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Produto: ESTADO - BR - 6 - 06/06/10
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J6 aliás
%HermesFileInfo:J-6:20100606:




                                   DOMINGO, 6 DE JUNHO DE 2010                                                                                                                                                        O ESTADO DE S. PAULO


Sinal de                                                                                 A Hungria informa que sua situação econômica é
                                                                                         grave e apresentará um plano para evitar que o
alerta                                                                                   país siga o caminho da Grécia. Peter Szijarto,
                                                                                         porta-voz governista, diz que o governo anterior
                                                                                         “manipulou dados” sobre o real estado da
SEXTA, 4 DE JUNHO                                                                        economia, como a Grécia havia feito.




 As narrativas da globalização
   Novas geografias sociais estão abrindo espaços inéditos de contestação pelos quais navegam as flotilhas da liberdade

                                                                                                                                                                                                  JASON LEE/REUTERS      A. RUSBRIDGER/DIVULGAÇÃO


LAURA GREENHALGH




M
                                uitas análises
                                contornam o
                                fenômeno da
                                globalização.
                                Especialistas
                                enveredam
                                pelo mundo
                                tecnológico,
                                outros prefe-
                                rem a expan-                                                                                                                                                                          Ponto
são do capitalismo, outros, a aceleração                                                                                                                                                                              por Ponto
dos fluxos financeiros, outros optam por fo-                                                                                                                                                                          Saskia
calizar as desigualdades. A americana                                                                                                                                                                                 Sassen
Saskia Sassen, professora de sociologia da
Columbia University e da London School
of Economics, está em todas essas frentes                                                                                                                                                                             PROFESSORA DE
e ainda consegue ter uma abordagem origi-                                                                                                                                                                             SOCIOLOGIA DA
nal. Investiga a globalização a partir das no-                                                                                                                                                                        COLUMBIA UNIVERSITY
vas geografias – social, urbana, humana.                                                                                                                                                                              E DA LONDON SCHOOL
Nesta terça-feira às 17h30, Saskia fará uma                                                                                                                                                                           OF ECONOMICS
única palestra na Faculdade de Economia,
Administração e Contabilidade da USP, em
São Paulo, absolutamente dentro do seu
campo de estudos. Será um momento raro
para a comunidade acadêmica e para o pú-
blico interessado em ouvi-la falar, uma vez
mais, sobre as tensões e contradições das
global cities, termo que inaugurou há mui-
tos anos, e ainda sobre os dilemas da socie-
dade civil, tão desnorteada, mas tão cheia
de possibilidades.
   Saskia conversou sobre esses temas com
o caderno Aliás, por e-mail, na semana pas-
sada. Foi um feito. Estava em Londres, de
repente viajou para a China, regressou aos
Estados Unidos via Chicago e logo viria pa-
ra o Brasil. Entre um embarque e outro, a
professora expôs sua visão sobre vários de-
safios contemporâneos, ao mesmo tempo
que opinou sobre a crise deflagrada com o
ataque a uma flotilha humanitária que se di-
rigia para Gaza, até ser interceptada por for-
ças militares israelenses. Acha que os ativis-
tas atingiram seu objetivo – chamar a aten-
ção mundial para uma causa. O que não sig-
nifica que a situação vá mudar. Casada com
o historiador americano Richard Sennett,
também professor da London School e au-
tor do já clássico O Declínio do Homem Públi-
co (Companhia das Letras, 1988), Saskia
Sassen lançou (fora do Brasil) inúmeros tí-
tulos, como Metropolis e Formações Digitais,
e ainda Sociologia da Globalização, agora tra-
duzido para o português e publicado pela
editora gaúcha Artmed. A seguir, trechos
de uma conversa feita em várias partes.

Espaços de contestação                                           Global cities. Pequim mudou a geografia do poder e as elites corporativas de São Paulo integraram-se a NY, Londres, Dubai...
