Leskov era um escritor russo do século XIX. Embora seu nome seja familiar, suas obras estão distantes no tempo dos leitores atuais. Sua experiência de vida, incluindo seu trabalho para uma empresa inglesa, influenciou grandemente suas narrativas. O autor discute como as formas narrativas épica estão em declínio com a evolução das forças produtivas e a ascensão do romance.
2. O narrador
Consideraçõersobre
a obra de Nikolai Lcskov
I
Dl or mais Íamiliar que sejaseunome,o narradoanão
estâde Íâto píeseífe entre nós, em sus atualidade viva. Ele é
alSodc distante,e quesedistarÌciaaindamais,Descreverum
Lrskov* comonarradornão signiÍicalrazê-lômais perto de
nós,c siÍn, pelocontráÍio,aumentara distânciaqu€oosse-
pâra dele. Vistos dc uma ccrta distância, os trâ{os grandese
simplesque câraateriz&mo na!!ado! se destacamnele. Ou
meìhot,essesttaçosaparecem,comoum tostohumanoouum
corpo de Ànimâlapârcc€mnum rochedo,para um observador
localizadonuma dirtenciaapropriadae nüm enguloÍavorá-
vel. Uma experiênciaquasecotidiananos impõea exiSência
dessadistânciae desseângulodeobscrvação.Ë a experiência
dequca artedelarrar estáemviasdee{tinção.Sãocadayez
maisrarasaspessoasquesabemDarrardevidaÌneflte.Quando
(, Iitot t lãLd r.$a d l$r n! preíÈh .b oÍjol . .|ôfu m 1695.
cn S, Pct.Éburso. Por sq int !ËG. nd!.üú p.l6 cep(|ôé6, bô srts rli
íid..ld 6n Tolíol, . po. rü. qidt çro dfui6., óD D6tôict ti, Mú 6 t rlc
ncn$ durdorc dc sur otn llÒ .iát n.!tG .qúcl6 èm qúo ts3 teÍd€ncias
.!tum.n rmâ ãprcílro doSnlLic. . doúttirtris - G Dtltl.i6 mh.nG, Á sisni
tioçlo dê L.rkov .rtá .h 3uaenlrlrtivrs, q!. pcrt n cm . !m. l& poÍ.rior, D.sd.
o Íin d. 8rd. bólE vlÍi.r tcÍt tivs <b diÍúrdir 6r.s udrivú 16 D.ls è
lln8u..bDr.
^léo
d4 pcqu.6 cd.tirc.! públi..&3 p.lÀ cditor.i Murüion .
Có'8 MôId, d.wllc rdci@ú, @n ápeid d.st qe, . r.t çao .m rorc vo
lün6 d. .diloh C. H. BaL.
3. I9A WALTER AEN'AMIN
sepedenüm grupoqüealgüémnârreâlgurnacoisa,o embâ-
Íaço segeneralizâ.E coÌno seestivésremosprivados de uma
Íaculdade qüenospareciaseguraeinalienáve!:a Íaculdade de
intercambiarexperiênci6s.
Uma das causasdessefenômenoé óbvia: as acõesda
experiênciaesüloem baixa, e tüdo indica que continuarão
caìndoatéqueseuvalordesapúeçade todo.Bastaolharmos
uÍnJornalpatapercebermosque6êunivelestámaisbaixoque
nunca,e queda noiteparao dia nãosomentea imagemìo
mundo exterior mas também a do mundo ético sofreram
transÍoÍmaçõesque aútesnãojulgaÌíamospossiv€is,Com a
guerramundial tornou-scmaniÍestoum processoque con-
tinuaatéhoje,No final da glerra, observou-sequeoscomba-
teDtesvoltavaÌnmudosdo campode batalha Dãomai6Ìicos, e
simÌnflis pobresem expcriênciacomunicável.E o qus sedi-
fuídiu dezarosdepois,naenxurradadelivrossobrc; gueÍra,
nadâti[hâ em colíum com um:t expeÍiêtciatransmiúdade
bocaem boca. Não havia nada de anonnal nisso.porque
nuncâhouveexpeÍìênciasmaisradicalmentedesmoralizaãas
que a experiônciaestratégicapela guerra de trincheiras,a
expe ência econômicapela iÍflação, a experiência do corpo
pela gueffa de material e a expêriênciaética pelosgover-
L,rru nantes.UmageraçàoqueaindaÍoraà escolanum bondepu-rí.' I .,'
.,,i . xadoporcavaìosseenconlrouaoar iivrenumapaisagemem] ./ .,",
;,_l- 1: nadapeÍmôcerainalterado,exce(oasnuvens,e debaixoy'r ,'.
delas.numcampodeforçasdetorrenreseexplosões,o frágilell. i,r , "
rnìDúsculocorpohumano. I
A expeÍiônciaquepassade pessoaa pessoaé a fonte a
que recoÍeÍarn todos os naÌÍadorcs, E, en[re as natratrvâs
escÌitas,asnelhoressãoasquemenossedistinguemda, his_
tórias orais contadaspelosinúmerosnanadoris anônimos.
Entre estes,existemdois grupos! que se interpenetramde
múltiplasmaneiras.Á Íigum do narradorsó setomn Dlena-
mentetãngivelsetemospreseotesessesdoisgrupor. ..i)u.rn
vrajatemmultoqueconlat',dizô povo.e comissoimaginao
narradoÌcomoalguémquevemdelonge.Mas tambémescu.
tamoscom prazeÍo homemque ganhouhonestamentesua
vida semsairdo seupaise quecothecesuashistôriase trâ_
3
Leskovestáà voltade tanto na distâ[eia espacialcomo
na distância temporal. Pertenciaà Igreja Ortodoxa grega e
tiÀhâum genuinointeressereligioso.Massuahostilidadepela
burocraciaeclesiásticanão era menosgentrina.Como suas
relacõescom o funcionalismoleigo não era1Ìlmelhores,os
calso6oÍiciaisque eterc€unão Íoram de lonSadurâção' O
empregode agenterussode umâ firma inglesa que ocupou
durante muito tempo, toi provâvelmente,de todos os em'
pregospossíveiJ,o maisútil parâ suaproduçãoliterária A
seÍviçodessafirma, viajoupelaRússia,e essasvtâge'senn-
oueceramtântoasuaexperiênciado mundocomoseusconno'
cìmentossobreascondiçõesrussas.Dessemodoteveocasião
de conhecero funcionamentodâsseitasrurais, o que deixoü
tracosemsuasnaüativas.Noscoítoslendáriosiussos,l'skov
encontroualiadoseft seucombateconba a bütocraciaorto-
MÀGIÀ E TÉCNICÀ,ARTEE POLIT'CA
. mílias.comojá sedisse'coosüfuemapenastipos Íutrdâmen-
"r"Fì
tais.A extensáoÌealdo reinonaÍÍatiYo,em todoo seualcance
I ìhisrórico,sópodeseÍcompÍcendidoselevarmosem conta a
1i":* | h1s1Í,€netraçãodessesdoistipos arcaicos'O sistêmacorpora-
dições,SequisermosconcretizaressesdoisgruposatÍavésdos
selrsnepresentatrtesar,caicos,podemosdiz€rqueum è excm-
r]ui."J"
".i"tanfa;e"
*dê;tário,ì e outÍo rtelomárinheiro
ã"tÊEiirrJ. ia rèalidadê,esses.dois-estilosde vida produ
riiu- a" cert" m"do suasrespectivalIamí-liasde narracloÍcs'
Cadaüma delasconseÍvou,no decorÍer dos séculos,suasca'
racte!ísticssPróprias Assim,eÍrtreos autoresâlemãesmo_
àurnos,ffeU"t á GotthelÍ pertencemà pÍimeirâ lamília, e
Sieklúd e Cerstãckerà se8ündaNo entantoessâsduasfa-
tivo Àedievaicontribuiuespacialmentepara essabterpêne-
tracAo.O mestresedenlárioe os aprendizesmi8Íantesffa'
úaiiia"amjunros nâ mesmaoJicinÂ;cadâmestle tinha sido
um âprend; ambulanteantesdes€fixar emsüapátriaou no
esúaneeiro.Se os camponesese os maÍujos foram os pri
meiÍos mestresda arte de narraÍ, foram os artíÍicesque a
ap€rÍeiçoaram.No sistemacorpoÍativoassociava_seo sâber
d;s terrâsdistâttes, trazidosparâcasapelosmigrrnks' como
saberdopassado,recolhidopelotrabalhadorsedeÍtário'
4. 200
WÁLTERBEN'Â[,rN
',-,r,ffiãffËffitrffig*H*tr*ffd*Hffi
.gff*,lffiffi
ru* ffi+*ffiruumnome:sabedoria.A
".ü;ffi,li'lï:i,';ï."1fi;ïï:ï:.1"#
M^GIAETÉcNtc^,ÂRTEEpoLiÌtca
2or
Íf,-t-aoeoonu- o Iadoépicoda verdade_ estáem exiinçao.
