O autor descreve o herbário do Instituto Agronômico de Campinas (IAC) como um centro importante de formação, aprendizagem e desenvolvimento de capital humano, não apenas por abrigar espécimes de plantas, mas por proporcionar experiências valiosas aos estagiários. Ele lamenta a possível transferência do herbário, que prejudicaria a Campinas.
Nematoides são responsaveis por perdas de até 30% dos canaviais
Herbário IAC forma pessoas
1. Para além dos elementos obje-
tivos que fazem do fechamen-
to/transferência do herbário
do Instituto Agronômico de
Campinas (IAC) um despropó-
sito, o que pretendo com este
artigo é dar a você, leitor, uma
versão pessoal da qual com
certeza, seria endossado por
muitos outros que, como eu,
foram estagiários dessa sec-
ção. Aspectos estes que para
muitos podem ser considera-
dos subjetivos, mas que para
mim, é realidade deste e, fatal-
mente, de muitos outros insti-
tutos de pesquisa — a forma-
ção para a vida! Gostaria, pois,
de dar a minha pequena con-
tribuição em forma de agrade-
cimento diante das inúmeras
outras que o capital material,
mas, sobretudo, humano des-
te local me concedeu durante
meus quatro anos de estágio.
Hoje, estimado leitor, um
pouco mais experiente, perce-
bo que são diferentes os tem-
pos que envolvem a formação
para a vida, pois bem, afirmo
que para a pesquisa também.
Basta lembrar que as habilida-
des que os tornam competen-
tes para ler este artigo foram
forjadas por vocês, com muito
esforço, esmero, mas também
com muita paciência e orienta-
ção de seus professores! Pare-
ce algo óbvio de ser lembrado,
mas a aprendizagem é predo-
minantemente colaborativa e
de duas vias — daquele que
apreende e daquele que ensi-
na. Por isso, mais do que abri-
go de 56 mil espécies de plan-
tas desidratadas, o herbário
IAC é um ambiente de ensino
e aprendizagem, de formação
de capital humano, de forma-
ção de pessoas. Posso afirmar
isso com veemência já que
mesmo não atuando na mes-
ma linha de pesquisa do IAC,
ainda faço uso dos ensinamen-
tos e vivências que lá adquiri.
E quem disse que é fácil, não é
mesmo?
Não muito diferente de
uma criança, que se torna jo-
vem e depois adulto, ocorre
com a iniciação à ciência. Se,
por um lado, as motivações
que levam uma pessoa en-
quanto ser inserido na socieda-
de são orientadas por inúme-
ros fatores que as rodeiam, por
outro, a opção pela qual cami-
nha a sua ambição ou desejos,
sejam eles quais forem, tam-
bém é permeada de obstácu-
los, infortúnios, superações,
glórias etc. Bom, o mesmo
acontece com a iniciação à
ciência, trabalho ou qualquer
outra atividade inserida em
um contexto social, seja ele
qual for. De fato, hoje cada vez
me é mais claro que a vida é
permeada por um conjunto de
tomadas de decisões mediadas
e influenciadas pelo contexto
de minha formação – minha in-
fância, família, bairro, vizi-
nhos, amigos, amores, colegas
de trabalho, política, minha
universidade, o IAC, dentre
muitos outros. Sendo assim,
hoje só estou onde estou tam-
bém por conta desse herbário.
Até porque foram as vivên-
cias e os ensinamentos desta
instituição que me trouxeram
o background e os contatos pa-
ra trocar a minha linha de pes-
quisa. Isso porque, mais do
que, novamente, as 56 mil
plantas desidratadas e, agora,
um local de ensino e aprendi-
zagem, o herbário IAC traba-
lha multidisciplinarmente.
Muitos dos leitores não sa-
bem, mas são projetos do e
com a participação do herbá-
rio IAC que resultaram, por
exemplo, nos inventários so-
bre a bacia do ribeirão das
Anhumas (site do IAC) e proje-
tos que envolveram as esferas
políticas e educacionais na
mesma bacia, ou seja, grande
porção da Região Metropolita-
na de Campinas. Projetos es-
tes que saem do muro da insti-
tuição de pesquisa e da univer-
sidade rumo ao atendimento
direto da comunidade, proje-
tos outros, voluntários ou mes-
mo envolvendo a área museo-
lógica. Como pode notar, no-
bre leitor, não faço uso de pala-
vras de ordem ou mesmo críti-
cas diretas e manifestações po-
líticas enviesadas. Contudo,
me cabe lamentar e clamar pa-
ra que haja uma sensibilização
a respeito dos espaços públi-
cos campineiros. Dessa forma,
desejando para outros a mes-
ma sorte que tive, considero
uma lástima o que estão fazen-
do com o IAC, com a nossa
Campinas.
