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Duas contribuições para a pedagogia da música
electroacústica e da informática musical
António de Sousa Dias
a.sousadias@belasartes.ulisboa.pt
Universidade de Lisboa, Faculdade de Belas-Artes
Largo da Academia Nacional de Belas-Artes
1249-058 Lisboa, Portugal
Versão portuguesa de: Sousa Dias, A. (2007). Deux contributions à la pédagogie de la musique
électroacoustique et l’informatique musicale. Actes des Journées d’Informatique
Musicale. AFIM/GRAME, Lyon. https://hal.archives-ouvertes.fr/hal-03105424
RESUMO
Apresentamos aqui algumas das ferramentas que desenvolvemos durante os nossos cursos de
música electroacústica na Escola Superior de Música de Lisboa e os anos do nosso
doutoramento [21]. O principal objectivo da utilização destas ferramentas no ensino da
composição era o de permitir aos alunos pensar, compreender e integrar diferentes tipos de
síntese sonora independentemente do software utilizado e, por outro lado, confrontar-se com
uma prática já existente nas obras de certos autores. Os exemplos escolhidos referem-se à
modelação de uma secção de Electronische Studie II (1954), de Stockhausen, em Csound e
parte do trabalho de Jean Claude Risset em Turbosynth, Csound e Max/MSP e podem ser
transferidos a partir do site do CICM1
.
Este trabalho deve-se também ao facto de, paradoxalmente, a transferência para o meio digital
ter contribuído para tornar as obras mais perecíveis, devido às crescentes dificuldades de acesso
a equipamentos que se tornaram obsoletos.
As dificuldades encontradas e as soluções propostas visavam permitir ao estudante de
composição concentrar-se nas questões musicais em questão, trabalhando sobre as obras no
cerne dos seus princípios.
INTRODUÇÃO
Em Portugal, antes da queda dos preços no
final dos anos 80, era difícil para um projecto
ter a garantia de se trabalhar com o mesmo
sintetizador se se mudasse de estúdio.
Estávamos confrontados com um duplo
problema: (1) a procura de invariantes em
relação a diferentes dispositivos e sistemas de
síntese, visando (2) a possibilidade de
transferência tecnológica como condição
para a preservação das obras, sua reprodução
e estudo.
Devido à nossa própria prática pedagógica,
bem como ao estabelecimento de uma
pedagogia da música electroacústica
1
https://cicm.univ-paris8.fr/ ou, para actualizações mais recentes: https://github.com/asousadias?tab=repositories
adaptada à realidade portuguesa nos anos 90,
foi necessário transformar esta situação.
O nosso envolvimento pessoal no ensino da
música electroacústica (incluindo a síntese
sonora) na Escola Superior de Música de
Lisboa (ESML) levou-nos naturalmente à
pesquisa de casos de estudo, em particular a
partir do trabalho de Jean Claude Risset. De
acordo com este, os problemas na música de
computador devem-se à
"velocidade da mudança tecnológica
[que] torna rapidamente obsoletos
equipamentos especializados, o que
dificulta a constituição de um corpo de
conhecimentos, o aprofundamento de
uma tradição de composição e
interpretação e de escuta e a decantação
de "clássicos". É portanto importante
António de Sousa Dias (2007)
Duas contribuições para a pedagogia da música electroacústica e da informática musical
2
assegurar a portabilidade dos dispositivos
tecnológicos para a realização do som,
especialmente se for realizada em tempo
real e não "sobre suporte", ou seja, sob a
forma de uma gravação".
"Muitas abordagens significativas são
mal compreendidas, ignoradas ou
esquecidas. A Musicologia está mal
equipada para responder a abordagens de
música por computador, faltando
documentos imediatamente utilizáveis,
tal como uma partitura tradicional. No
entanto, a maior parte das vezes, estes
documentos existem, mas precisam de ser
postos "a limpo". [17]
Nisto, Risset concorda com Marc Battier,
pois afirma que
"pode portanto dizer-se com Marc Battier
(1992) que o uso de ferramentas de
software que são programas Music n e
seus derivados, um "ambiente
reticulado", favoreceu o desenvolvimento
de uma "economia de troca" no que diz
respeito ao know-how sonoro. O aumento
do know-how tem assim proporcionado
vias para ferramentas de criação de som,
ou, se se preferir, chaves para construir as
suas próprias ferramentas de criação
virtual usando estes conjuntos de
ferramentas de software". [18]
Nesta perspectiva, retomamos aqui dois
aspectos do trabalho que tínhamos
desenvolvido na altura: o estudo e transcrição
da primeira secção do Electronische Studie II
de Stockhausen e das técnicas descritas por
Risset.
VISÃO GERAL
Ao contrário das obras destinadas a ser
tocadas ao vivo, Electronische Studie II não é
suposto ser "tocado": é geralmente aceite que
a gravação é a obra e que não é para ser refeita
(executada), mas para ser reproduzida.
Contudo, Stockhausen, tal como Risset [14],
expressou o desejo de transmitir [23] as
"receitas de fabrico", o que permite um
confronto entre o resultado registado e a
implementação das prescrições da partitura.
Assim, o interesse de apresentar e discutir
uma simulação da primeira secção da obra em
Csound é que esta modelação nos permitiu ter
uma visão mais clara desta obra e da
abordagem empreendida para a construção de
instrumentos que exibem um carácter sonoro
não estacionário.
No que diz respeito à implementação das
técnicas digitais desenvolvidas por Risset em
outros ambientes, trata-se de uma
transferência do digital para o digital, ou seja,
uma transcodificação. Quatro exemplos de
síntese são dados aqui:
• Modelação de um sino;
• Cascata harmónica;
• Glissando / mudança perpétua de
oitava;
• Retardo com ou sem retroacção.
Iremos concentrar-nos principalmente nos
Sinos e na Cascata Harmónica, que
transferimos em primeiro lugar para
Turbosynth. A razão desta escolha é
pedagógica porque nos permitiu formular
muitas outras questões sobre a eficiência da
programação dos sintetizadores (mesmo os
analógicos) e sobre a percepção. É, portanto,
um aspecto da problemática da transferência
de técnicas desenvolvidas em meio digital no
que diz respeito à durabilidade das obras e à
necessidade de estabelecer uma base de
trabalho para o estabelecimento de uma
tradição. O problema poderia ter sido
abordado de uma forma diferente: certas
formas de composição não podem ser
baseadas numa abordagem empírica
enraizada numa manipulação rápida de certos
parâmetros. No entanto, estas formas
requerem métodos e meios que racionalizem
o tempo despendido à espera de resultados a
fim de tornar eficiente o ciclo de retroacção
da acção-percepção.
O problema é colocado por Risset: o tempo
real não satisfaz uma composição reflexiva.
Mas de que tempo real estamos a falar? É o
tempo real de actuação, da reacção imediata
a um estímulo externo em vista de um
resultado rápido, ou é, pelo contrário, a
António de Sousa Dias (2007)
Duas contribuições para a pedagogia da música electroacústica e da informática musical
3
preocupação de ter uma ideia prévia e
aproximada de um resultado sintético?
No que diz respeito às nossas
implementações em Max/MSP, propomos em
resposta uma dupla abordagem: por um lado,
uma ideia precisa do tipo de técnica a
implementar e, por outro, o facto de
disponibilizar meios, quer para a
experimentação quer para a memorização dos
resultados, com vista a trabalhar neles
localmente com maior precisão. O nosso
principal objectivo reside na manipulação de
morfologias, tornando-as mais directamente
acessíveis, sem perda de precisão de controlo
ao nível do acesso a cada parâmetro.
A nossa investigação permitiu-nos considerar
o estudo de um domínio da síntese sonora
focalizada na composição musical, adaptando
estas mesmas obras a diferentes ambientes
musicais como Csound, OpenMusic ou
Max/MSP, e nós próprios temos vindo a
utilizar adaptações destas "receitas" de
síntese nas nossas obras electroacústicas e
instrumentais desde o início dos anos 90.
