura robusta. Sua cabeleira de cor verde- oxidada caía sobre os ombros.
  • 5. — O gênio de Reyan — disse Tratlo em tom de desprezo. — Não consigo compreender como um idiota deste tipo sempre consegue entrar numa organização. — Bem — disse Slate, cauteloso. — Baroon não deixa de ser um homem inteligente. Tratlo estalou os dedos. — Seria derrotado até mesmo por uma minhoca razor, que em meu mundo costuma ser caçada por meninos de seis anos. — Seja como for — disse Slate em tom valente — ele deve ter suas qualidades, senão não teria chegado a te... — Não me venha dizer que o senhor vai defender este sujeito — interrompeu Tratlo, fora de si. — Logo o senhor, que nasceu em Purthag? — Não — apressou-se Slate em afirmar. — O senhor sabe que pode confiar em mim. — Muito bem — resmungou Tratlo, um pouco mais calmo. — Vá andando e tente tirar-lhe o instrumento. O sargento Kalim Slate gemeu baixinho e retirou-se. Não era a primeira vez que Tratlo lhe sugerira algo parecido. Mas era a primeira vez que permitira que a raiva que sentia por Kaarn Baroon lhe custasse tanto dinheiro. * * * O Tenente Kaarn Baroon descansou a learta e sorriu para o ouvinte, que parecia encantado. — Então, gostou? — perguntou em tom suave. O sargento Vern Horun fechou os olhos, dando a impressão de que queria rememorar cada um dos tons maravilhosos que acabara de ouvir. — É uma coisa fascinante! — disse. — É a primeira vez em toda vida que sinto uma harmonia como esta. Baroon guardou a learta numa caixa forrada de veludo e fechou-a cuidadosamente. — Infelizmente — disse, pensativo — minha atividade nem sempre encontra o merecido reconhecimento a bordo desta nave. O rosto de Horun assumiu uma expressão sombria. Até parecia que acabara de ser arrancado de um belo sonho. — Tratlo! — exclamou. Baroon acenou com a cabeça, preocupado. — O trimatador faz tudo para perturbar meu descanso — disse. — Acho que já está na hora de mostrar a esse gigante grosseiro qual é seu lugar. Não compreendo que um pateta destes tenha sido aceito em nossa organização. — Tratlo não deixa de ser um homem inteligente — observou Horun, cauteloso. — Ele não sabe ler partituras e não conhece os maiores clássicos da literatura terrana — observou Baroon. — É quase tão estúpido como os animais que se deixam matar por ele. — Ele deve ter suas qualidades — respondeu Vern Horun, pensativo. — Afinal, chegou a capitão e... — Um homem nascido em Purthag como o senhor não deveria defender um tipo como Arl Tratlo — repreendeu Baroon com a voz estridente. Virou a cabeça tão abruptamente para Horun que este estremeceu. Kaarn Baroon era pequeno e delicado, como todos os reyanenses. Os olhos que se abriam em seu rosto enrugado eram de um
  • 6. tamanho descomunal, tamanho este que era realçado ainda mais pelo fato de não haver cabelos em sua cabeça. — O senhor sabe que eu o admiro — disse Horun. — Pode contar comigo, haja o que houver. — Excelente — disse Baroon. — Se tirarmos alguns dos aparelhos de treinamento com os quais Tratlo costuma fazer suas demonstrações de força, talvez consigamos abafar sua arrogância. — Hum — fez o sargento Vern Horun, que não parecia nem um pouco entusiasmado. Era a primeira vez que Kaarn Baroon manifestava sua antipatia por Tratlo com tamanha franqueza. E era a primeira vez que tocara exclusivamente para Horun. “É estranho”, pensou Vern Horun ao retirar-se, “que a raiva que o gênio de Reyan sente por Arl Tratlo o leve a praticar atos como este.” * * * Quando o sargento Kalim Slate entrou no camarote que ocupava juntamente com Vern Horun, viu este sentado junto à mesa. Horun estava com as pernas cruzadas, olhando fixamente para a parede. Slate bateu fortemente a porta, mas nem por isso Horun olhou para outro lado. — Ora, veja! — exclamou Slate. — Até parece que o senhor e eu ouvimos as mesmas declarações de amor — vindas de pessoas diferentes. — Quer dizer que Tratlo também andou falando? — perguntou Horun, preocupado. — E como! — respondeu Slate. Sacudiu o bolso do uniforme com ambas as mãos, fazendo as moedas tilintarem. — Pediu-me que subtraísse o instrumento musical do gênio de Reyan. Horun fechou os olhos, apavorado. — Baroon quer que eu faça uma coisa parecida — informou. — Quer que eu esconda os aparelhos de treinamento do merediense. O sargento Kalim Slate sentou na outra cadeira que havia no camarote. Os dois homens nascidos em Purthag eram tipos atarracados, que quase davam a impressão de serem obesos. Seus longos cabelos brancos formavam tranças grossas na nuca. A insígnia da tribo a que pertenciam fora tatuada na testa de Horun e Slate. Ambos descendiam dos colonos que há vários decênios tinham ocupado o planeta Purthag, pertencente ao sistema de Gellert. — A desavença está cada vez pior — constatou Slate, preocupado. — Baroon e Tratlo ainda acabam se esquecendo de que nos encontramos numa galáxia estranha, onde nossa vida corre perigo a cada instante. — Será que podemos fazer alguma coisa, Kalim? — perguntou Horun. Slate deu de ombros, resignado. — Não sei — confessou. — Se não acontecer alguma coisa que faça com que eles se unam, ainda acabam se matando. Horun estremeceu. — São dois tipos completamente diferentes — disse. — Para mim ambos são formidáveis — respondeu Slate, pensativo. — Já está na hora de cada um deles pensar a mesma coisa a respeito de seu adversário.
  • 7. 2 O pequeno alto-falante do intercomunicador emitiu um estalo. — Capitão Tratlo, favor comparecer à sala de comando! Capitão Tratlo, favor comparecer à sala de comando! O Capitão Arl Tratlo abandonou seu camarote. Já estava no corredor, quando começou a abotoar o casaco do uniforme. Ficou se perguntando por que o comandante da nave Imperador, Coronel Heske Alurin, queria falar com ele. Há dois dias, mais precisamente, em 4 de março de 2.404, Perry Rhodan decolara com a Crest III do estaleiro de reparos KA-barato, partindo para o espaço cósmico. Tratlo sabia que o Administrador-Geral ainda não podia estar de volta. Rhodan já devia estar chegando à área proibida. O terrano dera ordens terminantes para que nenhuma das naves estacionadas em KA-barato seguisse a Crest III, a não ser que surgissem circunstâncias extraordinárias. Arl Tratlo preferiu não refletir mais sobre os motivos que tinham levado Alurin a solicitar sua presença na sala de comando. Provavelmente tratava-se de algum trabalho de rotina. O rosto de Tratlo assumiu uma expressão irônica. Sempre havia comandantes que eram de opinião que a calma excessiva não era boa para as tripulações das espaçonaves. A gravidade reinante a bordo da Imperador era de um gravo, o que fazia com que os movimentos de Tratlo parecessem leves e graciosos. A gravitação de Meredi IV era um pouco mais elevada que a da Terra. Dizia-se que as reações dos colonos que habitavam este mundo eram extremamente rápidas. Quando entrou na sala de comando, Arl Tratlo viu que não se tratava apenas de um assunto de rotina. Quase todos os oficiais da nave estavam reunidos. Os vídeos dos rádios mostravam os rostos dos comandantes de outras naves, que desta forma participavam da conferência. Tratlo passou instintivamente a andar mais depressa e dali a instante viu-se no meio dos oficiais do couraçado da USO chamado Imperador. Alurin cumprimentou-o com um gesto. Tratlo percebeu imediatamente que teria um papel de destaque durante a conferência. Franziu as sobrancelhas ao ver que o Tenente Kaarn Baroon estava parado bem ao lado do Coronel Alurin. Baroon fitou-o com uma inconfundível expressão de desagrado. Tratlo enfrentou o olhar. Finalmente Alurin parecia sentir a tensão que se formara e apressou-se em dizer alguma coisa. — O senhor já deve saber que há uma hora um cruzador de vigilância pousou no estaleiro — disse Alurin. Tratlo ainda não sabia, mas estava lembrado que grande quantidade das naves de vigilância patrulhavam a vizinha nebulosa Andro-Alfa, para observar as lutas que se desenvolviam entre os povos maahks rebelados e os combatentes que se tinham transformado em servos dos senhores da galáxia. O Coronel Alurin fez um gesto em direção a um homem magro, que mexia nervosamente na fivela do cinto. — Major Duncan — disse Alurin a título de apresentação. — Ninguém melhor que ele para contar o que aconteceu. Notava-se que ultimamente Duncan dormira menos do que deveria. O brilho estranho dos olhos do oficial mostrava que ele tomara estimulantes. Tratlo não invejava
  • 8. nem um pouco os comandantes dos cruzadores de vigilância, cujas operações arriscadas constantemente os levavam para perto das frentes das frotas espaciais que se combatiam. Duncan engoliu fortemente em seco e olhou para o chão. — A guerra na nebulosa de Alfa chegou ao fim — disse o major, indo diretamente ao assunto. — Os maahks rebelados derrotaram os povos submetidos aos senhores da galáxia — de repente Duncan levantou os olhos. — Os rebeldes destruíram o transmissor gigante da nebulosa, formado por três grandes sóis azuis, impedindo os defensores de receber reforços e abastecimentos. O planeta de controle, habitado por maahks submissos aos senhores da galáxia, foi transmitido num sol. Alfa-Centro não existe mais. — Quer dizer que os maahks conseguiram evitar que os senhores da galáxia enviem outros povos auxiliares à sua galáxia — acrescentou Alurin. Duncan sacudiu a cabeça. Até parecia que queria espantar uma lembrança desagradável. — É uma coisa incrível — disse. — Andro-Alfa até parece um acampamento militar. Há bilhões de combatentes maahks concentrados lá. Tratlo olhou primeiro para Alurin, e depois para Duncan. Nunca acreditara que os rebeldes pudessem sair vitoriosos da luta. Com a destruição de Alfa-Centro, conseguiram conquistar de repente uma posição de superioridade. Arl Tratlo teve a impressão de que sabia o que iria acontecer em seguida, e dali a instantes o Coronel Alurin disse exatamente aquilo que pensava o trimatador. — Parece que uma ofensiva em grande escala dos povos maahks contra a nebulosa de Andrômeda é iminente — disse Alurin. — É o que se conclui forçosamente das imensas concentrações de naves de que Duncan acaba de falar. Os maahks criaram sistemas de propulsão tão aperfeiçoados que não terão nenhuma dificuldade em percorrer os cento e cinqüenta mil anos-luz que os separam da nebulosa de Andrômeda. Anda lhes restará um raio de ação suficientemente grande para operarem em grandes áreas da galáxia. — Está para haver uma expedição punitiva dos maahks contra aqueles que os subjugavam — confirmou Duncan. — Os misteriosos donos de Andrômeda terão de lançar mão de todos os recursos para rechaçar a invasão. — As coisas estão tomando um curso muito rápido — disse o Coronel Heske Alurin. — A notícia reveste-se da maior importância para a ofensiva secreta que pretendemos lançar no interior de Andrômeda. Não podemos arriscar-nos a avisar Perry Rhodan pelo hiper-rádio. Não sabemos se a Crest continua na rota prevista, e além disso o perigo de sermos descobertos seria muito grande. De repente Alurin encarou Arl Tratlo. — De qualquer maneira, resolvi informar Rhodan e Atlan sobre o que está acontecendo. Acho que os acontecimentos são tão importantes que vale a pena enviar uma corveta atrás da Crest. A tarefa dos ocupantes deste veículo consistirá exclusivamente em informar Rhodan. O Capitão Tratlo levantou a cabeça, como quem espera ouvir alguma coisa. Sabia que como chefe do grupo de corvetas da Imperador comandaria a operação planejada. — O senhor comandará a expedição, Capitão Tratlo — disse Alurin. — Haverá vinte e um homens a bordo de sua corveta, o que representa a tripulação normal. Um dos tripulantes da corveta será um andarilho, que poderá orientá-lo durante o vôo. A surpresa foi tamanha que Arl Tratlo nem soube o que responder. A idéia de ter de penetrar na área proibida da nebulosa de Andrômeda deixava-o tenso e incomodado ao