l|'_o_Íem
esseprocessovemde longe.Nadaseriamaistolo que
I:.j:"]:_:T "sintoma.dedecadência"ou uma caracteÉstica
. rìa rc4roaoe,esseDroÉesso,que eÌpulsa gra.rduâtmenlea nanativada esÍcrado discursovtvoa ro mesmo
lre_mlr_o
dáuma novab€lezaaoqueesládesapsrecendo,temse
/o€senvotvtdo
concomitenteÌnerlecom tooauma evoluçãose.lcurârdastorçasprodutivas-
,_ _
O primeiÌoindíciodaevoluçãoquevaiculminaÍnamorleoa-naÌralivâé o surgimentodo Ìom;nce no inicio do perlodomodemo.o queseparao romanceda nurt"ti"o (" aa ËpãpeìJno.sentidoestrito)é queel€estáessenciatmen{evinculadoao
lljl;^",1t1f1"
doromancesósetornapossivetcoma in_ven^ç-ao.-o€lmprensâ.A tradiçãooÍal, palrimônio da Doesiã
::::':",:riiil1":';:il:,Ãï::ïïïi,i:iïï,..lli",,jcârâclenzao rohance.O quedistingueoromanccde todâsâs
::-ïï
,or^9 de prosa_ contosãe fada, t"nO"se-rn-uìrnï
:::::
-j que ete.ncmprocededa tradção oral nem aaumenE._b.lese,dktirgue. especiaimenle,da n4rrativa. oÌr-aÌÌado._reriraa".rp".icn.l"'o qu" .]; ;;"",' rï:";róï.;
:lTTr.3 * a relatâdâpelosoÌrtros.t :ncorporaascorsas
::-rT"* l
experiênciadosseusouvinrcs.O ,n."r";.ru-r"-
Srega-se,A origemdoromanceéo individuoisolaau,quenaopldemais faìarexemplarlnentesobresuaspreocupaçóesmaismpo antese quenãoaecebeconsejhosneíhsabedá-los.Es_
*:ï::-:11""
significa,.nadescriçãode urn, ,iãn lu_maía,ìevaÍo.income;ilà';,:"*;i(il;',i;ìlli",i"ï_q_ueza.dessavjda e na descriçãodessariqueza, ; ;;;;;;a_ouncraa proÍundaperplexidadede quemâ vlve.O primejÌograndelivro do gênero.Dorr errixori. o
j:i:-9",_"jl,"r:.::ii;;;Ë;ï:i.ldïïXï.#..iïïï;n-obresheróisda"lireraìrr", ; ;;id,";;;;f;'"ëH:ì, àï:sernoe não contêma Ínenorcentelhade sabedoria.euanjono_correrdosséculosselentouocasionalmanterncluir no ro-manceafEumensinamento_ tztwp.^ ^w,tà^"iliìï"iiiïiii,n,"'ï:ài,::ï!ï"::;il:::,:):
wuhetm Meìskr) _, essastenrativasfeulraratnsemprenn
5. 7D2 WALTERAEMAMIN
transÍoÍmaçãoda prôpriâ ÍorÍÍraroman€sca.O rornancede
Íotm ç^o (Rinduhgsrornan),por outro lado, não sê afasta
absolutamenteda estruturafundamenlâldo romance.Ao in-
tegraÍ o proc€ssoda vida social rla vida de uma pessoa,ele
juslificademodoo(tremamenteÍrágilasleisquedeterminam
tal processo,A legitimaçãodessasleisnâda tem â ver com sua
realidade.No romancede Íormação,é cssainsuficiênciaque
estánabasedaacão,
6
I Devemosimaginãra transÍoÍmaçãodas Íormas épicas
lsegundoritmos comparáveisao6que presidiÍamà tÍansfor.
I maçãoda cros(alerrestreno decorrerdos milênios.PoucasI
I lorrnasdecomunicaçàohumanaevoluiramrnoislentameoteeI
lse€rtinguirammaislentamenle,O Íomance,cujosprimórdiosI
remontamà AntiSuidade,pÍ€cisoude centenâsde anoi para
encontraÍ, nabuÍguesiâascendente,oselementoslavoráveisa
seuflor€scimento.Qu4Ídoesseselementossurgúam,a ÍaÍaa-
tivacomeçoupoucoa poucoa tornar-searcaica;semdúvida,
elaseapÍopriou,demúltiplasfoÍmas,do noyocont€údo,maj
nãofoi determinadaverdadeirameotepor ele.Poroutrc lado,
verificamosquecomaconsolidaçãodaburguesia- da qual a
imprensa,no alto capitalismo,é um dosinstrumento6mait
imporlantes- destacou-seumalorma de comunicaçãoque,
por rnaisantigasqu€Íossemsuâsori8ens,nunca hâvia in-
fluenciadodecisivahentea íorma épica. Agora ela exerce
essainfluência.Ela é tAoestaadhaà naÍrativa como o Ío-
mance,masélnaisameaçadorae,deresto,provocaumacrise
no própaioromance.Essanovaformad€comunicaçãoé a in-
Iormacão.
Villemessant, o fundadoÍ do .F4oro, caÍacterizoü â es-
sênciada inrormaçãocomuma fómula Íâmosa."Para meus
leitores",costumavadizer,"o incêndionumsótãodoQuartier
Latiné maisimportantequeumarcvoluçãoem Madri." Essa
Íórmula lâpidaamostmclamm€nteque o saberque vem de
longeencontra hoje menosouvintes que a informação sobre
acont€cimentosprórimos.O saber,quevinhade loíge - do
longe espacial das terral eslÌanhas, ou do lonSe temporal
contidonâ tÍadição-, dispunhade uma autoridodequeera
MAOIA EÍÊCNICA' AR1EE POLITTCA
vâlidamesmoquenãoÍossecontrolávelp€lae'::Í':Íiên:ia.'Mi:
"
inlot."çao ãspiraa umaverlficaçãoiÍnediataAnlesde
Ã"ii
""a",
elap-rtcisasercompreensível"em si e para si"'
üuitasvezcsnããé maisexâtaqueosrelatosantigosPorém'
.;;;;;t" ;;;i"i;s reconis; ÍÍ€qüentementcaomiracu'
iárïlãiLirtiii"l""t queainíor$açtrosejaplausi'elNissoela
ãincompatívelcomoespíritodaoarativa Sea a'tedanar'a-
tiìãì'ftó" i*"'
"
oittsãodainformaçloé decisivâmenleÍes'
ponsâvelPoressedeclíario.
'
èadamanfrarucebemosnotíciasdetodoo mundo'E' no
"nr"ì,ïïo.ã'poüÃirn
hittóti"t tu-'""ndentes A razãoé
dueoslatosiánoscheBamlcompannadocdêcxplicâçõesEm
;;;;;;;ì;;;, q""* nadadoqueaconteceestâa serviçodâ
ià..ati"a. equas.t,OoestáaseÍriçodâ iníorm-ação!!9qì:
-
daattenarr;tivaestáem.evitarexpücaçõesNltsoksKove
o
;âA;iãilÌF"n...oi emieitos Cr.,moA froude, an A ásuio
ïioïiij o
"*tr^"rai"ório
eo múÀculososãonarradoscoma
íãúi"""tiãaó, maso cooteío psicolôgicoda açãonão é
ìÃoottouof"itot.pt" é liÍÍ€paraitrterpr€tara históÍia.como
oute,.