“Tenho me dedicado ao tema da sociedade
civil, suas dinâmicas e formas de expres-                        tos – desde a comida até as opções bancá-        qual residem os jovens de hoje. Antigas nar-     Cosmopolitismo dispensável
são, considerando ser esse um dos capítu-                        rias. Em meus textos mais políticos, digo        rativas já não lhes cabem. Estou certa de        “Existem múltiplas globalizações. A eco-
los mais fascinantes dos estudos sobre glo-                      que nos tornamos consumidores de cidada-         que, para muitos, é algo animador. Até por-      nômica, a corporativa, a financeira, a tec-
balização. Eu me interesso particularmen-                        nia e de democracia, em vez de criadores         que muitos não desejam aquela estabilida-        nológica. Nota-se nisso tudo certa tendên-
te pelas novas geografias sociais que confi-                     de cidadania e de democracia, como já fo-        de de vida que seus pais perseguiram. Mas,       cia de desumanização da nossa vida e da
guram nosso tempo, dentro das quais nos                          mos antes.                                       para a imensa maioria dos jovens nascidos        nossa subjetividade. Mas outras globaliza-
deparamos com inéditos espaços de contes-                                                                         em famílias pobres e vulneráveis, essa falta     ções também estão em curso, como a da
tação. A Flotilha da Liberdade é algo assim.                     Não é só Gaza...                                 de narrativas pertinentes constitui uma zo-      sociedade civil, da defesa dos direitos hu-
Mesmo semeando tensões, logrou chamar                            “Um segundo tema, parte do meu novo pro-         na de perigo.                                    manos, das lutas pela preservação do
a atenção mundial para uma determinada                           jeto de pesquisa, diz respeito ao número ca-                                                      meio ambiente, e essas nos humanizam de
causa, o repúdio ao bloqueio de Israel a Ga-                     da vez maior das ‘lógicas da expulsão’ ope-      Miopia dos governantes                           maneira profunda. Temos aí os sinais da
za, reanimando o debate internacional. Co-                       rando na fase atual e emergente do capita-       “Nossos líderes estão ‘presos’ no espaço na-     emergência de um humanismo desnacio-
mo espaço de contestação que é, esse movi-                       lismo avançado. Essa fase é marcada pelo         cional. Só pensam e agem nos limites do es-      nalizado, para o qual não é necessário se-
mento consegue ser efetivo, utilizando rela-                     aumento no número de pessoas que foram           paço nacional, enquanto lei, jurisdição, au-     quer tornar-se um indivíduo cosmopolita.
tivamente parcos recursos. É um pouco co-                        ‘expulsas’ de alguma forma, de algum lu-         toridade e base de operações. E disso não        Basta ser humano e acreditar em certas
mo age o Greenpeace em suas operações.                           gar, de alguma situação, em número que su-       escapam nem os Estados Unidos, cujo po-          causas. Digo que nem é preciso ser cosmo-
Mas resolve? Não. Porque do debate para a                        pera de longe as recém-incorporadas clas-        der é projetado globalmente. De repente, lá      polita no sentido de que é possível estar
implementação de mudanças vai um tem-                            ses médias de países como Índia e China.         se vai mais um pelotão de fuzileiros para o      envolvido, de forma local, com a denúncia
po longo. Implementar significa lidar com                        Emprego o termo ‘expulsão’ para me refe-         front, mas, no fundo, no fundo, isso tem a       ao torturador da prisão mais próxima ou
processos bem mais complexos.                                    rir a uma gama de situações: o número ca-        ver em como reagir a insatisfações internas      com a fábrica que polui a água de seu bair-
                                                                 da vez maior de pobres no mundo; os desa-        com o presidente. Insisto em dizer que os        ro, e ao mesmo tempo totalmente cons-
Ações difusas e confusas                                         brigados que lotam campos de refugiados          nossos governantes não sabem como lidar          ciente de que ao redor do mundo há ou-
“Organizações da sociedade civil, nem to-                        formais e informais; as minorias populacio-      com cross-border processes, ou seja, proces-     tros como você.
