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                                                                 ISSN 1678 – 152 X
                          PELA GLOBALIZAÇÃO DOS DIREITOS
                 ÃO ESPECIAL     www.observatoriosocial.org.br




                   Para obter aço,
         siderúrgicas e montadoras
           de veículos financiam a
           devastação da amazônia


         o elo entre a máfia da sudam,
             a morte da irmã dorothy e
           o comércio ilegal de carvão




a floresta Que virou


cinza
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aPresentação


                     Devastação ambiental na
                     cadeia produtiva do aço

                     E
                          m junho de 2004, o Instituto                 Sete anos depois, o Observatório
                          Observatório Social publicou uma        volta a falar de cadeia produtiva do
                          pesquisa histórica sobre a existência   aço e mostra que, na mesma região, as
                     de trabalho escravo na cadeia produtiva      siderúrgicas continuam com problemas
                     do aço. Na época, grandes siderúrgicas       na cadeia produtiva. Elas agora se
                     instaladas no pólo de Carajás, no Pará,      beneficiam de processos predatórios
                     foram identificadas como financiadoras       para garantir o suprimento de carvão
                     de carvoarias que usavam trabalhado-         vegetal, produzido com madeira retirada
                     res escravos na produção de carvão,          de áreas de preservação ambiental.
                     produto fundamental para a produção               O esquema só é possível graças ao
                     do ferro-gusa e do aço.                      envolvimento de políticos irresponsáveis
                          Até aquele momento, as side-            e de funcionários públicos corruptos.
                     rúrgicas negavam o problema e se             Eles garantem a manutenção do fluxo
                     recusavam a rever seus processos             predatório através da falsificação de
                     produtivos. O impacto da pesquisa            documentos e da pressão junto às au-
                     junto à opinião pública, contudo,            toridades, inclusive decidindo sobre o
                     gerou forte pressão dentro e fora do         afastamento de fiscais que se recusam
                     país, inclusive entre os clientes dessas     a entrar no esquema.
                     empresas na Europa e nos Estados Uni-             O Instituto Observatório Social
                     dos. No Brasil, após a divulgação das        divulga essas informações na expec-
                     informações, a pressão do movimento          tativa de alertar a sociedade e o setor
                     sindical e da sociedade civil organizada     produtivo para as graves violações da
                     levou as empresas a reconhecerem             legislação ambiental e trabalhista que
                     o problema e assinarem um inédito            estão ocorrendo na região. No mundo
                     Pacto Nacional pela Erradicação do           atual, é inadmissível a existência de
                     Trabalho Escravo, que contribuiu de          atividades econômicas predatórias e que
                     forma decisiva para a diminuição do          não levem em consideração a ética e os
                     problema, na medida em que cente-            valores sociais e ambientais necessários
                     nas de empresas se comprometeram             à construção de um mundo mais justo
                     perante a sociedade a realizar ações         e sustentável.
                     em sua cadeia produtiva.
                          Na mesma época, a criação do
                     Instituto Carvão Cidadão contribuiu de            Instituto Observatório Social
                     forma substancial para promover a res-
                     ponsabilidade social e o enfrentamento
                     do trabalho escravo na região.

© Foto: Greenpeace
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instituto observatÓrio social             revista observatÓrio social

diretoria eXecutiva
  cut
  Aparecido Donizeti da Silva
  Vagner Freitas de Moraes
  João Antônio Felício
  Valeir Ertle
  cedec
  Maria Inês Barreto
  unitrabalHo
  Carlos Roberto Horta                     Fevereiro de 2011 – Edição Especial
                                           São Paulo – SP – Brasil
  dieese
                                           Tiragem: 10.000 exemplares • Gráfica MG
  João Vicente Silva Cayres
                                           Jornalista responsável:
CONSELHO DIRETOR                           Marques Casara (RJ - 19126)
  cut                                      edição:
  Rosane da Silva                          Daniele Martins
  Aparecido Donizeti da Silva              diagramação:
  Denise Motta Dau                         Daniel Cabral
  Quintino Marques Severo
                                           Pesquisa:
  Vagner Freitas de Moraes
                                           Dauro Veras, Marques Casara,
  Jacy Afonso de Melo                      Paola Belo e Sérgio Vignes
  João Antônio Felício
  Valeir Ertle                             fotos:
                                           Sérgio Vignes
  dieese                                   execução:
  Maria Luzia Feltes                       Instituto Observatório Social
  João Vicente Silva Cayres                e Papel Social
  unitrabalHo
  Francisco José Carvalho Mazzeu          revista observatÓrio social
  Silvia Araújo
                                            2003
  cedec                                     Prêmio Esso de Jornalismo, categoria
  Tullo Vigevani                            Informação Científica, Tecnológica e
  Maria Inês Barreto                        Ecológica.
                                            2006
eQuiPe tÉcnica                              Menção Honrosa - Prêmio Jornalístico
  coordenação institucional                 Vladimir Herzog de Anistia e Direitos
  Amarildo Dudu Bolito                      Humanos.
                                            2007
  coordenação de pesquisa
                                            Menção Honrosa - Prêmio Jornalístico
  Felipe Saboya
                                            Vladimir Herzog de Anistia e Direitos
  coordenação de                            Humanos.
  sistema de informação                     2008
  Alex Capuano                              Prêmio Especial de Direitos Humanos
                                            da OAB/RS e do Movimento Justiça e
R. Dona Brígida, 299                        Direitos Humanos.
Vila Mariana- 04111-080- São Paulo - SP
Tel: (11) 3105-0884                         2009
Fax:(11) 3107-0538                          Honra ao Mérito no Prêmio Esso de
e-mail: observatorio@os.org.br              Jornalismo, categoria Informação
www.observatoriosocial.org.br               Científica, Tecnológica e Ecológica.
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índice desta edição
                                                                  Siderúrgicas e montadoras financiam a
                 05                                               devastação da Amazônia
                                                                  Reportagem denuncia como opera esquema de fornecimento
                                                                  de carvão ilegal para a indústria do aço

                                                                  Histórico da devastação
                 07                                               Fiscais do governo do Pará e empresários se
                                                                  uniram para esquentar madeira ilegal



                                                                  Impactos ambientais
                 09                                               Entenda como a cadeia produtiva do ferro-gusa
                                                                  transforma floresta em cinza



                                                                  Consórcio do crime
                 13                                               Grupo ligado à Máfia da Sudam fornece de
                                                                  carvão ilegal para a indústria de aço



                                                                  O passo a passo do crime
                 17                                               Como operadores do consórcio encontram meio de legalizar
                                                                  carvão para as siderúrgicas



                                                                  Responsabilidade empresarial
4.000.000
                 19
               Gráfico 1: Quantidade de Ferro-gusa exportada (Pará Conheças asaetapas do carvão até chegar às
                                                                   e Maranhão) - 1990 2008
                                                                   montadoras e siderúrgicas

3.500.000

3.000.000
                                                                  Irmã Dorothy
2.500.000

2.000.000
                 27                                               Até quando o esquema que assassinou a freira
                                                                  continuará impune?

1.500.000

1.000.000
                                                                  O mercado do ferro-gusa
 500.000

       0
                 28                                               Entenda a importância da principal matéria-
                                                                  prima utilizada na produção de aço
            1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008




                                                                  Perspectivas para a indústria do Pará em 2011
                 31                                               Boa notícia para a economia e um alerta para
                                                                  questões ambientais
4
5
                                                           E
                            No Pará, gigantes globais          ssa reportagem vai mostrar como opera um grupo
                               do setor de ferro e aço         criminoso sediado no interior paraense, que fornece
                                                               carvão ilegal para a indústria global do aço. Esse
                        financiam grupos criminosos        consórcio do crime é formado por empresários, políticos
                                que produzem carvão        e funcionários públicos corruptos, que se uniram para
                         oriundo de trabalho escravo       depredar recursos naturais da Amazônia. Em paralelo
                                                           à narrativa, que desvendará o consórcio do crime, a
                             e devastação ambiental.       reportagem vai mostrar por que três fatos tratados de
                         Gerdau, Vale, ThyssenKrupp,       forma distinta devem, de fato, ser vistos como parte do
                            Nucor Corporation, NMT,        mesmo esquema:
                        Ford, General Motors, Toyota        1. O desvio de R$ 132 milhões pela “Máfia da Sudam”,
                                                               que em 2002 levou o senador Jader Barbalho à prisão
                        e Nissan estão ligadas a uma           e implodiu a candidatura da governadora Roseana
                             cadeia produtiva ilegal e         Sarney à presidência da república;
                               que não leva em conta        2. O assassinato, em 2005, da freira Dorothy Stang, morta
                                  os direitos humanos,         com seis tiros dentro de uma área de terras grilada pelo
                                as leis trabalhistas e a       braço direito de Jader Barbalho nos desvios da Sudam;
                                 legislação ambiental.      3. O carvão do trabalho escravo e da devastação, que
                                                               abastece o mercado internacional do aço e tem como
                                                               chefe do esquema o político e empresário Laudelino




                                                               Délio Fernandes Neto. Esse homem é o elo entre as três
                                                               histórias: é um dos chefes da Máfia da Sudam, é o chefe
                                                               do consórcio criminoso do carvão, e é o homem que, em
                                                               2005, deu abrigo, em sua casa, ao mandante da morte
                                                               da irmã Dorothy, poucos minutos após o crime.

                                                                Nas próximas páginas, você saberá como opera o
                                  Reportagem de            esquema e verá que ele só existe porque há uma bem mon-
                                                           tada rede de corrupção nos órgãos ambientais do estado
                                 Marques Casara e          do Pará. Funcionários públicos que ocupam postos chaves
                                    Sérgio Vignes          na administração pública, e que deveriam zelar pelo pa-
                                                           trimônio ambiental da Amazônia, facilitam toda sorte de
                                                           ilegalidades: crimes contra os direitos humanos, contra o
                                                           meio ambiente e contra a economia.
                                                                A depredação ambiental e o trabalho escravo con-
                                                           taminam a cadeia produtiva do aço desde sua base até o
                                                           consumidor final. Com isso, ao comprar um automóvel
        Pátio de                                           ou um eletrodoméstico, o consumidor financia o aço da
        madeireira                                         devastação. Com uma demanda crescente e cada vez mais
        clandestina –                                      necessária, o setor produtivo está diante do dilema de
        Marabá (PA)                                        produzir mais ou de produzir só o que os recursos naturais
                                                           são capazes de suportar.

© Foto: Sérgio Vignes
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                        HistÓrico da
                        devastação                                        Fiscais do governo do Pará e empresários
                                                                          se uniram para esquentar madeira ilegal




                                                    A
                                                            atividade madeireira na Amazônia   mostrou, por exemplo, a ligação da
                                                            diminuiu muito nos últimos anos.   maior exportadora de madeira do Pará,
                                                            Desde 2004, a produção caiu mais   a Pampa Exportações, com madeireiras
                                                    de 50%. As empresas entraram em crise e    fantasmas - empresas sem registros
                                                    cortaram milhares de postos de trabalho.   contábeis e fiscais e que operam com
                              São empresas com      Muitas fecharam as portas.                 100% de madeira ilegal. São empresas
                                                         Segundo pesquisa financiada pelo      com endereço fixo e que só existem
                             endereço fixo e que    governo federal e apresentada em           graças à conivência de funcionários
                                                    2010 pelo Instituto do Homem e Meio        do governo estadual e a prática de cor-
                               só existem graças    Ambiente da Amazônia (Imazon), o           rupção ativa por parte de empresários
                                                    consumo de toras caiu de 24,5 milhões      do setor, como o caso da Pampa.
                                  à conivência de   de metros cúbicos para 14,2 milhões.            Lá fora, o impacto da reportagem
                                                         A notícia anima ambientalistas,       fez com que algumas grandes empresas
                                 funcionários do
© Foto: Sérgio Vignes




                                                    pois as estimativas dizem que mais         da Europa anunciassem cortes de for-
                                                    da metade da madeira que sai da            necedores e mudanças nos protocolos
                            governo estadual e a    Amazônia é ilegal ou esquentada em         de monitoramento da cadeia produtiva.
                                                    processos fraudulentos.                    Dentro do país, pouca coisa mudou. O
                            prática de corrupção         A diminuição da produção, segun-      presidente de Pampa, Demorvan Tomedi,
                                                    do a pesquisa do Imazon, aconteceu por     negou envolvimento com empresas
                               ativa por parte de   causa do maior rigor no monitoramento      fantasmas ou com madeira ilegal.
                                                    do corte e beneficiamento da madeira.           Tomedi continuou a negar mesmo
                            empresários do setor    Este rigor não significa que acabou a      depois de confrontado com fotos de
                                                    extração ilegal. Ela continua forte.       madeira carimbada com a logomarca da
                                                         Em junho de 2009, a reportagem        Pampa, estocadas no pátio de madeireira
                                                    Devastação S/A, publicada na edição        fantasma na cidade de Anapu (PA).
                                                    número 15 da Revista do Observató-              Tomedi integra o conselho de sus-
                                                    rio Social, mostrou que as maiores         tentabilidade do Banco Santander/Real.
                                                    empresas mundiais do setor de pisos        O banco publicou uma nota em defesa do
                                                    financiam o desmatamento da Ama-           empresário: “O Sr, Demorvan Tomedi ex-
                                                    zônia e compram madeira de origem          plicou ao banco que as informações oficiais
                        Ibama
                                                    ilegal. Esta madeira é esquentada em       sobre o fornecedor eram coerentes com os
                        confere lote
                                                    processos fraudulentos que envolvem        princípios da empresa e não levantavam
                        de madeira
                                                    empresas de exportação e uma qua-          suspeitas”, disse a nota do Santander/Real. A
                        apreendida
                                                    drilha, ainda não desmantelada, que        empresa Rio Pardo Madeiras, que segundo
                        na região de
                                                    opera na Secretaria de Estado do Meio      o banco não levantava suspeitas, sequer
                        Altamira
                                                    Ambiente do Pará.                          tinha CNPJ, além de não ter autorização
                                                         A reportagem do Observatório          para cortar madeira.
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               imPactos ambientais
               Entenda como a cadeia produtiva do ferro-gusa
               transforma milhões de hectares de floresta em cinza




                              A
                                     cadeia produtiva do ferro-gusa no Pará é uma das        é proveniente de áreas reflorestadas.
                                     que mais agride o meio ambiente. Estima-se que são      A notória existência de um volumoso
                                     desmatados, por ano, até cinco milhões de metros        comércio ilegal, à margem do controle
                              cúbicos de florestas nativas no estado para produção de        do Estado, coloca em dúvida qualquer
                              carvão vegetal.                                                dado mais assertivo sobre a realidade
                                   A produção de uma tonelada de ferro-gusa requer 875       deste percentual.
                              kg de carvão vegetal. Para se chegar a essa quantidade, são          Segundo estimativa do governo
                              necessários 2,6 mil kg de madeira seca (que, em média, tem     estadual de 2007, existiam, naquele ano,
                              uma densidade de 360 kg/m³ em matas nativas). Ou seja,         cerca de 25 mil carvoarias - número
                              esta matéria-prima exige o desmatamento de uma área de         que ajuda a dimensionar a quantidade
                              pelo menos 600 metros quadrados.                               de pessoas envolvidas na atividade.
                                   O carvão adquirido pelas siderúrgicas para o abaste-      “Em Açailândia [município maranhense
                              cimento de seus altos-fornos pode ter três origens:            com cinco siderúrgicas instaladas], há
                                                                                             bairros inteiros que vivem do carvão”,
                               1. Madeira nativa: extraída do desmatamento da floresta
© Greenpeace




