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A SUGESTÃO DE EDGAR MORIN
PARA O ENSINO DAS INCERTEZAS DAS CIÊNCIAS DA
EVOLUÇÃO QUÍMICA E BIOLÓGICA
UMA BIBLIOGRAFIA BREVEMENTE COMENTADA
Enézio Eugênio de Almeida Filho1
1 Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Ms em História da Ciência
Doutorando no Programa de Estudos Pós-Graduados em História da Ciência
Rua Marquês de Paranaguá, 111 – Prédio I, 1º. Andar, sala 2
01303-050 – Consolação – São Paulo – SP
Email: neddy@uol.com.br
Em 1999, Edgar Morin fez a seguinte sugestão à
UNESCO para a educação do futuro :
“As ciências permitiram que adquiríssemos muitas
certezas, mas igualmente revelaram, ao longo do
século XX, inúmeras zonas de incerteza. A
educação deveria incluir o ensino das incertezas
que surgiram nas ciências físicas (microfísica,
termodinâmica, cosmologia), nas ciências da
evolução biológica e nas ciências históricas.”
Os sete saberes necessários à educação do futuro,
p.16.
A sugestão de Morin à UNESCO
No Origem das Espécies (1859), Darwin admitiu a
existência de sérias objeções científicas à sua teoria
(são quatro capítulos - 30% do livro), salientando que
suas inferências poderiam ter interpretações diferentes,
visões extremas da evolução:
“Estou bem a par do fato de existirem neste volume
pouquíssimas afirmativas acerca das quais não se
possam invocar diversos fatos passíveis de levar a
conclusões diametralmente opostas àquelas às quais
cheguei. Uma conclusão satisfatória só poderá ser
alcançada através do exame e confronto dos fatos e
argumentos em prol deste ou daquele ponto de vista, e
tal coisa seria impossível de se fazer na presente obra.”
Origem das Espécies, Villa Rica, Rio de Janeiro/Belo
Horizonte, 1994, p. 36.
O convite de Darwin para o exame crítico de sua teoria
As atuais teorias da evolução química e biológica são aceitas pela comunidade
científica como tendo papel central nas ciências evolutivas química e biológica.
Nas grades curriculares das licenciaturas em Biologia das universidades
brasileiras públicas e privadas elas são apresentadas como temas científicos
concluídos e desprovidos de dificuldades fundamentais em um contexto de
justificação teórica.
O objetivo deste trabalho é expandir a sugestão feita à UNESCO por Morin no
seu livro Os sete saberes necessários à educação do futuro (2a ed. – São Paulo,
Cortez; Brasília, DF, UNESCO, 2000) de incluir o ensino de zonas de incertezas
nas ciências evolutivas demonstradas aqui através de alguns exemplos de
considerações feitas ao longo de quatro décadas por diversos especialistas em
artigos de publicações científicas especializadas de renome, brevemente
comentadas, destacando as implicações de suas conclusões, e sugerir ao MEC
a sua inclusão nas grades curriculares das licenciaturas em Biologia nas
universidades brasileiras.
.
1. Origem da vida
Experimento de Miller-Urey
http://science.msfc.nasa.gov/headlines/images/comet-seeds/anim.htm
DEAMER, D. W., The First Living Systems: a
Bioenergetic Perspective, Microbiology and Molecular
Biology Reviews, Vol. 61:239-261 (1997). As pesquisas da
origem da vida não resolveram os problemas de como a
energia no ambiente pode ser utilizada para energizar a
primeira célula viva. A química sempre trabalha contra a
formação de tais sistemas complexos através de reações
espontâneas naturais. Por isso, DEAMER é cético dos
modelos auto-organizacionais para a origem da vida.
