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Jornal



   O Bandeirante
            Ano XVII - no 199 - JUNHO de 2009
            Publicação Mensal da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores - Regional do Estado de São Paulo - SOBRAMES-SP




                                                           Sou a Favor do Branco
                                                             e Não Sou Racista
                                                                                                                      “Tornamo-nos no homem do uniforme que usamos”.
                                                       Helio Begliomini                                                   Napoleão Bonaparte (1769-1821), imperador da
                                                       Médico urologista                                                                          França de1804-1815.
                                                       Presidente da SOBRAMES-SP


                                                            Realmente, nada há de mais                            médico. Há muito, por vezes, a roupa
                                                      adequado para representar a pure-                           branca vem sendo considerada pelos
                                                      za do que o branco. Nele qualquer                           próprios médicos de forma pejorativa
                                                      mancha ou sujeira se evidenciam. A                          e jocosa, não como sua vestimenta,
                                                      ciência ensina que um objeto de cor                         mas sim, como uniforme de açouguei-
                                                      branca é aquele que, ao ser ilumina-                        ro e de sorveteiro.
                                                      do por uma luz branca como, por                                    Ela tem sido substituída paula-
      Não sei precisar quanto tempo a                 exemplo a luz do sol, reflete todas as                      tinamente pelo “jaleco” ou “avental”,
roupa branca caracteriza a vestimenta                 cores do espectro, não absorvendo                           apanágio dos professores e laboratoris-
do médico. Com certeza, no Brasil,                    praticamente nenhuma. Ao contrário,                         tas, também conhecido como “guarda-
esse fato ocorre há mais de setenta                   um objeto de cor preta é aquele que                         pó”, ou, em muitos casos, sem a menor
anos. Aliás, aqui, o branco é climati-                retém todas as cores. Assim, por ana-                       dúvida, melhor seria denominá-lo
camente por demais adequado, haja                     logia, o profissional que se caracteriza                    por “esconde-sujeira”, uma vez que,
vista nosso país-continente situar-se                 pelo uso do uniforme branco deveria                         por debaixo deles se apresentam,
em zonas tropicais e subtropicais,                    ser aquele que de forma altruísta                           particularmente, Esculápios recém-
onde a maior parte de seu território                  procuraria tudo fazer para dar de                           formados ou até graduados há tempos
em quase todo o ano se apresenta com                  si e do melhor de si, refletindo seu                        com cabelos despenteados, brincos
temperaturas elevadas.                                conhecimento, sua experiência, sua                          ou piercings esculpindo o rosto; barba
      Na verdade, o uniforme branco                   compaixão, sua esperança naquele                            por fazer, camisas amassadas, calças
não somente tem caracterizado o                       que padece.                                                 de brim desalinhadas e, de acordo
profissional de medicina, mas tam-                          Não se pode olvidar também                            com a moda, rasgadas, aparecendo
bém o de odontologia, enfermagem                      que a cor branca representa muito                           partes das coxas, e barras desfiadas;
e fisioterapia.                                       bem a paz, o bom agouro e a espe-                           visual esse complementado com tênis
      Muito provavelmente sua ins-                    rança, predicados esses igualmente                          ou sapatos surrados. Nesse contexto,
piração é alusiva às bimilenares pa-                  em íntima relação com o exercício                           salienta-se que há aqueles que nem
lavras do juramento de Hipócrates:                    da medicina.                                                sequer têm pejo de se esconderem e,
“Juro que (...) conservarei puras mi-                       Lembro-me saudosamente dos                            de forma desengonçada e desavergo-
nha vida e minha arte”. Aliado a isso,                tempos acadêmicos quando, nós,                              nhada, apresentam-se sem o avental
a medicina, há séculos, é tida como                   alunos, ansiávamos por logo chegar                          branco.
profissão sacerdotal, ou seja, seus                   ao terceiro ano, início de nossa prática                           Há também dentre os de meia
profissionais, num patamar destacado                  hospitalar no contato com o paciente,                       idade aqueles imitadores, particular-
em dignidade, devem ter o privilégio                  e, por conseguinte, do uso de nossa                         mente dos padrões norte-americanos,
de exercer seu ofício junto a seus se-                roupa branca. Se o trote no primeiro                        utilizando gravata abaixo do guarda-
melhantes, na cura de enfermidades e                  ano era o batismo na iniciação da                           pó. Não é incomum caminharem em
no alívio do sofrimento humano, não                   ciência e da arte de Hipócrates, a                          grupos pelos corredores dos hospi-
tendo, obviamente, a remuneração                      roupa branca era nossa estreia na                           tais, com nariz empinado, pescoço
como fator primordial, limitante ou                   profissão.                                                  esguio, ar professoral e, de esguelha,
impeditivo, sobremodo em situações                          Infelizmente, os tempos estão
                                                                                                                                               (continua na última página)
de emergência.                                        mudando e, com ele, a medicina e o
2     O BANDEIRANTE - Junho de 2009

                                                                                                         DINDA
    EXPEDIENTE
                                                                                       Ontem recebi um e-mail de um colega e, estando diante
                                                                                   do meu computador, li que ele se encontrava escrevendo
Jornal O Bandeirante                                                               sobre uma linda mulher, que não sei por que a apelidou de
ANO XVII - no 199 - Junho 2009
                                                                                   “DINDA” e que nos seus momentos de lazer relembrava fatos
                                                                                   e amores que tinham ocorrido em sua vida.
Publicação mensal da Sociedade Brasileira de Médicos
Escritores - Regional do Estado de São Paulo SOBRAMES-SP   .
                                                                                       Ela falava sobre um assunto que estava relacionado à
Sede: Rua Alves Guimarães, 251 - CEP 05410-000 - Pinheiros                         idade dos homens que haviam passado por sua existência
- São Paulo - SP Telefax: (11) 3062-9887 / 3062-3604 Editor:
Helio Begliomini. Jornalista Responsável e revisora: Ligia
                                                                                   e, ao mesmo tempo, fazia uma comparação entre cada um
Terezinha Pezzuto(MTb 17.671 - SP). Colaboradores desta                            deles e suas maneiras diferentes de ser.
edição:Allita Guimarães Reis, Flerts Nebó, Geovah Paulo da                             O interessante da divagação foi que com a imagem que
Cruz, Nelson Jacintho, José Jucovsky, José Leopoldo Lopes
de Oliveira, Josef Tock, Josyanne Rita de Arruda Franco,                           ele formara da jovem, recordando alguns fatos ocorridos com
e Sergio Perazzo.Tiragem desta edição: 300 exemplares          ela, fez com que eu parasse de ler o e-mail que me enviara e me transportei, por
(papel) e mais de 1.000 exemplares PDF enviados por
e-mail.                                                        breves instantes, para fatos que se haviam passado comigo.
Diretoria - Gestão 2009/2010 - Presidente: Helio
                                                                   Já disse o poeta: “Recordar é viver de novo!”
Begliomini. Vice-Presidente: Josyanne Rita de Arruda               Concordo. O poeta tem toda a razão, entretanto, se recordarmos só os fatos
Franco. Primeiro-Secretário: Ligia Terezinha Pezzuto.
Segundo-Secretário: Maria do Céu Coutinho Louzã.
                                                               tristes ou dolorosos torna-se extremamente desagradável. Não vivemos outra
Primeiro-Tesoureiro: Marcos Gimenes Salun. Segundo-            vez, mas sim voltamos a sofrer novamente.
Tesoureiro: Roberto Antonio Aniche. Conselho Fiscal                Dizem que o melhor remédio para os fatos desagradáveis ou tristes é o
Efetivos: Flerts Nebó, Carlos Augusto Ferreira Galvão, Luiz
Jorge Ferreira. Conselho Fiscal Suplentes: Geovah Paulo        TEMPO!
da Cruz; Rodolpho Civile; Helmut Adolf Mataré.                     Digo eu, de fato o tempo cura, mas desde que você não volte a recordar os
    Matérias assinadas são de responsabilidade de seus         maus momentos, porque senão volta a se machucar, entristecer e se aborrecer
     autores e não representam, necessariamente, a             com coisas que já passaram e que não mais deveriam estar em nossas mentes.
                  opinião da Sobrames-SP
                                                                   Acho-me em meu escritório e a história que o colega me enviou fez-me re-
                                                               lembrar as coisas tristes de minha vida, assim como recordei coisas de antanho
                 Editores de O Bandeirante                     que de há muito as tinha esquecido.
Flerts Nebó – novembro a dezembro de 1992
                                                                   O tempo, por vezes, nos faz esquecer, mas num repente voltam a viver frente
Flerts Nebó e Walter Whitton Harris – 1993-1994                aos nossos olhos e tornamos a sofrer.
Carlos Luiz Campana e Hélio Celso Ferraz Najar – 1995-1996         Acredito que a lembrança dos fatos alegres, dos momentos de felicidade, dos
Flerts Nebó e Walter Whitton Harris – 1996-2000
Flerts Nebó e Marcos Gimenes Salun – 2001 a abril de 2009
                                                               entes queridos, das boas amizades, de quem queremos bem, das que amamos,
Helio Begliomini – maio de 2009 -                              vale realmente a pena recordar.
                                                                   Mas aquelas que nos amarguram a alma, peço a Deus que me as faça
    Editor: Helio Begliomini                                   esquecer; e o melhor que temos para fazer é fugir, imediatamente, delas e
    Diagramação: Mateus Marins Cardoso
    Impressão e Acabamento: Expressão e Arte Gráfica
                                                               procurarmos divagar em um céu azul, ameno, gostoso e, divagando, recor-
                                                               dando fatos prazerosos, viveremos felizes, por retornar a viver e contentes
                                                               por termos tido aquelas oportunidades, que nem todos têm nesta nossa curta
            PUBLICIDADE                                        vida terrestre...
                                                                                                             Flerts Nebó
           TABELA DE PREÇOS 2009
          (valor do anúncio por edição)                                                                      Médico aposentado em São Paulo
      1 módulo horizontal      R$ 30,00
      2 módulos horizontais    R$ 60,00
      3 módulos horizontais    R$ 90,00                          Walter Whitton Harris
      2 módulos verticais      R$ 60,00                                Cirurgia do Pé e Tornozelo
      4 módulos               R$ 120,00                                    Ortopedia e Traumatologia Geral
      6 módulos               R$ 180,00                                    CRM 18317
                                                                            Av. República do Líbano, 344
      Outros tamanhos       sob consulta                                     04502-000 - São Paulo - SP
                                                                                                                  Rua Luverci Pereira de Souza, 1797 - Sala 3
                                                                                                                Cidade Universitária - Campinas (19) 3579-3833
           heomini.ops@terra.com.br                                             Tel. 3885 8535                         www.veridistec.com.br
           ligiapezzuto@terra.com.br                                            Cel. 9932 5098