                                                                                             conta Xavier Plassat, coordenador da
                                  nativa pelos projetos de manejo autorizados pelo Ibama.
                                                                                             campanha nacional contra o trabalho
                                  Estes projetos fazem parte da expansão de fronteira
                                                                                             escravo da Comissão Pastoral da Terra
                                  agrícola na região e o percentual autorizado pelo órgão
                                                                                             (CPT).
                                  ambiental para desmatamento varia: 20% na mata
                                                                                                   A mão-de-obra é, em grande medi-
                                  atlântica e 65% no cerrado. O projeto tem a duração
                                                                                             da, formada por trabalhadores sem-terra
                                  de dois anos, podendo ser renovado com autorização
                                                                                             que vivem de serviços agropecuários
                                  do Ibama;
                                                                                             e florestais temporários. Há, no en-
                               2. Resíduos de serrarias: o resíduo do processo (de 20%       tanto, situações diversas, incluindo
                                  a 40%) é utilizado para a produção de carvão. Em           a de assentados arregimentados para
                                  geral, a produção do carvão ocorre no próprio local        a atividade.
                                  onde existe a serraria.                                          As fiscalizações do Ibama em car-
                                                                                             voarias concentraram-se nos municípios
                               3. Reflorestamento: madeira extraída dos projetos de
                                                                                             de Dom Eliseu, Paragominas, Rondon
                                  reflorestamento que são plantações de eucalipto em
                                                                                             do Pará e Ulianópolis. Esses locais são
                                  fazendas de propriedade das siderúrgicas.
                                                                                             responsáveis pela quase totalidade do
                                   Somente em 2007, segundo a Associação Mineira de          fornecimento utilizado nas siderúrgi-
                              Silvicultura (AMS), o consumo de carvão vegetal no Brasil      cas de Marabá, e de grande parte do
                              foi de 9,2 milhões de toneladas - mais de 90% destinou-se      carvão consumido pelas siderúrgicas
                              ao setor siderúrgico. Para se ter uma ideia, são necessárias   de ferro-gusa maranhenses.
               Imagem
                              48 árvores, conforme parâmetros do Ministério do Meio                Entre 2000 e 2007, levantamentos
               aérea mostra
                              Ambiente (MMA), para produzir apenas uma tonelada              apontaram a queima de 21 milhões de
               incêndio
                              de car vão. Em outras palavras, naquele ano mais de            árvores nos fornos de carvão vegetal
               na região
                              440 milhões de árvores foram para o forno. Ainda de            utilizado na produção do ferro-gusa.
               amazônica
                              acordo com a AMS, aproximadamente 50% do que hoje                    Em abril de 2007, através da Ope-
                              é consumido advém de matas nativas - a outra metade            ração Apiti, do Ibama, foi constatado
10
que siderúrgicas adquiriram carvão de       do Pará, do Maranhão e de Minas Ge-         silvestres. Embargados mais de 33 mil
empresas que fraudaram o sistema de         rais comunicando decisões a respeito        hectares de área já desmatadas e, 363
controle de produção florestal. Houve       do fornecimento de minério de ferro,        fornos de produção de carvão vege-
também indícios de que Autorizações de      prometendo suspender o fornecimento         tal, oriundas de florestas nativas que
Transporte de Produtos Florestais (ATPFs)   das guseiras que não comprovassem           alimentam siderúrgicas para produção
roubadas da sede do Ibama em Marabá         respeitar a legislação.                     de ferro-gusa.
teriam sido utilizadas na venda de carvão        Entre as empresas, estiveram as              Em 2008, Ibama e Sema desen-
às produtoras de ferro-gusa. Empresas       paraenses Ibérica, Cosipar, Usimar,         cadearam operações que comprova-
como a Cosipar foram embargadas, mas        Simasa, Simara.                             ram que grandes siderúrgicas do Pará
voltaram a operar. Para suspender as             Em 2007, o Ibama, através das          foram o destino do carvão produzido
ações, além de pagar uma multa de           operações Kayapó, Cumaru, Sem Fron-         com madeira extraída ilegalmente na
R$ 65 milhões, a Cosipar assinou, em        teiras, Aço Preto, Urucuré e Lago – todas   Amazônia. A constatação se deu a
janeiro de 2008, um TAC (Termo de           no estado do Pará - gerou cerca de R$       partir de levantamentos feitos entre
Ajustamento de Conduta) aceitando           60 milhões em multas, resultantes da        2005 e 2008 sobre o uso de carvão no
plantar mudas de espécies nativas em        lavratura de 121 Autos de Infração          pólo siderúrgico de Marabá. Em ações
uma área de 32 mil hectares.                (AI), 106 Termos de Apreensão de De-        movidas desde setembro de 2007 contra
     A operação ambiental levou a Vale      pósito (TDA) e 11 Termos de Embargo/        quatro empresas instaladas na cidade, o
(na época, Companhia Vale do Rio Doce)      Interdição (TEI). Houve o embargo de        Ibama apontou que o volume de carvão
a dar um ultimato para que as empresas      01 empresa e 06 Notificações foram          vegetal declarado pelas companhias era




                                                                                                                                   © Foto: Sérgio Vignes
produtoras de ferro-gusa comprovassem       efetivadas. Foram apreendidos nas seis      incompatível com a demanda energética
que estavam em dia com as legislações       operações 2.399,601 metros cúbicos          necessária para produzir a quantidade de
ambiental e trabalhista. A empresa          de madeira, mais de 105 mil metros          ferro-gusa informada por elas. Juntas,
enviou cartas a um grupo de clientes        cúbicos de carvão vegetal, 37 mo-           dez siderúrgicas de Marabá declararam
produtores de ferro-gusa dos Estados        tosserras, 68 veículos e 102 animais        à Sema, em janeiro daquele ano, que
11
   São necessárias 48    possuíam 211.170 metros cúbicos de
                         car vão. Informaram que a origem
                                                                  carvão de origem ilegal. As empresas
                                                                  Cosipar, Sidernorte e Sidepar foram
    árvores, conforme    seriam empresas do Maranhão e de
                         Pernambuco, que, segundo a Sema,
                                                                  flagradas por fiscais do Ibama com-
                                                                  prando 1.520 m³ de carvão ilegal, o
        parâmetros do    estão suspensas.
                              Nas contas do órgão ambiental, a
                                                                  equivalente a 26 caminhões cheios, de
                                                                  uma firma de fachada, criada apenas
    Ministério do Meio   cada tonelada de ferro são consumidos
                         cerca de dois metros cúbicos de carvão
                                                                  para comercializar créditos florestais.
                                                                  De acordo com o órgão, as empresas
Ambiente (MMA), para     vegetal. A Cosipar (Companhia Siderúr-
                         gica do Pará), por exemplo, informou
                                                                  tiveram seus acessos ao Sisflora (sistema
                                                                  que faz o controle do fluxo de madeiras
 produzir apenas uma     que, entre 2000 e fevereiro de 2007,
                         produziu 2,2 milhões de toneladas de
                                                                  e subprodutos florestais) bloqueados.
                                                                  As siderúrgicas tiveram os estoques
   tonelada de carvão    ferro-gusa e declarou ter usado 1,7
                         milhão de metros cúbicos de carvão.
                                                                  irregulares apreendidos.
                                                                       O esquema de venda de crédito às
                              Segundo o Ibama, para tal quan-     siderúrgicas foi descoberto por meio
                         tidade de ferro seriam necessários 4,4   de auditoria no Sisflora. O sistema é
                         milhões de metros cúbicos de carvão.     gerido pela Secretaria Estadual de
                         O Ibama disse ter constatado “incom-     Meio Ambiente. Uma única empresa,
queimada nas             patibilidades” também em outras três     a LA Baseggio, criada em junho de
margens do Rio           empresas de Marabá: Simara Marabá,       2009 no Sisflora, chamou a atenção
Tocantins, em            Siderúrgica Ibérica e Usimar.            dos fiscais do Ibama por ter comer-
Marabá (PA)                   Mais recentemente, em novembro      cializado 9 mil metros cúbicos, entre
                         de 2009, o Ibama voltou a autuar em-     madeira e carvão, com 39 companhias
                         presas no estado acusadas de comprar     em apenas três meses.
12
13
                        consÓrcio do crime
                        Grupo criminoso ligado à Máfia da
                        Sudam fornece carvão ilegal para a
                        produção de aço




                                                  O
                                                          s problemas ambientais da Ama-     grandes siderúrgicas e das principais
                                                          zônia estão longe de terminar.     montadoras de veículos do mundo.
                                                          Talvez sequer tenham começado           Entre o trabalhador que produz
                                                  em seu viés mais devastador. O aque-       carvão ilegal no coração da floresta e o
                                                  cimento da economia brasileira, nos        carro de luxo que trafega nas avenidas
                                                  próximos anos, terá impacto direto         das grandes cidades, estão gigantes do
                                                  sobre o bioma amazônico. E a bola da       setor de mineração e produção de aço,
                                                  vez tem nome: carvão.                      além de siderúrgicas sediadas no Pará.
                                                       Este insumo é fundamental para             Os comandantes do esquema
                              carvão obtido em    a indústria do aço. Sua obtenção, na       são empresários que trabalham em
                                                  Amazônia brasileira, segue um roteiro      sintonia com funcionários corrup-
                         atividades predatórias
© Foto: Sérgio Vignes




                                                  protagonizado pela devastação, pelo uso    tos da Secretaria de Estado de Meio
                                                  de mão-de-obra escrava, pela corrupção     Ambiente do Pará, fiscais que usam
                         e com uso de trabalho    de funcionários públicos, pelo tráfico     o cargo para forjar documentos e
                                                  de influências e pela conivência das       esquentar carvão obtido através da
                               escravo entra na   maiores siderúrgicas e montadoras de       queima de toras retiradas de terras
                                                  veículos do mundo.                         indígenas e de áreas de preservação
                            cadeia produtiva de        Na Amazônia, empresários, políti-     ambiental, muitas vezes com o uso
                                                  cos e funcionários públicos constituíram   de trabalhadores escravos.
                           grandes siderúrgicas   um consórcio do crime para burlar a lei         No meio do caminho, o processo
                                                  e devastar os recursos naturais. É uma     é viabilizado graças ao serviço sujo
                                  e montadoras    parceria público-privada às avessas. Não   feito pelas siderúrgicas de grande
                                                  leva em conta o patrimônio ambiental,      porte localizadas na Amazônia. Para
                                                  social e cultural da região com a maior    que tudo isso dê certo, é preciso um
                                                  biodiversidade do planeta.                 ingrediente fundamental: a corrupção.
                                                       O problema começa no meio da          É ela que lubrifica o caminho entre o
                                                  selva e termina nas grandes monta-         interior da selva amazônica e a loja
                                                  doras de carros e caminhões do Brasil      de carros ali na esquina.
                                                  e dos Estados Unidos. São grandes               Quem viabiliza o esquema é o con-
                                                  corporações, que ao comprar aço pro-       sórcio criminoso aqui citado, que opera
                                                  duzido com carvão ilegal, financiam        nos porões da administração pública e
                                                  a devastação e o trabalho escravo na       do meio empresarial do estado do Pará.
                                                  Amazônia brasileira.                       É esse consórcio que viabiliza a devas-
                                                       Apesar de ser uma teia complexa       tação ambiental. Ele só existe porque
                        madeira
                                                  que envolve empresas, políticos e órgãos   mineradora, siderúrgicas e montadoras
                        vira pó em
                                                  de governo, tudo pode ser resumido em      fazem vistas grossas. Fingem que não
                        carvoaria em
                                                  uma frase: carvão obtido em ativida-       enxergam a própria cadeia produtiva.
                        Marabá (PA)
                                                  des predatórias e com uso de trabalho      São essas empresas globais, as gigantes
                                                  escravo entra na cadeia produtiva de       aqui mencionadas, que financiam a
14
                                   produção de carvão do desmatamento         implodiu a candidatura à presidência
 Perfil                            e do trabalho escravo.                     da república da atual governadora do
                                                                              Maranhão, Roseana Sarney, após a
 Político e empresário regional,   o testa de ferro                           divulgação da famosa foto da pilha
 Délio Fernandes é pouco
                                        O chefe do esquema é o empresário     de dinheiro sobre uma mesa.
 conhecido nacionalmente, o que
                                   e vice-prefeito da cidade de Anapu,             O peso do consórcio que esquenta
 não o descredencia como chefe
                                   Laudelino Délio Fernandes Neto, um dos     carvão é tão grande que em 2009 a
 dessa e de outras quadrilhas
                                   líderes da chamada Máfia da Sudam,         própria governadora do Pará, Ana
 que operam na Amazônia.
                                   que desviou milhões de reais de projetos   Julia Carepa, enviou uma carta ao
 O escândalo da Sudam segue
                                   que deveriam beneficiar o desenvolvi-      então presidente do Ibama, Roberto
 engavetado e ainda não deu
                                   mento da Amazônia, mas foram parar         Messias Franco, pedindo o afasta-
 em nada para os políticos.
                                   nos bolsos de empresários e políticos,     mento do funcionário que denunciou
 Muitos seguem na vida pública,
                                   dentre eles o próprio Délio e seu prin-    a existência do consórcio.
 dentre eles o próprio Délio,
                                   cipal aliado no esquema da Sudam, o             A intervenção da governadora
 vice-prefeito de Anapu.
                                   ex-senador Jader Barbalho.                 junto ao governo federal foi pedida pelo
                                        Antes de entrar para o ramo do        próprio Délio Fernandes, que apresentou
                                   carvão ilegal, Délio foi um dos princi-    a Ana Julia uma equação simples: “ou
                                   pais personagens das mega-fraudes na       deixam a gente trabalhar ou vai parar a
                                   Superintendência do Desenvolvimento        exportação de gusa para fabricar aço”.
                                   da Amazônia (Sudam). A quadrilha           Os argumentos de Délio foram usados
                                   desviou pelo menos R$ 132 milhões          pela governadora. Em suas alegações na
Trabalhador                        de projetos financiados pelo governo.      carta enviada ao Ibama, ela escreveu
em carvoaria                       É o mesmo escândalo que levou para         que o funcionário do Ibama que des-
de Marabá (PA)                     a prisão o ex-senador Jader Barbalho,      vendara a existência do consórcio do
                                   em 2002, e que nesse mesmo ano             crime, o então delegado do órgão em
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                        Altamira, Roberto Scarpari, era “contra     política paraense, Délio partiu para         a fornecer para as siderúrgicas que
                        o desenvolvimento da região”. Também        novos desafios: montou um consórcio          recebem o minério da Vale e fazem a
                        escreveu que “a atuação do escritório       para esquentar carvão e financiar a          mistura nos autofornos.
                        do Ibama em Altamira contribui para         exportação de gusa para as mega side-             Délio também organizou uma par-
                        que nada aconteça”. A carta pedindo         rúrgicas dos Estados Unidos. Para isso,      ceria com a banda podre da Secretaria
                        o afastamento de Scarpari foi ende-         se associou a 33 empresas produtoras         de Estado de Meio Ambiente, que passou
                        reçada ao presidente do Ibama no dia        de carvão em Marabá e municípios             a fabricar documentos de acordo com
                        9 de outubro de 2009 e está guardada        vizinhos, que por sua vez passaram           as necessidades do esquema.
                        nos arquivos do governo do estado
                        do Pará sob o número 662/09-GG, e
                        nos arquivos do Ibama sob o número                      laudelino délio fernandes neto, ligado ao ex-senador Jader
                        10100.004528/09-02.                                        barbalho, desviou os seguintes recursos da sudam:
                             O pedido da governadora foi aten-
                        dido. Scarpari foi afastado e transferido
                                                                      Emitiu um cheque para si mesmo no valor de R$ 530 mil, dinheiro que deveria ser
                        para Marabá. Com isso, o consórcio
                                                                      investido em projetos de desenvolvimento da região. O rastreamento do cheque
                        continua operando sem tréguas no
                                                                      demonstra que o dinheiro foi desviado;
                        interior da Amazônia.
                             O afastamento de Scarpari de
                                                                      Desviou R$ 440 mil, dinheiro que deveria ser usado em projeto agropecuário, para
                        Altamira foi comemorado com um
                                                                      a compra de um apartamento em Vila Velha, no Espírito Santo;
© Foto: Sérgio Vignes




