1. Economia e Risco
José Castro Caldas
Centro de Estudos Sociais
Universidade de Coimbra
Ciclo de Seminários do NECTS- Riscos Públicos
2. A incerteza na teoria económica
• Os modelos económicos (neoclássicos) básicos
assumem conhecimento perfeito:
– Os agentes (consumidores, produtores, investidores) conhecem:
• o que querem (têm preferências bem definidas)
• as diferentes possibilidades de escolha ao seu dispor
• as consequências das suas escolhas
• Os autores e os estudantes destes modelos sempre
souberam que o conhecimento pode não ser perfeito
• …mas quando modificaram o modelo para considerar a
“imperfeição do conhecimento”, consideraram apenas:
– A incerteza quanto às consequências da escolha
– A incerteza quantificável em termos de probabilidade: teoria da
utilidade esperada (1944, John von Neumann e Oskar
Morgenstern, Theory of Games and Economic Behavior)
3. A incerteza na teoria económica
• Outras concepções de incerteza:
– 1921, Frank H. Knight, Risk, Uncertainty and
Profit
– 1921, John Maynard Keynes, A Treatise on
Probability
– 1949, George L.S. Shackle, Expectation in
Economics
4. Teoria da utilidade esperada
• O modelo mais simples (nunca adoptado) de decisão
em condições de incerteza assumiria que os indivíduos
escolhem a alternativa que se apresenta com o maior
valor esperado.
Estados da natureza prob. Alt. 1 V.E. 1 Alt.2 V.E.2 Alt. 3 V.E.3
A 0,25 100 25 75 18,75 60 15
B 0,35 50 17,5 100 35 60 21
C 0,4 30 12 20 8 60 24
1 54,5 61,75 60
• Escolha entre [100€ na mão] e [202€ se sair cara e 2€
se sair coroa]
• (valor esperado do jogo 202*0.5+2*0.5=102)
• É irracional aceitar os 100€?
5. Teoria da utilidade esperada
• Os decisores não maximizam o “valor
esperado” mas a “utilidade esperada”
• Utilidade: medida de satisfação subjectiva
• A utilidade marginal é decrescente: 100€ a
mais para quem não tem nada é melhor
do que 100€ a mais para quem tem muito
• É o que se passa por exemplo se a função
de utilidade for U=log(V)
6. Teoria da utilidade esperada
Função de utilidade U=log(v)
1,4
1,2
1
Utilidade
0,8
0,6
0,4
0,2
0
0 5 10 15 20 25
Valor
7. Teoria da utilidade esperada
• Escolha entre 100€ na mão e 202€ se sair
cara e 2€ se sair coroa
• 100 certos: U(100)=log(100)=2
• Jogo: 0,5*U(202)+0,5*U(2)=
=0,5*log(202)+0,5*log(2)=
=0,5*2,30,15+0,5*0,30=1,30
8. Problemas com a teoria da
utilidade esperada (exemplo)
• Paradoxo de Allais:
ganhos prob. galhos prob. ganhos prob.
6A 1 milhão 1
6B 5 milhões 0,1 1 milhão 0,89 0 milhões 0,01
7A 5 milhões 0,1 0 milhões 0,9
7B 1 milhão 0,11 0 milhões 0,89
• Com U(0)=0; U(5)=1; U(1)=?