O ELEKTRONISCHE STUDIE II
(1954) DE STOCKHAUSEN
Para o Elektronische Studie II (1954) de
Stockhausen, as orquestras e partituras
Csound que apresentamos2
propõem uma
simulação do início da obra em duas versões.
Conscientes das dificuldades reportadas por
Ebbeke [7], fizemos uma primeira
transcrição respeitando o nível da superfície
da parte comummente designada por
"partitura": a indicação da disposição
temporal dos eventos e do seu
comportamento global. Assim, o nosso
primeiro passo (ficheiros studie IIa.orc e
studie IIa.sco) consistiu na transcrição da
partitura e na concepção da orquestra.
Decidimos conceber a orquestra como um
instrumento que se divide em cinco variantes:
cada número de instrumentos corresponde a
2
https://github.com/asousadias/Stockhausen_Elektroni
schStudie2_1954
um tipo de complexo sonoro (Tongemisch3
).
Obviamente, estes instrumentos não
produzem o resultado que se ouve na obra. De
facto, na época Stockhausen procurava
formas de ultrapassar o carácter muito
estático do material de Elektronische Studie I,
integrando certas famílias de ruídos na
composição [23]. Na partitura [22],
Stockhausen descreve o método de obtenção
de tais sons.
A segunda versão da orquestra tem em conta
toda a informação da partitura, ou seja, os
instrumentos criados simulam a possibilidade
de obter sons próximos dos da obra, embora
por um percurso sinuoso (em tempo real e não
antecipadamente). O accionamento do
instrumento provoca uma sucessão de
impulsos respeitando as frequências e
durações indicadas para ser enviado para uma
câmara de reverberação fixada em 10
segundos. O resultado, capturado após meio
segundo, está sujeito à modulação dinâmica
da forma; ou seja, nenhum som produzido
pelo instrumento é ouvido durante o seu
primeiro segundo de activação. A única
modificação à partitura é a adição de um
segundo à duração de cada evento (ficheiros
studie IIb.orc e studie IIb.sco).
Este resultado é mais convincente do que o
primeiro, porque traduz mais fielmente a
partitura no que diz respeito às disposições
temporais, mas especialmente pelo método
de obtenção dos resultados.
Além disso, este procedimento permite-nos
uma aproximação às intenções de
Stockhausen [23]:
"No Studie II, foi utilizado um
procedimento especial para obter os
eventos sonoros não estacionários
(devido à falta de sistemas de filtragem
suficientemente refinados), o que tornou
possível integrar a família do ruído na
composição".
Esta afirmação contradiz a ideia veiculada
por Ebbeke, de que o uso da câmara de eco
3
Stockhausen emprega aqui a terminologia proposta
por Eimert, cf. [8] e [9].
António de Sousa Dias (2007)
Duas contribuições para a pedagogia da música electroacústica e da informática musical
4
"dá às misturas sonoras uma coloração que o
«projecto original» não previa". [7]
Figura 1. Sonogramas do início do Electronisch
Studie II: a) original; b) simulação 1 (frequências,
intensidades e durações); c) simulação 2 (semelhante
à versão 1 com a adição do procedimento para
obtenção dos sons) - note-se a similaridade entre a)
e c).
O patch Max/MSP que acompanha os
ficheiros Csound consiste num sintetizador
monofónico e oferece as mesmas duas
abordagens em tempo real. O patch de Georg
Hajdu [11], embora notável, não respeita o
ponto essencial do dispositivo de
Stockhausen: tal como a nossa primeira
variante (e apesar da reverberação) ouvimos
os osciladores durante toda a duração de cada
complexo sonoro. No entanto, a prescrição de
Stockhausen apenas prevê a audição do
resultado através da reverberação: ela é o som
em si e não um efeito acrescentado. Além
disso, a alimentação da reverberação com
fragmentos sonoros não prolongados (do tipo
impulso) também contribui para o carácter
sonoro particular desta obra.
4
https://github.com/asousadias/Risset_CsoundPatches
5
https://github.com/asousadias/Risset_MaxPatches
6
Uma primeira versão dos patches OpenMusic,
Csound e Max/MSP foram depositados no Forum
TRANSFERÊNCIA DE
TÉCNICAS DIGITAIS: DE MUSIC
V PARA MAX/MSP; O
TRABALHO DE JEAN CLAUDE
RISSET
As escolhas de Dodge [6] representam um
bom exemplo da contribuição da Risset para
a preservação do conhecimento e da
investigação, do ponto de vista científico,
artístico e pedagógico. Tomámos aqui duas
direcções: transcrição para sistemas
semelhantes (reescrita de ficheiros Music V
em Csound) e transferência para outros
ambientes (reescrita em OpenMusic [20] ou
Max/MSP e Turbosynth).
Os ficheiros Csound propostos4
são exemplos
de transcrições extraídas do Catalogue...
(1969) [14], de Ihnarmonique (1977) [13] e
de Countours (1982) [5]. Algumas das nossas
transcrições não são as primeiras e é possível
encontrar propostas retomadas em
Boulanger [3] e Garder [10]. No entanto, têm
o mérito de ter um estilo de codificação mais
próximo das listagens Music V, o que permite
ao estudante ter um contacto mais directo
com os textos originais, especialmente [14]
e [13].
Os patches Max/MSP5
são os primeiros em
termos de transcodificação de algumas das
técnicas da Risset neste ambiente6
:
• Modelação de um sino;
• Cascata harmónica;
• Sons paradoxais;
• Retardo com ou sem retroacção.
Sinos e Resonant Sound Spaces - PLF6
A implementação dos sinos de acordo com os
modelos descritos pela Risset e codificados
de acordo com as informações fornecidas por
Risset [16], Lorrain [13] e Dodge [6]
permitiu-nos considerar diferentes formas de
transcrição.
Ircam em 2001 (não disponível). Recomendamos em
alternativa:
https://github.com/asousadias?tab=repositories
António de Sousa Dias (2007)
Duas contribuições para a pedagogia da música electroacústica e da informática musical
5
A primeira destas transferências deu-se para
Turbosynth, software disponível à época na
ESML. O interesse pedagógico neste
exercício era duplo: por um lado, considerar
uma síntese económica em termos do uso dos
osciladores e, por outro lado, mostrar a
importância da percepção para a definição de
certos contextos mais ou menos harmónicos.
Esta proposta empregava dois osciladores
com uma tabela de ondas contendo apenas
harmónicos superiores (a partir do 5.º
harmónico). Assim a relação entre estes
harmónicos torna-se quase inarmónica
devido à ausência dos primeiros harmónicos,
e ao facto da fundamental ter uma frequência
muito baixa (aqui 22,0 Hz para o primeiro
oscilador e 22,2 Hz para o segundo).
Começámos então a transcodificar em
Csound, em particular a passagem inicial de
Mutations (1969) e as passagens usando sinos
em Inharmonique (1977). Depois
considerámos fazer um patch Max/MSP para
obter estes sons.
Figura 2. Patch Turbosynth Bell2 example (adap.
Jean-Claude Risset): janela principal e conteúdo
harmónico dos dois osciladores. O offset entre os
dois osciladores gera os batimentos que tornam o
som mais vivo (aqui os 5.º harmónicos têm
frequências de 110 e 111 Hz respectivamente).
Acrescentámos a este patch a possibilidade
de preparar uma partitura Csound, permitindo
salvaguardar certas escolhas de forma de
onda para as envolventes de amplitude e
activação de eventos.
Figura 3. Patch Bell-2Csound (adap. Jean-Claude
Risset: definições para a simulação de sinos): janela
principal.