  • 9. mesmo tempo. Já ultrapassara a idade em que uma incumbência como esta o teria deixado entusiasmado. Sabia que a vida dos tripulantes estaria em perigo durante o vôo. — Tome todas as providências — ordenou Alurin. — Mais tarde darei outros detalhes. O Major Duncan lhe fornecerá material fotográfico e gravações das transmissões de rádio, que mostrarão exatamente o que está acontecendo em Andro-Alfa. — Sim senhor — conseguiu dizer Tratlo. — Outra coisa — disse Alurin em tom indiferente. — O Tenente Baroon será seu substituto no comando da corveta. Tratlo, que já fizera menção de retirar-se, parou abruptamente. Um sorriso misterioso brincou em torno dos lábios de Alurin. — É só, capitão — apressou-se em dizer. O rosto de Tratlo ficou vermelho. Olhou para Baroon, que o fitava com uma expressão nada amável. Ao que parecia, o gênio de Reyan gostava tão pouco da tarefa conjunta quanto Tratlo. O merediense teve de fazer um grande esforço para ficar calado. Sabia que como oficial não podia dar-se ao luxo de recusar-se a cooperar com Baroon, que afinal era considerado um homem de grande capacidade. Tinha certeza quase absoluta de que Alurin tivera uma intenção bem definida ao designar Baroon como seu substituto. Mas quem, perguntou a si mesmo, poderia ter informado o coronel de que ele tinha certa antipatia por este homem? * * * Alguém colara um cartaz junto à entrada da eclusa. A base do cartaz era amarela, e nele estava pintada em negro uma figura em forma de lágrima. Embaixo da lágrima lia-se a palavra Fantasia em letras vermelho-berrantes. O Capitão Arl Tratlo parou e contemplou o desenho com uma expressão de perplexidade. — Sargento Slate! — berrou. Demorou alguns minutos até que uma figura atarracada aparecesse no interior da eclusa, fazendo uma continência apressada. — Pois não, senhor! — exclamou Kalim Slate. — O que é isto? — perguntou Tratlo, ameaçador. — Qual dos tripulantes ilude-se pensando que pode permitir-se este tipo de brincadeira comigo? — Queira desculpar, senhor — balbuciou Slate como quem não tinha compreendido. — Não sei do que está falando. Um dos braços musculosos de Tratlo subiu abruptamente, apontando para a placa. — Ah, é isso? — disse Alate, esticando as palavras. — Foi o Tenente Baroon. — Retire — ordenou Tratlo com uma voz na qual ninguém seria capaz de descobrir o menor traço de amabilidade. Slate recuou cautelosamente para dentro da câmara da eclusa. — Não creio que o Tenente Baroon quisesse ofendê-lo, senhor — disse. — Apenas era de opinião que além da designação oficial KI-33 a corveta deveria ter um nome. Disse que este emblema simbolizava perfeitamente o nome escolhido. Tratlo contemplou o desenho, bastante interessado, mas os traços de seu rosto não se tornaram menos duros. — O que será isto, sargento? — perguntou, apontando para a figura em forma de lágrima.
  • 10. — Hum — fez Slate, pensativo. — Em minha opinião tem certa semelhança com um pepino em conserva. — Ah, é? — rugiu Tratlo. — E o senhor pensa que vou atravessar a nebulosa de Andrômeda com um emblema em forma de pepino? — Não senhor — respondeu Slate. Tratlo fez um gesto significativo em direção à placa. — Então? — perguntou. Slate suspirou e arrancou o desenho. — Batins já se encontra a bordo? — perguntou Tratlo. — Chegou há alguns minutos, senhor — respondeu Slate, apressado. Sentia-se satisfeito por não ter de falar mais a respeito de Baroon. — O andarilho é um homem bem jovem, senhor. — O Coronel Alurin me disse que era um cosmonauta muito competente, que conhece perfeitamente as condições reinantes no interior da nebulosa de Andrômeda. Mal acabou de dizer isto, Tratlo desapareceu na câmara da eclusa. Era um homem que dava grande valor aos contatos pessoais entre os oficiais e a tripulação. Segundo sua teoria, um bom relacionamento traz com o tempo uma cooperação bem-sucedida. Por isso resolveu dirigir-se antes de mais nada aos compartimentos dos tripulantes, para só depois ir à sala de comando e ao seu camarote. Quando passou pelo refeitório dos tripulantes, viu que a porta estava aberta. Entrou e viu o sargento Vern Horun, que estava escrevendo os nomes dos tripulantes em três fileiras num quadro pendurado na parede. — Está fazendo uma lista de presença? — perguntou Tratlo, bem-humorado. Horun sorriu. — É claro que não é isso, senhor. Só estou fazendo a divisão das equipes. O sorriso de Tratlo congelou. — Está dividindo o quê? — resmungou. — Pelos cálculos do Tenente Baroon, levaremos pelo menos dez dias para entrar em contato com a Crest — apressou-se o sargento Vern Horun a dizer. — Por isso sugeriu que a tripulação faça um torneio de jogos. A equipe vencedora escolherá entre seus membros a pessoa que receberá o prêmio oferecido pelo Tenente Baroon. Tratlo chegou mais perto do quadro e viu seu nome em primeiro lugar na primeira coluna. — O senhor naturalmente é um dos chefes de equipe, senhor — disse Horun. — Formidável! — berrou Tratlo e pegou um pano que se encontrava junto ao quadro. Apagou seu nome. — Coloque Batins no meu lugar — disse. — O senhor ainda não viu o prêmio — disse Horun, decepcionado, e desembrulhou cuidadosamente uma peça de linho, sobre a qual havia uma mistura de cores. Alisou a peça com as mãos e contemplou-a encantado. — Que tal? — Horrível! — disse Tratlo em tom resoluto. — Não permitirei que uma coisa destas seja pendurada numa nave que esteja sob meu comando. Retirou-se, certo de ter causado uma decepção a Horun. Parou na entrada. — Onde está ele? — perguntou. — Ele quem, senhor? — perguntou Horun, confuso. — Baroon. Quem mais poderia ser? — Na sala de comando, senhor. Tratlo resolveu não dar maior atenção aos camarotes dos tripulantes e ir à sala de comando antes que o Tenente Baroon pudesse fazer das suas por lá.
  • 11. Tratlo sabia que uma das obrigações do substituto do comandante era cuidar de tudo que dissesse respeito à tripulação. Por isso não podia acusar Baroon. Este não exorbitara de suas atribuições. Quando entrou na sala de comando, viu Baroon e o andarilho entretidos numa conversa animada. O tenente calou-se imediatamente e recostou-se na poltrona. — Fiquem à vontade — pediu Tratlo em tom mordaz. — O engenheiro Batins e eu estávamos discutindo a rota que a Fantasia deverá seguir, capitão — disse Baroon. Ao ouvir o nome Fantasia, Tratlo estremeceu sem querer. — A rota da KI-33 já foi fixada, tenente — enfatizou Tratlo. — Seguiremos praticamente o mesmo trajeto percorrido pela Crest. Se o jovem engenheiro cósmico notara alguma coisa da animosidade que havia entre os dois homens, ele não deixou perceber. — Espero poder ajudar em alguma coisa — disse em tom amável. — Será um prazer viajar em sua companhia a certas áreas que ainda não tive o privilégio de ver de perto. “Sua fala é tão empolada como a de Baroon”, pensou Tratlo, aborrecido. Assim que estava sentado na poltrona de comando, voltou a dirigir-se ao imediato da corveta. — Já providenciou os equipamentos necessários, tenente? — Foi tudo colocado a bordo. Tivemos a precaução de incluir equipamentos completos de combate para cada tripulante. Além disso temos hiper-rádios portáteis e armas portáteis de grosso calibre. — Muito bem — respondeu Tratlo a contragosto. Pelo menos Kaarn Baroon sabia cuidar de mais alguma coisa além de suas pinturas. A KI-33 era uma nave-girino altamente aperfeiçoada. Tal qual os modelos anteriores, as corvetas também eram esféricas e tinham sessenta metros de diâmetro. Na calota polar superior estava montado um canhão conversor superpesado. Tratlo sabia que, além de ser extremamente veloz e ágil, a nave sob seu comando também tinha um grande poder de fogo. A tripulação da KI-33 era formada por homens que dispunham de grande experiência. Tratlo não pôde deixar de reconhecer que até mesmo o gênio de Reyan possuía certa experiência. Não sabia muito a respeito do andarilho chamado Batins, mas não tinha a menor dúvida de que o engenheiro cósmico merecia tanta confiança como qualquer dos outros tripulantes da corveta. Ron Moseley, o rádio-operador, entrou na sala de comando. Moseley era um dos tripulantes mais antigos da Imperador. Devia ser o homem mais idoso a bordo da corveta. Era natural de Perm, um mundo desértico inóspito, no qual os colonos tinham de disputar cada metro quadrado de terra com a natureza hostil. Moseley era alto e magro, como todos os permenses. Tratlo olhou para o relógio. Faltava uma hora para a decolagem. Batins e Kaarn Baroon ainda estavam conversando. Moseley já se recolhera novamente à cabine de rádio. Dentro de instantes teria início a revisão de todas as máquinas e controles. Tratlo sabia que seria obrigado a trabalhar com Baroon. Não poderia fazer pouco- caso do imediato da KI-33. Isso causaria uma impressão desfavorável nos tripulantes. Bastava que os sargentos Slate e Horun estivessem informados sobre o relacionamento tenso entre os dois oficiais.