                      CUPOM DE ASSINATURAS*                                                                                      longevità
         Preço de 12 exemplares impressos: R$ 36,00                                                                             (11) 3531-6675
        Nome:___________________________________________________________                                        Estética facial, corporal e odontológica *
                                                                                                                Massagem * Drenagem * Bronze Spray *
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SUPLEMENTO LITERÁRIO
                                                                                    O BANDEIRANTE - Junho de 2009    3
                             O Lado Sórdido das Coisas

Sérgio Perazzo
Médico psiquiatra em São Paulo


    Um grande amor ultrapassa, e              Um grande amor não é uma corri-
muito, o lado sórdido das coisas.          da de orgasmos, mas um estado de or-
    Um grande amor resiste a um ce-        gasmo que se inicia no primeiro olhar,
lular quebrado e incomunicável.            no primeiro abraço e até nos limites
    Um grande amor é calmo porque          extremos de qualquer distância.
confia e porque está acima das vicissi-       Um grande amor não se intimi-
tudes que retardam o reencontro.           da diante da tempestade de ciúme
    Um grande amor espera a sua vez        que ameaça se formar no horizonte
e se aninha confortavelmente nos           urbano de uma tarde de primavera
braços da amada, ao mesmo tempo            mesclada de cúmulus e nimbos.
em que faz das suas unhas o arado             Um grande amor já começa escan-
que passeia arrepiado nas costas dela,     carado porque nunca esconde o lado
semeando sensações que brotarão em         sórdido das coisas, quebrando de cara          Um grande amor não dói.
saudade no acordar do dia seguinte.        qualquer barreira, amando não o que            Um grande amor renasce em cada
    Um grande amor não tem idade,          deveria ser, mas o que de fato se é,       palavra dita ou não dita, acentuando
a cada dia uma nova idade recém-           sem vergonhas desnecessárias.              o mistério de qualquer reticência.
nascida.                                      Um grande amor constrói um                  Um grande amor aceita sem dis-
    Um grande amor é feito de olhos        dia depois do outro, pavimentando          cussão e sem cobrança, aceita, somen-
que espiam por cima do ombro es-           com esperança qualquer caminho de          te, sem arrancar os cabelos.
querdo procurando a boca que procu-        incertezas.                                    Um grande amor é o forro e o
ra a boca até encontrar o beijo.              Um grande amor dói.                     avesso do lado sórdido das coisas.



Em Roma
                                          Josyanne Rita de Arruda Franco
                                          Médica pediatra em Jundiaí
Pensava naquela noite em Roma.
Ríamos tanto, como se o mundo
só a nós pertencesse,
                                          somente existindo
como se a vida nos devolvesse
                                          em momento de riso e de sonho.
o que nos fora roubado precoce,
                                          O havido, longínquo...
deixando-nos com eterna sede
                                          esquecido de nos circundar.           Madonas e cedros, recantos sagrados.
de um amor maior que a sorte.
                                          Morno desejo de à noite saber         Caminhos de volta, retornos pensados
Havia um cheiro licoroso no ar...
                                          que a tarde existe na aurora,         e sempre pra Roma... e Roma... e Roma!
Do teu e do meu perfume,
                                          que o dia se trata de horas           Que será de nós quando o sonho acabar?
do vinho que respingava
                                          despertas ao sol ou sem arrebol,      Que será do riso se o silêncio chegar?
na boca, no peito, na roupa,
                                          lembranças que trago no agora.        Tudo passa, amor da minha vida!
lúdico, lascivo e eterno
                                          Tua boca dizendo futuro               Cada dia apressa o fim da história,
na eterna noite de Roma!
                                          mirando o Lago di Como                dos beijos na escada da Piazza di Spagna...
Etéreos, somente nós dois...
                                          de céu azul escarpado!                Passado gravado na ébria memória
Sem tempo de ser, sem ter porquê ser,
                                          Montanhas e Alpes nevados             de um terno romance que tem nosso nome,
                                          com gelo eterno... Suíça do lado.     firmado nas Termas de verde e de pedra,
                                          Milão, Veneza ou Verona?              no Coliseu imponente, arena de outras eras!,
                                                                                aberto ao amor de outro insone
                                                                                gritando teu nome
                                                                                nas ruas de Roma,
                                                                                Cidade eterna...
4   O BANDEIRANTE - Junho de 2009
                                                                                            SUPLEMENTO LITERÁRIO




                        Amazonas
Nelson Jacintho
Médico ortopedista em Ribeirão Preto


I                                                           II
Imensidão de água e de floresta,                            Representa a mulher amazonense
Reserva natural, veio fecundo,                              Que tem como seu forte, a beleza
Onde a vida, ao surgir, já manifesta                        Que cativa, que luta e tudo vence,
A força natural de um novo mundo.                           É retrato da própria natureza.
O verde com que Deus pintou tua mata,                       Vejo a lenda de mani e mani-oca,
Foi criado só pra ti, pra ninguém mais                      A menina que morreu, virou raiz.
E o látex abundante cor de nata,                            Da gostosa e carnuda mandioca
Jorrou de teus grandes seringais.                           Que deixou, de novo, a tribo feliz.
O índio, filho forte e generoso,                            Representa a abundância na floresta
A quem abrigo dás, sem cobrar nada,                         Onde a fome jamais progredirá
Tornou-se, cada vez, mais valoroso                          Porque o fruto da terra, sempre em festa,
Na missão de amparar tua jornada.                           Fluirá, como do céu veio o maná.
Tuas lendas que encantam todo o povo,                       Vejo a vitória régia olhando a lua,
Que cantam e que guardam tua história,                      Lembro-me da beleza de Naiá
A cada geração traz conto novo,                             Que corria na floresta quase nua
Mostrando a todos nós a tua glória.                         E morreu como a flor de gravatá
Vejo o boto saindo lá do rio                                Representa toda a força e a beleza
Em forma de rapaz, branco o chapéu,                         De um povo que nasceu para lutar,
Provocando nas moças calafrio                               É a força da própria natureza
E após conquistá-las, as deixa ao léu.                      Que jamais, algum dia vai parar...
É o retrato do moço maneiroso                               Amazonas, o mundo te precisa,
Que com seu jeito assaz dissimulado,                        Já se disse que, dele, és pulmão!
Oferta seu amor, que é mentiroso                            Teu verde na floresta simboliza
E volta a sumir no banhado.                                 A grandiosa esperança da nação!
Vejo a Mãe-D’água atraindo o pescador,                      Que não sejas destruída, peço sempre!
Com seu canto e toda a sutileza:                            Que teu povo, jamais, seja explorado!
Oferece-lhe paz e muito amor                                Que o cantar do jaó seja presente!
E o leva pra, do rio, a profundeza.                         Que jamais o uirapuru seja calado!



                              A Consumação do Tempo
                                                                   Compulsivo consumo globalizado
                      José Jucovsky                                Assume mundial linguagem a se expressar
                      Médico aposentado em São Paulo               Visão de espíritos menores engajados
                                                                   Impõem à natureza instável renovar!

                      Pílulas douradas da modernidade              A penúria de extensos solos naturais
                      Vendem virtuais fantasiosas ilusões          Explode em demográfica desesperança
                      Canto de sereia no céu da orfandade          Ecossistemas e florestas antes vitais
                      Proteu a esconder futuras mutações!          Continuam sofrendo estéreis mudanças!

                      Éolo enviando malfadados quatro ventos       Nem os pilares do conhecimento
                      Uivam ferozes entre montes sagrados          Nem o aparente parcial reconstruir
                      Esvaindo-se exuberantes verdes tempos        Amenizam o famélico sofrimento
                      Em lágrimas pelo deus Pan destronado!        Desdenhando grave fúnebre futuro existir.