Isto completa um ciclo onde, partindo de
software como Music V, que tem como base
instruções em forma de texto discreto, e
passando por Max/MSP/Jitter, onde a
comunicação é efectuada através de
interfaces gráficas, privilegia-se o gesto para
retornar aos ficheiros de texto, desta vez em
Csound.
Este trabalho permitiu a Daniel Arfib adaptar
outro patch mais desenvolvido e
flexível [19], para a obra de Jean-Claude
Risset, Resonant Sound Spaces. Este patch,
<plf6>, é baseado numa implementação em
Music V que permite a geração de estruturas
inarmónicas. Tomámos este patch e
introduzimos modificações para estudar as
novas possibilidades oferecidas pelo objecto
poly~ cuja implementação em Max/MSP
era bastante recente na época.
Ao substituir as cópias do patch bell-abs pela
sua integração no objecto poly~, bem como
os objectos break point function
editor pelo objecto zigzag~, a nossa
implementação permite:
• uma "quase-polifonia": o envio dos
gatilhos dos componentes sucessivos
de forma circular para o objecto
poly~, definido para 50 vozes,
permite uma "sequencialidade
paralela";
• o uso de definições de estruturas com
um número variável de componentes:
na versão para Resonant Sound
António de Sousa Dias (2007)
Duas contribuições para a pedagogia da música electroacústica e da informática musical
6
Space, as estruturas são sempre
definidas por 11 componentes,
enquanto nema Inharmonique, o seu
número é variável.
Figura 4. Patch plf6 (adap. Jean-Claude Risset,
Resonant Sound Spaces, patch PLF6): janela
principal.
A Cascata Harmónica
A cascata harmónica resulta da aplicação do
fenómeno conhecido como "batimentos" ao
caso em que existem muitos componentes.
A fim de melhor compreender o problema em
causa, apresentamos aqui o fenómeno com
apenas duas componentes. A fórmula para tal
é a seguinte:
𝑠𝑒𝑛(𝜔1) + 𝑠𝑒𝑛(𝜔2) = 2. 𝑠𝑒𝑛(
𝜔1+𝜔2
2
). 𝑐𝑜𝑠(
𝜔1−𝜔2
2
) (1)
com 1 = 2πf1 e 2 = 2πf2.
Assim, podemos ver que o termo
𝑐𝑜𝑠(
𝜔1 − 𝜔2
2
)
impõe uma modulação de amplitude no sinal,
especialmente se as frequências f1 e f2 forem
muito próximas. No caso de múltiplos
componentes, o efeito será ainda mais
acentuado e, no caso de sons compostos por
harmónicos, estes terão uma "pulsação" cuja
velocidade é proporcional à velocidade da
pulsação da fundamental. Isto causa um
efeito de cascata dos harmónicos do som,
enfatizando-os individualmente, um efeito
que é ainda mais acentuado quando se tratam
dos componentes da região inferior do
espectro, ou seja, dos primeiros harmónicos.
Figura 5: Exemplo de uma cascata harmónica:
forma de onda, sonagrama e transcrição aproximada
(adap. Jean-Claude Risset, Inharmonique, 1977).
De facto, o uso de Risset em Inharmonique
aplica-se geralmente aos harmónicos 4 a 10,
ou seja, com proporções entre eles que os
situa numa relação entre si tal como numa
escala ou num arpejo.
Figura 6. Cascata harmónica, patch Turbosynt
(adap. Jean-Claude Risset): janela principal e forma
de onda utilizada. Devido à sua proximidade em
afinação, se olharmos e ouvirmos cada oscilador
separadamente somos levados a imaginar
erroneamente que o resultado consistirá no mero
reforço de um mesmo som, quando este não é o caso.
Para a implementação Max/MSP da Cascata
Harmónica acrescentámos duas
características:
António de Sousa Dias (2007)
Duas contribuições para a pedagogia da música electroacústica e da informática musical
7
• a forma de onda é editável, seja em
tempo real ou um harmónico de cada
vez, embora a tabela utilizada esteja
limitada aos 64 primeiros harmónicos
de um som;
• a forma de onda pode resultar da
interpolação entre duas formas de
onda; isto cria um movimento duplo:
o movimento do entrelaçamento dos
batimentos dos harmónicos e a
transformação destes na composição
do espectro.
Figura 7. Patch cascadeHarmonique (adap. Jean-
Claude Risset, Inharmonique, 1977): janela
principal.
As outras características do patch
relacionam-se com o controlo de parâmetros
tais como a velocidade da cascata, que pode
ser definida em Hertz ou em segundos.
Figura 8. Patch cascadeHarmonique (adap. Jean-
Claude Risset, Inharmonique, 1977): janela para
interpolação de formas de onda.
Sons paradoxais
O glissando perpétuo e os sons sem oitava
fixa pertencem a uma classe de sons
denominados de sons paradoxais [15] por
Risset, devido à sua implausibilidade.
A última versão da realização Max/MSP foi
melhorada no que respeita o sincronismo ao
nível das amostras e é aqui proposta em duas
versões. Temos usado mais extensivamente o
objecto phasor~ e o objecto rate~. Este
último, conduzindo os objectos do cycle~
através da fase controlada pelo objecto
phasor~, permite alcançar uma
sincronização mais precisa, fundamental para
obter o efeito.
Figura 9. Patch ParadoxicalSoundsV1.pat (adap.
Jean-Claude Risset, Catalogue, glissando
perpétuel): janela principal, subpatches UpDown e
CycleWave e tabela de onda bell_func.
Esta correcção, ao contrário das versões
posteriores de Larkin [12] e Dailleau [4],
dissocia o ciclo de amplitude do ciclo de
afinação permitindo a geração de dois tipos
de sons, o glissando perpétuo e o som sem
uma oitava fixa. Mais recentemente, uma
segunda versão do patch
(ParadoxicalSoundsV2.pat) propõe uma
abordagem ainda mais global, integrando o
paradoxo do ritmo do Knowlton, também
utilizado por Risset.
Retardo com ou sem retroacção
O retardo com ou sem retroacção consiste na
transformação da reprodução de um ficheiro
de áudio através da sobreposição de cópias
deslocadas do mesmo ficheiro. O ajuste de
António de Sousa Dias (2007)
Duas contribuições para a pedagogia da música electroacústica e da informática musical
8
retroacção (feedback) impõe ao som um
reforço de certas frequências (ressonância)
simulando o comportamento de um filtro em
pente (comb filter).
Na verdade, esta técnica é baseada em duas
equações quase equivalentes:
𝑦𝑛 = 𝑎𝑥𝑛 + 𝑏𝑥𝑛−𝑘 (2)
e
𝑦𝑛 = 𝑎𝑥𝑛 + 𝑏𝑦𝑛−𝑘 (3)
A equação (2) representa um filtro não
recursivo de ordem k (correspondente à
adição do original com a sua cópia deslocada
por k amostras) enquanto a equação (3)
representa um filtro recursivo de ordem k.
O interesse desta técnica reside na
possibilidade de impor uma estrutura
harmónica sobre o som, deslocando
diferentes cópias do mesmo. Um exemplo
notável do seu uso pode ser encontrado no
terceiro movimento de Sud de Risset.
Figura 10. Patch delaiRectro (adap. Jean-Claude
Risset, Sud): janela principal e subpatches
TunedDelayLine2-2FB e DelFBph.
Observações finais
No caso dos sinos, os patches que permitem
a sua manipulação tornam possível
transcrever os resultados obtidos em Csound,
seja exportando ficheiros de texto ou através
do objecto Csound~. O objecto
jit.cellblock permite a apresentação e
edição do ficheiro de texto que representa a
partitura a ser enviada para Csound.
Um dos interesses destes patches reside na
possibilidade de utilizar diferentes formas de
onda e realizar interpolações em tempo real.
