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Título original:
Fiducia e paura nella città

. Sumário·

Tradução autorizada da primeira edição italiana,
publicada em 2005 por Bruno Mondadorí,
de Turim, Itália
Copyrigbt © 2005, Zygmunt Bauman
Copyrigbt da edição brasileira © 2009:
Jorge Zahar Edit~r Lrda.
rua México 31 sobreloja
20031-144
Rio de Janeiro, RJ
tel.: (21) 2108-0808 / Fax: (21) 2108-0800
e-mail: jze@zahar.com.br
sire: www.zahar.com.br

Bauman e o destino das cidades globais,
por Mauro Magatti

•

7

1.

Confiança e medo na cidade

13

2.

Todos os direitos reservados.
A reprodução não-autorizada desta publicação, no todo
ou em parte, constitui violação de direitos autorais. (Lei 9.610/98)

Buscar abrigo na caixa de p'andora:
medo e incerteza na vida urbana

52

Viver com estrangeiros

74

Capa: Sérgio Carnpante
CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Livros,

B341c

3.

RJ.

Bauman,ZYgEnunt, 1925Confiança e medo na cidade / Zygmunt Baurnan; tradução
Aguiar. - Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009.

Eliana

Tradução de: Fiducia e paura nella cittá
ISBN 978-85-378-0122-2
1.Cidades e vilas. 2. Vida urbana - Aspectos sociais. 3. Globalização - Aspectos sociais. 4. Confiança - Aspectos sociais. 5. Medo - Aspectos sociais.
6. Pós-modernismo - Aspectos sociais. L Título.

09-0223

COO: 307.76
COU: 316.335.56

Notas

91
Confiança e medo na cidade

.1.

mitarem a pensar apenas em si mesmas e em seu futuro.
Mas é justamente a lógica do pensamento de Bauman que
nos leva a compreender que não existem determinismos na
vida social. Isso se os atores sociais enfrentarem a realidade

Confiança e medo na cidade

e exercitarem até o fim sua capacidade de ação - que é, afinal, a capacidade de modificar o curso dos acontecimentos
a partir de novos investimentos nas relações e nos vínculos, entendidos como elementos essenciais na construção
de um novo capital social. Não de modo ingênuo, mas
segundo uma reflexão contínua e séria sobre as condições

Nos últimos anos, sobretudo, na Europa e em suas ramifi-

do próprio agir.

cações no ultramar, a forte tendência a sentir medo e a obsessão maníaca por segurança fizeram a mais espetacular
MAURO

MAGATTI*

---

das carreiras.

-

Por si só, isso já é um mistério. Afinal, como assinala
Robert Castel em sua perspicaz análise das atuais angústias
alimentadas pela insegurança,' "nós, pelo menos nos países
que se dizem avançados, vivemos em sociedades que sem
dúvida estão entre as mais seguras (sures) que já existiram".
No entanto, em contraste com essa "evidência objetiva", o
mimado e paparicado "nós" sente-se inseguro, ameaçado
e amedrontado,

mais inclinado ao pânico e mais interes-

sado em qualquer coisa que tenha a ver com tranqüilidade
e segurança que os integrantes da maior parte das outras
* Diretor do Departamento
Sacro Cuore, Milão.

de Sociologia, Università Cattolica del

12

sociedades que conhecemos.
13
,
Confiança e medo na cidade

Confiança e medo-na cidad
I

~l

i avra en enta d
S·
Igmun d Freu d Ja h'
I

enigma.ê sugerindo q~e a solu~

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I
r "·pon tI!I !=cgqdo
,10,

I

não os limites que um esforço pudesse superar com boa

;

pode.fi~ ser ij99~ltr;ada

vontade e justa determinação: "Não se entende por que

no desprezo tenaz da psique humana pel~ :átida ($l~gkafac-

os regulamentos estabelecidos por nós mesmos não repre-

tual", Os sofrimentos humanos (inclusive o medo!de sofrer

sentam ... benefício e proteção para cada um de nós." Por

e o medo em si, que é o pior e mais penoso exemplo de

isso, se a "proteção de fato disponível e as vantagens que

sofrimento) derivam do "poder superior da natureza, da

desfrutamos não estão totalmente à altura de nossas ex-

fragilidade de nossos próprios corpos e da inadequação

pectativas; se nossas relações ainda não são aquelas que

das normas que regem os relacionamentos mútuos dos se-

gostaríamos de desenvolver; se as regras não são exatamen-

res humanos na família, no Estado e na sociedade". Em

te como deveriam e, a nosso ver, poderiam ser; tendemos

relação às duas primeiras causas expostas por Freud, po-

a imaginar maquinações hostis, cornplôs,

demos dizer que conseguimos - de algum modo - aceitar

de um inimigo que se encontra em nossa porta ou embai-

os limites do que somos capazes de fazer: sabemos que ja-

xo de nossa cama. Em suma, deve haver um culpado, um

mais poderemos dominar totalmente a natureza e que não

crime ou uma intenção criminosa.

tornaremos nossos corpos imortais, subtraindo-os do flu-

Castel chega a conclusão .. náloga
a

conspirações

quando supõe que

xo impiedoso do tempo; portanto, estamos prontos para

a insegurança moderna não deriva da perda da seguran-

nos contentar com a "segunda opção". Essa consciência,

ça, mas da "nebulosidade (ombre portée) de seu objetivo",

no entanto, é mais instigadora e estimulante - e menos

num mundo social que "foi organizado em função da con-

deprimente e inibidora. Se não podemos eliminar todos

tínua e laboriosa busca de proteção e segurança'c" A aguda

os sofrimentos, conseguimos, contudo, eliminar alguns e

e crônica experiência da insegurança é um efeito colate-

atenuar outros. O fato é que sempre vale a pena tentar e

ral da convicção de que, com as capacidades adequadas

tentar novamente.

e os esforços necessários, é possível obter uma segurança

Mas as coisas mudam quando se trata do terceiro tipo

completa. Quando percebemos que não iremos alcança-Ia,

de sofrimento: a miséria de origem social. Tudo o que foi

só conseguimos explicar o fracasso imaginando que ele se

feito pelo homem também pode ser refeito. Não aceitamos

deve a um ato mau e premeditado, o que implica a existên-

a imposição de limites para esse "refazer"; em todo caso,

cia de algum delinqüente.

14

15
Confiança e medo na cidade

Confiança e medo na cidade

Poderíamos dizer que a insegurança moderna, em suas

rede de vínculos sociais. A segunda, que vem logo depois

várias manifestações, é caracterizada pelo medo dos cri-

da primeira, consiste na fragilidade e vulnerabilidade sem

mes e dos criminosos. Suspeitamos dos outros e de suas

precedentes desse mesmo indivíduo, agora desprovido da

intenções, nos recusamos a confiar (ou não conseguimos

proteção que os antigos vínculos lhe garantiam.

fazê-lo) na constância e na regularidade da solidariedade

Se a primeira revelou aos indivíduos a estimulante e se-

humana. Castel atribui a culpa por esse estado de coisas

dutora existência de grandes espaços nos quais implementar

ao individualismo moderno. Segundo ele, a sociedade mo-

a construção e o aprimoramento de si mesmo, a segunda tor-

derna - substituindo as comunidades solidamente unidas

nou a primeira inacessível para a maior parte dos indivíduos.

e as corporações (que outrora definiam as regras de pro-

O resultado da ação combinada dessas duas novas tendências

teção e controlavam a aplicação dessas regras) pelo dever

foi como aplicar o ai do sentimento de culpa sobre a ferida

individual de cuidar de si próprio e de fazer por si mesmo

da impotência, infeccionando-a. Derivou disso uma doença

- foi construída sobre a areia movediça da contingência: a

que poderíamos chamar de medo de ser inadequado.

insegurança e a idéia de que o perigo está em toda parte

Desde o início, o Estado moderno teve de enfrentar
a tarefa desencorajadora de administrar o medo. Foi obri-

são inerentes a essa sociedade.
da Era Moderna,

gado a tecer de novo a rede de proteção que a revolução

também nesta a Europa desempenhou o papel precursor.

moderna havia destruído, e repará-Ia repetidas vezes, à me-

Foi a primeira a ter de enfrentar as imprevistas e perni-

dida que a modernização, promovida por ele mesmo, só a

ciosas conseqüências regulares da mudança: a estressan-

deformava e desgastava. Ao contrário do que se é levado a

te sensação de insegurança que, como se dizia, não teria

pensar, no coração do "Estado social" - êxito inevitável da

existido sem a ocorrência simultânea de duas "reviravoltas"

evolução do Estado moderno - havia mais proteção (garan-

que se manifestaram na Europa - para em seguida se dis-

tia coletiva contra as desventuras individuais) que redistri-

seminar, mais ou menos rapidamente, pelos outros lugares

buiçâo da riqueza. Para as pessoas desprovidas de recursos

do planeta. A primeira, sempre segundo a terminologia

econômicos, culturais ou sociais (de todos os recursos, ex-

de Castel, consiste na "supervalorização" (survalorisation4)

ceto da capacidade de realizar trabalhos manuais), "a pro-

do indivíduo, liberado das restrições impostas pela densa

teção só pode ser coletiva","

Como nas outras transformações

16

17
Confiança e medo na cidade

Confiança e medo na cidade

Ao contrário das redes prqtetoras pré-modernas, aque-

dependência das partes em jogo fez de seu enfrentamento

las criadas e administradas pelo Estado eram deliberada e

um investimento razoável e um sacrifício que tinha tudo

cuidadosamente

para dar bons resultados). Foi também, por outro lado, um

planejadas, ou desenvolviam-se esponta-

neamente a partir dos grandes esforços construtivos que ca-

refúgio seguro para a confiança e, conseqüentemente,

racterizaram a fase "sólida" da modernidade. Exemplos de

a negociação, a busca de compromissos e de uma convi-

proteção do primeiro tipo são as instituições e as medidas

vência "consensual".

assistenciais - às vezes chamadas de "salários sociais" -, ad-

A carreira claramente delineada,

para

a tediosa, embora

ministradas ou amparadas pelo Estado (serviços de saúde,

tranqüilizadora,

educação pública, casas populares). E também as normas

bilidade dos grupos de trabalho, a possibilidade de desfru-

industriais que definem os direitos recíprocos das partes nos

tar capacidades definitivamente adquiridas e o grande valor

contratos de trabalho, defendendo também o bem-estar e os

atribuído à experiencia no trabalho permitiam manter os

direitos dos empregados.

riscos do mercado de trabalho a distância. Permitiam tam-

O principal exemplo do segundo tipo é a solidariedade

rotina compartilhada

diariamente, a esta-

bém atenuar (ou mesmo eliminar totalmente) a incerteza,

empresarial, sindical e profissional que deitou raizes e flo-

confinando os medos no reino marginal da "má sorte" e

resceu "de modo espontâneo" no ambiente relativamente

dos "incidentes fatais", sem permitir que eles invadissem

estável da "fábrica fordista", síntese do cenário da rnoder-

a vida cotidiana. Mas, sobretudo, as muitas pessoas cujo

nidade sólida, na qual se remediava a ausência da maior

único capital era o trabalho podiam contar com o aspec-

parte dos "outros capitais". Nessa fábrica, o recíproco e

to coletivo. A solidariedade transformou

duradouro

trabalhar em capital substituto, que, como se esperava - e

empenho

das duas partes em contraposição

a capacidade de

- capital e trabalho - tornou-as independentes. Ao mes-

acertadamente -, podia servir de contrapeso para o poder

mo tempo, permitiu que se pensasse e planejasse a longo

combinado dos capitais de outro tipo.

prazo, que se empenhasse o futuro e nele se investisse. A

Os medos modernos tiveram início com a redução

"fábrica fordista" foi, portanto, um lugar caracterizado por.

do controle estatal (a chamada desregulamentaçâoi

árduas e às vezes candentes disputas que, no entanto, sem-

conseqüências individualistas, no momento em que o pa-

pre foram contornadas (o empenho a longo prazo e a inter-

rentesco entre homem e homem - aparentemente

18

19

e suas

eterno,
I

Confiança e meqo na cidade

Confiança e medo na cidade

ou pelo menos presente desde rempo irnemoriaís -, assim

mitidas pela modernidade

como os vínculos amigáveis eJtabeIetidos dentro de uma

ter as múltiplas pressões, reduzi-Ias ou eliminá-Ias de todo

comunidade

- vêem-se como fortalezas assediadas por forças inimigas.

ou de uma corporáção, foi fragiHzado ou até

sólida - e voltadas para comba-

rompido. O modo como a modernidade sólida administra-

Eles consideram os resquícios do Estado social um privilé-

va o medo tendia a substituir os laços "naturais" - irrepa-

gio que é preciso defender com unhas e dentes de invasores

ravelmente danificados - por outros laços, artificiais, que

que pretendem

assumiam

cente de um complô estrangeiro e o sentimento de rancor

a forma de associações, sindicatos e coletivos

pari-time (quase permanentes,

no entanto,

saqueá-Ios. A xenofobia - a suspeita cres-

pois consoli-

pelos "estranhos?" - pode ser entendida como um reflexo

dados pela rotina diariamente partilhada). A solidariedade

perverso da tentativa desesperada de salvar o que resta da

i

sucedeu a irmandade como melhor defesa para um destino
cada vez mais incerto.
A dissolução

solidariedade loc l.
Quando a solidariedade é substituída pela competição,

da solidariedade

universo no qual a modernidade

representa

o fim do

sólida administrava

medo. Agora é a vez de se desmantelarem

o

ou destruírem

os indivíduos se sentem abandonados

a si mesmos, entre-

gue~ a seus próprios recursos - escassos e claramente inadequados. A corrosão e a dissolução dos laços comunitários

as proteções modernas - artificiais, concedidas. A Europa,

nos transformaram,

primeira a sofrer a revisão moderna e todas as suas con-

víduos de jure (de direito); mas circunstâncias

seqüências, passa pela "desregulamentação

individualista

persistentes dificultam que alcancemos o status implícito

número dois", agora não por escolha própria, mas cedendo

de indivíduos de facto (de fato)." Se, entre as condições da

à pressão das incontroláveis forças globais.

modernidade

Paradoxalmente, quanto mais persistem - num determinado lugar - as proteções "do berço ao túrnulo", hoje arnea-

sem pedir nossa aprovação, em indiopressivas e

sólida, a desventura mais temida era a inca-

pacidade de se conformar, agora - depois da reviravolta da
modernidade

"líquida" - o espectro mais assustador é o

çadas em toda parte pela sensação compartilhada de um perigo iminente, mais parecem atraentes as válvulas de escape
xenófobas. Os poucos países (sobretudo escandinavos) que
relutam em abandonar

as proteções institucionais

20

trans-

* Em especial os imigrantes, que, de modo vívido e claro, recordam
que os muros podem ser derrubados, e as fronteiras canceladas; os
imigrantes por meio dos quais se queimam em efígie as misteriosas e
incontroláveis forças globalizantes.