                      Tempos e costumes de desmedidos valores      O milagre da redenção planetária acontece
                      Forjam deploráveis pesadelos a esmo          Porque existe inteligência em vez do nada
                      Profanos crimes de homens transgressores     O símbolo verde da natureza enfraquece
                      Dramáticos neologismos de si mesmo!          É quando a vida humana precisa ser repensada!
SUPLEMENTO LITERÁRIO
                                                                             O BANDEIRANTE - Junho de 2009     5

                            Elegia aos nossos vizinhos
                              portenhos e burgueses

                                                                Não vi um único camelô por toda Buenos Aires por
Josef Tock
                                                             onde andei, exceto em alguns pontos turísticos com
Médico oftalmologista em São Paulo
                                                             produtos locais.
                                                                O passeio pelo rio Tigre mais parecia um desfile de
   Há pouco tempo estive em Buenos Aires para um             barcos, com barcos de todos os tipos e calibres, indo e
passeio com minha família, que apesar de curto, apenas       vindo pelo rio de maneira organizada. Surpreendente-
alguns dias, foi bem agradável.                              mente não vi nenhum acidente. Nas bordas do rio junto
   Já havia estado na Argentina por inúmeras vezes,          a clubes, pessoas se banhavam nas águas do rio de cor
tendo feito vários cursos e aprendido com professor          barrenta. Tomei sol sem bronzeador e apesar do calor não
Arturo Alezzandrini, “pequenos segredos” de técnica de       senti ardor na pele, como sentimos em São Paulo.
angiofluoresceinografia, exame que na década de setenta         Não vi motos andando desordenadamente no trânsito
revolucionaria o estudo e o conhecimento das doenças         em Buenos Aires.
oculares, quando fui um dos primeiros profissionais a           Na realidade precisamos aprender com os argentinos,
conhecer e difundir seu estudo entre os oftalmologistas,     que sabem respeitar os recursos ambientais, pois sabem
promovendo cursos e simpósios na área.                       que deles dependem.
   Na década de setenta, Buenos Aires exerceu sobre             Há um grande número de parques espalhados pela ci-
mim um enorme fascínio. As pessoas nos fins de sema-         dade, não vi a ganância imobiliária destruindo a sua visão
na, sexta, sábado, permaneciam nas ruas frequentando         ambiental. O povo continua sendo gentil e ordeiro.
restaurantes, vida noturna, casas de espetáculos. Era um        Enfim apesar das dificuldades que vêm atravessando o
povo de bem com a vida, e não se via pedintes, moradores     país vizinho, parece-nos que felizmente não foi atingido
de rua ou assaltos nas ruas, fato que ocorria no Brasil na   pelo falso progresso que vem destruindo cidades como a
mesma época.                                                 de São Paulo. Buenos Aires e seus arredores respiram um
   Com a volta de Perón e Isabelita à Argentina e a          ar bem mais satisfatório que São Paulo e o povo parece
posterior ditadura militar, não se via aquela alegre vida    apreciar e cuidar das inúmeras áreas verdes espalhadas
noturna. Impôs-se o toque de recolher e jovens passaram      pela cidade. Enfim foi extremamente prazeroso rever
a ser revistados e presos se não tivessem documentos,        Buenos Aires após quinze anos da minha última esta-
fato que presenciei durante uma saída noturna a um es-       dia.
petáculo portenho. Naquela época a Argentina fabricava
automóveis com excelente acabamento que não víamos no
Brasil e cujos mesmos fabricantes no Brasil faziam carros
populares, com motores que muitas vezes deixavam a pé
seus proprietários.
   Desta vez chamou a minha atenção o grande número
de automóveis bem conservados, mas com dez para vinte
anos de uso.
   Raramente via-se carros novos, talvez pelo fato de ser
período de férias escolares e os proprietários de carros
mais novos estivessem viajando. Foi o que pensei.
   Não vi nas lojas produtos brasileiros. O dólar a dois
reais e cinquenta, fez para nós e para os argentinos com
que os artigos de couro ficassem a preços exorbitantes.
   Há poucos dias li nos jornais brasileiros que a balança
comercial Brasil x Argentina estava com desvantagem
para a Argentina. E os automóveis que vêm da Argentina
para o Brasil? E o trigo?
   O mais sofisticado shopping center tinha dimensões
equivalente à metade do “Shopping Ibirapuera”.
   Não vi grande magazines, nem supermercados. Há
na realidade uma melhor distribuição de riqueza entre
a população, com grande número do pequeno comércio
de rua.
6    O BANDEIRANTE - Junho de 2009
                                                                                                          SUPLEMENTO LITERÁRIO




                                                         Proesia
Geovah Paulo da Cruz
Médico oftalmologista em São Paulo



    Eu vi de tudo neste mundo. Milhares de Josés, muitos Peles,
até o Edmundo, o animal que também ia fundo. Vi cinco copas
ganhas e chorei aquela perdida, a derrota mais doída. A esperança
vã morreu no Maracanã. Vi o Rio de Janeiro migrando em
massa para o cerrado, para criar lá um novo reinado, sem nada
mudado. Nem melhorado. Brasília, a ilha da partilha do butim
da camarilha. Do vinde a mim. Que festim. Rico e podre assim.
Vi o mil réis, o cruzeiro, o cruzeiro novo, o cruzado, o cruzado
novo, a urv, o real, o dólar. Já paguei 5 milhões de cruzados        machuca, me fere e me fura a mente obscura. Há sete décadas
por um pãozinho, ou um brioche. A inflação do Sarney foi um          estou à procura. Meu anseio de saber, de conhecer, de entender
deboche. O mundo gira, a lusitana roda. O cara é foda. Eis ele aí    é uma loucura. Ah, se eu tivesse o dom da arte pura, de me
de novo, descarado, posando de pai da pátria na presidência do       expressar com alvura, achar a linguagem à altura, segura, pronta
Senado. O Brasil tá cagado.                                          e madura. Mas não a tive, a meu contento. Muito ficou no
    Eu vi a luz, quando nasci Geovah Paulo da Cruz. Era de           pensamento, sem clareza naquele momento. Bem que eu tento...
candeia ou de lamparina. Fui pra cidade, vi a lâmpada elétrica       será que aguento? Que tormento!
que a tudo ilumina. Como oftalmologista, cuidando da vista, vi           Assim sem mais nem menos, um dia eu inventei a nanopoesia.
o laser, a luz que queima, que cega ou que sara, que fura o céu      Foi uma forma de encontrar um novo modo de falar, sintético,
reta como uma vara. Espantado, vi a luz que faz curva, penetra       mas poético. Agora, de novo sem pretensão, acho que encontrei
na profundeza escura e turva, a luz da fibra óptica, companheira     uma nova forma de comunicação. Um novo jeito de falar, eu
da robótica.                                                         diria: acabo de criar a PROESIA. Um texto falado, contado,
    Eu vi comunistas envergonhados desta palavra pregarem o          expressado, mas rimado. Ou sonorizado. Ou fonetizado. Uma
socialismo, um eufemismo. Ainda os vejo, sem pejo, “haciendo         batida ritmada, melódica, musical.Tonal. Uma leitura que lembre
lo mismo”. Espero há 50 anos para ver de Fidel Castro o fim,         uma partitura. Falar e dizer com sons, modulações e tons, mas
cair como caiu o muro de Berlim. Mas o grande falante, como          sem declamar, apenas uma prosa, a qual se deu um tom rosa.
dizem os cubanos “el coma andante”, ainda tem o seu chicote          Saramago escreveu sem pausas e parágrafos, e mesmo assim como
a seu talante. Deixa um filhote, uma sequela, o “coronelote” da      escritor foi o mago que inventou a leitura sem pontuação, sem dar
Venezuela. “Por que no te calas?”, tagarela.                         tempo para a respiração. Muito longe de tão ilustre personagem,
    Eu vi o mundo bipolar. Eu vi o mundo multipolar. Capitalismo,    talvez seja minha fantasia ou miragem, ouso inventar um novo
socialismo, nacionalismo, separatismo, colonialismo, patriotismo,    modo de dizer, de expressar, de escrever. Que a outros mais bem
imperialismo, tanto ismo pra dar em nada. Agora até o liberalismo    dotados do que eu deste cabedal, a arte de exprimir, permita-
em derrocada. E “óia nóis aí na estrada”, comendo uma poeira         se que encontrem seu texto ideal, ao seu gosto bem legal, ou
danada, gente inculta e iletrada, atrasada, mal governada,           mesmo bom ao gosto geral. O meu feito é apenas mostrar um
pobre e maltratada, na eleição adulada, depois desprezada. Ah,       novo jeito, um modo ou um conceito, de tirar da gente o que lá
que cachorrada! Eu que tive tantos sonhos, uns sérios e outros       estava latente. No peito ou na mente. Todo o texto acima, com
bisonhos, vejo o Brasil sempre na mesma, devagar como uma            ou sem rima, é apenas uma amostra, pra ver se o ouvinte gosta
lesma. Dá vontade de exclamar: puta que o pariu, de onde você        desta nova maneira, um tanto faceira, de falar ou contar. Esta
saiu, os séculos passaram e você não viu. Acorda Brasil, mais pra    forma novel, até parece o cordel, mas é a semelhança é ilusória,
jeca tatu do que varonil.                                            a rima não é obrigatória, nem o verso seriado. O texto é lavrado
    Eu vi duas guerras mundiais. O mundo não seria o mesmo, não      sem estrofe e sem verso, seu diagrama é diverso e liberado.
fossem as tais. Que progresso estrondoso! Fabuloso. Miraculoso.          Tal como não vi, é uma pena, a nanopoesia encontrar seu
Que paradoxo estranho. Da guerra vem a destruição. Destas            nicho na literatura, a realidade é dura, provavelmente não verei
vieram o ganho. Compare-se o mundo de hoje, com o mundo de           a proesia se difundir. Com minha idade estou prestes a ir, mas
antanho. Não tem comparação, não tem tamanho. A civilização          mesmo indo, o tempo é senhor do destino, meu sonho é infindo:
tomou um banho. Avião, comunicação, informação, computação,          um dia a proesia poderá florescer, mas não atino o tempo de isto
globalização, universalização, ação, ação, ação, potenciação. Tudo   acontecer. Fica assim o meu legado, muito parecido com a antiga
ão. Menos o João, que agora é John. Os lusófonos mudaram a           carta poética, um casal enamorado trocava letras, iluminuras,
escrita de novo? Ah, que bom! É a segunda vez que vejo isto:         papel perfumado, dentro da estética de um par apaixonado.
pornográfica reforma ortográfica. Eu escrevia assúcar com dois       Hoje, com tudo mudado, talvez a proesia ache seu caminho em
esses, agora escrevo açúcar com cedilha, porque algum idiota         outra mídia, um disquete, a internet, um CD ou um DVD, ou
não sabia que a palavra vem do grego sacaron. Em inglês é            outra via, uma mensagem no vídeo-som, uma fala no CD-ROM.
Sugar, em francês é Sucre, em italiano é Zúcaro, em espanhol é       A proesia é praticamente oral. Mesmo lida deve ter um ritmo
azúcaro. O bando não sabia que em grego não tem cedilha, mas         mental, a troca da pauta pela sonoridade literal, de modulação
apenas sigma, o nosso esse. Comitê emburrece. É a segunda            vária, como quem canta uma ária.
desvirginação: tiraram o hímen. Desculpem-me, o hífen.                   O futuro verá o que não vi: a superação da comunicação
    Vi todo tipo de literatura. Prosa e poesia, biologia,            visual pela auditiva. Que o intelectual e o emocional se aprenda
oftalmologia, medicina, li da arte que cura. Nunca cessou minha      ou se delicie de oitiva. Quem sabe o livro falado seja um achado,
procura. O que sei, comparado ao que não sei, é só uma tênue         nele a proesia encontre o seu mercado. Está dado o meu recado.
estrela na noite escura. Ah, como a ignorância é dura... Me          Obrigado.
SUPLEMENTO LITERÁRIO
                                                                                 O BANDEIRANTE - Junho de 2009      7
                          Reflexões
José Leopoldo Lopes de Oliveira
Médico clínico em São Paulo


