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capa   especial quadrinhos




46     Brasileiros
Redescobrindo
                 M U TA R E L L I
                 Após o lançamento de seu último romance em 2010, e de um longo
                 período afastado do nanquim, o escritor e quadrinhista volta à ativa
                 e experimenta a tinta acrílica, apresentando aos fãs um novo álbum.
                   A Brasileiros aproveitou a finalização dessa obra para conhecer um
                 pouco mais do artista, que agora faz seus trabalhos à base de muita
                                      criatividade e nenhum remédio


                                               texto e fotos CAMILA OLIVEIRA




              uem conhece Lourenço Mutarelli apenas por suas obras não faz        Lourenço é do tipo que não se sente


Q             ideia de quem ele é como pessoa. Ao abrir a porta de seu aparta-
              mento na tranquila Vila Mariana, São Paulo, o Mutarelli que me
              recebe é um senhor com aparência pacata e até um pouco tími-
              do, deslocado, nada parecido com a imagem que temos ao ler
suas primeiras obras, cheias de voracidade e peso. Apesar disso, mostra-se
                                                                                  bem executando a mesma fórmula
                                                                                  que garante sucesso, apenas por saber
                                                                                  que já deu certo uma vez e dará no-
                                                                                  vamente, ao contrário; prefere se ar-
                                                                                  riscar que cair no tédio, obrigando,
alguém atencioso, pacato e educado, muito agradável. Em meio a quadros,           de certa forma, que seus fãs o redes-
miniaturas de personagens e outros detalhes que tornam o espaço muito pes-        cubram e voltem a se apaixonar por
soal e íntimo, nos sentamos e começamos a entrevista, que mais parece uma         ele a cada trabalho lançado.
conversa. Lourenço acende um cigarro e começa a falar sobre sua história. O           Assim, apresenta seu mais novo
hábito de fumar teve início por volta dos 16 anos e, desde então, nunca mais      álbum, que será lançado em breve,
parou e nem pensa nessa possibilidade, pois, apesar de saber que faz mal, não     com selo da Companhia das Letras.
consegue ficar sem, “Isso me mantém vivo, me tira da cama. Por mais que           Em Quando meu Pai se Encontrou
faça mal, também me faz bem, é uma coisa importante pra mim”, confessa.           com o ET, Fazia um Dia Quente, quis
Essa é apenas uma das peculiaridades que Lourenço carrega.                        ter mais um desafio: decidiu testar uma
   Ávido pela sensação de experimentar o novo, quando algo começa a lhe           técnica nunca usada antes, a tinta
parecer fácil demais ou para de satisfazê-lo, logo ele deixa de lado; foi assim   acrílica, apenas para ter o gosto de
com os quadrinhos e com a atuação. Só não sentiu isso ainda pela literatura.      fazer algo diferente.

                                                                                                            Brasileiros     47
capa       especial quadrinhos



                                                                                              ROTEIRO

                                      UM POUCO DE                                      Ouvir Lourenço falando sobre suas
                                      HISTÓRIA                                    experiências de vida é algo fascinante.
                                      1. Lourenço em seu
                                                                                  O artista nascido em 18 de abril de
                                      apartamento.
                                      2. Com alguns meses                         1964 era filho de policial, e teve o
                                      de vida (1964).                             primeiro contato com o mundo dos
                                      3. Lucimar, Lourenço e                      quadrinhos lendo os clássicos que seu
                                      Francisco.
                                      4. Em Belo Horizonte
                                                                                  pai tinha em casa, principalmente
                                      com Lucimar, Douglas                        álbuns do detetive TinTin, personagem
                                      Quintas Reis e a                            querido pelo escritor que decora, até
                                      esposa Silvana                              hoje, o local de trabalho e outros
                                      (2006).
                                                                                  pequenos espaços de seu apartamento.
                                                                                  Durante a infância, já demonstrava
                                                                                  gosto por aquilo que viria a ser sua
                                                                                  profissão, aproveitando as tintas para
                                                                                  tecido que a mãe usava no trabalho e
                                                                                      mesclando cola com remédios de
                                                                                      cores fortes para criar suas
                                                                                ARQUIVO PESSOAL




                                                                                      primeiras ilustrações. Desde essa
                                                                                      época, já demonstrava dificuldades
                                                                                      para se relacionar com as pessoas,
                                                                                      não tinha muitos amigos. Só
            1
                                                                                      começou a fazer parte de um
                                                                                      grupo na pré-adolescência, com
                                                                                      meninos que estudavam no mesmo
                                                                                      colégio e moravam perto dele. No
                                                                                2
                                                                                      1° Colegial, uma garota foi
                                                                                      responsável pelo sucesso de
                                                                                  Mutarelli na sala de aula e contribuiu
                                                                                  para que ele fizesse amizade com
                                                                                  todos: o então menino tinha mania
                                                                                  de ficar desenhando em caixinhas de
                                                                                  goma de mascar desmontadas, até
                                                                                  que, um dia, ela viu uma dessas obras
                                                                                  e mostrou para todos da sala, que
                                                                                  adoraram.
                                                                                       Do mesmo jeito que os desenhos
     3                                                                            fizeram com que ele conquistasse
                                                                                  amigos na adolescência, causaram
                                                                   AR Q UI VO




                                                                                  certa rejeição na fase adulta, quando
                                                                                  grandes artistas, como Laerte e
                                                               PE SS O AL




                                                                                  Angeli, faziam sucesso com outro tipo
                                                                                  de quadrinhos, enquanto os seus eram
                                                                                  considerados estranhos demais para
                                                                                  serem publicados. Essa indiferença só
                                  4
                                                                                  foi mudar quando entrou no universo
                                                                                  da literatura, onde todos o aceitaram
                                                                                  muito melhor.

48       Brasileiros
Homem de família

    o         primeiro contato com a esposa, Lucimar, veio em uma palestra
              na gibiteca Henfil, em maio de 1991, onde estariam nomes
              como Angeli, Glauco Mattoso e Francisco Marcatti. Lucimar,
    que começou a lecionar Educação Artística naquele ano, frequentava a
    gibiteca por causa de uma amiga, e gostava muito da linguagem dos
    quadrinhos. Foi até a palestra e acabou se surpreendendo com
    Lourenço, que substituía Angeli. “A partir do momento que ele começou
    a falar, me interessou muito, porque sua fala era muito diferente da fala
    do Glauco e do Marcatti”, relembra. Não hesitou em pedir seus contatos:
    anotou nome, endereço, telefone, RG e, claro, estado civil, pois ali
    também surgia um interesse pessoal. Dias depois, recebeu um pacote de
    Mutarelli com seus primeiros trabalhos, entre eles, Transubstanciação –
    que primeiro leu o texto para, depois, reler, prestando atenção nos
    desenhos. O álbum a encantou tanto a ponto de escrever uma carta para
    Lourenço, mas não obteve resposta.
                                                                          ARQUIVO PESSOAL


                                                                                            ARQUIVO PESSOAL
                                  ARQUIVO PESSOAL




1                                                   2                                       3
                                                                                                              LEMBRANÇAS
        Três meses depois, ao procurar na agenda o telefone de alguém para                                    1. Em casa, com Lucimar e
    conversar, lembrou-se de Mutarelli e decidiu ligar. Do outro lado, ele                                    Francisco (2001). 2. Avô de
    revelou que também estava à procura de alguém para falar, e, no                                           Lourenço, Francisco Mutarelli.
                                                                                                              3. Com o filho no escritório
    momento em que atendeu ao telefone, já se lembrou da menina que                                           (2001).
    conhecera na gibiteca. A empatia entre os dois foi muito grande durante
    a conversa, tanto que marcaram um encontro para o sábado seguinte, e
    logo começaram a namorar. “Depois desse dia, desse encontro em
    agosto, a gente começou a namorar e são 20 anos sem separações”,
    conta. Três anos após conhecer a futura esposa, Lourenço lançou Eu te
    Amo Lucimar, considerado uma declaração de amor pública. O álbum,
    que conta a história dos gêmeos Cosme e Damião, traz referências claras
    a ela: o signo de Lucimar é gêmeos; os irmãos tem 11 anos cada,
    porque quando Mutarelli a conheceu ela tinha 22 anos; e há uma
    professora de Educação Artística no enredo. A homenageada conta “Eu
    impliquei no começo com o título, porque achava meio brega, mas
    depois lendo a história, o texto me comoveu muito.”. Atualmente, a
    história ainda agrada seu autor, mas Lourenço diz que não gosta dos
    desenhos; é assim também com a maioria de seus trabalhos antigos.