                        churrasco no pátio da empresa de Délio
                        Fernandes, a Agropecuária Vitória Régia
                        S/A, sediada em Anapu e que está no           Desviou R$ 201 mil, dinheiro de projeto agropecuário, para a compra de 5 mil
                        centro do esquema criminoso.                  caixas de cerveja e 5 mil caixas de refrigerante;
                             Depois de gastar o dinheiro da
                        Sudam, protegido pelo alto clero da           Comprou uma Toyota Hillux com dinheiro que deveria financiar a criação de gado.
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                        o Passo a Passo
                        do crime
                                                                             Operadores do consórcio encontram meio
                                                                             de legalizar o fornecimento de carvão
                                                                             para as siderúrgicas



                                            O
                                                    sistema montado por Délio e pela banda podre da                 Por que isso acontece? No caso
                                                    Secretaria de Meio Ambiente é muito mais eficiente        acima, porque era preciso encontrar
                                                    do que simplesmente vender carvão ilegal, como            uma forma de legalizar o fornecimento
                                            era feito até pouco tempo. Agora o produto recebe uma             de carvão para as siderúrgicas. Para
                                            maquiagem e tem uma aparência legal.                              isso, foram usados diversos artifícios,
                                                 Na secretaria de Meio Ambiente, os operadores do con-        como por exemplo, uma autorização de
                                            sórcio conseguem feitos de proporções bíblicas. Transformar       retirada de madeira que estava vencida
                                            água em vinho seria uma mera brincadeira para eles.               a mais de dez anos, em Anapu. Com
                                                 Exemplo: como num passe de mágica, fizeram nascer            essa autorização vencida, a madeira
                                            mais de um milhão de metros cúbicos de madeira pronta             foi transferida de forma virtual para
                                            para ser fritada nos fornos das 33 empresas ligadas ao            as produtoras de carvão. Essa madeira
                                            consórcio.                                                        nunca chegou. Elas usaram madeira
                                                 Se você acha que fazer nascer um milhão de metros cúbicos    de desmatamento ilegal.
© Foto: Sérgio Vignes




                                            de madeira a partir de um grão de areia não é nada, espere              Por que essa madeira nunca che-
                                            pelo milagre: madeira 100% legalizada, sustentável, retirada de   gou? Porque na documentação de trans-
                                            forma ambientalmente correta e cuja exploração ainda cumpriu      porte constam as placas dos caminhões
                                            “função social”, ao liberar uma área degradada para a produção    usados no transporte. Só que não são
                                            de alimentos, de acordo com o que está escrito em documento       placas de caminhões. São placas de
                                            oficial da Divisão de Meio Ambiente da Secretaria de Estado       motos, de carros de passeio, de carros
                                            de Meio Ambiente do Pará. É nessa divisão que operam os           roubados, de veículos que não existem.
                                            funcionários públicos a serviço do consórcio.                     E também de caminhões.
                                                 No documento citado acima, tudo é falso, forjado,                  O que prova a transferência virtu-
                                            inventado. E só funciona porque a Divisão de Meio Am-             al? A retirada da madeira foi autorizada
                        (topo)
                                            biente avaliza o processo. Madeira retirada de áreas de           pela Secretaria de Meio Ambiente a
                        Documento da
                                            preservação e de terras indígenas passa por um processo           partir de uma autorização do Ibama
                        SEMA confirma o
                                            de maquiagem que dá a ela uma aparência legal.                    que estava vencida desde o século
                        lançamento dos
                                                 A coisa aconteceu da seguinte forma:                         passado. Na Sema, a autorização está
                        créditos ilegais.
                                                                                                              assinada pelo servidor Marcelo Silva
                        Equivalem a          1. A Agropecuária Vitória Régia, empresa de Délio, con-
                                                                                                              Auziel. Ele validou a autorização de
                        mais de cinco           seguiu da SEMA uma autorização para retirar estéreis
                                                                                                              desmatamento 34055, que integra o
                        mil caminhões           (restos de madeira) de uma área em Anapu, na região
                                                                                                              processo 100/98-3/SUPES PA, expedida
                        carregados.             de Altamira. São dezenas de caminhões tipo bitrem
                                                                                                              em 11 de março de 1998 e vencida em
                                                (duas carrocerias) carregados de madeira;
                                                                                                              11 de março de 1999.
                        (abaixo)
                                             2. Essa madeira é vendida para 33 empresas produtoras                  A madeira não estava mais lá quando
                        Documento do
                                                de carvão, localizadas na região de Marabá;                   o funcionário Auziel autorizou a guia
                        Ibama vencido no
                                                                                                              vencida no século passado. Então, a placa
                        século passado       3. A madeira nunca saiu de Anapu. Ela fez apenas uma
                                                                                                              de qualquer veículo servia para documen-
                        foi usado pela          viagem virtual. Na verdade, ela saiu de áreas de pre-
                                                                                                              tar a transferência, já que ela nunca foi
                        SEMA para               servação bem mais próximas das produtoras de carvão,
                                                                                                              feita. O consórcio opera dessa forma em
                        validar esquema.        mas foi “carimbada“ pela SEMA como se fosse da área
                                                                                                              diversas transações, variado de acordo
                                                autorizada em Anapu.
                                                                                                              com as necessidades do momento.
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                        resPonsabilidade
                        emPresarial
                        A cadeia produtiva do carvão ilegal segue
                        cinco etapas até chegar às montadoras e
                        às gigantes da siderurgia.



                                       fase 1: Produção do carvão                                        Público do Trabalho em Marabá, Edson
                                                                                                         Aires dos Santos.
                                           1. Madeira é retirada ilegalmente de áreas de preservação         Além disso, nos últimos anos, diver-
                                              ambiental e de terras indígenas.                           sos Termos de Ajustamento de Conduta
                                                                                                         foram assinados pelas siderúrgicas.
                                           2. Fiscais da Secretaria de Estado de Meio Ambiente do
                                                                                                         Nesses termos, firmados com o Minis-
                                              Pará, em parceria com o consórcio do crime, viabilizam a
                                                                                                         tério Público Federal, elas reconhecem
                                              documentação que dá a madeira uma aparência legal;
© Foto: Sérgio Vignes




                                                                                                         o problema e se comprometem a mudar
                                           3. Centenas de carvoarias queimam o carvão retirado           seus processos produtivos. Também se
                                              ilegalmente. Muitas dessas carvoarias, segundo o           comprometem em investir em ações que
                                              Ministério Público do Trabalho (MPT), usam mão             minimizem os danos já causados ao bio-
                                              de obra escrava;                                           ma, recuperando áreas degradadas.
                                                                                                             As empresas de fato implantam
                                                                                                         ações para recuperar áreas degrada-
                                       fase 2: carvão cHega às siderúrgicas                              das, mas continuam a usar carvão do
                                                                                                         desmatamento e do trabalho escravo,
                                           1. O carvão é transportado até siderúrgicas de grande         ou seja, não mudam a permissividade
                                              porte localizadas em Marabá (PA). Segundo o Ibama          da cadeia produtiva e o ciclo da de-
                                              e o Ministério Público Federal, as empresas sabem          vastação não cessa.
                                              que estão comprando carvão do desmatamento, pois               Isso poderia ser evitado através do
                                              ano após ano são sistematicamente multadas por             uso de madeira de florestas próprias,
                                              crimes ambientais;                                         plantadas. A operação, contudo, é
                                                                                                         mais cara do que a própria multa ou a
                                           2. As principais siderúrgicas envolvidas com desmatamento
                                                                                                         assinatura de termos de ajustamento.
                                              e trabalho escravo, segundo várias denúncias do MPT e
                                                                                                         Desde o século passado as empresas são
                                              do Ministério Público Federal (MPF), são as seguintes:
                                                                                                         sistematicamente multadas, fazem as
                                       	    		    •	Cosipar		–	Companhia	Siderúrgica	do	Pará	S/A;        mesmas promessas e nada muda.
                                             	    •	Siderúrgica	Ibérica	S/A;                                   Segundo o Ibama e o Ministério
                                             	    •	Sinobras	-	Siderúrgica	Norte	Brasil	S/A;             Público Federal, as siderúrgicas sabem
                                             	    •	Viena	–	Siderúrgica	do	Maranhão	S/A;                 que compram carvão do desmatamento
                        Madeira
                                             	    •	Siderúrgica	Gusa	Nordeste	S/A.                       e do trabalho escravo. No relatório téc-
                        ilegal é
                                                                                                         nico “Diagnóstico do Setor Siderúrgico
                        transformada
                                          As empresas listadas acima estão sendo oficialmente            nos Estados do Pará e do Maranhão”,
                        em cinzas
                                       investigadas por trabalho escravo, conforme ofício em poder       produzido pela Diretoria de Florestas
                                       da reportagem, assinado pelo funcionário do Ministério            do Ibama, quatro engenheiros florestais
20
mostram a discrepância entre o carvão      o minério fornecido por ela, a cadeia       dutiva do aço, as florestas não são
declarado pelas siderúrgicas e o carvão    produtiva não funcionaria.                  desmatadas pela falta de opção das
que de fato foi usado na produção.              A Vale é uma fornecedora histórica     pessoas que vivem na floresta. Elas são
     Sabendo da quantidade de carvão       dessas siderúrgicas, inclusive na época     desmatadas porque a indústria global
necessária para a produção de uma          em que 65,1% do carvão usado por            do aço se alimenta de mata nativa. Os
tonelada de ferro-gusa (matéria prima      elas era de origem ilegal, conforme o       povos da floresta não têm nada a ver
do aço), os técnicos fizeram a conversão   relatório técnico citado acima.             com essa história. Se as siderúrgicas
e obtiveram números incompatíveis.              A produção de aço requer minério       tivessem florestas próprias e não com-
No Pará, na média de 5 anos (2000 a        de ferro - fornecido pela Vale, e carvão    prassem carvão do desmatamento e do
2004), 65,1% do carvão usado pelas         - fornecido por centenas de carvoarias      trabalho escravo, nada disso estaria
siderúrgicas do pólo de Carajás não        existentes no interior da floresta. Nesse   acontecendo. É um típico caso em que
foi declarado.                             processo, a participação da Vale no         a vítima se torna o culpado.
     O carvão não declarado veio de        fornecimento do minério de ferro está            No caso específico da cadeia produ-
áreas de preservação ou de terras in-      repleta de contradições:                    tiva do aço, as florestas são desmatadas
dígenas e parte dele obtida com o uso           Em 2007, a empresa suspendeu           porque o setor precisa mais carvão do que
de mão de obra escrava. As próprias        temporariamente o fornecimento de           é produzido de forma sustentável. É uma
empresas do setor reconheceram o           minério de ferro para nove siderúrgicas,    questão de custo-benefício. Quando mais
problema em 2004, ao assinarem o           admitindo que eram ambientalmente           carvão ilegal, mais barato fica o produto
Pacto Pelo Fim do Trabalho Escravo na      insustentáveis e que usavam carvão do       final. As siderúrgicas não calculam o
Produção do Carvão Vegetal. Na época,      desmatamento e do trabalho escravo.         valor da floresta em pé. O negócio delas
estavam pressionadas por denúncias              As empresas negociaram. Prome-         é produzir aço. Quando mais barato o
que mostravam como as siderúrgicas         teram nunca mais fazer o que faziam         carvão, melhor. E a sustentabilidade vira
compravam carvão vegetal de empre-         e o fornecimento foi integralmente          uma mera ação de marketing.
sas que usavam mão de obra escrava.        restabelecido. Na prática, contudo, nada         No Pará, as siderúrgicas de médio
Muita coisa melhorou de lá pra cá, mas     mudou. Mesmo após 2008, quando a            porte fazem o serviço sujo: usam carvão
o problema ainda não foi erradicado.       Vale assinou um acordo com o Minis-         do desmatamento e do trabalho escravo,




                                                                                                                                   © Foto: Sérgio Vignes
     No que diz respeito ao meio am-       tério do Meio Ambiente, no qual se          que é misturado com o minério de ferro
biente, as coisas pioraram de 2004         compromete a vender minério de ferro        da Vale. Mais de 90% dessa produção
pra cá. As siderúrgicas alegam que         somente para siderúrgicas que usem          é exportada.
mudaram os procedimentos e que             apenas madeira certificada na produção           As grandes corporações, como
não compram mais carvão que não            de carvão. Segundo o documento, são         a Vale, se dizem preocupadas e assi-
esteja devidamente documentado. Na         consideradas ambientalmente legais          nam acordos, como esse do Ministério
prática, contudo, nada mudou, pois a       as siderúrgicas que estão autorizadas       do Meio Ambiente. Mas continuam
documentação que dá ao carvão uma          pelo Ministério para operar. Não há,        operando de forma ambientalmente
aparência legal é fraudada.                contudo, nenhum mecanismo para              insustentável.
     Com a entrada do consórcio cri-       monitorar a certificação da madeira.             No Pará, todas as siderúrgicas que
minoso, o esquema foi aprimorado: au-      Sem um mecanismo que monitore o             usam o minério de ferro da Vale estão
mentou a corrupção no órgão ambiental      carvão, nada mudou.                         ligadas ao fornecimento do carvão
e agora o produto tem uma aparência             Na época, o então ministro Carlos      esquentado pelo consórcio do crime
legal, uma maquiagem que o torna           Minc disse o seguinte: “A idéia é au-
aparentemente sustentável.                 mentar a oferta da madeira certificada
                                           como forma de combate à comerciali-
                                           zação ilegal”.
fase 3: minÉrio de ferro                        No papel, a idéia é ótima. Disse
                                           o presidente da Vale, Roger Agnelli,                                  Documento do
cHega as siderúrgicas                      quando assinou o documento: “Todos                                 Ministério Público
     As siderúrgicas envolvidas com o      são responsáveis por zelar pelo meio                                     do Trabalho
consórcio do crime recebem minério de      ambiente. As florestas são agredidas                                       confirma a
ferro da Vale, que envia o produto pela    por falta de opção e oportunidades                                      existência de
estrada de ferro Carajás. A Vale tem       das pessoas que vivem nas áreas des-                                trabalho escravo
participação direta na cadeia produtiva    matadas”. Em resumo, a Vale culpa o                                         na cadeia
do aço obtido com carvão do desma-         morador pelo desmatamento.                                             produtiva das
tamento e do trabalho escravo. Sem              No caso específico da cadeia pro-                                  siderúrgicas.
21
liderado por Délio Fernandes, sem               As coisas apenas se aprimoraram.      2. As siderúrgicas dizem que assi-
exceção, conforme documentos de           De ilegal, o carvão se tornou esquentado,      naram termos de ajustamento de
compra e venda de carvão em poder         maquiado por documentos forjados.              conduta e estão reponto vegetação,
da reportagem.                                  No que diz respeito a produção de        mas continuam sendo multadas,
     É um esquema multimilionário e que   carvão vegetal no estado do Pará, os           ano após ano, sempre pelo mesmo
só prospera porque o sistema estadual     atores que poderiam mudar o cenário            motivo: uso de carvão de desma-
de fiscalização está corrompido, como     se limitam a lavar as mãos:                    tamento ou de trabalho escravo;
será mostrado mais adiante. Na prática,
                                           1. O Ministério do Meio Ambiente           3. A Vale, fornecedora de minério
nada mudou desde o levantamento feito
                                              diz que assinou acordos com as             de ferro diz que agora, após o
pelo Ibama em 2005, que mostra mais
                                              siderúrgicas e que agora elas usam         acordo de 2008 assinado com o
de 60% de carvão ilegal.
                                              madeira certificada;                       Ministério do Meio Ambiente,
22
     só fornece carvão para empresas        prática adotado pela mineradora.            descredenciar os acusadores e usar as
     autorizadas a operar e que adotam            O carvão ilegal só existe na medida   mesmas táticas para tornar verdadeira
     práticas sustentáveis; Como se num     em que existe uma cadeia produtiva          uma história falsa, inclusive perante uma
     passe de mágica o acordo virasse       que dele se beneficia para prosperar.       platéia qualificada, mas infelizmente
     fato.                                  As modernas práticas de responsabi-         pouco informada sobre o que de fato
                                            lidade social empresarial são claras:       acontece no coração da Amazônia.
 4. O governo do Pará diz que as side-
                                            uma empresa socialmente responsável
    rúrgicas são sustentáveis, trazem
                                            e ambientalmente sustentável deve
    desenvolvimento e que a produção
    está dentro da Lei;
                                            fiscalizar sua cadeia de valor, ao con-     fase 4: Produção
                                            trário do que diz a nota da Vale, que
 5. A Secretaria de Estado de Meio Am-      se limita a tirar o corpo fora.
                                                                                        do gusa
    biente faz de conta que não é com             Uma empresa socialmente res-                O Brasil produz o melhor ferro-gusa
    ela, mas é de lá que sai o carimbo      ponsável deve contribuir para a             do mundo na região de Marabá (PA),
    que maquia o carvão ilegal;             construção de um planeta equilibra-         onde estão localizadas as siderúrgicas
                                            do. Vai muito além do cumprimento           aqui mencionadas. A qualidade do gusa
 6. O Ibama, que deveria zelar pelo
                                            da lei. A empresa deve atuar para           é alcançada com o uso de carvão vegetal,
    patrimônio ambiental, afasta o
                                            a construção de um mundo justo e            muito melhor do que o carvão mineral,
    delegado que denunciou o consórcio
                                            sustentável.                                pois tem baixo teor de enxofre. Por conta
    criminoso que esquenta carvão;
                                                  No caso da Vale, a questão se         disso, é uma das atividades econômicas
 7. O presidente da Vale diz o des-         agrava ainda mais devido a tentativa        mais predatórias da atualidade.
    matamento é feito pelos povos da        de encobrir o que de fato acontece no             Mas isso não importa para as
    floresta.                               Pará. Exemplo: No dia 12 de maio de         empresas aqui citadas. O que importa
                                            2010, a diretora de Meio Ambiente e         é que o gusa é bom.
      A Vale tem uma reação firme sem-      Desenvolvimento Sustentável da Vale,              Cerca de 90% do gusa produzido
pre que suas práticas ambientais são        Vânia Somavilla, disse, para uma            no Pará é exportado para os Estados
colocadas a prova. A empresa costuma        platéia de mais de 500 pessoas, que         Unidos.