    A inclusão digital é assunto sério e    te por que há apaixonados que dão
para profissionais competentes: procto      pena.
e urologistas.                                  Um sincero reconhecimento ao
    Matemática atuarial é ciência exata     retirante apedeuta que chegou lá. A
e presta serviço exatamente a favor dos     verdade é que nunca antes, neste país,
donos de planos de saúde.                   se viu um presidente tão boquirroto.
    Português é básico. Em Lisboa               Diante de tanta sujeira, a solução
perguntei ao recepcionista do hotel o       é eleger Gabeira. Pense seriamente
que seria possível ver usando o metrô.      nisso.
Infelizmente nada, porque é subterrâ-           Momento de prazer indefinível,
neo, foi a resposta.                        o lindo rosto e cativante sorriso da
    Sempre penso na terrinha quando         jovem (17 a 19 anos, por aí) filha de
leio. Cobrimos qualquer orçamento           bodegueiro, numa das perdidas al-
em vários anúncios e divago: se novo        deias de Cinqueterre, Monarola junto
orçamento cobre o anterior é lógico         ao mar Tirreno, lembrança mais viva
que é maior e fica por cima. O certo        da última viagem à Itália.
seria: diminuirmos o seu orçamento              Originalidade e sofisticação é
atual.
    Quando Tchaicovski deu à sua mú-
                                            frequentar, sem faltas, curso de de-
                                            gustação de águas.                       REVISÃO
sica o nome Patética, que em inglês             O serviço público era tão ruim       de textos em geral
significa alguém que desperta pena (e       que logo à entrada havia um setor        Ligia Pezzuto
também em português), queria dizer          apelidado decepção.                      Especialista em Língua Portuguesa
outra coisa com palavra russa com som           Ditos bem populares. Dinheiro é
                                                                                      (11) 3864-4494 ou 8546-1725
semelhante e que significa Apaixona-        como hemorróidas, quem tem não
da, o que na verdade a sinfonia é.          conta. Filho é como peido, quem põe
    Mas tudo se encaixa perfeitamen-        no mundo é que aguenta.
                                                                                      ROBERTO CAETANO MIRAGLIA
                                                                                       ADVOGADO - OAB-SP 51.532

                                                                                     ADVOCACIA – ADMINISTRAÇÃO DE BENS
                                                                                      NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS – LOCAÇÃO


                Poema à Sombra
                                                                                        COMPRA E VENDA DE IMÓVEIS
                                                                                     ASSESSORIA E CONSULTORIA JURÍDICA
                                                                                     TELEFONES: (11) 3277-1192 – 3207-9224


Allita Guimarães Reis
Psiquiatra em Minas Gerais
                                                                                     Terminou de
Gosto das sombras que faço                 onde a beleza cintila,                    escrever seu
no alívio do sol ardente.                  e as luzes bruxuleiam...                  livro? Então
Gosto das sombras dos muros                dos odores na penumbra,
sob compassos seguros                      onde quentes mãos tateiam,
                                                                                     publique!
em noites de lua albente;                  e o sombrio olhar deslumbra
das sombras, na luz extrema,               como lava incandescente!                  Nesta hora importante, não deixe de
com meus óculos escuros,                   Gosto das sombras da mente.               consultar a RUMO EDITORIAL.
                                                                                     Publicações com qualidade impecável,
e das sombras do cinema...                 Sombras que ficam entre nós
                                                                                     dedicação, cuidado artesanal e preço
Gosto da sombra do amado.                  disputando o exíguo espaço,               justo. Você não tem mais desculpas
Da voz, sombrio veludo.                    e oscilando, passo a passo,               para deixar seu talento na gaveta.
De comer comidas caras,                    tênues, desnorteadas,                        rumoeditorial@uol.com.br
e beber bebidas raras                      em brechinhas apertadas                           (11) 9182-4815
de sombrio conteúdo.                       nas profundezas do abraço.
Gosto da sombra tranquila,
8     O BANDEIRANTE - Junho de 2009
                                                                                                  SUPLEMENTO LITERÁRIO




                                      Sou a Favor do Branco
                                        e Não Sou Racista
(continuação da primeira página)

com visão de cima-abaixo, em tom de        do que o ter e do que o pavonear.               Não se pode esquecer que o
desdém, olharem para seus pares que        Mas, assim como “por debaixo de um        fator pecuniário tem sobrepujado
ainda usam tradicionalmente a roupa        tapete se esconde muita sujeira”... sob   o altruísmo, assim como a interpo-
branca com ar de surpresa, como            uma vestimenta branca e, particular-      sição de empresas intermediadoras
se tivessem visto um Ovni – Objeto         mente, atrás de uma gravata ou um         do trabalho médico tem contribuído
Voador Não Identificado.                   terno, ainda que estejam anteparados      para essa mudança de atitude, dentre
      Se for verdade o que diz o dita-     por um guarda-pó, podem-se ocultar        outras causas.
do popular que “não é o hábito que         muita ignorância, incompetência, de-            Mas se dentre os Conselhos
faz o monge...” é também correto           sonestidade, malvadez e delinquência,     Regionais de Medicina... dentre as
afirmar que o conjunto das alfaias         haja vista “pastores evangélicos” des-    Sociedades de Especialidades... den-
enobrece a liturgia ou que é também        viarem dinheiro no interior de bíblias    tre as entidades de representação e
pela vestimenta que se caracterizam        ou dentro de cuecas; juízes de futebol    defesa do médico têm-se postado
determinadas profissões. Tanto a           vendendo-se a fim de favorecerem re-      profissionais seduzidos pelos sofis-
noção de autoestima quanto a de res-       sultados; magistrados mancomunados        mas de pensadores e de cientistas
peito a outrem são apanágios apenas        com a corrupção; militares em conluio     manipuladores de pipetas e placas de
do anima nobile. Em outras palavras,       com o crime organizado; policiais         Petri, de que a vida – que é o maior
não se veem executivos trabalharem         civis infiltrados com o narcotráfico;     patrimônio que um ser pode ter –,
de calção; cirurgiões operarem de          políticos se prostituírem em benefí-      paradoxalmente, não se inicia na
terno; aeromoças servirem de biquí-        cio próprio; religiosos pecando pela      fecundação e, portanto, maquiaveli-
nis; magistrados se apresentarem de        prática da pedofilia; advogados se        camente, de que se pode manipulá-lo
tanga; astronautas e militares sem         locupletando em coligações vis com        e destruí-lo em seus estágios iniciais
seus uniformes especiais; banhistas e      todo o jaez de marginais; bacharéis       como subprodutos de encomenda,
surfistas irem à praia de smoking...       em medicina (não merecem a honra          insumo, sucata ou descarte biológico,
      Todos sabemos que o uniforme         do título de médico) dirigindo ou         ainda que em suposto beneficio de
não somente identifica determinadas        administrando planos de saúde às          outrem, quanto mais se deve assustar
profissões como deve tornar, em al-        expensas do aviltamento e do es-          na relativização e no afrouxamento da
gumas delas, seus profissionais mais       corchamento do trabalho de outros         atitude, da responsabilidade e, muito
disponíveis, ainda que não estejam         médicos; ou se transformando em           menos, da roupa e da aparência da-
de serviço naquele momento, sobre-         aborteiros, “eutanasiaeiros”, quando      quele que exerce a medicina!
modo em situações de emergência.           não, esquartejadores de suas clientes           A roupa branca para os profis-
Assim é o branco na medicina e na          ou amantes.                               sionais da saúde e, sobremodo para o
saúde; o hábito entre os religiosos; a           Afortunadamente, a maioria          médico, sempre foi muito mais do que
toga na magistratura; o fardamento         desses exemplos é infrequente entre       mero uniforme ou ostentação de um
para os militares, vigias, pilotos e co-   os militantes desses ofícios.             destacado status social... ela encerra
missários de bordo na aviação civil; o           Na verdade, a mudança da rou-       uma filosofia de vida, de profissão, de
terno para os executivos, advogados        pa branca na medicina é apenas um         cuidado para com aquele que padece.
ou quando indicado em situações            sinal de que algo mais profundo e               (...)
solenes; o fardão e/ou medalha para        maior está ocorrendo na sociedade e,            Quando eu tiver que, compulso-
os membros de academias literárias,        particularmente, na profissão. O que      riamente ou não, abdicar de meu tra-
dentre outros.                             está se alterando não é tão somente       dicional mister, com certeza, sentirei
      Por conseguinte, a simples           a identidade, mas também a essência       muitas saudades do profissional que
roupa branca tende a “quebrar bar-         do médico moderno e, com elas, a sua      Deus permitiu que eu fosse através da
reiras” e a colocar o médico mais          razão de ser.                             tradicional vestimenta branca, pois,
próximo do paciente, favorecendo                 Hoje em dia, o médico não tem       mais do que uma mera aparência, co-
uma relação de confiança, o que nem        usado mais a roupa branca não apenas      modidade e praticidade ela encarnou
sempre parece suceder quando o fa-         por um modismo. Essa atitude visa,        os mais nobres preceitos da medicina
cultativo se apresenta sem uma marca       intencionalmente, a camuflá-lo den-       que eu aprendi, cujo maior deles é o
de sua profissão, ou quando ostenta        tre as demais profissões e a própria      respeito insopitável e inegociável pela
seu terno, indicativo de “mantenha         população, não querendo se tornar         vida humana – da concepção até sua
distância”.                                disponível ou importunado; outras         morte natural –, voltados apaixonada
      Infelizmente, vivemos num            vezes, preferindo ser ignorado e até      e desmesuradamente ao próximo
mundo predominado pelas aparên-            se sentindo envergonhado de sua           achacado pela doença, razão de ser
cias, onde o ser é menos importante        condição.                                 do médico.