21
Confiança e medo na cidade

Confiança e medo na cidade

da inadequação. Temor bem justificado, cumpre admitir,

Hoje a exclusão não é percebida como resultado de

quando consideramos a enorme desproporção entre a quan-

uma momentânea e remediável má sorte, mas como algo

tidade e a qualidade de recursos exigidos por uma produção

que tem toda a aparência de definitivo. Além disso, nesse

efetiva de segurança do tipo "faça você mesmo". E também

-momento, a exclusão tende a ser uma via de mão única.

quando levamos em conta a soma total de materiais, ins-

É pouco provável que se reconstruam as pontes queima-

trumentos e habilidades que a maioria dos indivíduos, de

das no passado. E são justamente a irrevogabilidade desse

forma razoável, pode esperar adquirir e conservar.

"despejo" e as escassas possibilidades de recorrer contra
essa sentença que transformam

Robert Casrel aponta também o retorno das "classes perigosas"? Gostaria de observar, contudo, que a semelhança

os excluídos de hoje em

"classes perigosas".
Essa exclusão irrevogável é a consequência direta, em-

entre a sua primeira e segunda aparição desse estrato é, no

bora imprevista, ~a decomposição

melhor dos casos, incompleta.

hoje se assemelha a uma rede de poderes constituídos,

As "classes perigosas" originais eram constituídas por
gente "em excesso", temporariamente

excluída e ainda não

do Estado social, que
ou

melhor, a um ideal, a um projeto abstrato. O declínio e o
colapso do Estado social ànunciam

definitivamente

que

reintegrada, que a aceleração do progresso econômico ha-

as oportunidades

via privado de "utilidade funcional ", e de quem a rápida

reito ao apelo será revogado; que se perderá gradualmente

pulverização das redes de vínculos retirava, ao mesmo tem-

qualquer esperança; e que qualquer vontade de resistir

po, qualquer proteção. As novas classes perigosas são, ao

acabará por se extinguir. A exclusão do trabalho é vivida

contrário, aquelas consideradas incapacitadas para a rein-

mais como uma condição de "superfluidade"

tegração e classificadas como nâo-assimildueis, porque não

a condição de alguém que está "des-empregado"

saberiam se tornar úteis nem depois de uma "reabilitação".

que implica um desvio da regra, um inconveniente

Não é correto dizer que estejam "em excesso": são supérfluas

porário que se pode - e se poderá - remediar); equivale a

e excluídas de modo permanente

ser recusado, marcado como supérfluo, inútil, inábil para

(trata-se de um dos poucos

de redenção irão desaparecer; que o di-

que como
(termo
tem-

casos permitidos de "permanência" e também dos mais ati-

o trabalho e condenado a permanecer

vamente encorajados pela sociedade "líquida").

inativo". Ser excluído do trabalho significa ser eliminá-

22

23

"economicamente
Confiança e medo na cidade

vel (e talvez já eliminado

definitivamente),

Confiança e medo na cidade

classificado

pessoas que seriam "reeducadas", "reabilitadas"

e "resti-

como descarte de um "progresso econômico" que afinal

tuídas à comunidade"

se reduz ao seguinte: realizar o mesmo trabalho e obter

definitivamente

os mesmos resultados econômicos

com menos força de

serem "socialmente recicladas": indivíduos que precisam

com custos inferiores aos que antes

ser impedidos de criar problemas e mantidos a distância

trabalho e, portanto,

na primeira ocasião, mas vêem-se

afastadas para as margens, inaptas para

da comunidade respeitosa das leis.

vigoravam.
Hoje, apenas uma linha sutil separa os desempregados, especialmente os crônicos, do precipício, do buraco

Como observam Gumpert e Drucker," "quanto mais nos

negro da underclass (subclasse): gente que não se soma a

separamos de nossas vizinhanças imediatas, mais confiança

qualquer categoria social legítima, indivíduos que fica-

depositamos

ram fora das classes, que não desempenham

alguma das

muitas áreas urbanas, um pouco no mundo todo, casas

funções reconhecidas, aprovadas, úteis, ou melhor, indis-

construídas para proteger seus habitantes, e não para inte-

pensáveis, em geral realizadas pelos membros "normais"

grá-los nas comunidades às quais pertencem." O comentá-

da sociedade; gente que não contribui para a vida social.

rio que fazem é: "Justamente quando estendem seus espa-

A sociedade abriria mão deles de bom grado e teria tudo a

ços de comunicação para a esfera internacional, esses mo-

ganhar se o fizesse. Não menos sutil é a linha que separa os

radores colocam a vida social porta afora, potencializando

"supérfluos" dos criminosos; underclass e "criminosos" são

os seus 'sofisticados' sistemas de segurança","

na vigilância do ambiente. ... Ex!stem~ ~m

duas subcategorias de "elementos anti-sociais" que diferem

Mais ou menos do mundo inteiro, começam a se evi-

uma da outra mais pela classificação oficial e pelo trata-

denciar nas cidades certas zonas, certos espaços - forte-

mento que recebem que por suas atitudes e comportamen-

mente correlacionados a outros espaços "de valor", situa-

tos. Assim como aqueles que são excluídos do trabalho, os

dos nas paisagens urbanas, na nação ou em outros países,

criminosos (ou seja, os que estão destinados à prisão, já es-

mesmo a distâncias enormes - nos quais, por outro lado, se

tão presos, vigiados pela polícia ou simplesmente fichados)

percebe muitas vezes uma tangível e crescente sensação de

deixaram de ser vistos como excluídos provisoriamente da

afastamento em relação às localidades e às pessoas fisica-

normalidade da vida social. Não são mais encarados como

mente vizinhas, mas social e economicamente

24

25

distantes."
Confiança e medo na cidade

Confiança e medo na cidade

Os produtos descartados por essa nova extraterritoria-

O quadro que emerge dessa descrição é o de dois mun-

lidade, por meio de conexões dos espaços urbanos privile-

dos-de-vida separados, segregados. Mas só o segundo é ter-

giados, habitados ou utilizados por uma elite que pode se

ritorialmente

dizer global, são os espaços abandonados

meio de conceitos clássicos. Já os que vivem no primeiro

e desmembrados

circunscrito

e, portanto,

compreensível por

- aqueles que Michael Schwarzer chama de "zonas fantas-

dos dois mundos-de-vida

ma", nas quais "os pesadelos substituem os sonhos, e peri-

mente como os outros, " I I" nao sao
no oca - ~ ~"daque teI al" :
oc

go e violência são mais comuns que em outros lugares".'!

não o são idealmente, com certeza, mas muitas vezes (to-

Para tornar a distância intransponível,

das as vezes que quiserem) também não o são fisicamente.

de perder ou de contaminar

e escapar do perigo

- emboram se encontrem, exata-

sua pureza local, pode ser útil

As pessoas da "primeira fila" não se identificam com o

reduzir a zero a tolerância e expulsar os sem-teto de lugares

lugar onde moram, à medida que' seus interesses estão (ou

nos quais eles poderiam não apenas viver, mas também se

melhor, flutuam)'em

fazer notar de modo invasivo e incômodo, empurrando-as

adquiriram

para esses espaços marginais, oif-limits, nos quais não po-

a não ser dos seguintes: serem deixadas em paz, livres para

dem viver nem se fazer ver.

se dedicar completamente

Como sugere Manuel Castells.F a polarização está se
acentuando.

Mais que isso, rompem-se os vínculos entre

o Lebenstoelt (mundo-de-vida)

de um e do outro tipo de

cidadãos: o espaço da "primeira fila" está normalmente

outros locais. Pode-se supor que não

pela cidade em que moram nenhum interesse,

"aos próprios entretenimentos

e

para garantir os serviços indispensáveis (não importa como
sejam definidos) às necessidades e confortos de sua vida
cotidiana. A gente da cidade não se identifica com a terra

li-

que a alimenta, com a fonte de sua riqueza ou com uma área

globais e à imensa rede de trocas,

sob sua guarda, atenção e responsabilidade, como acontecia

aberto a mensagens e experiências que incluem o mundo

com os industriais e comerciantes de idéias e bens de con-

todo. Na outra ponta do espectro, encontramos

as redes

sumo do passado. Eles não estão interessados, portanto, nos

muitas vezes de base étnica, que de-

negócios de "sua" cidade: ela não passa de um lugar como

gado às comunicações

locais fragmentárias,

positam sua confiança na própria identidade como recurso

outros e como todos, pequeno

mais precioso para a defesa de seus interesses e, conseqüen-

visto da posição privilegiada do ciberespaço, sua verdadei-

temente, de sua própria vida.

ra - embora virtual - morada.

26

27

e insignificante,

quando
Confiança e medo na cidade

Confiança e medo na cidade

o mundo-de-vida

dos outros, dos cidadãos da "última

fila", é exatamente o contrário. Em geral, para defini-lo,

pressões globalizantes e o modo como as identidades locais
são negociadas, modeladas e remodeladas.

diz-se que está fora das redes mundiais de comunicação

É um grave erro atribuir um lugar diverso aos aspectos

com as quais as pessoas da primeira fila vivem conectadas

"globais" e "locais" das condições existenciais e políticas

e com as quais sintonizam suas próprias vidas. Os cida-

contemporâneas,

dãos da última fila estão "condenados a permanecer no

cundário e ocasional - como poderia sugerir a não par-

lugar". Portanto, espera-se que sua atenção - cheia de insa-

ticipação na "primeira fila". Num

tisfações, sonhos e esperanças - dirija-se inteiramente para

publicado, Michael Peter Srnith'P se opõe à opinião (par-

as "questões locais". Para eles, é dentro da cidade em que

tilhada, segundo ele, por David Harvey e John Friedman,

moram que se declara e se combate a luta - às vezes venci-

por exemplol'" queyconrrapôe

da, mas com maior freqüência perdida - para sobreviver e

localizada dos fluxos econômicos globais" a "uma concep-

conquistar um lugar decente no mundo.

ção estática do território e da cultura local", atualmente

A segregação das novas elites globais; seu afastamento

correlacionando-os

apenas de modo se-

estudo recentemente

'uma lógica dinâmica e não

valorizados como "locais de vida", "estar-no-mundo".

Se-

dos compromissos que tinham com o populus do local no

gundo Smith, "longe de refletir uma ontologia estática da

passado; a distância crescente entre os espaços onde vivem os

existência ou da comunidade,

separatistas e o espaço onde habitam os que foram deixados

ções dinâmicas, em formação".

as localidades são constru-

para trás; estas são provavelmente as mais significativas das

Na verdade, a linha que separa o espaço abstrato dos

tendências sociais, culturais e políticas associadas à passagem

operadores globais - "que se encontra em algum lugar do

da fase sólida para a fase líquida da modernidade.

inexistente" - daquele espaço físico tangível, "aqui e agora"

Há muita verdade nesse quadro, mas isso não é tudo:

no mais alto grau, da "gente do lugar" só pode ser traça-

nele perde-se ou minimiza-se a parte essencial da verdade,

da no mundo etéreo da teoria, em que os conteúdos ema-

aquela que, mais que qualquer outra, representa a caracte-

ranhados dos mundos-de-vida

rística Fundamental (eprovavelmente a que mais conseqüên-

"colocados em ordem" e depois classificados e arquivados:

cias terá a longo prazo) da vida urbana contemporânea.

cada um em seu compartimento,

Essa característica consiste na estreita interaçâo entre as

Mas as realidades da vida urbana logo chegam para arrui-

28

29

humanos são inicialmente

por razões de clareza.
Confiança e medo na cidade

Confiança e medo na cidade

nar essas cuidadosas classificações. Os elegantes modelos

do-as. O nosso agir ou não-agir só pode "fazer a diferença"

de vida urbana, construídos com a ajuda de contraposiçôes

quando se trata de questões locais, enquanto para as outras

nítidas, podem proporcionar rnuiras satisfações aos cons-

questões, declaradamente

trutores de teorias, mas na prática não servem de muita

ternativas" - como continuam

coisa para os planejadores urbanos, e menos ainda para os

líticos, assim como os especialistas de plantão. Acabamos

habitantes que enfrentam os desafios da vida na cidade.

por suspeitar - com os recursos penosamente inadequados

Os poderes reais que criam as condições nas quais to-

"supralocais", não existem "ala afirmar nossos líderes po-

de que dispomos - que esses assuntos seguirão seu curso,

dos nós atuamos flutuam no espaço global. enquanto as

não importa o que façamos ou nos proponhamos

instituições

de maneira razoável.

políticas permanecem,

de certo modo, "em

terra", são "locais".

a fazer

Também as situações cuja origem e cujas causas são

Como continuam a ser majoritariamente

locais, as or-

indubitavelmente

globais, remotas e obscuras só entram

ganizações políticas que operam no interior do espaço ur-

no âmbito das questões políticas quando têm repercussões

bano tendem fatalmente a padecer de uma frágil capacidade

locais. A poluição do ar - notoriamente global - ou dos re-

de agir - e sobretudo de agir com eficácia, com "soberania"

cursos hídricos só diz respeito à política quando um terreno,

- no palco em que se representa o drama da política. Por

vendido abaixo do custo - em razão da presença de resíduos

outro lado, deve-se destacar a falta de política no ciberespa-

tóxicos ou de alojamentos para refugiados políticos -, está

ço extraterritorial, que é o campo de jogo do poder.

localizado aqui ao lado, praticamente em "nosso quintal",

Nesse nosso mundo que se globaliza, a política tende
a ser - cada vez mais apaixonada e conscientemente - Local. Como foi banida do ciberespaço, ou teve seu acesso

aterradoramente próximo, mas também (o que é encorajador) "ao alcance da mão".
A progressiva comercialização do setor de saúde, que

vetado, ela se volta para as questões locais, as relações de

nada mais é que um efeito das competições desenfreadas

bairro. Para a maioria de nós, e na maior parte do tempo,

entre os colossos farmacêuticos supranacionais, só entra no

elas parecem ser as únicas questões em relação às quais

campo da política quando o hospital da área começa a se

se pode "fazer alguma coisa", sobre as quais é possível in-

deteriorar, ou quando diminui

fluir, recolocando-as nos eixos, melhorando-as, modifican-

para idosos ou de instituições psiquiátricas.