                                                                                                                                    © Foto: Sérgio Vignes
dizer que as denúncias contra ela são       a empresa não fornece mais minério                No Brasil, o carvão vegetal é usado
inconsistentes e feitas por ambienta-       de ferro para as mineradoras do Pará        na produção do gusa desde o século
listas e organizações radicais, que têm     que estão envolvidas em práticas que        XIX, onde cumpre duas funções . A
um discurso mais ideológico do que          usam o carvão do desmatamento e             primeira delas é como combustível
técnico, sem provas.                        do trabalho escravo.                        para os autofornos e a segunda como
      Não é o caso dessa reportagem. Tudo         A informação foi dita durante a       agente químico para retirar o oxigênio
está fartamente documentado, inclusive      Conferência Internacional do Instituto      durante o processo.
com os papéis maquiados nos porões da       Ethos, em uma oficina intitulada A                Diversas fontes consultadas esti-
secretaria de estado de Meio Ambiente       Nova Liderança para uma Economia            mam que, no Brasil, mais de 50% do
do Pará. A Vale está inserida na cadeia     Verde, Inclusiva e Responsável.             carvão usado na produção de gusa é
produtiva predatória e criminosa que              A informação passada por Vânia        de origem predatória. Isso acontece
produz gusa na Amazônia.                    Somavilla é falsa. Em 2007, durante         porque o carvão é a matéria prima
      Ao ser questionada pelo forne-        pouco tempo, a empresa ficou sem            que mais pesa no custo de produção
cimento de minério para empresas            fornecer o minério de ferro para as         do gusa. Para baratear esse custo, as
que usam carvão ilegal, a Vale disse        siderúrgicas, mas isso não acontece         siderúrgicas compram carvão feito com
o seguinte, por intermédio de e-mail        mais. A empresa usa o acordo com o          madeira de desmatamento. E pagam a
enviado pelo jornalista Murilo Fiuza,       Ministério do Meio Ambiente como            multa, pois sai mais barato.
da assessoria de imprensa: “A Vale não      justificativa para a volta do forne-
tem poder de polícia e não tem como         cimento. A questão é que o acordo
fiscalizar se as empresas que estão com     não saiu do papel e as mineradoras
suas licenças em dia realmente estão        continuam sendo abastecidas com
cumprindo-as de fato. Portanto, a Vale      carvão ilegal. As práticas predatórias
acredita nas licenças concedidas pelos      são a regra na produção de gusa nas                                      Imagem da
órgãos competentes, responsáveis por        mineradoras do Pará. A Vale adota,                                       Siderúrgica
essa fiscalização”. O jornalista também     as avessas, a postura ideológica que                                     Ibérica, em
cita o acordo com o Ministério do Meio      critica nas ONGs e nos ambientalis-                                          Marabá
Ambiente como um exemplo de boa             tas. É o jogo da contra informação:
23
fase 5: eXPortação                      forma predatória.                       também é das empresas: fiscalizar a
                                             As empresas aqui mencionadas não   cadeia produtiva.
da Produção                             levam em conta, em suas planilhas, o         A exportação do gusa é o ato final
     O gusa do desmatamento e do        valor dos recursos naturais. Uma em-    desse teatro surreal protagonizado por
trabalho escravo entra em uma das       presa socialmente responsável jamais    grandes empresas.
mais importantes cadeias produtivas     admitiria, em sua cadeia de valor,           As seguintes mineradoras compram
da economia internacional: o aço        produtos obtidos de forma criminosa     o gusa produzido pelas siderúrgicas
produzido nos Estados Unidos, que       e ambientalmente predatória.            que usam carvão do desmatamen-
abastece tanto o mercado interno             A justificativa de que elas não    to e do trabalho escravo: Gerdau,
daquele país quanto o de países que     têm poder de polícia para saber quem    ThyssenKrupp, Kohler, Whirlpool
importam mercadorias produzidas         está dentro ou fora da lei não serve    Corp, Nucor Corporation e National
pelos norte-americanos: automóveis,     nesse caso. Qualquer burocrata de       Material Trading Co. São as maiores do
eletrodomésticos, equipamentos hos-     formação mediana desvendaria o          mundo em seus setores. Dessas, uma
pitalares, armamento etc.               problema sem sair do escritório, com    é brasileira, a Gerdau, que compra o
     Ao contrário do que disse o pre-   quatro ou cinco telefonemas.            gusa da devastação para abastecer sua
sidente da Vale, não são os moradores        O gusa produzido no Vale dos       planta sediada nos Estados Unidos, a
da Amazônia os responsáveis pelo        Carajás é predatório, usa carvão de     Gallantin Steel, Joint Venture entre a
desmatamento. Quem se beneficiam        desmatamento e de trabalho escravo.     ArcelorMittal e a Gerdau. A reportagem
com a devastação da Amazônia são        As siderúrgicas da região tem uma       tem cópias de documentos da alfândega
corporações empresariais que per-       longa ficha criminal por agressão ao    norte-americana que comprovam a
mitem, em suas cadeias produtivas,      bioma. É muito conveniente transferir   transação da Gerdau com as siderúr-
produtos amazônicos retirados de        para o poder público uma função que     gicas da devastação ambiental.
24
o mercado consumidor
do ferro-gusa
                                                                   Veja em que contexto
                                                                   cada uma das mega
                                                                   siderúrgicas entram na
                                                                   cadeia produtiva do
                                                                   gusa da devastação:

                national
                material
               trading co
   A NMT compra mais de 1,5 mil toneladas
   de ferro-gusa brasileiro por ano. Segundo                             a Partir dessas duas
  o site da empresa, é a maior importadora de
 ferro-gusa brasileiro nos EUA. A NMT possui
                                                                         comPradoras diretas
   15 distribuidoras na América do Norte, e                             de ferro-gusa, outras
     é a principal fornecedora para grande
      indústrias e fornecedoras de grandes
                                                                       emPresas são envolvidas
     empresas, como Ford, General Motors                                na cadeia, em esPecial,
         e Kohler. O principal fornecedor
              da NMT é a Cosipar.
                                                                       do aço. as PrinciPais são:




                                  nucor
                               corPoration
                           A Nucor é a segunda maior
                        siderúrgica americana e uma das
                      maiores consumidoras de ferro-gusa
                  brasileiro. Juntamente com suas filiais, está
                   envolvida na fabricação e venda de aço e
                 produtos siderúrgicos na América do Norte e
                 internacionalmente. A empresa opera através
                 de três segmentos: Steel Mills, Steel Products,
                  and Raw Materials, com diferentes produtos.
                   As operações da empresa também incluem
                    compra e venda de aço e de produtos de
                       aço. Fundada em 1940, a empresa
                            tem sede em Charlotte, na
                                Carolina do Norte.
KoHler:
                 Através da Na-
                                                                                                                        25
          tional Material Trading,
         compra gusa do Brasil. O                                                 intermet*:
      material é utilizado para fazer                                             Compra gusa da NTM.
      a base de banheiras e pias para                                        Com sede na cidade de Fort
       cozinha. A empresa também                                          Worth (Texas), a empresa produz
           produz encanamentos,                                       componentes automotivos utilizados em
           geradores de energia e                                     carros em todo o mundo, como chassis,
                 máquinas.                                              suspensões, controle de freios, caixas
                                                                     de direção, componentes de transmissão,
                                                                     bombas de combustível e instrumentos de
                                                                       painéis. Os componentes são utilizados
                                                                       em diferentes automóveis, de veículos
                                                                          para construção e equipamentos
                                                                           agrícolas a caminhões pesados
                                                                                 e carros de passeio.




                                                       tHyssenKruPP:
                                                         Compra gusa do
                                                      desmatamento para
                                                    fazer peças automotivas
                                                   utilizadas pelas empresas
                                                     DaimlerChrysler, Ford,
                                                      GM, Nissan, Toyota
                                                          e Deere & Co.




                                                                                          WHirlPool
                                                                                            corP:
                                                                                        Se tornou a maior fabricante
                                                                            mundial de eletrodomésticos, em 2006, após
                                                                           aquisição bem sucedida da Maytag. Whirlpool
                                                                         Corporation vende seus aparelhos na América do
                                                                          Norte, América Latina, Europa, África e Ásia. A
                                                                        empresa também vende aparelhos sob um número de
* Fundada em 1971, a empresa empregava, antes da crise, cerca
                                                                        marcas diferentes, incluindo KitchenAid, Bauknecht,
de 1.700 pessoas na produção de componentes de metal fundido
para automóveis, veículos comerciais e mercados industriais.             Roper, Maytag, Magic Chef, e Amana. Produtos da
Foi bastante afetada pela crise financeira. Em agosto de 2008,          Whirlpool incluem lavadoras, secadoras, geladeiras,
segundo a revista Modern Casting7, a empresa esperava que o               condicionadores de ar, máquinas de lavar louça,
pedido de falência lhe permitisse continuar as operações normais            freezers, fornos de microondas, purificadores
enquanto reorganizava sua estrutura financeira e operacional.
                                                                               de ar e compactadores de lixo. Em 2008,
Os recursos que viriam através desse pedido seriam necessários
para manter a produção ininterrupta. Em 6 de janeiro de 2010,                    a Whirlpool informou 18,91 bilhões
segundo o jornal Crain’s Detroit Business, a empresa fechou as                    dólares em vendas e tinha 70.000
duas últimas unidades de fundição, pedindo falência total para                        funcionários. Compra gusa
liquidar suas dívidas.                                                                          da NMT.
As peças fabricadas pela empresa eram vendidas para grandes
montadoras, como Toyota, Nissan, General Motors e Ford.
26
irmã dorotHy
Até quando o esquema que assassinou
a freira continuará impune?
27
                              U
                                    ma parte dos envolvidos nas fraudes   desmatamento e da produção de carvão       com a devastação de madeira para
                                    na Sudam e no consórcio do carvão     ilegal só existe porque compradores        abastecer a siderurgia.
                                    ilegal financiou o assassinato da     coniventes se relacionam com cadeias             O problema só vai ser resolvido
                              freira Dorothy Stang, morta em Anapu        produtivas predatórias, criminosas e       quando o Governo Federal, o Ministério
                              com seis tiros, em 2005. Os elos entre      sujas de sangue.                           Público e o Poder Judiciário decidirem
                              a máfia da Sudam e a morte da freira             Faz muitos anos que as siderúrgicas   levar adiante a investigação sobre a
                              são Regivaldo Pereira Galvão, o Taradão     usam o discurso que agora vão mudar,       Máfia da Sudam, que desviou R$ 132
                              e Délio Fernandes, um dos chefes da         que não são mais como eram, que são        milhões que deveriam ser aplicados
                              Máfia da Sudam. Eles aparecem tanto         sustentáveis e socialmente responsá-       no desenvolvimento sustentado da
                              na investigação da máfia da Sudam           veis. A questão é que o discurso não       Amazônia. Jader Barbalho e Roseana
                              quanto na da morte da freira.               transpôs a fronteira entre a intenção      Sarney, que “caíram” no início das
                                    Taradão foi citado, em cinco in-      e a prática. E as coisas só vão mudar      investigações, em 2002, conseguiram
                              quéritos, como sendo o braço direito        quando as gigantes do setor pararem        abafar a apuração. A lista de políticos
                              de Jader Barbalho nos desvios de di-        de tapar o sol com a peneira e não         envolvidos no esquema e que não apa-
                              nheiro dos projetos. Já na investigação     admitirem, em nenhuma hipótese, que        receram no início da investigação, é
                              do assassinato de Dorothy, a apuração       seus processos produtivos financiem        bem maior. Os órgãos de investigação
                              liga Taradão a Viltamiro Moura, o           o desmatamento, o trabalho escravo e       do governo federal têm documentos
                              Bida, mandante do crime. Já Délio           a corrupção de funcionários públicos.      que envolvem tubarões da política
                              Fernandes recebeu em sua casa Bida,         Por enquanto, nada mudou na produção       nacional, caciques que hoje ajudam
                              meia hora após a freira ter sido morta.     siderúrgica na Amazônia, apesar de         a sustentar a estrutura política do
                              Da casa de Délio, Bida pediu a mulher,      todas as boas intenções e das cartas       governo e que tem força suficiente
                              por telefone, que mandasse um carro         compromissos assinadas com o governo       para evitar qualquer iniciativa de
                              buscá-lo o quanto antes.                    e com a sociedade.                         desengavetar o inquérito.
                                    Além disso, em um bilhete di-                                                          Em Anapu, onde Dorothy foi as-
© Ilustração: Daniel Cabral




