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Os segredos que mestres de RPG
podem aprender com o teatro do
improviso
Olá, meu nome é Leonardo Bighi, escritor do site ​regrasdojogo.com​, um site sobre
RPG e jogos de tabuleiro.
Eu comecei a jogar RPG aos 14 anos, na década de 90. Eu mestrava muito mal. E foi
só depois de mais de 10 anos jogando que eu aprendi o segredo para que as partidas
sejam fantásticas.
Não cometa o mesmo erro que eu.
No começo, eu tinhas sessões boas e sessões ruins. Algumas faziam os jogadores
prestarem atenção em cada palavra que eu digo. Em outras, eles ficavam distraídos,
conversando sobre cavaleiros do zodíaco ou algo assim.
Isso parece com as suas sessões de RPG?
A primeira coisa que eu tentei foi planejar bem as aventuras antes de jogar. Não deu
certo. E o que eu fiz, então, foi planejar as coisas ainda mais.
Eu demorei pra perceber que planejar demais só fazia eu manter o jogo nos trilhos da
história que eu tinha imaginado.
Isso deixava meu grupo desanimado. Quanto mais eu mantia o jogo nos trilhos, mais
eu negava a participação deles na história.
Consegue imaginar o resultado?
Pois é, deu menos certo ainda. Meu grupo acabou até abandonando o RPG por um
tempo.
Foi só depois de muitos anos (e muitos testes) que eu descobri o grande segredo pra
ter partidas muito divertidas. E ele estava na minha cara o tempo todo.
A partida só vai ser muito divertida se eu:
1. Parar de negar a participação dos outros
2. Deixar todo mundo contribuir igualmente para a história
3. Improvisar e deixar a história seguir o caminho que está seguindo, por mais
maluco que seja.
O mais engraçado é que eu só compreendi completamente esses pontos quando
comecei a estudar uma outra área completamente diferente: o teatro do improviso.
Foi só começar a improvisar que eu percebi que quase todas as dicas deles serviam
para tornar as partidas de RPG muito, muito melhores.
Depois de muito tempo usando as dicas do teatro do improviso pra deixar meu RPG
melhor, eu resolvi explicar de forma bem profunda como isso funciona.
Este livro surgiu como uma série de artigos no site ​regrasdojogo.com​. Agora todo o
texto foi compilado num livro curto para sua conveniência. Aproveite.
Se você leu esse livro até aqui, você tem interesse no assunto, então deve gostar do
que vem a seguir.
O que mestres de RPG podem aprender com o teatro do
improviso, o livro
No primeiro capítulo, eu começo com a dica mais básica do teatro do improviso: não
dizer não. Quando você diz não, você nega a contribuição da outra pessoa na história.
No segundo capítulo eu explico então como dizer sim. Porque não basta
simplesmente aceitar tudo. Tem que haver desafio, tem que haver consistência no
mundo de jogo. É importante saber como dizer sim.
No capítulo 3 eu toco num ponto importante que leva os mestres a planejarem
demais e controlarem demais a história. Eu lembro aos mestres que eles não
constróem a história sozinhos.
Mas aí tem um outro problema. Muita gente que até quer improvisar acaba não
sabendo como fazer. Eles já vem com ideias prontas. Então no capítulo 4 eu ensino o
truque de pensar em ideias abertas, não resultados.
O capítulo 5 traz uma dica polêmica. É o tipo de coisa que vai contra a sua intuição. O
ponto é que pra ser realmente criativo no improviso você tem que parar de tentar ser
criativo.
E aí mesmo que agora você esteja improvisando e aceitando a contribuição dos
jogadores, você pode estar manipulando os jogadores sem perceber. Você sabia que a
forma como você faz perguntas influencia as ações deles? Nem eu. Então leia o
capítulo 6: não diga aos jogadores o que fazer.
No capítulo 7 começo a fechar todos os pontos. Porque quando você está
improvisando e deixando os jogadores guiarem parte da história, é importante
manter a ilusão.
E finalizando o livro, a dica que pode ser a mais importante de todas. Não basta
improvisar. Tem que saber como se preparar pra improvisar.
Sua opinião
Eu queria ter um feedback de outros mestres.
Meu método te ajudou? Você conseguiu fazer aventuras que são divertidas a cada
sessão?
Entre em contato com dúvidas, problemas que você teve, sugestões de como
melhorar, etc.
Capítulo 1 - Não diga Não
Numa partida de RPG, nós estamos o tempo todo reagindo às ações dos outros.
Jogadores reagem ao que o Mestre coloca em jogo. Mestres reagem às ações dos
jogadores. Mesmo que alguns mestres esqueçam disso, este é um jogo de improviso.
Isso é muito parecido com o teatro de improviso, onde os atores sobem ao palco sem
roteiro e precisam improvisar ali na hora. Então comecei este livro sobre o que o
mestre de RPG pode aprender com o teatro de improviso. Primeiro de tudo, a regra
de ouro deles: nunca negar o que o outro ator inventou. Aceite e construa por cima.
Não diga não
Uma das maiores regras no teatro de improviso é esta: não diga não.
Ao dizer não, você nega a contribuição do jogador, qualquer que ela tenha sido. Você
impede ele de contribuir para a história, quando todos nós (sejamos mestres ou
jogadores) estamos reunidos ao redor da mesa para contribuirmos para uma história
coletiva.
Isso vale tanto para quando o jogador tenta uma ação diferente no combate (quantas
vezes já neguei algo criativo num combate de D&D…), quanto para ações fora de
combate ou até mesmo perguntas.
Nós negamos por instinto
Uma coisa que é verdade pra mim e pra vários outros mestres com quem conversei é
que acabamos negando as coisas por instinto. A gente tem uma visão do que é o
mundo, sobre o que é a aventura. E negamos qualquer coisa que fuja disso. Mas os
jogadores tem uma outra visão. Ou, ainda mais provável, eles ainda não tem visão
nenhuma formada.
Isso acontece ainda mais com mestres iniciantes. Quando estamos começando, é
muito fácil a gente já bolar a história inteira na cabeça e tentar forçar a partida
naquela direção. A gente já planeja que o mago das trevas vai derrotar o grupo e
fugir, e então nega qualquer coisa que leve a história numa direção diferente. Eu já
fiz muito isso nos meus 15 anos, ainda engatinhando nessa coisa louca que é mestrar
um jogo.
Perguntas diferentes são sugestões
Quando o grupo chega numa nova cidade e o jogador pergunta se tem alguém que
pode ensinar ele a invocar a bênção do deus da guerra, ele não está só querendo
saber algo da cidade. Isso é também uma sugestão de rumo que ele quer tomar com o
personagem.
Mesmo que você tenha planejado a cidade a fundo sem nenhum templo do deus da
guerra, mude seus planos agora. Diga sim para o jogador. Sim, tem um templo do
deus da guerra.
O jogador sabe o que ele vai achar divertido
Você pode até ter uma ideia do que cada jogador vai achar divertido, mas eles sabem
melhor do que você. E raramente um jogador dá uma sugestão (direta ou indireta) de
algo que ele não vai gostar no jogo.
Se um jogador sugere que estão sendo seguidos, provavelmente ele acha que isso vai
ser divertido. Se um jogador sugere um templo do deus da guerra, ele deve ter
alguma ideia em mente que ele vai gostar de levar adiante.
As sugestões dos jogadores são enormes bandeiras indicando o caminho de coisas
que eles vão achar divertidas. Aproveite!
Sugestões esquisitas tornam seu mundo único
Agora imagina se o jogador tivesse perguntando se em algum lugar próximo tem um
templo do deus da guerra onde todos os frequentadores são pacifistas. Isso não faz a
língua coçar pra dizer não sem nem pensar? "É claro que no meu mundo (ou qual
quer que seja o mundo) não tem templo da guerra pacifista!”. nossos instintos nos
fazem pensar em dizer.
Mas para. Espera. Respira e pensa comigo: E se tivesse?
Vou tentar improvisar algo aqui enquanto escrevo este artigo. Um templo do deus da
guerra numa cidade isolada. Os únicos adultos na vila são mulheres. Por que os
homens foram pra guerra. Elas odeiam a guerra. Elas querem que seus maridos
voltem vivos. Elas improvisaram o templo. Adaptaram um templo do deus da
colheita. Elas agradam o deus da guerra sacrificando parte da colheita, em vez de
guerrear.
Não é um material excepcional pra algo improvisado em um minuto, mas é assim
mesmo que surgem as coisas legais nos jogos. Se eu, que sou o mestre, tivesse criado
o mundo todo sozinho, ele seria cheio de clichês e sem surpresas. Mas dizendo sim
pra sugestões esquisitas eu acabo sendo forçado a criar coisas no improviso e coisas
assim acabam sendo únicas e diferentes.
Agora, em vez de ter mais um templo do deus da guerra frequentado por soldados, eu
tenho um templo da guerra por pessoas que cultuam o deus não em busca de glória e
vitórias em combate, mas para que ele traga seus entes queridos são e salvos da
guerra. Um templo da guerra que provavelmente vai ter várias características
diferentes, por ter sido improvisado sobre um templo do deus da colheita. Que
histórias podem surgir daí?
O jogador se sente realizado por ter contribuído com o mundo
Quando você aceita a ideia do jogador, mesmo sendo esquisita, ele também se sente
realizado e incluído. Ele sente que participou da criação do mundo. Ele sente que
está sendo ouvido e que a contribuição dele é válida.
Eu li uma matéria outro dia falando que pouco mais de 40% das demissões nas
empresas não acontecem por salários baixos, ou condições ruins de trabalho. Elas
acontecem porque a pessoa sente que seu chefe não a escuta. Que ninguém liga pro
que o funcionário está falando.
Ninguém gosta de ser ignorado. Ninguém gosta de ter suas sugestões negadas. Aceite
a contribuição do jogador, mesmo que não seja algo excepcional. Geralmente não é,
mas e daí? É só um jogo.
Finalizando
Lembre-se de tudo que podemos aprender com o teatro de improviso e como isso
pode tornar seu jogo melhor. E repita pra você mesmo: não diga não.
Vamos rever os pontos principais do capítulo.
● Não diga não. Quando você diz não, nega a participação do jogador na história
compartilhada.
● Você nega por instinto. Aprenda a resistir a ele.
● Perguntas diferentes são sugestões de rumos pra história ou pro personagem.
● O jogador sugere aquilo que ele acha divertido. Queremos histórias divertidas.
Aproveite a dica.
● O jogador se sente realizado e parte do grupo quando deixam ele contribuir.
No próximo capítulo
No teatro de improviso, eles tem a regra do “sim, e…”. Isso quer dizer aceitar a
contribuição da pessoa, e depois continuar a história acrescentando algo em cima.
No RPG, como é mais amplo e tem a questão do desafio, nós temos mais de um tipo
de resposta que podemos dar.
No próximo capítulo eu vou falar das diversas formas de você incorporar as
contribuições dos jogadores sem negar o que ele sugeriu. Ou seja, como dizer sim.