30

31

o número de residências
Os habitan-
Confiança e medo na cidade

Confiança e medo na cidade

tes de uma cidade (Nova York) tiveram de enfrentar a de-

quanto mais se "fecham em si mesmas", mais ficam "de-

vastação causada pela evolução global do terrorismo, e os

sarmadas diante do vórtice global", e tendem a se tornar

conselhos municipais e prefeitos de outras cidades tiveram

também mais fracas na hora de decidir sobre os sentidos

de assumir a responsabilidade de garantir a segurança in-

e as identidades locais, que são suas exatamente por serem

dividual, ameaçada doravante por forças inimigas absolu-

locais, para grande alegria dos operadores globais, que não

tamente inatingíveis para as administrações municipais. A

têm motivo algum para temer os desarmados.

devastação global dos meios de sobrevivência e o desloca-

Como Castells sugeriu em outra oportunidade,"

mento de populações dos locais onde tinham moradia es-

criação de um "espaço de fluxos" instaura uma nova (e

tável há muito tempo só entram no horizonte da atividade

global) hierarquia de dominação por meio da ameaça de

política por meio daqueles pitorescos "imigrantes econô-

abandono. Esse "espaço de fluxos" pode "fugir de qualquer

micos" que inundam estradas outrora monótonas.

controle local", enquanto (aliás, justamente porque) "o es-

Em poucas palavras: as cidades se transformaram
depósitos de problemas causados pela globalieaçâo.

em

Os cida-

paço físico é fragmentário,

circunscrito

a

e cada vez mais

desprovido de poder em relação à versatilidade do espaço

dãos e aqueles que foram eleitos como seus representantes

de fluxos. As localidades só' podem resistir negando direi-

estão diante de uma tarefa que não podem nem sonhar em

to de desembarque aos fluxos desenfreados, para constatar

resolver: a tarefa de encontrar soluções locais para contra-

em seguida que eles desembarcam em localidades vizinhas,

dições globais.

cercando e tornando marginais as comunidades rebeldes".

Daí o paradoxo destacado por Castells: "Políticas cada
vez mais locais num mundo estruturado

por processos

A política local - e particularmente
encontra-se hoje desesperadamente

a política

sobrecarregada,

urbana
a tal

cada vez mais globais."15"Houve uma produção de sentido

ponto que não consegue mais operar. E nós pretendíamos

e de identidade: a minha vizinhança, a minha comunidade,

reduzir as conseqüências da globalização incontrolável jus-

a minha cidade, a minha escola, a minha árvore, o meu

tamente com os meios e com os recursos que a própria

rio, a minha praia, a minha igreja, a minha paz, o meu am-

globálização tornou penosamente inadequados.

biente." "As pessoas, desarmadas diante do vórtice global,
fecharam-se

em si mesmas." Gostaria de observar que,

32

Ninguém, nesse mundo que se globaliza tão depressa,
é pura e simplesmente um "operador global". Aqueles que

33
-,
Confiança e medo na cidade

fazem parte da oni-influente

elite globe-trotter

Confiança e medo na cidade

poderão,

regenerado no decorrer da luta em busca de sentido e iden-

no máximo, dar à própria mobilidade um objetivo mais

tidade. É nos lugares que se forma a experiência humana,

amplo. Se as coisas começam a pegar fogo, comprome-

que ela se acumula, é compartilhada,

tendo seu conforto, se o espaço que circunda suas residên-

elaborado, assimilado e negociado. E é nos lugares, e graças

cias urbanas torna-se perigoso demais, difícil demais de

aos lugares, que os desejos se desenvolvem, ganham forma,

controlar, eles podem ir para outra parte - possibilidade

alimentados pela esperança de realizar-se, e correm risco de

vetada a todos os que são (fisicamente) seus vizinhos. Essa

decepção - e, a bem da verdade, acabam decepcionados, na

possibilidade de escapar dos problemas locais permite que

maioria das vezes.

tenham uma independência com que os outros habitantes

e que seu sentido é

As cidades contemporâneas são os campos de batalha

urbanos só podem sonhar; e que exibam o luxo - que os

nos quais os poderes globais e os sentidos e identidades

outros não se podem permitir - de uma nobre indiferen-

tenazmente locais se encontram,

ça. Sua contribuição para "resolver as questões da cidade"

tentando chegar a uma solução satisfatória ou pelo menos

tende a ser menos completa e mais desprovida de restrições

aceitável para esse conflito: um modo de convivência que

que a participação dos que têm menores possibilidades de

- espera-se - possa equivaler a urna paz duradoura, mas

romper unilateralmente

que em geral se revela antes um armistício, uma trégua

os vínculos locais.

se confrontam

e lutam,

Isso não significa, contudo, que, na busca de "sentido

útil para reparar as defesas abatidas e reorganizar as unida-

e identidade" (dos quais tem necessidade e que ambiciona

des de combate. É esse confronto geral, e não algum fator

tão intensamente quanto seu próximo), a elite global pos-

particular, que aciona e orlenta;-di~i~i~~-d~-

sa desconsiderar totalmente o local onde vive e trabalha.
Como todos os outros homens e mulheres, ela também
faz parte da paisagem urbana na qual - queiram ou não

modernidade
'----~
-_.

cidad;-~;--

líquida - de todas as cidades, sem sombra de

dúvida, embora não de todas elas no mesmo grau.
Michael Peter Srnith, durante uma viagem recente a

- se inscrevem suas aspirações. Como operadores globais,

Copenhague,'? em uma única hora de estrada, encontrou

podem girar pelo ciberespaço. Mas, como seres humanos,

"pequenos grupos de imigrantes turcos, africanos e vin-

estão confinados de manhã à noite no espaço físico em

dos do Oriente Médio", viu "inúmeras mulheres árabes,

que atuam, num ambiente já predisposto e continuamente

algumas veladas, outras não", notou "letreiros escritos em

34

35
Confiança e medo na cidade

Confiança e medo na cidade

várias línguas não européias" e, "num pub inglês que ficava

te algum tipo de alívio. As ânsias acumuladas tendem a se

diante do Tivoli, teve uma interessante conversa com o

descarregar sobre aquela categoria de «forasteiros" escolhi-

garçom irlandês". Essas experiências de campo mostram-se

da para encarnar a "estrangeiridade", a não-familiaridade,

muito úteis (disse Smith durante a conferência sobre vin-

a opacidade do ambiente em que se vive e a indetermina-

culações supranacionais que fez naquela cidade) «quando

çâo dos perigos e das ameaças. Ao expulsar de suas casas e

um interlocutor insiste em dizer que o supranacionalismo

de seus negócios uma categoria particular de "forasteiros",

é um fenômeno que diz respeito apenas às 'cidades globais',

exorciza-se por algum tempo o espectro apavorante da in-

como Londres ou Nova York, e tem pouco a ver com luga-

certeza, queima-se em efígie o monstro horrendo do peri-

res mais isolados, como Copenhague".

go. Ao erguer escrupulosamente cuidadosos obstáculos de
fronteira contra os falsos pedidos de asilo e contra os imi.

((

grantes por motivos

história, e por mais radicais que sejam as mudanças em

consolidar nossa vida incerta, trôpega e imprevisível. Mas

sua estrutura e seu aspecto no decorrer dos anos ou dos

a vida na modernidade líquida está fadada a permanecer

séculos, há um traço que permenece constante: a cidade é

estranha e caprichosa, por mais numerosas que sejam as si-

um espaço em que os estrangeiros existem e se movem em

tuações críticas pelas quais os "indesejáveis estranhos" são

estreito contato.

responsabilizados. Assim, o alívio tem breve duração, e as

Componente

fixo da vida urbana, a onipresença de

estrangeiros, tão visíveis e tão próximos, acrescenta uma

puramente

A·"

Aconteça o que acontecer a uma cidade no curso de sua

econormcos , espera-se

esperanças depositadas em «medidas drásticas e decisivas"
desaparecem praticamente no nascedouro.

notável dose de inquietação às aspirações e ocupações dos

O estrangeiro é, por definição, alguém cuja ação é

habitantes da cidade. Essa presença, que só se consegue

guiada por intenções que, no máximo, se pode tentar adi-

evitar por um período bastante curto de tempo, é uma

vinhar, mas que ninguém jamais conhecerá com certeza.

fonte inexaurível de ansiedade e agressividade latente - e

O estrangeiro é a variável desconhecida no cálculo das

muitas vezes manifesta.

equações quando chega a hora de tomar decisões sobre o

O medo do desconhecido - no qual, mesmo que subli-

que fazer. Assim, mesmo quando os estrangeiros não são

minarrnente, estamos envolvidos - busca desesperadamen-

abertamente agredidos e ofendidos, sua presença em nosso

36

37
Confiança e medo na cidade

Confiança e medo na cidade

campo de ação sempre causa desconforto e transforma em

cide a forma de cada tipo de construção, impondo uma

árdua empresa a previsão dos efeitos de uma ação, suas

lógica fundada na vigilância e na distância."!"

probabilidades de sucesso ou insucesso.
Compartilhar

Todos que têm condições adquirem seu apartamento

espaços com os estrangeiros, viver com

num condomínio: trata-se de um lugar isolado que fisica-

eles por perto, desagradáveis e invasivos como são, é uma

mente se situa dentro da cidade, mas, social e idealmente,

condição da qual os cidadãos consideram difícil, se não

está fora dela. "Presume-se que as comunidades fechadas se-

impossível, escapar. No entanto,

dos es-

jam mundos separados. As mensagens publicitárias acenam

trangeiros é o seu destino, um modus vivendi que terão

com a promessa de 'viver plenamente' como uma alternativa

de experimentar, que deverão ensaiar com confiança para,

à qualidade de vida que a cidade e seu deteriorado espaço

enfim, instituí-lo, se quiserem tornar a convivência agradá-

público podem oferecer." Urna das características mais rele-

vel, e a vida vivível. É uma necessidade, um dado de fato e,

vantes dos cond mínios é "seu isolamento e sua distância da

enquanto tal, não-negociável; mas, naturalmente, o modo

cidade .... Isolamento quer dizer separação de todos os que

como os cidadãos se preparam para satisfazer essa necessi-

são considerados socialmente inferiores", e - corno os cons-

dade depende de suas escolhas. Estas são feitas a cada dia,

trutores e as imobiliárias insistem em dizer - "o fator-chave

agindo ou evitando agir, de propósito ou não, decidindo

para obtê-Io é a segurança. Isso significa cercas e muros ao

de maneira consciente ou seguindo cega e mecanicamente

redor dos condomínios, guardas (24 horas por dia) vigiando

os esquemas de sempre; unindo discussão e reflexão ou

os acessos e uma série de aparelhagens e serviços ... que ser-

seguindo de maneira pessoal aquilo a que damos crédito

vem para manter os outros afastados".

a vizinhança

porque continua na moda e ainda não foi desmerecido.

Corno bem sabemos, as cercas têm dois lados. Divi-

Teresa Caldeira escreve a propósito de São Paulo (a

dem um espaço antes uniforme em "dentro" e "fora", mas

primeira entre as grandes e fervilhantes cidades brasileiras

o que é "dentro" para quem está de um lado da cerca é

em rápida expansão): "Hoje é uma cidade feita de muros.

"fora" para quem está do outro. Os moradores dos condo-

Barreiras físicas são construídas por todo lado: ao redor

mínios mantêm-se fora da desconcertante,

das casas, dos condomínios, dos parques, das praças, das

e vagamente ameaçadora - por ser turbulenta

escolas, dos escritórios .... A nova estética da segurança de-

- vida urbana, para se colocarem "dentro" de um oásis de

38

39

perturbadora
e confusa
Confiança e medo na cidade

Confiança e medo na cidade

tranqüilidade e segurança. Contudo, justamente por isso,

ridade das gated and secure communities para pessoas de

mantêm todos os demais fora dos lugares decentes e segu-

todas as idades e faixas de renda; e a vigilância crescente

ros, e estão absolutamente decididos a conservar e defen-

dos locais públicos, para não falar dos contínuos alertas de

der com unhas e dentes esse padrão; tratam de manter os

perigo por parte dos meios de comunicação de massa".'?

outros nas mesmas ruas desoladas que pretendem deixar

As autênticas ou supostas ameaças à integridade pes-

do lado de fora, sem ligar para o preço que isso tem. A cer-

soal e à propriedade privada convertem-se em questões

ca separa o "gueto voluntário» dos arrogantes dos muitos

de grande alcance cada vez que se consideram as vanta-

condenados a nada ter.

gens e desvantagens de viver num determinado lugar. Elas

Para aqueles que vivem num gueto voluntário, os ou-

aparecem em primeiro lugar nas estratégias de marketing

tros guetos são espaços "nos quais não entrarão jamais".

imobiliário. A incerteza do futuro, a fragilidade da posição

Para aqueles que estão nos guetos "involuntários", a área a

social e a insegurança da existência - que sempre e em toda

que estão confinados (excluídos de qualquer outro lugar) é

parte acompanham a vida na modernidade líquida, mas

um espaço « do qual não lhes é permitido sair".

têm raízes remotas e escapam ao controle dos indivíduos

.