                                                                                                                                        Brasileiros   49
capa   especial quadrinhos

                Do casamento, nasceu Francisco, nome que faz referência ao                       opinião sobre os trabalhos de
            avô de Lourenço. Hoje, com 15 anos, o garoto tem todas as                            Lourenço. A primeira leitura é sempre
            características de um adolescente comum de sua idade, preferindo                     feita por ela: “Eu tenho um defeito de
            passar o tempo livre em redes sociais no computador, bem                             ser muito crítica e não pensar muito
            diferente do pai que, com a mesma idade, já se dedicava ao                           pra falar, então eu acabava de ler e já
            desenho e aos livros. Dos trabalhos de Lourenço, os maiores                          tecia os primeiros comentários”, diz. Já
            contatos foram com as adaptações para o teatro e cinema, mídias                      Lourenço acha essencial saber o que a
            que atingem mais facilmente essa faixa etária. Tímido, não gosta                     esposa pensa, mas confessa que nem
            muito de falar, e só saiu de seu quarto para posar em uma foto                       sempre acata as sugestões. No caso do
            com os pais depois que Lucimar pediu com jeito. A família, muito                     próximo álbum, o palpite foi aceito:
            unida, possui registros fotográficos de viagens e vários momentos                    “Ela deu uma opinião na edição. Na
            juntos, organizados pela própria Lucimar em inúmeros álbuns                          hora eu achei bobagem, mas quando
            com legendas, datas e anotações. Ela conta que tem fotos de                          eu estava montando lembrei o que ela
            Francisco desde que ele nasceu até agora.                                            falou e coloquei daquele jeito. Ficou
                Nos primeiros anos em que se dedicava exclusivamente aos                         muito melhor.”. No período em que o
            quadrinhos, Lourenço pode contar com a ajuda da esposa para as                       autor preferia ficar enclausurado em
            despesas maiores da casa, já que tinha pouco retorno financeiro.                     casa e dependia de remédios, a esposa
                                                                                                 também permaneceu do seu lado.
                                                                                                     Questionado sobre o relacionamento
                                                                                                 com a família, Lourenço demonstra
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                                                                               ARQUIVO PESSOAL




                                                                                                 certo incômodo por já ter feito algumas
                                                                                                 declarações no passado, dizendo que
                                                                                                 hoje elas não fazem mais sentido: “Eu
                                                                                                 acho que tem muita ficção na nossa
                                                                                                 lembrança, é difícil ler ou ver as
                                                                                                 entrevistas que eu já dei no passado,
                                                                                                 porque eu mudei muito nos últimos
                                                                                                 tempos, e essas coisas pra mim já não
                                                                                                 tem mais muita relevância”, e se
                                                                                                 esquiva da pergunta. Sucinto, diz
                                               1                               2                 apenas que: “Pra mim, eles são muito
                                                                                                 importantes, a gente é uma equipe”,
                      AMOR EM DOBRO
                      1. Com a esposa, em                                                        falando sobre Lucimar e Francisco. Na
                      Belo Horizonte (2007).                                                     verdade, nem é preciso palavras para
                      2. Com o filho recém-                                                      constatar que o trio tem um laço forte
                      nascido (1995).
                                                                                                 de amor e amizade, pois as fotos e
                                                                                                 desenhos emoldurados nas paredes e
                                  Lucimar trabalhava em duas escolas, e                          outros detalhes revelam um Lourenço
                              segurava as contas com a ajuda do salário do                       companheiro para os dois, orgulhoso
                              marido, “Eu fazia isso com prazer porque era                       pela família que tem. “Acho que a
                              muito apaixonante ver a dedicação que ele tinha,                   família é muito importante para o
                              saber as histórias que ele queria contar, então ele                Lourenço, essa base, de ter a casa
                              ia produzindo e eu não me importava, até hoje se                   para voltar, a esposa que sempre
                              precisasse eu faria com muito bom gosto”. Isso                     apoia, o filho. Ele é muito
                              mudou quando Mutarelli passou a ter contratos                      companheiro, agradável, é uma pessoa
                              no cinema e a receber melhor, passando a ser o                     incrível de conviver, porque não tem
                              mantenedor. Mas, até hoje, os contatos via e-mail                  nada que você não possa conversar. Eu
                              são administrados por ela, pois o marido tem                       acho que, nesses 20 anos, nunca
                              certa aversão ao computador. Além do apoio                         precisei de terapia porque ele é um
                              financeiro, Lucimar também participa dando                         ótimo ouvinte”, comprova Lucimar.

50     Brasileiros
Claudio, atualmente, é fotógrafo, mas entrou no curso com o mesmo
                                            interesse de Lourenço pelas artes, em especial, a pintura. Bem humorado, dá
                                            para sentir no tom da fala a falta que faz o período em que estudavam juntos,
                                            relembrando os bons momentos “Nós tínhamos que entregar uma avaliação e
                                            ele começou a desenhar eu e um amigo nosso, e eu falei vamos fazer isso. Nós
                                            pegamos a casa da avó dele e ficamos a madrugada toda, no final, com todo
                                            mundo cansado, ele fez um desenho de cada um já caído, e foi a conclusão do
                                            nosso trabalho”. Ele faz parte das três pessoas que Lourenço fazia questão de
                                            serem os primeiros a ler seus trabalhos antes de qualquer um. O time também
                                            contava com sua esposa e seu pai, que faleceu por conta de um câncer na
                                            próstata em 2001.
                                                No tempo em que estudava, Mutarelli fazia dos desenhos apenas um hobbie,
                                            e Cammarota o incentivou por considerar o trabalho dele de ótima qualidade,
                                            algo que não existia ainda naquele momento “Eu achei o desenho muito bem
                                            feito e elaborado e, ao mesmo tempo, tem um pouco de história, tem uma
                                            coisa de alma, é um trabalho autoral”, diz o fotógrafo sobre o que pensou
                                            quando viu as primeiras ilustrações do amigo. Atualmente, é bem mais fácil
                                            encontrar desenhistas que fazem o estilo de Lourenço, contando histórias um
                                                   tanto quanto autorais e, até certo ponto, autobiográficas, dando a ele o
                                                   título de pioneiro do gênero no Brasil, já que em sua época não era algo
                                                   tão comum, como confirma Lucimar: “Depois que ele apareceu é que
      A FACULDADE FOI
“       UM SONHO.
     Foi a primeira vez que
                                                   começaram a surgir outros quadrinhistas mais autorais, mais calcados
                                                   nos quadrinhos europeus, argentinos, não consigo entender porque
                                                   demorou tanto.”. Claudio sempre foi companheiro, estando ao lado de
                                                   Lourenço nos momentos críticos em que sofria suas crises, e o apoiando
     todas as matérias me                          no trabalho. Até hoje, apesar de não poderem se ver tanto por conta da
                                                   correria do cotidiano, ainda mantém a amizade da época da faculdade.
      interessavam, eram                               Mas o companheiro de estudo de Lourenço não é seu único amigo de
          fascinantes.
                                   ”               longa data. Uma das características de sua personalidade é não conseguir
                                                   separar o profissional do pessoal, criando, assim, laços com seus editores
                                                   e parceiros. Seu atual editor, Thyago Nogueira, da Companhia das
                                                   Letras, define bem essa característica “Não tem Lourenço profissional e
    Criança solitária no primário e         Lourenço pessoa, a relação profissional passa por um campo pessoal, a coisa está
adolescente cheio de amigos no              muito entranhada pra ele”. Além dele, os sócios de sua antiga editora Devir, Douglas
colégio, Lourenço lembra com mais           Quintas Reis e Mauro dos Prazeres também eram muito próximos a ele, só se
saudade do curso superior “A                distanciando depois que Lourenço decidiu sair de lá. Quando trabalhava com
faculdade foi um sonho. Foi a primeira      Douglas, que já o conhece há cerca de 25 anos, era comum que, para resolver
vez que todas as matérias me                questões profissionais, fossem tomar um café ou, até mesmo, dar uma volta no
interessavam, eram fascinantes”.            parque. Não é difícil entender por que isso acontece, já que passando pouco tempo
Começou a estudar Licenciatura em           com ele, conversando sobre os mais diversos assuntos, percebemos que Mutarelli é
Educação Artística na Faculdade Belas       alguém muito agradável de conviver. Apesar de artista, se mostra muito próximo
Artes, em 1983, curso com duração           da realidade da maioria de seus admiradores.
de dois anos. Apesar de o talento existir       ESBOÇO
desde a infância, ter passado por essa          Assim como é difícil separar o profissional do pessoal, Lourenço praticamente
experiência foi importante para o           funde a realidade com a ficção que surge em sua na mente, em suas criações. Todo
crescimento de Lourenço. Foi lá que         o universo dele pode ser observado em suas obras, pois elementos de seu dia a dia
conheceu Claudio Cammarota, que,            e da sua vida são utilizados como inspiração. Seus amigos, parentes e, até mesmo,
até hoje, é seu grande amigo,               seus gatos, que habitam em seu apartamento, já serviram de referência, seja
acompanhando Mutarelli em todas as          explicitamente, colocando os traços e nomes iguais aos homenageados, ou apenas
fases desde o começo de sua carreira.       trazendo algumas características sutis.

