Nematoides são responsaveis por perdas de até 30% dos canaviais
Projeto Barraginhas aproveita chuvas fortes no semiárido para garantir água durante a estiagem
1. Especial H3
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O ESTADO DE S. PAULO QUARTA-FEIRA, 21 DE MARÇO DE 2012
PLANETA
WASHINGTON ALVES/AE
Chuvaque dura
oano inteiro
Projeto aproveita temporada de chuva forte no
semiárido para criar minibarragens formadas pelas
enxurradas, alimentando lençol freático e garantindo
abundância de água no período de seca
Fartura.
Minibarragem em
Araçaí, no semiárido
de Minas Gerais
Karina Ninni Além disso, ele ainda tem no
Marcelo Portela / ARAÇAÍ terreno um pomar repleto de
ENVIADO ESPECIAL
PECHINCHA pés de banana, jabuticaba, aba-
cate, manga e maracujá e uma
Em 1982, o agrônomo Luciano
Custo de uma barraginha
horta onde colhe uma infinida-
Cordovalteve um insight. Passa- de de verduras e legumes. A far-
va por uma área erodida em Ja- tura é tanta que Oliveira vende
naúba, no semiárido mineiro, parte da produção, toda feita
durante uma chuva forte, quan-
varia de R$ 80 a R$ 120
sem agrotóxicos, para a prefei-
do viu um fenômeno natural tura local, que faz merenda es-
que lhe chamou atenção. “A chu- colar com os alimentos. Do ter-
va formou uma erosão que le- reno seco e pedregoso, sobra-
vou a terra e, quando isso acon- ram apenas alguns pés de pe-
teceu, formou-se uma minibar- Piauí e 50 no Ceará. Ao todo, já gressivamente,jáquecadaminir- qui. “Era a única coisa que ti-
Com investimento
ragem natural, com o assorea-
mento. Esse fenômeno barrou mínimo, produtores
treinoumaisde100 milproduto-
res e 5 mil técnicos.
“Em um dia represa beneficia todo o terreno
no entorno. Além do gasto com a
nha na terra. E não gosto mui-
to”, disse.
outra enxurrada que vinha na
direção contrária, formando
do semiárido revertem
situação de escassez
Desenvolvido em parceria
com a Embrapa e a Fundação de
dá para fazer construção, as barraginhas con-
somemmuitopouco,jáqueprati-
Hoje há tanta água na região
que Oliveira, para “tirar o es-
um laguinho.”
Ele explica que, no ato, relem-
de água em poucos anos ApoioàPesquisaeaoDesenvolvi-
mento (Faped), o Barraginhas já
de oito a dez camente não precisam de manu-
tenção. “Às vezes, depois de al-
tresse”, como ele mesmo diz,
vai para a beira do lago lonado
brou o que tinha visto seis anos
antes, em um treinamento so- O ciclo de chuvas no semiárido
tevepatrocíniodaFundaçãoBan-
co do Brasil (de 2004 a 2009).
barraginhas.” guns anos, alguma pode asso-
rear”, diz Cordoval.
que tem ao lado da casa e joga
ração para um cardume de tilá-
bre irrigação em Israel. “Veio tu-
do à tona. Na época, eu trabalha-
brasileiro dura cerca de três me-
ses – a pluviosidade média é de
Desde 2008 é patrocinada pelo
programaDesenvolvimentoeCi-
Luciano Manutenção. Na Fazendinha
pias. “Fico calmo de novo.”
va na iniciativa privada. Fui lapi-
dando a ideia e, dez anos de-
400 a 800 mm nesse período. A
cadaciclo,umabarraginhavaien-
dadania, da Petrobrás.
Cordoval Pai José, por exemplo, são três
anos de trabalho. As 96 barragi-
Particular. Enquanto as co-
munidades mais carentes se be-
pois, fui para a Empresa Brasilei- cher de quatro a cinco vezes. “A Custo baixo. O ponto alto do nhas construídas no primeiro neficiam do patrocínio das enti-
Agrônomo e criador do
ra de Pesquisa Agropecuária, a chuva, no semiárido, cai toda de projeto é o baixo custo das barra- ano, de acordo com o agrônomo, dades que apoiam o projeto pa-
Projeto Barraginhas
Embrapa. Em 1993, o projeto es- uma vez. Se você tem 600 mm de ginhas. Segundo Cordoval, uma fizeram o nível das cisternas pas- ra escavar suas minibarragens,
tava maduro para ser colocado chuva em um ciclo, vão cair três barraginhacustaentreR$80eR$ sar de 2 para 6 metros. os produtores com mais recur-
em prática no campo”, recorda. pancadas fortes de 200mm. Isso 120 – que é o equivalente a uma Nosegundoano,mais90barra- sos pagam por conta própria pa-
O projeto se chama Barragi- provoca enchentes e a água é to- hora de aluguel de uma máquina ginhas e a água chegou a dez me- ra tê-las em seus terrenos. O
nhas e já ganhou prêmios de nor- da desperdiçada”, diz o Luciano escavadeira. diz Cordoval. tros. Nesse período, poucas pre- pecuarista André Valadares
te a sul do País. A matéria-prima Cordoval, da Embrapa. A ideia é Paraaconstruçãode196barra- Isso porque, segundo ele, cisaram de manutenção. “Teve Cunha, de 39 anos, tem duas
são as enxurradas e a premissa é não deixar uma gota se perder. ginhasquepermitemasubsistên- áreascommaiorincidênciadeen- produtor que reclamou porque fazendas com cerca de 1 mil hec-
muito simples: a chuva, no se- Um produtor pode ter quantas cia de 150 famílias da comunida- xurradas demandam mais repre- fazíamos cinco barraginhas em tares e, nos últimos anos, cons-
miárido, é concentrada em de- barraginhas achar necessário. de Fazendinha Pai José, na zona sas, quantidade que vai sendo re- um lote e só duas no dele. Mas truiu 300 barraginhas nas pro-
