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DRAGÕES – 1º ESQUADRÃO
ASSUNTO: ACÇÃO PUNITIVA DE PACIFICAÇÃO DE 250930 ABR NA
SANZALA MIHINJO
Para cumprimento no exarado em alínea c) nº 2 das Normas para a actividade
operacional, nº 2 do C. M. A. (Q.G.-3ª Rep.) 21ABR61
Pelas 09H00 o Esquadrão () estava na Funda, onde integrou na coluna um
“Land-Rover vermelho” com dois civis e o regedor da localidade (um preto). Este
informou que pelo menos 5 dos agressores de José Augusto Moreira e Joaquim da Silva
Coelho estavam na Sanzala MIHINJO, já tinha estado com eles e que tinham
confessado.
às 09H30 estávamos a 1 Klm. da sanzala.
Avançou a viatura dos civis com mais o guia da coluna – o António Machado da
Cruz, armado de 375 com a missão de deixar o regedor na sanzala para ir reunindo o
povo para uma “conversa sua”.
Às 09H45 partiu a coluna a toda a velocidade, cercando a sanzala. Operação em
U apoiando as extremidades no Rio Bengo.
Pelas 10H00 o regedor e o soba da sanzala separou 5 dos agressores que se
sentaram no chão, com guarda.
Interrogados por mim, confessaram que tinham estado na confusão com os
brancos.
 Quem é que tirou a espingarda?
 Fui eu, disse um deles.
O Soba já tinha entregado a espingarda ao regedor.
Pelas 10H30 estava montado o dispositivo em anexo.
Às 10H35 deu-se início à cerimónia:
1 – O soba falou ao povo explicando a razão da cerimónia, acrescentando: 
Quando tem razão de queixa, faz mesmo queixa no regedor, não pode fazer mesmo
justiça pelas suas mãos. Aqueles homens quis matar mesmo. Vai morrer… etc. etc.
2 – Clarim tocou a sentido, ombro arma, apresentar arma.
3 – Furriel Helder disse:
 Pelotão de execução, preparar, apontar. Fogo.
4 – As 6 P.M. dispararam. Os terroristas caíram.
5 – Avançaram os cortadores de cabeças. Cumpriram a sua missão.
6 – Avançou o soba. Colocou as cabeças nos paus. Ficaram dois sem cabeça. As
cabeças ficaram espetadas pela boca, submissamente viradas para o chão.
7 – Clarim tocou ombro arma, apresentar arma.
8 – Soba falou ao povo, explicando a razão porque tinham ficado dois paus sem
cabeça, à espera dos futuros não respeitadores da lei.
9 – Ao soba eu disse: os corpos podem ser enterrados as cabeças ficam sete dias,
os paus ficam para sempre.
10 – O Esquadrão regressou ao Quartel.
11 – Levei a secção Penaguião ao Hospital para que vissem os dois agredidos
 Um estava em coma, na reanimação.
 O outro já se sentava.
Ambos quase irreconhecíveis, pois tinham sido barbaramente agredidos à
catanada, pedrada e paulada.
Foram assaltados no Klm. 56 do C.F. – Fundo Cabiri, quando levavam um
indígena preso para o regedor da Funda: operação efectuada a pedido do regedor.
---- X ----
REACÇÕES:
Do povo da sanzala – completamente esmagados pelo aparato da cerimónia.
Nem uma palavra, um gesto, um choro de criança sequer.
Os condenados – inicialmente com ar arrogante, a gesticular e falar muito com o
regedor e soba. Quando se começaram a [?] os paus, ficaram calados. O mais novo,
nessa altura, disse que três já tinham fugido. No final já estavam com a assistência
indígena, completamente vencidos e conformados.
Os civis – guia e 2 ocupantes do “Land Rover”, um pouco impressionados:
 Isto é impressionante, mas tem de ser.
O nosso pessoal militar: de uma maneira geral, pálidos. Cerca de 20% com o
olhar incerto e assustado. Cerca de 10% prestes a desmaiar. O resto portou-se bem.
As catanas têm de estar bem afiadas (não estavam) saltavam ao bater, como se
fosse em borracha. O corte da catana requer a sua técnica não deve ser em pancada
directa e seca. A lâmina deve bater em movimento de translação ao longo do fio. Golpe
de corte dos alfanges árabes.
CONCLUSÃO
1) – No respeitante ao efeito da cerimónia, no elemento indígena, teremos de
esperar uns dias pelos relatórios dos administradores da região.
2) – No pessoal: Foi fortemente sacudido e posto pela primeira vez perante a
realidade de uma guerra total de sobrevivência sem quartel. A experiência foi-
lhe benéfica, pois:
Quando o pelotão parou, já na estrada de Catete, a ordem dada a uma secção
para juntar o pessoal e revistar uma pequena sanzala de um dos lados da estrada
foi cumprida com uma eficiência, rapidez e entusiasmo jamais vistos nas
operações anteriores desta natureza. No final verificou-se serem Bailundos.
Foram-lhes restituídas as catanas, enxadas e demais ferros com “pancadas nas
costas”. O Sargento enfermeiro interveio pela primeira vez, para pensar um
buraco de uma baioneta mais impaciente no braço de um deles. Afastámo-nos
com gestos de adeus, de parte a parte.
Luanda, 27 de Abril de 1961
O Comandante do 1º esquadrão de Dragões
[ass.]