das, mas muitas, querem atuar no plano                           nais armazenadas em prisões; trabalhado-         sos da globalização que cruzam fronteiras
global, sem utilizar sua capacidade para tan-                    res cujos corpos são destruídos ou inutiliza-    e assim se configuram. Nossos governan-          Cidades globais
to. Porque não sabem lidar com um mundo                          dos em idade muito precoce; populações           tes querem que o capital cruze fronteiras.       “São espaços complexos, carregados de
também feito de globalizações laterais,                          excedentes, porém capazes, confinadas em         Que setores de mão de obra também o fa-          contradições. Temos pelo menos 70 delas
umas conectadas às outras. Portanto, exis-                       guetos e favelas; e por aí vai. São muitas as    çam. Mas não querem os terroristas, os tra-      no planeta, cidades em que o poder corpo-
te um potencial não realizado nessas orga-                       ‘lógicas da expulsão’, incluindo a transfe-      ficantes, os imigrantes pobres, porém não        rativo se consolidou de forma espantosa,
nizações, e em seus projetos, justamente                         rência de áreas que antes faziam parte do        sabem lidar com fluxos indesejados, preci-       criando geografias da centralidade que ho-
quando tantas frentes de batalha se abrem                        chamado ‘território nacional soberano’, pa-      sam aprender. Não há outro jeito. Até mes-       je conectam lugares e pessoas, cruzando a
por aí. Essa sensação de estar conectado e,                      ra a finalidade básica de venda no mercado       mo os governos mais poderosos terão que          histórica divisão entre Norte e Sul. Expli-
ao mesmo tempo, se sentir perdido no                             global. Desde 2006, cerca de 30 milhões de       começar a trabalhar com governos sem tan-        co: as elites corporativas de São Paulo es-
mundo de hoje é um dos dilemas da globali-                       hectares de terra foram comprados e licen-       to poder. E não só para caçar terrorista. Go-    tão completamente integradas à geografia
zação. E não afeta apenas essas organiza-                        ciados por governos e investidores para o        vernos nacionais, é verdade, tornaram-se         global do poder que inclui Nova York, Lon-
ções. Tomemos como exemplo o mundo fi-                           cultivo de alimentos direcionados aos paí-       bem mais internacionais desde os anos 80,        dres, Dubai. E há Pequim, Xangai, cidades
nanceiro: temos tantos especialistas prepa-                      ses ricos e para garantir o controle de recur-   ao longo do desenvolvimento de uma eco-          que estão mudando a geografia do poder.
rados e cientes das transformações globais                       sos naturais, tais como fontes de água, jazi-    nomia global corporativa e do mercado de         Ao mesmo tempo, outras minorias, os vul-
e ainda assim uma leve quebradeira bancá-                        das de minérios, etc. Enquanto isso, a cota      capitais. É pena que não estejam aprenden-       neráveis, os desabrigados, os discrimina-
ria os pegou de surpresa, recentemente. La-                      mundial de desabrigados aumentou em 17           do a ser mais internacionalistas também          dos, enfim, os deslocados vão justamente
cuna curiosa, não? Nós nos sentimos perdi-                       milhões, atingindo um total de 27 milhões.       em relação ao meio ambiente, à fome glo-         encontrar espaço para seus projetos de vi-
dos, a bordo de altíssimos níveis de conhe-                                                                       bal, à injustiça global... Em meu livro Terri-   da, resistência e exigências aonde? Nas glo-
cimento. Tanto se pergunta sobre como li-                        Os jovens e o futuro                             tório, Autoridade, Direitos, sem tradução pa-    bal cities. Devemos estudá-las. Precisamos
dar com o mal-estar da globalização. Ele é                       “Eis uma boa questão. De acordo com a ex-        ra o português, afirmo que essa nova capa-       entender como aqueles que são expulsos
parte do processo. Diz respeito a um mun-                        plicação de meu marido, Richard Sennett,         cidade para o internacionalismo poderia          do interior, ou de suas pequenas cidades,
do em que o cidadão se torna cada vez mais                       antigas narrativas de vida e trabalho já não     ser empregada em projetos bem mais inte-         encontram exatamente na cidade global o
espectador passivo e, muitas vezes, uma ví-                      funcionam para um número cada vez                ressantes, desde que haja renovação nas          único lugar que ainda lhes resta para viver.