Capítulo 2 - Como Dizer Sim
No primeiro capítulo eu falei sobre a primeira dica do teatro de improviso: não diga
não. Agora é hora de vermos como dizer sim.
Aceite e construa por cima
No teatro de improviso, a regra de ouro deles pode ser resumida como “sim, e…”.
Você concorda como que o outro ator improvisou, e continua a história daí. É claro
que você não precisa levar ao pé da letra e começar as frases com “sim, e…”.
“Colocaram fogo no meu prédio!"
“Sim, e minha sogra morreu queimada com todo o meu dinheiro"
“Você queimou o dinheiro que te emprestei pra comprar a máquina do tempo?"
Essa cena que eu improvisei agora não muito divertida, mas funciona pra mostrar os
princípios. O segundo ator aceitou a criação do primeiro como verdade e construiu
em cima, adicionando mais coisa. Depois, o primeiro ator aceita a contribuição do
primeiro e constrói mais coisa em cima. E por aí vai.
Como no RPG nós temos vários “atores”, com muito mais liberdade e ainda a
necessidade de ter desafio, só dizer “sim, e…” não é o bastante. Nós podemos ampliar
essa técnica para mais de uma forma de aceitar a contribuição dos outros. Afinal,
estamos jogando pra criarmos uma história juntos.
Pare e respire
Sempre que você perceber que vai dizer não pro jogador, pare e respire. Não tem
nenhuma forma de incorporar a ação do jogador à história? Nenhuma forma de não
torná-lo impotente? Lembre-se sempre que você não é o dono da história. Você só
propôs uma situação e é o resultado das ações de todos que vai criar a história.
Nós temos que estar abertos a aceitar que a cena vá para qualquer direção. Se você
tivesse imaginado uma cena de luta com um golem na biblioteca, o jogador pode
querer algo diferente. Ele pode querer fugir. Pode querer simplesmente derrubar
todos os livros sobre o golem e tacar fogo nele, sem ficar batendo com a espada até
ele ficar sem pontos de vida.
Como podemos aceitar o que ele fez e construir por cima?
Vamos imaginar uma cena:
Mestre: "Você ouve um ruído atrás de você e vira pra olhar. Tem um golem enorme
parado do outro lado do corredor, entre as estantes de livros."
Jogador: "Eu vou derrubar as estantes."
Você queria uma cena de luta. O jogador provavelmente tem outra ideia em mente.
Não diga não. Não invente que a estante é pesada demais pra ele derrubar. Não
invente que ele não tem tempo para nada que não seja lutar. Não invente nada que
diga "eu nego sua ação, faça do meu jeito".
Veja como dizer sim e aceitar a participação do jogador.
Resposta 1: "Sim, e..."
A forma mais simples de aceitar é como fazem no teatro de improviso: aceitar
integralmente e continuar a história daí. Essa opção é interessante e é a que mais
incorpora a sugestão do jogador, mas ela pode deixar tudo muito fácil se for usada
em excesso.
"Sim, você derruba a estante. Livros caem por todo lado. O golem escorrega em um
dos livros e perde tempo passando sobre a estante caída enquanto você corre para
fora da biblioteca."
Você aceitou. Você construiu a história por cima. A história vai seguir um rumo
diferente do que você tinha imaginado, mas você não deveria ficar imaginando os
desfechos das cenas. Você está descobrindo agora como a história vai seguir, igual a
todos os jogadores. E isso é emocionante!
O que pode ser um problema aqui é que o jogador se livrou do golem fácil demais. É
muito bom deixar os heróis terem sucessos fáceis de vez em quando, faz eles se
sentirem heróicos. Mas isso o tempo todo pode acabar com o drama e a tensão do
jogo. Então varia esse tipo de resposta com as outras duas a seguir.
Resposta 2: Sim, mas...
Aqui, vamos fazer algo diferente. Você vai aceitar a ação do jogador, mas oferecer
uma complicação ou uma barganha difícil. O importante é deixar bem claro pro
jogador o que vem depois do "mas" (a complicação ou barganha) e deixar ele escolher
se quer mesmo fazer aquilo ou não.
Exemplo de complicação:
"Sim, você pode derrubar as estantes. Mas é bem provável que todas aquelas velas
comecem um incêndio. Quer mesmo fazer isso?"
Exemplo de barganha:
"Sim, você pode derrubar as estantes. Se derrubar várias vai parar o golem, mas
começa um incêndio. Se derrubar poucas, a biblioteca sobrevive, mas só vai atrasar o
golem. O que você faz?"
O legal desse tipo de resposta é que isso aumenta o drama. O herói conseguiu
resolver o problema dele, mas criou outro. Em livros e filmes, usam muito a técnica
de trocar um problema por outro pra aumentar a tensão. Se o herói conseguir tudo
que queria, a tensão da história diminui. Isso também ajuda a mostrar que as ações
dos heróis tem consequências.
É importante ressaltar que o objetivo dessa resposta não é punir o jogador por tomar
aquela ação. O jogador tem que sentir que obteve um sucesso e que a ação valeu a
pena, mesmo que parcialmente. A consequência tem que ser usara pra aumentar a
tensão e criar mais perigos para os jogadores, e não para puni-los ou tirar opções
deles.
Resposta 3: Não, mas...
Em algumas situações, não dá pra dizer sim para o que o jogador sugeriu ou
perguntou. Mas você ainda quer aceitar a participação dele na história. Então você
pode dizer não, mas logo em seguida sugerir um caminho alternativo que seja
próximo do objetivo do jogador.
"Não, as estantes são enormes e estão presas no chão. Mas os livros são grandes e
pesados. Se seu objetivo for atrasar o golem, pode sair derrubando livros pelo
caminho."
Você ainda pode combinar ela com a resposta 2 e sugerir uma complicação ou
barganha.
Um aviso importante é que você deve tomar muito cuidado pra não usar essa
resposta pra negar ou diminuir a participação do jogador na história. Dizer sim,
mesmo pra coisas malucas, pode ajudar a criar coisas muito criativas e únicas, como
vimos no capítulo anterior.
Só use esse resposta quando realmente a ação for impossível ou não fizer sentido no
mundo de jogo. Eu só usei a estante pra continuar na mesma história, porque num
jogo eu provavelmente deixaria o jogador derrubar a estante mesmo que eu tivesse
planejado ela como presa no chão. É importante estar aberto pra mudar as coisas em
cima da hora.
Finalizando
Existem várias formas diferentes de aceitar a contribuição do jogador, mesmo que a
resposta comece com um não. É importante entender como dizer sim, mas também
por que dizer sim.
Vamos rever os pontos principais do capítulo:
● Aceite a contribuição do jogador e construa por cima.
● Pare e respire. Pense em como você pode aceitar o que o jogador falou.
● Diga "sim, e..." quando você quer aceitar sem criar complicações. Faz o herói
se sentir excepcional.
● Diga "sim, mas..." quando você quer aceitar criando uma complicação ou
propondo uma barganha difícil.
● Diga "não, mas..." quando você não tem como dizer sim de forma nenhuma,
mas ainda quer aceitar a contribuição do jogador.
No próximo capítulo
Fica muito mais fácil improvisar e não tentar controlar o rumo da história quando
você entende que construir a história não é responsabilidade de uma pessoa só. O
Mestre está lá pra descobrir o que acontece, igual aos jogadores. Então leia pra
entender que construir a história não é sua responsabilidade.
Capítulo 3 - Construir a história não é sua
responsabilidade
No teatro de improviso existe a pressão de criar uma história interessante ali na hora,
improvisando. Uma coisa que cada ator aprende é que não é responsabilidade dele,
sozinho, criar a história. Isso tem dois lados. Primeiro, aliviar a pressão. Assim você
sabe que não está toda a responsabilidade sobre o ombro de um ator. E segundo,
impedir que você seja controlador. Você não é o único responsável pela história, não
tente ser o dono dela.
Vamos ver todas as formas que o Mestre pode incorporar isso no RPG.
Relaxe. Construir a história não é sua responsabilidade.
O Mestre no RPG é um pouco diferente do ator de improviso, porque ele controla
vários personagens ao mesmo tempo e precisa ter algum material de referência
preparado (fichas de monstros, nomes de personagens, etc). Isso pode levar o mestre
a achar que todo o peso da história está em cima dos ombros dele.
Calma. Relaxa um pouco. Lembre-se: a responsabilidade não é toda sua. Você é só
uma das pessoas responsáveis pela história. Os jogadores vão contribuir com coisas,
vão inventar conspirações, vão inventar perigos e criar bagunças que eles mesmos
vão ter que resolver. Use tudo isso a seu favor. Tudo pode ser material de aventuras!
Lembrar disso ajuda você a deixar a história mais aberta. E lembrar que os jogadores
também são responsáveis por ela evita que você diga não quando poderia dizer sim.
Não planeje demais
Quando o Mestre acha que contar a história é responsabilidade dele, acaba pensando
demais nela. O Mestre acaba imaginando como uma cena vai se desenrolar, o que vai
acontecer depois dela, e depois dela. Pensa em cenas substituas caso os jogadores
tomem a decisão X em vez de Y. Acabam preparando páginas e páginas de papel com
material.
Eu sei, já fiz muito isso.
E sabe o que é pior? Os jogadores sempre vão tomar decisões que você não previu e
vão levar a história pra um lado que você não planejou. E aí a reação do mestre acaba
sendo planejar mais material (haja tempo!) ou então negar as ações dos jogadores
pra não fugirem do que ele planejou. Não faça isso.
Planeje menos e deixe a história seguir o rumo que for. Até porque...
Construir a história não é seu direito exclusivo.
Construir a história não é sua responsabilidade. Mas tem um outro lado dessa
moeda. Contar a história também não é seu direito especial e exclusivo.
Você, como Mestre de uma partida de RPG, tem que entender que você não tem um
direito maior que o deles de decidir os rumos que a história vai seguir. Você precisa
estar aberto para que os jogadores também construam a história com você. Só assim
todos estarão realmente improvisando da melhor forma possível.
O jogador quer botar fogo na poção de cura em vez de bebê-la? O bárbaro quer gritar
com a princesa em vez de salvá-la? O ladino roubou o cajado do seu grande vilão sem
ele perceber? O grupo está conseguindo rolagens fantásticas sem parar nos dados e
vão derrotar o monstro inderrotável? Coisas inesperadas acontecem. E coisas
inesperadas geralmente levam a histórias únicas que os jogadores vão lembrar daqui
a meses ou anos.
O que você pensou pra história não é mais importante e nem melhor do que o que os
jogadores pensaram pra história.
O primeiro passo para entender que os outros também estão criando a história com
você é não planejar demais e não dizer não pra eles e nem para os resultados loucos
que saem nos dados.
Finalizando
Em resumo, é importante lembrar sempre que todos tem direito de contribuir. Eu
tenho um truque pra me lembrar de não deixar os outros de fora da história. Eu me
esforço pra lembrar que todos abriram mão de fazer outras coisas pra se reunirem ao
redor de uma mesa comigo. Todos eles poderiam estar fazendo outras coisas. Pensa
nisso.