.;

A tendência a segregar, a excluir, que em São Paulo (a

- tendem a convergir para objetivos mais próximos e a as-

maior conurbação do Brasil, à frente do Rio de Janeiro)

sumir a forma de questões referentes à segurança pessoal:

manifesta-se da maneira mais brutal, despudorada e sem

situações desse tipo transformam-se facilmente em inci-

escrúpulos, apresenta-se - mesmo que de forma atenuada

tações à segregação-exclusão que levam - é inevitável - a

- na maior parte das metrópoles.

guerras urbanas.

Paradoxalmente, as cidades - que na origem foram

Como se depreende de uma excelente pesquisa feita

construídas para dar segurança a todos os seus habitantes

por Steven.Flusry.ê?

jovem arquiteto e crítico. da urbanís-

- hoje estão cada vez mais associadas ao perigo. Como

tica norte-americana,

diz Nan Ellin, "o fator medo [implícito na construção e

- sobretudo projetando maneiras de proibir aos In1m1-

reconstrução das cidades] aumentou, como demonstram

gos reais, potenciais e presumidos o acesso ao espaço que

o incremento dos mecanismos de tranca para automóveis;

eles reivindicam e mantendo-os

as portas blindadas e os sistemas de segurança; a popula-

- constitui o interesse maior e o objeto da mais rápida

40

41

colocar-se a serviço dessa guerra

a uma distância segura
I

Confiança e medo na cidade

expansão da inovação arquitetõnica e do desenvolvimento urbano das cidades nos Estados Unidos. As construções

I

Confiança e medo na cidade

de grupos de patrulhamento

e/ou de tecnologias de televi-

gilância conectadas a estações de controle."

recentes, orgulhosamente alardeádas e imitadas, não pas-

Esses e outros tipos de espaços proibidos têm um único

sam de "espaços fechados", "concebidos para interceptar,

- embora composto - objetivo: manter os enclaves extra-

filtrar ou rechaçar os aspirantes a usuário". A intenção des-

territoriais isolados do território contínuo da cidade; cons-

ses espaços vetados é claramente dividir, segregar, excluir,

truir pequenas fortalezas no interior das quais os integran-

e náo de criar pontes, convivências agradáveis e locais de

tes da elite global extraterritorial podem cuidar da própria

encontro, facilitar as comunicações e reunir os habitantes

independência física e do próprio isolamento espiritual, e

da cidade.

tratar de cultívá-los e desfrurá-Ios. Na paisagem urbana, os

Os estratagemas arquitetônico-urbanísticos

identifica-

espaços vedados transformam-se nas pedras miliárias que
I

dos e listados por Flusry são os equivalentes tecnicamente

assinalam a desintegração da vida comunitária, fundada e

atualizados dos fossos pré-modernos, das torres e das se-

compartilhada

teiras nas muralhas das cidades antigas. Mas, em lugar de

critos por Steven Flusry são manifestações altamente tec-

defender a cidade e todos os seus habitantes de um inimigo

no lógicas da onipresente mixofobia (medo de misturar-se).

exatamente ali. Os desenvolvimentos des-

externo, servem para dividir e manter separados seus ha-

Essa mixofobia não passa da difusa e muito previsível

bitantes: para defender uns dos outros, ou seja, daqueles a

reação à impressionante e exasperadora variedade de tipos

quem se atribuiu o status de adversários. Entre as invenções

humanos e de estilos de vida que se podem encontrar nas

mencionadas por Flusry, temos: o "espaço escorregadio",

ruas das cidades contemporâneas e mesmo na mais "co-

um "espaço inatingível, pois as vias de acesso são tortuosas

mum" (ou seja, não protegida por espaços vedados) das zo-

ou inexistentes"; o "espaço escabroso", que "não pode ser

nas residenciais. Uma vez que a multiforme e plurilingüís-

confortavelmente ocupado, sendo defendido por expedien-

tica cultura do ambiente urbano na era da globalização

tes como borrifadores instalados nos muros, úteis para ex-

se impõe - e, ao que tudo indica, tende a aumentar -, as

pulsar os vagabundos, ou bordas inclinadas que impedem

tensões derivadas da "estrangeiridade" incômoda e deso-

((

»«

que a pessoas se sentem; e o espaço nervoso,

.•.

que nao se

pode usar sem ser observado, por causa da vigilância ativa

42

rientadora desse cenário acabarão, provavelmente, por favorecer as tendências segregacionistas.

43
Confiança e medo na cidade

Confiança e medo na cidade

para essas tendências

- e entre as diferenças, "No processo de formação de uma

pode (temporária, mas repetidamente) dar alívio às cres-

imagem coerente de comunidade está incluído o desejo de

centes tensões. Há uma esperança: talvez seja impossível

evitar qualquer participação real. Mesmo quando podem

fazer algo para modificar as diferenças desconcertantes e

sentir os vínculos que as unem aos outros, as pessoas não

embaraçosas. Mas talvez se possa tornar a situação menos

querem vivê-los porque têm medo de participar, têm medo

nociva atribuindo a cada forma de vida particular um espa-

dos perigos e dos desafios que a participação implica, e têm

ço físico separado, inclusivo e exclusivo ao mesmo tempo,

medo de sofrer."

Encontrar

um desaguadouro

bem delimitado e defendido. À parte essa solução radical,

O impulso para uma "comunidade de semelhantes" é

talvez pudéssemos ao menos assegurar para nós mesmos,

um sinal de retirada, não somente da alteridade que existe

nossos amigos; parentes e outros "como nós", um territó-

lá fora, mas também do empenho na interação interna,

rio isento da mistura e da desordem que atormentam

que é viva, embora turbulenta,

ir-

fortalecedora, embora in-

remediavelmente as outras áreas urbanas. A mixofobia se

cômoda. A atração que uma "comunidade de iguais" exer-

manifesta como impulso em direção a ilhas de identidade

ce é semelhante à de uma apólice de seguro contra riscos

e de semelhança espalhadas no grande mar da variedade e

que caracterizam a vida cotidiana em um mundo "rnulti-

da diferença.

vocal". Não é capaz de diminuir os riscos e menos ainda

As origens da mixofobia são banais e não muito difí-

evitá-los. Como qualquer paliativo, nada promete além de

ceis de identificar. São facilmente entendidas, embora não

uma proteção contra alguns de seus efeitos mais imediatos

se possa dizer que sejam fáceis de justificar. Como sugere

e temidos.

Richard Sennert," "a sensação de 'nós', que expressaria um

Escolher a fuga, aceitando as sugestões da mixofobia,

desejo de semelhança, não é mais que um modo de fugir da

tem uma conseqüência insidiosa e deletéria: quanto mais

necessidade de olhar profundamente

um dentro do outro".

ineficaz é a estratégia, mais ela se reforça e perdura. Sen-

Poderíamos dizer que tudo isso promete algum conforto

nett explica por que as coisas são e, na verdade, devem ser

espiritual: existe a perspectiva de tornar a solidariedade

assim: "O modo como as cidades norte-americanas

mais tolerável, renunciando

a essa tentativa de entender,

senvolveram nos últimos anos tornou relativamente homo-

tratar e pacruar exigida pela convivência com as diferenças

gêneas as diversas áreas étnicas; e não por acaso o medo do

44

45

se de-
Confiança e medo na cidade

Confiança e medo na cidade

estrangeiro aumentou a ponto de excluir tais comunidades

torna-se mais complexa porque são exatamente os mesmos

étnicas."22Quanto mais tempo se permanece num ambien-

aspectos da vida na cidade que atraem e, ao mesmo tempo

te uniforme - em companhia de outros "como nós", com

ou alternadamente, repelem. A desorientadora variedade

os quaís é possível "se socializar" superficialmente, sem

do ambiente urbano é fonte de medo, em especial entre

correr o risco de mal-entendidos e sem precisar enfrentar

aqueles de nós que perderam seus modos de vida habitu-

a amolação de ter de traduzir um mundo de significados

ais e foram jogados num estado de grave incerteza pelos

em outro -, mais é provável que se "desaprenda" a arte de

processos desestabilizadores

negociar significados e um modus conuiuendi.

mesmo brilho caleidoscópico da cena urbana, nunca des-

Como as pessoas esqueceram ou negligenciaram o
aprendizado

das capacidades necessárias para conviver

da globalização. Mas esse

provido de novidades e surpresas, torna difícil resistir a
seu poder de sedução.

com a diferença, não é surpreendente que elas experimen-

Ter de enfrentar o interminável e sempre ofuscante

tem uma crescente sensação de horror diante da idéia de se

espetáculo da cidade não é, portanto, percebido somen-

encontrar frente a frente com estrangeiros. Estes tendem a

te como maldição e infelicidade. Nem se proteger é visto

parecer cada vez mais assustadores, porque cada vez mais

sempre como pura e simples bênção. A cidade induz si-

alheios, estranhos e incompreensíveis. E também há uma

multaneamente à mixofilia e à mixofobia. A vida urbana

tendência para que desapareçam - se é que já existiram - o

é intrínseca e irremediavelmente

diálogo e a interaçâo que poderiam assimilar a alteridade

maior e mais heterogênea for uma cidade, maiores serão

deles em nossa vida. É possível que o impulso para um am-

os atrativos que pode oferecer. Uma grande concentração

biente homogêneo, territorialmente isolado, tenha origem

de estrangeiros funciona como um repelente e ao mesmo

na mixofohia: no entanto, colocar em prática a separação

tempo como um potentíssimo ímã, atraindo para a grande

territorial só fará alimentar e proteger a rnixofobia (embora

cidade homens e mulheres cansados da vida no campo e

seja importante dizer que ela não é o único elemento em

nas pequenas cidades, fartos da rotina e desesperados com

jogo no campo de batalha urbano).

a falta de perspectivas. A variedade promete oportunidade:

Todos sabem que viver numa cidade é uma experiência

muitas e diversas oportunidades,

ambivalente.

Quanto

adequadas a cada gosto

arnbivalente. Ela atrai e afasta; mas a situação do citadino

e a cada competência. Por isso, quanto maior a cidade,

46

47
Confiança e medo na cidade

Confiança e medo na cidade

maior é a probabilidade de que atraia um número crescen-

Mas talvez seja possível fazer alguma coisa para influir

te de pessoas que recusam - ou a quem é recusada - a pos-

nas proporções em que ela e a mixofilia se combinam, de

sibilidade de viver e encontrar moradia em lugares meno-

forma a reduzir o desorientador, ansioso e torturante im-

res, menos tolerantes e com oportunidades mais escassas.

pacto da mixofobia. Na verdade, parece que os arquitetos

Podemos dizer que a mixofilia, assim como a mixofobia, é

e planejadores urbanos podem fazer muito para favorecer

uma tendência com propulsão autônoma, que se propaga

o crescimento da mixofilia e reduzir as ocasiões de reação

e se reforça sozinha. Provavelmente nenhuma das duas vai

mixofóbica diante dos desafios da vida urbana. Mas, ao

se exaurir ou perder o vigor no curso da renovação das

que tudo indica, também podem fazer muito - e na verda-

cidades e de seu espaço.

de estão fazendo - para favorecer o efeito oposto.

Mixofobia e mixofilia coexistem não apenas em cada

Como já vimos, o isolam~nto das áreas residenciais e

cidade, mas também em cada cidadão. Trata-se claramen-

dos espaços freqüentados pelo público - comercialmen-

te de uma coexistência incômoda, cheia de som e fúria,

te atraente para os construtores e para seus clientes, que

mas, mesmo assim, muito significativa para as pessoas que

entrevêem uma solução rápida para as ansiedades geradas

sofrem a ambivalência da modernidade líquida.

pela mixofobia - é, de fato, "acausa primeira da mixofobia.

" Como os estrangeiros são obrigados a levar a própria

As soluções disponíveis criam (por assim dizer) o problema

vida em covizinhança, seja qual for o rumo que a história

que pretendem resolver: os construtores de gated communi-

urbana tomar, a arte de viver pacífica e alegremente com

ties, ou de condomínios estritamente vigiados, e os arquite-

as diferenças e de extrair benefícios dessa variedade de es-

tos dos espaços vedados criam, reproduzem e intensificam

tímulos e oportunidades

a necessidade, e portanto a demanda,

está se transformando

na mais

importante das aptidões que um citadino precisa aprender
e exercitar.

que, ao contrário,

afirmam satisfazer.
A paranóia mixofóbica nutre a si mesma e age como

É improvável (pela mobilidade humana cada vez maior

uma profecia que não tem necessidade de confirmação. Se

na era da modernidade líquida, e pela aceleração das mu-

a segregação é oferecida e entendida como um remédio

danças inrroduzidas no elenco, na trama e no set da cena

radical para o perigo representado pelos estrangeiros, a

urbana) que se possa erradicar totalmente a mixofobia.

coabitação com os estrangeiros irá se tornar cada dia mais

48

49
Confiança e medo na cidade

difícil. Tornar os bairros residenciais uniformes para depois reduzir ao mínimo as atividades comerciais e as co-

I

I
,i

Confiança e medo na cidade

A fusão que uma compreensão recíproca exige só poderá
resultar de uma experiência compartilhada,

e certamente

municações entre um bairro e outro é uma receita infalível

não se pode pensar em compartilhar uma experiência sem

para manter e tornar mais forte a tendência a excluir, a

partilhar um espaço.

segregar. Tais procedimentos

podem atenuar o padeci-

mento de quem sofre de mixofobia, mas o remédio é por si
mesmo patogênico e torna mais profundo o tormento, de
modo que - para rnantê-lo sob controle - é preciso aumentar continuamente as doses. A uniformidade do espaço social, sublinhada e acentuada pelo isolamento espacial dos
moradores, diminui a tolerância à diferença; e multiplica,
assim, as ocasióes de reação mixofóbica, fazendo a vida na
cidade parecer mais "propensa ao perigo" e, portanto, mais
angustiante, em vez de mostrá-Ia mais segura e, portanto,
mais fácil e divertida.
Seria mais favorável à proteção e ao cultivo de sentimentos rnixófilos - no planejamento arquitetônico e urbano - a estratégia oposta: difusão de espaços públicos abertos, convidativos, acolhedores, que todo tipo de cidadão
teria vontade de freqüentar assiduamente e compartilhar
voluntariamente e de bom grado.
Como disse muito bem Hans Gadamer - em Verdade
e método -, a compreensão recíproca é obtida com uma
"fusão de horizontes"; horizontes cognitivos que são traçados e ampliados acumulando-se

50

experiências de vida.

