O autor descreve como Portugal melhorou significativamente a qualidade da oferta turística nos últimos 10 anos apesar da falta de uma política governamental consistente para o setor. Ele critica as mudanças frequentes nas políticas e secretários de estado e dá exemplos como o aumento do IVA na restauração que prejudicou o setor. Apesar disso, o turismo em Portugal continua a crescer graças ao esforço dos empreendedores privados.
Portugal turismo evolui apesar políticas erráticas
1. RUBEN OBADIA*
E NO ENTANTO, ELA MOVE-SE!
T
alvez o cidadão comum não
tenha consciência mas a realidade é que Portugal, na última década, deu um salto de
gigante na qualidade turística
oferecida a quem nos visita. Se
há uns anos, quando viajávamos por essa
Europa, não era raro depararmo-nos com
algo que gostaríamos que existisse no nosso País, hoje, pelo contrário, quanto mais
viajamos mais aprendemos a respeitar o
que temos, o que é nosso.
A título de exemplo, veja-se o caso de
Roma. Claro que a cidade é magnífica,
que os monumentos são fantásticos e o
Vaticano está ali ao virar da esquina. Certo. Roma, pela sua história, façam o que
os italianos fizerem, será sempre uma das
maiores capitais mundiais do Turismo. Mas
a realidade é que a informação turística
disponível para o Turista é igual a zero; os
metros são autênticos buracos escuros; os
restaurantes têm mais fama do que proveito; a desorganização é uma constante, a
começar pelo trânsito e a acabar no acesso
aos vários monumentos; e a hotelaria, de
uma forma global, aproxima-se da ladroagem. É como se os italianos estivessem
sentados em cima de um qualquer tesouro
e, por isso mesmo, nem precisassem de
se esforçar. Mal comparado, relembra-me
um filme menor estreado em 2011, de seu
nome “Comprámos um zoo”. Nele, o actor principal, Matt Damon, decide comprar
um Zoo, envolvendo toda a sua família nas
obras de remodelação do mesmo. No final,
na iminência de uma óbvia falência, e perante a ausência de qualquer visitante, tem
uma simples e fantástica frase: “They will
come!”. É isso mesmo, neste caso, não é
preciso fazer muito porque os turistas virão
à mesma.
No caso de Portugal, pelo contrário, o sucesso é fruto de muito trabalho. Poderia
alencar aqui uma série de factores que
jogam a nosso desfavor, mas para o caso
seria irrelevante. Veja-se o caso de Lisboa,
que talvez por ser “underrated”, surpreende positivamente quem a visita. E não, não
estou a falar das condições naturais com
que Deus nos abençoou, mas do trabalho
que dá em torná-la ainda mais agradável
de se visitar. Começa pela informação disponível logo na zona de recolha das bagagens, na proximidade do aeroporto com a
cidade, no número e variedade do alojamento disponível, na qualidade honesta e
genuína da nossa restauração, na proximidade com praias de qualidade internacional
como Tróia ou Comporta, no sem número
de empresas de animação turística que,
pela sua originalidade, nos mostram outras
facetas do nosso território, ou mesmo a
qualidade das nossas estações de metro.
A lista é infindável e o mesmos se aplica a
cidades como o Porto, Coimbra ou Évora.
E o que mais me espanta é que esta mesma evolução da nossa qualidade seja resultado de um acidente a que se juntou
o engenho dos empreendedores privados
e não de uma política governamental coerente e determinada. Perdi a conta ao
número de secretários de Estado que o
País já teve desde o 25 de Abril, mas uma
coisa tenho como certa: sempre que muda
o titular da pasta muda a política. Muitas
vezes a política, de tão errante, até chega
a mudar várias vezes durante a vigência do
mandato do mesmo secretário de Estado.
O caso dos directores de hotel é disso um
caso paradigmático. Em 1998 foi introduzida a obrigatoriedade de um hotel com
mais de 100 quartos ou de cinco estrelas
ter um director de hotel, devidamente capacitado com experiência validada ou com
a capacitação de uma formação apropriada. Volvidos poucos anos, e com o mesmo
SET, essa mesma obrigação deixa de existir
e passa a reinar o “vale tudo”. E depois há
as políticas de fundo, onde aí o assombro é
maior e onde a expressão “pacto de regime” só existe mesmo no dicionário.
Num País mergulhado numa grave crise
económica, o poder político olha para o su-
cesso do sector do Turismo, como um touro
olha para o capote vermelho. E que faz
ele? Investe… contra! Mais um exemplo. O
aumento do IVA na restauração, apesar de
todos os avisos, resultou numa quebra de
receita na ordem dos 100 milhões de euros
e na destruição de milhares de postos de
trabalho. Agora vem o primeiro-ministro
dizer que o problema da restauração foi a
quebra da procura e não do IVA…!? O argumento é fantástico. Pela primeira vez na
história de Portugal alguém responsabiliza
a consequência e não o que esteve na sua
origem. É como dizer que esta crise política que atravessamos se deve ao facto dos
portugueses estarem pobres.
Mas os casos não se esgotam aqui. O
rega-bofe da proliferação dos hostels ou
o descontrolo nos apartamentos turísticos,
sob o signo de que “somos liberais e não
interferimos no mercado” é outro (mau)
exemplo. E só prova que “a história só nos
ensina que nada aprendemos com ela”.
Perante tudo isto, recorro-me da célebre
citação de Galileu, “Eppur si muove”. Ou
seja, “e no entanto, ela move-se”. Sim,
e no entanto o Turismo resiste e evolui,
reiventa-se. E se isto acontece no meio
da tempestade constante de indefinições
no que à promoção turística diz respeito
e perante a confusão instalada na política
dos delegados de turismo por esse mundo
fora, imagine-se o que seria de Portugal
fosse: a) coerente na sua comunicação
para o exterior; b) assertivo na mensagem;
c) tivesse uma noção clara do que quer e
deve promover; d) soubesse como o fazer;
e) desse meios aos delegados do TP para
fazerem o seu trabalho e os avaliasse em
conformidade.
Até que isso aconteça só nos resta mesmo abrirmos a boca de espanto e citarmos
Galileu… “e no entanto ela, (a indústria do
Turismo) move-se”.
*Consultor de Comunicação em Turismo
TURISVER | 20 DE OUTUBRO DE 2013
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