Vinte poemas de amor e uma canção desesperada, Pablo Neruda
Quando lhe disseram para ficar, perdeu a estrada
1. Quando lhe disseram para ficar, ela olhou para trás
e não viu a estrada que tinha percorrido para ali chegar.
Atrás de si, só existiam as pedras em que havia tropeçado e os silvados que havia saltado.
Já nem vislumbrava os tufos de erva onde tantas vezes sentiu lençóis de cetim,
nem os ribeiros, agora secos, onde bebeu águas de amor.
Se ao menos soubesse em que momento devia ter dito
o que queria com a alma e o coração,
talvez encontrasse o segundo em que a cegueira e as asas a afastaram da estrada.
Perdeu-se do passado e escondeu-se do futuro.
De tanto recordar o que é de "outras vidas", perdeu a biografia. Vestiu-se de indiferença.
Quando se voltou de novo para a frente também já não existia estrada.
Os joelhos latejavam de dor por tantas vezes cair.
As pernas sangravam golpeadas pelo mato.
Os cabelos nervosos arranhavam-lhe a cara e os olhos, confusos,
não viam para além de um palmo.
O receio martelava-lhe os intestinos, atava-lhe as pernas e
decepava-lhe as mãos.
Levantara-se sempre, como um urso que acorda depois de hibernar -
fraco mas cheio de vigor!
Afinal como havia de quantificar o tempo sem uma estrada para percorrer.
Naquela paisagem, naquela casa submersa,
não anoitecia nem amanhecia.
Sem tempo, o pensamento ficara suspenso, entalando o eixo da Terra.
O presente era um ponto onde não queria permanecer, e afogava-se.