51

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Confiança e medo na cidade moderna

  • 1. Título original: Fiducia e paura nella città . Sumário· Tradução autorizada da primeira edição italiana, publicada em 2005 por Bruno Mondadorí, de Turim, Itália Copyrigbt © 2005, Zygmunt Bauman Copyrigbt da edição brasileira © 2009: Jorge Zahar Edit~r Lrda. rua México 31 sobreloja 20031-144 Rio de Janeiro, RJ tel.: (21) 2108-0808 / Fax: (21) 2108-0800 e-mail: jze@zahar.com.br sire: www.zahar.com.br Bauman e o destino das cidades globais, por Mauro Magatti • 7 1. Confiança e medo na cidade 13 2. Todos os direitos reservados. A reprodução não-autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação de direitos autorais. (Lei 9.610/98) Buscar abrigo na caixa de p'andora: medo e incerteza na vida urbana 52 Viver com estrangeiros 74 Capa: Sérgio Carnpante CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, B341c 3. RJ. Bauman,ZYgEnunt, 1925Confiança e medo na cidade / Zygmunt Baurnan; tradução Aguiar. - Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009. Eliana Tradução de: Fiducia e paura nella cittá ISBN 978-85-378-0122-2 1.Cidades e vilas. 2. Vida urbana - Aspectos sociais. 3. Globalização - Aspectos sociais. 4. Confiança - Aspectos sociais. 5. Medo - Aspectos sociais. 6. Pós-modernismo - Aspectos sociais. L Título. 09-0223 COO: 307.76 COU: 316.335.56 Notas 91
  • 2. Confiança e medo na cidade .1. mitarem a pensar apenas em si mesmas e em seu futuro. Mas é justamente a lógica do pensamento de Bauman que nos leva a compreender que não existem determinismos na vida social. Isso se os atores sociais enfrentarem a realidade Confiança e medo na cidade e exercitarem até o fim sua capacidade de ação - que é, afinal, a capacidade de modificar o curso dos acontecimentos a partir de novos investimentos nas relações e nos vínculos, entendidos como elementos essenciais na construção de um novo capital social. Não de modo ingênuo, mas segundo uma reflexão contínua e séria sobre as condições Nos últimos anos, sobretudo, na Europa e em suas ramifi- do próprio agir. cações no ultramar, a forte tendência a sentir medo e a obsessão maníaca por segurança fizeram a mais espetacular MAURO MAGATTI* --- das carreiras. - Por si só, isso já é um mistério. Afinal, como assinala Robert Castel em sua perspicaz análise das atuais angústias alimentadas pela insegurança,' "nós, pelo menos nos países que se dizem avançados, vivemos em sociedades que sem dúvida estão entre as mais seguras (sures) que já existiram". No entanto, em contraste com essa "evidência objetiva", o mimado e paparicado "nós" sente-se inseguro, ameaçado e amedrontado, mais inclinado ao pânico e mais interes- sado em qualquer coisa que tenha a ver com tranqüilidade e segurança que os integrantes da maior parte das outras * Diretor do Departamento Sacro Cuore, Milão. de Sociologia, Università Cattolica del 12 sociedades que conhecemos. 13
  • 3. , Confiança e medo na cidade Confiança e medo-na cidad I ~l i avra en enta d S· Igmun d Freu d Ja h' I enigma.ê sugerindo q~e a solu~ '. I r "·pon tI!I !=cgqdo ,10, I não os limites que um esforço pudesse superar com boa ; pode.fi~ ser ij99~ltr;ada vontade e justa determinação: "Não se entende por que no desprezo tenaz da psique humana pel~ :átida ($l~gkafac- os regulamentos estabelecidos por nós mesmos não repre- tual", Os sofrimentos humanos (inclusive o medo!de sofrer sentam ... benefício e proteção para cada um de nós." Por e o medo em si, que é o pior e mais penoso exemplo de isso, se a "proteção de fato disponível e as vantagens que sofrimento) derivam do "poder superior da natureza, da desfrutamos não estão totalmente à altura de nossas ex- fragilidade de nossos próprios corpos e da inadequação pectativas; se nossas relações ainda não são aquelas que das normas que regem os relacionamentos mútuos dos se- gostaríamos de desenvolver; se as regras não são exatamen- res humanos na família, no Estado e na sociedade". Em te como deveriam e, a nosso ver, poderiam ser; tendemos relação às duas primeiras causas expostas por Freud, po- a imaginar maquinações hostis, cornplôs, demos dizer que conseguimos - de algum modo - aceitar de um inimigo que se encontra em nossa porta ou embai- os limites do que somos capazes de fazer: sabemos que ja- xo de nossa cama. Em suma, deve haver um culpado, um mais poderemos dominar totalmente a natureza e que não crime ou uma intenção criminosa. tornaremos nossos corpos imortais, subtraindo-os do flu- Castel chega a conclusão .. náloga a conspirações quando supõe que xo impiedoso do tempo; portanto, estamos prontos para a insegurança moderna não deriva da perda da seguran- nos contentar com a "segunda opção". Essa consciência, ça, mas da "nebulosidade (ombre portée) de seu objetivo", no entanto, é mais instigadora e estimulante - e menos num mundo social que "foi organizado em função da con- deprimente e inibidora. Se não podemos eliminar todos tínua e laboriosa busca de proteção e segurança'c" A aguda os sofrimentos, conseguimos, contudo, eliminar alguns e e crônica experiência da insegurança é um efeito colate- atenuar outros. O fato é que sempre vale a pena tentar e ral da convicção de que, com as capacidades adequadas tentar novamente. e os esforços necessários, é possível obter uma segurança Mas as coisas mudam quando se trata do terceiro tipo completa. Quando percebemos que não iremos alcança-Ia, de sofrimento: a miséria de origem social. Tudo o que foi só conseguimos explicar o fracasso imaginando que ele se feito pelo homem também pode ser refeito. Não aceitamos deve a um ato mau e premeditado, o que implica a existên- a imposição de limites para esse "refazer"; em todo caso, cia de algum delinqüente. 14 15
  • 4. Confiança e medo na cidade Confiança e medo na cidade Poderíamos dizer que a insegurança moderna, em suas rede de vínculos sociais. A segunda, que vem logo depois várias manifestações, é caracterizada pelo medo dos cri- da primeira, consiste na fragilidade e vulnerabilidade sem mes e dos criminosos. Suspeitamos dos outros e de suas precedentes desse mesmo indivíduo, agora desprovido da intenções, nos recusamos a confiar (ou não conseguimos proteção que os antigos vínculos lhe garantiam. fazê-lo) na constância e na regularidade da solidariedade Se a primeira revelou aos indivíduos a estimulante e se- humana. Castel atribui a culpa por esse estado de coisas dutora existência de grandes espaços nos quais implementar ao individualismo moderno. Segundo ele, a sociedade mo- a construção e o aprimoramento de si mesmo, a segunda tor- derna - substituindo as comunidades solidamente unidas nou a primeira inacessível para a maior parte dos indivíduos. e as corporações (que outrora definiam as regras de pro- O resultado da ação combinada dessas duas novas tendências teção e controlavam a aplicação dessas regras) pelo dever foi como aplicar o ai do sentimento de culpa sobre a ferida individual de cuidar de si próprio e de fazer por si mesmo da impotência, infeccionando-a. Derivou disso uma doença - foi construída sobre a areia movediça da contingência: a que poderíamos chamar de medo de ser inadequado. insegurança e a idéia de que o perigo está em toda parte Desde o início, o Estado moderno teve de enfrentar a tarefa desencorajadora de administrar o medo. Foi obri- são inerentes a essa sociedade. da Era Moderna, gado a tecer de novo a rede de proteção que a revolução também nesta a Europa desempenhou o papel precursor. moderna havia destruído, e repará-Ia repetidas vezes, à me- Foi a primeira a ter de enfrentar as imprevistas e perni- dida que a modernização, promovida por ele mesmo, só a ciosas conseqüências regulares da mudança: a estressan- deformava e desgastava. Ao contrário do que se é levado a te sensação de insegurança que, como se dizia, não teria pensar, no coração do "Estado social" - êxito inevitável da existido sem a ocorrência simultânea de duas "reviravoltas" evolução do Estado moderno - havia mais proteção (garan- que se manifestaram na Europa - para em seguida se dis- tia coletiva contra as desventuras individuais) que redistri- seminar, mais ou menos rapidamente, pelos outros lugares buiçâo da riqueza. Para as pessoas desprovidas de recursos do planeta. A primeira, sempre segundo a terminologia econômicos, culturais ou sociais (de todos os recursos, ex- de Castel, consiste na "supervalorização" (survalorisation4) ceto da capacidade de realizar trabalhos manuais), "a pro- do indivíduo, liberado das restrições impostas pela densa teção só pode ser coletiva"," Como nas outras transformações 16 17
  • 5. Confiança e medo na cidade Confiança e medo na cidade Ao contrário das redes prqtetoras pré-modernas, aque- dependência das partes em jogo fez de seu enfrentamento las criadas e administradas pelo Estado eram deliberada e um investimento razoável e um sacrifício que tinha tudo cuidadosamente para dar bons resultados). Foi também, por outro lado, um planejadas, ou desenvolviam-se esponta- neamente a partir dos grandes esforços construtivos que ca- refúgio seguro para a confiança e, conseqüentemente, racterizaram a fase "sólida" da modernidade. Exemplos de a negociação, a busca de compromissos e de uma convi- proteção do primeiro tipo são as instituições e as medidas vência "consensual". assistenciais - às vezes chamadas de "salários sociais" -, ad- A carreira claramente delineada, para a tediosa, embora ministradas ou amparadas pelo Estado (serviços de saúde, tranqüilizadora, educação pública, casas populares). E também as normas bilidade dos grupos de trabalho, a possibilidade de desfru- industriais que definem os direitos recíprocos das partes nos tar capacidades definitivamente adquiridas e o grande valor contratos de trabalho, defendendo também o bem-estar e os atribuído à experiencia no trabalho permitiam manter os direitos dos empregados. riscos do mercado de trabalho a distância. Permitiam tam- O principal exemplo do segundo tipo é a solidariedade rotina compartilhada diariamente, a esta- bém atenuar (ou mesmo eliminar totalmente) a incerteza, empresarial, sindical e profissional que deitou raizes e flo- confinando os medos no reino marginal da "má sorte" e resceu "de modo espontâneo" no ambiente relativamente dos "incidentes fatais", sem permitir que eles invadissem estável da "fábrica fordista", síntese do cenário da rnoder- a vida cotidiana. Mas, sobretudo, as muitas pessoas cujo nidade sólida, na qual se remediava a ausência da maior único capital era o trabalho podiam contar com o aspec- parte dos "outros capitais". Nessa fábrica, o recíproco e to coletivo. A solidariedade transformou duradouro trabalhar em capital substituto, que, como se esperava - e empenho das duas partes em contraposição a capacidade de - capital e trabalho - tornou-as independentes. Ao mes- acertadamente -, podia servir de contrapeso para o poder mo tempo, permitiu que se pensasse e planejasse a longo combinado dos capitais de outro tipo. prazo, que se empenhasse o futuro e nele se investisse. A Os medos modernos tiveram início com a redução "fábrica fordista" foi, portanto, um lugar caracterizado por. do controle estatal (a chamada desregulamentaçâoi árduas e às vezes candentes disputas que, no entanto, sem- conseqüências individualistas, no momento em que o pa- pre foram contornadas (o empenho a longo prazo e a inter- rentesco entre homem e homem - aparentemente 18 19 e suas eterno,
  • 6. I Confiança e meqo na cidade Confiança e medo na cidade ou pelo menos presente desde rempo irnemoriaís -, assim mitidas pela modernidade como os vínculos amigáveis eJtabeIetidos dentro de uma ter as múltiplas pressões, reduzi-Ias ou eliminá-Ias de todo comunidade - vêem-se como fortalezas assediadas por forças inimigas. ou de uma corporáção, foi fragiHzado ou até sólida - e voltadas para comba- rompido. O modo como a modernidade sólida administra- Eles consideram os resquícios do Estado social um privilé- va o medo tendia a substituir os laços "naturais" - irrepa- gio que é preciso defender com unhas e dentes de invasores ravelmente danificados - por outros laços, artificiais, que que pretendem assumiam cente de um complô estrangeiro e o sentimento de rancor a forma de associações, sindicatos e coletivos pari-time (quase permanentes, no entanto, saqueá-Ios. A xenofobia - a suspeita cres- pois consoli- pelos "estranhos?" - pode ser entendida como um reflexo dados pela rotina diariamente partilhada). A solidariedade perverso da tentativa desesperada de salvar o que resta da i sucedeu a irmandade como melhor defesa para um destino cada vez mais incerto. A dissolução solidariedade loc l. Quando a solidariedade é substituída pela competição, da solidariedade universo no qual a modernidade representa o fim do sólida administrava medo. Agora é a vez de se desmantelarem o ou destruírem os indivíduos se sentem abandonados a si mesmos, entre- gue~ a seus próprios recursos - escassos e claramente inadequados. A corrosão e a dissolução dos laços comunitários as proteções modernas - artificiais, concedidas. A Europa, nos transformaram, primeira a sofrer a revisão moderna e todas as suas con- víduos de jure (de direito); mas circunstâncias seqüências, passa pela "desregulamentação individualista persistentes dificultam que alcancemos o status implícito número dois", agora não por escolha própria, mas cedendo de indivíduos de facto (de fato)." Se, entre as condições da à pressão das incontroláveis forças globais. modernidade Paradoxalmente, quanto mais persistem - num determinado lugar - as proteções "do berço ao túrnulo", hoje arnea- sem pedir nossa aprovação, em indiopressivas e sólida, a desventura mais temida era a inca- pacidade de se conformar, agora - depois da reviravolta da modernidade "líquida" - o espectro mais assustador é o çadas em toda parte pela sensação compartilhada de um perigo iminente, mais parecem atraentes as válvulas de escape xenófobas. Os poucos países (sobretudo escandinavos) que relutam em abandonar as proteções institucionais 20 trans- * Em especial os imigrantes, que, de modo vívido e claro, recordam que os muros podem ser derrubados, e as fronteiras canceladas; os imigrantes por meio dos quais se queimam em efígie as misteriosas e incontroláveis forças globalizantes. 21