Se os gestores das finanças pú-
blicas brasileira analisassem os
orçamentos com uma lupa pa-
ra aferir a racionalidade dos
gastos, eles certamente chega-
riam à conclusão de que há in-
contáveis dispêndios injustifi-
cáveis. Inúmeros programas se
mantêm por inércia sem que
ninguém os questione em ter-
mos de sua eficácia e eficiên-
cia. Se fossem avaliados a fun-
do, segundo critérios de análi-
se social de projetos, muitos
deles com certeza seriam ime-
diatamente descontinuados.
A manutenção inercial de
gastos é um aspecto relaciona-
do ao modelo orçamentário
praticado no País, que se ba-
seia no orçamento incremen-
tal. Cria-se uma despesa e de-
pois ela se perpetua ano após
ano sem que haja avaliação pe-
riódica em termos de seu retor-
no social. E vão se adicionan-
do novos programas sem que
os que estão vigentes sejam
analisados em termos de seus
custos e benefícios.
Daí a necessidade de se ava-
liar a adoção do chamado orça-
mento base–zero. Trata-se de
uma técnica orçamentária on-
de anualmente, ao se preparar
a proposta de orçamento para
o ano seguinte, os programas
em andamento seriam avalia-
dos no tocante à sua eficiência
e eficácia. Programa que não
atendesse essa exigência bási-
ca seria extinto.
Vale notar que a adoção de
critérios orçamentários seme-
lhantes a este seria inerente-
mente incompatível com vin-
culações orçamentárias e com-
bateriam de forma decisiva a ri-
gidez que atualmente inviabili-
za no curto prazo qualquer
ajuste fiscal pelo lado dos gas-
tos.
A adoção do orçamento ba-
se-zero tornaria rotineira a sau-
dável prática de avaliar e identi-
ficar programas ou atividades
que poderiam ser extintos ou
redimensionados, e suas dota-
ções canalizadas, total ou par-
cialmente, para promover o
equilíbrio fiscal, custear outras
despesas ou reduzir a dívida
pública.
Será que alguém analisa de
modo criterioso, por exemplo,
os programas do Fundo de Am-
paro ao Trabalhador (FAT),
cujo orçamento para 2016 su-
pera R$ 75 bilhões, para averi-
guar se são eficazes? E os bene-
fícios fiscais (gastos tributá-
rios) de R$ 35 bilhões concedi-
dos para as empresas localiza-
das em áreas classificadas co-
mo de desenvolvimento regio-
nal, são justificáveis à luz de pa-
râmetros técnicos que possam
definir se devem ser mantidos?
Recursos demandados em
áreas como a da saúde pública
não poderiam ser obtidos com
a revisão desses programas?
Simplesmente reduzir nú-
mero de ministérios, como
vem sendo feito, sem acabar
com a função orçamentária é
mera enganação. Apenas se
muda a dotação do gasto sem
sua efetiva redução.
Estamos no limite do ônus
tributário suportado pelos bra-
sileiros. Cada vez mais a socie-
dade vai rejeitar aumento de
impostos, tornando necessário
discutir gastos, mesmo com to-
das as dificuldades que terão
de ser enfrentadas em uma so-
ciedade viciada em subsídios,
transferências, rent-seeking e
que acalenta uma utópica e in-
teresseira conceituação do pa-
pel do setor público na econo-
mia.
Nesse cenário o orçamento
base-zero é uma inovação que
imporia a racionalidade que
falta na gestão das contas pú-
blicas no Brasil. Além disso,
sua adoção seria um importan-
te complemento à Lei de Res-
ponsabilidade Fiscal.
Opinião
Os estudiosos da ciências hu-
manas coincidem no mesmo
diagnóstico atual da socieda-
de: um paciente que passa
por uma crise de sentido e
que reflete, em parte, o mal
do homem moderno, a de-
pressão. O discurso da moder-
nidade esclarecida represen-
tou um longo salto para a pro-
moção da ciência e da tecno-
logia. Contudo, foi pouco ca-
paz de proporcionar um cres-
cimento profundo do ser hu-
mano como pessoa.
Uma das razões dessa cri-
se estrutural está na polariza-
ção que a modernidade criou
entre indivíduo e Estado. Cer-
tamente, a vida humana é
marcada por uma tensão dia-
lética entre sua dimensão pes-
soal e sua dimensão social,
mas tensão não significa ne-
cessariamente alienação ou
mesmo oposição. Supõe uma
harmonia íntima reforçada
mutuamente, pois somente
por meio da relação com os
outros, a reciprocidade e o
exercício do diálogo com nos-
sos semelhantes a pessoa de-
senvolve todas as suas poten-
cialidades e pode responder à
sua vocação natural.
Com efeito, um novo para-
digma social deve evitar as pa-
tologias de um individualis-
mo institucionalizado, que
tende a reduzir a pessoa nas
dimensões econômica e políti-
ca. Resulta urgente promover
iniciativas que fortaleçam o te-
cido social e impeçam o impé-
rio da mercantilização das in-
terações sociais ou mesmo de
uma vazia politização social.