tima ou mero consumidor de artigos pron-                         maior de pessoas. Eis o espaço subjetivo no      classes governantes.                             Ainda que dormindo nas ruas.

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  • 1. Produto: ESTADO - BR - 6 - 06/06/10 J6 - B24H CYANMAGENTAAMARELOPRETO J6 aliás %HermesFileInfo:J-6:20100606: DOMINGO, 6 DE JUNHO DE 2010 O ESTADO DE S. PAULO Sinal de A Hungria informa que sua situação econômica é grave e apresentará um plano para evitar que o alerta país siga o caminho da Grécia. Peter Szijarto, porta-voz governista, diz que o governo anterior “manipulou dados” sobre o real estado da SEXTA, 4 DE JUNHO economia, como a Grécia havia feito. As narrativas da globalização Novas geografias sociais estão abrindo espaços inéditos de contestação pelos quais navegam as flotilhas da liberdade JASON LEE/REUTERS A. RUSBRIDGER/DIVULGAÇÃO LAURA GREENHALGH M uitas análises contornam o fenômeno da globalização. Especialistas enveredam pelo mundo tecnológico, outros prefe- rem a expan- Ponto são do capitalismo, outros, a aceleração por Ponto dos fluxos financeiros, outros optam por fo- Saskia calizar as desigualdades. A americana Sassen Saskia Sassen, professora de sociologia da Columbia University e da London School of Economics, está em todas essas frentes PROFESSORA DE e ainda consegue ter uma abordagem origi- SOCIOLOGIA DA nal. Investiga a globalização a partir das no- COLUMBIA UNIVERSITY vas geografias – social, urbana, humana. E DA LONDON SCHOOL Nesta terça-feira às 17h30, Saskia fará uma OF ECONOMICS única palestra na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, em São Paulo, absolutamente dentro do seu campo de estudos. Será um momento raro para a comunidade acadêmica e para o pú- blico interessado em ouvi-la falar, uma vez mais, sobre as tensões e contradições das global cities, termo que inaugurou há mui- tos anos, e ainda sobre os dilemas da socie- dade civil, tão desnorteada, mas tão cheia de possibilidades. Saskia conversou sobre esses temas com o caderno Aliás, por e-mail, na semana pas- sada. Foi um feito. Estava em Londres, de repente viajou para a China, regressou aos Estados Unidos via Chicago e logo viria pa- ra o Brasil. Entre um embarque e outro, a professora expôs sua visão sobre vários de- safios contemporâneos, ao mesmo tempo que opinou sobre a crise deflagrada com o ataque a uma flotilha humanitária que se di- rigia para Gaza, até ser interceptada por for- ças militares israelenses. Acha que os ativis- tas atingiram seu objetivo – chamar a aten- ção mundial para uma causa. O que não sig- nifica que a situação vá mudar. Casada com o historiador americano Richard Sennett, também professor da London School e au- tor do já clássico O Declínio do Homem Públi- co (Companhia das Letras, 1988), Saskia Sassen lançou (fora do Brasil) inúmeros tí- tulos, como Metropolis e Formações Digitais, e ainda Sociologia da Globalização, agora tra- duzido para o português e publicado pela editora gaúcha Artmed. A seguir, trechos de uma conversa feita em várias partes. Espaços de contestação Global cities. Pequim mudou a geografia do poder e as elites corporativas de São Paulo integraram-se a NY, Londres, Dubai... “Tenho me dedicado ao tema da sociedade civil, suas dinâmicas e formas de expres- tos – desde a comida até as opções bancá- qual residem os jovens de hoje. Antigas nar- Cosmopolitismo dispensável são, considerando ser esse um dos capítu- rias. Em meus textos mais políticos, digo rativas já não lhes cabem. Estou certa de “Existem múltiplas globalizações. A eco- los mais fascinantes dos estudos