O documento discute os desafios enfrentados pelos centros históricos das cidades, incluindo degradação e desertificação. A reabilitação urbana é apontada como crucial para reverter este declínio e trazer novos habitantes para estas áreas, mas soluções não são fáceis de encontrar. Investimentos do governo e autoridades locais na reabilitação do patrimônio construído são vistos como prioritários.
1. Cidades: Que futuro?
Os centros urbanos, neles incluídos os centros históricos, enfrentam, hoje, o
maior problema da sua história: a degradação material e a desertificação. Este
é o mais importante desafio que os poderes autárquicos irão enfrentar num
futuro muito próximo e cujos sinais preocupantes são já hoje uma evidência.
A reabilitação urbana está na ordem do dia, em especial, no perímetro dos
centros históricos, traduzindo uma preocupação real com um fenómeno que
tem suscitado inúmeras abordagens de especialistas e decisores políticos,
embora nem sempre de acordo com os resultados esperados. Não temos
qualquer dúvida em afirmar que as soluções não são fáceis e nem tudo cabe
na boa vontade e no interesse dos responsáveis políticos locais. Não é fácil, já
percebemos, responder com políticas municipais à questão da reabilitação
urbana e ao repovoamento dos centros urbanos, entretanto degradados e
habitados por uma população envelhecida e cada vez mais reduzida. O que
será necessário fazer para inverter este declínio e este ciclo de pobreza que vai
descaracterizar e talvez matar o centro das nossas cidades? Sobre isto,
objectivamente, ainda não vi nem ouvi fosse o que fosse de verdadeiramente
substantivo. Antes pelo contrário, tenho ouvido um sem número de “receitas”,
autênticos clichés, para um problema muito complexo e que infelizmente é
tratado de forma muito “intelectualizada” e, por vezes, com pouca aderência à
realidade. Isto é uma matéria demasiado séria e decisiva do ponto de vista do
ambiente e política urbanas para ser deixada exclusivamente a “especialistas”.
Há quem afirme que os centros das cidades já sofrem de morte lenta e tudo
será uma questão de tempo. É possível que assim seja, se nada for feito para
contrariar aquilo que pode ser o verdadeiro pesadelo de um futuro não muito
longínquo. Dir-me-ão que esta é a posição radical e pessimista. Será. Mas, por
isso mesmo, não deixa de estar em cima da mesa das nossas preocupações
de cidadãos.
A crise que hoje vivemos deve ser encarada como um desafio para apostar na
regeneração urbana e em formas de desenvolvimento das cidades, que
constituam um compromisso intergeracional verdadeiro, pois pende sobre a
geração actual a grande responsabilidade de abrir novas portas ao futuro.
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2. Aliás, não se pode esperar outra coisa desta geração, sob pena de um dia
sermos acusados de meros parasitas e os vândalos da cidade actual.
O investimento que é necessário realizar neste capítulo, com programas
eventualmente ousados, e a reabilitação urbana devem constituir uma
prioridade para o Governo e para as Autarquias, impondo-se "transformar as
cidades em motores efectivos de desenvolvimento". O potencial de
alavancagem de investimentos públicos e privados, nomeadamente no domínio
da reabilitação do património edificado, constituirá certamente uma medida
anti-crise a considerar, cujo efeito de arrastamento económico não se deve
desprezar e permitirá ao sector da construção civil e obras públicas, no mínimo,
aguentar. Esta é também a dimensão económica desta realidade e que a crise
que vivemos aprofundou. E não é no desinvestimento público, ao que parece
“decretado” pelo governo, que teremos a solução, antes pelo contrário. Exige-
se actuação expedita e sustentada dos poderes públicos, na certeza de que
muito há por fazer e para fazer. Só com esta visão deste grave problema se
pode transformar, como agora por aí se diz, a crise em oportunidade.
Dados oficiais da União Europeia referem que 75% da população europeia vive
em cidades e, por isso, há uma necessidade primordial de apostar no ambiente
urbano. Como alguém referiu, "as pessoas são atraídas para as cidades mas
depois deparam-se com factores negativos e, portanto, há que apostar em
condições sustentáveis para promover uma política de eficiência energética,
mobilidade e reabilitação urbana para melhorar a qualidade de vida de quem lá
mora". Diria mais. Não só de quem lá mora, mas também dos muitos potenciais
habitantes da cidade que aspiram a essa condição.
O momento que estamos a viver não consente mentiras. É minha convicção
profunda que há também uma crise paralela de verdadeiras políticas que
possam inverter o curso actual da realidade que temos à frente dos nossos
olhos. Tenho para mim que a incapacidade de resposta por parte dos
organismos competentes, e mesmo dos decisores políticos, às novas
realidades que configuram a actualidade urbana, “o esvaziamento e a perda do
carácter multifuncional dos centros históricos ou tradicionais” tiveram como
resultado a perda da função residencial e consequentemente o despovoamento
dos centros urbanos. E mesmo o centro de serviços vai-se degradando, até
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3. pelas profundas alterações ao perfil e natureza da terciarização. O que
aconteceu aos consultórios médicos, aos escritórios, às lojas, aos cinemas, aos
teatros, etc., etc.? Estão num processo de integração diferenciada que procura
novos espaços e se organiza em novos espaços públicos, em ruptura com o
modelo prevalecente na segunda metade do século XX. Esta é a realidade
com que é necessário lidar.
A intervenção urgente na cidade, e no seu centro histórico, deve assumir-se
como um desígnio nacional. Recuperar o centro, conservando-o, animando-o e
povoando-o poderá ter importantes reflexos no futuro da cidade e no seu tecido
económico e social e funcionar como uma tábua de salvação para problemas
tão actuais como o desemprego jovem, a crise económica, a solidão dos
idosos, a desigualdade social, a ruptura geracional, a democracia local, a
intervenção cívica e o exercício pleno da cidadania.
Mesmo Braga não ficará incólume aos ventos da mudança. Uma nova cidade
poderá estar por aí. Os vindouros poderão ser testemunhas disso. Como
alguém me dizia, “sobre a cidade romana construiu-se a cidade medieval e
sobre esta se há-de construir a cidade do futuro”. Será.
À consideração dos decisores políticos, actuais e potenciais.
Armando Leite
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