  • 7. Confiança e medo na cidade Confiança e medo na cidade da inadequação. Temor bem justificado, cumpre admitir, Hoje a exclusão não é percebida como resultado de quando consideramos a enorme desproporção entre a quan- uma momentânea e remediável má sorte, mas como algo tidade e a qualidade de recursos exigidos por uma produção que tem toda a aparência de definitivo. Além disso, nesse efetiva de segurança do tipo "faça você mesmo". E também -momento, a exclusão tende a ser uma via de mão única. quando levamos em conta a soma total de materiais, ins- É pouco provável que se reconstruam as pontes queima- trumentos e habilidades que a maioria dos indivíduos, de das no passado. E são justamente a irrevogabilidade desse forma razoável, pode esperar adquirir e conservar. "despejo" e as escassas possibilidades de recorrer contra essa sentença que transformam Robert Casrel aponta também o retorno das "classes perigosas"? Gostaria de observar, contudo, que a semelhança os excluídos de hoje em "classes perigosas". Essa exclusão irrevogável é a consequência direta, em- entre a sua primeira e segunda aparição desse estrato é, no bora imprevista, ~a decomposição melhor dos casos, incompleta. hoje se assemelha a uma rede de poderes constituídos, As "classes perigosas" originais eram constituídas por gente "em excesso", temporariamente excluída e ainda não do Estado social, que ou melhor, a um ideal, a um projeto abstrato. O declínio e o colapso do Estado social ànunciam definitivamente que reintegrada, que a aceleração do progresso econômico ha- as oportunidades via privado de "utilidade funcional ", e de quem a rápida reito ao apelo será revogado; que se perderá gradualmente pulverização das redes de vínculos retirava, ao mesmo tem- qualquer esperança; e que qualquer vontade de resistir po, qualquer proteção. As novas classes perigosas são, ao acabará por se extinguir. A exclusão do trabalho é vivida contrário, aquelas consideradas incapacitadas para a rein- mais como uma condição de "superfluidade" tegração e classificadas como nâo-assimildueis, porque não a condição de alguém que está "des-empregado" saberiam se tornar úteis nem depois de uma "reabilitação". que implica um desvio da regra, um inconveniente Não é correto dizer que estejam "em excesso": são supérfluas porário que se pode - e se poderá - remediar); equivale a e excluídas de modo permanente ser recusado, marcado como supérfluo, inútil, inábil para (trata-se de um dos poucos de redenção irão desaparecer; que o di- que como (termo tem- casos permitidos de "permanência" e também dos mais ati- o trabalho e condenado a permanecer vamente encorajados pela sociedade "líquida"). inativo". Ser excluído do trabalho significa ser eliminá- 22 23 "economicamente
  • 8. Confiança e medo na cidade vel (e talvez já eliminado definitivamente), Confiança e medo na cidade classificado pessoas que seriam "reeducadas", "reabilitadas" e "resti- como descarte de um "progresso econômico" que afinal tuídas à comunidade" se reduz ao seguinte: realizar o mesmo trabalho e obter definitivamente os mesmos resultados econômicos com menos força de serem "socialmente recicladas": indivíduos que precisam com custos inferiores aos que antes ser impedidos de criar problemas e mantidos a distância trabalho e, portanto, na primeira ocasião, mas vêem-se afastadas para as margens, inaptas para da comunidade respeitosa das leis. vigoravam. Hoje, apenas uma linha sutil separa os desempregados, especialmente os crônicos, do precipício, do buraco Como observam Gumpert e Drucker," "quanto mais nos negro da underclass (subclasse): gente que não se soma a separamos de nossas vizinhanças imediatas, mais confiança qualquer categoria social legítima, indivíduos que fica- depositamos ram fora das classes, que não desempenham alguma das muitas áreas urbanas, um pouco no mundo todo, casas funções reconhecidas, aprovadas, úteis, ou melhor, indis- construídas para proteger seus habitantes, e não para inte- pensáveis, em geral realizadas pelos membros "normais" grá-los nas comunidades às quais pertencem." O comentá- da sociedade; gente que não contribui para a vida social. rio que fazem é: "Justamente quando estendem seus espa- A sociedade abriria mão deles de bom grado e teria tudo a ços de comunicação para a esfera internacional, esses mo- ganhar se o fizesse. Não menos sutil é a linha que separa os radores colocam a vida social porta afora, potencializando "supérfluos" dos criminosos; underclass e "criminosos" são os seus 'sofisticados' sistemas de segurança"," na vigilância do ambiente. ... Ex!stem~ ~m duas subcategorias de "elementos anti-sociais" que diferem Mais ou menos do mundo inteiro, começam a se evi- uma da outra mais pela classificação oficial e pelo trata- denciar nas cidades certas zonas, certos espaços - forte- mento que recebem que por suas atitudes e comportamen- mente correlacionados a outros espaços "de valor", situa- tos. Assim como aqueles que são excluídos do trabalho, os dos nas paisagens urbanas, na nação ou em outros países, criminosos (ou seja, os que estão destinados à prisão, já es- mesmo a distâncias enormes - nos quais, por outro lado, se tão presos, vigiados pela polícia ou simplesmente fichados) percebe muitas vezes uma tangível e crescente sensação de deixaram de ser vistos como excluídos provisoriamente da afastamento em relação às localidades e às pessoas fisica- normalidade da vida social. Não são mais encarados como mente vizinhas, mas social e economicamente 24 25 distantes."
  • 9. Confiança e medo na cidade Confiança e medo na cidade Os produtos descartados por essa nova extraterritoria- O quadro que emerge dessa descrição é o de dois mun- lidade, por meio de conexões dos espaços urbanos privile- dos-de-vida separados, segregados. Mas só o segundo é ter- giados, habitados ou utilizados por uma elite que pode se ritorialmente dizer global, são os espaços abandonados meio de conceitos clássicos. Já os que vivem no primeiro e desmembrados circunscrito e, portanto, compreensível por - aqueles que Michael Schwarzer chama de "zonas fantas- dos dois mundos-de-vida ma", nas quais "os pesadelos substituem os sonhos, e peri- mente como os outros, " I I" nao sao no oca - ~ ~"daque teI al" : oc go e violência são mais comuns que em outros lugares".'! não o são idealmente, com certeza, mas muitas vezes (to- Para tornar a distância intransponível, das as vezes que quiserem) também não o são fisicamente. de perder ou de contaminar e escapar do perigo - emboram se encontrem, exata- sua pureza local, pode ser útil As pessoas da "primeira fila" não se identificam com o reduzir a zero a tolerância e expulsar os sem-teto de lugares lugar onde moram, à medida que' seus interesses estão (ou nos quais eles poderiam não apenas viver, mas também se melhor, flutuam)'em fazer notar de modo invasivo e incômodo, empurrando-as adquiriram para esses espaços marginais, oif-limits, nos quais não po- a não ser dos seguintes: serem deixadas em paz, livres para dem viver nem se fazer ver. se dedicar completamente Como sugere Manuel Castells.F a polarização está se acentuando. Mais que isso, rompem-se os vínculos entre o Lebenstoelt (mundo-de-vida) de um e do outro tipo de cidadãos: o espaço da "primeira fila" está normalmente outros locais. Pode-se supor que não pela cidade em que moram nenhum interesse, "aos próprios entretenimentos e para garantir os serviços indispensáveis (não importa como sejam definidos) às necessidades e confortos de sua vida cotidiana. A gente da cidade não se identifica com a terra li- que a alimenta, com a fonte de sua riqueza ou com uma área globais e à imensa rede de trocas, sob sua guarda, atenção e responsabilidade, como acontecia aberto a mensagens e experiências que incluem o mundo com os industriais e comerciantes de idéias e bens de con- todo. Na outra ponta do espectro, encontramos as redes sumo do passado. Eles não estão interessados, portanto, nos muitas vezes de base étnica, que de- negócios de "sua" cidade: ela não passa de um lugar como gado às comunicações locais fragmentárias, positam sua confiança na própria identidade como recurso outros e como todos, pequeno mais precioso para a defesa de seus interesses e, conseqüen- visto da posição privilegiada do ciberespaço, sua verdadei- temente, de sua própria vida. ra - embora virtual - morada. 26 27 e insignificante, quando
  • 10. Confiança e medo na cidade Confiança e medo na cidade o mundo-de-vida dos outros, dos cidadãos da "última fila", é exatamente o contrário. Em geral, para defini-lo, pressões globalizantes e o modo como as identidades locais são negociadas, modeladas e remodeladas. diz-se que está fora das redes mundiais de comunicação É um grave erro atribuir um lugar diverso aos aspectos com as quais as pessoas da primeira fila vivem conectadas "globais" e "locais" das condições existenciais e políticas e com as quais sintonizam suas próprias vidas. Os cida- contemporâneas, dãos da última fila estão "condenados a permanecer no cundário e ocasional - como poderia sugerir a não par- lugar". Portanto, espera-se que sua atenção - cheia de insa- ticipação na "primeira fila". Num tisfações, sonhos e esperanças - dirija-se inteiramente para publicado, Michael Peter Srnith'P se opõe à opinião (par- as "questões locais". Para eles, é dentro da cidade em que tilhada, segundo ele, por David Harvey e John Friedman, moram que se declara e se combate a luta - às vezes venci- por exemplol'" queyconrrapôe da, mas com maior freqüência perdida - para sobreviver e localizada dos fluxos econômicos globais" a "uma concep- conquistar um lugar decente no mundo. ção estática do território e da cultura local", atualmente A segregação das novas elites globais; seu afastamento correlacionando-os apenas de modo se- estudo recentemente 'uma lógica dinâmica e não valorizados como "locais de vida", "estar-no-mundo". Se- dos compromissos que tinham com o populus do local no gundo Smith, "longe de refletir uma ontologia estática da passado; a distância crescente entre os espaços onde vivem os existência ou da comunidade, separatistas e o espaço onde habitam os que foram deixados ções dinâmicas, em formação". as localidades são constru- para trás; estas são provavelmente as mais significativas das Na verdade, a linha que separa o espaço abstrato dos tendências sociais, culturais e políticas associadas à passagem operadores globais - "que se encontra em algum lugar do da fase sólida para a fase líquida da modernidade. inexistente" - daquele espaço físico tangível, "aqui e agora" Há muita verdade nesse quadro, mas isso não é tudo: no mais alto grau, da "gente do lugar" só pode ser traça- nele perde-se ou minimiza-se a parte essencial da verdade, da no mundo etéreo da teoria, em que os conteúdos ema- aquela que, mais que qualquer outra, representa a caracte- ranhados dos mundos-de-vida rística Fundamental (eprovavelmente a que mais conseqüên- "colocados em ordem" e depois classificados e arquivados: cias terá a longo prazo) da vida urbana contemporânea. cada um em seu compartimento, Essa característica consiste na estreita interaçâo entre as Mas as realidades da vida urbana logo chegam para arrui- 28 29 humanos são inicialmente por razões de clareza.
  • 11. Confiança e medo na cidade Confiança e medo na cidade nar essas cuidadosas classificações. Os elegantes modelos do-as. O nosso agir ou não-agir só pode "fazer a diferença" de vida urbana, construídos com a ajuda de contraposiçôes quando se trata de questões locais, enquanto para as outras nítidas, podem proporcionar rnuiras satisfações aos cons- questões, declaradamente trutores de teorias, mas na prática não servem de muita ternativas" - como continuam coisa para os planejadores urbanos, e menos ainda para os líticos, assim como os especialistas de plantão. Acabamos habitantes que enfrentam os desafios da vida na cidade. por suspeitar - com os recursos penosamente inadequados Os poderes reais que criam as condições nas quais to- "supralocais", não existem "ala afirmar nossos líderes po- de que dispomos - que esses assuntos seguirão seu curso, dos nós atuamos flutuam no espaço global. enquanto as não importa o que façamos ou nos proponhamos instituições de maneira razoável. políticas permanecem, de certo modo, "em terra", são "locais". a fazer Também as situações cuja origem e cujas causas são Como continuam a ser majoritariamente locais, as or- indubitavelmente globais, remotas e obscuras só entram ganizações políticas que operam no interior do espaço ur- no âmbito das questões políticas quando têm repercussões bano tendem fatalmente a padecer de uma frágil capacidade locais. A poluição do ar - notoriamente global - ou dos re- de agir - e sobretudo de agir com eficácia, com "soberania" cursos hídricos só diz respeito à política quando um terreno, - no palco em que se representa o drama da política. Por vendido abaixo do custo - em razão da presença de resíduos outro lado, deve-se destacar a falta de política no ciberespa- tóxicos ou de alojamentos para refugiados políticos -, está ço extraterritorial, que é o campo de jogo do poder. localizado aqui ao lado, praticamente em "nosso quintal", Nesse nosso mundo que se globaliza, a política tende a ser - cada vez mais apaixonada e conscientemente - Local. Como foi banida do ciberespaço, ou teve seu acesso aterradoramente próximo, mas também (o que é encorajador) "ao alcance da mão". A progressiva comercialização do setor de saúde, que vetado, ela se volta para as questões locais, as relações de nada mais é que um efeito das competições desenfreadas bairro. Para a maioria de nós, e na maior parte do tempo, entre os colossos farmacêuticos supranacionais, só entra no elas parecem ser as únicas questões em relação às quais campo da política quando o hospital da área começa a se se pode "fazer alguma coisa", sobre as quais é possível in- deteriorar, ou quando diminui fluir, recolocando-as nos eixos, melhorando-as, modifican- para idosos ou de instituições psiquiátricas. 30 31 o número de residências Os habitan-