  • 12. Tratlo lembrou-se de que Rhodan tivera a intenção de penetrar com a Crest III diretamente na área proibida. Seguiria uma reta imaginária que ligava o estaleiro KA- barato com o lugar em que se supunha ficasse o núcleo central. O capitão sabia perfeitamente que no fundo este dado não significava nada, já que o ultracouraçado teria de deslocar-se nas aglomerações mais compactas de estrelas. Seria difícil encontrar a Crest III. Tratlo inclinou-se para a frente e ligou os controles mestres, para ativar o suprimento normal de energia da KI-33. Dali a instantes pediu pelo intercomunicador que os tripulantes ocupassem seus lugares. Para os astronautas a decolagem e a maior parte do vôo não passavam de rotina, mas era bem possível que isso mudasse assim que atingissem a zona de alerta. Apesar da técnica avançada, a corveta era uma espaçonave vulnerável, que dependia exclusivamente de seus próprios recursos. * * * Os primeiros dois dias de vôo correram sem incidentes. Mas no terceiro dia aconteceu uma coisa que quase fez ferver o sangue de Arl Tratlo. Tudo começou com um cheiro desagradável que se espalhou pela sala de comando. O Capitão Tratlo, que há três horas revezara o Tenente Baroon, franziu o nariz e lançou um olhar para o sargento Borkmann, que o ajudava nos trabalhos de rotina na sala de comando. A KI-33 deslocava-se no semi-espaço, desenvolvendo várias vezes a velocidade da luz. Borkmann notou o olhar de Tratlo e soube interpretá-lo. — Alguma coisa está fedendo, senhor — disse em tom seco. — Sem dúvida — confirmou Tratlo. Jens Borkmann parecia um terrano, mas era natural de Fauno. Tal qual Tratlo e Baroon, era capaz de manobrar sozinho uma corveta. Borkmann era muito jovem, e na opinião de Tratlo tratava-se de um homem muito competente. Tratlo virou a cabeça sem sair da poltrona do piloto e viu que a porta principal da sala de comando estava aberta. Viu o navegador Wilcock e o andarilho Batins inclinados sobre a mesa dos mapas. — Wilcock! Verifique se este cheiro insuportável vem do lado de fora — ordenou Tratlo. Wilcock levantou a cabeça, farejou em várias direções e foi andando para a porta. Tratlo viu-o enfiar a cabeça no corredor. — Vem, sim senhor! — gritou. — Aqui fora o cheiro é mais forte. — Até parece que alguns isoladores se fundiram — disse o Capitão Tratlo, desconfiado. Borkmann inalava fortemente o ar e sacudiu a cabeça. — Parece antes uma panela de legumes queimados, senhor — disse. — Quem está de serviço na cozinha? — perguntou Tratlo. — Veroni, senhor — disse Borkmann. — Não acredito que ele tenha algo a nos oferecer, além de alimentos desidratados e conservas. — Verifique de onde vem este cheiro — decidiu Tratlo, mas antes que o sargento tivesse tempo de levantar-se, mudou de idéia. — Não! Cuidarei disso pessoalmente. Tratlo levantou-se e passou pela mesa dos mapas. Batins sorriu amavelmente para ele. A cortesia do andarilho já começava a enervar Tratlo. Bastava olhar para Batins, e ele
  • 13. sorria que nem um idiota ou desfiava algumas fórmulas de cortesia. Tratlo fez questão de chegar ao corredor o mais depressa possível. Conforme Wilcock já notara, no corredor o cheiro era mais forte. Arl Tratlo dirigiu- se ao elevador antigravitacional e deixou que este o levasse ao convés em que ficavam os compartimentos dos tripulantes. Quando ia saindo do poço do elevador, quase esbarrou no cabo Ellis Weingarth, que fechara o nariz com os dedos polegar e indicador da mão direita. — Desculpe, senhor — disse Weingarth com a voz fanhosa. — Se eu tiver de ficar aqui mais um minuto que seja, eu me dano todo. Estupefato, Tratlo quis repreender o cabo pela maneira pouco convencional de exprimir-se, mas este já saltara para dentro do elevador antigravitacional e ia se afastando. Tratlo resmungou, zangado, e seguiu a pista das repugnantes nuvens de vapores, que o conduziu diretamente à sala dos tripulantes. Quando entrou na sala, Tratlo viu Peyt Veroni, que distribuía todo entusiasmado bacias de plástico pelas mesas. No interior da sala o cheiro era tão desagradável que Tratlo quase perdeu o fôlego. O Capitão Tratlo empertigou-se. — Veroni! — exclamou em tom enérgico. — Poderia fazer o favor de dizer o que está fabricando aí? — Ah, é o senhor — respondeu Veroni com o rosto alegre. — Queria mesmo oferecer-lhe uma porção desta iguaria. — Quer dizer que pretendia guardar uma refeição deste caldo fedorento para mim? — perguntou Tratlo, estupefato. — Estou preparando as vergetas segundo uma receita especial fornecida pelo Tenente Baroon — respondeu Veroni. — Baroon? — repetiu Tratlo. — Que diabo vêm a ser as tais das vergetas? — Não venha me dizer que não sabe o que são vergetas! — exclamou Peyt Veroni, indignado, dando a impressão de que não conseguia conformar-se com a idéia de que ainda existiam pessoas que nunca tinham ouvido falar nessa iguaria saborosa. Arl Tratlo já se aproximara do balcão em que eram servidas as comidas e viu a cozinha. Retirou apressadamente a cabeça, ao ver as nuvens de vapores verdes que subiam de um grande caldeirão. — O Tenente Baroon é de opinião que até mesmo a refeição mais simples deve ser transformada numa obra de arte — disse Veroni. — Cozinhar é uma das artes mais refinadas que um ser humano pode aprender. Da mesma forma que uma boa pintura exige uma combinação adequada de cores, uma refeição saborosa precisa de um sortimento de bons temperos — a voz de Veroni assumiu um tom sonhador. — Um bom cozinheiro que se encontra junto às suas panelas transforma-se num verdadeiro regente, que... — Silêncio! — berrou Tratlo, batendo tão fortemente com o pé que os pratos e as travessas tilintaram. — Será que o senhor não é capaz de preparar uma xícara de café? — perguntou Tratlo, furioso. — Prepare imediatamente uma refeição de verdade para os tripulantes. — E as vergetas? — perguntou Veroni, desconsolado. — Encha uma grande bacia com elas e envie-as ao camarote do Tenente Baroon. Tenho certeza de que o tenente saberá dar o devido valor ao resultado dos seus conselhos. Tratlo foi saindo. — Feche a porta depois que eu tiver saído — disse.
  • 14. — Não quero que os tripulantes morram sufocados. * * * No sexto dia de viagem, Arl Tratlo já tinha certeza de que não seria mais possível esconder dos tripulantes as divergências que tinha com Kaarn Baroon. A história das vergetas espalhara-se pela corveta. Tratlo estava pensativo, sentado na poltrona do piloto. Refletia para descobrir um meio de transformar Baroon num homem sensato. Borkmann, que também estava de serviço, interrompeu suas reflexões, observando que estava na hora de fazer mais uma ligeira interrupção no vôo linear, para que Batins pudesse orientar-se melhor. — É verdade, Borkmann — confirmou Tratlo e ligou o microfone do intercomunicador. — Andarilho Batins, faça o favor de comparecer à sala de comando! — gritou. Dali a dez minutos o sargento Vern Horun apareceu na sala de comando. Tratlo notou que o sargento parecia confuso. — Pelo que me lembro, solicitei o comparecimento de Batins — observou o capitão. — Não pôde comparecer? Ou existe algum outro motivo de o senhor ter vindo? — Está impedido, senhor — respondeu Horun. — Pede que o senhor o desculpe. Virá logo que puder. Tratlo refletiu qual poderia ter sido o motivo que impedira o andarilho de comparecer à sala de comando, mas não descobriu. — Por que não pôde vir? — perguntou finalmente. Horun preferiu não olhar diretamente para o capitão. — Está servindo de modelo — disse. Tratlo parecia encolher alguns centímetros. Logo bateu com o punho fechado na braçadeira da poltrona, fazendo-a estalar. — É por causa de Baroon? — uivou. — Será que ele não pensa em outra coisa senão fazer um retrato do andarilho? — Não o está retratando, mas modelando — retificou Horun. — O quê? — berrou Tratlo. Levantou de um salto e saiu correndo. Horun fitou-o com uma expressão de perplexidade. Arl Tratlo atingiu a sala dos tripulantes num tempo recorde e abriu violentamente a porta. O quadro com que se deparou excedeu seus piores receios. O andarilho Batins estava agachado na borda da mesa como se fosse uma estátua, olhando fixamente para o teto. A cinco metros dali o Tenente Kaarn Baroon trabalhava num bloco de material mole. Os dedos magros de Baroon soltaram a massa. Estendeu as mãos, dando a impressão de que tinha medo de sujar o sobretudo que usava. Só então Tratlo teve oportunidade de ver a obra de arte apenas iniciada, que não tinha a menor semelhança com Batins. — Olá, capitão! — exclamou Baroon. — Alegro-me que o senhor esteja interessado em meu trabalho. O rosto de Tratlo assumiu uma tonalidade vermelha. O coronel aproximou-se da massa, para examiná-la mais de perto. Mas quanto mais se aproximava, mais se convencia de que Baroon não estava reproduzindo a figura do andarilho. — Que é isso? — perguntou Tratlo, apontando para o material com o qual Baroon estava trabalhando. — Não está vendo? — resmungou Baroon. — Estou modelando a cabeça de Batins.
  • 15. — Ora veja! — disse Tratlo. — Quer dizer que é a cabeça de Batins? Para mim parece uma batata gigante. Baroon encolheu-se e tremeu de raiva. — É uma forma moderna de representação — disse. — É preciso ser entendido em arte para saber avaliar a qualidade deste trabalho. Tratlo pegou a cabeça de Batins e jogou-a sobre a mesa com tamanha violência, que ficou achatada de um lado. — Não sou entendido em assuntos de arte — disse. Mas tenho certeza de que Batins não tem a obrigação de lhe servir de modelo para este tipo de atividade. — O senhor não tem o direito de imiscuir-se nos meus assuntos particulares — grasnou o gênio de Reyan. — Nas horas de folga posso modelar mil cabeças de andarilhos, caso tenha vontade. Numa espécie de pesadelo, o Capitão Arl Tratlo imaginou uma cabeça de andarilho fabricada por Baroon na mesa de cada um dos camarotes. — Venha comigo! — disse, dirigindo-se a Batins. — A corveta deve interromper o vôo normal, para que nos orientemos. Para isso precisamos do senhor. Batins mostrou um sorriso amável e desceu da mesa. — Sinto muito que sua atividade artística tenha tido um fim tão triste — disse, dirigindo-se a Baroon. — Eu também — resmungou o tenente. Arl Tratlo retirou-se em companhia de Batins. * * * No oitavo dia de viagem, o Capitão Arl Tratlo já não tinha a menor dúvida de que todas as pessoas que se encontravam a bordo da nave sabiam que seu relacionamento com Kaarn Baroon não era dos melhores. Os dois oficiais só falavam o estritamente necessário. Tratlo preferia fazer pessoalmente certos tipos de trabalho, somente para não ter de falar com Baroon. O vôo linear já fora interrompido quatro vezes. Dentro de dois dias no máximo atingiriam a periferia da área proibida. Tratlo gostaria de saber o que pensavam os tripulantes sobre suas divergências com o imediato da KI-33. Sentiu que os homens continuavam a respeitá-lo, mas não conseguia livrar-se da impressão de que sorriam atrás de suas costas. Mas a mesma coisa faziam atrás das costas de Baroon. Tratlo viu confirmada sua teoria, segundo a qual toda divergência entre os oficiais é aproveitada pela tripulação. Andou com a idéia de ter uma conversa com Baroon, mas teve medo de que o reyanense pudesse interpretar o gesto como uma retirada covarde. E foi por isso que no oitavo dia o revezamento entre os dois oficiais foi feito em silêncio, tal qual acontecera das outras vezes. Kaarn Baroon entrou na sala de comando. Tratlo levantou-se. — Pode assumir. Tudo em ordem. — Está bem, capitão — disse Baroon laconicamente e deixou-se cair na poltrona. Tratlo saiu caminhando com as pernas duras. Pretendia ir ao seu camarote, para dormir algumas horas. Quando passava pelo corredor secundário que levava aos camarotes dos oficiais, encontrou-se com o cabo Ellis Weingarth. O cabo estava de costas para ele. Tratlo já notara que Weingarth evitava encontrar-se com ele, desde que fugira do aroma das iguarias de Veroni. — Cabo! — disse Tratlo em tom enérgico. Weingarth estremeceu e virou lentamente a cabeça.