                              tado por Bida, ele próprio confirma a       o sangue de dorotHy foi                    sassinada, nada mudou até agora. A
                              existência de um consórcio envolvido        derramando em vão?                         devastação ambiental, a grilagem
                              no financiamento dos pistoleiros que             O homem que puxou o gatilho e         de terras e a pistolagem continuam.
                              mataram a freira. Esse bilhete é uma        o fazendeiro diretamente interessado       Laudelino Délio Fernandes e seus
                              das principais provas contra ele. A         na morte de irmã Dorothy Stang foram       cúmplices são intocáveis. “Não são
                              partir dessa prova, a investigação levou    condenados. A estrutura criminosa          os pobres colonos sem dinheiro que
                              ao consórcio que financiou a morte de       que executou a irmã, contudo, segue        estão desmatando a região. É um gru-
                              Dorothy, onde aparecem nomes ligados        intocada no interior do Pará.              po de pessoas bem organizadas”, diz
                              a Máfia da Sudam, ao assassinato da              Dorothy foi assassinada no dia 12     o coordenador do INCRA na região,
                              freira e ao consórcio que vende, para       de fevereiro de 2005 em Anapu, uma         Antônio Ferreira.
                              a indústria do aço, carvão de desma-        das regiões mais violentas do país. A            Em Anapu, as pessoas de bem têm
                              tamento e de trabalho escravo.              região é controlada pelo grupo de Lau-     medo de sair de casa, de falar, de denun-
                                   É nesse cenário de crime organi-       delino Délio Fernandes, um dos chefes      ciar. O que vale aqui é o grito da pistola
                              zado, assassinatos e desvio de dinheiro     da Máfia da Sudan e o coordenador          e da impunidade. O poder de políticos
                              público que as gigantes do setor side-      do consórcio criminoso que fornece         irresponsáveis e de grupos armados
                              rúrgico obtém o carvão, matéria prima       carvão do desmatamento e do trabalho       fala mais alto por aqui. A conjuntura
                              fundamental para a produção de aço          escravo para a indústria do aço.           conspira contra as famílias que lutam
                              para os mais variados fins.                      Dois pistoleiros, um intermedi-       pela garantia dos seus direitos.
                                   No Pará, a lógica é mais ou menos a    ário e o fazendeiro Vitalmiro Bastos             Será que o sangue de Dorothy
                              seguinte: eu faço de conta que não faço     de Moura, o Bida, foram julgados e         Stang foi derramado em vão? Será que
                              e você faz de conta que não vê que eu       condenados. O fazendeiro Regivaldo         os grupos criminosos que mandam
                              realmente faço. O crime organizado do       Pereira Galvão, o Taradão, também          nessa região da Amazônia vão vencer
                                                                          acusado de ser um dos mandantes,           a luta contra os direitos humanos e
                                                                          segue em liberdade.                        contra a Justiça? Até quando mafiosos
                                                                               A estrutura criminosa que eli-        e assassinos de colarinho branco terão
                              Retrato da
                                                                          minou Dorothy está acima de Bida           poder para engavetar inquéritos e de-
                              Irmã Dorothy
                                                                          e de Taradão. A morte da freira tem        cidir os rumos da política ambiental
                              feito com
                                                                          conexões diretas, como mostra a re-        da Amazônia? São perguntas, por
                              carvão.
                                                                          portagem, com a Máfia da Sudam e           enquanto, sem respostas.
28
o mercado do
ferro-gusa
                                                                          Entenda a importância da
                                                                          principal matéria-prima utilizada
                                                                          na produção do aço



O
        gusa é o produto imediato da                    O carvão vegetal é usado preponde-       renda em regiões onde as alternativas
        redução do minério de ferro                rantemente na produção de ferro-gusa          de emprego não são particularmente
        pelo coque ou carvão e calcário            e cumpre duas funções: como combus-           favoráveis ao trabalhador.
num alto forno. O gusa normalmente                 tível para gerar o calor necessário à              O ferro-gusa produzido no Pará
contém até 5% de carbono, o que faz                operação do alto-forno da siderúrgica         é a matéria-prima para a produção de
com que seja um material quebradiço                e como agente químico para retirar o          aço e de peças fundidas, em especial
e sem grande uso direto.                           oxigênio durante o processo.                  auto-peças.
      Geralmente nos processos indus-                   As vantagens da utilização do
triais, o ferro-gusa é considerado como            carvão vegetal em relação ao carvão           o ferro-gusa na amazônia
uma liga de ferro e carbono, contendo              mineral são: maior reatividade, maior              A produção de ferro-gusa tendo o
de 4 a 4,5% de carbono e outros elemen-            pureza e menor teor de enxofre. No            carvão vegetal como insumo energético
tos ditos residuais como por exemplo:              aspecto ambiental, o carvão vegetal           e redutor inicia-se no século XIX e
silício, manganês, fósforo e enxofre,              tem a vantagem de liberar oxigênio e          consolida-se nos anos 1930. Mesmo
dentre outros.                                     emitir menos CO2 para a atmosfera.            com o surgimento e a expansão da
      O gusa é vertido diretamente a               O carvão mineral emite quase duas             siderurgia a coque metalúrgico a produ-
partir do cadinho do alto forno para               toneladas de CO2 para a atmosfera para        ção guseira a partir do carvão vegetal
contentores para formar lingotes, ou               cada tonelada de aço produzida.               continuou ocupando um importante
usado diretamente no estado líquido em                  Outras vantagens consideradas            espaço na siderurgia brasileira.
aciarias. Os lingotes são então usados             pelo setor são: o grande número de                 O desenvolvimento dessa produ-
para produzir ferro fundido e aço, ao              pessoas pouco qualificadas envolvidas         ção baseou-se no estabelecimento de
extrair-se o carbono em excesso.                   na atividade do carvão e a geração de         um sistema produtivo marcado pela



                               Gráfico 1: Quantidade de Ferro-gusa exportada (Pará e Maranhão) - 1990 a 2008

              4.000.000

              3.500.000

              3.000.000

              2.500.000

              2.000.000

              1.500.000

              1.000.000

                500.000

                       0
                           1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Fonte: SINDIFER e SECEX/MDIC
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Cadeia do aço financia devastação na Amazônia