Revisando os pontos principais do capítulo:
● Relaxe. Contar a história sozinho não é sua responsabilidade. Os jogadores
vão inventar coisas loucas, pode ter certeza.
● Não planeje demais. Poupe sem tempo fora do jogo e planeje pouco. Deixe o
improviso dos jogadores levar a história.
● Você não é o dono da história. Deixe todo mundo contribuir, mesmo que isso
leve a história pra um lado inesperado.
No próximo capítulo
No próximo capítulo, volto à ideia de planejar pouco e como aceitar qualquer rumo
que o jogo tome. O segredo é trazer ideias, não resultados.
Capítulo 4 - Traga Ideias, Não Resultados
O teatro de improviso
No teatro de improviso, os atores até podem trazer ideias para cenas que vão
improvisar, mas não mais do que isso.
Improvisar coisas legais o tempo todo é difícil. Se você teve uma ideia fora do palco,
fique à vontade pra guardar ela na cabeça e usar durante uma cena. Mas se você vier
com uma ideia fechada de como essa cena deve se desenrolar ou terminar, vai dar
problemas.
Já que estão todos improvisando, só tem uma forma da cena seguir o rumo que você
imaginou. Isso só acontecerá se você ignorar as contribuições do outro ator. E nós já
sabemos que isso é ruim, porque a primeira regra é não negar a participação do
outro.
Por isso, no teatro de improviso, você tem que lembrar que você pode levar ideias,
mas não resultados.
O problema das ideias com resultado fixo
Guarde suas boas ideias. O legal é se divertir improvisando, e boas ideias de cenas
fazem todo mundo se divertir mais.
Mas as ideias devem ser abertas. Pense no começo de uma situação, mas deixe o
rumo dela em aberto.
No RPG, isso é fácil de aplicar. Você com certeza já pensou em várias cenas legais.
Algumas cenas que já passaram na minha cabeça: uma cena onde o grupo luta numa
ponte de madeira pegando fogo e caem no rio abaixo dela. Uma cena onde enfrentam
um golem numa biblioteca e incendeiam o local. Uma cena onde discutem em
público com um nobre e acabam expulsos da cidade.
Mas todas essas ideias tem um problema.
Todas elas trazem o resultado junto delas. Elas vão me fazer ignorar a contribuição
dos jogadores pra garantir que o resultado aconteça, e também vão me fazer planejar
demais.
Isso não é bom para um jogo de improviso.
Não traga resultados
Eu sou um grande fã de sempre ter um caderno ou celular por perto pra anotar suas
ideias. Assim você não esquece as cenas legais que pensou pro RPG. Ter as ideias por
escrito é uma forma de poder revisar o que pensou e ver se você está planejando o
resultado.
Se você estiver planejando o resultado das cenas, risque essa parte da ideia. Deixe
apenas a premissa por trás dela.
Pensou numa cena de luta na ponte em chamas onde todos caem? Corte o final para
apenas cena de luta na ponte em chamas.
Pensou numa discussão com um nobre em que todos acabam expulsos? Corte o final
e pense apenas na discussão com o nobre.
Quando você deixa de planejar o resultado você evita que seus instintos queiram
forçar a cena naquela direção. Lembre-se que construir a história não é seu direito
exclusivo e que o legal é aceitar que o improviso dos jogadores determine o futuro.
Comece suas ideias com "E se...?"
Eu tenho uma técnica pra criar ideias abertas. Eu escrevo elas como perguntas que
começam com "E se". Isso me lembra que só estou pensando em ideias de cenas, e
não em como elas devem acabar.
E se os heróis estivessem brigando numa ponte em chamas?
E se uma biblioteca estivesse protegida por um golem?
E se os heróis discutissem com o nobre que governa a cidade?
Pense nas ideias. Anote suas ideias. Deixe elas prontas para serem encaixadas numa
partida. Mas lembre-se que todos estão ao redor da mesa pra descobrir o que
acontece, incluindo você.
Talvez os heróis saiam da ponte antes dela cair. Talvez eles consigam enganar ou
fugir do golem sem combate. Talvez façam com que o nobre é quem seja humilhado e
expulso da cidade. O que quer que aconteça, aconteceu porque todos estão criando a
história juntos.
Finalizando
Como você já deve ter reparado, todas as regras e dicas desse livro sempre voltam
para o mesmo ponto: improvise de verdade, esteja aberto a aceitar o rumo que a
história tomar, sem impôr sua visão sobre a dos outros.
Resumindo os pontos principais desse capítulo:
● Traga ideias, não resultados. Pense no setup da situação e não em como ela vai
terminar.
● O problema de já pensar num resultado é que você tende a manipular o rumo
da história pra seguir naquela direção.
● Então não traga resultados. Pense em ideias abertas.
● Uma boa dica é anotar suas ideias abertas no padrão de perguntas "E se...?"
No próximo capítulo
A dica do próximo capítulo é talvez a primeira desse livro que vai ser contraintuitiva
de verdade. No teatro de improviso, há o mantra "não tente ser engraçado". Eu
adapto isso pro RPG como "não tente ser criativo". Se você aí agora curioso ou
gritando comigo, não deixe de ler.
Capítulo 5 - Não tente ser criativo
Seguir a ideia daquele capítulo te força ainda mais a improvisar. Mas e se você tiver
dificuldade de improvisar coisas legais? Pra isso eu tenho uma dica muito
contraintuitiva: não tente ser criativo. Confuso? Vem comigo.
Como é no teatro: não tente ser engraçado
Lendo textos sobre teatro de improviso, eu já li essa dica de duas formas: "Não tente
ser engraçado" ou, de forma mais genérica, "não tente inventar".
Mas o propósito não é inventar? Sim, é. Mas você vai inventar naturalmente, sem
esforço.
Quando você fica se esforçando pra ser engraçado, as pessoas vão perceber. Você vai
ficar pensando muito nisso. Vai hesitar antes de falar, por ficar se questionando se o
que você vai falar é engraçado. Não vai prestar atenção no que o outro ator está
falando, porque você está pensando em algo engraçado.
O ideal, no teatro de improviso, é simplesmente reagir ao que está acontecendo.
Muitas vezes a cena vai pra um lado tão bizarro que ela vai ser engraçada
naturalmente. Outras vezes, algo que é normal pra você vai ser engraçado ou criativo
pra outra pessoa.
Trazendo isso pro RPG
Improvisar é complicado, eu sei. E Mestres podem ficar ainda mais tensos porque
eles precisam gerenciar vários personagens ao mesmo tempo em que precisam julgar
e manter as regras. O que fazer, então?
Duas coisas. Primeiro, lembre-se de que construir a história não é sua
responsabilidade. Segundo, não tente ser criativo.
É igual ao que falei pro teatro. Se ficar querendo ser criativo o tempo todo, vai
hesitar. Vai colocar mais pressão sobre seus ombros. A sugestão: não tente ser
criativo. Sério.
Eu sigo essa regra nas minhas campanhas. E sabe o que é legal? As aventuras acabam
sendo criativas de qualquer jeito. Você acha que está sendo clichê, e aí percebe que as
referências que você tem não são as mesmas dos seus jogadores. Algo óbvio pra você
pode acabar sendo criativo e original pra eles.
Não esqueça que os jogadores tornam tudo criativo
Como falei no começo do livro, se você estiver aberto a improvisar os jogadores
também vão contribuir com a história.
Essa mistura da contribuição de todo mundo vai criar algo único. Você inventou algo
que é clichê pra você, aí um jogador contribui algo que é clichê pra ele, e uma outra
jogadora contribui com algo que é clichê pra ela. Mas quando você vê, a mistura de
tudo é original e interessante.
Esse é o legal de improvisar.
Isso vai te surpreender, mas assim você evita seus clichês
Eu tenho meus clichês em aventuras. Sério, já fiz várias besteiras. Sempre que eu
parava pra inventar algo "criativo" no meio da aventura, sabe o que eu fazia?
Colocava um traidor.
Aquele seu mentor? Vai te trair. Aquele cara pedindo ajuda? É um bandido. O cara
bonzinho te ajudando há 3 sessões? Traidor!
Eu demorei muito pra perceber esse meu padrão. Os jogadores, é claro, já tinham
percebido. E o pior de tudo é que a forma de fugir desse meu padrão era bem
simples: não tentar ser criativo.
Se eu parasse pra inventar, sempre ia pro mesmo caminho. Então parei de ficar
tentando inventar. Segui o fluxo. E pessoas pararam de ser traídas.
Finalizando
Um resumo dos assuntos principais do capítulo:
● No teatro, não tentam ser engraçados. Ser engraçado acontece graças ao
improviso e situações inusitadas.
● No RPG, não tente ser criativo. Isso vai acontecer naturalmente.
● Não esqueça que os jogadores vão contribuir e daí vem o aspecto único da
aventura.
● Se você não ficar planejando, você escapa dos seus vícios de trama.
Faça como os atores de improviso: deixe a cena rolar.
No próximo capítulo
Eu já bati várias vezes na tecla do improviso e de deixar rolar. Mas ainda tem uma
forma em que os Mestres infuenciam o rumo das cenas. A forma como fazemos
perguntas acaba dizendo a eles o que fazer.
Então fique ligado no próximo capítulo "não diga aos jogadores o que fazer", pra ver
como podemos fazer perguntas sem manipular os jogadores pra um rumo específico.
Capítulo 6 - Não diga aos jogadores o que
fazer
Agora é hora de falar da última forma de garantir um improviso decente e realmente
livre: não manipular as ações dos seus jogadores.
O oposto do teatro
Essa é a primeira vez no livro que digo fujo um pouco da proposta, então resolvi
avisar com antecedência. O meu ponto a seguir é que no jogo de RPG temos que fazer
o oposto do que fazem no teatro. Você vai entender.
Eles odeiam perguntas abertas
No teatro de improviso, você aprende a fazer perguntas fechadas sempre que puder.
Perguntas fechadas são aquelas que já trazem uma sugestão de resposta. Em alguns
casos, só permitem um simples "sim" ou "não". Exemplo de pergunta fechada
seriam: "Você é meu tio?"
Já a pergunta aberta é o oposto. Ela não traz uma sugestão de resposta e deixa a
outra pessoa completamente livre pra responder. Exemplo: "Quem é você?" ou "Do
que é que isso é feito?".
Quando você pergunta algo tipo "Quem é você?" você força o outro ator a parar e
bolar uma resposta. Eles tem uma plateia esperando ver uma cena que não para,
então qualquer pausa é ruim.
Lá no teatro, você não quer que o outro ator tenha que inventar algo. Pra eles, é
melhor não deixar muitas opções nas perguntas.
Nós adoramos perguntas abertas
O caso do RPG é o oposto. Nós somos nossa própria plateia. Além disso, o jogo já tem
diversas pequenas pausas ao longo de uma sessão.
E o que mais queremos num jogo de RPG é deixar cada jogador aberto para inventar.
É importante que o improviso seja o mais livre possível. Isso que leva a história a um
ponto único como falamos no capítulo anterior. Então não diga aos jogadores o que
fazer. Pergunte de forma aberta.