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O Bandeirante - n.199 - Junho de 2009

  • 1. Jornal O Bandeirante Ano XVII - no 199 - JUNHO de 2009 Publicação Mensal da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores - Regional do Estado de São Paulo - SOBRAMES-SP Sou a Favor do Branco e Não Sou Racista “Tornamo-nos no homem do uniforme que usamos”. Helio Begliomini Napoleão Bonaparte (1769-1821), imperador da Médico urologista França de1804-1815. Presidente da SOBRAMES-SP Realmente, nada há de mais médico. Há muito, por vezes, a roupa adequado para representar a pure- branca vem sendo considerada pelos za do que o branco. Nele qualquer próprios médicos de forma pejorativa mancha ou sujeira se evidenciam. A e jocosa, não como sua vestimenta, ciência ensina que um objeto de cor mas sim, como uniforme de açouguei- branca é aquele que, ao ser ilumina- ro e de sorveteiro. do por uma luz branca como, por Ela tem sido substituída paula- Não sei precisar quanto tempo a exemplo a luz do sol, reflete todas as tinamente pelo “jaleco” ou “avental”, roupa branca caracteriza a vestimenta cores do espectro, não absorvendo apanágio dos professores e laboratoris- do médico. Com certeza, no Brasil, praticamente nenhuma. Ao contrário, tas, também conhecido como “guarda- esse fato ocorre há mais de setenta um objeto de cor preta é aquele que pó”, ou, em muitos casos, sem a menor anos. Aliás, aqui, o branco é climati- retém todas as cores. Assim, por ana- dúvida, melhor seria denominá-lo camente por demais adequado, haja logia, o profissional que se caracteriza por “esconde-sujeira”, uma vez que, vista nosso país-continente situar-se pelo uso do uniforme branco deveria por debaixo deles se apresentam, em zonas tropicais e subtropicais, ser aquele que de forma altruísta particularmente, Esculápios recém- onde a maior parte de seu território procuraria tudo fazer para dar de formados ou até graduados há tempos em quase todo o ano se apresenta com si e do melhor de si, refletindo seu com cabelos despenteados, brincos temperaturas elevadas. conhecimento, sua experiência, sua ou piercings esculpindo o rosto; barba Na verdade, o uniforme branco compaixão, sua esperança naquele por fazer, camisas amassadas, calças não somente tem caracterizado o que padece. de brim desalinhadas e, de acordo profissional de medicina, mas tam- Não se pode olvidar também com a moda, rasgadas, aparecendo bém o de odontologia, enfermagem que a cor branca representa muito partes das coxas, e barras desfiadas; e fisioterapia. bem a paz, o bom agouro e a espe- visual esse complementado com tênis Muito provavelmente sua ins- rança, predicados esses igualmente ou sapatos surrados. Nesse contexto, piração é alusiva às bimilenares pa- em íntima relação com o exercício salienta-se que há aqueles que nem lavras do juramento de Hipócrates: da medicina. sequer têm pejo de se esconderem e, “Juro que (...) conservarei puras mi- Lembro-me saudosamente dos de forma desengonçada e desavergo- nha vida e minha arte”. Aliado a isso, tempos acadêmicos quando, nós, nhada, apresentam-se sem o avental a medicina, há séculos, é tida como alunos, ansiávamos por logo chegar branco. profissão sacerdotal, ou seja, seus ao terceiro ano, início de nossa prática Há também dentre os de meia profissionais, num patamar destacado hospitalar no contato com o paciente, idade aqueles imitadores, particular- em dignidade, devem ter o privilégio e, por conseguinte, do uso de nossa mente dos padrões norte-americanos, de exercer seu ofício junto a seus se- roupa branca. Se o trote no primeiro utilizando gravata abaixo do guarda- melhantes, na cura de enfermidades e ano era o batismo na iniciação da pó. Não é incomum caminharem em no alívio do sofrimento humano, não ciência e da arte de Hipócrates, a grupos pelos corredores dos hospi- tendo, obviamente, a remuneração roupa branca era nossa estreia na tais, com nariz empinado, pescoço como fator primordial, limitante ou profissão. esguio, ar professoral e, de esguelha, impeditivo, sobremodo em situações Infelizmente, os tempos estão (continua na última página) de emergência. mudando e, com ele, a medicina e o
  • 2. 2 O BANDEIRANTE - Junho de 2009 DINDA EXPEDIENTE Ontem recebi um e-mail de um colega e, estando diante do meu computador, li que ele se encontrava escrevendo Jornal O Bandeirante sobre uma linda mulher, que não sei por que a apelidou de ANO XVII - no 199 - Junho 2009 “DINDA” e que nos seus momentos de lazer relembrava fatos e amores que tinham ocorrido em sua vida. Publicação mensal da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores - Regional do Estado de São Paulo SOBRAMES-SP . Ela falava sobre um assunto que estava relacionado à Sede: Rua Alves Guimarães, 251 - CEP 05410-000 - Pinheiros idade dos homens que haviam passado por sua existência - São Paulo - SP Telefax: (11) 3062-9887 / 3062-3604 Editor: Helio Begliomini. Jornalista Responsável e revisora: Ligia e, ao mesmo tempo, fazia uma comparação entre cada um Terezinha Pezzuto(MTb 17.671 - SP). Colaboradores desta deles e suas maneiras diferentes de ser. edição:Allita Guimarães Reis, Flerts Nebó, Geovah Paulo da O interessante da divagação foi que com a imagem que Cruz, Nelson Jacintho, José Jucovsky, José Leopoldo Lopes de Oliveira, Josef Tock, Josyanne Rita de Arruda Franco, ele formara da jovem, recordando alguns fatos ocorridos com e Sergio Perazzo.Tiragem desta edição: 300 exemplares ela, fez com que eu parasse de ler o e-mail que me enviara e me transportei, por (papel) e mais de 1.000 exemplares PDF enviados por e-mail. breves instantes, para fatos que se haviam passado comigo. Diretoria - Gestão 2009/2010 - Presidente: Helio Já disse o poeta: “Recordar é viver de novo!” Begliomini. Vice-Presidente: Josyanne Rita de Arruda Concordo. O poeta tem toda a razão, entretanto, se recordarmos só os fatos Franco. Primeiro-Secretário: Ligia Terezinha Pezzuto. Segundo-Secretário: Maria do Céu Coutinho Louzã. tristes ou dolorosos torna-se extremamente desagradável. Não vivemos outra Primeiro-Tesoureiro: Marcos Gimenes Salun. Segundo- vez, mas sim voltamos a sofrer novamente. Tesoureiro: Roberto Antonio Aniche. Conselho Fiscal Dizem que o melhor remédio para os fatos desagradáveis ou tristes é o Efetivos: Flerts Nebó, Carlos Augusto Ferreira Galvão, Luiz Jorge Ferreira. Conselho Fiscal Suplentes: Geovah Paulo TEMPO! da Cruz; Rodolpho Civile; Helmut Adolf Mataré. Digo eu, de fato o tempo cura, mas desde que você não volte a recordar os Matérias assinadas são de responsabilidade de seus maus momentos, porque senão volta a se machucar, entristecer e se aborrecer autores e não representam, necessariamente, a com coisas que já passaram e que não mais deveriam estar em nossas mentes. opinião da Sobrames-SP Acho-me em meu escritório e a história que o colega me enviou fez-me re- lembrar as coisas tristes de minha vida, assim como recordei coisas de antanho Editores de O Bandeirante que de há muito as tinha esquecido. Flerts Nebó – novembro a dezembro de 1992 O tempo, por vezes, nos faz esquecer, mas num repente voltam a viver frente Flerts Nebó e Walter Whitton Harris – 1993-1994 aos nossos olhos e tornamos a sofrer. Carlos Luiz Campana e Hélio Celso Ferraz Najar – 1995-1996 Acredito que a lembrança dos fatos alegres, dos momentos de felicidade, dos Flerts Nebó e Walter Whitton Harris – 1996-2000 Flerts Nebó e Marcos Gimenes Salun – 2001 a abril de 2009 entes queridos, das boas amizades, de quem queremos bem, das que amamos, Helio Begliomini – maio de 2009 - vale realmente a pena recordar. Mas aquelas que nos amarguram a alma, peço a Deus que me as faça Editor: Helio Begliomini esquecer; e o melhor que temos para fazer é fugir, imediatamente, delas e Diagramação: Mateus Marins Cardoso Impressão e Acabamento: Expressão e Arte Gráfica procurarmos divagar em um céu azul, ameno, gostoso e, divagando, recor- dando fatos prazerosos, viveremos felizes, por retornar a viver e contentes por termos tido aquelas oportunidades, que nem todos têm nesta nossa curta PUBLICIDADE vida terrestre... Flerts Nebó TABELA DE PREÇOS 2009 (valor do anúncio por edição) Médico aposentado em São Paulo 1 módulo horizontal R$ 30,00 2 módulos horizontais R$ 60,00 3 módulos horizontais R$ 90,00 Walter Whitton Harris 2 módulos verticais R$ 60,00 Cirurgia do Pé e Tornozelo 4 módulos R$ 120,00 Ortopedia e Traumatologia Geral 6 módulos R$ 180,00 CRM 18317 Av. República do Líbano, 344 Outros tamanhos sob consulta 04502-000 - São Paulo - SP Rua Luverci Pereira de Souza, 1797 - Sala 3 Cidade Universitária - Campinas (19) 3579-3833 heomini.ops@terra.com.br Tel. 3885 8535 www.veridistec.com.br ligiapezzuto@terra.com.br Cel. 9932 5098  CUPOM DE ASSINATURAS* longevità Preço de 12 exemplares impressos: R$ 36,00 (11) 3531-6675 Nome:___________________________________________________________ Estética facial, corporal e odontológica * Massagem * Drenagem * Bronze Spray * End.completo: (Rua/Av./etc.) _______________________________________ Nutricionista * RPG Rua Maria Amélia L. de Azevedo, 147 - 1o. andar ________________________________ nº. _______ complemento _________ Cidade:_____________ Estado:_____ E-mail:___________________________ Clínica Benatti Grátis: Além da edição impressa que será enviada por correio, o assinante Ginecologia receberá por e-mail 12 edições coloridas em arquivo digital (PDF) Obstetrícia *Disponível para o público em geral e para não-sócios da SOBRAMES-SP Preencha este cupom, recorte e envie juntamente com cheque nominal a SOBRAMES-SP para REDAÇÃO Mastologia “O Bandeirante” R. Bias, 234 - Tremembé - CEP 02371-020 - São Paulo - SP Dê uma assinatura de “O BANDEIRANTE” de presente para um colega (11) 2215-2951