                                                                                                                  Brasileiros      51
capa   especial quadrinhos

                                                                Thyago Nogueira, editor da
                                                            Companhia das Letras, considera essa
                                                            característica uma das qualidades de
                                                            Lourenço, como uma facilidade de
                                                            incorporar e misturar discursos,
                                                            mesclando referências literárias com
                                                            acontecimentos do cotidiano “Isso me
                                                            impressiona muito, a capacidade de
                                                            ser conciso e de construir cenas
                                                            complexas e profundas, delinear
                                                            personagens com uma coisa muito
                                                            sintética. (...) Tem um português
                                                            completamente coloquial misturado
                                                            com uma alta literatura sofisticada”.
                                                                A vontade de viver dos quadrinhos
                                                            apareceu enquanto ele estudava na
                                                            Faculdade Belas Artes, quando
                                                          1 Claudio Cammarota foi ver um
                                                            emprego nos estúdios Maurício de
                                                            Sousa e ele resolveu ir junto. Ficou lá
                                                            por volta de dois anos e meio, e teve
                                                            acesso a um acervo repleto de
                                                            exemplares mais contemporâneos de
                                                            histórias em quadrinhos, que iam
                                                            muito além do gênero infantil que o
                                                            estúdio produzia. Quando a revista
                                                            Circo começou a ser publicada, não
                                                            teve dúvidas: queria fazer do hobbie
                                                            um trabalho.
                                                                Suas primeiras obras, os fanzines
                2                                           Over-12 e Solúvel, publicados em
                                                            1988 e 1989, respectivamente, pela
                                             PE SS O AL




                                                            extinta editora Pro-C, de Francisco
                                         AR Q UI VO




                                                            Marcatti, já traziam um pouco da
                                                            característica soturna de Lourenço,
                                                            revelando muito de sua personalidade.
                                                            Nos álbuns Transubstanciação, de
                                                            1991, e Desgraçados, de 1993, o
                 MOMENTOS                                   mundo sombrio e melancólico ainda
                 TRANQUILOS                                 apareciam, tendo alguma mudança
                 1. Com Lucimar,
                 em seu apartamen-                          apenas em Eu te Amo Lucimar, de
                 to. 2. Bebendo                             1994, que, apesar de ainda ter uma
                 uísque durante a                           história pesada, é em homenagem a
                 entrevista. 3. Em
                                                            sua esposa. Em A Confluência da
                 um evento de
                 quadrinhos.                                Forquilha, de 1997, o foco abordado
                 (1996)                                     muda para uma crítica ao momento
                                                            político vivido naquela época,
                                                            enquanto Sequelas, de 1998, traz um
                                                            apanhado das primeiras histórias do
                                     3                      começo da carreira.

52     Brasileiros
Sobrenome: comprometimento

D        isciplina sempre foi um ponto forte na área profissional de
         Lourenço. O hábito de desenhar o acompanha desde a infância,
         mas foi na adolescência que começou a se dedicar realmente.
Na época, um amigo músico tinha o costume de estudar piano, pelo
menos, quatro horas por dia, o que motivou Mutarelli a aproveitar o
tempo que ficava sozinho para praticar. Sempre que está envolvido em
algum projeto, como em seus álbuns de quadrinhos, livros de romances
ou qualquer outro trabalho, a rotina é muito regrada: acorda cedo e,
depois dos principais afazeres, já começa a se dedicar, seguindo até a
noite. Atualmente, mesmo com sua última obra já finalizada, o dia a dia
não está menos corrido, pois ele está envolvido em oficinas, palestras, dá
aula para amigos e ainda tem muitas ideias para livros e peças de teatro;                   HOMEM TRABALHO
                                                                                            1. Com os sócios da Devir,
o que falta é tempo para colocá-las em prática. Para um homem cuja                          Mauro dos Prazeres e Douglas
mente está em constante produção, o dia, com certeza, deveria ter                           Quintas Reis, em Portugal
                                                                                            (2001). 2. Em sua mesa de
muitas horas a mais.
                                                                                            trabalho, por Claudio Camma-
                                                                                            rota (1994). 3. Oficina no
                                                                                            Centro Cultural São Paulo.
                        ARQUIVO PESSOAL




                                                                        CLAUDIO CAMMAROTA




                       1                                               2 3


    A Brasileiros foi a uma de suas oficinas, com duração de dois dias, no                        Trabalhando em casa, o
Centro Cultural São Paulo, e pudemos ver o comprometimento de                                 autor não abre mão de certos
Lourenço com seu trabalho. Sempre simpático, chegou antes do horário                          rituais, como ouvir música
e conversou com todos que foram até ele. Com nossa equipe, estava                             instrumental, tão pesada quanto
sempre disponível para ajudar no que fosse preciso, nos deixando muito                        seus primeiros trabalhos, quando
à vontade. Quando a aula começou, fez questão de conhecer um por um                           está se dedicando aos
dos inscritos, com direito a perguntar nome, profissão e ligação com o                        quadrinhos. O aparelho de som
desenho. Aliás, a oficina ajudou a desenvolver não só o traço dos                             que ele utiliza foi um presente de
participantes, mas também a escrita. Em seguida, fez algumas                                  Lucimar. Já para o texto, o
atividades, pedindo para que duplas desenhassem (ou descrevessem) os                          escritor prefere o silêncio. Em
companheiros exatamente como os viam, sem se preocupar com a                                  seu escritório, um acúmulo de
perfeição; depois, pediu para fazerem o mesmo, mas com a mão oposta                           material de trabalho, recados e
– os que trabalharam texto poderiam tentar a técnica dadaísta de                              fotos no mural, referências e
recortar as palavras e reconstruí-lo. Após os exercícios, Mutarelli revelou                   distrações, como seus CDs e
mais um pouco de seu cuidado, mostrando slides detalhados que ele                             miniaturas de personagens
mesmo preparou para contar o processo de como fazer quadrinhos,                               (inclusive uma do seu Cãozinho
entre outros assuntos. Para deixar o clima ainda mais descontraído, abriu                     sem Pernas). Para um artista tão
espaço para as dúvidas dos alunos, e não hesitou em dar uma pausa para                        peculiar, não poderia ser
autografar suas obras ou analisar o trabalho alheio.                                          diferente.