O problema das perguntas fechadas no RPG
Quando o Mestre faz uma pergunta fechada, ele acaba manipulando a reação do
jogador. Ele coloca uma possível resposta em primeiro plano na pessoa que foi
perguntada.
Imagine a seguinte cena:
"No final do corredor, entre os livros, está um Orc de 2 metros de altura. Você vai
atacar ele?"
Essa cena coloca uma reação direto na mente do jogador. Ele agora está pensando
em ataque. Você manipulou a reação, mesmo que sem querer. E o mais provável é
que o jogador diga sim.
O problema desse tipo de pergunta é que pode impedir que o jogador bole algum
outro tipo de resposta completamente diferente que tornaria aquela cena única e
memorável.
Será que o jogador dessa cena pensaria em derrubar a estante e fugir, em vez de
atacar?
Faça perguntas abertas
Agora vamos imaginar aquela mesma cena, com outra pergunta no final.
"No final do corredor, entre os livros, está um Orc de 2 metros de altura. O que você
faz?"
O que você faz?
Essa pergunta é o mais aberta que dá pra chegar. Você não colocou nenhum tipo de
ação em primeiro plano na mente do jogador. Ele está livre! Livre pra mente dele ir
pra qualquer lado.
Talvez ele pense em atacar. Talvez pense em derrubar a estante. Talvez pense em dar
oi e oferecer chocolate. Tudo pode acontecer!
Finalizando
Pense em como é o seu estilo de narração de jogos. Você costuma fazer perguntas
fechadas que manipulam seus jogadores? Que tal experimentar perguntas abertas
pra ver pra que lado as coisas vão?
Vamos resumir os pontos principais deste capítulo:
● No teatro, perguntas abertas são ruins porque eles precisam bolar uma
resposta e a plateia não quer esperar.
● No RPG, somos nossa propria plateia. Nós podemos esperar alguns segundos
enquanto um jogador bola uma resposta.
● Perguntas fechadas colocam uma resposta na mente da pessoa. Isso limita o
que a pessoa pode acabar imaginando.
● Perguntas abertas são uma página em branco. Qualquer coisa pode acontecer.
● Não diga aos jogadores o que fazer. Em vez disso, faça perguntas abertas.
No próximo capítulo
Agora que vimos tudo que podemos aprender com o teatro de improviso, não basta
juntar tudo. É importante manter a ilusão.
Capítulo 7 - Mantenha a ilusão
Nos seis capítulos anteriores eu falei sobre todas as formas como o teatro de
improviso pode te ajudar a melhorar suas partidas de RPG.
Se você seguir todas as dicas, vai estar improvisando e criando coisas conforme
jogam. Agora é hora da dica que faz tudo funcionar. Você precisa fazer parecer que já
tinha pensado nas coisas. Mantenha a ilusão.
Todos estarão inventando a história juntos
Você seguiu todas as dicas. Não está dizendo não para os jogadores. Está, inclusive,
dizendo sim. Não está impedindo os outros de criarem a história.
Se também estiver trazendo ideias sem resultados fixos, as coisas vão estar
acontecendo sem serem previstas. Inimigos vão aparecer. Vai inventar armadilhas na
hora.
Vai acontecer de inventar uma armadilha, sem nem saber como é que se passa por
ela. E vai aceitar a sugestão de algum jogador de como resolver!
Isso é muito legal, mas tem um problema. Os jogadores podem achar que não existe
nenhum desafio diante deles.
A sensação de desafio
Jogadores precisam sentir que estão sendo desafiados e que estão superando o
desafio por serem espertos.
Na maioria das vezes isso é verdade. Mas em alguns momentos, um jogador vai
tentar algo inusitado como jogar pombos mortos numa armadilha mágica. E a
solução é tão legal e criativa que você vai fingir que aquela era sim a melhor solução
pro problema.
Se isso acontecer com muita frequência, os jogadores vão achar que não precisam se
esforçar. Que qualquer coisa que eles inventarem você vai aceitar como solução.
Você precisa fazer eles acreditarem que você tinha mais coisas planejadas.
A importância da ilusão
As pessoas gostam de ser enganadas. Mas com elegância. Pessoas pagam pra ver
mágicos no palco. Compram revistas com mulheres super alteradas no Photoshop.
Mas quando você mostra que elas foram enganadas, não gostam. O mágico que
revela seu truque perde parte do encanto, por exemplo.
Mantenha a ilusão
Não diga aos jogadores o que você já tinha preparado. Pra todos os efeitos, todos os
desafios, todos os personagens, todos os monstros, todos os itens do jogo estavam
planejados.
Quando você não revela o que foi improviso, fica a dúvida. E a dúvida é como o
truque do mágico. A dúvida é mais legal do que a verdade.
Finalizando
A ilusão é o que permite aos jogadores acreditar que venceram todos os desafios por
mérito próprio. Na maior parte das vezes é verdade, mas isso impede a decepção de
saber que alguns desafios foram apenas simulados.
Resumindo os pontos principais do capítulo:
● Como todos estão inventando a história juntos, em alguns momentos a
solução de um problema vai ter sido inventada.
● Jogadores gostam de serem desafiados. Mas saber que não encontraram a
resposta "verdadeira" de um desafio pode dar a impressão de não haver
dificuldade.
● Então é muito importante manter a ilusão de que tudo estava planejado.
● A solução é simples: nunca diga que não tinha algo preparado.
No próximo capítulo
Pra finalizar o livro sobre como melhorar suas partidas de RPG com técnicas de
improviso, dicas de como se preparar para improvisar.
Capítulo 8 - Como se preparar para
improvisar
Vamos rever tudo que foi falado nos capítulos anteriores até agora.
Na parte 1 e 2 falei sobre a importância de não dizer não, e como dizer sim.
Na parte 3 e 4, bati mais na tecla sobre aceitar a colaboração dos outros. Falei sobre
quem conta a história no RPG, e que o importante é trazer ideias abertas, não
resultados.
Nas partes 5 e 6 o tema foi não limitar as ideias que vem na cabeça, com a dica
polêmica "não tente ser criativo" e o capítulo sobre não dizer aos jogadores o que
fazer.
E os dois últimos capítulos são sobre juntar tudo sem quebrar a ilusão e a
empolgação. Na parte 7 falei sobre "manter a ilusão". Agora é hora de falar sobre
como se preparar para improvisar.
Tem que se preparar pra improvisar?
Eu sei que parece meio contraditório. Eu passei 7 capítulos falando sobre aceitar
improvisos na hora e agora falo sobre se preparar? O negócio é que por mais que a
ideia de improvisar todo o tempo seja legal, nem sempre conseguimos inventar
coisas legais no calor do momento.
Ainda por cima, jogos de RPG dependem de vários materiais de referência. Itens e
monstros precisam de estatísticas. Personagens coadjuvantes precisam de nomes.
Dungeons podem precisar de uma armadilha complexa. Cidades precisam de
construções interessantes. E por aí vai.
Não é legal parar a aventura no meio pra procurar uma informação num livro.
É importante que o mestre tenha o material que precisa já à mão. Mas o que ele
precisa?
O que você tem que preparar com antecedência
Lembra do capítulo sobre trazer ideias, não resultados? Ideias abertas são uma das
principais coisas que o Mestre pode preparar com antecedência.
Traga sua lista de ideias para a sessão. Faça uma lista de itens curtos, de preferência
descritos como perguntas que começam com "E se...".
Além disso, também é importante deixar preparados os seguintes itens:
● Fichas de monstros que podem aparecer na sessão.
● Sugestões de nomes de NPCs.
● Sugestões de nomes de cidades.
● Fichas de alguns itens mágicos que podem ser introduzidos.
● Uma ou duas ideias de armadilhas, com as informações relevantes.
Como se preparar para improvisar
Para preparar suas ideias, fique atento fora do jogo. Tenha sempre com você um
caderno, ou seu celular com um aplicativo de notas a fácil acesso. Quando tiver
qualquer ideia, anote no caderno ou aplicativo. É sério, não esqueça de anotar.
Mesmo que você ache que a ideia é tão boa que não pode esquecer, existe uma boa
chance de você acabar esquecendo.
Para monstros, reveja para onde a sessão anterior estava indo. Agora pense que
monstros podem encontrar num futuro próximo e já imprima as fichas deles. Só por
garantia, imprima ou separe também uma ou outra ficha de monstro caso a próxima
sessão siga numa direção completamente diferente e você precise de outro tipo de
monstro. Acha que a próxima sessão vai ser focada em dragões e dragonetes?
Prepare também um esqueleto ou um lobo selvagem.
Se seu jogo tiver itens mágicos ou equipamentos especiais, escolha alguns itens que
podem ser dados como recompensa na aventura. Não se sinta obrigatório a colocar
todos na próxima sessão. A ideia é só ter fichas de itens a fácil acesso caso precise.
Faça uma lista de nomes. Nomes de homens e mulheres. Nomes de cidades. Não
precisa ser uma lista gigante, pode ter uns 3 ou 4 nomes de cada sexo, 1 ou 2 nomes
de cidades. O importante é não ser pego de surpresa caso os jogadores perguntem o
nome de algo ou alguém. Não é legal conhecerem o décimo Jack ou Maria na
aventura.
Além disso, pense numa armadilha que seja bem divertida de jogar. Num jogo tipo
D&D, pode ser uma armadilha pra dungeon. Num jogo cyberpunk pode ser uma
armadilha nas ruas ou no ciberespaço. Talvez até mesmo uma armadilha corporativa.
Talvez um portal espacial adulterado. Sei lá.
Qualquer que seja a categoria da preparação, não prepare demais. Prepare o mínimo
possível, na verdade. Só o bastante pra não precisar ficar parando a história todo o
tempo.
Mas lembre-se de uma coisa...
Não deixe a preparação entrar no caminho da liberdade da
história
O legal do RPG é estar aberto para o improviso de todos na mesa. Incorporar a
contribuição de todos. Então não deixe seu pouco material atrapalhar o rumo que a
história está seguindo.
Se os jogadores invadiram uma tumba assombrada e você não preparou nenhum
esqueleto ou zumbi, não tente dar uma guinada na história de volta para os dragões
que você preparou. Se invadiram a tumba, os jogadores querem tumba. Dê tumba
pra eles. Pare o jogo, pegue as fichas dos esqueletos e zumbis, siga adiante.
Por mais que você queira se preparar, os jogadores vão levar as coisas para outro
lado. Então esteja pronto pra parar o jogo.
Finalizando
Se eu pudesse resumir esse livro numa única frase, seria: não seja o chato, improvise
junto com todo mundo. E saiba como se preparar pra improvisar sem se deixar levar
pelo que você preparou.
Resumindo os pontos principais deste capítulo:
● Improvisar bem o tempo todo é difícil, então anote suas ideias e traga elas pro
jogo.
● Prepare de antemão algumas fichas que pode precisar. Isso evita perda de
tempo.
● Pra saber o que preparar, pense no caminho que a história está seguindo.
● Prepare o mínimo possível pra reduzir as pausas de coisas previsíveis.
● Não deixe a preparação atrapalhar o improviso.