  • 16. Era natural de Purthag, tal qual os sargentos Horun e Slate. — Eu não sabia que o senhor pertencia à tripulação desta nave — disse Tratlo em tom amável. Weingarth fitou-o estupefato. — Sou um tripulante, sim senhor — apressou-se em dizer. — Desde o início. Tratlo levantou a voz. — Quer dizer que foi mesmo o senhor com quem me encontrei há cinco dias perto do elevador antigravitacional? — Fui eu, sim senhor — confessou Weingarth. — O senhor vai... — principiou Tratlo, mas as palavras seguintes foram abafadas pelo som estridente das sereias de alarme. O merediense deixou Ellis sozinho e saiu correndo em direção à sala de comando. Quando entrou na sala de comando, Tratlo não viu confirmados seus piores receios. Pelo comportamento dos homens não parecia que a corveta estivesse em perigo. Até mesmo o Tenente Kaarn Baroon não mantinha uma atitude vigilante. Sua atitude parecia antes desleixada. As sereias de alarme já tinham silenciado. Arl Tratlo foi diretamente ao posto de controle e fitou os hiper-rastreadores. Não havia o menor sinal de que uma espaçonave desconhecida se aproximasse da KI-33. Baroon virou a cabeça e olhou ostensivamente para o relógio. — Faz apenas alguns minutos que eu o revezei, senhor — disse. Rugas ameaçadoras apareceram na testa de Tratlo. — Isso eu já sabia! — gritou para o reyanense. — Quero que me diga por que acionou os alarmes. — Trata-se de um treinamento de rotina, capitão — respondeu Baroon, calmo. Os olhos de Tratlo pareciam querer saltar das órbitas. Arl respirava com dificuldade e levou algum tempo para conseguir falar. — Um treinamento? — repetiu com a voz rouca. — Logo agora? Com uma fleuma imperturbável, o gênio de Reyan tirou um formulário dobrado de dentro de uma fenda que havia embaixo da poltrona. — Eis aqui as instruções sobre o alarme, capitão — disse. — O item 7 diz que o equipamento deve ser testado no mínimo de três em três meses. Este carimbo mostra que faz exatamente três meses que foi feito o último controle. Quer dizer que só cumpri meu dever. Tratlo engoliu a resposta violenta, através da qual queria manifestar sua opinião sobre as instruções, fossem quais fossem. Sabia perfeitamente que não poderia alegar nada contra o tenente. Não tinha a menor dúvida de que o ensaio fora uma forma de vingar-se da cabeça destruída de Batins. Tratlo arrependeu-se de ter levantado a voz, pois com isso os homens que se encontravam na sala de comando puderam testemunhar sua derrota. — Da próxima vez que quiser experimentar alguma coisa, faça o favor de informar o comandante, tenente — disse e retirou-se. * * * No décimo dia de viagem a KI-33 tinha percorrido quase quarenta mil anos-luz. Tratlo sabia que, se não fosse Batins, teriam levado muito mais tempo. Os andarilhos tinham catalogado de forma precisa a nebulosa de Andrômeda. Por isso a única coisa que se tornava necessária para encontrar a rota certa era fazer algumas adaptações nos computadores positrônicos da KI-33.
  • 17. — Infelizmente não posso informar quase nada sobre a área proibida da zona central — disse Batins, dirigindo-se ao comandante, quando já se encontravam próximos ao destino. — Nenhum povo astronauta da nebulosa de Andrômeda pode penetrar na zona de bloqueio sem uma permissão especial. Tratlo olhou para os mapas abertos à sua frente, que em sua maioria tinham sido fornecidos pelos engenheiros cósmicos. — Temos certeza de que esta permissão não nos será dada. Por isso penetraremos sem ela na zona de alerta — disse. — Já lhes contei alguma coisa a respeito dos tefrodenses — disse Batins. — É o povo que habita todos os sistemas solares situados dentro de um setor de quinhentos anos-luz de diâmetro, que representa a zona de alerta situada à frente do centro propriamente dito — o andarilho apontou para uma área assinalada em vermelho em um dos mapas. — Do ponto de vista ótico, os sistemas solares e mundos-base dominados pelos tefrodenses formam uma espécie de envoltório em torno do núcleo central. — O senhor nos contou verdadeiras maravilhas a respeito dos tefrodenses — disse Arl Tratlo. — Trata-se de um conjunto de povos que exercem as funções de guardas setoriais — disse Batins em tom insistente. — Golpeiam rapidamente e de forma implacável toda vez que alguém se atreve a penetrar na zona de alerta, tentando atingir o núcleo central. — Como são mesmo estes heróis invencíveis? — perguntou o sargento Borkmann em tom irônico. Batins levantou os olhos, que mantivera pregados nos mapas. — São iguais aos terranos — respondeu. — Está brincando! — respondeu o Capitão Tratlo. — É possível que os tefrodenses sejam humanóides, mas devem ser bem diferentes dos terranos propriamente ditos. — Não — insistiu Batins em tom enfático. — Talvez um dia o senhor ainda tenha uma oportunidade de visitar Tefrod, que é o planeta principal dos tefrodenses. Quando isso acontecer, o senhor verá que estou dizendo a verdade. Tratlo notou que o andarilho se sentia contrariado por causa de sua incredulidade e resolveu mudar de assunto. — Como saberemos quando estivermos entrando na zona de alerta dominada pelos tefrodenses? — perguntou. — Os tefrodenses não deixam nada entregue ao acaso — respondeu Batins. — No início captaremos apitos em todas as hiperfreqüências imagináveis. É um alerta que os tefrodenses dirigem aos astronautas que se mostrem curiosos demais. Se prosseguirmos, os símbolos de alerta dos tefrodenses serão projetados em nossas telas. — A recepção destes sinais significará que fomos descobertos? — perguntou o Tenente Kaarn Baroon. Batins respondeu que não. — Nossa nave está muito bem camuflada. Portanto, teremos uma boa chance de penetrar profundamente na zona de alerta. Geralmente os astronautas sentem-se inseguros quando recebem os sinais de alerta e fazem meia-volta, ainda mais que os tefrodenses fizeram tudo para que as histórias de suas medidas punitivas corressem pela nebulosa de Andrômeda. — O senhor acredita que os tefrodenses sejam os próprios senhores da galáxia? — perguntou Tratlo. — Certas circunstâncias poderiam levar a esta conclusão — respondeu Batins. — Mas constantemente surgem dúvidas a este respeito. Quem poderá ser guardado pelos
  • 18. tefrodenses, a não ser uma força ainda mais poderosa? Parece não haver nenhuma dúvida de que o núcleo central da nebulosa de Andrômeda não é habitado pelos povos tefrodenses. Quer dizer que os seres que vivem lá só podem ser outros. Infelizmente nossos conhecimentos sobre o núcleo central de nossa galáxia são tão reduzidos que não temos nenhuma indicação sobre isto. Tratlo estalou os dedos. — Suponhamos que os senhores da galáxia realmente habitem o núcleo central. Neste caso os tefrodenses formariam uma espécie de guarda pessoal privilegiada, cuja posição é superior à dos demais povos auxiliares. — Isso mesmo — confirmou Batins. — Posso garantir que deve ter havido um motivo para que os tefrodenses fossem escolhidos para desempenhar esta tarefa. São considerados os combatentes mais perigosos da nebulosa de Andrômeda. Além disso parecem ter descoberto uma solução toda especial para o problema de uma descendência muito numerosa. As tripulações de que dispõem para suas espaçonaves parecem inesgotáveis. Tratlo olhou para Baroon, que se encontrava do outro lado da mesa sobre a qual estavam espalhados os mapas. O reyanense enfrentou o olhar. — E agora? O que vamos fazer, capitão? — perguntou. A Crest III encontrava-se no interior da zona de alerta. Quanto a isso Arl Tratlo não tinha a menor dúvida. A tripulação da KI-33 conhecia a rota aproximada do ultracouraçado. A corveta teria de penetrar na zona de alerta. Era o único meio de estabelecer contato com Perry Rhodan. — Vamos prosseguir — decidiu o Capitão Tratlo. Teve a impressão de que pela primeira vez desde que tinham decolado de KA-barato ele e o gênio de Reyan eram da mesma opinião.
  • 19. 3 Foi como o andarilho previra. Dentro de alguns segundos os hiper-rádios da KI-33 captaram sons parecidos com apitos. Os aparelhos ultra-sensíveis da corveta registravam três sons destes por segundo. Dali a pouco um traço amarelo-pálido projetado na tela passou a acompanhar cada um destes sons. Tratlo sabia que o nervosismo que sentia se transmitira à tripulação. Até mesmo Batins, um homem amável, que não se abalava por nada deste mundo, dava sinais de nervosismo. À medida que a KI-33 penetrava cada vez mais profundamente na zona de alerta, a coloração dos traços que apareciam nas telas tornava-se mais intensa. O amarelo acabou sendo substituído por um vermelho profundo. — Estamos bem no meio — constatou o sargento Borkmann. — Nada disso — respondeu Batins. — Tenho lá minhas dúvidas de que conseguiríamos atravessar a zona de alerta sem sermos descobertos. Neste instante a cabeça de Ron Moseley apareceu na Porta da pequena cabine de rádio. — Ondas de hiper-rádio, senhor! — exclamou. — Alguém está inundando a nebulosa de Andrômeda com sinais. Tratlo levantou-se de um salto, e Borkmann assumiu os controles da KI-33. — Venha comigo, Batins! — gritou Tratlo. — Vamos ver o que significa isto. Batins afastou-se da mesa. — Não compreendo — respondeu. — Esta inundação de notícias não pode corresponder aos costumeiros sinais de alerta. Dali a instantes Batins descobriu que parte dos sinais tinham sido redigidos em Tefroda, a língua dos tefrodenses. — Estão transmitindo em código — disse Batins. — Mas não existe a menor dúvida de que estes sinais representam um alarme geral. — Um alarme geral? — repetiu Tratlo. — Acha que nossa entrada na zona de alerta foi notada? — De forma alguma — tranqüilizou Batins. — Os senhores da galáxia devem ter descoberto que a invasão dos maahks ao seu próprio sistema é iminente. Estão colocando de prontidão seus povos auxiliares. — É bem possível que seja isso, senhor — disse Moseley. — O ponto de origem das hiperondas fica no centro da nebulosa de Andrômeda. — Excelente! — exclamou Tratlo. — Quer dizer que a invasão logo começará. As informações fornecidas pelo Major Duncan são corretas. Os senhores da galáxia e seus aliados mais poderosos, os tefrodenses, ficarão tão ocupados com os maahks que nossas manobras secretas neste setor nem serão notadas. — A situação que se delineia é realmente muito vantajosa para o senhor — disse Batins. — Moseley! — disse o Capitão Tratlo. — Temos de tirar proveito deste caos de hipertransmissões. Transmita imediatamente uma mensagem condensada à Crest, usando a freqüência da frota. Já conhece os dados. Já temos possibilidade de informar Rhodan sobre a excursão que estamos realizando.