Mas o mais importante é a
complementaridade entre um ambiente que
permite uma abordagem mais instintiva
(MSP) e outro mais ponderado, mas também
mais preciso do ponto de vista do
sincronismo, ao nível da amostra (Csound).
Assim, após ter escolhido materiais e
processos em MSP, pode-se produzí-los em
Csound ou gravá-los directamente.
Finalmente, em termos do uso pedagógico do
software na ESML, Turbosynth foi apenas
um passo intermédio, anterior ao Csound e
Max/MSP. Contudo, a sua disponibilidade na
altura permitiu-nos confrontar o aluno com o
problema da relação entre som e imagem (por
exemplo, a cascata harmónica) e apresentar
técnicas para obter sons inarmónicos a partir
de osciladores reproduzindo formas de onda
harmónicas (por exemplo, sinos).
CONCLUSÃO
Os dois estudos de caso aqui apresentados
foram escolhidos para alcançar determinados
objectivos no contexto da aprendizagem da
música electroacústica e da informática
musical.
Neste sentido, representam duas abordagens
baseadas num sólido conhecimento e
compreensão dos mecanismos de percepção e
no domínio dos aspectos tecnológicos. Além
disso, o seu estudo permite ao estudante
enfrentar dois momentos tecnologicamente
diferentes na história da música
electroacústica e da música de computador.
No entanto, apresentam dificuldades bem
definidas:
• no caso da transferência analógico-
digital, coloca-se o problema da
reprodução e integração dos
mecanismos de edição e
António de Sousa Dias (2007)
Duas contribuições para a pedagogia da música electroacústica e da informática musical
9
processamento do som analógico em
instrumentos digitais;
• no caso da transcodificação digital-
digital, o problema reside no delicado
equilíbrio entre a eficiência da
programação e a fidelidade da
transcrição, na manutenção do
sincronismo ao nível das amostras na
transição para o tempo real, e nas
decisões sobre a preservação ou não
de certas rotinas de processamento,
tais como as sub-rotinas PLF em
Music V.
Este quadro permite ao estudante
compreender tais dificuldades e ultrapassá-
las a fim de se concentrar nas questões
musicais em jogo, particularmente no que
respeita:
• a construção de instrumentos com um
comportamento rico não
necessariamente conforme com
"instrumentos acusticamente
viáveis"[1];
• os diferentes níveis e funções de uma
partitura;
• a articulação entre necessidades
musicais, possibilidades tecnológicas
e capacidades psicofisiológicas.
Em relação a este último ponto, e para
terminar, observemos que o glissandi
perpétuo de Risset é tornado possível por um
bom conhecimento da forma como o nosso
ouvido funciona e da sua resposta a diferentes
frequências. Também nos parece que, para
Stockhausen, a escolha do valor de 100 Hz
como ponto de partida das frequências
utilizadas e o seu intervalo permite uma
correspondência entre os imperativos seriais
e resposta auditiva, uma vez que, abaixo deste
ponto, a resposta do nosso ouvido é cada vez
menos linear.
REFERÊNCIAS
[1] Beck, S. D. « Designing Acoustically Viable
Instruments in Csound », Boulanger, R. (éd.)
The Csound Book, 2000, 155-170.
[2] Boulanger, R. (ed.) The Csound Book –
Perpectives in Software Synthesis, Sound
Design, Signal Processing and
Programming, MIT, Massachusetts, 2000.
[3] Boulanger, R. (ed.) « Selections from
Risset » in The Csound Catalog with Audio,
in Boulanger, R. (éd.) The Csound Book,
http://csounds.com/catalogfrom/.
[4] Dailleau, L., « shepard.pat » et
« shepvoice.pat », mensagem Re: shepard
tone [message #31198 is a reply to message
#31191 ],
http://www.cycling74.com/forums/, avril
2004.
[5] Di Scipio, A. « An Analysis of Jean-Claude
Risset's Contours », Journal Of New Music
Research, 29(1), 2000, 1-21.
[6] Dodge, C. ; Jerse, T. A. Computer Music:
Synthesis, Composition, and Performance.
Schirmer Books, New York, 1985.
[7] Ebbeke, K., « La vue et l’ouïe —
Problématique des partitions dans la musique
électro-acoustique », Contrechamps:
Musiques Électroniques, Vol.11. L'Âge de
l'Homme, Paris, 1990, 70-79.
[8] Eimert, H. « What is Electronic Music? » in
Eimert, Herbert; Stockhausen, Karlheinz,
(ed.) Die Reihe I. Universal Edition (Trad.
ing. Theodore Presser Co., 1957), Vienna,
1955, 1-10.
[9] Eimert, H. Elektronische Musik (Akustische
und Theoretische Grundbegriffe / Zur
Geschichte und Zur Kompositionstechnik).
Wergo Schallplattenverlag, Baden-Baden
(LP WER 60006), 1963
[10]Gather, J.-Ph. Amsterdam Catalogue of
Csound Computer Intruments v1.2,
http://www.music.buffalo.edu/hiller/accci/
(dernière consultation le 18.03.2007)
[11]Hajdu, G. « Karlheinz Stockhausen:
Elektronische STUDIE (1954), Real-time
version », patch Max/MSP « stockhausen-
studie-II.pat »,
http://www.georghajdu.de/studie_ii.html
(18.03.2007).
[12]Larkin, O. « 1 octave shepard/risset tone
patch »,
http://www.synthesisters.com/hypermail/ma
x-msp/Apr04/11481.html, 2004
(18.03.2007).
[13]Lorrain, D. Analyse de la bande magnétique
de l'œuvre de Jean-Claude Risset
"Inharmonique", Centre Georges Pompidou
(Rapport IRCAM n° 26/80), Paris, 1980.
[14]Risset, J.-C. « An introductory catalog of
computer-synthesized sounds (1969) »,
António de Sousa Dias (2007)
Duas contribuições para a pedagogia da música electroacústica e da informática musical
10
reedité dans The historical CD of digital
sound synthesis, CD Wergo 2033-2, 1995,
109-254.
[15]Risset, J.-C. « Paradoxical Sounds » in
Mathews, Max V. ; Pierce, John R. Current
directions in Computer Music Research, The
MIT Press, Cambridge (MA), 1989, 149-158.
[16]Risset, J.-C. « Additive Synthesis of
Inharmonic Tones » in Mathews, Max V. ;
Pierce, John R. Current directions in
Computer Music, The MIT Press, Cambridge
(MA), 1989, 159-163.
[17]Risset, J.-C., « Un survol de l'informatique
musicale », [1998]. http://www.ac-
rennes.fr/pedagogie/musique/risset/artscien.
htm (12.02.2007)
[18]Risset, J.-C., « Évolution des outils de
création sonore » in Vinet, H. ; Delalande, F.
(dir.). Interfaces homme-machine et création
musicale, 1999, 17-36.
[19]Risset, J.-C., Arfib, D., de Sousa Dias, A.,
Lorrain, D. Pottier, L. « De "Inharmonique" à
"Resonant Sound Spaces" : temps réel et mise
en espace » Actes des neuvièmes Journées
d’Informatique Musicale, ADERIM-GMEM,
Marseille, 2002, 83-88.
[20]Sousa Dias, A. « Transcription de fichiers
Music V vers Csound au travers de
OpenMusic », Actes des dixièmes Journées
d’Informatique Musicale, AFIM,
Montbeliard, 2003.
[21]Sousa Dias, A. L'objet sonore : Situation,
évaluation et potentialités — Un paradigme
pour la création d’outils de composition
musicale, Thèse de doctorat, Paris, Université
Paris 8, 2005.
[22]Stockhausen, K., Nr. 3 Elektronische Studie
Universal Edition, London, 1956.