" "ot
issoo episódionarÍadoaúngcumaampll[uqe r r I
ouenãoexistenainforma{ão. 'ì..',1 'r''"'*'"-'
7
kskov ÍÍeqúentoua escolâdosAntigos O pÍimeironaÍ'
.aaorciecofoi HeródotoNocapituloXtV do terc€irolivrode
ri"i lii"rZa"t ãt.-tÍamos um relalo muilo inslrutivo seu
i"Ã ã i..m-.nit. Quando o rei egipcio Psammenit loi deí-
rotado €Íeduzido ao cativeiro pelo r€i persa Câmbises,este
iesot"eu hurnithar seu câtivo. Deu ordens para que Psam-
mcnit fossepostona rua emquepassariao cortejo triuníal dos
persôs.Organizouess€cortejo de modo que o prrslonelÍo
Itràesseverlua Íilha degadadaà condiçãodecriada,indoao
poco
-ín
uÍn jarro, Para buscaÍáÊua Enquanto todosos
ãoiociossetarnãnt"naócomessèespetáculo,Psammenitíicou
síÀcioso e imóvel,comosolhosno chão;e, quândologoem
s€ruidaviu seuÍilho, caminhandono coÍtejopara serexecu'
taão, continuouirnóvel.Mas, quandoviu um dosseÚsseÍv'
dores,um velhomiserâvel,na Íila doscativos,golpeoua ca'
6. b4 WÀLTER BEN'ÀMIN
oeçacom os puÍhos e mostrouos sinaisdo mais profundo
oesespeÌo,
. ,
Essa_histórianosensinao queéa yerdadeiÍ4narrativã.Arnrormaçaosô tem vaìorno momentoem queé nova.Ela sóvtvenessemomento,precisaentrcgar-seintciramcntea elee
:em
peroâ.detempolem queseexplicarnele.MÌrito diierente
e a DÍúrauva..Èlânãose-eDtÍega.Ela cons€rvasuasÍorçaseo€pors-Oemuúo tempoaìndaé capazde se deseDvolver.As-srm, Monaargneãludeà históriado rei egipicioe perguDta:
porqueelesóselamentaquandoreconheceo seuseryidor?Suar€spostaé que elê "já estâvetão cheio de tristeza, q"e urnigotaa mair bastariaparadeüuba! ascompo.t"r,;.'d;;;;ìì:
cêçãod€-Monteigne.Mâspod€ríamostâmbémdizcr:.,O ães-
lt:^:,j:,,Í.:lti1 *4 nãoaferao reì,porquee o seuprOpiio
mutÉscoGasquenãonosafetamna vida nosaletaft no palco,e parao r€i o caiadoera apenâsum ator,,.
:_u-.-,"r
8.T9:" dores
-são
contidas,e só irrompeÍnquando
:"otj..yT3 drstensão.O espetâculodo servidorÍoi esia dis_tensão-,Heródototràoexplicanada. S", ,.t"to e-aoi-rn-Ã
ïj_1"; Tt "..T,.""".
históriado antigoEgiro aindaé capaz,s€polsOem eÍlios,desuscitaÌespantoe reflerão.Ela seasse.mernââessass€menlesdetriSoqueduranlemilharesde anosrcaram lechadashcrmelicarnentenascârnar",a". pi.ãaiã"i
equeconseryamatéhojesuasÍorçasg€rminativôs.
E
Nada facilita mais a memorizaçàodas narrativasque
At."^"1"_
r-9!1"concisão.queassalvadaanálisepsicológila.
vuanro rnaror-an-aturalidadecoÍÌrqueo narradorienunú às
lu-t1ï1s
p:rcológxcas,mâirÍacilÍnen(ea históriasegravaránamemoÍtedo ouvinte,maiscomple(omenteelaseasiimilaráàsua.propna.eÌperìênciae rnâisirresistivelmehteelecederáàrncIDaçàodeÍecontá-la.umdia. Esseprocessodeassirnilação
s
-qa
em camadasmuito proÍundase erige um estadodeorsrensaoq]leselornacadavezmaistaro. Seo sonoé o ponto
maisaÌ-toda distensãofisica,o tédioé o ponto rÌl&tsalto dadrstensãopsí_quica.O_tédioé o pássarodesonhoquechocaosovosdaeÌpenencia.O menorsussuroDasÍolhage;so assusta.seusninhos- asatiüdadesintimamenteassociadasao tédio
MACIA E TÊCNICÂ.ARTEE POLITICA 205
- jÁ seextingufuÀmna cidadee estãoemviasde extinçãono
campo, Com isso,desapaÍeceo dom de ouvir, e desapÂrecea
comuÍidadedo$ouviítes.ContaÍ históllasÍelípÍe loi s aÍte
de contálas de novo,c elaic perdcquaDdoas históaiasnão
sãomais côÍseÍvedas,Ela seperdepoÍque nin8pém mais fia
ou teceetrquanto oüve a história, Quaíto mais o ouvinte s€
elqüecedesi nresmo,maispÍofundamentesegravaÍele o que
é ouvido- Quando o ritrno do trabelho se apodera dcle, ele
escutaas hist6riasdr tal maÃeiraque adquire gspontanea-
menteo dom de narÌâ-lts. Assim s€teceuâ redeem que está
guardadoo domnarrativo.E âssimessaredese desÍazhoje
por todososlados, depoisde têÌ sido tecida, há milênios, em
tomo dasmais antigasloÍnas detrabalho manual,
9
A larÍativa, que durante tôrto tempo lloresc€u num
meiode adesão- no campo,no mar e na cidade-, é ela
própria, nurn ceÍto scntido,üma lo.tna aíesanal de comu-
nicação.Ela nãoestáinteÍ€ssâdaem tÍansmitiÍ o "puro em-
si" da coisanarradacomouma inÍormaçãoou um relatóÍio.
Ela m€agulhaa coiiânavidado naÍradorparaem seguidare-
tiró-la dele.Âssimseimpúme na narrativâa mdreâdo naÍ-
rador,como. meodo oleirotraaÍgilado vaso,OsÍ..!ador€s
gostam d€cotí€çar sua história com uma descÍiçãodas cir-
iinstânciasemqueforaminfoÍmadosdoslaiosqueveocontar
a segui!,a menosque preÍiramatribuir essahist6riaa uma
oxperiênciaautobio8râÍica.lcskov comcça,{froude comrma
descÍiçãodeumaviê8emdetrcm, na quâl ouviìrde üm com-
panheiro de viagemos episódioaque vai narar; ou pensâto
enterro de Dostoicvski, no quâl trrrou conhecimeÍrtocom a
herciía deA proposíto da Sonotode Kteuzer; ou €vocauma
reunião tÌum circulo de leituaa, no qual soubedos Í8to6 rela-
tados em HomeÚs intetessc,/tet. Assirn, seusvestíBiosestão
presentesdc Ínuitas maneimsnâs coisasnarradas,sejana
qualidadede quem as viveu,sejana qualidadede quem as
relâta.
0 próprio kskov considerava€ssaaÌte aÍtesanal - a
naúativa - comoum oÍlcioÍÍranual."A Íteratuta", diz elc
em umacaÍta, "não é para mim uma arte, masum trabalho
7. 206 WÂLTERBEN'AM'N
manual." NãoadmiÉ queeleteíha ses€ítido ligado ao tra.
balho manual e estÌaího à técnicaindust al. Tolstoi, que
tinha aÍinidadescom essaatitÌrde,alüdede passaSema esse
elementocentral do talerto narÍativo de kskov, quando diz
queelefoi o primeirô"a apontara insuficiênciado progresso
econômico...É estrânhoqueDostoievskisejatão lido... Em
comp€nsação,nãommpreendopor quenãoselê Leskov,Ele
é um escritorlìel â verdade".No maliciosoe petulante/
Dulaade üço, intermediârioeítrc a lendae a farsâ, lrskov
exalta,nosouriyesdeTula. o trabalhoaÌtesanal.Suaobra.
prima,a pulgâdeaço,chegaaosolhosdePedro,o Grandee o
convencede que os russosnão precisamenvergonhar-sedos
ingleses.
TalvezninguémtenhadescritomelhorquePaulValérya
imagemespiritualdessemundodearúfices,do qualpÍoyéÌno
naa.adoÌ, Falando dâs coisasperleitas que se encontram rra
natureza, pérolâsimaculadas,viohos encorpadose maduros,
cÍiatüÌas rEalmentecompletas,ele as descÍevecomo "o pro-
duto pÍeciGo de üma lonaa cadeia de causasseoelhantes
etrtre si"- O acú[rülo dessascausassó teria limil€s temporais
quabdo Íosseatingida a peÍfeição- "Antiganrente o homem
imitava essapaci6Ícia", prossegueValéry. "IluminuÌas, maa-
fins pÍofundameúte entalhados; pedÌas duÍas, pe.lêitsme!.
te polid.s e claramente gÍavadas; liÀcase pinfuras obtidrs
pela superposiçãode uma quantidade de camadas finas e
translúcidas.-. - todas essasproduções de uma indústria
tenaze viÌtuosísticacessaram,ejá passouo tempoem queo
temponão contava.O homemde hojenãocultivao quenão
podesü âbreviado,"Comeleito,o homemconseguiuâbÉviar
até a Írarrativa.Assistimosem nossosdias ao nascimento
da short story, que se eÍíaícipou da tradição oral e não
mais permite essalenta superposiçãode camadasIinas e
Íranslúcidas,que rcpresentaa melhor imagemdo processo
pelo qual a narrativaperÍeitavemà luz do dia, comocoroa.
mentodasváliascamadasconstituldaspelasnaüaçõessucê6-
MÁGIÂ E TÉCNICA,ARTEE POLiTICÀ
l0
m7
Vâléryconcluisuasreflexõescom asseguinlespahvras:
"ai.-i"iu !t" o enllaquecirnentonos €splútosda idéiâ de
eteÍnidade coincide com uma aversãocadavez maior ao trÂ-
balho prolongado" A idéia da etemidâdesempÍeteve na
.ì.ì" i"" f"it" mais rica. Seessaidéia estâ se atroti'ndo'
i"ao. qu"
"on"ruit
que o rostoda mortedêveter assumido
o"*
"io""to'
EssaúansÍormaçãoé a mesmaque reduziu.a
;;;;ú;ìú.ã; da experiêncìaà medida que a aÍie de
narraÌ seextrngura.