• 6A melhor que 6B implica:
U(1)>=0,1+0,89 x U(1), isto é, U(1)>=0,1/0,11
• 7B melhor que 7B implica:
0,1>=0,11 x U(1), isto é, U(1)<= 0,1/0,11
9. Problemas com a teoria da
utilidade esperada
• Procurando solução para paradoxos da
Teoria da Utilidade Esperada, Kahneman e
Tversky (1979) propõem a prospect theory:
• Assimetria ganhos-perdas:
– pessoas avessas ao risco face a oportunidades de
ganho tendem a ser amantes do risco quando
enfrentam perspectivas de perda
• Escolha entre pagar 100€ de certeza ou
pagar 202€ se sair cara, ou 2€ se sair coroa
10. Knight
• Três tipos de “julgamento probabilístico”:
– A priori: calculável sem experiência (probabilidade de
obter uma dada face dum dado perfeito)
– Estatístico: o resultado só pode ser obtido pelo
“estudo indutivo de um grande número de casos”
– Incerteza: “não há qualquer possibilidade de formar
grupos de instâncias com suficiente homogeneidade
de forma a tornar possível uma determinação
quantitativa da verdadeira probabilidade”
11. Knight
“... Uncertainty must be taken in a sense
radically distinct from the familiar notion of Risk,
from which it has never been properly
separated... It will appear that a measurable
uncertainty, or "risk" proper, as we shall use the
term, is so far different from an unmeasurable
one that it is not in effect an uncertainty at all.
We ... accordingly restrict the term "uncertainty"
to cases of the non-quantitive type”.
12. Keynes
“By ‘uncertain’ knowledge, let me explain, I do not mean
merely to distinguish what is known for certain from what
is only probable. The game of roulette is not subject, in
this sense, to uncertainty... The sense in which I am
using the term is that in which the prospect of a
European war is uncertain, or the price of copper and the
rate of interest twenty years hence... About these
matters there is no scientific basis on which to form any
calculable probability whatever. We simply do not know.”
13. Keynes
“How do we manage in such
circumstances to behave in a manner
which saves our faces as rational,
economic man?”
14. Keynes
• “Desenvolvemos técnicas”…:
(1) Assumimos o presente como um guia para o
futuro [ignoramos a perspectiva de mudanças
futuras acerca das quais nada sabemos]
(2) Assumimos que o estado actual de opinião se
baseia numa avaliação correcta das perspectivas
futuras
(3) “Sabendo que o nosso julgamento individual não
tem qualquer valor apoiamo-nos no julgamento do
resto do mundo que talvez esteja mais bem
informado”
15. Keynes
• Consequência:
– Baseado num fundamento tão precário o
sistema está “sujeito a mudanças súbitas e
violentas”
“At all times the vague panic fears and equally
vague and unreasoned hopes are not relly
lulled [apasiguados], and lie but a little way
below the surface”
16. Shackle
• Conhecimento é certeza
• Onde há conhecimento (certeza) não há verdadeira
decisão
• As verdadeiras decisões envolvem incerteza a respeito
das consequências
• As verdadeiras decisões são acontecimentos únicos
• Como é que as decisões são tomadas apesar da
incerteza?
– Com base em expectativas (antecipações imaginativas das
consequências da acção)
– Contrariamente a Keynes o modelo refere-se a processos
mentais que ocorrem à escala do indivíduo
17. Questões em aberto I
• A incerteza relativamente às
consequências da escolha (incerteza
epistémica de meios) não é a única forma
concebível de incerteza:
– Incerteza axiológica: incerteza quanto aos
fins que merecem ser prosseguidos
– Incerteza deôntica: incerteza na relação com
as normas
18. Questões em aberto II
• A caracterização dos perigos em termos probabilísticos
constitui um “enquadramento” que não é neutro:
A) Uma empresa farmacêutica lançou no mercado um novo
medicamento, denominado Crestovar, utilizado no controle do
colesterol e reconhecidamente eficaz na prevenção de doenças
cardiovasculares. A empresa sabe, no entanto, que um dos
princípios activos deste medicamento pode ter efeitos
secundários e provocar a morte a dez pessoas em cada dez mil
que o utilizarem. A redução deste risco implicaria mais
investigação por parte da empresa, com um custo de cem
milhões de euros.
B) a quem o utilizar, sendo o risco de morte de 0,1 %.
19. Questões em aberto II
Em sua opinião, esta empresa A B
deveria ser:
Punida imediatamente e 13 5
impedida de vender o
medicamento
Impedida de vender o 9 12
medicamento
Não deveria ser punida, nem 4 3
impedida de vender o
medicamento
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