[23]Stockhausen, K., « Elektronische Studie I
und II », TEXTE zur Musik, Vol. 2, Cologne :
DuMont-Buchverlag, 1964, cit. in « Studie II
(1954) Electronic Music » in Karlheinz
Stockhausen – Compact disc 3, livret, 1996,
30-39 et 123-134.
Nota biográfica:
António de Sousa Dias (Lisboa, 1959). Compositor, artista multimédia, performer e
investigador é doutorado em Estética, Ciências e Tecnologias das Artes - Música, diplomado
com o Curso Superior de Composição e professor Associado com agregação na Faculdade de
Belas Artes (Universidade de Lisboa). Autor de obras explorando diversos géneros
(instrumental, electroacústico, misto), música para cinema e audiovisuais (ficção,
documentário, animação), performance, teatro musical e cruzamentos disciplinares. No seu
percurso, o multimédia, a instalação e a criação visual também desempenham um papel
importante.

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Duas técnicas para ensino de música digital

  • 1. Duas contribuições para a pedagogia da música electroacústica e da informática musical António de Sousa Dias a.sousadias@belasartes.ulisboa.pt Universidade de Lisboa, Faculdade de Belas-Artes Largo da Academia Nacional de Belas-Artes 1249-058 Lisboa, Portugal Versão portuguesa de: Sousa Dias, A. (2007). Deux contributions à la pédagogie de la musique électroacoustique et l’informatique musicale. Actes des Journées d’Informatique Musicale. AFIM/GRAME, Lyon. https://hal.archives-ouvertes.fr/hal-03105424 RESUMO Apresentamos aqui algumas das ferramentas que desenvolvemos durante os nossos cursos de música electroacústica na Escola Superior de Música de Lisboa e os anos do nosso doutoramento [21]. O principal objectivo da utilização destas ferramentas no ensino da composição era o de permitir aos alunos pensar, compreender e integrar diferentes tipos de síntese sonora independentemente do software utilizado e, por outro lado, confrontar-se com uma prática já existente nas obras de certos autores. Os exemplos escolhidos referem-se à modelação de uma secção de Electronische Studie II (1954), de Stockhausen, em Csound e parte do trabalho de Jean Claude Risset em Turbosynth, Csound e Max/MSP e podem ser transferidos a partir do site do CICM1 . Este trabalho deve-se também ao facto de, paradoxalmente, a transferência para o meio digital ter contribuído para tornar as obras mais perecíveis, devido às crescentes dificuldades de acesso a equipamentos que se tornaram obsoletos. As dificuldades encontradas e as soluções propostas visavam permitir ao estudante de composição concentrar-se nas questões musicais em questão, trabalhando sobre as obras no cerne dos seus princípios. INTRODUÇÃO Em Portugal, antes da queda dos preços no final dos anos 80, era difícil para um projecto ter a garantia de se trabalhar com o mesmo sintetizador se se mudasse de estúdio. Estávamos confrontados com um duplo problema: (1) a procura de invariantes em relação a diferentes dispositivos e sistemas de síntese, visando (2) a possibilidade de transferência tecnológica como condição para a preservação das obras, sua reprodução e estudo. Devido à nossa própria prática pedagógica, bem como ao estabelecimento de uma pedagogia da música electroacústica 1 https://cicm.univ-paris8.fr/ ou, para actualizações mais recentes: https://github.com/asousadias?tab=repositories adaptada à realidade portuguesa nos anos 90, foi necessário transformar esta situação. O nosso envolvimento pessoal no ensino da música electroacústica (incluindo a síntese sonora) na Escola Superior de Música de Lisboa (ESML) levou-nos naturalmente à pesquisa de casos de estudo, em particular a partir do trabalho de Jean Claude Risset. De acordo com este, os problemas na música de computador devem-se à "velocidade da mudança tecnológica [que] torna rapidamente obsoletos equipamentos especializados, o que dificulta a constituição de um corpo de conhecimentos, o aprofundamento de uma tradição de composição e interpretação e de escuta e a decantação de "clássicos". É portanto importante
  • 2. António de Sousa Dias (2007) Duas contribuições para a pedagogia da música electroacústica e da informática musical 2 assegurar a portabilidade dos dispositivos tecnológicos para a realização do som, especialmente se for realizada em tempo real e não "sobre suporte", ou seja, sob a forma de uma gravação". "Muitas abordagens significativas são mal compreendidas, ignoradas ou esquecidas. A Musicologia está mal equipada para responder a abordagens de música por computador, faltando documentos imediatamente utilizáveis, tal como uma partitura tradicional. No entanto, a maior parte das vezes, estes documentos existem, mas precisam de ser postos "a limpo". [17] Nisto, Risset concorda com Marc Battier, pois afirma que "pode portanto dizer-se com Marc Battier (1992) que o uso de ferramentas de software que são programas Music n e seus derivados, um "ambiente reticulado", favoreceu o desenvolvimento de uma "economia de troca" no que diz respeito ao know-how sonoro. O aumento do know-how tem assim proporcionado vias para ferramentas de criação de som, ou, se se preferir, chaves para construir as suas próprias ferramentas de criação virtual usando estes conjuntos de ferramentas de software". [18] Nesta perspectiva, retomamos aqui dois aspectos do trabalho que tínhamos desenvolvido na altura: o estudo e transcrição da primeira secção do Electronische Studie II de Stockhausen e das técnicas descritas por Risset. VISÃO GERAL Ao contrário das obras destinadas a ser tocadas ao vivo, Electronische Studie II não é suposto ser "tocado": é geralmente aceite que a gravação é a obra e que não é para ser refeita (executada), mas para ser reproduzida. Contudo, Stockhausen, tal como Risset [14], expressou o desejo de transmitir [23] as "receitas de fabrico", o que permite um confronto entre o resultado registado e a implementação das prescrições da partitura. Assim, o interesse de apresentar e discutir uma simulação da primeira secção da obra em Csound é que esta modelação nos permitiu ter uma visão mais clara desta obra e da abordagem empreendida para a construção de instrumentos que exibem um carácter sonoro não estacionário. No que diz respeito à implementação das técnicas digitais desenvolvidas por Risset em outros ambientes, trata-se de uma transferência do digital para o digital, ou seja, uma transcodificação. Quatro exemplos de síntese são dados aqui: • Modelação de um sino; • Cascata harmónica; • Glissando / mudança perpétua de oitava; • Retardo com ou sem retroacção. Iremos concentrar-nos principalmente nos Sinos e na Cascata Harmónica, que transferimos em primeiro lugar para Turbosynth. A razão desta escolha é pedagógica porque nos permitiu formular muitas outras questões sobre a eficiência da programação dos sintetizadores (mesmo os analógicos) e sobre a percepção. É, portanto, um aspecto da problemática da transferência de técnicas desenvolvidas em meio digital no que diz respeito à durabilidade das obras e à necessidade de estabelecer uma base de trabalho para o estabelecimento de uma tradição. O problema poderia ter sido abordado de uma forma diferente: certas formas de composição não podem ser baseadas numa abordagem empírica enraizada numa manipulação rápida de certos parâmetros. No entanto, estas formas requerem métodos e meios que racionalizem o tempo despendido à espera de resultados a fim de tornar eficiente o ciclo de retroacção da acção-percepção. O problema é colocado por Risset: o tempo real não satisfaz uma composição reflexiva. Mas de que tempo real estamos a falar? É o tempo real de actuação, da reacção imediata a um estímulo externo em vista de um resultado rápido, ou é, pelo contrário, a