  • 3. SUPLEMENTO LITERÁRIO O BANDEIRANTE - Junho de 2009 3 O Lado Sórdido das Coisas Sérgio Perazzo Médico psiquiatra em São Paulo Um grande amor ultrapassa, e Um grande amor não é uma corri- muito, o lado sórdido das coisas. da de orgasmos, mas um estado de or- Um grande amor resiste a um ce- gasmo que se inicia no primeiro olhar, lular quebrado e incomunicável. no primeiro abraço e até nos limites Um grande amor é calmo porque extremos de qualquer distância. confia e porque está acima das vicissi- Um grande amor não se intimi- tudes que retardam o reencontro. da diante da tempestade de ciúme Um grande amor espera a sua vez que ameaça se formar no horizonte e se aninha confortavelmente nos urbano de uma tarde de primavera braços da amada, ao mesmo tempo mesclada de cúmulus e nimbos. em que faz das suas unhas o arado Um grande amor já começa escan- que passeia arrepiado nas costas dela, carado porque nunca esconde o lado semeando sensações que brotarão em sórdido das coisas, quebrando de cara Um grande amor não dói. saudade no acordar do dia seguinte. qualquer barreira, amando não o que Um grande amor renasce em cada Um grande amor não tem idade, deveria ser, mas o que de fato se é, palavra dita ou não dita, acentuando a cada dia uma nova idade recém- sem vergonhas desnecessárias. o mistério de qualquer reticência. nascida. Um grande amor constrói um Um grande amor aceita sem dis- Um grande amor é feito de olhos dia depois do outro, pavimentando cussão e sem cobrança, aceita, somen- que espiam por cima do ombro es- com esperança qualquer caminho de te, sem arrancar os cabelos. querdo procurando a boca que procu- incertezas. Um grande amor é o forro e o ra a boca até encontrar o beijo. Um grande amor dói. avesso do lado sórdido das coisas. Em Roma Josyanne Rita de Arruda Franco Médica pediatra em Jundiaí Pensava naquela noite em Roma. Ríamos tanto, como se o mundo só a nós pertencesse, somente existindo como se a vida nos devolvesse em momento de riso e de sonho. o que nos fora roubado precoce, O havido, longínquo... deixando-nos com eterna sede esquecido de nos circundar. Madonas e cedros, recantos sagrados. de um amor maior que a sorte. Morno desejo de à noite saber Caminhos de volta, retornos pensados Havia um cheiro licoroso no ar... que a tarde existe na aurora, e sempre pra Roma... e Roma... e Roma! Do teu e do meu perfume, que o dia se trata de horas Que será de nós quando o sonho acabar? do vinho que respingava despertas ao sol ou sem arrebol, Que será do riso se o silêncio chegar? na boca, no peito, na roupa, lembranças que trago no agora. Tudo passa, amor da minha vida! lúdico, lascivo e eterno Tua boca dizendo futuro Cada dia apressa o fim da história, na eterna noite de Roma! mirando o Lago di Como dos beijos na escada da Piazza di Spagna... Etéreos, somente nós dois... de céu azul escarpado! Passado gravado na ébria memória Sem tempo de ser, sem ter porquê ser, Montanhas e Alpes nevados de um terno romance que tem nosso nome, com gelo eterno... Suíça do lado. firmado nas Termas de verde e de pedra, Milão, Veneza ou Verona? no Coliseu imponente, arena de outras eras!, aberto ao amor de outro insone gritando teu nome nas ruas de Roma, Cidade eterna...
  • 4. 4 O BANDEIRANTE - Junho de 2009 SUPLEMENTO LITERÁRIO Amazonas Nelson Jacintho Médico ortopedista em Ribeirão Preto I II Imensidão de água e de floresta, Representa a mulher amazonense Reserva natural, veio fecundo, Que tem como seu forte, a beleza Onde a vida, ao surgir, já manifesta Que cativa, que luta e tudo vence, A força natural de um novo mundo. É retrato da própria natureza. O verde com que Deus pintou tua mata, Vejo a lenda de mani e mani-oca, Foi criado só pra ti, pra ninguém mais A menina que morreu, virou raiz. E o látex abundante cor de nata, Da gostosa e carnuda mandioca Jorrou de teus grandes seringais. Que deixou, de novo, a tribo feliz. O índio, filho forte e generoso, Representa a abundância na floresta A quem abrigo dás, sem cobrar nada, Onde a fome jamais progredirá Tornou-se, cada vez, mais valoroso Porque o fruto da terra, sempre em festa, Na missão de amparar tua jornada. Fluirá, como do céu veio o maná. Tuas lendas que encantam todo o povo, Vejo a vitória régia olhando a lua, Que cantam e que guardam tua história, Lembro-me da beleza de Naiá A cada geração traz conto novo, Que corria na floresta quase nua Mostrando a todos nós a tua glória. E morreu como a flor de gravatá Vejo o boto saindo lá do rio Representa toda a força e a beleza Em forma de rapaz, branco o chapéu, De um povo que nasceu para lutar, Provocando nas moças calafrio É a força da própria natureza E após conquistá-las, as deixa ao léu. Que jamais, algum dia vai parar... É o retrato do moço maneiroso Amazonas, o mundo te precisa, Que com seu jeito assaz dissimulado, Já se disse que, dele, és pulmão! Oferta seu amor, que é mentiroso Teu verde na floresta simboliza E volta a sumir no banhado. A grandiosa esperança da nação! Vejo a Mãe-D’água atraindo o pescador, Que não sejas destruída, peço sempre! Com seu canto e toda a sutileza: Que teu povo, jamais, seja explorado! Oferece-lhe paz e muito amor Que o cantar do jaó seja presente! E o leva pra, do rio, a profundeza. Que jamais o uirapuru seja calado! A Consumação do Tempo Compulsivo consumo globalizado José Jucovsky Assume mundial linguagem a se expressar Médico aposentado em São Paulo Visão de espíritos menores engajados Impõem à natureza instável renovar! Pílulas douradas da modernidade A penúria de extensos solos naturais Vendem virtuais fantasiosas ilusões Explode em demográfica desesperança Canto de sereia no céu da orfandade Ecossistemas e florestas antes vitais Proteu a esconder futuras mutações! Continuam sofrendo estéreis mudanças! Éolo enviando malfadados quatro ventos Nem os pilares do conhecimento Uivam ferozes entre montes sagrados Nem o aparente parcial reconstruir Esvaindo-se exuberantes verdes tempos Amenizam o famélico sofrimento Em lágrimas pelo deus Pan destronado! Desdenhando grave fúnebre futuro existir. Tempos e costumes de desmedidos valores O milagre da redenção planetária acontece Forjam deploráveis pesadelos a esmo Porque existe inteligência em vez do nada Profanos crimes de homens transgressores O símbolo verde da natureza enfraquece Dramáticos neologismos de si mesmo! É quando a vida humana precisa ser repensada!
  • 5. SUPLEMENTO LITERÁRIO O BANDEIRANTE - Junho de 2009 5 Elegia aos nossos vizinhos portenhos e burgueses Não vi um único camelô por toda Buenos Aires por Josef Tock onde andei, exceto em alguns pontos turísticos com Médico oftalmologista em São Paulo produtos locais. O passeio pelo rio Tigre mais parecia um desfile de Há pouco tempo estive em Buenos Aires para um barcos, com barcos de todos os tipos e calibres, indo e passeio com minha família, que apesar de curto, apenas vindo pelo rio de maneira organizada. Surpreendente- alguns dias, foi bem agradável. mente não vi nenhum acidente. Nas bordas do rio junto Já havia estado na Argentina por inúmeras vezes, a clubes, pessoas se banhavam nas águas do rio de cor tendo feito vários cursos e aprendido com professor barrenta. Tomei sol sem bronzeador e apesar do calor não Arturo Alezzandrini, “pequenos segredos” de técnica de senti ardor na pele, como sentimos em São Paulo. angiofluoresceinografia, exame que na década de setenta Não vi motos andando desordenadamente no trânsito revolucionaria o estudo e o conhecimento das doenças em Buenos Aires. oculares, quando fui um dos primeiros profissionais a Na realidade precisamos aprender com os argentinos, conhecer e difundir seu estudo entre os oftalmologistas, que sabem respeitar os recursos ambientais, pois sabem promovendo cursos e simpósios na área. que deles dependem. Na década de setenta, Buenos Aires exerceu sobre Há um