                                                                                                                   Brasileiros     53
capa   especial quadrinhos


          É interessante ver como a personalidade tranquila de Lourenço conflita         hábito”, revela. Com a quantidade de
     com o que era retratado nos quadrinhos. Enquanto muita gente achava que             projetos e afazeres, não tem tido muito
     todas as obras eram completamente biográficas, sem se dar conta que algumas         tempo nem mesmo para a leitura:
     histórias eram absurdas demais para ser verdade, pessoas que conviviam com          “Estou envolvido com muitas coisas,
     ele, como Cammarota, só puderam conhecer essa outra face mais obscura do            e aí o tempo que eu leria eu acabo
     escritor por meio de seu trabalho, tamanha a diferença entre o real e o             vendo televisão e jogando paciência,
     retratado. Douglas Quintas Reis, da editora Devir, de certa forma, explica          me esvaziando.”. Apesar disso, as
     essa característica “Eu acho que o Lourenço é um cara tranquilo ou educado,         antigas influências literárias ainda
     porque ele sublima tudo no quadrinho. Ele põe tudo pra fora nas histórias que       parecem estar presentes.
     ele escreve, independente de ser uma coisa encomendada ou não.”.                        Foi dependente de remédios
          A coisa só começou a mudar quando Douglas sugeriu a Lourenço que               quando sofria de síndrome do Pânico,
     criasse um personagem, dando a vida então a Diomedes, protagonista da               entre eles, o já famoso Lorax, que
     trilogia O Dobro de Cinco, O Rei do Ponto e A Soma de Tudo I e II. Na história,     acabou se tornando símbolo do
     o detetive é a própria personificação do pai de Lourenço, e traz também como        escritor entre seus fãs mais
     personagens seus antigos chefes, Douglas e Mauro dos Prazeres. Além deles, o        apaixonados. Hoje, livre da
     amigo e também desenhista-escritor Glauco Mattoso aparece na trama, fazendo         dependência, pode voltar a beber e
     o papel dele mesmo, enquanto o amigo Claudio Cammarota surge em forma               consegue conviver melhor socialmente,
     de vilão, como o violento Gambero. Claudio também apareceu como ele mesmo           tirando o estereótipo de artista
     em A Caixa de Areia ou Eu era Dois em Meu Quintal, que retrata com um               antissocial, contando com uma vasta
     pouco de ficção e realidade a vida de Lourenço, enquanto Douglas Quintas            quantidade de amigos e boa recepção
     Reis ganhou uma versão em desenho de um pesadelo que sempre tinha quando            entre companheiros de trabalho.
     criança, na coletânea Mundo Pet, único álbum de Lourenço completamente                  Algo que todos os entrevistados
     em cores – já que o autor é amante declarado do nanquim em preto e branco.          concordaram, dito pelo antigo amigo
     Todos que participaram de alguma forma se sentem lisonjeados com a                  e parceiro de trabalho Rogério de
     homenagem, sentem-se felizes com isso.                                              Campos, é que L ourenço, sem
          A trajetória de Lourenço pelo mundo da literatura começou por acaso,           dúvida, influenciou não só a geração
     quando percebeu que a ideia que teve para O Cheiro do Ralo não se adaptaria         de desenhistas, mas todos de uma
     muito bem como quadrinho. Após o lançamento do livro, muitas portas foram           forma em geral, por insistir em fazer
     abertas, tanto para a vida social quanto profissional, já que ele foi muito bem     o que gosta, independente do que os
     recebido no meio literário, diferente do que aconteceu nos anos 1980 com o          outros acham “Ele tem uma coisa que
     pessoal dos quadrinhos, principalmente depois que a obra foi levada aos cinemas,    é profundamente libertadora, que é
     com o diretor Heitor Dhalia e Selton Mello como protagonista. Fez muitos            assim: ‘danem-se’ editores, ‘dane-se’
     amigos, inclusive na área cinematográfica e no teatro, depois que outras obras      todo mundo, vou fazer o que eu
     ganharam adaptações. Acabou virando desenhista, escritor, ator e até diretor.       quero. E ele consegue fazer, essa é a
          Além da novidade de usar a técnica com tinta acrílica, outro item inédito no   coisa mais bacana.(...) É na base do
     novo álbum Quando meu Pai se Encontrou com o ET, Fazia um Dia Quente,               ‘se ele pode eu também posso’, essa
     com lançamento programado ainda para esse ano, é o fato de cada ilustração          é a mensagem que o Mutarelli colocou
     estar em uma página, na horizontal, contando a história de um homem que,            para várias pessoas”, diz o amigo.
     após perder a mulher, decide morar num barco e parte em uma viagem.                     Mais do que isso, Lourenço acaba
          ARTE FINAL                                                                     sendo um exemplo de superação.
          Atualmente, com 46 anos, Lourenço parece cada vez mais maduro e                Superou-se quando provou que
     tranquilo. Sentado em seu sofá, acariciando a gata Mentira – que tem a              poderia viver do que gostava de fazer;
     companhia de outros três, Doutor, Doutora e Gepreta – e tomando um copo             quando mostrou que poderia se
     de uísque, revela um momento, até então, não vivido e talvez nem imaginado.         libertar dos remédios e ter uma vida
     Em sua época mais retraída, houve períodos em que gostava de ficar dias em          tranquila; quando não quis ficar no
     casa, sem sair para nada, nem ao menos para ir ao mercado. Hoje, confessa           que era fácil e experimentar sempre,
     que não gosta muito de sair pelas dificuldades encontradas na cidade – como         aumentando cada vez mais sua
     trânsito, lei antifumo, e outros – mas que gosta muito de receber os amigos.        capacidade humana e artística. Seria
     Além disso, dá voltas no bairro e até aprendeu a se distrair assistindo TV “De      maravilhoso se tivéssemos mais
     uns tempos pra cá eu comecei a assistir televisão, é uma coisa que não tinha o      pessoas como Mutarelli por aí.

54     Brasileiros
1
 DETALHES
 1. Espaço na estante da sala
 de estar do apartamento.
 2. Cadernos utilizados por
 Lourenço para desenhar.
                                                                                                                                                                  2


Trajetória de
SUCESSO
1988 /1989                       1991                       1993                        1994                       1997                     1998
Over-12 e Solúvel          Transubstanciação               Desgraçados             Eu Te Amo Lucimar          A Confluência da          Sequelas
Os dois títulos foram      O protagonista passa       Mutarelli continua         Com arte mais limpa, o           Forquilha            A coletânea
fanzines com os            por uma transfor-          com os personagens         livro conta a história de   Com crise financeira      traz      um
primeiros trabalhos        mação a partir de um       sensíveis e atormentados   Cosme, que assassina seu    no Brasil, é uma          apanhado
de Lourenço, que já        momento de sua vida.       vivem em um universo       irmão gêmeo Damião e        denúncia contra a         dos primeiros
mostravam o seu es-        Literalmente biográfi-     de pessoas deformadas      entra em depressão, só      depreciação das           desenhos dos
tilo. A distribuição era   co, se tornou a porta de   física e moralmente, com   se libertando depois que    histórias em quadrin-     fanzines, tra-
feita pelo próprio au-     entrada para o merca-      traço sombrio e            se apaixona pela sua        hos, onde o protago-      balhos inédi-
tor, com tiragem de        do de quadrinhos do        melancólico.               professora de desenho       nista trabalha apenas     tos e outros.
500 exemplares.            Brasil.                                               geométrico.                 por dinheiro.