  • 3. António de Sousa Dias (2007) Duas contribuições para a pedagogia da música electroacústica e da informática musical 3 preocupação de ter uma ideia prévia e aproximada de um resultado sintético? No que diz respeito às nossas implementações em Max/MSP, propomos em resposta uma dupla abordagem: por um lado, uma ideia precisa do tipo de técnica a implementar e, por outro, o facto de disponibilizar meios, quer para a experimentação quer para a memorização dos resultados, com vista a trabalhar neles localmente com maior precisão. O nosso principal objectivo reside na manipulação de morfologias, tornando-as mais directamente acessíveis, sem perda de precisão de controlo ao nível do acesso a cada parâmetro. A nossa investigação permitiu-nos considerar o estudo de um domínio da síntese sonora focalizada na composição musical, adaptando estas mesmas obras a diferentes ambientes musicais como Csound, OpenMusic ou Max/MSP, e nós próprios temos vindo a utilizar adaptações destas "receitas" de síntese nas nossas obras electroacústicas e instrumentais desde o início dos anos 90. O ELEKTRONISCHE STUDIE II (1954) DE STOCKHAUSEN Para o Elektronische Studie II (1954) de Stockhausen, as orquestras e partituras Csound que apresentamos2 propõem uma simulação do início da obra em duas versões. Conscientes das dificuldades reportadas por Ebbeke [7], fizemos uma primeira transcrição respeitando o nível da superfície da parte comummente designada por "partitura": a indicação da disposição temporal dos eventos e do seu comportamento global. Assim, o nosso primeiro passo (ficheiros studie IIa.orc e studie IIa.sco) consistiu na transcrição da partitura e na concepção da orquestra. Decidimos conceber a orquestra como um instrumento que se divide em cinco variantes: cada número de instrumentos corresponde a 2 https://github.com/asousadias/Stockhausen_Elektroni schStudie2_1954 um tipo de complexo sonoro (Tongemisch3 ). Obviamente, estes instrumentos não produzem o resultado que se ouve na obra. De facto, na época Stockhausen procurava formas de ultrapassar o carácter muito estático do material de Elektronische Studie I, integrando certas famílias de ruídos na composição [23]. Na partitura [22], Stockhausen descreve o método de obtenção de tais sons. A segunda versão da orquestra tem em conta toda a informação da partitura, ou seja, os instrumentos criados simulam a possibilidade de obter sons próximos dos da obra, embora por um percurso sinuoso (em tempo real e não antecipadamente). O accionamento do instrumento provoca uma sucessão de impulsos respeitando as frequências e durações indicadas para ser enviado para uma câmara de reverberação fixada em 10 segundos. O resultado, capturado após meio segundo, está sujeito à modulação dinâmica da forma; ou seja, nenhum som produzido pelo instrumento é ouvido durante o seu primeiro segundo de activação. A única modificação à partitura é a adição de um segundo à duração de cada evento (ficheiros studie IIb.orc e studie IIb.sco). Este resultado é mais convincente do que o primeiro, porque traduz mais fielmente a partitura no que diz respeito às disposições temporais, mas especialmente pelo método de obtenção dos resultados. Além disso, este procedimento permite-nos uma aproximação às intenções de Stockhausen [23]: "No Studie II, foi utilizado um procedimento especial para obter os eventos sonoros não estacionários (devido à falta de sistemas de filtragem suficientemente refinados), o que tornou possível integrar a família do ruído na composição". Esta afirmação contradiz a ideia veiculada por Ebbeke, de que o uso da câmara de eco 3 Stockhausen emprega aqui a terminologia proposta por Eimert, cf. [8] e [9].
  • 4. António de Sousa Dias (2007) Duas contribuições para a pedagogia da música electroacústica e da informática musical 4 "dá às misturas sonoras uma coloração que o «projecto original» não previa". [7] Figura 1. Sonogramas do início do Electronisch Studie II: a) original; b) simulação 1 (frequências, intensidades e durações); c) simulação 2 (semelhante à versão 1 com a adição do procedimento para obtenção dos sons) - note-se a similaridade entre a) e c). O patch Max/MSP que acompanha os ficheiros Csound consiste num sintetizador monofónico e oferece as mesmas duas abordagens em tempo real. O patch de Georg Hajdu [11], embora notável, não respeita o ponto essencial do dispositivo de Stockhausen: tal como a nossa primeira variante (e apesar da reverberação) ouvimos os osciladores durante toda a duração de cada complexo sonoro. No entanto, a prescrição de Stockhausen apenas prevê a audição do resultado através da reverberação: ela é o som em si e não um efeito acrescentado. Além disso, a alimentação da reverberação com fragmentos sonoros não prolongados (do tipo impulso) também contribui para o carácter sonoro particular desta obra. 4 https://github.com/asousadias/Risset_CsoundPatches 5 https://github.com/asousadias/Risset_MaxPatches 6 Uma primeira versão dos patches OpenMusic, Csound e Max/MSP foram depositados no Forum TRANSFERÊNCIA DE TÉCNICAS DIGITAIS: DE MUSIC V PARA MAX/MSP; O TRABALHO DE JEAN CLAUDE RISSET As escolhas de Dodge [6] representam um bom exemplo da contribuição da Risset para a preservação do conhecimento e da investigação, do ponto de vista científico, artístico e pedagógico. Tomámos aqui duas direcções: transcrição para sistemas semelhantes (reescrita de ficheiros Music V em Csound) e transferência para outros ambientes (reescrita em OpenMusic [20] ou Max/MSP e Turbosynth). Os ficheiros Csound propostos4 são exemplos de transcrições extraídas do Catalogue... (1969) [14], de Ihnarmonique (1977) [13] e de Countours (1982) [5]. Algumas das nossas transcrições não são as primeiras e é possível encontrar propostas retomadas em Boulanger [3] e Garder [10]. No entanto, têm o mérito de ter um estilo de codificação mais próximo das listagens Music V, o que permite ao estudante ter um contacto mais directo com os textos originais, especialmente [14] e [13]. Os patches Max/MSP5 são os primeiros em termos de transcodificação de algumas das técnicas da Risset neste ambiente6 : • Modelação de um sino; • Cascata harmónica; • Sons paradoxais; • Retardo com ou sem retroacção. Sinos e Resonant Sound Spaces - PLF6 A implementação dos sinos de acordo com os modelos descritos pela Risset e codificados de acordo com as informações fornecidas por Risset [16], Lorrain [13] e Dodge [6] permitiu-nos considerar diferentes formas de transcrição. Ircam em 2001 (não disponível). Recomendamos em alternativa: https://github.com/asousadias?tab=repositories