grande número de parques espalhados pela ci- mim um enorme fascínio. As pessoas nos fins de sema- dade, não vi a ganância imobiliária destruindo a sua visão na, sexta, sábado, permaneciam nas ruas frequentando ambiental. O povo continua sendo gentil e ordeiro. restaurantes, vida noturna, casas de espetáculos. Era um Enfim apesar das dificuldades que vêm atravessando o povo de bem com a vida, e não se via pedintes, moradores país vizinho, parece-nos que felizmente não foi atingido de rua ou assaltos nas ruas, fato que ocorria no Brasil na pelo falso progresso que vem destruindo cidades como a mesma época. de São Paulo. Buenos Aires e seus arredores respiram um Com a volta de Perón e Isabelita à Argentina e a ar bem mais satisfatório que São Paulo e o povo parece posterior ditadura militar, não se via aquela alegre vida apreciar e cuidar das inúmeras áreas verdes espalhadas noturna. Impôs-se o toque de recolher e jovens passaram pela cidade. Enfim foi extremamente prazeroso rever a ser revistados e presos se não tivessem documentos, Buenos Aires após quinze anos da minha última esta- fato que presenciei durante uma saída noturna a um es- dia. petáculo portenho. Naquela época a Argentina fabricava automóveis com excelente acabamento que não víamos no Brasil e cujos mesmos fabricantes no Brasil faziam carros populares, com motores que muitas vezes deixavam a pé seus proprietários. Desta vez chamou a minha atenção o grande número de automóveis bem conservados, mas com dez para vinte anos de uso. Raramente via-se carros novos, talvez pelo fato de ser período de férias escolares e os proprietários de carros mais novos estivessem viajando. Foi o que pensei. Não vi nas lojas produtos brasileiros. O dólar a dois reais e cinquenta, fez para nós e para os argentinos com que os artigos de couro ficassem a preços exorbitantes. Há poucos dias li nos jornais brasileiros que a balança comercial Brasil x Argentina estava com desvantagem para a Argentina. E os automóveis que vêm da Argentina para o Brasil? E o trigo? O mais sofisticado shopping center tinha dimensões equivalente à metade do “Shopping Ibirapuera”. Não vi grande magazines, nem supermercados. Há na realidade uma melhor distribuição de riqueza entre a população, com grande número do pequeno comércio de rua.
  • 6. 6 O BANDEIRANTE - Junho de 2009 SUPLEMENTO LITERÁRIO Proesia Geovah Paulo da Cruz Médico oftalmologista em São Paulo Eu vi de tudo neste mundo. Milhares de Josés, muitos Peles, até o Edmundo, o animal que também ia fundo. Vi cinco copas ganhas e chorei aquela perdida, a derrota mais doída. A esperança vã morreu no Maracanã. Vi o Rio de Janeiro migrando em massa para o cerrado, para criar lá um novo reinado, sem nada mudado. Nem melhorado. Brasília, a ilha da partilha do butim da camarilha. Do vinde a mim. Que festim. Rico e podre assim. Vi o mil réis, o cruzeiro, o cruzeiro novo, o cruzado, o cruzado novo, a urv, o real, o dólar. Já paguei 5 milhões de cruzados machuca, me fere e me fura a mente obscura. Há sete décadas por um pãozinho, ou um brioche. A inflação do Sarney foi um estou à procura. Meu anseio de saber, de conhecer, de entender deboche. O mundo gira, a lusitana roda. O cara é foda. Eis ele aí é uma loucura. Ah, se eu tivesse o dom da arte pura, de me de novo, descarado, posando de pai da pátria na presidência do expressar com alvura, achar a linguagem à altura, segura, pronta Senado. O Brasil tá cagado. e madura. Mas não a tive, a meu contento. Muito ficou no Eu vi a luz, quando nasci Geovah Paulo da Cruz. Era de pensamento, sem clareza naquele momento. Bem que eu tento... candeia ou de lamparina. Fui pra cidade, vi a lâmpada elétrica será que aguento? Que tormento! que a tudo ilumina. Como oftalmologista, cuidando da vista, vi Assim sem mais nem menos, um dia eu inventei a nanopoesia. o laser, a luz que queima, que cega ou que sara, que fura o céu Foi uma forma de encontrar um novo modo de falar, sintético, reta como uma vara. Espantado, vi a luz que faz curva, penetra mas poético. Agora, de novo sem pretensão, acho que encontrei na profundeza escura e turva, a luz da fibra óptica, companheira uma nova forma de comunicação. Um novo jeito de falar, eu da robótica. diria: acabo de criar a PROESIA. Um texto falado, contado, Eu vi comunistas envergonhados desta palavra pregarem o expressado, mas rimado. Ou sonorizado. Ou fonetizado. Uma socialismo, um eufemismo. Ainda os vejo, sem pejo, “haciendo batida ritmada, melódica, musical.Tonal. Uma leitura que lembre lo mismo”. Espero há 50 anos para ver de Fidel Castro o fim, uma partitura. Falar e dizer com sons, modulações e tons, mas cair como caiu o muro de Berlim. Mas o grande falante, como sem declamar, apenas uma prosa, a qual se deu um tom rosa. dizem os cubanos “el coma andante”, ainda tem o seu chicote Saramago escreveu sem pausas e parágrafos, e mesmo assim como a seu talante. Deixa um filhote, uma sequela, o “coronelote” da escritor foi o mago que inventou a leitura sem pontuação, sem dar Venezuela. “Por que no te calas?”, tagarela. tempo para a respiração. Muito longe de tão ilustre personagem, Eu vi o mundo bipolar. Eu vi o mundo multipolar. Capitalismo, talvez seja minha fantasia ou miragem, ouso inventar um novo socialismo, nacionalismo, separatismo, colonialismo, patriotismo, modo de dizer, de expressar, de escrever. Que a outros mais bem imperialismo, tanto ismo pra dar em nada. Agora até o liberalismo dotados do que eu deste cabedal, a arte de exprimir, permita- em derrocada. E “óia nóis aí na estrada”, comendo uma poeira se que encontrem seu texto ideal, ao seu gosto bem legal, ou danada, gente inculta e iletrada, atrasada, mal governada, mesmo bom ao gosto geral. O meu feito é apenas mostrar um pobre e maltratada, na eleição adulada, depois desprezada. Ah, novo jeito, um modo ou um conceito, de tirar da gente o que lá que cachorrada! Eu que tive tantos sonhos, uns sérios e outros estava latente. No peito ou na mente. Todo o texto acima, com bisonhos, vejo o Brasil sempre na mesma, devagar como uma ou sem rima, é apenas uma amostra, pra ver se o ouvinte gosta lesma. Dá vontade de exclamar: puta que o pariu, de onde você desta nova maneira, um tanto faceira, de falar ou contar. Esta saiu, os séculos passaram e você não viu. Acorda Brasil, mais pra forma novel, até parece o cordel, mas é a semelhança é ilusória, jeca tatu do que varonil. a rima não é obrigatória, nem o verso seriado. O texto é lavrado Eu vi duas guerras mundiais. O mundo não seria o mesmo, não sem estrofe e sem verso, seu diagrama é diverso e liberado. fossem as tais. Que progresso estrondoso! Fabuloso. Miraculoso. Tal como não vi, é uma pena, a nanopoesia encontrar seu Que paradoxo estranho. Da guerra vem a destruição. Destas nicho na literatura, a realidade é dura, provavelmente não verei vieram o ganho. Compare-se o mundo de hoje, com o mundo de a proesia se difundir. Com minha idade estou prestes a ir, mas antanho. Não tem comparação, não tem tamanho. A civilização mesmo indo, o tempo é senhor do destino, meu sonho é infindo: tomou um banho. Avião, comunicação, informação, computação, um dia a proesia poderá florescer, mas não atino o tempo de isto globalização, universalização, ação, ação, ação, potenciação. Tudo acontecer. Fica assim o meu legado, muito parecido com a antiga ão. Menos o João, que agora é John. Os lusófonos mudaram a carta poética, um casal enamorado trocava letras, iluminuras, escrita de novo? Ah, que bom! É a segunda vez que vejo isto: papel perfumado, dentro da estética de um par apaixonado. pornográfica reforma ortográfica. Eu escrevia assúcar com dois Hoje, com tudo mudado, talvez a proesia ache seu caminho em esses, agora escrevo açúcar com cedilha, porque algum idiota outra mídia, um disquete, a internet, um CD ou um DVD, ou não sabia que a palavra vem do grego sacaron. Em inglês é outra via, uma mensagem no vídeo-som, uma fala no CD-ROM. Sugar, em francês é Sucre, em italiano é Zúcaro, em espanhol é A proesia é praticamente oral. Mesmo lida deve ter um ritmo azúcaro. O bando não sabia que em grego não tem cedilha, mas mental, a troca da pauta pela sonoridade literal, de modulação apenas sigma, o nosso esse. Comitê emburrece. É a segunda vária, como quem canta uma ária. desvirginação: tiraram o hímen. Desculpem-me, o hífen. O futuro verá o que não vi: a superação da comunicação Vi todo tipo de literatura. Prosa e poesia, biologia, visual pela auditiva. Que o intelectual e o emocional se aprenda oftalmologia, medicina, li da arte que cura. Nunca cessou minha ou se delicie de oitiva. Quem sabe o livro falado seja um achado, procura. O que sei, comparado ao que não sei, é só uma tênue nele a proesia encontre o seu mercado. Está dado o meu recado. estrela na noite escura. Ah, como a ignorância é dura... Me Obrigado.