Ele contesta a legitimidade dos experimentos de Miller-
Urey geralmente utilizados para apoiar a origem química da
vida nos livros-texto:
“This optimistic picture began to change in the late 1970s,
when it became increasingly clear that the early
atmosphere was probably volcanic in origin and
composition, composed largely of carbon dioxide and
nitrogen rather than the mixture of reducing gases assumed
by the Miller-Urey model (68, 77, 156). Carbon dioxide does
not support the rich array of synthetic pathways leading to
possible monomers, so the question arose again: what was
the primary source of organic carbon compounds?”
2. A embriologia e o desenvolvimento
WELLS, J., Haeckel’s Embryos and
Evolution: Setting the Record
Straight, The American Biology Teacher,
Vol. 61(5):345-349 (May, 1999). Neste
artigo, Wells demonstra que Haeckel
exagerou fraudulentamente os desenhos
dos embriões de vertebrados como
evidência de ancestralidade comum e
que estas figuras têm sido amplamente
reproduzidas por autores de livros
didáticos modernos de Biologia.
GOULD, S. J., Abscheulich!
(Atrocious!), Natural History (March,
2000). GOULD descreve neste artigo
como que os desenhos de Ernst
Haeckel, do século XIX, há muito tempo
foram reconhecidos como sendo
exageradamente inexatos. O autor
criticou o uso amplo desses desenhos
como prova da evolução.
RICHARDSON, M. et al., There is no highly conserved embryonic stage in the
vertebrates: implications for current theories of evolution and development,
Anatomy and Embryology, Vol. 196:91-106 (1997). Equipe de pesquisadores
internacionais pesquisou embriões de vertebrados reais para demonstrar que Ernst
Haeckel, embriologista do século XIX, forjou seus dados, mas, apesar disso, seus
desenhos têm sido usados em livros-texto como prova da evolução. Os embriões
de vertebrados pesquisados se desenvolvem bem diferentemente, e não têm
muitos dos altos níveis de semelhanças que geralmente são enunciados como
apoiando a hipótese de ancestral comum.
3. O registro fóssil GOULD, S. J., Is a new and general theory of evolution
emerging?, Paleobiology, Vol. 6(1):119-130 (January,
1980). Neste artigo, GOULD mostra como os cientistas
admitem o fato das formas intermediárias funcionais
serem difíceis de serem imaginadas e encontradas no
registro fóssil: “The absence of fossil evidence for
intermediary stages between major transitions in organic
design, indeed our inability, even in our imagination, to
construct functional intermediates in many cases, has
been a persistent and nagging problem for gradualistic
accounts of evolution.”
CARROLL, R. L., Towards a new evolutionary
synthesis, Trends in Ecology and Evolution, Vol.
15(1):27-32 (2000). CARROLL descreve neste artigo
como os modelos típicos de evolução são incapazes de
explicar o surgimento abrupto de novas espécies no
registro fóssil: “The most striking features of large-scale
evolution are the extremely rapid divergence of lineages
near the time of their origin, followed by long periods in
which basic body plans and ways of life are retained.
What is missing are the many intermediate forms
hypothesized by Darwin, and the continual divergence of
major lineages into the morphospace between distinct
adaptive types.”
4. As árvores filogenéticas
Árvore da Vida de Darwin – Séc. XIX
Árvore da Vida de Woese – Sécs. XX e XXI
PATTERSON, C. et al., Congruence Between
Molecular and Morphological Phylogenies,
Annual Review of Ecology and Systematics, Vol.
24: 153-188 (1993). Neste artigo PATTERSON et
al compararam as árvores filogenéticas baseadas
na morfologia com as baseadas em moléculas, e
descobriram que há muito pouca congruência
entre os dois tipos de árvores, dando a entender
que a evolução darwiniana tem feito predições
frágeis a respeito de confirmações esperadas de
ancestralidade comum a partir da biologia
molecular.
Eles expressaram desapontamento com suas
descobertas: “As morphologists with high hopes of
molecular systematics, we end this survey with our
hopes dampened. Congruence between molecular
phylogenies is as elusive as it is in morphology
and as it is between molecules and morphology.”