● Quando a preparação falha, esteja preparado pra pausar o jogo por um
momento e procurar o que precisa.
● Acima de tudo, lembre-se de improvisar, não dizer não, e aceitar a
participação de todos.
Onde encontrar mais informação
Você tem alguma dúvida ou sugestão? Acha que eu estou errado e o mestre tem que
controlar toda a história?
Envie um e-mail para ​contato@regrasdojogo.com​e vamos conversar.
Visite ​http://regrasdojogo.com​para muitos outros artigos interessantes sobre RPG e
jogos de tabuleiro.

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Os segredos do RPG e o teatro do improviso

  • 1. Os segredos que mestres de RPG podem aprender com o teatro do improviso Olá, meu nome é Leonardo Bighi, escritor do site ​regrasdojogo.com​, um site sobre RPG e jogos de tabuleiro. Eu comecei a jogar RPG aos 14 anos, na década de 90. Eu mestrava muito mal. E foi só depois de mais de 10 anos jogando que eu aprendi o segredo para que as partidas sejam fantásticas. Não cometa o mesmo erro que eu. No começo, eu tinhas sessões boas e sessões ruins. Algumas faziam os jogadores prestarem atenção em cada palavra que eu digo. Em outras, eles ficavam distraídos, conversando sobre cavaleiros do zodíaco ou algo assim. Isso parece com as suas sessões de RPG? A primeira coisa que eu tentei foi planejar bem as aventuras antes de jogar. Não deu certo. E o que eu fiz, então, foi planejar as coisas ainda mais. Eu demorei pra perceber que planejar demais só fazia eu manter o jogo nos trilhos da história que eu tinha imaginado. Isso deixava meu grupo desanimado. Quanto mais eu mantia o jogo nos trilhos, mais eu negava a participação deles na história. Consegue imaginar o resultado? Pois é, deu menos certo ainda. Meu grupo acabou até abandonando o RPG por um tempo.
  • 2. Foi só depois de muitos anos (e muitos testes) que eu descobri o grande segredo pra ter partidas muito divertidas. E ele estava na minha cara o tempo todo. A partida só vai ser muito divertida se eu: 1. Parar de negar a participação dos outros 2. Deixar todo mundo contribuir igualmente para a história 3. Improvisar e deixar a história seguir o caminho que está seguindo, por mais maluco que seja. O mais engraçado é que eu só compreendi completamente esses pontos quando comecei a estudar uma outra área completamente diferente: o teatro do improviso. Foi só começar a improvisar que eu percebi que quase todas as dicas deles serviam para tornar as partidas de RPG muito, muito melhores. Depois de muito tempo usando as dicas do teatro do improviso pra deixar meu RPG melhor, eu resolvi explicar de forma bem profunda como isso funciona. Este livro surgiu como uma série de artigos no site ​regrasdojogo.com​. Agora todo o texto foi compilado num livro curto para sua conveniência. Aproveite. Se você leu esse livro até aqui, você tem interesse no assunto, então deve gostar do que vem a seguir. O que mestres de RPG podem aprender com o teatro do improviso, o livro No primeiro capítulo, eu começo com a dica mais básica do teatro do improviso: não dizer não. Quando você diz não, você nega a contribuição da outra pessoa na história. No segundo capítulo eu explico então como dizer sim. Porque não basta simplesmente aceitar tudo. Tem que haver desafio, tem que haver consistência no mundo de jogo. É importante saber como dizer sim.
  • 3. No capítulo 3 eu toco num ponto importante que leva os mestres a planejarem demais e controlarem demais a história. Eu lembro aos mestres que eles não constróem a história sozinhos. Mas aí tem um outro problema. Muita gente que até quer improvisar acaba não sabendo como fazer. Eles já vem com ideias prontas. Então no capítulo 4 eu ensino o truque de pensar em ideias abertas, não resultados. O capítulo 5 traz uma dica polêmica. É o tipo de coisa que vai contra a sua intuição. O ponto é que pra ser realmente criativo no improviso você tem que parar de tentar ser criativo. E aí mesmo que agora você esteja improvisando e aceitando a contribuição dos jogadores, você pode estar manipulando os jogadores sem perceber. Você sabia que a forma como você faz perguntas influencia as ações deles? Nem eu. Então leia o capítulo 6: não diga aos jogadores o que fazer. No capítulo 7 começo a fechar todos os pontos. Porque quando você está improvisando e deixando os jogadores guiarem parte da história, é importante manter a ilusão. E finalizando o livro, a dica que pode ser a mais importante de todas. Não basta improvisar. Tem que saber como se preparar pra improvisar. Sua opinião Eu queria ter um feedback de outros mestres. Meu método te ajudou? Você conseguiu fazer aventuras que são divertidas a cada sessão? Entre em contato com dúvidas, problemas que você teve, sugestões de como melhorar, etc.
  • 4. Capítulo 1 - Não diga Não Numa partida de RPG, nós estamos o tempo todo reagindo às ações dos outros. Jogadores reagem ao que o Mestre coloca em jogo. Mestres reagem às ações dos jogadores. Mesmo que alguns mestres esqueçam disso, este é um jogo de improviso. Isso é muito parecido com o teatro de improviso, onde os atores sobem ao palco sem roteiro e precisam improvisar ali na hora. Então comecei este livro sobre o que o mestre de RPG pode aprender com o teatro de improviso. Primeiro de tudo, a regra de ouro deles: nunca negar o que o outro ator inventou. Aceite e construa por cima. Não diga não Uma das maiores regras no teatro de improviso é esta: não diga não. Ao dizer não, você nega a contribuição do jogador, qualquer que ela tenha sido. Você impede ele de contribuir para a história, quando todos nós (sejamos mestres ou jogadores) estamos reunidos ao redor da mesa para contribuirmos para uma história coletiva. Isso vale tanto para quando o jogador tenta uma ação diferente no combate (quantas vezes já neguei algo criativo num combate de D&D…), quanto para ações fora de combate ou até mesmo perguntas. Nós negamos por instinto Uma coisa que é verdade pra mim e pra vários outros mestres com quem conversei é que acabamos negando as coisas por instinto. A gente tem uma visão do que é o mundo, sobre o que é a aventura. E negamos qualquer coisa que fuja disso. Mas os jogadores tem uma outra visão. Ou, ainda mais provável, eles ainda não tem visão nenhuma formada. Isso acontece ainda mais com mestres iniciantes. Quando estamos começando, é muito fácil a gente já bolar a história inteira na cabeça e tentar forçar a partida naquela direção. A gente já planeja que o mago das trevas vai derrotar o grupo e
  • 5. fugir, e então nega qualquer coisa que leve a história numa direção diferente. Eu já fiz muito isso nos meus 15 anos, ainda engatinhando nessa coisa louca que é mestrar um jogo. Perguntas diferentes são sugestões Quando o grupo chega numa nova cidade e o jogador pergunta se tem alguém que pode ensinar ele a invocar a bênção do deus da guerra, ele não está só querendo saber algo da cidade. Isso é também uma sugestão de rumo que ele quer tomar com o personagem. Mesmo que você tenha planejado a cidade a fundo sem nenhum templo do deus da guerra, mude seus planos agora. Diga sim para o jogador. Sim, tem um templo do deus da guerra. O jogador sabe o que ele vai achar divertido Você pode até ter uma ideia do que cada jogador vai achar divertido, mas eles sabem melhor do que você. E raramente um jogador dá uma sugestão (direta ou indireta) de algo que ele não vai gostar no jogo. Se um jogador sugere que estão sendo seguidos, provavelmente ele acha que isso vai ser divertido. Se um jogador sugere um templo do deus da guerra, ele deve ter alguma ideia em mente que ele vai gostar de levar adiante. As sugestões dos jogadores são enormes bandeiras indicando o caminho de coisas que eles vão achar divertidas. Aproveite! Sugestões esquisitas tornam seu mundo único Agora imagina se o jogador tivesse perguntando se em algum lugar próximo tem um templo do deus da guerra onde todos os frequentadores são pacifistas. Isso não faz a língua coçar pra dizer não sem nem pensar? "É claro que no meu mundo (ou qual quer que seja o mundo) não tem templo da guerra pacifista!”. nossos instintos nos fazem pensar em dizer.
  • 6. Mas para. Espera. Respira e pensa comigo: E se tivesse? Vou tentar improvisar algo aqui enquanto escrevo este artigo. Um templo do deus da guerra numa cidade isolada. Os únicos adultos na vila são mulheres. Por que os homens foram pra guerra. Elas odeiam a guerra. Elas querem que seus maridos voltem vivos. Elas improvisaram o templo. Adaptaram um templo do deus da colheita. Elas agradam o deus da guerra sacrificando parte da colheita, em vez de guerrear. Não é um material excepcional pra algo improvisado em um minuto, mas é assim mesmo que surgem as coisas legais nos jogos. Se eu, que sou o mestre, tivesse criado o mundo todo sozinho, ele seria cheio de clichês e sem surpresas. Mas dizendo sim pra sugestões esquisitas eu acabo sendo forçado a criar coisas no improviso e coisas assim acabam sendo únicas e diferentes. Agora, em vez de ter mais um templo do deus da guerra frequentado por soldados, eu tenho um templo da guerra por pessoas que cultuam o deus não em busca de glória e vitórias em combate, mas para que ele traga seus entes queridos são e salvos da guerra. Um templo da guerra que provavelmente vai ter várias características diferentes, por ter sido improvisado sobre um templo do deus da colheita. Que histórias podem surgir daí? O jogador se sente realizado por ter contribuído com o mundo Quando você aceita a ideia do jogador, mesmo sendo esquisita, ele também se sente realizado e incluído. Ele sente que participou da criação do mundo. Ele sente que está sendo ouvido e que a contribuição dele é válida. Eu li uma matéria outro dia falando que pouco mais de 40% das demissões nas empresas não acontecem por salários baixos, ou condições ruins de trabalho. Elas acontecem porque a pessoa sente que seu chefe não a escuta. Que ninguém liga pro que o funcionário está falando.
  • 7. Ninguém gosta de ser ignorado. Ninguém gosta de ter suas sugestões negadas. Aceite a contribuição do jogador, mesmo que não seja algo excepcional. Geralmente não é, mas e daí? É só um jogo. Finalizando Lembre-se de tudo que podemos aprender com o teatro de improviso e como isso pode tornar seu jogo melhor. E repita pra você mesmo: não diga não. Vamos rever os pontos principais do capítulo. ● Não diga não. Quando você diz não, nega a participação do jogador na história compartilhada. ● Você nega por instinto. Aprenda a resistir a ele. ● Perguntas diferentes são sugestões de rumos pra história ou pro personagem. ● O jogador sugere aquilo que ele acha divertido. Queremos histórias divertidas. Aproveite a dica. ● O jogador se sente realizado e parte do grupo quando deixam ele contribuir. No próximo capítulo No teatro de improviso, eles tem a regra do “sim, e…”. Isso quer dizer aceitar a contribuição da pessoa, e depois continuar a história acrescentando algo em cima. No RPG, como é mais amplo e tem a questão do desafio, nós temos mais de um tipo de resposta que podemos dar. No próximo capítulo eu vou falar das diversas formas de você incorporar as contribuições dos jogadores sem negar o que ele sugeriu. Ou seja, como dizer sim.