  • 7. SUPLEMENTO LITERÁRIO O BANDEIRANTE - Junho de 2009 7 Reflexões José Leopoldo Lopes de Oliveira Médico clínico em São Paulo A inclusão digital é assunto sério e te por que há apaixonados que dão para profissionais competentes: procto pena. e urologistas. Um sincero reconhecimento ao Matemática atuarial é ciência exata retirante apedeuta que chegou lá. A e presta serviço exatamente a favor dos verdade é que nunca antes, neste país, donos de planos de saúde. se viu um presidente tão boquirroto. Português é básico. Em Lisboa Diante de tanta sujeira, a solução perguntei ao recepcionista do hotel o é eleger Gabeira. Pense seriamente que seria possível ver usando o metrô. nisso. Infelizmente nada, porque é subterrâ- Momento de prazer indefinível, neo, foi a resposta. o lindo rosto e cativante sorriso da Sempre penso na terrinha quando jovem (17 a 19 anos, por aí) filha de leio. Cobrimos qualquer orçamento bodegueiro, numa das perdidas al- em vários anúncios e divago: se novo deias de Cinqueterre, Monarola junto orçamento cobre o anterior é lógico ao mar Tirreno, lembrança mais viva que é maior e fica por cima. O certo da última viagem à Itália. seria: diminuirmos o seu orçamento Originalidade e sofisticação é atual. Quando Tchaicovski deu à sua mú- frequentar, sem faltas, curso de de- gustação de águas. REVISÃO sica o nome Patética, que em inglês O serviço público era tão ruim de textos em geral significa alguém que desperta pena (e que logo à entrada havia um setor Ligia Pezzuto também em português), queria dizer apelidado decepção. Especialista em Língua Portuguesa outra coisa com palavra russa com som Ditos bem populares. Dinheiro é (11) 3864-4494 ou 8546-1725 semelhante e que significa Apaixona- como hemorróidas, quem tem não da, o que na verdade a sinfonia é. conta. Filho é como peido, quem põe Mas tudo se encaixa perfeitamen- no mundo é que aguenta. ROBERTO CAETANO MIRAGLIA ADVOGADO - OAB-SP 51.532 ADVOCACIA – ADMINISTRAÇÃO DE BENS NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS – LOCAÇÃO Poema à Sombra COMPRA E VENDA DE IMÓVEIS ASSESSORIA E CONSULTORIA JURÍDICA TELEFONES: (11) 3277-1192 – 3207-9224 Allita Guimarães Reis Psiquiatra em Minas Gerais Terminou de Gosto das sombras que faço onde a beleza cintila, escrever seu no alívio do sol ardente. e as luzes bruxuleiam... livro? Então Gosto das sombras dos muros dos odores na penumbra, sob compassos seguros onde quentes mãos tateiam, publique! em noites de lua albente; e o sombrio olhar deslumbra das sombras, na luz extrema, como lava incandescente! Nesta hora importante, não deixe de com meus óculos escuros, Gosto das sombras da mente. consultar a RUMO EDITORIAL. Publicações com qualidade impecável, e das sombras do cinema... Sombras que ficam entre nós dedicação, cuidado artesanal e preço Gosto da sombra do amado. disputando o exíguo espaço, justo. Você não tem mais desculpas Da voz, sombrio veludo. e oscilando, passo a passo, para deixar seu talento na gaveta. De comer comidas caras, tênues, desnorteadas, rumoeditorial@uol.com.br e beber bebidas raras em brechinhas apertadas (11) 9182-4815 de sombrio conteúdo. nas profundezas do abraço. Gosto da sombra tranquila,
  • 8. 8 O BANDEIRANTE - Junho de 2009 SUPLEMENTO LITERÁRIO Sou a Favor do Branco e Não Sou Racista (continuação da primeira página) com visão de cima-abaixo, em tom de do que o ter e do que o pavonear. Não se pode esquecer que o desdém, olharem para seus pares que Mas, assim como “por debaixo de um fator pecuniário tem sobrepujado ainda usam tradicionalmente a roupa tapete se esconde muita sujeira”... sob o altruísmo, assim como a interpo- branca com ar de surpresa, como uma vestimenta branca e, particular- sição de empresas intermediadoras se tivessem visto um Ovni – Objeto mente, atrás de uma gravata ou um do trabalho médico tem contribuído Voador Não Identificado. terno, ainda que estejam anteparados para essa mudança de atitude, dentre Se for verdade o que diz o dita- por um guarda-pó, podem-se ocultar outras causas. do popular que “não é o hábito que muita ignorância, incompetência, de- Mas se dentre os Conselhos faz o monge...” é também correto sonestidade, malvadez e delinquência, Regionais de Medicina... dentre as afirmar que o conjunto das alfaias haja vista “pastores evangélicos” des- Sociedades de Especialidades... den- enobrece a liturgia ou que é também viarem dinheiro no interior de bíblias tre as entidades de representação e pela vestimenta que se caracterizam ou dentro de cuecas; juízes de futebol defesa do médico têm-se postado determinadas profissões. Tanto a vendendo-se a fim de favorecerem re- profissionais seduzidos pelos sofis- noção de autoestima quanto a de res- sultados; magistrados mancomunados mas de pensadores e de cientistas peito a outrem são apanágios apenas com a corrupção; militares em conluio manipuladores de pipetas e placas de do anima nobile. Em outras palavras, com o crime organizado; policiais Petri, de que a vida – que é o maior não se veem executivos trabalharem civis infiltrados com o narcotráfico; patrimônio que um ser pode ter –, de calção; cirurgiões operarem de políticos se prostituírem em benefí- paradoxalmente, não se inicia na terno; aeromoças servirem de biquí- cio próprio; religiosos pecando pela fecundação e, portanto, maquiaveli- nis; magistrados se apresentarem de prática da pedofilia; advogados se camente, de que se pode manipulá-lo tanga; astronautas e militares sem locupletando em coligações vis com e destruí-lo em seus estágios iniciais seus uniformes especiais; banhistas e todo o jaez de marginais; bacharéis como subprodutos de encomenda, surfistas irem à praia de smoking... em medicina (não merecem a honra insumo, sucata ou descarte biológico, Todos sabemos que o uniforme do título de médico) dirigindo ou ainda que em suposto beneficio de não somente identifica determinadas administrando planos de saúde às outrem, quanto mais se deve assustar profissões como deve tornar, em al- expensas do aviltamento e do es- na relativização e no afrouxamento da gumas delas, seus profissionais mais corchamento do trabalho de outros atitude, da responsabilidade e, muito disponíveis, ainda que não estejam médicos; ou se transformando em menos, da roupa e da aparência da- de serviço naquele momento, sobre- aborteiros, “eutanasiaeiros”, quando quele que exerce a medicina! modo em situações de emergência. não, esquartejadores de suas clientes A roupa branca para os profis- Assim é o branco na medicina e na ou amantes. sionais da saúde e, sobremodo para o saúde; o hábito entre os religiosos; a Afortunadamente, a maioria médico, sempre foi muito mais do que toga na magistratura; o fardamento desses exemplos é infrequente entre mero uniforme ou ostentação de um para os militares, vigias, pilotos e co- os militantes desses ofícios. destacado status social... ela encerra missários de bordo na aviação civil; o Na verdade, a mudança da rou- uma filosofia de vida, de profissão, de terno para os executivos, advogados pa branca na medicina é apenas um cuidado para com aquele que padece. ou quando indicado em situações sinal de que algo mais profundo e (...) solenes; o fardão e/ou medalha para maior está ocorrendo na sociedade e, Quando eu tiver que, compulso- os membros de academias literárias, particularmente, na profissão. O que riamente ou não, abdicar de meu tra- dentre outros. está se alterando não é tão somente dicional mister, com certeza, sentirei Por conseguinte, a simples a identidade, mas também a essência muitas saudades do profissional que roupa branca tende a “quebrar bar- do médico moderno e, com elas, a sua Deus permitiu que eu fosse através da reiras” e a colocar o médico mais razão de ser. tradicional vestimenta branca, pois, próximo do paciente, favorecendo Hoje em dia, o médico não tem mais do que uma mera aparência, co- uma relação de confiança, o que nem usado mais a roupa branca não apenas modidade e praticidade ela encarnou sempre parece suceder quando o fa- por um modismo. Essa atitude visa, os mais nobres preceitos da medicina cultativo se apresenta sem uma marca intencionalmente, a camuflá-lo den- que eu aprendi, cujo maior deles é o de sua profissão, ou quando ostenta tre as demais profissões e a própria respeito insopitável e inegociável pela seu terno, indicativo de “mantenha população, não querendo se tornar vida humana – da concepção até sua distância”. disponível ou importunado; outras morte natural –, voltados apaixonada Infelizmente, vivemos num vezes, preferindo ser ignorado e até e desmesuradamente ao próximo mundo predominado pelas aparên- se sentindo envergonhado de sua achacado pela doença, razão de ser cias, onde o ser é menos importante condição. do médico.