  • 1. 1 ISSN 1678 – 152 X PELA GLOBALIZAÇÃO DOS DIREITOS ÃO ESPECIAL www.observatoriosocial.org.br Para obter aço, siderúrgicas e montadoras de veículos financiam a devastação da amazônia o elo entre a máfia da sudam, a morte da irmã dorothy e o comércio ilegal de carvão a floresta Que virou cinza
  • 2. 2
  • 3. 1 aPresentação Devastação ambiental na cadeia produtiva do aço E m junho de 2004, o Instituto Sete anos depois, o Observatório Observatório Social publicou uma volta a falar de cadeia produtiva do pesquisa histórica sobre a existência aço e mostra que, na mesma região, as de trabalho escravo na cadeia produtiva siderúrgicas continuam com problemas do aço. Na época, grandes siderúrgicas na cadeia produtiva. Elas agora se instaladas no pólo de Carajás, no Pará, beneficiam de processos predatórios foram identificadas como financiadoras para garantir o suprimento de carvão de carvoarias que usavam trabalhado- vegetal, produzido com madeira retirada res escravos na produção de carvão, de áreas de preservação ambiental. produto fundamental para a produção O esquema só é possível graças ao do ferro-gusa e do aço. envolvimento de políticos irresponsáveis Até aquele momento, as side- e de funcionários públicos corruptos. rúrgicas negavam o problema e se Eles garantem a manutenção do fluxo recusavam a rever seus processos predatório através da falsificação de produtivos. O impacto da pesquisa documentos e da pressão junto às au- junto à opinião pública, contudo, toridades, inclusive decidindo sobre o gerou forte pressão dentro e fora do afastamento de fiscais que se recusam país, inclusive entre os clientes dessas a entrar no esquema. empresas na Europa e nos Estados Uni- O Instituto Observatório Social dos. No Brasil, após a divulgação das divulga essas informações na expec- informações, a pressão do movimento tativa de alertar a sociedade e o setor sindical e da sociedade civil organizada produtivo para as graves violações da levou as empresas a reconhecerem legislação ambiental e trabalhista que o problema e assinarem um inédito estão ocorrendo na região. No mundo Pacto Nacional pela Erradicação do atual, é inadmissível a existência de Trabalho Escravo, que contribuiu de atividades econômicas predatórias e que forma decisiva para a diminuição do não levem em consideração a ética e os problema, na medida em que cente- valores sociais e ambientais necessários nas de empresas se comprometeram à construção de um mundo mais justo perante a sociedade a realizar ações e sustentável. em sua cadeia produtiva. Na mesma época, a criação do Instituto Carvão Cidadão contribuiu de Instituto Observatório Social forma substancial para promover a res- ponsabilidade social e o enfrentamento do trabalho escravo na região. © Foto: Greenpeace
  • 4. 2 instituto observatÓrio social revista observatÓrio social diretoria eXecutiva cut Aparecido Donizeti da Silva Vagner Freitas de Moraes João Antônio Felício Valeir Ertle cedec Maria Inês Barreto unitrabalHo Carlos Roberto Horta Fevereiro de 2011 – Edição Especial São Paulo – SP – Brasil dieese Tiragem: 10.000 exemplares • Gráfica MG João Vicente Silva Cayres Jornalista responsável: CONSELHO DIRETOR Marques Casara (RJ - 19126) cut edição: Rosane da Silva Daniele Martins Aparecido Donizeti da Silva diagramação: Denise Motta Dau Daniel Cabral Quintino Marques Severo Pesquisa: Vagner Freitas de Moraes Dauro Veras, Marques Casara, Jacy Afonso de Melo Paola Belo e Sérgio Vignes João Antônio Felício Valeir Ertle fotos: Sérgio Vignes dieese execução: Maria Luzia Feltes Instituto Observatório Social João Vicente Silva Cayres e Papel Social unitrabalHo Francisco José Carvalho Mazzeu revista observatÓrio social Silvia Araújo 2003 cedec Prêmio Esso de Jornalismo, categoria Tullo Vigevani Informação Científica, Tecnológica e Maria Inês Barreto Ecológica. 2006 eQuiPe tÉcnica Menção Honrosa - Prêmio Jornalístico coordenação institucional Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Amarildo Dudu Bolito Humanos. 2007 coordenação de pesquisa Menção Honrosa - Prêmio Jornalístico Felipe Saboya Vladimir Herzog de Anistia e Direitos coordenação de Humanos. sistema de informação 2008 Alex Capuano Prêmio Especial de Direitos Humanos da OAB/RS e do Movimento Justiça e R. Dona Brígida, 299 Direitos Humanos. Vila Mariana- 04111-080- São Paulo - SP Tel: (11) 3105-0884 2009 Fax:(11) 3107-0538 Honra ao Mérito no Prêmio Esso de e-mail: observatorio@os.org.br Jornalismo, categoria Informação www.observatoriosocial.org.br Científica, Tecnológica e Ecológica.
  • 5. 3 índice desta edição Siderúrgicas e montadoras financiam a 05 devastação da Amazônia Reportagem denuncia como opera esquema de fornecimento de carvão ilegal para a indústria do aço Histórico da devastação 07 Fiscais do governo do Pará e empresários se uniram para esquentar madeira ilegal Impactos ambientais 09 Entenda como a cadeia produtiva do ferro-gusa transforma floresta em cinza Consórcio do crime 13 Grupo ligado à Máfia da Sudam fornece de carvão ilegal para a indústria de aço O passo a passo do crime 17 Como operadores do consórcio encontram meio de legalizar carvão para as siderúrgicas Responsabilidade empresarial 4.000.000 19 Gráfico 1: Quantidade de Ferro-gusa exportada (Pará Conheças asaetapas do carvão até chegar às e Maranhão) - 1990 2008 montadoras e siderúrgicas 3.500.000 3.000.000 Irmã Dorothy 2.500.000 2.000.000 27 Até quando o esquema que assassinou a freira continuará impune? 1.500.000 1.000.000 O mercado do ferro-gusa 500.000 0 28 Entenda a importância da principal matéria- prima utilizada na produção de aço 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 Perspectivas para a indústria do Pará em 2011 31 Boa notícia para a economia e um alerta para questões ambientais
  • 6. 4
  • 7. 5 E No Pará, gigantes globais ssa reportagem vai mostrar como opera um grupo do setor de ferro e aço criminoso sediado no interior paraense, que fornece carvão ilegal para a indústria global do aço. Esse financiam grupos criminosos consórcio do crime é formado por empresários, políticos que produzem carvão e funcionários públicos corruptos, que se uniram para oriundo de trabalho escravo depredar recursos naturais da Amazônia. Em paralelo à narrativa, que desvendará o consórcio do crime, a e devastação ambiental. reportagem vai mostrar por que três fatos tratados de Gerdau, Vale, ThyssenKrupp, forma distinta devem, de fato, ser vistos como parte do Nucor Corporation, NMT, mesmo esquema: Ford, General Motors, Toyota 1. O desvio de R$ 132 milhões pela “Máfia da Sudam”, que em 2002 levou o senador Jader Barbalho à prisão e Nissan estão ligadas a uma e implodiu a candidatura da governadora Roseana cadeia produtiva ilegal e Sarney à presidência da república; que não leva em conta 2. O assassinato, em 2005, da freira Dorothy Stang, morta os direitos humanos, com seis tiros dentro de uma área de terras grilada pelo as leis trabalhistas e a braço direito de Jader Barbalho nos desvios da Sudam; legislação ambiental. 3. O carvão do trabalho escravo e da devastação, que abastece o mercado internacional do aço e tem como chefe do esquema o político e empresário Laudelino Délio Fernandes Neto. Esse homem é o elo entre as três histórias: é um dos chefes da Máfia da Sudam, é o chefe do consórcio criminoso do carvão, e é o homem que, em 2005, deu abrigo, em sua casa, ao mandante da morte da irmã Dorothy, poucos minutos após o crime. Nas próximas páginas, você saberá como opera o Reportagem de esquema e verá que ele só existe porque há uma bem mon- tada rede de corrupção nos órgãos ambientais do estado Marques Casara e do Pará. Funcionários públicos que ocupam postos chaves Sérgio Vignes na administração pública, e que deveriam zelar pelo pa- trimônio ambiental da Amazônia, facilitam toda sorte de ilegalidades: crimes contra os direitos humanos, contra o meio ambiente e contra a economia. A depredação ambiental e o trabalho escravo con- taminam a cadeia produtiva do aço desde sua base até o consumidor final. Com isso, ao comprar um automóvel Pátio de ou um eletrodoméstico, o consumidor financia o aço da madeireira devastação. Com uma demanda crescente e cada vez mais clandestina – necessária, o setor produtivo está diante do dilema de Marabá (PA) produzir mais ou de produzir só o que os recursos naturais são capazes de suportar. © Foto: Sérgio Vignes
  • 8. 6
  • 9. 7 HistÓrico da devastação Fiscais do governo do Pará e empresários se uniram para esquentar madeira ilegal A atividade madeireira na Amazônia mostrou, por exemplo, a ligação da diminuiu muito nos últimos anos. maior exportadora de madeira do Pará, Desde 2004, a produção caiu mais a Pampa Exportações, com madeireiras de 50%. As empresas entraram em crise e fantasmas - empresas sem registros cortaram milhares de postos de trabalho. contábeis e fiscais e que operam com São empresas com Muitas fecharam as portas. 100% de madeira ilegal. São empresas Segundo pesquisa financiada pelo com endereço fixo e que só existem endereço fixo e que governo federal e apresentada em graças à conivência de funcionários 2010 pelo Instituto do Homem e Meio do governo estadual e a prática de cor- só existem graças Ambiente da Amazônia (Imazon), o rupção ativa por parte de empresários consumo de toras caiu de 24,5 milhões do setor, como o caso da Pampa. à conivência de de metros cúbicos para 14,2 milhões. Lá fora, o impacto da reportagem A notícia anima ambientalistas, fez com que algumas grandes empresas funcionários do © Foto: Sérgio Vignes pois as estimativas dizem que mais da Europa anunciassem cortes de for- da metade da madeira que sai da necedores e mudanças nos protocolos governo estadual e a Amazônia é ilegal ou esquentada em de monitoramento da cadeia produtiva. processos fraudulentos. Dentro do país, pouca coisa mudou. O prática de corrupção A diminuição da produção, segun- presidente de Pampa, Demorvan Tomedi, do a pesquisa do Imazon, aconteceu por negou envolvimento com empresas ativa por parte de causa do maior rigor no monitoramento fantasmas ou com madeira ilegal. do corte e beneficiamento da madeira. Tomedi continuou a negar mesmo empresários do setor Este rigor não significa que acabou a depois de confrontado com fotos de extração ilegal. Ela continua forte. madeira carimbada com a logomarca da Em junho de 2009, a reportagem Pampa, estocadas no pátio de madeireira Devastação S/A, publicada na edição fantasma na cidade de Anapu (PA). número 15 da Revista do Observató- Tomedi integra o conselho de sus- rio Social, mostrou que as maiores tentabilidade do Banco Santander/Real. empresas mundiais do setor de pisos O banco publicou uma nota em defesa do financiam o desmatamento da Ama- empresário: “O Sr, Demorvan Tomedi ex- zônia e compram madeira de origem plicou ao banco que as informações oficiais Ibama ilegal. Esta madeira é esquentada em sobre o fornecedor eram coerentes com os confere lote processos fraudulentos que envolvem princípios da empresa e não levantavam de madeira empresas de exportação e uma qua- suspeitas”, disse a nota do Santander/Real. A apreendida drilha, ainda não desmantelada, que empresa Rio Pardo Madeiras, que segundo na região de opera na Secretaria de Estado do Meio o banco não levantava suspeitas, sequer Altamira Ambiente do Pará. tinha CNPJ, além de não ter autorização A reportagem do Observatório para cortar madeira.
  • 10. 8
  • 11. 9 imPactos ambientais Entenda como a cadeia produtiva do ferro-gusa transforma milhões de hectares de floresta em cinza A cadeia produtiva do ferro-gusa no Pará é uma das é proveniente de áreas reflorestadas. que mais agride o meio ambiente. Estima-se que são A notória existência de um volumoso desmatados, por ano, até cinco milhões de metros comércio ilegal, à margem do controle cúbicos de florestas nativas no estado para produção de do Estado, coloca em dúvida qualquer carvão vegetal. dado mais assertivo sobre a realidade A produção de uma tonelada de ferro-gusa requer 875 deste percentual. kg de carvão vegetal. Para se chegar a essa quantidade, são Segundo estimativa do governo necessários 2,6 mil kg de madeira seca (que, em média, tem estadual de 2007, existiam, naquele ano, uma densidade de 360 kg/m³ em matas nativas). Ou seja, cerca de 25 mil carvoarias - número esta matéria-prima exige o desmatamento de uma área de que ajuda a dimensionar a quantidade pelo menos 600 metros quadrados. de pessoas envolvidas na atividade. O carvão adquirido pelas siderúrgicas para o abaste- “Em Açailândia [município maranhense cimento de seus altos-fornos pode ter três origens: com cinco siderúrgicas instaladas], há bairros inteiros que vivem do carvão”, 1. Madeira nativa: extraída do desmatamento da floresta © Greenpeace conta Xavier Plassat, coordenador da nativa pelos projetos de manejo autorizados pelo Ibama. campanha nacional contra o trabalho Estes projetos fazem parte da expansão de fronteira escravo da Comissão Pastoral da Terra agrícola na região e o percentual autorizado pelo órgão (CPT). ambiental para desmatamento varia: 20% na mata A mão-de-obra é, em grande medi- atlântica e 65% no cerrado. O projeto tem a duração da, formada por trabalhadores sem-terra de dois anos, podendo ser renovado com autorização que vivem de serviços agropecuários do Ibama; e florestais temporários. Há, no en- 2. Resíduos de serrarias: o resíduo do processo (de 20% tanto, situações diversas, incluindo a 40%) é utilizado para a produção de carvão. Em a de assentados arregimentados para geral, a produção do carvão ocorre no próprio local a atividade. onde existe a serraria. As fiscalizações do Ibama em car- voarias concentraram-se nos municípios 3. Reflorestamento: madeira extraída dos projetos de de Dom Eliseu, Paragominas, Rondon reflorestamento que são plantações de eucalipto em do Pará e Ulianópolis. Esses locais são fazendas de propriedade das siderúrgicas. responsáveis pela quase totalidade do Somente em 2007, segundo a Associação Mineira de fornecimento utilizado nas siderúrgi- Silvicultura (AMS), o consumo de carvão vegetal no Brasil cas de Marabá, e de grande parte do foi de 9,2 milhões de toneladas - mais de 90% destinou-se carvão consumido pelas siderúrgicas ao setor siderúrgico. Para se ter uma ideia, são necessárias de ferro-gusa maranhenses. Imagem 48 árvores, conforme parâmetros do Ministério do Meio Entre 2000 e 2007, levantamentos aérea mostra Ambiente (MMA), para produzir apenas uma tonelada apontaram a queima de 21 milhões de incêndio de car vão. Em outras palavras, naquele ano mais de árvores nos fornos de carvão vegetal na região 440 milhões de árvores foram para o forno. Ainda de utilizado na produção do ferro-gusa. amazônica acordo com a AMS, aproximadamente 50% do que hoje Em abril de 2007, através da Ope- é consumido advém de matas nativas - a outra metade ração Apiti, do Ibama, foi constatado
  • 12. 10 que siderúrgicas adquiriram carvão de do Pará, do Maranhão e de Minas Ge- silvestres. Embargados mais de 33 mil empresas que fraudaram o sistema de rais comunicando decisões a respeito hectares de área já desmatadas e, 363 controle de produção florestal. Houve do fornecimento de minério de ferro, fornos de produção de carvão vege- também indícios de que Autorizações de prometendo suspender o fornecimento tal, oriundas de florestas nativas que Transporte de Produtos Florestais (ATPFs) das guseiras que não comprovassem alimentam siderúrgicas para produção roubadas da sede do Ibama em Marabá respeitar a legislação. de ferro-gusa. teriam sido utilizadas na venda de carvão Entre as empresas, estiveram as Em 2008, Ibama e Sema desen- às produtoras de ferro-gusa. Empresas paraenses Ibérica, Cosipar, Usimar, cadearam operações que comprova- como a Cosipar foram embargadas, mas Simasa, Simara. ram que grandes siderúrgicas do Pará voltaram a operar. Para suspender as Em 2007, o Ibama, através das foram o destino do carvão produzido ações, além de pagar uma multa de operações Kayapó, Cumaru, Sem Fron- com madeira extraída ilegalmente na R$ 65 milhões, a Cosipar assinou, em teiras, Aço Preto, Urucuré e Lago – todas Amazônia. A constatação se deu a janeiro de 2008, um TAC (Termo de no estado do Pará - gerou cerca de R$ partir de levantamentos feitos entre Ajustamento de Conduta) aceitando 60 milhões em multas, resultantes da 2005 e 2008 sobre o uso de carvão no plantar mudas de espécies nativas em lavratura de 121 Autos de Infração pólo siderúrgico de Marabá. Em ações uma área de 32 mil hectares. (AI), 106 Termos de Apreensão de De- movidas desde setembro de 2007 contra A operação ambiental levou a Vale pósito (TDA) e 11 Termos de Embargo/ quatro empresas instaladas na cidade, o (na época, Companhia Vale do Rio Doce) Interdição (TEI). Houve o embargo de Ibama apontou que o volume de carvão a dar um ultimato para que as empresas 01 empresa e 06 Notificações foram vegetal declarado pelas companhias era © Foto: Sérgio Vignes produtoras de ferro-gusa comprovassem efetivadas. Foram apreendidos nas seis incompatível com a demanda energética que estavam em dia com as legislações operações 2.399,601 metros cúbicos necessária para produzir a quantidade de ambiental e trabalhista. A empresa de madeira, mais de 105 mil metros ferro-gusa informada por elas. Juntas, enviou cartas a um grupo de clientes cúbicos de carvão vegetal, 37 mo- dez siderúrgicas de Marabá declararam produtores de ferro-gusa dos Estados tosserras, 68 veículos e 102 animais à Sema, em janeiro daquele ano, que
  • 13. 11 São necessárias 48 possuíam 211.170 metros cúbicos de car vão. Informaram que a origem carvão de origem ilegal. As empresas Cosipar, Sidernorte e Sidepar foram árvores, conforme seriam empresas do Maranhão e de Pernambuco, que, segundo a Sema, flagradas por fiscais do Ibama com- prando 1.520 m³ de carvão ilegal, o parâmetros do estão suspensas. Nas contas do órgão ambiental, a equivalente a 26 caminhões cheios, de uma firma de fachada, criada apenas Ministério do Meio cada tonelada de ferro são consumidos cerca de dois metros cúbicos de carvão para comercializar créditos florestais. De acordo com o órgão, as empresas Ambiente (MMA), para vegetal. A Cosipar (Companhia Siderúr- gica do Pará), por exemplo, informou tiveram seus acessos ao Sisflora (sistema que faz o controle do fluxo de madeiras produzir apenas uma que, entre 2000 e fevereiro de 2007, produziu 2,2 milhões de toneladas de e subprodutos florestais) bloqueados. As siderúrgicas tiveram os estoques tonelada de carvão ferro-gusa e declarou ter usado 1,7 milhão de metros cúbicos de carvão. irregulares apreendidos. O esquema de venda de crédito às Segundo o Ibama, para tal quan- siderúrgicas foi descoberto por meio tidade de ferro seriam necessários 4,4 de auditoria no Sisflora. O sistema é milhões de metros cúbicos de carvão. gerido pela Secretaria Estadual de O Ibama disse ter constatado “incom- Meio Ambiente. Uma única empresa, queimada nas patibilidades” também em outras três a LA Baseggio, criada em junho de margens do Rio empresas de Marabá: Simara Marabá, 2009 no Sisflora, chamou a atenção Tocantins, em Siderúrgica Ibérica e Usimar. dos fiscais do Ibama por ter comer- Marabá (PA) Mais recentemente, em novembro cializado 9 mil metros cúbicos, entre de 2009, o Ibama voltou a autuar em- madeira e carvão, com 39 companhias presas no estado acusadas de comprar em apenas três meses.