No <lecorrerdosúltimos sécülos,pode-seobservaÍ que a
idéia da rnorte vem peÍdendo' la corsciêacia colctiva, süâ
""ior"iiú "
."u t".ça de eÌocação.Esseproc€ssoseac€leta
"i'*"t
Uirirn* etapes-DuÍante o úculo XIX' a sociedade
úì.-Ã p-a*iu,
-""m
as irstituições higiênicâs€ sociais'
oti"ãa"s
"'p.ilti"a., "m
efeitocolateral que ioconscr€nlemen'
-r.-ún." tlv""se siao seu obÈtivo pínciPal: permitiÌ aos ho'
menseütarern o espetáculoda morte. MoÌrcr eÌa antes um
Ãisodio púttico na vida do iadivíduo' e s€ücaÌâieÍ er' alta'
menteex;mplar: recordem_seâsimaSÊnsda ldade Média' nas
qúaiso leito demorúesêtÍansÍorma núm trono em diÍeçãoao
qual se precipita o povo, através da6 Portas esca[câraols'
Éoie. a Ãorrc é cadauezmaisexpulsado universodosvivos'
Antes não hâvia uma sócasae quaselenhutn quarto em que
nãotivessemorridoalguém.(À ldadeMédia conhecíaa con'
tÉpaÍtida espscialdaqueleseDtimentolemporal exp'esso
numrelôgiosolardeIbiza:ullima mullis.) Hoje' osbur8ueses
vivemeIn espaçosdepuradosde qualquermotte e' quanoo
chegarsuahora,seÍãodepositadospor seusherdeiÌosèm 5a_
natãriosehospiiaisOra,é no momentoda morle queo saberÍ
easabedoriaãohomemesobretudo5uaexistêncirüvida - el
édessasubslâ0ciaquesàoÍeitasashistórias- assumempela
I
primciravezumaformatransmissÍvel.AssimcomonojnteÍio!l
ào agonizante desÍilam inúÌnelas imagens - visõìesde si
mesmo,nasquaiselesehaviaeÍrcontradosemsedar conta
disso-, assimo inesquecíveÌalloraderepenteemseüsgestos
e olhares,coÍÍeriído a tudo o que lhe diz Íespeitoaquela
autoridadeque mesúo um pobr€'diabopossuiao moireÍ,
8. 26 WALTERBEN,AMIN
para osvivosem seuredor. Na orig€m da naarativâestáessa
autoridade.
l1
, Á morte éasônçãode tudoo queo nâffador podecorrtâr.
E da moÍtc que ele dcriva sua autoridade. Em outÌas pa.
layÌas: suaslútóÌias remetem à história natural. Essefe;ô-
menoé ilustÌâdo êxemplarmentenutna dasÍt|ais belasnaara-
tivas do iacoEpaÍâvel Joharn Petêr Hebcl. Ela lez part€ do
Schatzkiirtlein des rheini,schenHautfreunde (Caíxa d.e te-
touros do amigo renano das familías) e chama-sê llnver-
hofftes luied*sehen (Reencontroinesperailo). Â história co-
meçacom o noÍvadode um joyem aprendiz quc trabalha nas
minas de Falun. Na vésperado casômento,o Íapaz mone em
um acidente, no fundo da suagaleria subterrâDea.Sua noiva
semântém fiel alélDda moÌte c viveo suficientêpara rccolhe"
crr um diÂ,já ertremamentevelha,o cadáverdo aoivo,en_
contrado em sua galeiia perdida e prcseÍado dr dccomDosi-
ção pelo vitríolo ferroso.Á aociãmoÍÍe poucodcpois.
-Ora,
Heb€l precisâvamostrar p&lp4velmenteo longo tempo decor-
Íido desdeo início da história, e sua solução foi a s€guint€:
"Enlremetrtes, a cidadede Lisboa foi dest uida por um teÍe-
moto, ea guena dosSeteÂtrosòermiÍou, c o iÍrperador Flan-
ciscoI morreü,c a ordemdosjesuítasfoi dissolvido,e d po.
lônia foi retalhada,e a imperatÍìzMaria Teresamorreu, e
StnreÌrseefoi executado,a Amélicasetornouindependente,e
apotênciacombinadadaFrança€da Espanhanãàpôdecon-
quistar Gibraltar. Os turcospÍerderam o SeneratSteil na
grotadosveteÌa[os,na Hungria,e o imperÂdoaJosémoraeu
também. O rei Custavoda Suéciatomou a Finlândia dos
fussos, e e RevoluçãoFrancesae as gf:rndes guefras come-
çaram, e o ÍìeiL€opoldoÍt faleceutambém.Napol€ãocon-
quistoua P.ússia,eosinglesesbombardearâmCopenhague,e
oscamponesess€meâvame ceifavam,O moleircmoeu,e os
ferrciroslorjarom,e osmineiÍoscâvaramà pro""r. aelitoes
metálicos,em suasoÍicinassubterâneas.Mas, quando no
anode 1809osmineirosde Falun...". Jamaisoutro narrador
conseguiuinscrevertão profundamentesua hist6 a na his-
tória n4tuÍal como Hebelcom essacronologia.[,eia-secom
MÀCTAETÊCNICÂ.AK'E E POLITICÂ 7íI
gt€nçao: a mortc reâpaÍ€cenela tão ÍegulaÍmeÍt€ como o
esqueleto,com sualoice,noscortejosqüe desfilÍlmao mero-
dianosrelógiosdâscateúais.
72
Cada vezque sepretendeestüdar uma ceda Íorma épica
é necessárioiDvestigarâ rela{ãoentÌe essaÍoÍma e a histono-
cÍafia. Podemosir mais longe€peÍguntar sea historioSÍaÍia
ião representaumazolladeindúereociaçãocriadoracom
'e-
Iacãoa todasaslormas fuicas. Nessecaso,a hist6ria escrita se
relacionariacomasformasépicascomoa luz blancacam as
coresdo espectro.Comoquerqueseja'entretodasaslormas
éoicasa crànicaé aquelacujainclusãona luz pura e incolor
d; histôria escÍita é maisincontestável.E, no âmplo espectÌo
da crônica,todasâsmaneirascomqueumahistóriapodeser
narradaseestratificamcotnoselossemvariaçõesda mesma
cor.O cronislaéo natíadordahrstória.PeÍse_seío trcchode
Hebel,citadoecima,cujo tom é clarame[teo dâ crônica'e
norâr-se-áÍacilmentea diJerençaehtre quem escrevea hìs
tória,o historiador,e quema ÌÌarÌa,o cronista O historiador
é obriaadoa expticarde umaou outra mâneiraos episfiios
comque lida, e nãopodeabsolutamentecontentar_seem Ìe_
presentálos como mod€losda histôria do mundo. E exata_
menteo que faz o cronista,especialmenteatravésdos seus
Íepresentantesclâssicos,os cronistasmedievais'píecuÍsores
d; historiograliamodeÍna.Na based€suahistoriografiaestá
o plano da salvação,de origemdivina, indevassávelem seus
dcsígnios,e comissodes<leo inicio selibertaramdo ônusda
explicaçãoveÍificável.Ela é substituidapelaexegese,quenão
sepreocupacom o encadeamentoexatode fatosdetermina-
dos,mascom a maneirade suâinserçãono fluxo insondável
dal coisâs.