sobre glo- que nos tornamos consumidores de cidada- que, para muitos, é algo animador. Até por- nômica, a corporativa, a financeira, a tec- balização. Eu me interesso particularmen- nia e de democracia, em vez de criadores que muitos não desejam aquela estabilida- nológica. Nota-se nisso tudo certa tendên- te pelas novas geografias sociais que confi- de cidadania e de democracia, como já fo- de de vida que seus pais perseguiram. Mas, cia de desumanização da nossa vida e da guram nosso tempo, dentro das quais nos mos antes. para a imensa maioria dos jovens nascidos nossa subjetividade. Mas outras globaliza- deparamos com inéditos espaços de contes- em famílias pobres e vulneráveis, essa falta ções também estão em curso, como a da tação. A Flotilha da Liberdade é algo assim. Não é só Gaza... de narrativas pertinentes constitui uma zo- sociedade civil, da defesa dos direitos hu- Mesmo semeando tensões, logrou chamar “Um segundo tema, parte do meu novo pro- na de perigo. manos, das lutas pela preservação do a atenção mundial para uma determinada jeto de pesquisa, diz respeito ao número ca- meio ambiente, e essas nos humanizam de causa, o repúdio ao bloqueio de Israel a Ga- da vez maior das ‘lógicas da expulsão’ ope- Miopia dos governantes maneira profunda. Temos aí os sinais da za, reanimando o debate internacional. Co- rando na fase atual e emergente do capita- “Nossos líderes estão ‘presos’ no espaço na- emergência de um humanismo desnacio- mo espaço de contestação que é, esse movi- lismo avançado. Essa fase é marcada pelo cional. Só pensam e agem nos limites do es- nalizado, para o qual não é necessário se- mento consegue ser efetivo, utilizando rela- aumento no número de pessoas que foram paço nacional, enquanto lei, jurisdição, au- quer tornar-se um indivíduo cosmopolita. tivamente parcos recursos. É um pouco co- ‘expulsas’ de alguma forma, de algum lu- toridade e base de operações. E disso não Basta ser humano e acreditar em certas mo age o Greenpeace em suas operações. gar, de alguma situação, em número que su- escapam nem os Estados Unidos, cujo po- causas. Digo que nem é preciso ser cosmo- Mas resolve? Não. Porque do debate para a pera de longe as recém-incorporadas clas- der é projetado globalmente. De repente, lá polita no sentido de que é possível estar implementação de mudanças vai um tem- ses médias de países como Índia e China. se vai mais um pelotão de fuzileiros para o envolvido, de forma local, com a denúncia po longo. Implementar significa lidar com Emprego o termo ‘expulsão’ para me refe- front, mas, no fundo, no fundo, isso tem a ao torturador da prisão mais próxima ou processos bem mais complexos. rir a uma gama de situações: o número ca- ver em como reagir a insatisfações internas com a fábrica que polui a água de seu bair- da vez maior de pobres no mundo; os desa- com o presidente. Insisto em dizer que os ro, e ao mesmo tempo totalmente cons- Ações difusas e confusas brigados que lotam campos de refugiados nossos governantes não sabem como lidar ciente de que ao redor do mundo há ou- “Organizações da sociedade civil, nem to- formais e informais; as minorias populacio- com cross-border processes, ou seja, proces- tros como você. das, mas muitas, querem atuar no plano nais armazenadas em prisões; trabalhado- sos da globalização que cruzam fronteiras global, sem utilizar sua capacidade para tan- res cujos corpos são destruídos ou inutiliza- e assim se configuram. Nossos governan- Cidades globais to. Porque não sabem lidar com um mundo dos em idade muito precoce; populações tes querem que o capital cruze fronteiras. “São espaços complexos, carregados