  • 20. O permense, que era um homem magro, confirmou com um gesto e inclinou-se sobre as instalações de hiper-rádio. Tratlo exultava. Tudo corria segundo seus desejos. Se as frotas gigantescas dos maahks passassem para o ataque, os senhores da galáxia e os tefrodenses provavelmente teriam trabalho de sobra. Duas naves terranas nem seriam notadas na confusão. Os terranos teriam oportunidade de cuidar ainda mais intensamente das atividades dos criminosos que dominavam a nebulosa de Andrômeda. Sem querer, os maahks acabavam de transformar-se em aliados indiretos do Império Solar. Tratlo foi ao posto de comando e deu ordem para que Borkmann continuasse na mesma rota. Dali a mais alguns minutos os receptores da corveta entraram em funcionamento. Era o Lorde-Almirante Atlan, comunicando a Arl Tratlo que seria preferível que o comandante da corveta trouxesse sua notícia pessoalmente. Tratlo recebeu ordem de dirigir-se a um sol geminado verde, que ficava bem no interior da zona de alerta. Este sol constava do catálogo dos andarilhos. Uma vez lá, a KI-33 seria recolhida a bordo da Crest III. — Conseguimos — disse. Notava-se pela sua voz que se sentia decepcionado por não poder continuar a operar por sua própria conta. No dia 16 de março de 2.404, tempo terrano, duas naves terranas que seguiam rotas diferentes aproximaram-se do sol verde geminado que constava do catálogo dos andarilhos sob a combinação KA I-3365 Erl-9238. Uma destas naves era a Crest III, e a outra a corveta KI-33. As duas espaçonaves tinham o mesmo destino, mas o ultracouraçado estava mais distante do ponto de encontro que a corveta comandada por Arl Tratlo. * * * Quando a KI-33 saiu do semi-espaço para retornar ao conjunto espácio-temporal normal, ela se encontrava junto ao limite interior da zona de alerta, bem próxima do núcleo central que era a área proibida. Bastante aflito, o andarilho chamou a atenção de Tratlo para o fato de que o sol geminado verde provavelmente era o último sistema que os engenheiros cósmicos puderam incluir em seus catálogos. — Acho muito arriscado ficarmos por aqui — disse. — Não há sinal da Crest — constatou o Tenente Baroon. Tratlo examinou os controles. O sol geminado verde possuía um planeta que era mais ou menos do tamanho da Lua. Era um mundo que não constava do catálogo dos engenheiros cósmicos. — Olhe só, Batins! — pediu Arl Tratlo, dirigindo-se ao cruzador de estruturas. — Que acha? Batins pôs-se a contemplar as telas do sistema de rastreamento espacial. — Geralmente pode-se confiar nos dados fornecidos por meus antepassados — disse. — Mas é perfeitamente possível que um mundo de dimensões tão reduzidas tenha escapado à atenção dos engenheiros encarregados das medições. Talvez eles tivessem de enfrentar perigos enormes enquanto catalogavam o sistema. A KI-33 deslocava-se lentamente em direção ao mundo desconhecido. — Não existe atmosfera! — constatou o sargento Borkmann. — Só se vêem montanhas elevadas e íngremes e extensas planícies pedregosas. Não parece ser um ambiente muito hospitaleiro. Tratlo olhou de lado para o sargento. Acreditava que a Crest demoraria mais algumas horas para aparecer no ponto de encontro previamente combinado. O trimatador
  • 21. tivera a intenção de entrar com a corveta na área adjacente ao sol A, onde estaria protegido contra a ação dos rastreadores das espaçonaves desconhecidas. Mas a descoberta do pequeno planeta abria novas perspectivas. Arl Tratlo era um homem de iniciativa e a proximidade de um mundo pertencente ao reino estelar dos tefrodenses exercia uma atração enorme sobre ele. — Recebemos ordem de transmitir a Perry Rhodan as notícias vindas da nebulosa Alfa — disse Baroon, interrompendo suas reflexões. Tratlo ficou vermelho. Até parecia que o tenente adivinhara seus pensamentos. — Isso nós já sabemos, tenente — retrucou Tratlo em tom áspero. — Ninguém pensa em fazer outra coisa. Viu pelo canto dos olhos que Borkmann baixava a cabeça, para dissimular um sorriso. — Naturalmente — esclareceu Tratlo — talvez fosse muito interessante fazer uma pequena visita ao mundo recém-descoberto, que não consta dos catálogos dos andarilhos. Enquanto Arl Tratlo ainda refletia sobre a forma pela qual poderiam ser interpretadas as ordens dadas peto Coronel Heske Alurin, a KI-33 prosseguia numa rota que a aproximava cada vez mais do mundo desértico. Tratlo mordeu violentamente o lábio inferior. Provavelmente teria cedido à tentação, se o Tenente Kaarn Baroon não se encontrasse a bordo. O reyanense poderia causar-lhe dificuldades. Os outros tripulantes provavelmente ficariam entusiasmados com a idéia de pousarem no planeta desconhecido, pois veriam na manobra uma variação agradável num vôo monótono. — As ordens que recebemos são bem claras — disse Tratlo. — Borkmann, siga em direção ao sol A. A decepção do faunense certamente não foi menor que a de Tratlo. Baroon surpreendeu o comandante, dizendo: — Que pena! Talvez faríamos uma descoberta interessante! “Que sujeito hipócrita”, pensou o trimatador, zangado. Esperava que dentro em breve teria uma oportunidade de passar a perna em Baroon. O planeta foi ficando cada vez maior, e o maior dos sóis geminados passou a ocupar toda a área das telas óticas. Tratlo recostou-se na poltrona e observava Borkmann, que com movimentos seguros conduzia a nave através do espaço cósmico. Neste instante a desgraça desabou sobre a KI-33. Veio em forma de uma nave esférica de pelo menos mil metros de diâmetro, que saiu repentinamente de trás do sol A. A velocidade era tão elevada que a espaçonave levou somente um instante para aproximar-se da corveta. Tratlo continuava em sua poltrona, petrificado, quando a KI-33 foi atingida por uma torrente de fogo. Nenhum tripulante teve oportunidade de ligar os campos defensivos ou utilizar as armas da nave. Foi tudo muito silencioso, mas o abalo foi tamanho que Arl Tratlo se viu arremessado para fora da poltrona. Enquanto caía, viu Jens Borkmann segurar-se com ambas as mãos na direção. Havia no rosto do tenente uma expressão de espanto e incredulidade. O ataque fora tão repentino que qualquer tripulação teria sido tomada de surpresa, pensou Tratlo, enquanto escorregava pelo chão da sala de comando e batia na mesa dos mapas. Era um consolo muito fraco. As sereias de alarme uivaram, mas já era tarde. Tratlo foi-se levantado, apoiado na mesa. As luzes tremiam.
  • 22. — Os propulsores falharam! — gritou uma voz penetrante. Tratlo viu que não fora o único que perdera o apoio. Em toda parte os homens se esforçavam para pôr-se novamente de pé. A KI-33 fora atingida várias vezes. Tratlo receava que naquele momento estivesse comandando um montão de destroços. Podia dar-se por satisfeito por ter sobrevivido ao bombardeio. O andarilho Batins estava de pé ao lado de Tratlo, inclinado sobre a mesa dos mapas. Seus olhos muito afundados nas órbitas fitavam Tratlo com um misto de amabilidade e preocupação. Este olhar ajudou o capitão a recuperar o autocontrole. Sabia que a essa altura seria inútil tentar ligar os campos defensivos ou responder ao fogo inimigo. As condições na corveta já não permitiam que se fizesse isso. Só lhes restava fazer votos de que o inimigo desconhecido se desse por satisfeito com o êxito que alcançara. A KI-33 balançava fortemente. Tratlo teve muito trabalho para alcançar a poltrona de comando. Borkmann continuava agarrado à direção, embora a nave já não obedecesse aos comandos. Arl Tratlo aproximou-se do microfone do sistema de intercomunicação. — Tratlo falando! — gritou, esforçando-se para dar um tom calmo à voz. — Fomos atacados por uma nave desconhecida. Os propulsores falharam. Todos os tripulantes colocarão imediatamente trajes protetores equipados com campos defensivos individuais. O equipamento portátil mais importante será levado à eclusa principal. Preparem-se para abandonar a nave. — A nave inimiga se aproxima! — gritou o Tenente Baroon. O Capitão Tratlo examinou a nave esférica nas telas que continuavam a funcionar. — Quem vê esta nave, quase é capaz de jurar que ela partiu de um espaçoporto do Império Solar — disse Baroon. — Possui até mesmo a protuberância equatorial. O coração de Tratlo começou a bater mais forte. — Batins! — gritou. — Qual é o povo que possui naves deste tipo? — Os tefrodenses — respondeu prontamente o engenheiro cósmico. — Como vê, não é somente no aspecto exterior que os terranos e os tefrodenses se parecem. — O senhor compreende uma coisa dessas, senhor? — perguntou Borkmann, desesperado. Tratlo abanou a cabeça. Teve a impressão de que ainda acabariam de fazer uma descoberta tremenda. Os terranos esperavam desde o início encontrar surpresas na nebulosa de Andrômeda. A nave esférica suspendera o fogo. — Raios de tração! — disse Baroon. — Estamos sendo rebocados. Tratlo levantou-se. Acabavam de ganhar um novo prazo, cuja duração não conheciam. Deviam aproveitar o tempo. — Vamos! — ordenou. — Todo mundo vai colocar trajes de combate. Voltou a usar o intercomunicador. — Quem já tiver colocado o traje protetor e estiver com o equipamento completo, cuidará dos propulsores. Talvez consigamos consertar as avarias. Desligou. Enquanto colocava o traje de combate, refletia intensamente sobre o encontro surpreendente. Tinha certeza de que a nave esférica não aparecera por acaso. Saíra no momento exato de trás do sol A e partira imediatamente para o ataque. Certamente estivera à espreita. “Uma nave de vigilância”, pensou Tratlo. Mas que diabo havia para vigiar?