terminados períodos. Quando Só no semiárido mineiro já rural de Araçaí, na região central duzida à medida que os terrenos não sabia que as cinco também priedades onde cria gado de
cai sobre o solo muito seco, gera existem300milbarraginhas,dis- deMinas,foram gastosmenosde ficam mais baixos. “Na parte bai- sãodele.Porqueaáguavaimelho- corte. “Sem as elas, o capim se-
enxurradas, que escavam ero- tribuídas em cerca de 500 muni- R$ 24 mil. xa já se acumula a terra boa que rar o solo todo. Esse pessoal pas- cava logo. Em parte do ano ti-
sões. “O produtor nos mostra cípios que abrangem 60% do Es- A quantidade de barraginhas desce com a enxurrada”, obser- sou de uma situação de escassez nha de confinar 60% do gado
os locais, em sua propriedade, tado.Oprojeto tambémestá dis- necessáriasa cadaárea “depende vou. Com isso, a necessidade de para abundância de água”, afir- para tratar no cocho (com ra-
onde se formam esses redemoi- seminado em 30 municípios no do grau de erosão do terreno”, novasbarraginhaséreduzidapro- mou Cordoval. / K.N. e M.P. ção). Aumentava em até 80% o
nhos”, explica Cordoval. meu custo. Hoje, trato no máxi-
Nos pontos onde o fenômeno WASHINGTON ALVES/AE
mo 20% do gado no cocho. O
é maisviolento, uma equipe trei- Abundância. História parecida pasto dura mais e regenera
nada abre pequenas barragens, conta o aposentado Geraldo Sal- EM NÚMEROS mais rápido. E o gado precisa
de 15 a 20 metros de diâmetro, danha de Oliveira, de 60 anos, andar menos para beber, por-
com no máximo 2metros de pro- que há 15 comprou um lote de que a água está ao lado”, come-
fundidade. A terra retirada vai dois hectares de terra na comu- 300 mil litros mora.
para as laterais, formando um nidade Fazendinhas Pai José, ● De água é a capacidade O lençol freático ficou tão
anel protetor que segura o lago. na zona rural de Araçaí (MG). de armazenamento de uma carregado que, quando o pecua-
“Quando chove forte, essas Oliveira pouco sabia sobre o barraginha de 20 m de diâmetro rista tentou cavar novos reser-
pequenas barragens vão reter a terreno e achou que realizaria o por 2 m de profundidade vatórios, eles se encheram na
enxurrada. Em cinco a dez dias, sonho de viver do que produzia hora, mesmo em período de se-
a água vai infiltrar no solo. De- na própria terra. Nascido em ca. “Agora, apareceu um olho
pendendo do solo, demora até Conceição do Mato Dentro, na 10 mil litros d’água no meio do Cerrado.
15 dias. Essa água vai ser guarda- região central de Minas, estava ● De água é a capacidade de Vou fazer mais umas 20 (barra-
da no subsolo, no lençol freáti- acostumado à abundância de um caminhão pipa que abastece ginhas) neste ano”, concluiu.
co”, explica Cordoval. “Dali a água por causa da profusão de as regiões secas do Brasil
10, 15 dias, vai chover de novo. nascentes e rios na área e nem Escala. Embora o projeto se
Aí, a água da chuva anterior já imaginou que o terreno que aca- mostre muito indicado para pe-
infiltrou e abriu espaço.” bava de comprar tinha o solo du- 100 mil famílias quenos e médios produtores,
O processo eleva o nível do ro, seco e hostil à maioria das ● Foram beneficiadas pelo segundo especialistas, não é a
lençol freático, tanto que, de- culturas que pretendia ter. projeto no semiárido brasileiro solução mais indicada para os
pois de alguns anos, os produto- “Eu dei uma olhada no terre- grandes fazendeiros.
res passam a ter outras possibili- no, estranhei um pouco o solo “É claro que centenas de bar-
dades de geração de renda, co- (cheio de cascalho), mas não sa- Ele acaba de colher 350 quilos de raginhas podem melhorar a
mo a construção de lagos imper- bia que ia ser assim. Plantei ca- feijão, outros tantos de milho, e produtividade do agricultor,
meabilizados para criação de na e milho e buscava água em mostracomorgulhoo belo cana- mas não dá para pensar nessa
peixes. Geraldo Oliveira. Abundância de água viabiliza produção um córrego para jogar na lavou- vial. O feijão, além de encher a solução para grandes exten-
Zezinho Brandão, morador ra. Mas, na mesma semana, já panela, reforça a aposentadoria. sões de terra. Para os que traba-
do Vale do Jequitinhonha, con- do, ele distribuiu para os vizi- me ligou e disse: ‘Pai, comi pei- estava tudo seco de novo. Per- O milho, que também alimenta a lham com agricultura de subsis-
seguiu fazer lagos lonados para nhos e até mandou para a filha, xeseainda temfresconageladei- dia tudo”, lembra. família,é usado para engordar os tência, funciona”, opina o pes-
aproveitar a água farta e susten- que mora em São Paulo. ra’. Já pensou, o Vale do Jequiti- Há cerca de três anos, ele co- porcos e vacas, enquanto a cana- quisador da área de irrigação
tar criatórios de peixes. Quando “Mandei no isopor com gelo, nhonha, vale da miséria, man- meçou a escavar barraginhas em de-açúcar é transformada em ra- do Instituto Agronômico de
colheua primeira safra de pesca- de ônibus. Três dias depois, ela dando peixes para ‘Sum Paulo’?” seu terreno e em lotes próximos. padura e vendida. Campinas, Emílio Sakai.