O indivíduo é hoje muitas
vezes sufocado entre os dois
polos, do Estado e do merca-
do. De fato, às vezes, parece
que ele existe apenas como
produtor e consumidor de
mercadorias ou como objeto
da administração do Estado,
esquecendo que a coexistên-
cia dos homens não tem co-
mo fim nem o mercado nem
o Estado, já que a pessoa tem
em si mesma um valor singu-
lar, a cujo serviço devem estar
o Estado e o mercado.
O banimento das esferas
de sentido humano, fruto pró-
prio da extremada racionaliza-
ção da vida contemporânea,
aumenta a entropia do siste-
ma social, cuja legitimidade
vai sendo constantemente
questionada, em razão do es-
facelamento do consenso so-
cial (con-senso: sentir com os
outros) nas áreas vitais. Como
reação, esses âmbitos tendem
a dobrar sobre si mesmos e a
autorreferencialidade dos sis-
temas sociais passa a refletir a
autorreferencialidade dos in-
divíduos.
Daí a oportunidade de as-
segurar contínuos e flexíveis
intercâmbios entre as esferas
do sistema (político e econô-
mico) e do mundo da vida. O
desengate havido entre siste-
ma e mundo da vida criou
uma falsa contraposição en-
tre a tese pública do bem co-
mum e a antítese privada do
bem pessoal que, na prática,
resulta numa confusa síntese
entre conformidade estática e
alienação hedonista.
Creio que o “reacoplamen-
to” de ambas as esferas pode-
ria ser feito pela adoção da ór-
bita social como espaço para
uma gestão livre e solidária,
fruto da criatividade das orga-
nizações intermediárias autô-
nomas e com reconhecimen-
to público pela burocracia es-
tatal. Logo, o sistema deve fa-
vorecer, na prática, tais gru-
pos sociais, pois estão em con-
dições de alcançar iniciativas
que transcendem os interes-
ses setoriais e de desenvolver
objetivos comunitários de en-
vergadura universal.
O núcleo dessas iniciativas
repousa sobre o conceito clás-
sico de amizade social e sua
importância reside na aten-
ção conferida aos dados pré-
políticos e pré-econômicos
da vida cotidiana, como a edu-
cação familiar, ajudando no
resgate das fibras do esfacela-
do tecido social.
Além das agências de soli-
dariedade secundárias, como
as organizações não governa-
mentais, mais importante ain-
da, para o fomento da amiza-
de social, são os grupos de so-
lidariedade primários, onde a
família, notória vítima das
ideologias modernas, tem o
principal destaque: é fonte ra-
dical de sociabilidade e de me-
diação humana cheia de senti-
do. É necessário, assim, subli-
nhar a “subjetividade” da fa-
mília. Porque a pessoa é um
sujeito e assim também é a fa-
mília, por estar constituída
por pessoas que, unidas por
um laço profundo de comu-
nhão, formam um único sujei-
to comunitário.
Além disso, a família prece-
de outras instituições, como a
própria sociedade e o Estado,
os quais gozam de uma subje-
tividade peculiar na medida
em que a recebem das pes-
soas e de suas famílias. E não
o oposto: perverter essa rela-
ção é tão totalitário quanto
acomodar o indivíduo à som-
bra do Estado ou do merca-
do. Com respeito à divergên-
cia, é o que penso.
Lupa nos gastos públicos
Família, Estado
e mercado
GESTÃO ORÇAMENTÁRIA
Editor: Rui Motta rui@rac.com.br - Editora-assistente: Milene Moreto milene@rac.com.br - Correio do Leitor leitor@rac.com.br
André
fernandes
Centro de formação para a vida
PAULO
BUSSAB
■ ■ Paulo Bussab Lemos de Castro é
doutorando do Programa Multiunidades de
Ensino de Ciências e Matemática
(Pecim/Unicamp)
MARCOS
CINTRA
■ ■ André Gonçalves Fernandes é juiz de
Direito, doutorando em Filosofia e História
da Educação, pesquisador,
professor, coordenador do IFE Campinas e
membro da Academia Campinense de
Letras (fernandes.agf@hotmail.com)
PESQUISA IAC
■ ■ Marcos Cintra é doutor em Economia
pela Universidade Harvard (EUA) e professor
titular de Economia na Fundação Getulio
Vargas
(www.facebook.com/marcoscintraalbuquer-
que)
“Não temos plano B porque não temos planeta B”
Ban Ki-moon, secretário-geral da ONU, pedindo às nações apoio à negociação sobre o acordo mundial para o clima.
dalcio
opiniao@rac.com.br
A2 CORREIO POPULARA2
Campinas, quarta-feira, 21 de outubro de 2015