  • 14. 12
  • 15. 13 consÓrcio do crime Grupo criminoso ligado à Máfia da Sudam fornece carvão ilegal para a produção de aço O s problemas ambientais da Ama- grandes siderúrgicas e das principais zônia estão longe de terminar. montadoras de veículos do mundo. Talvez sequer tenham começado Entre o trabalhador que produz em seu viés mais devastador. O aque- carvão ilegal no coração da floresta e o cimento da economia brasileira, nos carro de luxo que trafega nas avenidas próximos anos, terá impacto direto das grandes cidades, estão gigantes do sobre o bioma amazônico. E a bola da setor de mineração e produção de aço, vez tem nome: carvão. além de siderúrgicas sediadas no Pará. Este insumo é fundamental para Os comandantes do esquema carvão obtido em a indústria do aço. Sua obtenção, na são empresários que trabalham em Amazônia brasileira, segue um roteiro sintonia com funcionários corrup- atividades predatórias © Foto: Sérgio Vignes protagonizado pela devastação, pelo uso tos da Secretaria de Estado de Meio de mão-de-obra escrava, pela corrupção Ambiente do Pará, fiscais que usam e com uso de trabalho de funcionários públicos, pelo tráfico o cargo para forjar documentos e de influências e pela conivência das esquentar carvão obtido através da escravo entra na maiores siderúrgicas e montadoras de queima de toras retiradas de terras veículos do mundo. indígenas e de áreas de preservação cadeia produtiva de Na Amazônia, empresários, políti- ambiental, muitas vezes com o uso cos e funcionários públicos constituíram de trabalhadores escravos. grandes siderúrgicas um consórcio do crime para burlar a lei No meio do caminho, o processo e devastar os recursos naturais. É uma é viabilizado graças ao serviço sujo e montadoras parceria público-privada às avessas. Não feito pelas siderúrgicas de grande leva em conta o patrimônio ambiental, porte localizadas na Amazônia. Para social e cultural da região com a maior que tudo isso dê certo, é preciso um biodiversidade do planeta. ingrediente fundamental: a corrupção. O problema começa no meio da É ela que lubrifica o caminho entre o selva e termina nas grandes monta- interior da selva amazônica e a loja doras de carros e caminhões do Brasil de carros ali na esquina. e dos Estados Unidos. São grandes Quem viabiliza o esquema é o con- corporações, que ao comprar aço pro- sórcio criminoso aqui citado, que opera duzido com carvão ilegal, financiam nos porões da administração pública e a devastação e o trabalho escravo na do meio empresarial do estado do Pará. Amazônia brasileira. É esse consórcio que viabiliza a devas- Apesar de ser uma teia complexa tação ambiental. Ele só existe porque madeira que envolve empresas, políticos e órgãos mineradora, siderúrgicas e montadoras vira pó em de governo, tudo pode ser resumido em fazem vistas grossas. Fingem que não carvoaria em uma frase: carvão obtido em ativida- enxergam a própria cadeia produtiva. Marabá (PA) des predatórias e com uso de trabalho São essas empresas globais, as gigantes escravo entra na cadeia produtiva de aqui mencionadas, que financiam a
  • 16. 14 produção de carvão do desmatamento implodiu a candidatura à presidência Perfil e do trabalho escravo. da república da atual governadora do Maranhão, Roseana Sarney, após a Político e empresário regional, o testa de ferro divulgação da famosa foto da pilha Délio Fernandes é pouco O chefe do esquema é o empresário de dinheiro sobre uma mesa. conhecido nacionalmente, o que e vice-prefeito da cidade de Anapu, O peso do consórcio que esquenta não o descredencia como chefe Laudelino Délio Fernandes Neto, um dos carvão é tão grande que em 2009 a dessa e de outras quadrilhas líderes da chamada Máfia da Sudam, própria governadora do Pará, Ana que operam na Amazônia. que desviou milhões de reais de projetos Julia Carepa, enviou uma carta ao O escândalo da Sudam segue que deveriam beneficiar o desenvolvi- então presidente do Ibama, Roberto engavetado e ainda não deu mento da Amazônia, mas foram parar Messias Franco, pedindo o afasta- em nada para os políticos. nos bolsos de empresários e políticos, mento do funcionário que denunciou Muitos seguem na vida pública, dentre eles o próprio Délio e seu prin- a existência do consórcio. dentre eles o próprio Délio, cipal aliado no esquema da Sudam, o A intervenção da governadora vice-prefeito de Anapu. ex-senador Jader Barbalho. junto ao governo federal foi pedida pelo Antes de entrar para o ramo do próprio Délio Fernandes, que apresentou carvão ilegal, Délio foi um dos princi- a Ana Julia uma equação simples: “ou pais personagens das mega-fraudes na deixam a gente trabalhar ou vai parar a Superintendência do Desenvolvimento exportação de gusa para fabricar aço”. da Amazônia (Sudam). A quadrilha Os argumentos de Délio foram usados desviou pelo menos R$ 132 milhões pela governadora. Em suas alegações na Trabalhador de projetos financiados pelo governo. carta enviada ao Ibama, ela escreveu em carvoaria É o mesmo escândalo que levou para que o funcionário do Ibama que des- de Marabá (PA) a prisão o ex-senador Jader Barbalho, vendara a existência do consórcio do em 2002, e que nesse mesmo ano crime, o então delegado do órgão em
  • 17. 15 Altamira, Roberto Scarpari, era “contra política paraense, Délio partiu para a fornecer para as siderúrgicas que o desenvolvimento da região”. Também novos desafios: montou um consórcio recebem o minério da Vale e fazem a escreveu que “a atuação do escritório para esquentar carvão e financiar a mistura nos autofornos. do Ibama em Altamira contribui para exportação de gusa para as mega side- Délio também organizou uma par- que nada aconteça”. A carta pedindo rúrgicas dos Estados Unidos. Para isso, ceria com a banda podre da Secretaria o afastamento de Scarpari foi ende- se associou a 33 empresas produtoras de Estado de Meio Ambiente, que passou reçada ao presidente do Ibama no dia de carvão em Marabá e municípios a fabricar documentos de acordo com 9 de outubro de 2009 e está guardada vizinhos, que por sua vez passaram as necessidades do esquema. nos arquivos do governo do estado do Pará sob o número 662/09-GG, e nos arquivos do Ibama sob o número laudelino délio fernandes neto, ligado ao ex-senador Jader 10100.004528/09-02. barbalho, desviou os seguintes recursos da sudam: O pedido da governadora foi aten- dido. Scarpari foi afastado e transferido Emitiu um cheque para si mesmo no valor de R$ 530 mil, dinheiro que deveria ser para Marabá. Com isso, o consórcio investido em projetos de desenvolvimento da região. O rastreamento do cheque continua operando sem tréguas no demonstra que o dinheiro foi desviado; interior da Amazônia. O afastamento de Scarpari de Desviou R$ 440 mil, dinheiro que deveria ser usado em projeto agropecuário, para Altamira foi comemorado com um a compra de um apartamento em Vila Velha, no Espírito Santo; © Foto: Sérgio Vignes churrasco no pátio da empresa de Délio Fernandes, a Agropecuária Vitória Régia S/A, sediada em Anapu e que está no Desviou R$ 201 mil, dinheiro de projeto agropecuário, para a compra de 5 mil centro do esquema criminoso. caixas de cerveja e 5 mil caixas de refrigerante; Depois de gastar o dinheiro da Sudam, protegido pelo alto clero da Comprou uma Toyota Hillux com dinheiro que deveria financiar a criação de gado.
  • 18. 16
  • 19. 17 o Passo a Passo do crime Operadores do consórcio encontram meio de legalizar o fornecimento de carvão para as siderúrgicas O sistema montado por Délio e pela banda podre da Por que isso acontece? No caso Secretaria de Meio Ambiente é muito mais eficiente acima, porque era preciso encontrar do que simplesmente vender carvão ilegal, como uma forma de legalizar o fornecimento era feito até pouco tempo. Agora o produto recebe uma de carvão para as siderúrgicas. Para maquiagem e tem uma aparência legal. isso, foram usados diversos artifícios, Na secretaria de Meio Ambiente, os operadores do con- como por exemplo, uma autorização de sórcio conseguem feitos de proporções bíblicas. Transformar retirada de madeira que estava vencida água em vinho seria uma mera brincadeira para eles. a mais de dez anos, em Anapu. Com Exemplo: como num passe de mágica, fizeram nascer essa autorização vencida, a madeira mais de um milhão de metros cúbicos de madeira pronta foi transferida de forma virtual para para ser fritada nos fornos das 33 empresas ligadas ao as produtoras de carvão. Essa madeira consórcio. nunca chegou. Elas usaram madeira Se você acha que fazer nascer um milhão de metros cúbicos de desmatamento ilegal. © Foto: Sérgio Vignes de madeira a partir de um grão de areia não é nada, espere Por que essa madeira nunca che- pelo milagre: madeira 100% legalizada, sustentável, retirada de gou? Porque na documentação de trans- forma ambientalmente correta e cuja exploração ainda cumpriu porte constam as placas dos caminhões “função social”, ao liberar uma área degradada para a produção usados no transporte. Só que não são de alimentos, de acordo com o que está escrito em documento placas de caminhões. São placas de oficial da Divisão de Meio Ambiente da Secretaria de Estado motos, de carros de passeio, de carros de Meio Ambiente do Pará. É nessa divisão que operam os roubados, de veículos que não existem. funcionários públicos a serviço do consórcio. E também de caminhões. No documento citado acima, tudo é falso, forjado, O que prova a transferência virtu- inventado. E só funciona porque a Divisão de Meio Am- al? A retirada da madeira foi autorizada (topo) biente avaliza o processo. Madeira retirada de áreas de pela Secretaria de Meio Ambiente a Documento da preservação e de terras indígenas passa por um processo partir de uma autorização do Ibama SEMA confirma o de maquiagem que dá a ela uma aparência legal. que estava vencida desde o século lançamento dos A coisa aconteceu da seguinte forma: passado. Na Sema, a autorização está créditos ilegais. assinada pelo servidor Marcelo Silva Equivalem a 1. A Agropecuária Vitória Régia, empresa de Délio, con- Auziel. Ele validou a autorização de mais de cinco seguiu da SEMA uma autorização para retirar estéreis desmatamento 34055, que integra o mil caminhões (restos de madeira) de uma área em Anapu, na região processo 100/98-3/SUPES PA, expedida carregados. de Altamira. São dezenas de caminhões tipo bitrem em 11 de março de 1998 e vencida em (duas carrocerias) carregados de madeira; 11 de março de 1999. (abaixo) 2. Essa madeira é vendida para 33 empresas produtoras A madeira não estava mais lá quando Documento do de carvão, localizadas na região de Marabá; o funcionário Auziel autorizou a guia Ibama vencido no vencida no século passado. Então, a placa século passado 3. A madeira nunca saiu de Anapu. Ela fez apenas uma de qualquer veículo servia para documen- foi usado pela viagem virtual. Na verdade, ela saiu de áreas de pre- tar a transferência, já que ela nunca foi SEMA para servação bem mais próximas das produtoras de carvão, feita. O consórcio opera dessa forma em validar esquema. mas foi “carimbada“ pela SEMA como se fosse da área diversas transações, variado de acordo autorizada em Anapu. com as necessidades do momento.
  • 20. 18
  • 21. 19 resPonsabilidade emPresarial A cadeia produtiva do carvão ilegal segue cinco etapas até chegar às montadoras e às gigantes da siderurgia. fase 1: Produção do carvão Público do Trabalho em Marabá, Edson Aires dos Santos. 1. Madeira é retirada ilegalmente de áreas de preservação Além disso, nos últimos anos, diver- ambiental e de terras indígenas. sos Termos de Ajustamento de Conduta foram assinados pelas siderúrgicas. 2. Fiscais da Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Nesses termos, firmados com o Minis- Pará, em parceria com o consórcio do crime, viabilizam a tério Público Federal, elas reconhecem documentação que dá a madeira uma aparência legal; © Foto: Sérgio Vignes o problema e se comprometem a mudar 3. Centenas de carvoarias queimam o carvão retirado seus processos produtivos. Também se ilegalmente. Muitas dessas carvoarias, segundo o comprometem em investir em ações que Ministério Público do Trabalho (MPT), usam mão minimizem os danos já causados ao bio- de obra escrava; ma, recuperando áreas degradadas. As empresas de fato implantam ações para recuperar áreas degrada- fase 2: carvão cHega às siderúrgicas das, mas continuam a usar carvão do desmatamento e do trabalho escravo, 1. O carvão é transportado até siderúrgicas de grande ou seja, não mudam a permissividade porte localizadas em Marabá (PA). Segundo o Ibama da cadeia produtiva e o ciclo da de- e o Ministério Público Federal, as empresas sabem vastação não cessa. que estão comprando carvão do desmatamento, pois Isso poderia ser evitado através do ano após ano são sistematicamente multadas por uso de madeira de florestas próprias, crimes ambientais; plantadas. A operação, contudo, é mais cara do que a própria multa ou a 2. As principais siderúrgicas envolvidas com desmatamento assinatura de termos de ajustamento. e trabalho escravo, segundo várias denúncias do MPT e Desde o século passado as empresas são do Ministério Público Federal (MPF), são as seguintes: sistematicamente multadas, fazem as • Cosipar – Companhia Siderúrgica do Pará S/A; mesmas promessas e nada muda. • Siderúrgica Ibérica S/A; Segundo o Ibama e o Ministério • Sinobras - Siderúrgica Norte Brasil S/A; Público Federal, as siderúrgicas sabem • Viena – Siderúrgica do Maranhão S/A; que compram carvão do desmatamento Madeira • Siderúrgica Gusa Nordeste S/A. e do trabalho escravo. No relatório téc- ilegal é nico “Diagnóstico do Setor Siderúrgico transformada As empresas listadas acima estão sendo oficialmente nos Estados do Pará e do Maranhão”, em cinzas investigadas por trabalho escravo, conforme ofício em poder produzido pela Diretoria de Florestas da reportagem, assinado pelo funcionário do Ministério do Ibama, quatro engenheiros florestais
  • 22. 20 mostram a discrepância entre o carvão o minério fornecido por ela, a cadeia dutiva do aço, as florestas não são declarado pelas siderúrgicas e o carvão produtiva não funcionaria. desmatadas pela falta de opção das que de fato foi usado na produção. A Vale é uma fornecedora histórica pessoas que vivem na floresta. Elas são Sabendo da quantidade de carvão dessas siderúrgicas, inclusive na época desmatadas porque a indústria global necessária para a produção de uma em que 65,1% do carvão usado por do aço se alimenta de mata nativa. Os tonelada de ferro-gusa (matéria prima elas era de origem ilegal, conforme o povos da floresta não têm nada a ver do aço), os técnicos fizeram a conversão relatório técnico citado acima. com essa história. Se as siderúrgicas e obtiveram números incompatíveis. A produção de aço requer minério tivessem florestas próprias e não com- No Pará, na média de 5 anos (2000 a de ferro - fornecido pela Vale, e carvão prassem carvão do desmatamento e do 2004), 65,1% do carvão usado pelas - fornecido por centenas de carvoarias trabalho escravo, nada disso estaria siderúrgicas do pólo de Carajás não existentes no interior da floresta. Nesse acontecendo. É um típico caso em que foi declarado. processo, a participação da Vale no a vítima se torna o culpado. O carvão não declarado veio de fornecimento do minério de ferro está No caso específico da cadeia produ- áreas de preservação ou de terras in- repleta de contradições: tiva do aço, as florestas são desmatadas dígenas e parte dele obtida com o uso Em 2007, a empresa suspendeu porque o setor precisa mais carvão do que de mão de obra escrava. As próprias temporariamente o fornecimento de é produzido de forma sustentável. É uma empresas do setor reconheceram o minério de ferro para nove siderúrgicas, questão de custo-benefício. Quando mais problema em 2004, ao assinarem o admitindo que eram ambientalmente carvão ilegal, mais barato fica o produto Pacto Pelo Fim do Trabalho Escravo na insustentáveis e que usavam carvão do final. As siderúrgicas não calculam o Produção do Carvão Vegetal. Na época, desmatamento e do trabalho escravo. valor da floresta em pé. O negócio delas estavam pressionadas por denúncias As empresas negociaram. Prome- é produzir aço. Quando mais barato o que mostravam como as siderúrgicas teram nunca mais fazer o que faziam carvão, melhor. E a sustentabilidade vira compravam carvão vegetal de empre- e o fornecimento foi integralmente uma mera ação de marketing. sas que usavam mão de obra escrava. restabelecido. Na prática, contudo, nada No Pará, as siderúrgicas de médio Muita coisa melhorou de lá pra cá, mas mudou. Mesmo após 2008, quando a porte fazem o serviço sujo: usam carvão o problema ainda não foi erradicado. Vale assinou um acordo com o Minis- do desmatamento e do trabalho escravo, © Foto: Sérgio Vignes No que diz respeito ao meio am- tério do Meio Ambiente, no qual se que é misturado com o minério de ferro biente, as coisas pioraram de 2004 compromete a vender minério de ferro da Vale. Mais de 90% dessa produção pra cá. As siderúrgicas alegam que somente para siderúrgicas que usem é exportada. mudaram os procedimentos e que apenas madeira certificada na produção As grandes corporações, como não compram mais carvão que não de carvão. Segundo o documento, são a Vale, se dizem preocupadas e assi- esteja devidamente documentado. Na consideradas ambientalmente legais nam acordos, como esse do Ministério prática, contudo, nada mudou, pois a as siderúrgicas que estão autorizadas do Meio Ambiente. Mas continuam documentação que dá ao carvão uma pelo Ministério para operar. Não há, operando de forma ambientalmente aparência legal é fraudada. contudo, nenhum mecanismo para insustentável. Com a entrada do consórcio cri- monitorar a certificação da madeira. No Pará, todas as siderúrgicas que minoso, o esquema foi aprimorado: au- Sem um mecanismo que monitore o usam o minério de ferro da Vale estão mentou a corrupção no órgão ambiental carvão, nada mudou. ligadas ao fornecimento do carvão e agora o produto tem uma aparência Na época, o então ministro Carlos esquentado pelo consórcio do crime legal, uma maquiagem que o torna Minc disse o seguinte: “A idéia é au- aparentemente sustentável. mentar a oferta da madeira certificada como forma de combate à comerciali- zação ilegal”. fase 3: minÉrio de ferro No papel, a idéia é ótima. Disse o presidente da Vale, Roger Agnelli, Documento do cHega as siderúrgicas quando assinou o documento: “Todos Ministério Público As siderúrgicas envolvidas com o são responsáveis por zelar pelo meio do Trabalho consórcio do crime recebem minério de ambiente. As florestas são agredidas confirma a ferro da Vale, que envia o produto pela por falta de opção e oportunidades existência de estrada de ferro Carajás. A Vale tem das pessoas que vivem nas áreas des- trabalho escravo participação direta na cadeia produtiva matadas”. Em resumo, a Vale culpa o na cadeia do aço obtido com carvão do desma- morador pelo desmatamento. produtiva das tamento e do trabalho escravo. Sem No caso específico da cadeia pro- siderúrgicas.