        1999                      2000                       2001                         2002                    2004                         2006
   O Dobro de Cinco          O Rei do Ponto            A Soma de                         A Soma de               Mundo Pet              A Caixa de Areia
Apresenta Diomedes, o      No segundo livro da           Tudo 1                          Tudo 2              Traz histórias produzi-     ou Eu Era Dois
detetive incapaz de        série, o detetive tenta    Diomedes vira                      Encerra a           das para o site Cy-         em Meu Quintal
solucionar casos. Em       solucionar mais um         detetive inter-                    trilogia, des-      bercomix. Fugindo do      Auto-biográfico, traz
busca de Enigmo,           enigma complexo, e         continental, em                    vendando os         preto e branco,           uma história que
um antigo mágico           por pouco não cai em       Portugal, e ten-                   mistérios da        Lourenço faz uso de       mescla experiências
desaparecido, se           uma armação. A             ta solucionar                      trama e tam-        muitas cores e recur-     pessoais e ficção,
envolve mais do que        história é cheia a in-     um caso que vai                    bém o segre-        sos como colagens e       trazendo memórias e
devia em uma história      trigas, aventura,          além das aparências,       do guardado pelos           programas de com-         devaneios da infância
cheia de mistérios.        solidão e humor.           confundindo sua ca-        habitantes de Lisboa.       putação.                  e dos dias atuais.
                                                      beça e dos leitores.

       2002                      2004                        2004                       2008                       2009                      2010
    O Cheiro do Ralo           O Natimorto                 Jesus Kid             A Arte de Produzir          Miguel e os Demônios        Nada me Faltará
    Primeiro romance       Relação perturba-          Um escritor estilo         Efeito Sem Causa            Conta a história do       Apenas com diálogos,
    de Lourenço,           dora entre o Agente,       western atravessa fase     O protagonista sem          policial Miguel, em       conta a história de
    conta a rotina         que lê o destino em        difícil porque seu         perspectivas na vida        uma trama que             Paulo, que desaparece
    do dono de uma         maços de cigarro, e        personagem não             perde a tranquilidade       envolve pedofilia,        com esposa e filha res-
    loja de anti-          sua cantora recém-         vende, e é contrata-       quando começa a re-         possessão, múmias         surgindo um ano de-
    guidades e sua         descoberta. Com tex-       do para escrever um        ceber pacotes anôni-        mexicanas, seitas         pois, sozinho. Sem se
    batalha contra         to todo em diálogos,       roteiro de filme. É        mos com recortes an-        estranhas e outros        lembrar de nada,
o cheiro do ralo do        se assemelha ao            uma crítica ao mer-        tigos, fazendo com          fatos que o levam a       acaba misturando
banheiro e suas ob-        roteiro de uma HQ          cado editorial e ao        que entre no mundo          um verdadeiro infer-      ficção e realidade.
sessões.                   sem imagens.               cinema.                    da insanidade.              no.