  • 8. Capítulo 2 - Como Dizer Sim No primeiro capítulo eu falei sobre a primeira dica do teatro de improviso: não diga não. Agora é hora de vermos como dizer sim. Aceite e construa por cima No teatro de improviso, a regra de ouro deles pode ser resumida como “sim, e…”. Você concorda como que o outro ator improvisou, e continua a história daí. É claro que você não precisa levar ao pé da letra e começar as frases com “sim, e…”. “Colocaram fogo no meu prédio!" “Sim, e minha sogra morreu queimada com todo o meu dinheiro" “Você queimou o dinheiro que te emprestei pra comprar a máquina do tempo?" Essa cena que eu improvisei agora não muito divertida, mas funciona pra mostrar os princípios. O segundo ator aceitou a criação do primeiro como verdade e construiu em cima, adicionando mais coisa. Depois, o primeiro ator aceita a contribuição do primeiro e constrói mais coisa em cima. E por aí vai. Como no RPG nós temos vários “atores”, com muito mais liberdade e ainda a necessidade de ter desafio, só dizer “sim, e…” não é o bastante. Nós podemos ampliar essa técnica para mais de uma forma de aceitar a contribuição dos outros. Afinal, estamos jogando pra criarmos uma história juntos. Pare e respire Sempre que você perceber que vai dizer não pro jogador, pare e respire. Não tem nenhuma forma de incorporar a ação do jogador à história? Nenhuma forma de não torná-lo impotente? Lembre-se sempre que você não é o dono da história. Você só propôs uma situação e é o resultado das ações de todos que vai criar a história. Nós temos que estar abertos a aceitar que a cena vá para qualquer direção. Se você tivesse imaginado uma cena de luta com um golem na biblioteca, o jogador pode
  • 9. querer algo diferente. Ele pode querer fugir. Pode querer simplesmente derrubar todos os livros sobre o golem e tacar fogo nele, sem ficar batendo com a espada até ele ficar sem pontos de vida. Como podemos aceitar o que ele fez e construir por cima? Vamos imaginar uma cena: Mestre: "Você ouve um ruído atrás de você e vira pra olhar. Tem um golem enorme parado do outro lado do corredor, entre as estantes de livros." Jogador: "Eu vou derrubar as estantes." Você queria uma cena de luta. O jogador provavelmente tem outra ideia em mente. Não diga não. Não invente que a estante é pesada demais pra ele derrubar. Não invente que ele não tem tempo para nada que não seja lutar. Não invente nada que diga "eu nego sua ação, faça do meu jeito". Veja como dizer sim e aceitar a participação do jogador. Resposta 1: "Sim, e..." A forma mais simples de aceitar é como fazem no teatro de improviso: aceitar integralmente e continuar a história daí. Essa opção é interessante e é a que mais incorpora a sugestão do jogador, mas ela pode deixar tudo muito fácil se for usada em excesso. "Sim, você derruba a estante. Livros caem por todo lado. O golem escorrega em um dos livros e perde tempo passando sobre a estante caída enquanto você corre para fora da biblioteca." Você aceitou. Você construiu a história por cima. A história vai seguir um rumo diferente do que você tinha imaginado, mas você não deveria ficar imaginando os desfechos das cenas. Você está descobrindo agora como a história vai seguir, igual a todos os jogadores. E isso é emocionante!
  • 10. O que pode ser um problema aqui é que o jogador se livrou do golem fácil demais. É muito bom deixar os heróis terem sucessos fáceis de vez em quando, faz eles se sentirem heróicos. Mas isso o tempo todo pode acabar com o drama e a tensão do jogo. Então varia esse tipo de resposta com as outras duas a seguir. Resposta 2: Sim, mas... Aqui, vamos fazer algo diferente. Você vai aceitar a ação do jogador, mas oferecer uma complicação ou uma barganha difícil. O importante é deixar bem claro pro jogador o que vem depois do "mas" (a complicação ou barganha) e deixar ele escolher se quer mesmo fazer aquilo ou não. Exemplo de complicação: "Sim, você pode derrubar as estantes. Mas é bem provável que todas aquelas velas comecem um incêndio. Quer mesmo fazer isso?" Exemplo de barganha: "Sim, você pode derrubar as estantes. Se derrubar várias vai parar o golem, mas começa um incêndio. Se derrubar poucas, a biblioteca sobrevive, mas só vai atrasar o golem. O que você faz?" O legal desse tipo de resposta é que isso aumenta o drama. O herói conseguiu resolver o problema dele, mas criou outro. Em livros e filmes, usam muito a técnica de trocar um problema por outro pra aumentar a tensão. Se o herói conseguir tudo que queria, a tensão da história diminui. Isso também ajuda a mostrar que as ações dos heróis tem consequências. É importante ressaltar que o objetivo dessa resposta não é punir o jogador por tomar aquela ação. O jogador tem que sentir que obteve um sucesso e que a ação valeu a pena, mesmo que parcialmente. A consequência tem que ser usara pra aumentar a tensão e criar mais perigos para os jogadores, e não para puni-los ou tirar opções deles.
  • 11. Resposta 3: Não, mas... Em algumas situações, não dá pra dizer sim para o que o jogador sugeriu ou perguntou. Mas você ainda quer aceitar a participação dele na história. Então você pode dizer não, mas logo em seguida sugerir um caminho alternativo que seja próximo do objetivo do jogador. "Não, as estantes são enormes e estão presas no chão. Mas os livros são grandes e pesados. Se seu objetivo for atrasar o golem, pode sair derrubando livros pelo caminho." Você ainda pode combinar ela com a resposta 2 e sugerir uma complicação ou barganha. Um aviso importante é que você deve tomar muito cuidado pra não usar essa resposta pra negar ou diminuir a participação do jogador na história. Dizer sim, mesmo pra coisas malucas, pode ajudar a criar coisas muito criativas e únicas, como vimos no capítulo anterior. Só use esse resposta quando realmente a ação for impossível ou não fizer sentido no mundo de jogo. Eu só usei a estante pra continuar na mesma história, porque num jogo eu provavelmente deixaria o jogador derrubar a estante mesmo que eu tivesse planejado ela como presa no chão. É importante estar aberto pra mudar as coisas em cima da hora. Finalizando Existem várias formas diferentes de aceitar a contribuição do jogador, mesmo que a resposta comece com um não. É importante entender como dizer sim, mas também por que dizer sim. Vamos rever os pontos principais do capítulo: ● Aceite a contribuição do jogador e construa por cima. ● Pare e respire. Pense em como você pode aceitar o que o jogador falou.
  • 12. ● Diga "sim, e..." quando você quer aceitar sem criar complicações. Faz o herói se sentir excepcional. ● Diga "sim, mas..." quando você quer aceitar criando uma complicação ou propondo uma barganha difícil. ● Diga "não, mas..." quando você não tem como dizer sim de forma nenhuma, mas ainda quer aceitar a contribuição do jogador. No próximo capítulo Fica muito mais fácil improvisar e não tentar controlar o rumo da história quando você entende que construir a história não é responsabilidade de uma pessoa só. O Mestre está lá pra descobrir o que acontece, igual aos jogadores. Então leia pra entender que construir a história não é sua responsabilidade.
  • 13. Capítulo 3 - Construir a história não é sua responsabilidade No teatro de improviso existe a pressão de criar uma história interessante ali na hora, improvisando. Uma coisa que cada ator aprende é que não é responsabilidade dele, sozinho, criar a história. Isso tem dois lados. Primeiro, aliviar a pressão. Assim você sabe que não está toda a responsabilidade sobre o ombro de um ator. E segundo, impedir que você seja controlador. Você não é o único responsável pela história, não tente ser o dono dela. Vamos ver todas as formas que o Mestre pode incorporar isso no RPG. Relaxe. Construir a história não é sua responsabilidade. O Mestre no RPG é um pouco diferente do ator de improviso, porque ele controla vários personagens ao mesmo tempo e precisa ter algum material de referência preparado (fichas de monstros, nomes de personagens, etc). Isso pode levar o mestre a achar que todo o peso da história está em cima dos ombros dele. Calma. Relaxa um pouco. Lembre-se: a responsabilidade não é toda sua. Você é só uma das pessoas responsáveis pela história. Os jogadores vão contribuir com coisas, vão inventar conspirações, vão inventar perigos e criar bagunças que eles mesmos vão ter que resolver. Use tudo isso a seu favor. Tudo pode ser material de aventuras! Lembrar disso ajuda você a deixar a história mais aberta. E lembrar que os jogadores também são responsáveis por ela evita que você diga não quando poderia dizer sim. Não planeje demais Quando o Mestre acha que contar a história é responsabilidade dele, acaba pensando demais nela. O Mestre acaba imaginando como uma cena vai se desenrolar, o que vai acontecer depois dela, e depois dela. Pensa em cenas substituas caso os jogadores
  • 14. tomem a decisão X em vez de Y. Acabam preparando páginas e páginas de papel com material. Eu sei, já fiz muito isso. E sabe o que é pior? Os jogadores sempre vão tomar decisões que você não previu e vão levar a história pra um lado que você não planejou. E aí a reação do mestre acaba sendo planejar mais material (haja tempo!) ou então negar as ações dos jogadores pra não fugirem do que ele planejou. Não faça isso. Planeje menos e deixe a história seguir o rumo que for. Até porque... Construir a história não é seu direito exclusivo. Construir a história não é sua responsabilidade. Mas tem um outro lado dessa moeda. Contar a história também não é seu direito especial e exclusivo. Você, como Mestre de uma partida de RPG, tem que entender que você não tem um direito maior que o deles de decidir os rumos que a história vai seguir. Você precisa estar aberto para que os jogadores também construam a história com você. Só assim todos estarão realmente improvisando da melhor forma possível. O jogador quer botar fogo na poção de cura em vez de bebê-la? O bárbaro quer gritar com a princesa em vez de salvá-la? O ladino roubou o cajado do seu grande vilão sem ele perceber? O grupo está conseguindo rolagens fantásticas sem parar nos dados e vão derrotar o monstro inderrotável? Coisas inesperadas acontecem. E coisas inesperadas geralmente levam a histórias únicas que os jogadores vão lembrar daqui a meses ou anos. O que você pensou pra história não é mais importante e nem melhor do que o que os jogadores pensaram pra história. O primeiro passo para entender que os outros também estão criando a história com você é não planejar demais e não dizer não pra eles e nem para os resultados loucos que saem nos dados.