DOOLITTLE, W. F., Phylogenetic Classification and the Universal Tree,
Science, Vol. 284:2124-2128 (June 25, 1999). DOOLITTLE explica neste artigo que
a base da “Árvore da Vida” é impossível de se transformar numa árvore porque a
distribuição dos genes entre os principais grupos de vida não se encaixa num
padrão nítido de ancestralidade comum. DOOLITTLE afirmou: “Molecular
phylogenists will have failed to find the ‘true tree,’ not because their methods are
inadequate or because they have chosen the wrong genes, but because the history
of life cannot properly be represented as a tree.”
LOPEZ, P.; BAPTESTE, E., Molecular phylogeny: reconstructing the forest,
Comptes Rendus Biologies, doi:10.1016/j.crvi.2008.07.003 (2008). LOPEZ e
BAPTESTE abandonaram a caracterização da vida como uma “árvore” darwiniana.
Os autores preferem uma metáfora de “floresta”. Eles afirmam no artigo: “instead of
focusing on a elusive universal tree, biologists are now considering the whole forest
corresponding to the multiple processes of inheritance, both vertical and horizontal.
This constitutes the major challenge of evolutionary biology for the years to come.”
Assim, parece que as noções tradicionais de uma árvore da vida darwiniana estão
sendo abandonadas.
5. A seleção natural e os mecanismos de evolução
THOMSON, K. S., Macroevolution: The Morphological Problem, American Zoologist, Vol.
32: 106-112 (1992). THOMSON reconhece neste artigo que não há base racional suficiente
para justificar a afirmação de que mudanças fenotípicas de pequena escala possam ser
acumuladas para produzir inovações macroevolutivas.
MIKLOS, G. L., Emergence of organizational complexities during metazoan evolution:
perspectives from molecular biology, palaeontology and neo-Darwinism, Mem. Ass.
Australas. Palaeontols, Vol. 15: 7-41 (1993). Neste artigo, MIKLOS explica que meras
mudanças nas freqüências de genes (microevolução) são insuficientes para explicar a origem
de características biológicas complexas como os planos corporais e outras inovações de
grande escala (macroevolução).
ERWIN, D., Macroevolution is more than repeated rounds of microevolution, Evolution &
Development, Vol. 2(2):78-84 (March/April, 2000). ERWIN reconhece neste artigo que os
processos microevolutivos não são suficientes para explicar os padrões macroevolutivos, e
sugere que mais pesquisas são necessárias para se entender como ocorre a macroevolução.
Ele afirmou: “Microevolution provides no satisfactory explanation for the extraordinary burst of
novelty during the late Neoproterozoic-Cambrian radiation (Valentine et al 1999; Knoll and
Carroll 1999), nor the rapid production of novel plant architectures associated with the origin of
land plants during the Devonian (Kendrick and Crane 1997), followed by the origination of
most major insect groups (Labandeira and Sepkoski 1993). ”
Conclusão
Estas são algumas zonas de incertezas nas ciências da evolução no contexto
de justificação teórica, destacadas na literatura especializada de quatro
décadas que, se nunca foram ensinadas nas licenciaturas de Biologia,
doravante devem ser ensinadas, e também abordadas nos livros didáticos
aprovados pelo MEC/SEMTEC/PNLEM.
A comunidade científica, premida por essas zonas de incertezas que a atual
teoria geral da evolução não responde satisfatoriamente no contexto de
justificação teórica, se vê obrigada elaborar uma nova teoria geral da evolução
− a Síntese Evolutiva Ampliada para substituir a Síntese Evolutiva Moderna.
A Síntese Evolutiva Ampliada deverá incorporar outros mecanismos evolutivos
e, possivelmente, vai relegar a seleção natural a um papel mais secundário.
“O compromisso do intelectual é com a
verdade”.
Susan Sontag (1933-2004)
Uma das maiores intelectuais da segunda
metade do século XX.