  • 23. Quem sabe se era o mundo do tamanho da Lua terrana, do qual o capitão pretendia aproximar-se? Visto do espaço, este mundo não dava a impressão de que nele havia alguma coisa para vigiar. Naturalmente era possível que se tratasse de uma nave-patrulha, que estava realizando um vôo de rotina e encontrara a corveta. Tratlo teve a impressão de que tão depressa não teriam a resposta a estas perguntas. De qualquer maneira, a profecia de Batins, de que os tefrodenses eram inimigos muito perigosos, acabara se confirmando. A KI-33 estava completamente indefesa. Qualquer tentativa de oferecer resistência ao inimigo na situação em que se encontravam equivaleria a um suicídio. Tratlo não pôde deixar de formular certas auto-recriminações. Como o vôo fora muito calmo, não tivera a atenção necessária no interior do sistema. No entanto, tinha suas dúvidas de que, mesmo que tivesse sido atento, teria conseguido fugir. Tratlo fechou o capacete e ligou o radiofone. Só neste momento se lembrou de que a Crest III deveria chegar dentro de pouco tempo. Fazia votos de que o ultracouraçado estivesse em condições de resistir ao inimigo. Os ocupantes da KI-33 não tinham nenhuma possibilidade de prevenir o Administrador- Geral. A Crest III cairia na mesma armadilha que acabara de revelar-se fatal para a corveta. — Para onde seremos levados? — perguntou Jens Borkmann. Tratlo levantou os olhos e viu que o faunense também estava enfiado num traje de combate. Conversavam pelos radiofones embutidos nos capacetes. Tratlo voltou à poltrona de comando. — Acho que já sei — respondeu. — Parece que estão nos levando ao mundo desértico que descobrimos no momento em que chegamos ao sistema. — É isso mesmo, capitão — disse a voz do Tenente Baroon, saída do rádio- capacete de Tratlo. — Só fico me Perguntando quanto tempo o comandante da nave esférica desconhecida ainda levará para reduzir a velocidade. Se continuar assim, o pouso será bem violento. Arl Tratlo olhou para os controles e viu que era isso mesmo. A conclusão que se devia tirar do comportamento do inimigo era clara e assustadora. Pretendem libertar-nos do raio de tração quando estivermos sobre o mundo desértico — disse Tratlo. — pelo amor de Deus, tenente! Se até lá não conseguirmos pôr para funcionar o propulsor, a nave se espatifará na superfície do planeta. No momento o capitão não tinha nada a fazer na sala de comando. Dirigiu-se à sala de máquinas o mais depressa que pôde. Encontrou sete homens amargurados, que praguejavam, enquanto se esforçavam para pôr em funcionamento pelo menos o sistema de propulsão normal. Tratlo viu os sargentos Horun e Slate. Peyt Veroni também estava lá. — Rápido! — gritou para os homens. — Se não andarmos depressa, cairemos na superfície do planeta. — É o suprimento de energia, capitão! — exclamou alguém. — Os condutos estão interrompidos em algum ponto. Deve ser uma avaria leve, mas para consertá-la teremos de encontrá-la. — Já experimentou o sistema de emergência? — perguntou Tratlo. — Temos de ganhar nem que sejam alguns minutos. — Nas outras salas há um incêndio — disse alguém, transmitindo mais uma notícia alarmante. — Nestas condições seria muito arriscado ligar o sistema de emergência com
  • 24. o propulsor normal. Interromperíamos o fornecimento de energia do resto da nave, além de provocarmos o perigo de uma explosão. — Não saia daqui! — ordenou Tratlo, enquanto contornava os gigantescos conversores. — O que pretende fazer, capitão? — gritou alguém. — Lá atrás há fogo. Tratlo fez como se não tivesse ouvido estas palavras de advertência. Se não conseguissem mudar os contatos do conjunto de emergência, não teriam por que preocupar-se com o futuro. A escotilha que dava para a sala de máquinas dos fundos estava fechada. Tratlo teve de fazer um grande esforço para abri-la. Ficara empenada por causa dos fortes abalos. Quando finalmente a escotilha se abriu, uma figura baixa enfiada num traje de combate apareceu perto de Tratlo. — Slate! — exclamou este. — Fique aqui para ajudar os outros. O rosto do sargento, que aparecia atrás do visor do capacete, desfigurou-se num sorriso obstinado. Apontou para as chamas que lavravam na sala. — Acho que ali minha presença será mais necessária, senhor. Tratlo deu de ombros e prosseguiu. Se não fossem os trajes de combate, provavelmente não teriam avançado nem dez metros. O chão estava coberto de peças de plástico fundidas. O revestimento das paredes fora enegrecido pela fumaça. Tratlo mal conseguiu orientar-se. Conforme esperara, os geradores de emergência também estavam em chamas. Mas era apenas o isolamento que começava a fundir-se. — E agora, senhor? — perguntou Slate. — Vamos mudar os contatos — respondeu Tratlo. O sargento devia pensar que ele estava louco, perdendo seu tempo em fazer uma coisa completamente inútil. Mas Slate ficou a seu lado, enquanto caminhavam entre os conjuntos geradores de emergência, dirigindo-se aos controles. O estado em que se encontravam as chaves fez com que Slate temesse o pior. Se não estivesse calçando luvas, não poderia segurar os comandos. Fechou os olhos por um instante, à espera da explosão que se seguiria. — Senhor! — disse Slate com a voz rouca. — Temos de sair daqui. Saíram correndo para a escotilha. Tratlo sabia que fizera tudo que estava ao seu alcance para salvar a nave e seus tripulantes. A única coisa de que precisavam era um pouco de sorte para resistir ao pouso de emergência. Os homens que trabalhavam na sala principal dos conversores cumprimentaram-no com gritos de triunfo. Tratlo compreendeu que os propulsores comuns acabavam de entrar em ação. Já tinham uma chance de pousar com certa segurança na superfície do mundo desértico, o que certamente não correspondia aos desejos dos seres que acabavam de derrotá-los. Tratlo fazia votos de que Baroon e Borkmann, que se encontravam na sala de comando, fizessem o que deviam, assumindo os comandos assim que a KI-33 se libertasse da ação do raio de tração. Os tripulantes da grande nave esférica pareciam não ter escrúpulos. O objetivo do ataque fora matar os ocupantes da corveta e apoderar-se do veículo espacial. Se a espaçonave esférica realmente era tripulada por tefrodenses, Tratlo já compreendia o receio do andarilho, que achava que não deveriam ter penetrado nesta área. O ataque à corveta fora executado com um terrível precisão. A tripulação tefrodense abrira fogo, sem saber quais eram as intenções dos intrusos.
  • 25. Quando o comandante voltou à sala de comando, a KI-33 encontrava-se apenas a algumas centenas de metros da superfície do planeta desértico. As telas de imagem mostravam uma extensa cadeia de montanhas, junto a cujas encostas a corveta pousaria. O vôo não era tranqüilo, mas Borkmann fez um gesto tranqüilizador, para que Tratlo soubesse que tinham uma chance de pousar a nave gravemente avariada em segurança. — A espaçonave esférica voltou a retirar-se para trás do sol A — disse Baroon. — Parece que considera cumprida sua missão. — Hum! — fez Tratlo. — Pois eu esperava que nossos inimigos se dispusessem a pousar, para examinar a corveta. — Era o que eu receava, capitão — interveio Borkmann. — Mas os tefrodenses retiraram-se assim que nos soltaram do raio de tração. — Quer dizer que se trata mesmo de uma nave de vigilância, que fica na espreita atrás dos dois sóis, onde está protegida da ação dos rastreadores, até que se veja obrigada a entrar em ação — disse Tratlo. — Provavelmente a esta hora estarão avisando outras unidades, que se encarregarão de examinar nossa nave. — Era só o que faltava, senhor — disse Wilcock, o navegador. — Teremos de abandonar os destroços assim que tivermos pousado — disse o trimatador. — Perto das montanhas certamente encontraremos algumas cavernas nas quais possamos retirar-nos. Uma vez lá, ficaremos à espera da Crest. Um abalo tremendo sacudiu o veículo espacial de sessenta metros de diâmetro, quando Borkmann o fez entrar em contato com a superfície pedregosa. — Menos violento que isto não foi possível — lamentou-se o sargento. Quatro das colunas de sustentação não saíram mais. — Todo mundo para a eclusa! — ordenou Tratlo. Borkmann, que se encontrava no assento do piloto, apoiou as mãos nos quadris. — Só falta encontrar um nome para este planeta solitário — disse. — Quanto a isso não há problema — disse o Tenente Kaarn Baroon. — Chamaremos este mundo de Multimatador. Era a primeira vez que o Capitão Tratlo se lamentava de que era proibido atirar em qualquer pessoa que pertencesse à USO.
  • 26. 4 O sol A era um gigantesco disco chamejante, que ficava quase verticalmente em cima dos náufragos espaciais. A luminosidade do sol B ainda era suficiente para mergulhar as montanhas que se estendiam junto à linha do horizonte numa luz chamejante, destacando fortemente as silhuetas. O Capitão Arl Tratlo colocou os pés no chão ressequido pelo calor. As pedras quebravam embaixo de suas botas. Uma pessoa sem traje protetor não teria sobrevivido neste ambiente por mais de alguns segundos. Tratlo regulou o suprimento de oxigênio da pequena aparelhagem que trazia nas costas. Protegeu o visor do capacete com a mão e contemplou os arredores. O quadro com que se deparou não era de molde a deixá-lo mais otimista. Não havia o menor sinal da existência de uma base pertencente a algum povo estranho. Arl Tratlo afastou-se, para que os outros homens pudessem retirar da corveta o equipamento especial e a aparelhagem portátil. O sargento Borkmann colocou-se ao lado de Tratlo. — É um lugarzinho bem tranqüilo, capitão — disse, enlevado. — É o tipo de mundo em que gostaria de viver depois de aposentado. Tratlo apontou para as encostas das montanhas. — Vamos tratar de encontrar logo uma caverna — disse. — Os trajes de combate não resistirão ao calor por muito tempo. Borkmann girou lentamente em torno do próprio eixo. Apontou para o horizonte com o braço estendido. — Olhe o sol B! — disse. — Felizmente está tão baixo que as montanhas nos protegerão contra seus raios. — Parece que o planeta fica voltado sempre com a mesma face para o sol maior — disse Tratlo. — O sol B fica um pouco mais longe, e por isso parte da face noturna do planeta é iluminada por ele. — Está vendo sinais de uma civilização? — perguntou a voz do Tenente Baroon pelo rádio-capacete. Tratlo abafou a raiva que ameaçava tomar conta dele e respondeu que não. Não pudera impedir que o planeta conservasse o nome com que Baroon o batizara. A tripulação da KI-33 aceitara imediatamente a sugestão. Tratlo sentiu-se aliviado quando Batins apareceu a seu lado, enfiado num traje especial. — Que mundo desolado — disse o engenheiro cósmico. — Além dos tefrodenses, teremos de enfrentar os perigos representados pelo ambiente hostil. — Vamos retirar-nos para as montanhas — disse Tratlo. — Os rastreadores portáteis nos ajudarão a encontrar logo uma caverna na qual possamos esconder-nos. Batins apontou para a corveta, em cuja calota polar se via um enorme rombo. — O que será feito da nave? — perguntou. — Vamos deixar que caia nas mãos dos tefrodenses?
  • 27. — Não — respondeu Tratlo em tom resoluto. — O comando de destruição já está funcionando. A KI-33 explodirá dentro de dez minutos. Os tefrodenses não encontrarão nada além de algumas chapas de metal amolecidas pelo calor. Os tripulantes estavam reunidos em torno de Tratlo. Todos os aparelhos portáteis já tinham sido retirados da nave. O capitão sentia-se satisfeito porque dispunham de um equipamento tão valioso, que lhes permitiria conquistar em pouco tempo um planeta habitado por seres primitivos. Mas o planeta Multimatador não possuía atmosfera, e nele não havia sinais de uma civilização. No momento o maior inimigo dos náufragos era o sol, que abrira rachaduras na superfície do planeta. Tratlo lançou um olhar para a corveta. Fechou os olhos ao ver uma figura flutuar em direção à eclusa. Segurou o braço de Borkmann, que se encontrava a seu lado. — Quem é este? — perguntou, aborrecido. — Sou eu, capitão, o Tenente Baroon — respondeu o reyanense. — Volte imediatamente! — gritou Tratlo, indignado. — A corveta explodirá dentro de alguns minutos. O que vai fazer dentro da nave? — Preciso salvar alguns pertences pessoais, capitão — informou Baroon, sem interromper seu vôo. Tratlo viu a figura desaparecer na eclusa aberta. — Volte imediatamente! Isto é uma ordem! A voz de Tratlo quase chegava a atropelar-se. — Sinto muito, capitão — respondeu o gênio de Reyan. — O senhor está se recusando a cumprir as ordens de um superior! — berrou Tratlo. — De forma alguma — objetou o tenente. — No caso de naufrágio, os dois oficiais mais graduados têm o direito de permanecer a bordo enquanto acharem necessário. — Até parece que o senhor decorou o regulamento — observou Tratlo, furioso. — Quando fui informado pelo Coronel Alurin de que iria servir como imediato a bordo de uma corveta comandada pelo senhor, julguei conveniente cuidar disso — explicou Baroon em tom amável. — Pois faça o que quiser — resmungou Tratlo. Voltou a dirigir-se aos tripulantes reunidos em torno dele. — Vamos embora! — decidiu. — Borkmann, o senhor irá na frente. Sempre que possível, siga em linha reta para as montanhas. Não podemos deixar para trás nenhum equipamento. O sargento Borkamnn ligou o equipamento de vôo e desprendeu-se da superfície. A gravitação do planeta Multimatador era muito inferior à reinante a bordo da corveta. Tratlo esperou que os tripulantes se afastassem. Olhou para o relógio. A corveta explodiria dentro de três minutos. Finalmente Kaarn Baroon apareceu na eclusa. Segurava uma coisa nas mãos. A distância a que se encontrava não permitia que Tratlo visse o que era. — Já estou de volta, capitão — disse a voz de Baroon. — Vamos embora. O tenente passou voando por cima de Tratlo e não demorou a juntar-se aos astronautas que iam à sua frente. Tratlo lançou mais um olhar para a corveta e também partiu. O maior dos sóis gêmeos parecia sugar todos os objetos. Tratlo sentiu calor, apesar do isolamento térmico do traje de combate.