Nãoimportasoessefluxoseinscrev€na históriasagÍada
ou setem carátcrnâtulal.No úarradol,o ctonistaconseÍolì_
se,tÍânsfoÍmadoe por assimdizersecularizado.Entre eles,
Leskové aquelecuja obra demonstramais claramenteesse
fenômeno.Tanto o cronista,Yincüladoà história sagrada'
como o narrador,vinculadoà lÌistóÍia profana, participam
iguâlmenledanalurezadessaobraa talpontoque,emmuilas
9. 2'O VTALTER BEN'ÁI,íIN
desuasnarrativas, édilícil decidir seofundo sobreo qual elas
sedestacaméa tÍamadourodadeumaconêepçãoreligiosada
históriâ ou a tlama colorida deüma coÍrcapçãopro{an4. Pen-
se-se,por exernplo,llo coíto A alerandita, qúecolocao leitor
!ìosyelbostemposeÌtrqüe"as p€drasrlasentranhasda terrâ e
osplanetasnâsesferascelêstessepreocupavamaindacom o
destinodo homem,ao cont!Áriodos dias de hoje, em que
tanto no cóucomona teÍa tudo setomou indiÍerente à sorte
dos seÌeshumallos, ê em que Íenhuma voz, vethâ d€onde
ÌieÍ, lhesdirige apalswa ou lhesobedec.e.Os planetasreém-
descobeÍos não desempenhammais neDhumpapel no hoús-
copo,eexistem inúmeraspedrasnovas,todasmedidâse pe-
sâdase com seüpesoesp€cíficoe suadensidadeexat:rmente
calculados,mf,selâsnão nos anunciamnadae não têm ne-
nhuma utilid.de para Íoô. O tempojá passouem que elar
conversavâmcomoshomens".
Cornosevê,édificil caracúeíizariÍreqüivocamenteocurso
dâscoisas,comol,eskovo ilusüa nessauarrativa.E determi-
n6dopelabistóriâsagÍadaoupelshistôrianatural?Sôsesabe
que,enquaíto tol, o cursodascoisasescapaâ quâlquercate-
goria veÌdadeinmente histórica. JáseÍoi a época,diz lJskov,
em que o hometn podia sentú-re em hatuoíia com â natu-
reza.Schillerchamavaessaépocao tempoda literatura in-
gênua.O narradormantémsualideÌidadea essâépoca,I seu
olhar não se desviado relógiodiantedo qual des{ilaa pro-
cìssãodas criatuaas, na qual a morte tem s€u lu8ar, ou à
fÌenl€do coatejo,ou comoÍetardatâria miseÍâvet.
Neo se percebeudevidameíte até agora que a relação
ingênuâ ettre o ouvintê e o nâÍrador é domitrada pelo in.
teresseem conserya!o que Íoi narrado.Para o ouvinteim-
parcial, o importanteé assegurara possibilidadeda repro-
dução.A nremôdaé â maisépicade iodasasJaculdades.So-
menteurnâmemódaabrangenteperrniteà poesiaépicaaprc-
priaÌ-sedo cursodasmisas,por um [ado,e r€signaÍ.se,por
outÌo lrdo, como desapaÍocimentod€ssascoisâs,como podeÍ
dâ morte.Não admfuaquepala um personag€mde lrskov,
um simpleshomemdo povo,o czar,o centrodo mundoe em
MÀCIÂE úCNICA' ÂRTEE POÚTTCA 2II
torno do qual 8Íavitatoda a histôriâ,dispoíha de uma me'
môda excepcional,"Nossoimpetadore toda a sua familia
têm comefeito uma isrpreendeote mcmória."
Mncmcyne, e deusada Íeminiscência, era para 06 gÌe_
gosa musada poesiaépicâ.Esssnom€chamâa atençãopara
umadecisivaguinadahistórica S€o r€gistroescritodoqueloi
transmitidopela reminiscência* a historiografia- repre'
senteuma zonade indiferencieçãocriadoÌa com relaçãoàs
várias foÍmas épicas (como a grande pro6a Íepresenta uma
zona de indilerênciaçãocÍiadoÍa com Íelação às diversasfor-
mas métricas).sua lorma mais antiga, a epopéiapropÍia'
mentedita. contémemsi,poruma espéciedeindilerenciação,
a naÍativa e o romance.Quandono decoller dosséculoso
romancecomeçoua€mergirdoseiodaepopéia,ficouevidente
que nele a müsa épica - a remioiscência - apareci4 sob
outta foÌma qüeÍa naÍÍativa.
A rcminiscênciafunda a cadeiada tradição,que trans-
miteosacontecimentosdegeraçãoemEeração'Ela correspon-
deà musaêpicanosentidomaisamplo'Ela inclui todasasva-
riedadesda lorma épice. EntÍ€elas, encontra-seern primeiÍo
lugar a encaÍnada pelo narÍador. ELatece a Íede que em
última instâDciatodasâi históÌias cofftituem entrc si. Uma sê
articula na outla, coinodemoístraramtodosos outtos naÌ'
raalores,principalmenteosorientais.Em cadâum delesvive
üma Scherazade,que imaginauma nova históÍla em cadâ
pâssag€mda história que está contândo- "tal é a memória
épica e ÍÌ musâ do narÍação- Mâs a esta müsa devese opor
out(a, a tnusado romanceqÌrehabita a epopéia,âindaindi_
Ierenciadada müsada nartativa.Po!émelajá podeserpres'
seltida nâ poesiaépica.Assim,por exemplo,nâsinvocaçõ€s
solenesdasMusas,queabremospoemashoméricos.O quese
pÍefluncia nessaspaisagensé a memótia perp€tuadorado Ío-
mancista, em contÍâtte com â brcvelÌlemória do narÍadoÍ. A
primeira é consagradaa um het6i, uma peregÌin4çÃo,um
combâte;a segtrndâ,4 ntuitosfatosdifusos Em outrâspa-
lavtas,a,rcmemoração,musado tomance,surgeoo lado da
mefiória, m$s dt narrativa,depoisque â desagregaçáoda
poesiaépicaapagoua uoidadede s1raorigemcomum na re-
miníscência.
10. 212 WAL'TEIì BENJÀMIN
l4
Como dissePascal,ninguémmoüe tão pobrc que não
deixealgxmacoisâatrásdesi.Em todocaso,eledeixarcmi-
niscência,emboraÍem sempreelasencohtremum herdeiro.
O romancistarecebea sucessãoquasesemprccom uma pto.
funda melancolia,Pois,assimcomosediz num romancede
ArÍrold BeÍrnetqueumapessoaqueâcabaÍade morrcr "não
tìnha de fato vivido", o mesmocostumaacontecercom as
somasqueo romancistarecebedeherança.CeorgLukácsviu
comgra[de lucidezesselenômeno.Paraele,o romanceé "a
íorma do desenraizamentotrunscendedtal",Ao mesmotem-
po, o romance,seSundoLukâcs,é a únicafofma quei[clui o
tempoentÌeosseusprincípiosconstitutivos."O tempo", diz a
Teoriado romance,"sôpodeserconstitutivoquandocessâa
li8açaocom a pátria transcendental...Somenteo romaíce.,,
separaosentidoeavida, e,poÍtanto,oessencialeo tempoÍâl;
podemosquas€dizeÌ qüetoda a açãoi.rt€úa do romancenão
é senãoa luta contrao poderdo tempo...Dessecombate,...
emerSÊmasexperiênciastempoÌais autenticamenteépicas:a
cspeÌançae a reminiscê{cia... somenle no romance.-. ocorre
uma Íeminiscência criadom, que atinge seuobjeto e o trans-
loÍma. .. O sujeito sôpode ultrapassar o dualismo da interio-
ridade e daexteÍioridade qüatrdopeÌc€bea unidade de toda a
süavidâ... úa corente vilal do seüpâssado,resumida na re-
miniscência...A visãocapazde perceberessaunidadeé a
âpreensãodivinatóriae intüitiva do sentidoda vida, inatin.
gidoe, portanto,i exprimível."