                                                                                                                                             Brasileiros         55

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Redescobrindo Mutarelli

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  • 2. Redescobrindo M U TA R E L L I Após o lançamento de seu último romance em 2010, e de um longo período afastado do nanquim, o escritor e quadrinhista volta à ativa e experimenta a tinta acrílica, apresentando aos fãs um novo álbum. A Brasileiros aproveitou a finalização dessa obra para conhecer um pouco mais do artista, que agora faz seus trabalhos à base de muita criatividade e nenhum remédio texto e fotos CAMILA OLIVEIRA uem conhece Lourenço Mutarelli apenas por suas obras não faz Lourenço é do tipo que não se sente Q ideia de quem ele é como pessoa. Ao abrir a porta de seu aparta- mento na tranquila Vila Mariana, São Paulo, o Mutarelli que me recebe é um senhor com aparência pacata e até um pouco tími- do, deslocado, nada parecido com a imagem que temos ao ler suas primeiras obras, cheias de voracidade e peso. Apesar disso, mostra-se bem executando a mesma fórmula que garante sucesso, apenas por saber que já deu certo uma vez e dará no- vamente, ao contrário; prefere se ar- riscar que cair no tédio, obrigando, alguém atencioso, pacato e educado, muito agradável. Em meio a quadros, de certa forma, que seus fãs o redes- miniaturas de personagens e outros detalhes que tornam o espaço muito pes- cubram e voltem a se apaixonar por soal e íntimo, nos sentamos e começamos a entrevista, que mais parece uma ele a cada trabalho lançado. conversa. Lourenço acende um cigarro e começa a falar sobre sua história. O Assim, apresenta seu mais novo hábito de fumar teve início por volta dos 16 anos e, desde então, nunca mais álbum, que será lançado em breve, parou e nem pensa nessa possibilidade, pois, apesar de saber que faz mal, não com selo da Companhia das Letras. consegue ficar sem, “Isso me mantém vivo, me tira da cama. Por mais que Em Quando meu Pai se Encontrou faça mal, também me faz bem, é uma coisa importante pra mim”, confessa. com o ET, Fazia um Dia Quente, quis Essa é apenas uma das peculiaridades que Lourenço carrega. ter mais um desafio: decidiu testar uma Ávido pela sensação de experimentar o novo, quando algo começa a lhe técnica nunca usada antes, a tinta parecer fácil demais ou para de satisfazê-lo, logo ele deixa de lado; foi assim acrílica, apenas para ter o gosto de com os quadrinhos e com a atuação. Só não sentiu isso ainda pela literatura. fazer algo diferente. Brasileiros 47
  • 3. capa especial quadrinhos ROTEIRO UM POUCO DE Ouvir Lourenço falando sobre suas HISTÓRIA experiências de vida é algo fascinante. 1. Lourenço em seu O artista nascido em 18 de abril de apartamento. 2. Com alguns meses 1964 era filho de policial, e teve o de vida (1964). primeiro contato com o mundo dos 3. Lucimar, Lourenço e quadrinhos lendo os clássicos que seu Francisco. 4. Em Belo Horizonte pai tinha em casa, principalmente com Lucimar, Douglas álbuns do detetive TinTin, personagem Quintas Reis e a querido pelo escritor que decora, até esposa Silvana hoje, o local de trabalho e outros (2006). pequenos espaços de seu apartamento. Durante a infância, já demonstrava gosto por aquilo que viria a ser sua profissão, aproveitando as tintas para tecido que a mãe usava no trabalho e mesclando cola com remédios de cores fortes para criar suas ARQUIVO PESSOAL primeiras ilustrações. Desde essa época, já demonstrava dificuldades para se relacionar com as pessoas, não tinha muitos amigos. Só 1 começou a fazer parte de um grupo na pré-adolescência, com meninos que estudavam no mesmo colégio e moravam perto dele. No 2 1° Colegial, uma garota foi responsável pelo sucesso de Mutarelli na sala de aula e contribuiu para que ele fizesse amizade com todos: o então menino tinha mania de ficar desenhando em caixinhas de goma de mascar desmontadas, até que, um dia, ela viu uma dessas obras e mostrou para todos da sala, que adoraram. Do mesmo jeito que os desenhos 3 fizeram com que ele conquistasse amigos na adolescência, causaram AR Q UI VO certa rejeição na fase adulta, quando grandes artistas, como Laerte e PE SS O AL Angeli, faziam sucesso com outro tipo de quadrinhos, enquanto os seus eram considerados estranhos demais para serem publicados. Essa indiferença só 4 foi mudar quando entrou no universo da literatura, onde todos o aceitaram muito melhor. 48 Brasileiros
  • 4. Homem de família o primeiro contato com a esposa, Lucimar, veio em uma palestra na gibiteca Henfil, em maio de 1991, onde estariam nomes como Angeli, Glauco Mattoso e Francisco Marcatti. Lucimar, que começou a lecionar Educação Artística naquele ano, frequentava a gibiteca por causa de uma amiga, e gostava muito da linguagem dos quadrinhos. Foi até a palestra e acabou se surpreendendo com Lourenço, que substituía Angeli. “A partir do momento que ele começou a falar, me interessou muito, porque sua fala era muito diferente da fala do Glauco e do Marcatti”, relembra. Não hesitou em pedir seus contatos: anotou nome, endereço, telefone, RG e, claro, estado civil, pois ali também surgia um interesse pessoal. Dias depois, recebeu um pacote de Mutarelli com seus primeiros trabalhos, entre eles, Transubstanciação – que primeiro leu o texto para, depois, reler, prestando atenção nos desenhos. O álbum a encantou tanto a ponto de escrever uma carta para Lourenço, mas não obteve resposta. ARQUIVO PESSOAL ARQUIVO PESSOAL ARQUIVO PESSOAL 1 2 3 LEMBRANÇAS Três meses depois, ao procurar na agenda o telefone de alguém para 1. Em casa, com Lucimar e conversar, lembrou-se de Mutarelli e decidiu ligar. Do outro lado, ele Francisco (2001). 2. Avô de revelou que também estava à procura de alguém para falar, e, no Lourenço, Francisco Mutarelli. 3. Com o filho no escritório momento em que atendeu ao telefone, já se lembrou da menina que (2001). conhecera na gibiteca. A empatia entre os dois foi muito grande durante a conversa, tanto que marcaram um encontro para o sábado seguinte, e logo começaram a namorar. “Depois desse dia, desse encontro em agosto, a gente começou a namorar e são 20 anos sem separações”, conta. Três anos após conhecer a futura esposa, Lourenço lançou Eu te Amo Lucimar, considerado uma declaração de amor pública. O álbum, que conta a história dos gêmeos Cosme e Damião, traz referências claras a ela: o signo de Lucimar é gêmeos; os irmãos tem 11 anos cada, porque quando Mutarelli a conheceu ela tinha 22 anos; e há uma professora de Educação Artística no enredo. A homenageada conta “Eu impliquei no começo com o título, porque achava meio brega, mas depois lendo a história, o texto me comoveu muito.”. Atualmente, a história ainda agrada seu autor, mas Lourenço diz que não gosta dos desenhos; é assim também com a maioria de seus trabalhos antigos. Brasileiros 49
  • 5. capa especial quadrinhos Do casamento, nasceu Francisco, nome que faz referência ao opinião sobre os trabalhos de avô de Lourenço. Hoje, com 15 anos, o garoto tem todas as Lourenço. A primeira leitura é sempre características de um adolescente comum de sua idade, preferindo feita por ela: “Eu tenho um defeito de passar o tempo livre em redes sociais no computador, bem ser muito crítica e não pensar muito diferente do pai que, com a mesma idade, já se dedicava ao pra falar, então eu acabava de ler e já desenho e aos livros. Dos trabalhos de Lourenço, os maiores tecia os primeiros comentários”, diz. Já contatos foram com as adaptações para o teatro e cinema, mídias Lourenço acha essencial saber o que a que atingem mais facilmente essa faixa etária. Tímido, não gosta esposa pensa, mas confessa que nem muito de falar, e só saiu de seu quarto para posar em uma foto sempre acata as sugestões. No caso do com os pais depois que Lucimar pediu com jeito. A família, muito próximo álbum, o palpite foi aceito: unida, possui registros fotográficos de viagens e vários momentos “Ela deu uma opinião na edição. Na juntos, organizados pela própria Lucimar em inúmeros álbuns hora eu achei bobagem, mas quando com legendas, datas e anotações. Ela conta que tem fotos de eu estava montando lembrei o que ela Francisco desde que ele nasceu até agora. falou e coloquei daquele jeito. Ficou Nos primeiros anos em que se dedicava exclusivamente aos muito melhor.”. No período em que o quadrinhos, Lourenço pode contar com a ajuda da esposa para as autor preferia ficar enclausurado em despesas maiores da casa, já que tinha pouco retorno financeiro. casa e dependia de remédios, a esposa também permaneceu do seu lado. Questionado sobre o relacionamento com a família, Lourenço demonstra ARQUIVO PESSOAL ARQUIVO PESSOAL certo incômodo por já ter feito algumas declarações no passado, dizendo que hoje elas não fazem mais sentido: “Eu acho que tem muita ficção na nossa lembrança, é difícil ler ou ver as entrevistas que eu já dei no passado, porque eu mudei muito nos últimos tempos, e essas coisas pra mim já não tem mais muita relevância”, e se esquiva da pergunta. Sucinto, diz 1 2 apenas que: “Pra mim, eles são muito importantes, a gente é uma equipe”, AMOR EM DOBRO 1. Com a esposa, em falando sobre Lucimar e Francisco. Na Belo Horizonte (2007). verdade, nem é preciso palavras para 2. Com o filho recém- constatar que o trio tem um laço forte nascido (1995). de amor e amizade, pois as fotos e desenhos emoldurados nas paredes e Lucimar trabalhava em duas escolas, e outros detalhes revelam um Lourenço segurava as contas com a ajuda do salário do companheiro para os dois, orgulhoso marido, “Eu fazia isso com prazer porque era pela família que tem. “Acho que a muito apaixonante ver a dedicação que ele tinha, família é muito importante para o saber as histórias que ele queria contar, então ele Lourenço, essa base, de ter a casa ia produzindo e eu não me importava, até hoje se para voltar, a esposa que sempre precisasse eu faria com muito bom gosto”. Isso apoia, o filho. Ele é muito mudou quando Mutarelli passou a ter contratos companheiro, agradável, é uma pessoa no cinema e a receber melhor, passando a ser o incrível de conviver, porque não tem mantenedor. Mas, até hoje, os contatos via e-mail nada que você não possa conversar. Eu são administrados por ela, pois o marido tem acho que, nesses 20 anos, nunca certa aversão ao computador. Além do apoio precisei de terapia porque ele é um financeiro, Lucimar também participa dando ótimo ouvinte”, comprova Lucimar. 50 Brasileiros