  • 23. 21 liderado por Délio Fernandes, sem As coisas apenas se aprimoraram. 2. As siderúrgicas dizem que assi- exceção, conforme documentos de De ilegal, o carvão se tornou esquentado, naram termos de ajustamento de compra e venda de carvão em poder maquiado por documentos forjados. conduta e estão reponto vegetação, da reportagem. No que diz respeito a produção de mas continuam sendo multadas, É um esquema multimilionário e que carvão vegetal no estado do Pará, os ano após ano, sempre pelo mesmo só prospera porque o sistema estadual atores que poderiam mudar o cenário motivo: uso de carvão de desma- de fiscalização está corrompido, como se limitam a lavar as mãos: tamento ou de trabalho escravo; será mostrado mais adiante. Na prática, 1. O Ministério do Meio Ambiente 3. A Vale, fornecedora de minério nada mudou desde o levantamento feito diz que assinou acordos com as de ferro diz que agora, após o pelo Ibama em 2005, que mostra mais siderúrgicas e que agora elas usam acordo de 2008 assinado com o de 60% de carvão ilegal. madeira certificada; Ministério do Meio Ambiente,
  • 24. 22 só fornece carvão para empresas prática adotado pela mineradora. descredenciar os acusadores e usar as autorizadas a operar e que adotam O carvão ilegal só existe na medida mesmas táticas para tornar verdadeira práticas sustentáveis; Como se num em que existe uma cadeia produtiva uma história falsa, inclusive perante uma passe de mágica o acordo virasse que dele se beneficia para prosperar. platéia qualificada, mas infelizmente fato. As modernas práticas de responsabi- pouco informada sobre o que de fato lidade social empresarial são claras: acontece no coração da Amazônia. 4. O governo do Pará diz que as side- uma empresa socialmente responsável rúrgicas são sustentáveis, trazem e ambientalmente sustentável deve desenvolvimento e que a produção está dentro da Lei; fiscalizar sua cadeia de valor, ao con- fase 4: Produção trário do que diz a nota da Vale, que 5. A Secretaria de Estado de Meio Am- se limita a tirar o corpo fora. do gusa biente faz de conta que não é com Uma empresa socialmente res- O Brasil produz o melhor ferro-gusa ela, mas é de lá que sai o carimbo ponsável deve contribuir para a do mundo na região de Marabá (PA), que maquia o carvão ilegal; construção de um planeta equilibra- onde estão localizadas as siderúrgicas do. Vai muito além do cumprimento aqui mencionadas. A qualidade do gusa 6. O Ibama, que deveria zelar pelo da lei. A empresa deve atuar para é alcançada com o uso de carvão vegetal, patrimônio ambiental, afasta o a construção de um mundo justo e muito melhor do que o carvão mineral, delegado que denunciou o consórcio sustentável. pois tem baixo teor de enxofre. Por conta criminoso que esquenta carvão; No caso da Vale, a questão se disso, é uma das atividades econômicas 7. O presidente da Vale diz o des- agrava ainda mais devido a tentativa mais predatórias da atualidade. matamento é feito pelos povos da de encobrir o que de fato acontece no Mas isso não importa para as floresta. Pará. Exemplo: No dia 12 de maio de empresas aqui citadas. O que importa 2010, a diretora de Meio Ambiente e é que o gusa é bom. A Vale tem uma reação firme sem- Desenvolvimento Sustentável da Vale, Cerca de 90% do gusa produzido pre que suas práticas ambientais são Vânia Somavilla, disse, para uma no Pará é exportado para os Estados colocadas a prova. A empresa costuma platéia de mais de 500 pessoas, que Unidos. © Foto: Sérgio Vignes dizer que as denúncias contra ela são a empresa não fornece mais minério No Brasil, o carvão vegetal é usado inconsistentes e feitas por ambienta- de ferro para as mineradoras do Pará na produção do gusa desde o século listas e organizações radicais, que têm que estão envolvidas em práticas que XIX, onde cumpre duas funções . A um discurso mais ideológico do que usam o carvão do desmatamento e primeira delas é como combustível técnico, sem provas. do trabalho escravo. para os autofornos e a segunda como Não é o caso dessa reportagem. Tudo A informação foi dita durante a agente químico para retirar o oxigênio está fartamente documentado, inclusive Conferência Internacional do Instituto durante o processo. com os papéis maquiados nos porões da Ethos, em uma oficina intitulada A Diversas fontes consultadas esti- secretaria de estado de Meio Ambiente Nova Liderança para uma Economia mam que, no Brasil, mais de 50% do do Pará. A Vale está inserida na cadeia Verde, Inclusiva e Responsável. carvão usado na produção de gusa é produtiva predatória e criminosa que A informação passada por Vânia de origem predatória. Isso acontece produz gusa na Amazônia. Somavilla é falsa. Em 2007, durante porque o carvão é a matéria prima Ao ser questionada pelo forne- pouco tempo, a empresa ficou sem que mais pesa no custo de produção cimento de minério para empresas fornecer o minério de ferro para as do gusa. Para baratear esse custo, as que usam carvão ilegal, a Vale disse siderúrgicas, mas isso não acontece siderúrgicas compram carvão feito com o seguinte, por intermédio de e-mail mais. A empresa usa o acordo com o madeira de desmatamento. E pagam a enviado pelo jornalista Murilo Fiuza, Ministério do Meio Ambiente como multa, pois sai mais barato. da assessoria de imprensa: “A Vale não justificativa para a volta do forne- tem poder de polícia e não tem como cimento. A questão é que o acordo fiscalizar se as empresas que estão com não saiu do papel e as mineradoras suas licenças em dia realmente estão continuam sendo abastecidas com cumprindo-as de fato. Portanto, a Vale carvão ilegal. As práticas predatórias acredita nas licenças concedidas pelos são a regra na produção de gusa nas Imagem da órgãos competentes, responsáveis por mineradoras do Pará. A Vale adota, Siderúrgica essa fiscalização”. O jornalista também as avessas, a postura ideológica que Ibérica, em cita o acordo com o Ministério do Meio critica nas ONGs e nos ambientalis- Marabá Ambiente como um exemplo de boa tas. É o jogo da contra informação:
  • 25. 23 fase 5: eXPortação forma predatória. também é das empresas: fiscalizar a As empresas aqui mencionadas não cadeia produtiva. da Produção levam em conta, em suas planilhas, o A exportação do gusa é o ato final O gusa do desmatamento e do valor dos recursos naturais. Uma em- desse teatro surreal protagonizado por trabalho escravo entra em uma das presa socialmente responsável jamais grandes empresas. mais importantes cadeias produtivas admitiria, em sua cadeia de valor, As seguintes mineradoras compram da economia internacional: o aço produtos obtidos de forma criminosa o gusa produzido pelas siderúrgicas produzido nos Estados Unidos, que e ambientalmente predatória. que usam carvão do desmatamen- abastece tanto o mercado interno A justificativa de que elas não to e do trabalho escravo: Gerdau, daquele país quanto o de países que têm poder de polícia para saber quem ThyssenKrupp, Kohler, Whirlpool importam mercadorias produzidas está dentro ou fora da lei não serve Corp, Nucor Corporation e National pelos norte-americanos: automóveis, nesse caso. Qualquer burocrata de Material Trading Co. São as maiores do eletrodomésticos, equipamentos hos- formação mediana desvendaria o mundo em seus setores. Dessas, uma pitalares, armamento etc. problema sem sair do escritório, com é brasileira, a Gerdau, que compra o Ao contrário do que disse o pre- quatro ou cinco telefonemas. gusa da devastação para abastecer sua sidente da Vale, não são os moradores O gusa produzido no Vale dos planta sediada nos Estados Unidos, a da Amazônia os responsáveis pelo Carajás é predatório, usa carvão de Gallantin Steel, Joint Venture entre a desmatamento. Quem se beneficiam desmatamento e de trabalho escravo. ArcelorMittal e a Gerdau. A reportagem com a devastação da Amazônia são As siderúrgicas da região tem uma tem cópias de documentos da alfândega corporações empresariais que per- longa ficha criminal por agressão ao norte-americana que comprovam a mitem, em suas cadeias produtivas, bioma. É muito conveniente transferir transação da Gerdau com as siderúr- produtos amazônicos retirados de para o poder público uma função que gicas da devastação ambiental.
  • 26. 24 o mercado consumidor do ferro-gusa Veja em que contexto cada uma das mega siderúrgicas entram na cadeia produtiva do gusa da devastação: national material trading co A NMT compra mais de 1,5 mil toneladas de ferro-gusa brasileiro por ano. Segundo a Partir dessas duas o site da empresa, é a maior importadora de ferro-gusa brasileiro nos EUA. A NMT possui comPradoras diretas 15 distribuidoras na América do Norte, e de ferro-gusa, outras é a principal fornecedora para grande indústrias e fornecedoras de grandes emPresas são envolvidas empresas, como Ford, General Motors na cadeia, em esPecial, e Kohler. O principal fornecedor da NMT é a Cosipar. do aço. as PrinciPais são: nucor corPoration A Nucor é a segunda maior siderúrgica americana e uma das maiores consumidoras de ferro-gusa brasileiro. Juntamente com suas filiais, está envolvida na fabricação e venda de aço e produtos siderúrgicos na América do Norte e internacionalmente. A empresa opera através de três segmentos: Steel Mills, Steel Products, and Raw Materials, com diferentes produtos. As operações da empresa também incluem compra e venda de aço e de produtos de aço. Fundada em 1940, a empresa tem sede em Charlotte, na Carolina do Norte.
  • 27. KoHler: Através da Na- 25 tional Material Trading, compra gusa do Brasil. O intermet*: material é utilizado para fazer Compra gusa da NTM. a base de banheiras e pias para Com sede na cidade de Fort cozinha. A empresa também Worth (Texas), a empresa produz produz encanamentos, componentes automotivos utilizados em geradores de energia e carros em todo o mundo, como chassis, máquinas. suspensões, controle de freios, caixas de direção, componentes de transmissão, bombas de combustível e instrumentos de painéis. Os componentes são utilizados em diferentes automóveis, de veículos para construção e equipamentos agrícolas a caminhões pesados e carros de passeio. tHyssenKruPP: Compra gusa do desmatamento para fazer peças automotivas utilizadas pelas empresas DaimlerChrysler, Ford, GM, Nissan, Toyota e Deere & Co. WHirlPool corP: Se tornou a maior fabricante mundial de eletrodomésticos, em 2006, após aquisição bem sucedida da Maytag. Whirlpool Corporation vende seus aparelhos na América do Norte, América Latina, Europa, África e Ásia. A empresa também vende aparelhos sob um número de * Fundada em 1971, a empresa empregava, antes da crise, cerca marcas diferentes, incluindo KitchenAid, Bauknecht, de 1.700 pessoas na produção de componentes de metal fundido para automóveis, veículos comerciais e mercados industriais. Roper, Maytag, Magic Chef, e Amana. Produtos da Foi bastante afetada pela crise financeira. Em agosto de 2008, Whirlpool incluem lavadoras, secadoras, geladeiras, segundo a revista Modern Casting7, a empresa esperava que o condicionadores de ar, máquinas de lavar louça, pedido de falência lhe permitisse continuar as operações normais freezers, fornos de microondas, purificadores enquanto reorganizava sua estrutura financeira e operacional. de ar e compactadores de lixo. Em 2008, Os recursos que viriam através desse pedido seriam necessários para manter a produção ininterrupta. Em 6 de janeiro de 2010, a Whirlpool informou 18,91 bilhões segundo o jornal Crain’s Detroit Business, a empresa fechou as dólares em vendas e tinha 70.000 duas últimas unidades de fundição, pedindo falência total para funcionários. Compra gusa liquidar suas dívidas. da NMT. As peças fabricadas pela empresa eram vendidas para grandes montadoras, como Toyota, Nissan, General Motors e Ford.
  • 28. 26 irmã dorotHy Até quando o esquema que assassinou a freira continuará impune?
  • 29. 27 U ma parte dos envolvidos nas fraudes desmatamento e da produção de carvão com a devastação de madeira para na Sudam e no consórcio do carvão ilegal só existe porque compradores abastecer a siderurgia. ilegal financiou o assassinato da coniventes se relacionam com cadeias O problema só vai ser resolvido freira Dorothy Stang, morta em Anapu produtivas predatórias, criminosas e quando o Governo Federal, o Ministério com seis tiros, em 2005. Os elos entre sujas de sangue. Público e o Poder Judiciário decidirem a máfia da Sudam e a morte da freira Faz muitos anos que as siderúrgicas levar adiante a investigação sobre a são Regivaldo Pereira Galvão, o Taradão usam o discurso que agora vão mudar, Máfia da Sudam, que desviou R$ 132 e Délio Fernandes, um dos chefes da que não são mais como eram, que são milhões que deveriam ser aplicados Máfia da Sudam. Eles aparecem tanto sustentáveis e socialmente responsá- no desenvolvimento sustentado da na investigação da máfia da Sudam veis. A questão é que o discurso não Amazônia. Jader Barbalho e Roseana quanto na da morte da freira. transpôs a fronteira entre a intenção Sarney, que “caíram” no início das Taradão foi citado, em cinco in- e a prática. E as coisas só vão mudar investigações, em 2002, conseguiram quéritos, como sendo o braço direito quando as gigantes do setor pararem abafar a apuração. A lista de políticos de Jader Barbalho nos desvios de di- de tapar o sol com a peneira e não envolvidos no esquema e que não apa- nheiro dos projetos. Já na investigação admitirem, em nenhuma hipótese, que receram no início da investigação, é do assassinato de Dorothy, a apuração seus processos produtivos financiem bem maior. Os órgãos de investigação liga Taradão a Viltamiro Moura, o o desmatamento, o trabalho escravo e do governo federal têm documentos Bida, mandante do crime. Já Délio a corrupção de funcionários públicos. que envolvem tubarões da política Fernandes recebeu em sua casa Bida, Por enquanto, nada mudou na produção nacional, caciques que hoje ajudam meia hora após a freira ter sido morta. siderúrgica na Amazônia, apesar de a sustentar a estrutura política do Da casa de Délio, Bida pediu a mulher, todas as boas intenções e das cartas governo e que tem força suficiente por telefone, que mandasse um carro compromissos assinadas com o governo para evitar qualquer iniciativa de buscá-lo o quanto antes. e com a sociedade. desengavetar o inquérito. Além disso, em um bilhete di- Em Anapu, onde Dorothy foi as- © Ilustração: Daniel Cabral tado por Bida, ele próprio confirma a o sangue de dorotHy foi sassinada, nada mudou até agora. A existência de um consórcio envolvido derramando em vão? devastação ambiental, a grilagem no financiamento dos pistoleiros que O homem que puxou o gatilho e de terras e a pistolagem continuam. mataram a freira. Esse bilhete é uma o fazendeiro diretamente interessado Laudelino Délio Fernandes e seus das principais provas contra ele. A na morte de irmã Dorothy Stang foram cúmplices são intocáveis. “Não são partir dessa prova, a investigação levou condenados. A estrutura criminosa os pobres colonos sem dinheiro que ao consórcio que financiou a morte de que executou a irmã, contudo, segue estão desmatando a região. É um gru- Dorothy, onde aparecem nomes ligados intocada no interior do Pará. po de pessoas bem organizadas”, diz a Máfia da Sudam, ao assassinato da Dorothy foi assassinada no dia 12 o coordenador do INCRA na região, freira e ao consórcio que vende, para de fevereiro de 2005 em Anapu, uma Antônio Ferreira. a indústria do aço, carvão de desma- das regiões mais violentas do país. A Em Anapu, as pessoas de bem têm tamento e de trabalho escravo. região é controlada pelo grupo de Lau- medo de sair de casa, de falar, de denun- É nesse cenário de crime organi- delino Délio Fernandes, um dos chefes ciar. O que vale aqui é o grito da pistola zado, assassinatos e desvio de dinheiro da Máfia da Sudan e o coordenador e da impunidade. O poder de políticos público que as gigantes do setor side- do consórcio criminoso que fornece irresponsáveis e de grupos armados rúrgico obtém o carvão, matéria prima carvão do desmatamento e do trabalho fala mais alto por aqui. A conjuntura fundamental para a produção de aço escravo para a indústria do aço. conspira contra as famílias que lutam para os mais variados fins. Dois pistoleiros, um intermedi- pela garantia dos seus direitos. No Pará, a lógica é mais ou menos a ário e o fazendeiro Vitalmiro Bastos Será que o sangue de Dorothy seguinte: eu faço de conta que não faço de Moura, o Bida, foram julgados e Stang foi derramado em vão? Será que e você faz de conta que não vê que eu condenados. O fazendeiro Regivaldo os grupos criminosos que mandam realmente faço. O crime organizado do Pereira Galvão, o Taradão, também nessa região da Amazônia vão vencer acusado de ser um dos mandantes, a luta contra os direitos humanos e segue em liberdade. contra a Justiça? Até quando mafiosos A estrutura criminosa que eli- e assassinos de colarinho branco terão Retrato da minou Dorothy está acima de Bida poder para engavetar inquéritos e de- Irmã Dorothy e de Taradão. A morte da freira tem cidir os rumos da política ambiental feito com conexões diretas, como mostra a re- da Amazônia? São perguntas, por carvão. portagem, com a Máfia da Sudam e enquanto, sem respostas.
  • 30. 28 o mercado do ferro-gusa Entenda a importância da principal matéria-prima utilizada na produção do aço O gusa é o produto imediato da O carvão vegetal é usado preponde- renda em regiões onde as alternativas redução do minério de ferro rantemente na produção de ferro-gusa de emprego não são particularmente pelo coque ou carvão e calcário e cumpre duas funções: como combus- favoráveis ao trabalhador. num alto forno. O gusa normalmente tível para gerar o calor necessário à O ferro-gusa produzido no Pará contém até 5% de carbono, o que faz operação do alto-forno da siderúrgica é a matéria-prima para a produção de com que seja um material quebradiço e como agente químico para retirar o aço e de peças fundidas, em especial e sem grande uso direto. oxigênio durante o processo. auto-peças. Geralmente nos processos indus- As vantagens da utilização do triais, o ferro-gusa é considerado como carvão vegetal em relação ao carvão o ferro-gusa na amazônia uma liga de ferro e carbono, contendo mineral são: maior reatividade, maior A produção de ferro-gusa tendo o de 4 a 4,5% de carbono e outros elemen- pureza e menor teor de enxofre. No carvão vegetal como insumo energético tos ditos residuais como por exemplo: aspecto ambiental, o carvão vegetal e redutor inicia-se no século XIX e silício, manganês, fósforo e enxofre, tem a vantagem de liberar oxigênio e consolida-se nos anos 1930. Mesmo dentre outros. emitir menos CO2 para a atmosfera. com o surgimento e a expansão da O gusa é vertido diretamente a O carvão mineral emite quase duas siderurgia a coque metalúrgico a produ- partir do cadinho do alto forno para toneladas de CO2 para a atmosfera para ção guseira a partir do carvão vegetal contentores para formar lingotes, ou cada tonelada de aço produzida. continuou ocupando um importante usado diretamente no estado líquido em Outras vantagens consideradas espaço na siderurgia brasileira. aciarias. Os lingotes são então usados pelo setor são: o grande número de O desenvolvimento dessa produ- para produzir ferro fundido e aço, ao pessoas pouco qualificadas envolvidas ção baseou-se no estabelecimento de extrair-se o carbono em excesso. na atividade do carvão e a geração de um sistema produtivo marcado pela Gráfico 1: Quantidade de Ferro-gusa exportada (Pará e Maranhão) - 1990 a 2008 4.000.000 3.500.000 3.000.000 2.500.000 2.000.000 1.500.000 1.000.000 500.000 0 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 Fonte: SINDIFER e SECEX/MDIC