  • 12. Confiança e medo na cidade Confiança e medo na cidade tes de uma cidade (Nova York) tiveram de enfrentar a de- quanto mais se "fecham em si mesmas", mais ficam "de- vastação causada pela evolução global do terrorismo, e os sarmadas diante do vórtice global", e tendem a se tornar conselhos municipais e prefeitos de outras cidades tiveram também mais fracas na hora de decidir sobre os sentidos de assumir a responsabilidade de garantir a segurança in- e as identidades locais, que são suas exatamente por serem dividual, ameaçada doravante por forças inimigas absolu- locais, para grande alegria dos operadores globais, que não tamente inatingíveis para as administrações municipais. A têm motivo algum para temer os desarmados. devastação global dos meios de sobrevivência e o desloca- Como Castells sugeriu em outra oportunidade," mento de populações dos locais onde tinham moradia es- criação de um "espaço de fluxos" instaura uma nova (e tável há muito tempo só entram no horizonte da atividade global) hierarquia de dominação por meio da ameaça de política por meio daqueles pitorescos "imigrantes econô- abandono. Esse "espaço de fluxos" pode "fugir de qualquer micos" que inundam estradas outrora monótonas. controle local", enquanto (aliás, justamente porque) "o es- Em poucas palavras: as cidades se transformaram depósitos de problemas causados pela globalieaçâo. em Os cida- paço físico é fragmentário, circunscrito a e cada vez mais desprovido de poder em relação à versatilidade do espaço dãos e aqueles que foram eleitos como seus representantes de fluxos. As localidades só' podem resistir negando direi- estão diante de uma tarefa que não podem nem sonhar em to de desembarque aos fluxos desenfreados, para constatar resolver: a tarefa de encontrar soluções locais para contra- em seguida que eles desembarcam em localidades vizinhas, dições globais. cercando e tornando marginais as comunidades rebeldes". Daí o paradoxo destacado por Castells: "Políticas cada vez mais locais num mundo estruturado por processos A política local - e particularmente encontra-se hoje desesperadamente a política sobrecarregada, urbana a tal cada vez mais globais."15"Houve uma produção de sentido ponto que não consegue mais operar. E nós pretendíamos e de identidade: a minha vizinhança, a minha comunidade, reduzir as conseqüências da globalização incontrolável jus- a minha cidade, a minha escola, a minha árvore, o meu tamente com os meios e com os recursos que a própria rio, a minha praia, a minha igreja, a minha paz, o meu am- globálização tornou penosamente inadequados. biente." "As pessoas, desarmadas diante do vórtice global, fecharam-se em si mesmas." Gostaria de observar que, 32 Ninguém, nesse mundo que se globaliza tão depressa, é pura e simplesmente um "operador global". Aqueles que 33
  • 13. -, Confiança e medo na cidade fazem parte da oni-influente elite globe-trotter Confiança e medo na cidade poderão, regenerado no decorrer da luta em busca de sentido e iden- no máximo, dar à própria mobilidade um objetivo mais tidade. É nos lugares que se forma a experiência humana, amplo. Se as coisas começam a pegar fogo, comprome- que ela se acumula, é compartilhada, tendo seu conforto, se o espaço que circunda suas residên- elaborado, assimilado e negociado. E é nos lugares, e graças cias urbanas torna-se perigoso demais, difícil demais de aos lugares, que os desejos se desenvolvem, ganham forma, controlar, eles podem ir para outra parte - possibilidade alimentados pela esperança de realizar-se, e correm risco de vetada a todos os que são (fisicamente) seus vizinhos. Essa decepção - e, a bem da verdade, acabam decepcionados, na possibilidade de escapar dos problemas locais permite que maioria das vezes. tenham uma independência com que os outros habitantes e que seu sentido é As cidades contemporâneas são os campos de batalha urbanos só podem sonhar; e que exibam o luxo - que os nos quais os poderes globais e os sentidos e identidades outros não se podem permitir - de uma nobre indiferen- tenazmente locais se encontram, ça. Sua contribuição para "resolver as questões da cidade" tentando chegar a uma solução satisfatória ou pelo menos tende a ser menos completa e mais desprovida de restrições aceitável para esse conflito: um modo de convivência que que a participação dos que têm menores possibilidades de - espera-se - possa equivaler a urna paz duradoura, mas romper unilateralmente que em geral se revela antes um armistício, uma trégua os vínculos locais. se confrontam e lutam, Isso não significa, contudo, que, na busca de "sentido útil para reparar as defesas abatidas e reorganizar as unida- e identidade" (dos quais tem necessidade e que ambiciona des de combate. É esse confronto geral, e não algum fator tão intensamente quanto seu próximo), a elite global pos- particular, que aciona e orlenta;-di~i~i~~-d~- sa desconsiderar totalmente o local onde vive e trabalha. Como todos os outros homens e mulheres, ela também faz parte da paisagem urbana na qual - queiram ou não modernidade '----~ -_. cidad;-~;-- líquida - de todas as cidades, sem sombra de dúvida, embora não de todas elas no mesmo grau. Michael Peter Srnith, durante uma viagem recente a - se inscrevem suas aspirações. Como operadores globais, Copenhague,'? em uma única hora de estrada, encontrou podem girar pelo ciberespaço. Mas, como seres humanos, "pequenos grupos de imigrantes turcos, africanos e vin- estão confinados de manhã à noite no espaço físico em dos do Oriente Médio", viu "inúmeras mulheres árabes, que atuam, num ambiente já predisposto e continuamente algumas veladas, outras não", notou "letreiros escritos em 34 35
  • 14. Confiança e medo na cidade Confiança e medo na cidade várias línguas não européias" e, "num pub inglês que ficava te algum tipo de alívio. As ânsias acumuladas tendem a se diante do Tivoli, teve uma interessante conversa com o descarregar sobre aquela categoria de «forasteiros" escolhi- garçom irlandês". Essas experiências de campo mostram-se da para encarnar a "estrangeiridade", a não-familiaridade, muito úteis (disse Smith durante a conferência sobre vin- a opacidade do ambiente em que se vive e a indetermina- culações supranacionais que fez naquela cidade) «quando çâo dos perigos e das ameaças. Ao expulsar de suas casas e um interlocutor insiste em dizer que o supranacionalismo de seus negócios uma categoria particular de "forasteiros", é um fenômeno que diz respeito apenas às 'cidades globais', exorciza-se por algum tempo o espectro apavorante da in- como Londres ou Nova York, e tem pouco a ver com luga- certeza, queima-se em efígie o monstro horrendo do peri- res mais isolados, como Copenhague". go. Ao erguer escrupulosamente cuidadosos obstáculos de fronteira contra os falsos pedidos de asilo e contra os imi. (( grantes por motivos história, e por mais radicais que sejam as mudanças em consolidar nossa vida incerta, trôpega e imprevisível. Mas sua estrutura e seu aspecto no decorrer dos anos ou dos a vida na modernidade líquida está fadada a permanecer séculos, há um traço que permenece constante: a cidade é estranha e caprichosa, por mais numerosas que sejam as si- um espaço em que os estrangeiros existem e se movem em tuações críticas pelas quais os "indesejáveis estranhos" são estreito contato. responsabilizados. Assim, o alívio tem breve duração, e as Componente fixo da vida urbana, a onipresença de estrangeiros, tão visíveis e tão próximos, acrescenta uma puramente A·" Aconteça o que acontecer a uma cidade no curso de sua econormcos , espera-se esperanças depositadas em «medidas drásticas e decisivas" desaparecem praticamente no nascedouro. notável dose de inquietação às aspirações e ocupações dos O estrangeiro é, por definição, alguém cuja ação é habitantes da cidade. Essa presença, que só se consegue guiada por intenções que, no máximo, se pode tentar adi- evitar por um período bastante curto de tempo, é uma vinhar, mas que ninguém jamais conhecerá com certeza. fonte inexaurível de ansiedade e agressividade latente - e O estrangeiro é a variável desconhecida no cálculo das muitas vezes manifesta. equações quando chega a hora de tomar decisões sobre o O medo do desconhecido - no qual, mesmo que subli- que fazer. Assim, mesmo quando os estrangeiros não são minarrnente, estamos envolvidos - busca desesperadamen- abertamente agredidos e ofendidos, sua presença em nosso 36 37
  • 15. Confiança e medo na cidade Confiança e medo na cidade campo de ação sempre causa desconforto e transforma em cide a forma de cada tipo de construção, impondo uma árdua empresa a previsão dos efeitos de uma ação, suas lógica fundada na vigilância e na distância."!" probabilidades de sucesso ou insucesso. Compartilhar Todos que têm condições adquirem seu apartamento espaços com os estrangeiros, viver com num condomínio: trata-se de um lugar isolado que fisica- eles por perto, desagradáveis e invasivos como são, é uma mente se situa dentro da cidade, mas, social e idealmente, condição da qual os cidadãos consideram difícil, se não está fora dela. "Presume-se que as comunidades fechadas se- impossível, escapar. No entanto, dos es- jam mundos separados. As mensagens publicitárias acenam trangeiros é o seu destino, um modus vivendi que terão com a promessa de 'viver plenamente' como uma alternativa de experimentar, que deverão ensaiar com confiança para, à qualidade de vida que a cidade e seu deteriorado espaço enfim, instituí-lo, se quiserem tornar a convivência agradá- público podem oferecer." Urna das características mais rele- vel, e a vida vivível. É uma necessidade, um dado de fato e, vantes dos cond mínios é "seu isolamento e sua distância da enquanto tal, não-negociável; mas, naturalmente, o modo cidade .... Isolamento quer dizer separação de todos os que como os cidadãos se preparam para satisfazer essa necessi- são considerados socialmente inferiores", e - corno os cons- dade depende de suas escolhas. Estas são feitas a cada dia, trutores e as imobiliárias insistem em dizer - "o fator-chave agindo ou evitando agir, de propósito ou não, decidindo para obtê-Io é a segurança. Isso significa cercas e muros ao de maneira consciente ou seguindo cega e mecanicamente redor dos condomínios, guardas (24 horas por dia) vigiando os esquemas de sempre; unindo discussão e reflexão ou os acessos e uma série de aparelhagens e serviços ... que ser- seguindo de maneira pessoal aquilo a que damos crédito vem para manter os outros afastados". a vizinhança porque continua na moda e ainda não foi desmerecido. Corno bem sabemos, as cercas têm dois lados. Divi- Teresa Caldeira escreve a propósito de São Paulo (a dem um espaço antes uniforme em "dentro" e "fora", mas primeira entre as grandes e fervilhantes cidades brasileiras o que é "dentro" para quem está de um lado da cerca é em rápida expansão): "Hoje é uma cidade feita de muros. "fora" para quem está do outro. Os moradores dos condo- Barreiras físicas são construídas por todo lado: ao redor mínios mantêm-se fora da desconcertante, das casas, dos condomínios, dos parques, das praças, das e vagamente ameaçadora - por ser turbulenta escolas, dos escritórios .... A nova estética da segurança de- - vida urbana, para se colocarem "dentro" de um oásis de 38 39 perturbadora e confusa
  • 16. Confiança e medo na cidade Confiança e medo na cidade tranqüilidade e segurança. Contudo, justamente por isso, ridade das gated and secure communities para pessoas de mantêm todos os demais fora dos lugares decentes e segu- todas as idades e faixas de renda; e a vigilância crescente ros, e estão absolutamente decididos a conservar e defen- dos locais públicos, para não falar dos contínuos alertas de der com unhas e dentes esse padrão; tratam de manter os perigo por parte dos meios de comunicação de massa".'? outros nas mesmas ruas desoladas que pretendem deixar As autênticas ou supostas ameaças à integridade pes- do lado de fora, sem ligar para o preço que isso tem. A cer- soal e à propriedade privada convertem-se em questões ca separa o "gueto voluntário» dos arrogantes dos muitos de grande alcance cada vez que se consideram as vanta- condenados a nada ter. gens e desvantagens de viver num determinado lugar. Elas Para aqueles que vivem num gueto voluntário, os ou- aparecem em primeiro lugar nas estratégias de marketing tros guetos são espaços "nos quais não entrarão jamais". imobiliário. A incerteza do futuro, a fragilidade da posição Para aqueles que estão nos guetos "involuntários", a área a social e a insegurança da existência - que sempre e em toda que estão confinados (excluídos de qualquer outro lugar) é parte acompanham a vida na modernidade líquida, mas um espaço « do qual não lhes é permitido sair". têm raízes remotas e escapam ao controle dos indivíduos . .; A tendência a segregar, a excluir, que em São Paulo (a - tendem a convergir para objetivos mais próximos e a as- maior conurbação do Brasil, à frente do Rio de Janeiro) sumir a forma de questões referentes à segurança pessoal: manifesta-se da maneira mais brutal, despudorada e sem situações desse tipo transformam-se facilmente em inci- escrúpulos, apresenta-se - mesmo que de forma atenuada tações à segregação-exclusão que levam - é inevitável - a - na maior parte das metrópoles. guerras urbanas. Paradoxalmente, as cidades - que na origem foram Como se depreende de uma excelente pesquisa feita construídas para dar segurança a todos os seus habitantes por Steven.Flusry.ê? jovem arquiteto e crítico. da urbanís- - hoje estão cada vez mais associadas ao perigo. Como tica norte-americana, diz Nan Ellin, "o fator medo [implícito na construção e - sobretudo projetando maneiras de proibir aos In1m1- reconstrução das cidades] aumentou, como demonstram gos reais, potenciais e presumidos o acesso ao espaço que o incremento dos mecanismos de tranca para automóveis; eles reivindicam e mantendo-os as portas blindadas e os sistemas de segurança; a popula- - constitui o interesse maior e o objeto da mais rápida 40 41 colocar-se a serviço dessa guerra a uma distância segura