  • 6. Claudio, atualmente, é fotógrafo, mas entrou no curso com o mesmo interesse de Lourenço pelas artes, em especial, a pintura. Bem humorado, dá para sentir no tom da fala a falta que faz o período em que estudavam juntos, relembrando os bons momentos “Nós tínhamos que entregar uma avaliação e ele começou a desenhar eu e um amigo nosso, e eu falei vamos fazer isso. Nós pegamos a casa da avó dele e ficamos a madrugada toda, no final, com todo mundo cansado, ele fez um desenho de cada um já caído, e foi a conclusão do nosso trabalho”. Ele faz parte das três pessoas que Lourenço fazia questão de serem os primeiros a ler seus trabalhos antes de qualquer um. O time também contava com sua esposa e seu pai, que faleceu por conta de um câncer na próstata em 2001. No tempo em que estudava, Mutarelli fazia dos desenhos apenas um hobbie, e Cammarota o incentivou por considerar o trabalho dele de ótima qualidade, algo que não existia ainda naquele momento “Eu achei o desenho muito bem feito e elaborado e, ao mesmo tempo, tem um pouco de história, tem uma coisa de alma, é um trabalho autoral”, diz o fotógrafo sobre o que pensou quando viu as primeiras ilustrações do amigo. Atualmente, é bem mais fácil encontrar desenhistas que fazem o estilo de Lourenço, contando histórias um tanto quanto autorais e, até certo ponto, autobiográficas, dando a ele o título de pioneiro do gênero no Brasil, já que em sua época não era algo tão comum, como confirma Lucimar: “Depois que ele apareceu é que A FACULDADE FOI “ UM SONHO. Foi a primeira vez que começaram a surgir outros quadrinhistas mais autorais, mais calcados nos quadrinhos europeus, argentinos, não consigo entender porque demorou tanto.”. Claudio sempre foi companheiro, estando ao lado de Lourenço nos momentos críticos em que sofria suas crises, e o apoiando todas as matérias me no trabalho. Até hoje, apesar de não poderem se ver tanto por conta da correria do cotidiano, ainda mantém a amizade da época da faculdade. interessavam, eram Mas o companheiro de estudo de Lourenço não é seu único amigo de fascinantes. ” longa data. Uma das características de sua personalidade é não conseguir separar o profissional do pessoal, criando, assim, laços com seus editores e parceiros. Seu atual editor, Thyago Nogueira, da Companhia das Letras, define bem essa característica “Não tem Lourenço profissional e Criança solitária no primário e Lourenço pessoa, a relação profissional passa por um campo pessoal, a coisa está adolescente cheio de amigos no muito entranhada pra ele”. Além dele, os sócios de sua antiga editora Devir, Douglas colégio, Lourenço lembra com mais Quintas Reis e Mauro dos Prazeres também eram muito próximos a ele, só se saudade do curso superior “A distanciando depois que Lourenço decidiu sair de lá. Quando trabalhava com faculdade foi um sonho. Foi a primeira Douglas, que já o conhece há cerca de 25 anos, era comum que, para resolver vez que todas as matérias me questões profissionais, fossem tomar um café ou, até mesmo, dar uma volta no interessavam, eram fascinantes”. parque. Não é difícil entender por que isso acontece, já que passando pouco tempo Começou a estudar Licenciatura em com ele, conversando sobre os mais diversos assuntos, percebemos que Mutarelli é Educação Artística na Faculdade Belas alguém muito agradável de conviver. Apesar de artista, se mostra muito próximo Artes, em 1983, curso com duração da realidade da maioria de seus admiradores. de dois anos. Apesar de o talento existir ESBOÇO desde a infância, ter passado por essa Assim como é difícil separar o profissional do pessoal, Lourenço praticamente experiência foi importante para o funde a realidade com a ficção que surge em sua na mente, em suas criações. Todo crescimento de Lourenço. Foi lá que o universo dele pode ser observado em suas obras, pois elementos de seu dia a dia conheceu Claudio Cammarota, que, e da sua vida são utilizados como inspiração. Seus amigos, parentes e, até mesmo, até hoje, é seu grande amigo, seus gatos, que habitam em seu apartamento, já serviram de referência, seja acompanhando Mutarelli em todas as explicitamente, colocando os traços e nomes iguais aos homenageados, ou apenas fases desde o começo de sua carreira. trazendo algumas características sutis. Brasileiros 51
  • 7. capa especial quadrinhos Thyago Nogueira, editor da Companhia das Letras, considera essa característica uma das qualidades de Lourenço, como uma facilidade de incorporar e misturar discursos, mesclando referências literárias com acontecimentos do cotidiano “Isso me impressiona muito, a capacidade de ser conciso e de construir cenas complexas e profundas, delinear personagens com uma coisa muito sintética. (...) Tem um português completamente coloquial misturado com uma alta literatura sofisticada”. A vontade de viver dos quadrinhos apareceu enquanto ele estudava na Faculdade Belas Artes, quando 1 Claudio Cammarota foi ver um emprego nos estúdios Maurício de Sousa e ele resolveu ir junto. Ficou lá por volta de dois anos e meio, e teve acesso a um acervo repleto de exemplares mais contemporâneos de histórias em quadrinhos, que iam muito além do gênero infantil que o estúdio produzia. Quando a revista Circo começou a ser publicada, não teve dúvidas: queria fazer do hobbie um trabalho. Suas primeiras obras, os fanzines 2 Over-12 e Solúvel, publicados em 1988 e 1989, respectivamente, pela PE SS O AL extinta editora Pro-C, de Francisco AR Q UI VO Marcatti, já traziam um pouco da característica soturna de Lourenço, revelando muito de sua personalidade. Nos álbuns Transubstanciação, de 1991, e Desgraçados, de 1993, o MOMENTOS mundo sombrio e melancólico ainda TRANQUILOS apareciam, tendo alguma mudança 1. Com Lucimar, em seu apartamen- apenas em Eu te Amo Lucimar, de to. 2. Bebendo 1994, que, apesar de ainda ter uma uísque durante a história pesada, é em homenagem a entrevista. 3. Em sua esposa. Em A Confluência da um evento de quadrinhos. Forquilha, de 1997, o foco abordado (1996) muda para uma crítica ao momento político vivido naquela época, enquanto Sequelas, de 1998, traz um apanhado das primeiras histórias do 3 começo da carreira. 52 Brasileiros
  • 8. Sobrenome: comprometimento D isciplina sempre foi um ponto forte na área profissional de Lourenço. O hábito de desenhar o acompanha desde a infância, mas foi na adolescência que começou a se dedicar realmente. Na época, um amigo músico tinha o costume de estudar piano, pelo menos, quatro horas por dia, o que motivou Mutarelli a aproveitar o tempo que ficava sozinho para praticar. Sempre que está envolvido em algum projeto, como em seus álbuns de quadrinhos, livros de romances ou qualquer outro trabalho, a rotina é muito regrada: acorda cedo e, depois dos principais afazeres, já começa a se dedicar, seguindo até a noite. Atualmente, mesmo com sua última obra já finalizada, o dia a dia não está menos corrido, pois ele está envolvido em oficinas, palestras, dá aula para amigos e ainda tem muitas ideias para livros e peças de teatro; HOMEM TRABALHO 1. Com os sócios da Devir, o que falta é tempo para colocá-las em prática. Para um homem cuja Mauro dos Prazeres e Douglas mente está em constante produção, o dia, com certeza, deveria ter Quintas Reis, em Portugal (2001). 2. Em sua mesa de muitas horas a mais. trabalho, por Claudio Camma- rota (1994). 3. Oficina no Centro Cultural São Paulo. ARQUIVO PESSOAL CLAUDIO CAMMAROTA 1 2 3 A Brasileiros foi a uma de suas oficinas, com duração de dois dias, no Trabalhando em casa, o Centro Cultural São Paulo, e pudemos ver o comprometimento de autor não abre mão de certos Lourenço com seu trabalho. Sempre simpático, chegou antes do horário rituais, como ouvir música e conversou com todos que foram até ele. Com nossa equipe, estava instrumental, tão pesada quanto sempre disponível para ajudar no que fosse preciso, nos deixando muito seus primeiros trabalhos, quando à vontade. Quando a aula começou, fez questão de conhecer um por um está se dedicando aos dos inscritos, com direito a perguntar nome, profissão e ligação com o quadrinhos. O aparelho de som desenho. Aliás, a oficina ajudou a desenvolver não só o traço dos que ele utiliza foi um presente de participantes, mas também a escrita. Em seguida, fez algumas Lucimar. Já para o texto, o atividades, pedindo para que duplas desenhassem (ou descrevessem) os escritor prefere o silêncio. Em companheiros exatamente como os viam, sem se preocupar com a seu escritório, um acúmulo de perfeição; depois, pediu para fazerem o mesmo, mas com a mão oposta material de trabalho, recados e – os que trabalharam texto poderiam tentar a técnica dadaísta de fotos no mural, referências e recortar as palavras e reconstruí-lo. Após os exercícios, Mutarelli revelou distrações, como seus CDs e mais um pouco de seu cuidado, mostrando slides detalhados que ele miniaturas de personagens mesmo preparou para contar o processo de como fazer quadrinhos, (inclusive uma do seu Cãozinho entre outros assuntos. Para deixar o clima ainda mais descontraído, abriu sem Pernas). Para um artista tão espaço para as dúvidas dos alunos, e não hesitou em dar uma pausa para peculiar, não poderia ser autografar suas obras ou analisar o trabalho alheio. diferente. Brasileiros 53