  • 28. Quando alcançou o tenente, Tratlo viu que este segurava uma pintura junto ao peito, para protegê-la contra os raios do sol. Ficou satisfeito ao notar que em toda parte se formavam bolhas, e as tintas se desmanchavam. — Estou preocupado com sua obra de arte, tenente — disse Tratlo em tom amável. — A parte principal dela está pingando no chão. Baroon virou apressadamente a pintura e contemplou-a, sem reduzir a velocidade. — É a Dança do Sacrifício da Fada do Espaço — disse, deprimido. — Nunca gastei tanto tempo numa pintura. Deixou cair o quadro. Dali a instantes foi parar entre as rochas, onde se desmanchou no calor. — Até mesmo um planeta inóspito sempre tem suas vantagens — observou Tratlo e passou à frente de Baroon, que lançava um olhar triste para baixo. — Suas concepções filosóficas me impressionam bastante — disse Baroon. — Fico muito feliz em ouvi-lo falar assim. O Capitão Tratlo sabia que todos os tripulantes da KI-33 podiam ouvir a conversa. Por isso achou preferível não responder às palavras do reyanense. Nem mesmo o ataque repentino e a perda da nave puderam melhorar o relacionamento de Tratlo e Baroon. Tratlo não tinha a menor dúvida de que, se houvesse um perigo grave, seriam forçados a cooperar. Mas era só. Já estavam sobrevoando os contrafortes das montanhas, quando a corveta explodiu. Nenhum dos tripulantes da KI-33 poderia culpá-lo por isso, mas Tratlo viu na perda da nave um infortúnio pessoal. Vivia pensando para descobrir se não teria havido um meio de defender-se do ataque da nave tefrodense antes que fosse tarde. Agora, que a corveta deixara de existir, as esperanças do merediense concentravam- se na Crest III. O grupo de Tratlo dispunha de três aparelhos de hiper-rádio portáteis. Dessa forma teriam a possibilidade de prevenir a tripulação da ultranave, antes que esta caísse na mesma armadilha que se revelara fatal para a KI-33. Arl Tratlo parou à frente dos outros astronautas. Os equipamentos de vôo acoplados aos trajes de combate consistiam em projetores antigravitacionais conjugados com micropropulsores. Desta forma a pessoa tinha a possibilidade de escolher um dos dois meios de locomoção. Os trajes especiais tinham sofrido aperfeiçoamentos constantes no curso dos anos, fazendo com que reunissem vantagens que antigamente não eram encontradas num único modelo. Quem usasse um traje de combate deste tipo teria uma chance de sobrevivência até mesmo no espaço cósmico, desde que o auxílio não demorasse demais. — Parece haver grandes espaços ocos lá embaixo — informou Ellis Weingarth, que carregava um rastreador portátil. — Acho que ali poderemos encontrar um labirinto de cavernas. — Ótimo — respondeu Tratlo, satisfeito. — Haveremos de encontrar um lugar em que possamos entrar voando. Uma vez lá dentro, não correremos perigo, ao menos por algum tempo. — Os rastreadores de matéria também estão reagindo — exclamou o cabo Weingarth, exaltado. — E é uma reação muito intensa. Até se poderia ser levado a acreditar que por lá existem depósitos de minerais de grande teor de pureza. — Não é possível! — objetou Tratlo. — Isso não combinaria com a estrutura do planeta. Não se vê nenhum filete de minério na superfície.
  • 29. O trimatador apressou-se em chegar perto de Weingarth. Leu as indicações projetadas no mostrador do rastreador. Weingarth tinha razão. — Tem alguma explicação, Batins? — perguntou Tratlo, dirigindo-se ao andarilho. — Espaços ocos e depósitos de minerais são duas coisas que não combinam — disse Batins, pensativo. — Mas é possível que nestas cavernas exista outra coisa que tenha provocado a reação dos rastreadores. — Senhor! — exclamou Jens Borkmann. — Não se esqueça da Lua. O satélite do planeta Tena também foi completamente escavado e está recheado de máquinas. — Não vamos tirar conclusões apressadas — advertiu Tratlo. — Se houvesse instalações dos tefrodenses lá embaixo, deveria haver algum sinal na superfície. Ao menos depois da explosão da corveta alguém se teria interessado por nós. — A idéia de Borkmann não é tão absurda como poderia parecer, senhor — disse o Tenente Baroon. — Não se esqueça da nave de vigilância. Caso existam instalações subterrâneas aqui, já sabemos o que a nave está vigiando. — É apenas uma teoria — resmungou Tratlo. Não podia deixar de reconhecer que Borkmann talvez tivesse razão, mas não gostou que Baroon tivesse apoiado e desenvolvido a idéia do sargento. Caso no interior do planeta realmente houvesse instalações dos tefrodenses, a fuga para dentro das cavernas Poderia ser o fim do pequeno grupo. Tratlo sabia que não lhe restava nenhuma alternativa senão investigar o assunto. Se permanecessem na superfície aquecida do planeta, morreriam com certeza. — Espalhem-se! — ordenou Tratlo. — Precisamos dividir-nos para descobrir a entrada das cavernas. Passou a voar apenas alguns metros acima da superfície rochosa. Havia inúmeras fendas capazes de abrigar um homem, mas geralmente não tinham mais de dois ou três metros de profundidade. Poucas vezes Tratlo vira um mundo mais desolado que este. — Acho que encontrei uma coisa, capitão! — disse uma voz saída do rádio- capacete de Tratlo. — Larcoon, o rádio-operador, falando. Encontro-me junto ao pico escarpado, junto à extensa planície rochosa. Tratlo procurou orientar-se e finalmente viu Larcoon imobilizado sobre o lugar indicado. Alguns dos homens já voavam em sua direção. — O que foi que o senhor descobriu? — gritou Tratlo. — Embaixo deste pico parece haver a entrada de uma caverna — respondeu o homem natural do setor de Vega. Os tripulantes da nave destruída aproximavam-se do pico, vindos de todos os lados. Tratlo foi um dos primeiros a chegar. Larcoon desceu mais um pouco e apontou para uma reentrância em forma de rim, aberta na rocha. — É uma entrada bem grande. Parece que não está sendo vigiada, capitão — disse Borkmann. — Sargento Slate, desça e examine o lugar. Ficaremos aqui em cima para dar-lhe cobertura. Mesmo enfiado no traje de combate, o homem baixo nascido em Purthag destacava- se entre os demais. Os homens permaneceram em silêncio, vendo Kalim Slate descer e pousar são e salvo junto à entrada da caverna. Só então Tratlo viu que a entrada na rocha tinha vários metros de diâmetro. Slate contornou a entrada. — Desce obliquamente, senhor — informou. — Não vejo nada que indique a existência de instalações subterrâneas.
  • 30. — Está bem — disse Tratlo, calmo. — Entre voando na caverna e verifique como estão as coisas lá dentro. Não quero que se arrisque. Assim que surja algum perigo, volte. Quem se encontrava mais em cima, poderia ter a impressão de que Slate hesitava em cumprir a ordem. Mas isto acontecia somente porque o sargento tinha que subir na superfície, para entrar voando na abertura. Tratlo viu por um instante a luz do farol de Slate na sombra do penhasco. Finalmente o sargento desapareceu no interior da abertura existente na superfície do planeta superaquecido. — Tudo em ordem, sargento? — gritou Tratlo. — Pode vir, senhor — respondeu Slate. — Mais para baixo a caverna fica mais larga, mas está completamente abandonada. O Capitão Arl Tratlo fez um sinal para os companheiros. Foram descendo um após o outro e entrando na caverna. Até se poderia ter a impressão de que eram tragados pela boca de um monstro.
  • 31. 5 Os faróis dos homens da USO iluminavam as paredes ásperas da caverna. O aspecto interno do Multimatador não era muito diferente do externo. Os homens voavam em fila indiana, com o sargento Slate e Arl Tratlo na frente. Pelos cálculos do capitão, já tinham deslocado uns cem metros, mas ainda não se encontravam mais de vinte metros abaixo da superfície. Logo depois da entrada a caverna descia fortemente, mas depois de alguns metros corria quase paralelamente à superfície. Os rastreadores mostravam perfeitamente que a tripulação da corveta penetrara num verdadeiro labirinto de cavernas. Acabariam dando com galerias laterais ou poços que descessem para as profundezas. Os rastreadores de matéria indicavam os valores máximos. Tratlo fez girar o farol e iluminou as paredes. Poderia dar ordem de parar, pois no lugar em que se encontravam estariam razoavelmente seguros. Mas queria descobrir o que provocava a reação nos aparelhos altamente sensíveis. Será que o planeta em que se encontravam possuía um núcleo magnético? Ou será que havia instalações gigantescas dos tefrodenses na face noturna do planeta? — Senhor! — gritou a voz estridente de Slate. Tratlo fez girar abruptamente a luz do farol, dirigindo-a para o lugar iluminado pelo sargento. A caverna terminava ali. Mas a luz dos faróis não batia nas paredes ásperas da caverna. Ia quebrar-se em peças de metal polido. — Parem! — ordenou Tratlo, baixando instintivamente a voz. Foram parar lado a lado no chão acidentado da caverna. Todos dirigiam seus faróis para o obstáculo que os impedia de prosseguir. — Então é isso! — exclamou o Tenente Baroon, nervoso. Tratlo e Batins foram para junto da parede metálica. — Não acredito que seja uma simples barreira — disse o andarilho. — Ao que tudo indica, é o começo de um grande estabelecimento subterrâneo. Esta parede forma seu limite. Provavelmente só foi engastada na rocha para evitar que o oxigênio escape das salas que ficam lá atrás. — Até parece que o senhor espera encontrar uma supercidade — disse o sargento Borkmann. — Pelo que se sabe, os tefrodenses costumam fazer muito bem feito tudo em que põem as mãos — respondeu Batins. — A ausência de guardas parece depor contra o fato de eles fazerem as coisas bem feitas — observou o sargento Horun. — Os tefrodenses sabem perfeitamente que é impossível um grupo maior de naves chegar até aqui — respondeu Batins. — E o que acontece com uma nave isolada que se aproxime nós acabamos de ver. Por que haveriam de colocar guardas? — Será que as pessoas que se encontram lá dentro já estão informadas sobre nossa chegada? — perguntou Baroon. — Tenho minhas dúvidas — respondeu Batins. — O comandante da nave de vigilância certamente deve ter comunicado aos tefrodenses que se encontram lá dentro que a tripulação da nave derrubada pereceu na queda.