Com eÍeito,"o sentidoda vida" é o centroem tomo do
qual semovimentao romaÍce.Mas essaquestãonão é outÍâ
coisaquea expftssãoda perplexidadedo leìto! quandomeÍ-
gulhâna descrìçãodessavida.NÌÌmcâso,"o sentidoda vida",
e no outro, "a moral da histó.ia" * essâsduaspalavrasde
ordem distinguementresi o romancee a íarrativa, permi.
tindo-noscompreendero estâtutohistórico completamente
diferentedeuma e ouira lorma. Seo modolomaisantiSodo
tômatceê Dom Quirote, o m is recentetalÍez sejaA edu.
caçãosentimental.As últimaspalayrasdesterofiance mos.
trâm comoo sentidodo peíodo burguêsno início do seude.
clinio sedepositoucomoum sedimentono copoda vida. FÍé-
déÍice Deslauriers,amigosdejuventude,r€cordanr-sede sua
MACIÀ E TÉCNICÂ,ARTE E POLITICA 2I]]
mocidadee lembram um pequenoepisódio:uma vez, en-
traramnobordeldesuâcidadenatal,furtivaetimidamente'c
limitaram-seaoÍerccetà donadacasaum ramode flores,que
irúaÀ cohido nojardift "Falava'seaiída dessahistóriatrês
anosdepois.Elesa contaramprolixaÍnente,um completando
as lemb;ançasdo ouho, e quandoteÌminaÍam Frédéricex"
clamou:- Èoio qüenosaconteceudemelhor!- Sim, talvez'
íoi o qo" not ."ont""eu de melhor!disseDeslauriels"'Com
essad;scoberta,o lomancechegaa seuÍim, e €steé mâis
dgorosoqueem qualquernarrativa.Com efeito, numa naÍ'
raìiva a pergunta- e o que aconteceudepois?- é !leía'
menteju;t icada.O Íomance,aocontrário'nãopodedaÍ um
únicopassoalémdaquelelimiteemque,escrevendona porte
ini".iot a" paetnua p^laÍ^ íìm, convidao leito! a rcÍletir
sobÍeosentidodeumavida.
l5
Ouem esculauma hiStóriâestáem companhiado nar'
radorì mesmoquem a Iê partilha dessacompanhia'Mas o
leitor de um romaice é solilário. Mais soliúrio que qüalquer
outro leitoÍ (pois mesmoquem lê um poema estâ disposto a
declamá-loem vcrzalta parã uÍ! ouviúteocâsioÍal)' N€ssaso'
iidão, o leitor do romanceseapoderâciosamented' matéria
ãesualeitura. Quer translormála emcoisasüa' devorâJa, de
ceÍtomoalo.Sim,eledestrói,devoraasubstâncialida, comoo
fogo dcvoralenha na lareira.A tensãoqüe atravessao to'
mãncese assemelhamuito à corrcntede at que aÌimentae
Íeânimaachama.
O interesseardentedo leitor se nutre de um material
seco.0 quesignificaisto?"Um homemqì.Ìemorrccom trinta
e cincoanos", dissecertavezMoíitz Heimann, "é em cada
momentodesuavidaum homemquemotlecomtriíta ecinco
anos." Nada mâis duvidoso.Mas apenasporqueo autoÍ se
enÊananâdimensãodotempo.A verdadecontidana lraseé a
setuinte:um homemqúemorreaost nta e circo anosapa-
recerásempre,na reìnemoração,em cada momentode sua
vida, comoum homemque mofre com trinta e cinco anos'
Ëm outraspalavÍas:a frase,que não tem nenhum sentido
comrelacãoà vida real,torna-seincontestâvelcom relaçãoà
11. 214 WÁLTERaEN,ÂMIN
vida lcÍhbrada.Impossíveldescrcvcrmelhora er6ênciados
p€rsonagensdo romônc!. A fÍase diz que o ..s€Dtido"
dâ sua
úda someÍrteserwch apartir desüamortc. poÉír o leitor do
romance procura realmeartehomens nos qu4i5 possaler .,o
sentidoda vida". Ele prccisa,po anto, estarsegurode an-
temão,
_deum modo ou outro. de qu€participaaáde sua
morte,5e necessário,a mortêno sentidofigürado:o fim do
aomance.Mas depreferêÍcia a moíe veÍdadeira-Como esses
personagensanunciamquee rnor{ejÁestáà suaespera,uma
mortêdeterminada,numlugardeterminado?Ë dessaquestão
quesealimentaointerelieabsorventedoleitor.
Em conseqüência,o romancenãoé signiÍicaúvopor des-
cÍeverpedagogicanrentcum desúnoalheio,masporqueesse
destinoalheio, graça!à chamaqueo consome,pode dir-nos o
calor quetrãopodedroscncontra. emnossoprópúo destino. O
que s€duzo leitor no romanceé a esperançade aquecersuâ
vldageladacoma mortedescrilanolivro.
16
SegundoGorki,..lrskovéo escÍitoÍ...maisprofunda-
mente.enraizádoEopovo,e o rì1aisinteiÍameDleüvre de in-
rruencrasestrangeiÍas".O grandenarradoÍtem sêmprêsuas
rarzêsno povo.principalmentenascamãdasartesanais.Con-
tudo, assim como essascarnad.asabrausem o efiaato carD-
ponês.,mâítiÌno e urbano,nosmúltiplosesüá8iosdo seude_
senvorvrmentoeconômicoe técnic!,assimtambémseestrati-
ucamdc húltiplas maneifasosconceitosem queo acervode
e4reriênciasdessascamadasscmanilestaparanós,(para não
falar da conlribuiçãonadâ desprezÍveldos comerciantesao
desenvolvimentodâ arle Darraliya,não tanto Do senüdode
aumentârcmseuconteúdodidático,masno de ÍeÍinarÊmas
astúcìasdestinadasa prcndeÍa atençãodosouvintês.Os co-
merciantesdeixarammarcasprofundasno ciclo narradvode
As mil eümanoìter.,Em suma,independentementedo pap€l
elem€ntarquea naÍrativadeseÍnpenhano patrimôniodà hu.
maoidade_,sãomlítiplos os concei(osakavésdos quaisseus
Irulos.podemscrcolhidos.O queem leskov podese, inteÍ-
prcuroonumapersp€ctivarcligiosa,pareceeÍnHebelajustar.
seespontaneamenteàscateSoriôspedaaógicasdolluminismo.
MAGIAE TÉCNICA,ÁFTEE POUT'CÁ 2IS
surgeeIn Poecomotradiçio herméticae cncontra um último
asilo,em Kiplitì8, no ctrculodosmarinheirose soldadosco_
loniaisbritânicos,Comumâ todososgrandcsnaÍadorcs é â
facilidadecom que se movempaft cirnae para baixo nos
de8íausdc süaexpeÍiência,comonuma escada.Uma escada
quechegaatéocenlroda terrae queseperdenâsnuvens- é
a imagem de uma expcriênciacoleúva, para a qual mesmoo
maisprolundo choqueds experiêacieindividual, a rnorte, não
neprresen(anemum €3cândaloDemum impedimerrto-
"E se íão morrêram,vivematé hoje", diz o conto de
Íadas.Ele é âinda hojeo primeiroconselheirodascrianças,
porquetoi o priÍneiroda humânidadc,e sobÉvive,secreta-
meote, na narraúvâ. O prìmeiro narradoÍ verdadeiÍo é e
continuaseúdoo n4rador de contosde fadas. Esseconto
sabiadar um bom conselho,qurôdo eleera diÍícil de obter, e
ofeÍecÊrsuaajuda,emcasodeemerg€ncia.Era a emergência
provocadapelo mito. O contod€fadai nosrcvelaasprimeiras
medidastomadaspelâhuÍÍanidadepare libertâr-sedo pesa-
delomitico. O persoÍla8emdo "tolo" nosmostracoÍnoa hu-
manidadesefEzde "tola" para protegeÌ-sedo mito; o petso-
nagemdo imrão caçula mostra-noscoho sumentam aspossi-
bilidadcsdo bomemquândoeleseatastada pré-históriaÍnl
tica; o personagemdo rapa,rque saiüdê casâpaÉ aprendera
termedomostraqueascoisasquetememospodems!! devas-
sâdas;o personâgem"inteligente"mostraque as per8untas
íeitaspelomih seoüiosimplesqlanto asíeitaspelaesÍinge;o
personagemdo animalquesocorreumacdançamoska quea
daturezapreÍereassoci4Í-seaohomemque ao mito. O conto
defadasensinoühá müito6séculosà humaúdade.€continua
ênsinandohoje às crianças,qüe o mais aconselhávelé en-
frentaras forçâsdo mundorniticocom ostúciae arÍo8ôncia.
(Assìm, o conto de fadas dial€tiza a corag€rh(Àíl,t) desdo-
brando-aemdoispôlosideltíl,.do Anturmut,istoé, astúcia,
e de otttroÜbeìmut, istoé, arrogância.)O leitiço libertadoÍ
do conto de fades Íão põe em c€na a nafuteza como ufta
entidademítica,masindicaa suacumplicidadecomo homem
Iiberado.O adultosó percebeessâcumplicidadeocÀsional-
mente,isúoé, quandoestáÍeliz; para â criança,ela aparece
pelaprimeiravezno contode Íadãse provo€anelauma sen-
sacãodc felicidade.
12. WÁL1-ERBENJAMIN
t7
PoucosnârÍadorestiveÍamumã a{inidadctão pÍofundâ
peloespiritodocontodefadascomoLeskov,Essastendê[cias
folarn favorecidaspelosdogmasda lareja Ortodoxagrcga.