  • 9. capa especial quadrinhos É interessante ver como a personalidade tranquila de Lourenço conflita hábito”, revela. Com a quantidade de com o que era retratado nos quadrinhos. Enquanto muita gente achava que projetos e afazeres, não tem tido muito todas as obras eram completamente biográficas, sem se dar conta que algumas tempo nem mesmo para a leitura: histórias eram absurdas demais para ser verdade, pessoas que conviviam com “Estou envolvido com muitas coisas, ele, como Cammarota, só puderam conhecer essa outra face mais obscura do e aí o tempo que eu leria eu acabo escritor por meio de seu trabalho, tamanha a diferença entre o real e o vendo televisão e jogando paciência, retratado. Douglas Quintas Reis, da editora Devir, de certa forma, explica me esvaziando.”. Apesar disso, as essa característica “Eu acho que o Lourenço é um cara tranquilo ou educado, antigas influências literárias ainda porque ele sublima tudo no quadrinho. Ele põe tudo pra fora nas histórias que parecem estar presentes. ele escreve, independente de ser uma coisa encomendada ou não.”. Foi dependente de remédios A coisa só começou a mudar quando Douglas sugeriu a Lourenço que quando sofria de síndrome do Pânico, criasse um personagem, dando a vida então a Diomedes, protagonista da entre eles, o já famoso Lorax, que trilogia O Dobro de Cinco, O Rei do Ponto e A Soma de Tudo I e II. Na história, acabou se tornando símbolo do o detetive é a própria personificação do pai de Lourenço, e traz também como escritor entre seus fãs mais personagens seus antigos chefes, Douglas e Mauro dos Prazeres. Além deles, o apaixonados. Hoje, livre da amigo e também desenhista-escritor Glauco Mattoso aparece na trama, fazendo dependência, pode voltar a beber e o papel dele mesmo, enquanto o amigo Claudio Cammarota surge em forma consegue conviver melhor socialmente, de vilão, como o violento Gambero. Claudio também apareceu como ele mesmo tirando o estereótipo de artista em A Caixa de Areia ou Eu era Dois em Meu Quintal, que retrata com um antissocial, contando com uma vasta pouco de ficção e realidade a vida de Lourenço, enquanto Douglas Quintas quantidade de amigos e boa recepção Reis ganhou uma versão em desenho de um pesadelo que sempre tinha quando entre companheiros de trabalho. criança, na coletânea Mundo Pet, único álbum de Lourenço completamente Algo que todos os entrevistados em cores – já que o autor é amante declarado do nanquim em preto e branco. concordaram, dito pelo antigo amigo Todos que participaram de alguma forma se sentem lisonjeados com a e parceiro de trabalho Rogério de homenagem, sentem-se felizes com isso. Campos, é que L ourenço, sem A trajetória de Lourenço pelo mundo da literatura começou por acaso, dúvida, influenciou não só a geração quando percebeu que a ideia que teve para O Cheiro do Ralo não se adaptaria de desenhistas, mas todos de uma muito bem como quadrinho. Após o lançamento do livro, muitas portas foram forma em geral, por insistir em fazer abertas, tanto para a vida social quanto profissional, já que ele foi muito bem o que gosta, independente do que os recebido no meio literário, diferente do que aconteceu nos anos 1980 com o outros acham “Ele tem uma coisa que pessoal dos quadrinhos, principalmente depois que a obra foi levada aos cinemas, é profundamente libertadora, que é com o diretor Heitor Dhalia e Selton Mello como protagonista. Fez muitos assim: ‘danem-se’ editores, ‘dane-se’ amigos, inclusive na área cinematográfica e no teatro, depois que outras obras todo mundo, vou fazer o que eu ganharam adaptações. Acabou virando desenhista, escritor, ator e até diretor. quero. E ele consegue fazer, essa é a Além da novidade de usar a técnica com tinta acrílica, outro item inédito no coisa mais bacana.(...) É na base do novo álbum Quando meu Pai se Encontrou com o ET, Fazia um Dia Quente, ‘se ele pode eu também posso’, essa com lançamento programado ainda para esse ano, é o fato de cada ilustração é a mensagem que o Mutarelli colocou estar em uma página, na horizontal, contando a história de um homem que, para várias pessoas”, diz o amigo. após perder a mulher, decide morar num barco e parte em uma viagem. Mais do que isso, Lourenço acaba ARTE FINAL sendo um exemplo de superação. Atualmente, com 46 anos, Lourenço parece cada vez mais maduro e Superou-se quando provou que tranquilo. Sentado em seu sofá, acariciando a gata Mentira – que tem a poderia viver do que gostava de fazer; companhia de outros três, Doutor, Doutora e Gepreta – e tomando um copo quando mostrou que poderia se de uísque, revela um momento, até então, não vivido e talvez nem imaginado. libertar dos remédios e ter uma vida Em sua época mais retraída, houve períodos em que gostava de ficar dias em tranquila; quando não quis ficar no casa, sem sair para nada, nem ao menos para ir ao mercado. Hoje, confessa que era fácil e experimentar sempre, que não gosta muito de sair pelas dificuldades encontradas na cidade – como aumentando cada vez mais sua trânsito, lei antifumo, e outros – mas que gosta muito de receber os amigos. capacidade humana e artística. Seria Além disso, dá voltas no bairro e até aprendeu a se distrair assistindo TV “De maravilhoso se tivéssemos mais uns tempos pra cá eu comecei a assistir televisão, é uma coisa que não tinha o pessoas como Mutarelli por aí. 54 Brasileiros
  • 10. 1 DETALHES 1. Espaço na estante da sala de estar do apartamento. 2. Cadernos utilizados por Lourenço para desenhar. 2 Trajetória de SUCESSO 1988 /1989 1991 1993 1994 1997 1998 Over-12 e Solúvel Transubstanciação Desgraçados Eu Te Amo Lucimar A Confluência da Sequelas Os dois títulos foram O protagonista passa Mutarelli continua Com arte mais limpa, o Forquilha A coletânea fanzines com os por uma transfor- com os personagens livro conta a história de Com crise financeira traz um primeiros trabalhos mação a partir de um sensíveis e atormentados Cosme, que assassina seu no Brasil, é uma apanhado de Lourenço, que já momento de sua vida. vivem em um universo irmão gêmeo Damião e denúncia contra a dos primeiros mostravam o seu es- Literalmente biográfi- de pessoas deformadas entra em depressão, só depreciação das desenhos dos tilo. A distribuição era co, se tornou a porta de física e moralmente, com se libertando depois que histórias em quadrin- fanzines, tra- feita pelo próprio au- entrada para o merca- traço sombrio e se apaixona pela sua hos, onde o protago- balhos inédi- tor, com tiragem de do de quadrinhos do melancólico. professora de desenho nista trabalha apenas tos e outros. 500 exemplares. Brasil. geométrico. por dinheiro. 1999 2000 2001 2002 2004 2006 O Dobro de Cinco O Rei do Ponto A Soma de A Soma de Mundo Pet A Caixa de Areia Apresenta Diomedes, o No segundo livro da Tudo 1 Tudo 2 Traz histórias produzi- ou Eu Era Dois detetive incapaz de série, o detetive tenta Diomedes vira Encerra a das para o site Cy- em Meu Quintal solucionar casos. Em solucionar mais um detetive inter- trilogia, des- bercomix. Fugindo do Auto-biográfico, traz busca de Enigmo, enigma complexo, e continental, em vendando os preto e branco, uma história que um antigo mágico por pouco não cai em Portugal, e ten- mistérios da Lourenço faz uso de mescla experiências desaparecido, se uma armação. A ta solucionar trama e tam- muitas cores e recur- pessoais e ficção, envolve mais do que história é cheia a in- um caso que vai bém o segre- sos como colagens e trazendo memórias e devia em uma história trigas, aventura, além das aparências, do guardado pelos programas de com- devaneios da infância cheia de mistérios. solidão e humor. confundindo sua ca- habitantes de Lisboa. putação. e dos dias atuais. beça e dos leitores. 2002 2004 2004 2008 2009 2010 O Cheiro do Ralo O Natimorto Jesus Kid A Arte de Produzir Miguel e os Demônios Nada me Faltará Primeiro romance Relação perturba- Um escritor estilo Efeito Sem Causa Conta a história do Apenas com diálogos, de Lourenço, dora entre o Agente, western atravessa fase O protagonista sem policial Miguel, em conta a história de conta a rotina que lê o destino em difícil porque seu perspectivas na vida uma trama que Paulo, que desaparece do dono de uma maços de cigarro, e personagem não perde a tranquilidade envolve pedofilia, com esposa e filha res- loja de anti- sua cantora recém- vende, e é contrata- quando começa a re- possessão, múmias surgindo um ano de- guidades e sua descoberta. Com tex- do para escrever um ceber pacotes anôni- mexicanas, seitas pois, sozinho. Sem se batalha contra to todo em diálogos, roteiro de filme. É mos com recortes an- estranhas e outros lembrar de nada, o cheiro do ralo do se assemelha ao uma crítica ao mer- tigos, fazendo com fatos que o levam a acaba misturando banheiro e suas ob- roteiro de uma HQ cado editorial e ao que entre no mundo um verdadeiro infer- ficção e realidade. sessões. sem imagens. cinema. da insanidade. no. Brasileiros 55