  • 15. Finalizando Em resumo, é importante lembrar sempre que todos tem direito de contribuir. Eu tenho um truque pra me lembrar de não deixar os outros de fora da história. Eu me esforço pra lembrar que todos abriram mão de fazer outras coisas pra se reunirem ao redor de uma mesa comigo. Todos eles poderiam estar fazendo outras coisas. Pensa nisso. Revisando os pontos principais do capítulo: ● Relaxe. Contar a história sozinho não é sua responsabilidade. Os jogadores vão inventar coisas loucas, pode ter certeza. ● Não planeje demais. Poupe sem tempo fora do jogo e planeje pouco. Deixe o improviso dos jogadores levar a história. ● Você não é o dono da história. Deixe todo mundo contribuir, mesmo que isso leve a história pra um lado inesperado. No próximo capítulo No próximo capítulo, volto à ideia de planejar pouco e como aceitar qualquer rumo que o jogo tome. O segredo é trazer ideias, não resultados.
  • 16. Capítulo 4 - Traga Ideias, Não Resultados O teatro de improviso No teatro de improviso, os atores até podem trazer ideias para cenas que vão improvisar, mas não mais do que isso. Improvisar coisas legais o tempo todo é difícil. Se você teve uma ideia fora do palco, fique à vontade pra guardar ela na cabeça e usar durante uma cena. Mas se você vier com uma ideia fechada de como essa cena deve se desenrolar ou terminar, vai dar problemas. Já que estão todos improvisando, só tem uma forma da cena seguir o rumo que você imaginou. Isso só acontecerá se você ignorar as contribuições do outro ator. E nós já sabemos que isso é ruim, porque a primeira regra é não negar a participação do outro. Por isso, no teatro de improviso, você tem que lembrar que você pode levar ideias, mas não resultados. O problema das ideias com resultado fixo Guarde suas boas ideias. O legal é se divertir improvisando, e boas ideias de cenas fazem todo mundo se divertir mais. Mas as ideias devem ser abertas. Pense no começo de uma situação, mas deixe o rumo dela em aberto. No RPG, isso é fácil de aplicar. Você com certeza já pensou em várias cenas legais. Algumas cenas que já passaram na minha cabeça: uma cena onde o grupo luta numa ponte de madeira pegando fogo e caem no rio abaixo dela. Uma cena onde enfrentam um golem numa biblioteca e incendeiam o local. Uma cena onde discutem em público com um nobre e acabam expulsos da cidade. Mas todas essas ideias tem um problema.
  • 17. Todas elas trazem o resultado junto delas. Elas vão me fazer ignorar a contribuição dos jogadores pra garantir que o resultado aconteça, e também vão me fazer planejar demais. Isso não é bom para um jogo de improviso. Não traga resultados Eu sou um grande fã de sempre ter um caderno ou celular por perto pra anotar suas ideias. Assim você não esquece as cenas legais que pensou pro RPG. Ter as ideias por escrito é uma forma de poder revisar o que pensou e ver se você está planejando o resultado. Se você estiver planejando o resultado das cenas, risque essa parte da ideia. Deixe apenas a premissa por trás dela. Pensou numa cena de luta na ponte em chamas onde todos caem? Corte o final para apenas cena de luta na ponte em chamas. Pensou numa discussão com um nobre em que todos acabam expulsos? Corte o final e pense apenas na discussão com o nobre. Quando você deixa de planejar o resultado você evita que seus instintos queiram forçar a cena naquela direção. Lembre-se que construir a história não é seu direito exclusivo e que o legal é aceitar que o improviso dos jogadores determine o futuro. Comece suas ideias com "E se...?" Eu tenho uma técnica pra criar ideias abertas. Eu escrevo elas como perguntas que começam com "E se". Isso me lembra que só estou pensando em ideias de cenas, e não em como elas devem acabar. E se os heróis estivessem brigando numa ponte em chamas? E se uma biblioteca estivesse protegida por um golem? E se os heróis discutissem com o nobre que governa a cidade?
  • 18. Pense nas ideias. Anote suas ideias. Deixe elas prontas para serem encaixadas numa partida. Mas lembre-se que todos estão ao redor da mesa pra descobrir o que acontece, incluindo você. Talvez os heróis saiam da ponte antes dela cair. Talvez eles consigam enganar ou fugir do golem sem combate. Talvez façam com que o nobre é quem seja humilhado e expulso da cidade. O que quer que aconteça, aconteceu porque todos estão criando a história juntos. Finalizando Como você já deve ter reparado, todas as regras e dicas desse livro sempre voltam para o mesmo ponto: improvise de verdade, esteja aberto a aceitar o rumo que a história tomar, sem impôr sua visão sobre a dos outros. Resumindo os pontos principais desse capítulo: ● Traga ideias, não resultados. Pense no setup da situação e não em como ela vai terminar. ● O problema de já pensar num resultado é que você tende a manipular o rumo da história pra seguir naquela direção. ● Então não traga resultados. Pense em ideias abertas. ● Uma boa dica é anotar suas ideias abertas no padrão de perguntas "E se...?" No próximo capítulo A dica do próximo capítulo é talvez a primeira desse livro que vai ser contraintuitiva de verdade. No teatro de improviso, há o mantra "não tente ser engraçado". Eu adapto isso pro RPG como "não tente ser criativo". Se você aí agora curioso ou gritando comigo, não deixe de ler.
  • 19. Capítulo 5 - Não tente ser criativo Seguir a ideia daquele capítulo te força ainda mais a improvisar. Mas e se você tiver dificuldade de improvisar coisas legais? Pra isso eu tenho uma dica muito contraintuitiva: não tente ser criativo. Confuso? Vem comigo. Como é no teatro: não tente ser engraçado Lendo textos sobre teatro de improviso, eu já li essa dica de duas formas: "Não tente ser engraçado" ou, de forma mais genérica, "não tente inventar". Mas o propósito não é inventar? Sim, é. Mas você vai inventar naturalmente, sem esforço. Quando você fica se esforçando pra ser engraçado, as pessoas vão perceber. Você vai ficar pensando muito nisso. Vai hesitar antes de falar, por ficar se questionando se o que você vai falar é engraçado. Não vai prestar atenção no que o outro ator está falando, porque você está pensando em algo engraçado. O ideal, no teatro de improviso, é simplesmente reagir ao que está acontecendo. Muitas vezes a cena vai pra um lado tão bizarro que ela vai ser engraçada naturalmente. Outras vezes, algo que é normal pra você vai ser engraçado ou criativo pra outra pessoa. Trazendo isso pro RPG Improvisar é complicado, eu sei. E Mestres podem ficar ainda mais tensos porque eles precisam gerenciar vários personagens ao mesmo tempo em que precisam julgar e manter as regras. O que fazer, então? Duas coisas. Primeiro, lembre-se de que construir a história não é sua responsabilidade. Segundo, não tente ser criativo.
  • 20. É igual ao que falei pro teatro. Se ficar querendo ser criativo o tempo todo, vai hesitar. Vai colocar mais pressão sobre seus ombros. A sugestão: não tente ser criativo. Sério. Eu sigo essa regra nas minhas campanhas. E sabe o que é legal? As aventuras acabam sendo criativas de qualquer jeito. Você acha que está sendo clichê, e aí percebe que as referências que você tem não são as mesmas dos seus jogadores. Algo óbvio pra você pode acabar sendo criativo e original pra eles. Não esqueça que os jogadores tornam tudo criativo Como falei no começo do livro, se você estiver aberto a improvisar os jogadores também vão contribuir com a história. Essa mistura da contribuição de todo mundo vai criar algo único. Você inventou algo que é clichê pra você, aí um jogador contribui algo que é clichê pra ele, e uma outra jogadora contribui com algo que é clichê pra ela. Mas quando você vê, a mistura de tudo é original e interessante. Esse é o legal de improvisar. Isso vai te surpreender, mas assim você evita seus clichês Eu tenho meus clichês em aventuras. Sério, já fiz várias besteiras. Sempre que eu parava pra inventar algo "criativo" no meio da aventura, sabe o que eu fazia? Colocava um traidor. Aquele seu mentor? Vai te trair. Aquele cara pedindo ajuda? É um bandido. O cara bonzinho te ajudando há 3 sessões? Traidor! Eu demorei muito pra perceber esse meu padrão. Os jogadores, é claro, já tinham percebido. E o pior de tudo é que a forma de fugir desse meu padrão era bem simples: não tentar ser criativo. Se eu parasse pra inventar, sempre ia pro mesmo caminho. Então parei de ficar tentando inventar. Segui o fluxo. E pessoas pararam de ser traídas.
  • 21. Finalizando Um resumo dos assuntos principais do capítulo: ● No teatro, não tentam ser engraçados. Ser engraçado acontece graças ao improviso e situações inusitadas. ● No RPG, não tente ser criativo. Isso vai acontecer naturalmente. ● Não esqueça que os jogadores vão contribuir e daí vem o aspecto único da aventura. ● Se você não ficar planejando, você escapa dos seus vícios de trama. Faça como os atores de improviso: deixe a cena rolar. No próximo capítulo Eu já bati várias vezes na tecla do improviso e de deixar rolar. Mas ainda tem uma forma em que os Mestres infuenciam o rumo das cenas. A forma como fazemos perguntas acaba dizendo a eles o que fazer. Então fique ligado no próximo capítulo "não diga aos jogadores o que fazer", pra ver como podemos fazer perguntas sem manipular os jogadores pra um rumo específico.
  • 22. Capítulo 6 - Não diga aos jogadores o que fazer Agora é hora de falar da última forma de garantir um improviso decente e realmente livre: não manipular as ações dos seus jogadores. O oposto do teatro Essa é a primeira vez no livro que digo fujo um pouco da proposta, então resolvi avisar com antecedência. O meu ponto a seguir é que no jogo de RPG temos que fazer o oposto do que fazem no teatro. Você vai entender. Eles odeiam perguntas abertas No teatro de improviso, você aprende a fazer perguntas fechadas sempre que puder. Perguntas fechadas são aquelas que já trazem uma sugestão de resposta. Em alguns casos, só permitem um simples "sim" ou "não". Exemplo de pergunta fechada seriam: "Você é meu tio?" Já a pergunta aberta é o oposto. Ela não traz uma sugestão de resposta e deixa a outra pessoa completamente livre pra responder. Exemplo: "Quem é você?" ou "Do que é que isso é feito?". Quando você pergunta algo tipo "Quem é você?" você força o outro ator a parar e bolar uma resposta. Eles tem uma plateia esperando ver uma cena que não para, então qualquer pausa é ruim. Lá no teatro, você não quer que o outro ator tenha que inventar algo. Pra eles, é melhor não deixar muitas opções nas perguntas.
  • 23. Nós adoramos perguntas abertas O caso do RPG é o oposto. Nós somos nossa própria plateia. Além disso, o jogo já tem diversas pequenas pausas ao longo de uma sessão. E o que mais queremos num jogo de RPG é deixar cada jogador aberto para inventar. É importante que o improviso seja o mais livre possível. Isso que leva a história a um ponto único como falamos no capítulo anterior. Então não diga aos jogadores o que fazer. Pergunte de forma aberta. O problema das perguntas fechadas no RPG Quando o Mestre faz uma pergunta fechada, ele acaba manipulando a reação do jogador. Ele coloca uma possível resposta em primeiro plano na pessoa que foi perguntada. Imagine a seguinte cena: "No final do corredor, entre os livros, está um Orc de 2 metros de altura. Você vai atacar ele?" Essa cena coloca uma reação direto na mente do jogador. Ele agora está pensando em ataque. Você manipulou a reação, mesmo que sem querer. E o mais provável é que o jogador diga sim. O problema desse tipo de pergunta é que pode impedir que o jogador bole algum outro tipo de resposta completamente diferente que tornaria aquela cena única e memorável. Será que o jogador dessa cena pensaria em derrubar a estante e fugir, em vez de atacar? Faça perguntas abertas Agora vamos imaginar aquela mesma cena, com outra pergunta no final.