Nessesdogmâs,comosesabe,a especulaçãode OÍígenes,re-
jeitada pelaIgreja de Roma,sobrea dpocararÍorri,a admis-
sãodetodâsasalmasâoParaíso,desempenhaum papelsigni-
ficaúvo,Leskovfoi muitoinflueíciadopor Orígenes,Ti[ha a
intenção de traduzir sua otìra DoJ primeircs princípios. No
€spírito dascrençal popular€srussas,inte.pretou a rclsurÌei-
çãomenoscomouma transfiguraçiloquecomoum qesencan-
tamento, num sentido semelhanteao do conto de fada. Essa
interpÍetação de OÍígenesé o Íundamentoda íaúaliva O pe-
regrino enmntado. Essahistória, como tantas outras de L€s,
kov, é um híbrido de coatos de Íadase lenda, semelhanteao
híbrido de contos de Íadas e saga, descrito poÍ Ernst Bloch
Íuma passagemem quêretoha àsuamaneira nossadistinção
entremito econto defadas. SegündoBloch, ,,nessamesclade
conto de fadasesagao elementomltico é fi8urado, no sentido
de queagede formaestâticae cativante,masnunca,ora do
}romem. Míticos, nesseselltido, são certos personagensde
saga,de tipo taoísta,sobreludoos muito arcaicos,como o
casalFilemone Baucisisalvos,comonoscodtosdefada, em-
boÌa eÍn lepouso, comona natufeza. Exisle ce arnenteuma
relaçãodesselipo no taolsmomuito menospronunciadode
Gotthell; elep va ocasionalmenteâ sagado encântamento
local, salvaa luz da vidâ, âJuz própriâ à vida humanâ, qu€
ardeserenamente,por lora e por dentro". ..Salvos,comonos
contosde fadas",sãoosseresà ÍÍentedo corteiohumanode
l,€skov:osjustos.Pavlin.FiguÍa, o cabeleireiro,o domador
de ursos,a seÌÌtinelapÌestimosa- todoseles.eocarnandoa
sabedoria,a bondadee o consolodo mìrndo.circundamo
narrador.Ë ircontestâvelquesãotodosderìvaçóesóa,imago
materna.Segxndoa descriçãod€Leskov,,,elaerâ tão bon-
dosaque não podia lazet mal a ninguém,n€m mesmoâos
animais.Nãocomìanempeixenelncame,tal suacompaixão
poÌ todasasc.iaturasvivas.Devezemquando,meupai cos-
tumavacensurá-Ia...Maselarespondia:eu mesmac el esses
animaizinhos,elessãocolnomeuslilhos. Não possocomer
meusprópÍiosfilhos!Mesmona casadosvizinhoselaseabs-
MACIAE TÊCNICÁ,ARTEE POLTTICÀ 7'11
tinha de carne,dìzendo:eu vi essesanimaisüvos; sãomcus
conhccidos,Nãopossocomermeusconhecidos"'
O justo é o ports'voz da c atüra €ao mesmotempo suâ
mais alia encamação.Ele tem em Irskov tÍaços matemais,
queàslezesatitgemo planomítico(pondoempengo' llsslm,
a purezada suacondiçãodecontode tadâs) Caracteristico'
ne;sesentido, é o peBonagemcentral da nârrativa Iíotia' o
DrcveiloÌe Platôniila. EssepeÌsonagem,um camponêscha-
mado Pisonski, é heÌmafrodita. Dutânte dozeaaos, a mãe o
educoucomo Íneúina. Seulado masculino e o Íeminino ama-
durecemsimultaneamenteeseuhermalroditismo transfoÍmâ-
seem"símboto do Homem-Deus".
Irskov vê [csse siÍnbolo o po[to mais alto da criâtuÍa e
ao mesmotempoumaponte€tltÍ€o mündo teÍÍeno e o sìrpra_
terÍeoo. PorqüeessaspoderosasÍiguras masculinâs,telúricas
e maternais,sempÍer€tomadaspelaimâginaçãode l'€skov,
foram arrancadai, no apogpüde súa ÍoÍ!a, à escravid?lodo
instinto sexual. Mas nem por issoencamam um ideal ascé-
tico:a casüdadedessesjustostemum caÍátertitopoucoiodi-
vidualqueelasetÍatrsformana arftese elemeÍtarda luxúria
desenÍrcada,rcpresent^d^í^ I'sd! Macbeth ile Mzensk' Sea
distância entrc PavliÍ e essamulheÍ alecomercialrte repre_
sent^à amplituile do m.undodascdatrÚas,Írahieraíquia dos
seus perso;agens lrskov sondou tzmbém a ptofindidode
dessemundo.
l6
A hieÍaÍquia do mündo das €Ìiaturas, qüe cülmfua na
figuÍadojusto, descepoÍmúliiplos estralosatéosabismosdo
inanimado.Convémter em mente,a esseaespolto,uma cu'
cunstânciaespecial.Para l,eskoY,essemundo se expnme
menosatravésda vozhumanaque atravésdo que ele chama,
numdosseuscontosmaissiSnilicativos,"A vozda natureza".
SeupeÍsonagemcentraléum pequenoIuncionário,Filip Fili-
povitch,queusatodososmeiosa seudisporparahospedarem
iua."." um marechal-de-campo,quepassrpor suacidade
Seudesejoéatendido.O hóspede,apdncípioadmiradocoma
insistênciadofuncionário,como tempojulgareconheceÍnele
al$1émqüe haviâencontradoaítes. Quem? Não consegüe
13. 2IE WALTER8EN'AMIN
lembraÍ-se. O rdâisêstranhoé que o dono da casalrada Iaz
para rcvelarsüa ide[tidade. Em v€zdisso.ele consolas€u
iÌustr€hóspede,diaepósdia,dizrndoque"avoz danatureza"
não deixaráde se fazerouvir um dia. Aú coisarcolrtinuam
assim,rté quc o hóspede,no momeÍrtode coííluâr suâ
viageÍ'l,dáaofuncio[ádoa permissão,po! estesolicitads,de
fazerouvir "a voz da oatureza".A ínulher do aÍrlitrião se
aÍasta."Ela yoltou comuÍla comet4dc caça,decobrepolido,
e entregou-aa s€umarido. Ele pegoua comete, colocou-ana
boca e sofreu uma vcrdadeim m€tamoíosc. Mal encherâ s
boca,produzindo um somforte comoum trovão, o msrechal-
de-campogrilou: - Pâra!,á sei,irmão,agorate Íeconheçol
Ês o músicodo regimentode caçadores,que como neìcom-
pensapor sua hoÍestid.odeeúüei paÍa vigiaÍ um intendente
co.rupúo. - É verdade, Excelência, rcspondeu o dono da
casa.Eu não queriarccordaressetato ú VossÊExcÉlência,e
sim deixêr que a voz da naturczalalasse,"A profundidade
dessahistória,escondidôat!ásde suaestupidezapa.entc,dá
umaidéiadoextrêordinlriohumordel,eskov.
Essehìrmor reaparccena úesme história de modo aioda
meis discÌeto.Sabemosque o pequelo luncionârioÍora en.
viado"como lecompelrsapor süahonestidadc...para vigiar
um inteidente corrupto". Essaspalavrasestãorlo ÍiÍral, na
cetl4do reconhecimeDto.PoÍémno começoda hist6rialemos
o seguintesobreo donoda casa:"os habitantesdo lugar co.
nheciah o hometne sabiamque rlãotinha uma posiçãode
dcstaque,poisnão êranernalto funcionâriodo Estadonem
militar, masapenasum pequenofiscal no modesúoserviçode
inteÍldência, o[de, jutrtamente com os ratos, roía os biscoitos
e as botâs do Estâdo, chegandocom o tempo a roer para si
uma bela casiÍha dê madeira". ManiÍcsta-seassim, como se
vê, a simp.tia tradicional do naÍÍador pelos patifes e ma-
landros. Toda a liúcÍatura burlescapãrtilha essasimpatia, que
seencottra mesmoDasculminâ&ias da arte osmmpanheircs
mais fiéis de Hebel s^o o Zrmdelfrieder, o Zundelheiner e
Dietero ruivo.Noentaíto,tarnbémparr Hebelojustodesem-
penha o papel principal üo theavum mundi. Mas, como
ninSuémestáà alhrí dessepapel, ele passade uns pâÍa
outtos.Ora é o vagabundo,ota o judeu avarcnto,ola o im-
becil, queestÍam emcenap:rìarepres€ntaressepapel. A peçÊ
varia se8undoas circuÍrstâtrcias,é u'trâ improvisa4ãomolal.