  • 17. I Confiança e medo na cidade expansão da inovação arquitetõnica e do desenvolvimento urbano das cidades nos Estados Unidos. As construções I Confiança e medo na cidade de grupos de patrulhamento e/ou de tecnologias de televi- gilância conectadas a estações de controle." recentes, orgulhosamente alardeádas e imitadas, não pas- Esses e outros tipos de espaços proibidos têm um único sam de "espaços fechados", "concebidos para interceptar, - embora composto - objetivo: manter os enclaves extra- filtrar ou rechaçar os aspirantes a usuário". A intenção des- territoriais isolados do território contínuo da cidade; cons- ses espaços vetados é claramente dividir, segregar, excluir, truir pequenas fortalezas no interior das quais os integran- e náo de criar pontes, convivências agradáveis e locais de tes da elite global extraterritorial podem cuidar da própria encontro, facilitar as comunicações e reunir os habitantes independência física e do próprio isolamento espiritual, e da cidade. tratar de cultívá-los e desfrurá-Ios. Na paisagem urbana, os Os estratagemas arquitetônico-urbanísticos identifica- espaços vedados transformam-se nas pedras miliárias que I dos e listados por Flusry são os equivalentes tecnicamente assinalam a desintegração da vida comunitária, fundada e atualizados dos fossos pré-modernos, das torres e das se- compartilhada teiras nas muralhas das cidades antigas. Mas, em lugar de critos por Steven Flusry são manifestações altamente tec- defender a cidade e todos os seus habitantes de um inimigo no lógicas da onipresente mixofobia (medo de misturar-se). exatamente ali. Os desenvolvimentos des- externo, servem para dividir e manter separados seus ha- Essa mixofobia não passa da difusa e muito previsível bitantes: para defender uns dos outros, ou seja, daqueles a reação à impressionante e exasperadora variedade de tipos quem se atribuiu o status de adversários. Entre as invenções humanos e de estilos de vida que se podem encontrar nas mencionadas por Flusry, temos: o "espaço escorregadio", ruas das cidades contemporâneas e mesmo na mais "co- um "espaço inatingível, pois as vias de acesso são tortuosas mum" (ou seja, não protegida por espaços vedados) das zo- ou inexistentes"; o "espaço escabroso", que "não pode ser nas residenciais. Uma vez que a multiforme e plurilingüís- confortavelmente ocupado, sendo defendido por expedien- tica cultura do ambiente urbano na era da globalização tes como borrifadores instalados nos muros, úteis para ex- se impõe - e, ao que tudo indica, tende a aumentar -, as pulsar os vagabundos, ou bordas inclinadas que impedem tensões derivadas da "estrangeiridade" incômoda e deso- (( »« que a pessoas se sentem; e o espaço nervoso, .•. que nao se pode usar sem ser observado, por causa da vigilância ativa 42 rientadora desse cenário acabarão, provavelmente, por favorecer as tendências segregacionistas. 43
  • 18. Confiança e medo na cidade Confiança e medo na cidade para essas tendências - e entre as diferenças, "No processo de formação de uma pode (temporária, mas repetidamente) dar alívio às cres- imagem coerente de comunidade está incluído o desejo de centes tensões. Há uma esperança: talvez seja impossível evitar qualquer participação real. Mesmo quando podem fazer algo para modificar as diferenças desconcertantes e sentir os vínculos que as unem aos outros, as pessoas não embaraçosas. Mas talvez se possa tornar a situação menos querem vivê-los porque têm medo de participar, têm medo nociva atribuindo a cada forma de vida particular um espa- dos perigos e dos desafios que a participação implica, e têm ço físico separado, inclusivo e exclusivo ao mesmo tempo, medo de sofrer." Encontrar um desaguadouro bem delimitado e defendido. À parte essa solução radical, O impulso para uma "comunidade de semelhantes" é talvez pudéssemos ao menos assegurar para nós mesmos, um sinal de retirada, não somente da alteridade que existe nossos amigos; parentes e outros "como nós", um territó- lá fora, mas também do empenho na interação interna, rio isento da mistura e da desordem que atormentam que é viva, embora turbulenta, ir- fortalecedora, embora in- remediavelmente as outras áreas urbanas. A mixofobia se cômoda. A atração que uma "comunidade de iguais" exer- manifesta como impulso em direção a ilhas de identidade ce é semelhante à de uma apólice de seguro contra riscos e de semelhança espalhadas no grande mar da variedade e que caracterizam a vida cotidiana em um mundo "rnulti- da diferença. vocal". Não é capaz de diminuir os riscos e menos ainda As origens da mixofobia são banais e não muito difí- evitá-los. Como qualquer paliativo, nada promete além de ceis de identificar. São facilmente entendidas, embora não uma proteção contra alguns de seus efeitos mais imediatos se possa dizer que sejam fáceis de justificar. Como sugere e temidos. Richard Sennert," "a sensação de 'nós', que expressaria um Escolher a fuga, aceitando as sugestões da mixofobia, desejo de semelhança, não é mais que um modo de fugir da tem uma conseqüência insidiosa e deletéria: quanto mais necessidade de olhar profundamente um dentro do outro". ineficaz é a estratégia, mais ela se reforça e perdura. Sen- Poderíamos dizer que tudo isso promete algum conforto nett explica por que as coisas são e, na verdade, devem ser espiritual: existe a perspectiva de tornar a solidariedade assim: "O modo como as cidades norte-americanas mais tolerável, renunciando a essa tentativa de entender, senvolveram nos últimos anos tornou relativamente homo- tratar e pacruar exigida pela convivência com as diferenças gêneas as diversas áreas étnicas; e não por acaso o medo do 44 45 se de-
  • 19. Confiança e medo na cidade Confiança e medo na cidade estrangeiro aumentou a ponto de excluir tais comunidades torna-se mais complexa porque são exatamente os mesmos étnicas."22Quanto mais tempo se permanece num ambien- aspectos da vida na cidade que atraem e, ao mesmo tempo te uniforme - em companhia de outros "como nós", com ou alternadamente, repelem. A desorientadora variedade os quaís é possível "se socializar" superficialmente, sem do ambiente urbano é fonte de medo, em especial entre correr o risco de mal-entendidos e sem precisar enfrentar aqueles de nós que perderam seus modos de vida habitu- a amolação de ter de traduzir um mundo de significados ais e foram jogados num estado de grave incerteza pelos em outro -, mais é provável que se "desaprenda" a arte de processos desestabilizadores negociar significados e um modus conuiuendi. mesmo brilho caleidoscópico da cena urbana, nunca des- Como as pessoas esqueceram ou negligenciaram o aprendizado das capacidades necessárias para conviver da globalização. Mas esse provido de novidades e surpresas, torna difícil resistir a seu poder de sedução. com a diferença, não é surpreendente que elas experimen- Ter de enfrentar o interminável e sempre ofuscante tem uma crescente sensação de horror diante da idéia de se espetáculo da cidade não é, portanto, percebido somen- encontrar frente a frente com estrangeiros. Estes tendem a te como maldição e infelicidade. Nem se proteger é visto parecer cada vez mais assustadores, porque cada vez mais sempre como pura e simples bênção. A cidade induz si- alheios, estranhos e incompreensíveis. E também há uma multaneamente à mixofilia e à mixofobia. A vida urbana tendência para que desapareçam - se é que já existiram - o é intrínseca e irremediavelmente diálogo e a interaçâo que poderiam assimilar a alteridade maior e mais heterogênea for uma cidade, maiores serão deles em nossa vida. É possível que o impulso para um am- os atrativos que pode oferecer. Uma grande concentração biente homogêneo, territorialmente isolado, tenha origem de estrangeiros funciona como um repelente e ao mesmo na mixofohia: no entanto, colocar em prática a separação tempo como um potentíssimo ímã, atraindo para a grande territorial só fará alimentar e proteger a rnixofobia (embora cidade homens e mulheres cansados da vida no campo e seja importante dizer que ela não é o único elemento em nas pequenas cidades, fartos da rotina e desesperados com jogo no campo de batalha urbano). a falta de perspectivas. A variedade promete oportunidade: Todos sabem que viver numa cidade é uma experiência muitas e diversas oportunidades, ambivalente. Quanto adequadas a cada gosto arnbivalente. Ela atrai e afasta; mas a situação do citadino e a cada competência. Por isso, quanto maior a cidade, 46 47
  • 20. Confiança e medo na cidade Confiança e medo na cidade maior é a probabilidade de que atraia um número crescen- Mas talvez seja possível fazer alguma coisa para influir te de pessoas que recusam - ou a quem é recusada - a pos- nas proporções em que ela e a mixofilia se combinam, de sibilidade de viver e encontrar moradia em lugares meno- forma a reduzir o desorientador, ansioso e torturante im- res, menos tolerantes e com oportunidades mais escassas. pacto da mixofobia. Na verdade, parece que os arquitetos Podemos dizer que a mixofilia, assim como a mixofobia, é e planejadores urbanos podem fazer muito para favorecer uma tendência com propulsão autônoma, que se propaga o crescimento da mixofilia e reduzir as ocasiões de reação e se reforça sozinha. Provavelmente nenhuma das duas vai mixofóbica diante dos desafios da vida urbana. Mas, ao se exaurir ou perder o vigor no curso da renovação das que tudo indica, também podem fazer muito - e na verda- cidades e de seu espaço. de estão fazendo - para favorecer o efeito oposto. Mixofobia e mixofilia coexistem não apenas em cada Como já vimos, o isolam~nto das áreas residenciais e cidade, mas também em cada cidadão. Trata-se claramen- dos espaços freqüentados pelo público - comercialmen- te de uma coexistência incômoda, cheia de som e fúria, te atraente para os construtores e para seus clientes, que mas, mesmo assim, muito significativa para as pessoas que entrevêem uma solução rápida para as ansiedades geradas sofrem a ambivalência da modernidade líquida. pela mixofobia - é, de fato, "acausa primeira da mixofobia. " Como os estrangeiros são obrigados a levar a própria As soluções disponíveis criam (por assim dizer) o problema vida em covizinhança, seja qual for o rumo que a história que pretendem resolver: os construtores de gated communi- urbana tomar, a arte de viver pacífica e alegremente com ties, ou de condomínios estritamente vigiados, e os arquite- as diferenças e de extrair benefícios dessa variedade de es- tos dos espaços vedados criam, reproduzem e intensificam tímulos e oportunidades a necessidade, e portanto a demanda, está se transformando na mais importante das aptidões que um citadino precisa aprender e exercitar. que, ao contrário, afirmam satisfazer. A paranóia mixofóbica nutre a si mesma e age como É improvável (pela mobilidade humana cada vez maior uma profecia que não tem necessidade de confirmação. Se na era da modernidade líquida, e pela aceleração das mu- a segregação é oferecida e entendida como um remédio danças inrroduzidas no elenco, na trama e no set da cena radical para o perigo representado pelos estrangeiros, a urbana) que se possa erradicar totalmente a mixofobia. coabitação com os estrangeiros irá se tornar cada dia mais 48 49
  • 21. Confiança e medo na cidade difícil. Tornar os bairros residenciais uniformes para depois reduzir ao mínimo as atividades comerciais e as co- I I ,i Confiança e medo na cidade A fusão que uma compreensão recíproca exige só poderá resultar de uma experiência compartilhada, e certamente municações entre um bairro e outro é uma receita infalível não se pode pensar em compartilhar uma experiência sem para manter e tornar mais forte a tendência a excluir, a partilhar um espaço. segregar. Tais procedimentos podem atenuar o padeci- mento de quem sofre de mixofobia, mas o remédio é por si mesmo patogênico e torna mais profundo o tormento, de modo que - para rnantê-lo sob controle - é preciso aumentar continuamente as doses. A uniformidade do espaço social, sublinhada e acentuada pelo isolamento espacial dos moradores, diminui a tolerância à diferença; e multiplica, assim, as ocasióes de reação mixofóbica, fazendo a vida na cidade parecer mais "propensa ao perigo" e, portanto, mais angustiante, em vez de mostrá-Ia mais segura e, portanto, mais fácil e divertida. Seria mais favorável à proteção e ao cultivo de sentimentos rnixófilos - no planejamento arquitetônico e urbano - a estratégia oposta: difusão de espaços públicos abertos, convidativos, acolhedores, que todo tipo de cidadão teria vontade de freqüentar assiduamente e compartilhar voluntariamente e de bom grado. Como disse muito bem Hans Gadamer - em Verdade e método -, a compreensão recíproca é obtida com uma "fusão de horizontes"; horizontes cognitivos que são traçados e ampliados acumulando-se 50 experiências de vida. 51