  • 5. António de Sousa Dias (2007) Duas contribuições para a pedagogia da música electroacústica e da informática musical 5 A primeira destas transferências deu-se para Turbosynth, software disponível à época na ESML. O interesse pedagógico neste exercício era duplo: por um lado, considerar uma síntese económica em termos do uso dos osciladores e, por outro lado, mostrar a importância da percepção para a definição de certos contextos mais ou menos harmónicos. Esta proposta empregava dois osciladores com uma tabela de ondas contendo apenas harmónicos superiores (a partir do 5.º harmónico). Assim a relação entre estes harmónicos torna-se quase inarmónica devido à ausência dos primeiros harmónicos, e ao facto da fundamental ter uma frequência muito baixa (aqui 22,0 Hz para o primeiro oscilador e 22,2 Hz para o segundo). Começámos então a transcodificar em Csound, em particular a passagem inicial de Mutations (1969) e as passagens usando sinos em Inharmonique (1977). Depois considerámos fazer um patch Max/MSP para obter estes sons. Figura 2. Patch Turbosynth Bell2 example (adap. Jean-Claude Risset): janela principal e conteúdo harmónico dos dois osciladores. O offset entre os dois osciladores gera os batimentos que tornam o som mais vivo (aqui os 5.º harmónicos têm frequências de 110 e 111 Hz respectivamente). Acrescentámos a este patch a possibilidade de preparar uma partitura Csound, permitindo salvaguardar certas escolhas de forma de onda para as envolventes de amplitude e activação de eventos. Figura 3. Patch Bell-2Csound (adap. Jean-Claude Risset: definições para a simulação de sinos): janela principal. Isto completa um ciclo onde, partindo de software como Music V, que tem como base instruções em forma de texto discreto, e passando por Max/MSP/Jitter, onde a comunicação é efectuada através de interfaces gráficas, privilegia-se o gesto para retornar aos ficheiros de texto, desta vez em Csound. Este trabalho permitiu a Daniel Arfib adaptar outro patch mais desenvolvido e flexível [19], para a obra de Jean-Claude Risset, Resonant Sound Spaces. Este patch, <plf6>, é baseado numa implementação em Music V que permite a geração de estruturas inarmónicas. Tomámos este patch e introduzimos modificações para estudar as novas possibilidades oferecidas pelo objecto poly~ cuja implementação em Max/MSP era bastante recente na época. Ao substituir as cópias do patch bell-abs pela sua integração no objecto poly~, bem como os objectos break point function editor pelo objecto zigzag~, a nossa implementação permite: • uma "quase-polifonia": o envio dos gatilhos dos componentes sucessivos de forma circular para o objecto poly~, definido para 50 vozes, permite uma "sequencialidade paralela"; • o uso de definições de estruturas com um número variável de componentes: na versão para Resonant Sound
  • 6. António de Sousa Dias (2007) Duas contribuições para a pedagogia da música electroacústica e da informática musical 6 Space, as estruturas são sempre definidas por 11 componentes, enquanto nema Inharmonique, o seu número é variável. Figura 4. Patch plf6 (adap. Jean-Claude Risset, Resonant Sound Spaces, patch PLF6): janela principal. A Cascata Harmónica A cascata harmónica resulta da aplicação do fenómeno conhecido como "batimentos" ao caso em que existem muitos componentes. A fim de melhor compreender o problema em causa, apresentamos aqui o fenómeno com apenas duas componentes. A fórmula para tal é a seguinte: 𝑠𝑒𝑛(𝜔1) + 𝑠𝑒𝑛(𝜔2) = 2. 𝑠𝑒𝑛( 𝜔1+𝜔2 2 ). 𝑐𝑜𝑠( 𝜔1−𝜔2 2 ) (1) com 1 = 2πf1 e 2 = 2πf2. Assim, podemos ver que o termo 𝑐𝑜𝑠( 𝜔1 − 𝜔2 2 ) impõe uma modulação de amplitude no sinal, especialmente se as frequências f1 e f2 forem muito próximas. No caso de múltiplos componentes, o efeito será ainda mais acentuado e, no caso de sons compostos por harmónicos, estes terão uma "pulsação" cuja velocidade é proporcional à velocidade da pulsação da fundamental. Isto causa um efeito de cascata dos harmónicos do som, enfatizando-os individualmente, um efeito que é ainda mais acentuado quando se tratam dos componentes da região inferior do espectro, ou seja, dos primeiros harmónicos. Figura 5: Exemplo de uma cascata harmónica: forma de onda, sonagrama e transcrição aproximada (adap. Jean-Claude Risset, Inharmonique, 1977). De facto, o uso de Risset em Inharmonique aplica-se geralmente aos harmónicos 4 a 10, ou seja, com proporções entre eles que os situa numa relação entre si tal como numa escala ou num arpejo. Figura 6. Cascata harmónica, patch Turbosynt (adap. Jean-Claude Risset): janela principal e forma de onda utilizada. Devido à sua proximidade em afinação, se olharmos e ouvirmos cada oscilador separadamente somos levados a imaginar erroneamente que o resultado consistirá no mero reforço de um mesmo som, quando este não é o caso. Para a implementação Max/MSP da Cascata Harmónica acrescentámos duas características:
  • 7. António de Sousa Dias (2007) Duas contribuições para a pedagogia da música electroacústica e da informática musical 7 • a forma de onda é editável, seja em tempo real ou um harmónico de cada vez, embora a tabela utilizada esteja limitada aos 64 primeiros harmónicos de um som; • a forma de onda pode resultar da interpolação entre duas formas de onda; isto cria um movimento duplo: o movimento do entrelaçamento dos batimentos dos harmónicos e a transformação destes na composição do espectro. Figura 7. Patch cascadeHarmonique (adap. Jean- Claude Risset, Inharmonique, 1977): janela principal. As outras características do patch relacionam-se com o controlo de parâmetros tais como a velocidade da cascata, que pode ser definida em Hertz ou em segundos. Figura 8. Patch cascadeHarmonique (adap. Jean- Claude Risset, Inharmonique, 1977): janela para interpolação de formas de onda. Sons paradoxais O glissando perpétuo e os sons sem oitava fixa pertencem a uma classe de sons denominados de sons paradoxais [15] por Risset, devido à sua implausibilidade. A última versão da realização Max/MSP foi melhorada no que respeita o sincronismo ao nível das amostras e é aqui proposta em duas versões. Temos usado mais extensivamente o objecto phasor~ e o objecto rate~. Este último, conduzindo os objectos do cycle~ através da fase controlada pelo objecto phasor~, permite alcançar uma sincronização mais precisa, fundamental para obter o efeito. Figura 9. Patch ParadoxicalSoundsV1.pat (adap. Jean-Claude Risset, Catalogue, glissando perpétuel): janela principal, subpatches UpDown e CycleWave e tabela de onda bell_func. Esta correcção, ao contrário das versões posteriores de Larkin [12] e Dailleau [4], dissocia o ciclo de amplitude do ciclo de afinação permitindo a geração de dois tipos de sons, o glissando perpétuo e o som sem uma oitava fixa. Mais recentemente, uma segunda versão do patch (ParadoxicalSoundsV2.pat) propõe uma abordagem ainda mais global, integrando o paradoxo do ritmo do Knowlton, também utilizado por Risset. Retardo com ou sem retroacção O retardo com ou sem retroacção consiste na transformação da reprodução de um ficheiro de áudio através da sobreposição de cópias deslocadas do mesmo ficheiro. O ajuste de
  • 8. António de Sousa Dias (2007) Duas contribuições para a pedagogia da música electroacústica e da informática musical 8 retroacção (feedback) impõe ao som um reforço de certas frequências (ressonância) simulando o comportamento de um filtro em pente (comb filter). Na verdade, esta técnica é baseada em duas equações quase equivalentes: 𝑦𝑛 = 𝑎𝑥𝑛 + 𝑏𝑥𝑛−𝑘 (2) e 𝑦𝑛 = 𝑎𝑥𝑛 + 𝑏𝑦𝑛−𝑘 (3) A equação (2) representa um filtro não recursivo de ordem k (correspondente à adição do original com a sua cópia deslocada por k amostras) enquanto a equação (3) representa um filtro recursivo de ordem k. O interesse desta técnica reside na possibilidade de impor uma estrutura harmónica sobre o som, deslocando diferentes cópias do mesmo. Um exemplo notável do seu uso pode ser encontrado no terceiro movimento de Sud de Risset. Figura 10. Patch delaiRectro (adap. Jean-Claude Risset, Sud): janela principal e subpatches TunedDelayLine2-2FB e DelFBph. Observações finais No caso dos sinos, os patches que permitem a sua manipulação tornam possível transcrever os resultados obtidos em Csound, seja exportando ficheiros de texto ou através do objecto Csound~. O objecto jit.cellblock permite a apresentação e edição do ficheiro de texto que representa a partitura a ser enviada para Csound. Um dos interesses destes patches reside na possibilidade de utilizar diferentes