  • 24. "No final do corredor, entre os livros, está um Orc de 2 metros de altura. O que você faz?" O que você faz? Essa pergunta é o mais aberta que dá pra chegar. Você não colocou nenhum tipo de ação em primeiro plano na mente do jogador. Ele está livre! Livre pra mente dele ir pra qualquer lado. Talvez ele pense em atacar. Talvez pense em derrubar a estante. Talvez pense em dar oi e oferecer chocolate. Tudo pode acontecer! Finalizando Pense em como é o seu estilo de narração de jogos. Você costuma fazer perguntas fechadas que manipulam seus jogadores? Que tal experimentar perguntas abertas pra ver pra que lado as coisas vão? Vamos resumir os pontos principais deste capítulo: ● No teatro, perguntas abertas são ruins porque eles precisam bolar uma resposta e a plateia não quer esperar. ● No RPG, somos nossa propria plateia. Nós podemos esperar alguns segundos enquanto um jogador bola uma resposta. ● Perguntas fechadas colocam uma resposta na mente da pessoa. Isso limita o que a pessoa pode acabar imaginando. ● Perguntas abertas são uma página em branco. Qualquer coisa pode acontecer. ● Não diga aos jogadores o que fazer. Em vez disso, faça perguntas abertas. No próximo capítulo Agora que vimos tudo que podemos aprender com o teatro de improviso, não basta juntar tudo. É importante manter a ilusão.
  • 25. Capítulo 7 - Mantenha a ilusão Nos seis capítulos anteriores eu falei sobre todas as formas como o teatro de improviso pode te ajudar a melhorar suas partidas de RPG. Se você seguir todas as dicas, vai estar improvisando e criando coisas conforme jogam. Agora é hora da dica que faz tudo funcionar. Você precisa fazer parecer que já tinha pensado nas coisas. Mantenha a ilusão. Todos estarão inventando a história juntos Você seguiu todas as dicas. Não está dizendo não para os jogadores. Está, inclusive, dizendo sim. Não está impedindo os outros de criarem a história. Se também estiver trazendo ideias sem resultados fixos, as coisas vão estar acontecendo sem serem previstas. Inimigos vão aparecer. Vai inventar armadilhas na hora. Vai acontecer de inventar uma armadilha, sem nem saber como é que se passa por ela. E vai aceitar a sugestão de algum jogador de como resolver! Isso é muito legal, mas tem um problema. Os jogadores podem achar que não existe nenhum desafio diante deles. A sensação de desafio Jogadores precisam sentir que estão sendo desafiados e que estão superando o desafio por serem espertos. Na maioria das vezes isso é verdade. Mas em alguns momentos, um jogador vai tentar algo inusitado como jogar pombos mortos numa armadilha mágica. E a solução é tão legal e criativa que você vai fingir que aquela era sim a melhor solução pro problema.
  • 26. Se isso acontecer com muita frequência, os jogadores vão achar que não precisam se esforçar. Que qualquer coisa que eles inventarem você vai aceitar como solução. Você precisa fazer eles acreditarem que você tinha mais coisas planejadas. A importância da ilusão As pessoas gostam de ser enganadas. Mas com elegância. Pessoas pagam pra ver mágicos no palco. Compram revistas com mulheres super alteradas no Photoshop. Mas quando você mostra que elas foram enganadas, não gostam. O mágico que revela seu truque perde parte do encanto, por exemplo. Mantenha a ilusão Não diga aos jogadores o que você já tinha preparado. Pra todos os efeitos, todos os desafios, todos os personagens, todos os monstros, todos os itens do jogo estavam planejados. Quando você não revela o que foi improviso, fica a dúvida. E a dúvida é como o truque do mágico. A dúvida é mais legal do que a verdade. Finalizando A ilusão é o que permite aos jogadores acreditar que venceram todos os desafios por mérito próprio. Na maior parte das vezes é verdade, mas isso impede a decepção de saber que alguns desafios foram apenas simulados. Resumindo os pontos principais do capítulo: ● Como todos estão inventando a história juntos, em alguns momentos a solução de um problema vai ter sido inventada. ● Jogadores gostam de serem desafiados. Mas saber que não encontraram a resposta "verdadeira" de um desafio pode dar a impressão de não haver dificuldade.
  • 27. ● Então é muito importante manter a ilusão de que tudo estava planejado. ● A solução é simples: nunca diga que não tinha algo preparado. No próximo capítulo Pra finalizar o livro sobre como melhorar suas partidas de RPG com técnicas de improviso, dicas de como se preparar para improvisar.
  • 28. Capítulo 8 - Como se preparar para improvisar Vamos rever tudo que foi falado nos capítulos anteriores até agora. Na parte 1 e 2 falei sobre a importância de não dizer não, e como dizer sim. Na parte 3 e 4, bati mais na tecla sobre aceitar a colaboração dos outros. Falei sobre quem conta a história no RPG, e que o importante é trazer ideias abertas, não resultados. Nas partes 5 e 6 o tema foi não limitar as ideias que vem na cabeça, com a dica polêmica "não tente ser criativo" e o capítulo sobre não dizer aos jogadores o que fazer. E os dois últimos capítulos são sobre juntar tudo sem quebrar a ilusão e a empolgação. Na parte 7 falei sobre "manter a ilusão". Agora é hora de falar sobre como se preparar para improvisar. Tem que se preparar pra improvisar? Eu sei que parece meio contraditório. Eu passei 7 capítulos falando sobre aceitar improvisos na hora e agora falo sobre se preparar? O negócio é que por mais que a ideia de improvisar todo o tempo seja legal, nem sempre conseguimos inventar coisas legais no calor do momento. Ainda por cima, jogos de RPG dependem de vários materiais de referência. Itens e monstros precisam de estatísticas. Personagens coadjuvantes precisam de nomes. Dungeons podem precisar de uma armadilha complexa. Cidades precisam de construções interessantes. E por aí vai. Não é legal parar a aventura no meio pra procurar uma informação num livro.
  • 29. É importante que o mestre tenha o material que precisa já à mão. Mas o que ele precisa? O que você tem que preparar com antecedência Lembra do capítulo sobre trazer ideias, não resultados? Ideias abertas são uma das principais coisas que o Mestre pode preparar com antecedência. Traga sua lista de ideias para a sessão. Faça uma lista de itens curtos, de preferência descritos como perguntas que começam com "E se...". Além disso, também é importante deixar preparados os seguintes itens: ● Fichas de monstros que podem aparecer na sessão. ● Sugestões de nomes de NPCs. ● Sugestões de nomes de cidades. ● Fichas de alguns itens mágicos que podem ser introduzidos. ● Uma ou duas ideias de armadilhas, com as informações relevantes. Como se preparar para improvisar Para preparar suas ideias, fique atento fora do jogo. Tenha sempre com você um caderno, ou seu celular com um aplicativo de notas a fácil acesso. Quando tiver qualquer ideia, anote no caderno ou aplicativo. É sério, não esqueça de anotar. Mesmo que você ache que a ideia é tão boa que não pode esquecer, existe uma boa chance de você acabar esquecendo. Para monstros, reveja para onde a sessão anterior estava indo. Agora pense que monstros podem encontrar num futuro próximo e já imprima as fichas deles. Só por garantia, imprima ou separe também uma ou outra ficha de monstro caso a próxima sessão siga numa direção completamente diferente e você precise de outro tipo de monstro. Acha que a próxima sessão vai ser focada em dragões e dragonetes? Prepare também um esqueleto ou um lobo selvagem.
  • 30. Se seu jogo tiver itens mágicos ou equipamentos especiais, escolha alguns itens que podem ser dados como recompensa na aventura. Não se sinta obrigatório a colocar todos na próxima sessão. A ideia é só ter fichas de itens a fácil acesso caso precise. Faça uma lista de nomes. Nomes de homens e mulheres. Nomes de cidades. Não precisa ser uma lista gigante, pode ter uns 3 ou 4 nomes de cada sexo, 1 ou 2 nomes de cidades. O importante é não ser pego de surpresa caso os jogadores perguntem o nome de algo ou alguém. Não é legal conhecerem o décimo Jack ou Maria na aventura. Além disso, pense numa armadilha que seja bem divertida de jogar. Num jogo tipo D&D, pode ser uma armadilha pra dungeon. Num jogo cyberpunk pode ser uma armadilha nas ruas ou no ciberespaço. Talvez até mesmo uma armadilha corporativa. Talvez um portal espacial adulterado. Sei lá. Qualquer que seja a categoria da preparação, não prepare demais. Prepare o mínimo possível, na verdade. Só o bastante pra não precisar ficar parando a história todo o tempo. Mas lembre-se de uma coisa... Não deixe a preparação entrar no caminho da liberdade da história O legal do RPG é estar aberto para o improviso de todos na mesa. Incorporar a contribuição de todos. Então não deixe seu pouco material atrapalhar o rumo que a história está seguindo. Se os jogadores invadiram uma tumba assombrada e você não preparou nenhum esqueleto ou zumbi, não tente dar uma guinada na história de volta para os dragões que você preparou. Se invadiram a tumba, os jogadores querem tumba. Dê tumba pra eles. Pare o jogo, pegue as fichas dos esqueletos e zumbis, siga adiante. Por mais que você queira se preparar, os jogadores vão levar as coisas para outro lado. Então esteja pronto pra parar o jogo.
  • 31. Finalizando Se eu pudesse resumir esse livro numa única frase, seria: não seja o chato, improvise junto com todo mundo. E saiba como se preparar pra improvisar sem se deixar levar pelo que você preparou. Resumindo os pontos principais deste capítulo: ● Improvisar bem o tempo todo é difícil, então anote suas ideias e traga elas pro jogo. ● Prepare de antemão algumas fichas que pode precisar. Isso evita perda de tempo. ● Pra saber o que preparar, pense no caminho que a história está seguindo. ● Prepare o mínimo possível pra reduzir as pausas de coisas previsíveis. ● Não deixe a preparação atrapalhar o improviso. ● Quando a preparação falha, esteja preparado pra pausar o jogo por um momento e procurar o que precisa. ● Acima de tudo, lembre-se de improvisar, não dizer não, e aceitar a participação de todos. Onde encontrar mais informação Você tem alguma dúvida ou sugestão? Acha que eu estou errado e o mestre tem que controlar toda a história? Envie um e-mail para ​contato@regrasdojogo.com​e vamos conversar. Visite ​http://regrasdojogo.com​para muitos outros artigos interessantes sobre RPG e jogos de tabuleiro.