Morte de chávez e a volta da autonomia petrolífera dos eua
1. Morte de Chávez deixa Venezuela à mercê de outra revolução: a volta da autonomia
petrolífera dos EUA
Com a 2ª maior reserva de petróleo do mundo, a produção venezuelana caiu 30%
nos 14 anos de chavismo e a de seu maior cliente encostou à da Arábia Saudita
7/3/2013 - 03:06 - Antonio Machado
A morte de Hugo Chávez, sem um herdeiro tão carismático quanto foi para conduzir o
capitalismo de Estado sob a bandeira do que batizou de “socialismo do século 21” ou
“movimento bolivariano”, homenagem ao libertador do período colonial Simon Bolívar,
deixa a Venezuela, totalmente dependente de sua riqueza petrolífera, à mercê de outra
revolução menos visível: a transição a passos largos dos EUA, maior importador do
petróleo venezuelano, para a autonomia energética.
O câncer impediu o hiperativo ex-presidente da Venezuela de tomar posse de outro
mandato, depois de 14 anos no poder, providenciando ele mesmo (antes de embarcar
para a fase final de seu tratamento em Havana) uma sucessão apressada e provisória
para o vice-presidente não eleito Nicolás Maduro. Ele será o candidato de continuidade do
chavismo nas eleições daqui a 30 dias - e deve vencer.
Chaves promoveu uma transformação social na Venezuela, com retorno até superior ao
de políticas assemelhadas no Brasil, servindo-se da estatal petrolífera PDVSA como
instrumento de distribuição da renda petrolífera, assim como de geopolítica regional,
especialmente com a venda subsidiada, até doação, de petróleo a Cuba e Nicarágua.
Não lhe foi difícil liderar uma frente contra os EUA, formada pelo Equador, Bolívia,
Nicarágua, algumas ilhas do Caribe, Argentina – e a proteção velada, mas não
incondicional, dos governos Lula e Dilma Rousseff. Apesar de sua retórica agressiva,
acentuada depois que o então presidente George W. Bush reconheceu o governo golpista
que o tirou do poder por curtos dois dias, em abril de 2002, a Venezuela não cortou o
vínculo comercial com os americanos nem o reduziu.
O comércio bilateral é crescente. Empresas e produtos dos EUA são encontrados em
todo o país, a riqueza dos venezuelanos enricados, tanto da velha oligarquia que se opôs
a Chávez como da nova classe cultivada pelo chavismo, é aplicada em Miami. O maior
2. investimento externo da Venezuela são as filiais da PDVSA nos EUA, onde opera
refinarias e mais de seis mil postos com a bandeira Citgo.
O lado trágico desse grande teatro é o que Chávez não cuidou: da produção de petróleo,
apesar de o país ter a segunda maior reserva do mundo, estimada em 200 a 300 bilhões
de barris de óleo, depois da Arábia Saudita. Em 14 anos, a produção caiu 30%,
desabando de 3,5 milhões de barris por dia para 2,5 milhões.
Fenômeno despercebido
A Venezuela terá enormes desafios a superar, mas, seguramente, não maiores dos que
as consequências no mundo do crescimento abrupto da produção de petróleo e gás nos
EUA. Tal evento passou despercebido.
As análises econômicas, mesmo nos EUA, só atentaram para o fenômeno da exploração
não convencional de gás, graças à inovação de ruptura do chamado craqueamento das
reservas acumuladas entre rocha e areia quando o processo já era praticado há quase
uma década.
No ano passado, segundo relatório do Energy Information Agency, ou EIA, agencia oficial
dos EUA, a produção de petróleo encostou à da Arábia Saudita, o maior produtor e
exportador do mundo. Nos EUA, a média de produção passou de 11 milhões de
barris/dia, contra 11,6 milhões da Arábia Saudita, dos quais 8,6 milhões exportados. Já
em novembro, porém, a produção média diária dos EUA superou a saudita.
Implicações impensáveis
Os números são impressionantes, com repercussões sobre o preço do gás (US$ 3,40 por
milhão de BTU, unidade térmica padrão, contra US$ 12 na Europa e Brasil e US$ 20 em
certas partes da Ásia) e mesmo do petróleo bruto. A estimativa é que caia nos EUA, onde
é proibida a exportação de óleo bruto, para uns US$ 70 o barril, contra cerca de US$ 95 a
US$ 100 no resto do mundo. As consequências já despontam.
Em dezembro, a China, com média de 6,12 milhões de barris/dia, se tornou o maior
importador global de petróleo, enquanto nos EUA a importação caiu para 5,98
milhões/dia. A Marinha dos EUA, não por acaso, anunciou que pretende tirar dois porta-
3. aviões da vigilância do Golfo Pérsico, por onde passa o grosso do petróleo consumido no
mundo, sugerindo um aviso à China para assumir um pedaço do ônus.
O viés do dólar forte
Os eventos se sucedem. A estatal chinesa China National Petroleum anunciou que dispõe
de US$ 40 bilhões em caixa para investir em participações minoritárias em petroleiras dos
EUA.
Como escreveu o respeitado analista Daniel Yergin, da Cambridge Energy, “sem tais
recursos energéticos, o frustrante quadro da economia (americana) pareceria muito pior”.
Mas não é tudo.
A soma do custo de energia sem igual no mundo com o investimento em automação e
produtividade promove o renascimento da indústria e as exportações. Já há forte viés de
queda do déficit externo dos EUA, que chegou a 6% do PIB em 2006 e tende a menos de
3%.
O próximo viés começa a pintar: o dólar fortalecido. As sequelas para o Brasil, que
apostou no alto custo do pré-sal e perdeu produtividade, poderão ser imensas.
Megatendência em transe
O mundo está submetido a grandes tendências muito mal estudadas e praticamente
estranhas ao debate econômico no Brasil. Nos EUA, por exemplo, a eficiência energética
por unidade produzida já estava no menor nível em duas décadas antes da volta da
produção crescente de petróleo e gás. A EIA prevê que na virada da década o país
superará a Arábia Saudita como maior exportador de petróleo.
Na China, outra macrotendência que ganha força é o foco no mercado doméstico, com a
provável redução da demanda por commodities (salvo alimentos), que tem uma relação
inversa à da valorização do dólar.
A iminência de um Grupo dos 2 a comandar outro ciclo global começa a se insinuar, se as
contradições políticas de EUA e China vierem a ser superadas, como parece que serão.
Nesse mundo, é até possível cogitar aos EUA um incentivo fiscal para amealhar parte dos
4. dólares offshore e eliminar dívida pública ou bancar um programa massivo de
investimentos em infraestrutura. Qual nossa posição neste cenário?