de também feito de globalizações laterais, excedentes, porém capazes, confinadas em Que setores de mão de obra também o fa- contradições. Temos pelo menos 70 delas umas conectadas às outras. Portanto, exis- guetos e favelas; e por aí vai. São muitas as çam. Mas não querem os terroristas, os tra- no planeta, cidades em que o poder corpo- te um potencial não realizado nessas orga- ‘lógicas da expulsão’, incluindo a transfe- ficantes, os imigrantes pobres, porém não rativo se consolidou de forma espantosa, nizações, e em seus projetos, justamente rência de áreas que antes faziam parte do sabem lidar com fluxos indesejados, preci- criando geografias da centralidade que ho- quando tantas frentes de batalha se abrem chamado ‘território nacional soberano’, pa- sam aprender. Não há outro jeito. Até mes- je conectam lugares e pessoas, cruzando a por aí. Essa sensação de estar conectado e, ra a finalidade básica de venda no mercado mo os governos mais poderosos terão que histórica divisão entre Norte e Sul. Expli- ao mesmo tempo, se sentir perdido no global. Desde 2006, cerca de 30 milhões de começar a trabalhar com governos sem tan- co: as elites corporativas de São Paulo es- mundo de hoje é um dos dilemas da globali- hectares de terra foram comprados e licen- to poder. E não só para caçar terrorista. Go- tão completamente integradas à geografia zação. E não afeta apenas essas organiza- ciados por governos e investidores para o vernos nacionais, é verdade, tornaram-se global do poder que inclui Nova York, Lon- ções. Tomemos como exemplo o mundo fi- cultivo de alimentos direcionados aos paí- bem mais internacionais desde os anos 80, dres, Dubai. E há Pequim, Xangai, cidades nanceiro: temos tantos especialistas prepa- ses ricos e para garantir o controle de recur- ao longo do desenvolvimento de uma eco- que estão mudando a geografia do poder. rados e cientes das transformações globais sos naturais, tais como fontes de água, jazi- nomia global corporativa e do mercado de Ao mesmo tempo, outras minorias, os vul- e ainda assim uma leve quebradeira bancá- das de minérios, etc. Enquanto isso, a cota capitais. É pena que não estejam aprenden- neráveis, os desabrigados, os discrimina- ria os pegou de surpresa, recentemente. La- mundial de desabrigados aumentou em 17 do a ser mais internacionalistas também dos, enfim, os deslocados vão justamente cuna curiosa, não? Nós nos sentimos perdi- milhões, atingindo um total de 27 milhões. em relação ao meio ambiente, à fome glo- encontrar espaço para seus projetos de vi- dos, a bordo de altíssimos níveis de conhe- bal, à injustiça global... Em meu livro Terri- da, resistência e exigências aonde? Nas glo- cimento. Tanto se pergunta sobre como li- Os jovens e o futuro tório, Autoridade, Direitos, sem tradução pa- bal cities. Devemos estudá-las. Precisamos dar com o mal-estar da globalização. Ele é “Eis uma boa questão. De acordo com a ex- ra o português, afirmo que essa nova capa- entender como aqueles que são expulsos parte do processo. Diz respeito a um mun- plicação de meu marido, Richard Sennett, cidade para o internacionalismo poderia do interior, ou de suas pequenas cidades, do em que o cidadão se torna cada vez mais antigas narrativas de vida e trabalho já não ser empregada em projetos bem mais inte- encontram exatamente na cidade global o espectador passivo e, muitas vezes, uma ví- funcionam para um número cada vez ressantes, desde que haja renovação nas único lugar que ainda lhes resta para viver. tima ou mero consumidor de artigos pron- maior de pessoas. Eis o espaço subjetivo no classes governantes. Ainda que dormindo nas ruas.