  • 32. Tratlo deu uma risada zangada. — Vamos dar uma olhada por aqui — disse. Ele e Batins puseram-se a examinar a parede metálica, que não apresentava a menor fresta e parecia soldada à rocha. Parecia não haver nenhuma passagem. — Ficamos retidos — confessou Tratlo. — Aqui não conseguiremos passar. Mas os tefrodenses devem ter um meio de chegar ao seu reino subterrâneo. Tratlo mandou que os homens se espalhassem e saíssem à procura de galerias laterais. Ele e Batins permaneceram junto à parede metálica. — Alguma coisa é fabricada aqui — conjeturou Batins. — Não devem ser espaçonaves — disse Tratlo. — Para isso as instalações são muito pequenas. — Não são tão grandes assim, mas devem ser muito importantes — respondeu Batins. — Mais um motivo para verificarmos de que se trata — disse Tratlo em tom arrojado. — Tenha cuidado — disse Batins em tom sério. — Os tefrodenses costumam não fazer muitas cerimônias com os visitantes inoportunos. — Vamos com calma — disse Tratlo com um sorriso. — Estamos tão bem equipados que podemos resistir por algum tempo a um pequeno exército. Parece que os tefrodenses só têm a vantagem do número. Batins ficou calado. Devia estar cansado de chamar a atenção do capitão para o perigo que representavam os tefrodenses. Mas por mais que o andarilho o advertisse, Tratlo não se deixaria demover da resolução tomada. Em sua opinião, o Multimatador devia esconder um segredo cuja descoberta os aproximaria bastante do mistério dos senhores da galáxia. Tratlo queria descobrir tudo que fosse possível sobre as instalações dos tefrodenses, antes que a Crest III chegasse. E era o que pensavam todos os companheiros. Quanto a isso não tinha nenhuma dúvida. Depois de algum tempo o cabo Ellis Weingarth descobriu uma fenda lateral junto à parede metálica. Chamou o Capitão Tratlo. O trimatador passou a luz do farol pela abertura. — É muito estreito para dar passagem a um homem — concluiu. — Teremos de ampliar isto à força. — Para isso teríamos de usar as armas — objetou o Tenente Kaarn Baroon. — Os tefrodenses certamente detectariam a descarga energética. — É um risco que vamos assumir — disse Tratlo. Pegou a arma energética pesada que trazia presa ao cinto e apontou-a para a fenda. — Para trás! — disse, dirigindo-se a Weingarth. — Capitão! — exclamou Batins. — Não se esqueça de que usando a arma o senhor chamará a atenção do inimigo para nossa presença. Por que não voltamos e procuramos outro lugar por onde possamos entrar? — Dispenso suas lições! — gritou Tratlo, zangado, e puxou o gatilho. A rocha desmanchou-se. Numa questão de segundos a fenda abriu-se bastante para que os homens pudessem espremer-se por ela. Tratlo foi na frente. Viu-se numa caverna maior, cujo chão fora alisado. Em toda parte viam-se recipientes em forma de barril. Tratlo esperou que Borkmann atravessasse a abertura. Iluminou os barris. — É um depósito, senhor — disse Borkmann. — Deve haver uma eclusa que leve ao interior das instalações.
  • 33. — Talvez este lugar tenha sido abandonado há tempo pelos tefrodenses — disse Arl Tratlo. — Parece tudo tão abandonado. Enquanto os tripulantes da corveta se reuniam no depósito, Tratlo revistou a parede. Acabou descobrindo uma eclusa de três metros de altura. Batins e Veroni tinham aberto um dos barris, que continha um pó grosso e cinzento. Tratlo ficou parado à frente da eclusa, com os lábios cerrados. Viam-se perfeitamente as alavancas que serviam para acionar o mecanismo, mas o merediense ainda hesitava. Até então tinham tido muita sorte. Os tefrodenses não os haviam descoberto. Mas era bem possível que isso acontecesse assim que abrissem a eclusa. Tratlo sabia perfeitamente que, se não penetrassem nas instalações subterrâneas, não descobririam nada. Alguns barris cheios de pó não permitiam nenhuma conclusão. De repente Tratlo viu-se interrompido em suas reflexões, pois a parede da eclusa deslizou para o lado. O merediense levantou o desintegrador, preparado para rechaçar qualquer atacante. Uma luz filtrou de dentro da câmara da eclusa. Tratlo viu um carro robotizado com barris sobre a plataforma de carga aproximar-se. Baixou a arma. Um acaso acabara de dar-lhes a oportunidade de entrarem na câmara da eclusa sem serem percebidos. Seria mesmo um acaso? Tratlo acompanhou o carro robotizado, que parou à frente de uma pilha de barris. Duas garras metálicas seguraram os recipientes e colocaram-nos cuidadosamente no chão. — E agora? — cochichou o sargento Borkmann. Tratlo viu os últimos barris serem tirados da plataforma de carga do veículo. Teria de decidir logo, pois o veículo voltaria a qualquer momento e a eclusa se fecharia atrás dele. Era possível que aquilo fosse uma armadilha dos tefrodenses, mas se era assim também poderiam ser atacados no lugar em que se encontravam. O inimigo não haveria de permitir que voltassem à superfície. O capitão empertigou-se e entrou na câmara da eclusa, seguido pelos tripulantes da corveta. Desligaram os faróis. Tiveram de ficar bem encostados às paredes, para dar Passagem ao veículo. Numa súbita resolução, Tratlo saltou para cima da plataforma de carga. — Vamos, tenente! — disse a Baroon. — Suba! Baroon obedeceu, evidentemente contrariado. — Assim que a parede da eclusa se abrir, os outros ficarão perto do carro, até que saltemos — decidiu Tratlo. A eclusa fechou-se. Os homens já não podiam ver mais o depósito. Tratlo sabia que não teriam mais como voltar. Estava agachado na plataforma de carga do veículo, ao lado de Baroon, esperando que a parede interna da eclusa se abrisse. Os tripulantes da KI-33 comprimiam-se em torno do veículo. Batins estava de pé, na ponta do carro, com a cabeça abaixada. Tratlo não acreditava que o andarilho fosse um homem temeroso, mas ele deixava ver claramente que não concordava com os planos do capitão. A luz apagou-se, e a parede interna da eclusa abriu-se. Logo voltou a ficar claro. Tratlo agarrou firmemente o desintegrador e ficou bem encostado à plataforma de carga do veículo, que saiu com um solavanco. Tratlo pôs a cabeça para o lado a fim de enxergar para além do revestimento do motor, e viu um pavilhão gigantesco, fortemente iluminado. Respirou aliviado, porque não via nenhum ser vivo. A maior parte do espaço era ocupada por máquinas de aspecto estranho. Havia faixas de transporte relativamente estreitas entre elas. As esteiras automáticas estavam em movimento, mas os objetos
  • 34. transportados por elas eram tão pequenos que na distância em que se encontrava Tratlo não pôde identificá-los. O carro passou entre duas máquinas grandes. Tratlo fez um sinal para o tenente, e os dois saltaram. O veículo robotizado prosseguiu e dali a pouco não foi visto mais pelos homens. Tratlo esperou que toda a tripulação da KI-33 se reunisse num lugar em que estivesse protegida pelas máquinas e dirigiu-se a Batins. — Se há tefrodenses por aqui, eles certamente já estão informados sobre nossa presença — disse. — Por que não demonstram nenhum interesse por nós? — O motivo é bem simples — respondeu o andarilho. — Certamente só há alguns técnicos e cientistas por aqui. Seu número é tão reduzido que não podem tornar-se perigosos para nós. Mas isto não importa, pois os tefrodenses nunca se esquecem de nenhum detalhe. Sem dúvida têm algum meio de trazer reforços. Tratlo confirmou com um gesto. Talvez o tempo de que dispunham para examinar as instalações fosse bastante reduzido. Batins apontou para as máquinas. — Já não tenho a menor dúvida de que conseguimos entrar num conjunto de instalações tefrodenses — disse. — A forma das máquinas é típica deles. “E têm uma semelhança espantosa com as máquinas terranas”, acrescentou Tratlo em pensamento. Não adiantava querer negar este fato. As idéias mais absurdas passaram pela cabeça do trimatador. Será que as duas galáxias tinham algo em comum? Teria havido uma repetição na seqüência dos acontecimentos cósmicos? Tratlo lembrou-se de várias teorias e de algumas explicações fantásticas encontradas em certos mitos antigos. Mas a lógica lhe dizia que isto só podia ser obra do acaso. Haveria algum motivo que impedisse que em duas galáxias diferentes surgissem povos muito parecidos? Talvez as condições em que os tefrodenses tinham construído sua civilização fossem as mesmas que se tinham verificado nos primórdios da história da Humanidade. Tratlo percebeu que estas reflexões não levariam a nada. A solução do enigma teria de ficar por conta de outras pessoas. A única coisa que podia fazer era prestar sua contribuição para que a solução fosse mais rápida. — Baroon e eu examinaremos as vias robotizadas — disse. — Os outros não sairão daqui. Tomem cuidado para que não sejamos atacados. Não atirem enquanto o inimigo não abrir fogo — fez um sinal para o tenente. — Venha comigo, Baroon. Tratlo e o reyanense saíram de trás das máquinas, onde estavam relativamente protegidos, e dirigiram-se às esteiras transportadoras. Era como Tratlo supusera: as esteiras só transportavam objetos pequenos. Ao que parecia, tratava-se de microaparelhos. Tratava-se de placas metálicas circulares, de um centímetro de diâmetro por três milímetros de espessura. — Até parecem moedas — disse Baroon. — Será que acabamos de descobrir a indústria de cunhagem de moedas do banco tefrodense? — Até que seria uma boa idéia — disse Tratlo, dando uma risada. — Naturalmente não é nada disso — disse Baroon. — As moedas teriam de apresentar gravuras. Tratlo pegou algumas placas metálicas que estavam sendo transportadas na esteira e enfiou-as no bolso de seu traje de combate. Baroon abanou a cabeça. — Tomara que este furto não cause confusão no fluxo de produção — disse. Tratlo deu de ombros.
  • 35. — Isso não modificaria nada. De qualquer maneira, já devemos estar sendo observados de algum lugar. Parecia que a única coisa que se fabricava nas instalações subterrâneas eram as placas de metal. Se os tefrodenses escolhiam um mundo afastado para sua produção, montavam as instalações embaixo da superfície e colocavam uma nave no respectivo sistema solar para vigiar o local, estes objetos deviam ser muito importantes. Tratlo pesou uma das plaquinhas na mão. Parecia pensativo. Teve a impressão de que se deparara com um dos maiores segredos dos poderosos tefrodenses. Mas que importância poderiam ter estes microaparelhos para os tefrodenses? — O senhor tem alguma idéia do que poderia ser, tenente? — perguntou, dirigindo- se a Baroon. O reyanense abanou a cabeça. — Talvez estejamos superestimando a importância da descoberta que acabamos de fazer, capitão. — É claro que não podemos excluir esta possibilidade — reconheceu Tratlo. — Batins! Faça o favor de vir para cá. Viram o andarilho sair de trás de algumas máquinas. Quando chegou mais perto, Tratlo entregou-lhe uma das plaquinhas. — Já viu uma coisa parecida? — perguntou Tratlo. — Já — respondeu Batins, surpreendendo o capitão. — Sabe o que é? Tratlo nem se esforçou para disfarçar a desconfiança. — Não é que eu saiba — respondeu Batins. — Mas parece que os tefrodenses atribuem a estes objetos um sentido quase sobrenatural. — Sobrenatural? Está brincando! Um povo tão desenvolvido já deve ter reconhecido que aquilo que se costuma chamar de sobrenatural sempre tem uma explicação científica. — É verdade — disse Batins. — Acontece que certo mercador que levava consigo uma plaquinha destas e a mostrava a todo mundo contou que os tefrodenses usam estes aparelhos como talismã. — Um talismã! — gemeu Tratlo. — O senhor ouviu, tenente? O segredo dos tefrodenses é uma simples peça metálica, um talismã, do qual parecem esperar certos milagres. — O senhor está sendo injusto com sua ironia — resmungou Batins, contrariado. — O senhor pediu que dissesse o que sei a respeito. E eu disse. Naturalmente tenho certeza tal qual o senhor que estas peças metálicas não são simples talismãs. No momento em que Arl Tratlo enfiava no bolso o objeto misterioso, três tefrodenses armados apareceram na outra extremidade do pavilhão.