MÂÕIA E TÉCNICA'ARTEE POLITICA 2I'l
Hebel€um casuísta.Ele trãos' soüdstiza' poÍ treohumprcço'
.oã n"-tttt"Ínp;o"ipio, masnãorcjeitan'nhum' porquccaoa
il;;ì;;;;;; tÃ;um instumenlo dosjustos'compare-
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aeLêskov''Tenhoconsciência"'escreYe
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ïoúal. ds Sonotade Kreúzer"'de que miohas
iàìi"t r" ul.i"-
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no ftfo.oti" ebstÍataou numa mot&leleradÂ'masJÀ
i" ì--tii""iì *** *sim'- Dc Íesto' 4t catâsttoles mora-rs
ãr.'Ãt etn oà uoi"easode l:skov s€relacionam com os tn'
Jo"ni". tno,a;. que ocotÍem no univctso de Hebel como a
ï;ï;:til;d"-;;nie do volg' s"
'"t"'iona
coú o riacho
i'ìi-rcìrltút""t que frz Èff o moinho EtrtÈ as narra'
["Ë'i"tã.ìãlt a" úg.ov cris]bmváriasnasquaisaÉpaixões
ã tã0 destruidorascomo â üa dc Aquiles ou.o ódio de
iã""". À-t"ú*-a"nte verilicar como o mundo pode seÍ
,olUoput" Ëtt"
"utor
e comquemÂjestad€o mal podeem'
nìnt
".
o s"u cetro Obviamente,bskov conheceuestadosde
ã-itito i. q""
".,"""
muito PÍóximosde uma ética antino-
ïi.'iü.
"
l"l" I ta"o um doJseuspoucospootosde cont'to
."-'b-l.Lúti. As Íratu.ezaselementârcsdos seuscottos
;;';;h*';";p* vão até o fim eÍn suâ paüão implarável'
üas esselim éjustametrteopontocm quç' paraoslústicos' a
mú proÍundaabjeçaoseconveÍteemsartidade'
l9
OuanÌomaisbai.xoLeskovdescena hierarqüiadâscria'
tu-J;;ì;t*-Jõção dascoisass€apmrima do misti-
cismo.Aliás,comoveremos'hâ indlciosde que essac:Úacle'
Írii." i
".oif"
da naturszsdo narrador' cootudo poucos
à"r"ãà -rn"igtttt-
"as
pÍoÍundezasda nstuÍ€zai.animâda'
.ìao na rnuitt. ôbras, nâ literatuÍc narrativa recente' nas
ouaisa vozdonarradoraÍônimo, anteriora quâlquerescflta'
i"."* a" ..a" tão audívelcomo nâ históriade t'€skov'/4
aletandita,"Ïr^t^'se ôeumapedÍasemipreciosa,o piropo A
pedraé o estratomaisínÍimo da criatura Mâs pârâ o nor-
ï"Jài
"ì" "iil
i.n"aiatamenteligadaâo estratomaisalto Ele
conseguevìslumbrarnessâpedrasemipr€ciosa,o pitopo, uma
oiofo-ia n"ttr"l do mundomineÍal e inanimadodirigida ao
iiundo tristôrico,na qull elepÍópriovive Essemundoé o dc
14. 2U W/ILTERAEN'AMIN
Aler@ndreII. O narrador- ou antcs,o homemâ quemele
transmiteo seusaber- é um lapidadorchamadoWeízel,
quelevousuaãrteà maisalta perÍeição.Podemosaproximá-
lo dosourivesdeTuIa e dizer que, scgundokskov, o artiÍice
perÍeito tem acessoaosarcanosmais sccrrtosdo mundo cÍia-
do. Ele é a e[csrnação do holnem lriedoso. Leskov diz o se-
guinúed€ssêlapidadoÌ: "Ele segurouder€penteaminha mão,
tra qual €stavao atrel com a alexaodfita, quê corno s€sãb€
erÌriteum brilho iubÌo quandoexpo6taa uma iluminação aÍ-
tificial, e aÍitou: - Olhe, ei-la aqui, a pedra russa, profé-
tica... O siberianaastuta! Ela sempÍeloi veÍde como a espe-
rançae somentêà noiteassumeuÍnacot d€san€ue.Ela sem-
preloi assim,desdeaorigemdo mundo,masescoÍdeu-sepo!
mujtotempoe ficouenteÍradana teÍa, €sóconsentiuem ser
encontrâ.dano dia da maioridadedo czarAlexardre, quando
um grandefeiticeirovisitoua SibéÍiâpara achála, a pedra,
um mágico...- Quetoiiceso Sr. estâdiz,endolinteüompi-o.
Não Íoi neÍrhummá8icoque achouessapedra,foi um sâbio
chamado Nordenskjòld! - Um máeico! digo-lhe eu, urn mâ-
gico, gritou Wenzelem vozalta. Veja, que p€dÌal Ela contém
rnanhãsverdese noites seogrentas..,Esseé o destino, o des-
tino do nobrc czar Alexaldrc! Àssim dizendo,o velhoWeúzel
voltou-sepam a parede,apoiou-senoscotovelos... e começou
a solucar".
Palaesclârecero significadodessaimportantenarntiva,
não há melhorcomentârioque o trechoseguintede Valéry,
escdtonuÍncontextocompletamentediÍercnte."A observação
do artistaflodeatingir uma profundidad€qì.!âsemística,Os
objetosiluminadosperdemos seusíomes: sombrase clari-
dadesÍormamsistemaseproblemasparticularesquenão de,
pendem d€ nenhuma ciência, que não aludem a nenhuma
prática, mas que recêb€mtoda sua existênciâ e todo o seu
valor de c€rtasaliíidades sineulare,sentre a alrna, o olho e a
mão de üma p€ssoaÍascida paaasurpÍ€€ndertais afinidades
emsi mesmo,epaÍa asproduzir."
A alm4, o olhoe a mãoestãoassiminsclitosno mesÍlo
campo.lnteragindo,elesdelinemumt prâtica.Essaprâtica
deixòude nosserlamiliar. O papelda mãono tmbalhopro-
dutivo tornou-semais modesto,e o lugar que ela ocupava
durantea narraçãoestáagoravazio,(Poisa naÍÌacão,em seu
aspectoserlslvel,nãoédemodoalgumo produtoexclusivoda
MACIÂgTÉCNtCÂ ARÍEEPOÚTIC^ 77r
yoz.Na verdad€iranaÍração,a mãointervémdecisivamenic'
comseusgestos,aprendidosna experiênciado trabalho,que
sust€ntaÍ;decemmaíeilas o lluxo do qüeé dito ) A antiga
coordeÍaçãodaalma,doolhateda mão,quetraísparccÔnas
palavrasde Valéry,é dpica do aíesào, e é ela que encoh-
tramossempre,ondequerqu€a artede naffâr sejapraticadâ'
Podemosir mab lonS€e perguntar sea Íelâção entte o nar-
rador esuamiéÍia - avidahüfiana - não seriaela pópriâ
uma relaçãoaÍtesanal.Nãos€ÍiasuâlaÍefa lÍabrlhar a ma-
li.i"-p;-u a"
"tp"Aencia
- asuaea dosoutÍos - transÍoi-
mand;-a num produtosótido,útil e único?Talvezse tenha
uma noçãomais clara desseprocessoatravésdo prorérbio'
concebidocomoumaespéciedeideo8râmade um' naÍatlva'
Podemosdizer que osprovérbiossãoruínas dc antigas narra-
tivas,nasquais4moraldahistôriâabÍaçaum &conteclmento'
comoa heíaabraçaum muro.
Assimdefinido,o narradorfigüra entreos mestrese os
sâbios.ElesabedarcoNêlhosinãoparaalgunscdsos'comoo
provérbio,maspara muitoscasos,comoo sâbio.Poispode
r€correrao acervode todâumaúda (uma vidaque nãoinclui
apenâsa própria erperêocia,masem gxandepaÍte a erpe'
riênciaalheia.O naÍradorassinila à suasubstânciarnaisin-
tima aqüilo quesabepor ouviÍ dizer). Seüdom é podet contar
sìra vida; sua dienídade é conÍâ'la hteira. O naftador é o
homemquepoderiadeixaÍâ luz tênuede suanarraçãocon-
sumir completamentea mechade suavida. Daí a atmoslera
incomparávelquecircuÍrdao narrador,em l€skov comoem
Hauff, emPoecomoemStenvensoí.O narÌado!é s fiSurana
quâ.lojustoseenconttÊconsigomesmo.
193ó