formas de onda e realizar interpolações em tempo real. Mas o mais importante é a complementaridade entre um ambiente que permite uma abordagem mais instintiva (MSP) e outro mais ponderado, mas também mais preciso do ponto de vista do sincronismo, ao nível da amostra (Csound). Assim, após ter escolhido materiais e processos em MSP, pode-se produzí-los em Csound ou gravá-los directamente. Finalmente, em termos do uso pedagógico do software na ESML, Turbosynth foi apenas um passo intermédio, anterior ao Csound e Max/MSP. Contudo, a sua disponibilidade na altura permitiu-nos confrontar o aluno com o problema da relação entre som e imagem (por exemplo, a cascata harmónica) e apresentar técnicas para obter sons inarmónicos a partir de osciladores reproduzindo formas de onda harmónicas (por exemplo, sinos). CONCLUSÃO Os dois estudos de caso aqui apresentados foram escolhidos para alcançar determinados objectivos no contexto da aprendizagem da música electroacústica e da informática musical. Neste sentido, representam duas abordagens baseadas num sólido conhecimento e compreensão dos mecanismos de percepção e no domínio dos aspectos tecnológicos. Além disso, o seu estudo permite ao estudante enfrentar dois momentos tecnologicamente diferentes na história da música electroacústica e da música de computador. No entanto, apresentam dificuldades bem definidas: • no caso da transferência analógico- digital, coloca-se o problema da reprodução e integração dos mecanismos de edição e
  • 9. António de Sousa Dias (2007) Duas contribuições para a pedagogia da música electroacústica e da informática musical 9 processamento do som analógico em instrumentos digitais; • no caso da transcodificação digital- digital, o problema reside no delicado equilíbrio entre a eficiência da programação e a fidelidade da transcrição, na manutenção do sincronismo ao nível das amostras na transição para o tempo real, e nas decisões sobre a preservação ou não de certas rotinas de processamento, tais como as sub-rotinas PLF em Music V. Este quadro permite ao estudante compreender tais dificuldades e ultrapassá- las a fim de se concentrar nas questões musicais em jogo, particularmente no que respeita: • a construção de instrumentos com um comportamento rico não necessariamente conforme com "instrumentos acusticamente viáveis"[1]; • os diferentes níveis e funções de uma partitura; • a articulação entre necessidades musicais, possibilidades tecnológicas e capacidades psicofisiológicas. Em relação a este último ponto, e para terminar, observemos que o glissandi perpétuo de Risset é tornado possível por um bom conhecimento da forma como o nosso ouvido funciona e da sua resposta a diferentes frequências. Também nos parece que, para Stockhausen, a escolha do valor de 100 Hz como ponto de partida das frequências utilizadas e o seu intervalo permite uma correspondência entre os imperativos seriais e resposta auditiva, uma vez que, abaixo deste ponto, a resposta do nosso ouvido é cada vez menos linear. REFERÊNCIAS [1] Beck, S. D. « Designing Acoustically Viable Instruments in Csound », Boulanger, R. (éd.) The Csound Book, 2000, 155-170. [2] Boulanger, R. (ed.) The Csound Book – Perpectives in Software Synthesis, Sound Design, Signal Processing and Programming, MIT, Massachusetts, 2000. [3] Boulanger, R. (ed.) « Selections from Risset » in The Csound Catalog with Audio, in Boulanger, R. (éd.) The Csound Book, http://csounds.com/catalogfrom/. [4] Dailleau, L., « shepard.pat » et « shepvoice.pat », mensagem Re: shepard tone [message #31198 is a reply to message #31191 ], http://www.cycling74.com/forums/, avril 2004. [5] Di Scipio, A. « An Analysis of Jean-Claude Risset's Contours », Journal Of New Music Research, 29(1), 2000, 1-21. [6] Dodge, C. ; Jerse, T. A. Computer Music: Synthesis, Composition, and Performance. Schirmer Books, New York, 1985. [7] Ebbeke, K., « La vue et l’ouïe — Problématique des partitions dans la musique électro-acoustique », Contrechamps: Musiques Électroniques, Vol.11. L'Âge de l'Homme, Paris, 1990, 70-79. [8] Eimert, H. « What is Electronic Music? » in Eimert, Herbert; Stockhausen, Karlheinz, (ed.) Die Reihe I. Universal Edition (Trad. ing. Theodore Presser Co., 1957), Vienna, 1955, 1-10. [9] Eimert, H. Elektronische Musik (Akustische und Theoretische Grundbegriffe / Zur Geschichte und Zur Kompositionstechnik). Wergo Schallplattenverlag, Baden-Baden (LP WER 60006), 1963 [10]Gather, J.-Ph. Amsterdam Catalogue of Csound Computer Intruments v1.2, http://www.music.buffalo.edu/hiller/accci/ (dernière consultation le 18.03.2007) [11]Hajdu, G. « Karlheinz Stockhausen: Elektronische STUDIE (1954), Real-time version », patch Max/MSP « stockhausen- studie-II.pat », http://www.georghajdu.de/studie_ii.html (18.03.2007). [12]Larkin, O. « 1 octave shepard/risset tone patch », http://www.synthesisters.com/hypermail/ma x-msp/Apr04/11481.html, 2004 (18.03.2007). [13]Lorrain, D. Analyse de la bande magnétique de l'œuvre de Jean-Claude Risset "Inharmonique", Centre Georges Pompidou (Rapport IRCAM n° 26/80), Paris, 1980. [14]Risset, J.-C. « An introductory catalog of computer-synthesized sounds (1969) »,
  • 10. António de Sousa Dias (2007) Duas contribuições para a pedagogia da música electroacústica e da informática musical 10 reedité dans The historical CD of digital sound synthesis, CD Wergo 2033-2, 1995, 109-254. [15]Risset, J.-C. « Paradoxical Sounds » in Mathews, Max V. ; Pierce, John R. Current directions in Computer Music Research, The MIT Press, Cambridge (MA), 1989, 149-158. [16]Risset, J.-C. « Additive Synthesis of Inharmonic Tones » in Mathews, Max V. ; Pierce, John R. Current directions in Computer Music, The MIT Press, Cambridge (MA), 1989, 159-163. [17]Risset, J.-C., « Un survol de l'informatique musicale », [1998]. http://www.ac- rennes.fr/pedagogie/musique/risset/artscien. htm (12.02.2007) [18]Risset, J.-C., « Évolution des outils de création sonore » in Vinet, H. ; Delalande, F. (dir.). Interfaces homme-machine et création musicale, 1999, 17-36. [19]Risset, J.-C., Arfib, D., de Sousa Dias, A., Lorrain, D. Pottier, L. « De "Inharmonique" à "Resonant Sound Spaces" : temps réel et mise en espace » Actes des neuvièmes Journées d’Informatique Musicale, ADERIM-GMEM, Marseille, 2002, 83-88. [20]Sousa Dias, A. « Transcription de fichiers Music V vers Csound au travers de OpenMusic », Actes des dixièmes Journées d’Informatique Musicale, AFIM, Montbeliard, 2003. [21]Sousa Dias, A. L'objet sonore : Situation, évaluation et potentialités — Un paradigme pour la création d’outils de composition musicale, Thèse de doctorat, Paris, Université Paris 8, 2005. [22]Stockhausen, K., Nr. 3 Elektronische Studie Universal Edition, London, 1956. [23]Stockhausen, K., « Elektronische Studie I und II », TEXTE zur Musik, Vol. 2, Cologne : DuMont-Buchverlag, 1964, cit. in « Studie II (1954) Electronic Music » in Karlheinz Stockhausen – Compact disc 3, livret, 1996, 30-39 et 123-134. Nota biográfica: António de Sousa Dias (Lisboa, 1959). Compositor, artista multimédia, performer e investigador é doutorado em Estética, Ciências e Tecnologias das Artes - Música, diplomado com o Curso Superior de Composição e professor Associado com agregação na Faculdade de Belas Artes (Universidade de Lisboa). Autor de obras explorando diversos géneros (instrumental, electroacústico, misto), música para cinema e audiovisuais (ficção, documentário, animação), performance, teatro musical e cruzamentos disciplinares. No seu percurso, o multimédia, a instalação e a criação visual também desempenham um papel importante.