[identificação no original]
Cap. De Cav.ª

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  • 1. DRAGÕES – 1º ESQUADRÃO ASSUNTO: ACÇÃO PUNITIVA DE PACIFICAÇÃO DE 250930 ABR NA SANZALA MIHINJO Para cumprimento no exarado em alínea c) nº 2 das Normas para a actividade operacional, nº 2 do C. M. A. (Q.G.-3ª Rep.) 21ABR61 Pelas 09H00 o Esquadrão () estava na Funda, onde integrou na coluna um “Land-Rover vermelho” com dois civis e o regedor da localidade (um preto). Este informou que pelo menos 5 dos agressores de José Augusto Moreira e Joaquim da Silva Coelho estavam na Sanzala MIHINJO, já tinha estado com eles e que tinham confessado. às 09H30 estávamos a 1 Klm. da sanzala. Avançou a viatura dos civis com mais o guia da coluna – o António Machado da Cruz, armado de 375 com a missão de deixar o regedor na sanzala para ir reunindo o povo para uma “conversa sua”. Às 09H45 partiu a coluna a toda a velocidade, cercando a sanzala. Operação em U apoiando as extremidades no Rio Bengo. Pelas 10H00 o regedor e o soba da sanzala separou 5 dos agressores que se sentaram no chão, com guarda. Interrogados por mim, confessaram que tinham estado na confusão com os brancos.  Quem é que tirou a espingarda?  Fui eu, disse um deles. O Soba já tinha entregado a espingarda ao regedor. Pelas 10H30 estava montado o dispositivo em anexo. Às 10H35 deu-se início à cerimónia:
  • 2. 1 – O soba falou ao povo explicando a razão da cerimónia, acrescentando:  Quando tem razão de queixa, faz mesmo queixa no regedor, não pode fazer mesmo justiça pelas suas mãos. Aqueles homens quis matar mesmo. Vai morrer… etc. etc. 2 – Clarim tocou a sentido, ombro arma, apresentar arma. 3 – Furriel Helder disse:  Pelotão de execução, preparar, apontar. Fogo. 4 – As 6 P.M. dispararam. Os terroristas caíram. 5 – Avançaram os cortadores de cabeças. Cumpriram a sua missão. 6 – Avançou o soba. Colocou as cabeças nos paus. Ficaram dois sem cabeça. As cabeças ficaram espetadas pela boca, submissamente viradas para o chão. 7 – Clarim tocou ombro arma, apresentar arma. 8 – Soba falou ao povo, explicando a razão porque tinham ficado dois paus sem cabeça, à espera dos futuros não respeitadores da lei. 9 – Ao soba eu disse: os corpos podem ser enterrados as cabeças ficam sete dias, os paus ficam para sempre. 10 – O Esquadrão regressou ao Quartel. 11 – Levei a secção Penaguião ao Hospital para que vissem os dois agredidos  Um estava em coma, na reanimação.  O outro já se sentava. Ambos quase irreconhecíveis, pois tinham sido barbaramente agredidos à catanada, pedrada e paulada. Foram assaltados no Klm. 56 do C.F. – Fundo Cabiri, quando levavam um indígena preso para o regedor da Funda: operação efectuada a pedido do regedor. ---- X ---- REACÇÕES: Do povo da sanzala – completamente esmagados pelo aparato da cerimónia. Nem uma palavra, um gesto, um choro de criança sequer.
  • 3. Os condenados – inicialmente com ar arrogante, a gesticular e falar muito com o regedor e soba. Quando se começaram a [?] os paus, ficaram calados. O mais novo, nessa altura, disse que três já tinham fugido. No final já estavam com a assistência indígena, completamente vencidos e conformados. Os civis – guia e 2 ocupantes do “Land Rover”, um pouco impressionados:  Isto é impressionante, mas tem de ser. O nosso pessoal militar: de uma maneira geral, pálidos. Cerca de 20% com o olhar incerto e assustado. Cerca de 10% prestes a desmaiar. O resto portou-se bem. As catanas têm de estar bem afiadas (não estavam) saltavam ao bater, como se fosse em borracha. O corte da catana requer a sua técnica não deve ser em pancada directa e seca. A lâmina deve bater em movimento de translação ao longo do fio. Golpe de corte dos alfanges árabes. CONCLUSÃO 1) – No respeitante ao efeito da cerimónia, no elemento indígena, teremos de esperar uns dias pelos relatórios dos administradores da região. 2) – No pessoal: Foi fortemente sacudido e posto pela primeira vez perante a realidade de uma guerra total de sobrevivência sem quartel. A experiência foi- lhe benéfica, pois: Quando o pelotão parou, já na estrada de Catete, a ordem dada a uma secção para juntar o pessoal e revistar uma pequena sanzala de um dos lados da estrada foi cumprida com uma eficiência, rapidez e entusiasmo jamais vistos nas operações anteriores desta natureza. No final verificou-se serem Bailundos. Foram-lhes restituídas as catanas, enxadas e demais ferros com “pancadas nas costas”. O Sargento enfermeiro interveio pela primeira vez, para pensar um buraco de uma baioneta mais impaciente no braço de um deles. Afastámo-nos com gestos de adeus, de parte a parte. Luanda, 27 de Abril de 1961 O Comandante do 1º esquadrão de Dragões [ass.] [identificação no original] Cap. De Cav.ª