Revista Época # 346, de 03.01.05, p. 89
Posfácio memorial

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As incertezas nas ciências evolutivas segundo Edgar Morin

  • 1. A SUGESTÃO DE EDGAR MORIN PARA O ENSINO DAS INCERTEZAS DAS CIÊNCIAS DA EVOLUÇÃO QUÍMICA E BIOLÓGICA UMA BIBLIOGRAFIA BREVEMENTE COMENTADA Enézio Eugênio de Almeida Filho1 1 Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Ms em História da Ciência Doutorando no Programa de Estudos Pós-Graduados em História da Ciência Rua Marquês de Paranaguá, 111 – Prédio I, 1º. Andar, sala 2 01303-050 – Consolação – São Paulo – SP Email: neddy@uol.com.br
  • 2. Em 1999, Edgar Morin fez a seguinte sugestão à UNESCO para a educação do futuro : “As ciências permitiram que adquiríssemos muitas certezas, mas igualmente revelaram, ao longo do século XX, inúmeras zonas de incerteza. A educação deveria incluir o ensino das incertezas que surgiram nas ciências físicas (microfísica, termodinâmica, cosmologia), nas ciências da evolução biológica e nas ciências históricas.” Os sete saberes necessários à educação do futuro, p.16. A sugestão de Morin à UNESCO
  • 3. No Origem das Espécies (1859), Darwin admitiu a existência de sérias objeções científicas à sua teoria (são quatro capítulos - 30% do livro), salientando que suas inferências poderiam ter interpretações diferentes, visões extremas da evolução: “Estou bem a par do fato de existirem neste volume pouquíssimas afirmativas acerca das quais não se possam invocar diversos fatos passíveis de levar a conclusões diametralmente opostas àquelas às quais cheguei. Uma conclusão satisfatória só poderá ser alcançada através do exame e confronto dos fatos e argumentos em prol deste ou daquele ponto de vista, e tal coisa seria impossível de se fazer na presente obra.” Origem das Espécies, Villa Rica, Rio de Janeiro/Belo Horizonte, 1994, p. 36. O convite de Darwin para o exame crítico de sua teoria
  • 4. As atuais teorias da evolução química e biológica são aceitas pela comunidade científica como tendo papel central nas ciências evolutivas química e biológica. Nas grades curriculares das licenciaturas em Biologia das universidades brasileiras públicas e privadas elas são apresentadas como temas científicos concluídos e desprovidos de dificuldades fundamentais em um contexto de justificação teórica. O objetivo deste trabalho é expandir a sugestão feita à UNESCO por Morin no seu livro Os sete saberes necessários à educação do futuro (2a ed. – São Paulo, Cortez; Brasília, DF, UNESCO, 2000) de incluir o ensino de zonas de incertezas nas ciências evolutivas demonstradas aqui através de alguns exemplos de considerações feitas ao longo de quatro décadas por diversos especialistas em artigos de publicações científicas especializadas de renome, brevemente comentadas, destacando as implicações de suas conclusões, e sugerir ao MEC a sua inclusão nas grades curriculares das licenciaturas em Biologia nas universidades brasileiras. .
  • 5. 1. Origem da vida Experimento de Miller-Urey http://science.msfc.nasa.gov/headlines/images/comet-seeds/anim.htm DEAMER, D. W., The First Living Systems: a Bioenergetic Perspective, Microbiology and Molecular Biology Reviews, Vol. 61:239-261 (1997). As pesquisas da origem da vida não resolveram os problemas de como a energia no ambiente pode ser utilizada para energizar a primeira célula viva. A química sempre trabalha contra a formação de tais sistemas complexos através de reações espontâneas naturais. Por isso, DEAMER é cético dos modelos auto-organizacionais para a origem da vida. Ele contesta a legitimidade dos experimentos de Miller- Urey geralmente utilizados para apoiar a origem química da vida nos livros-texto: “This optimistic picture began to change in the late 1970s, when it became increasingly clear that the early atmosphere was probably volcanic in origin and composition, composed largely of carbon dioxide and nitrogen rather than the mixture of reducing gases assumed by the Miller-Urey model (68, 77, 156). Carbon dioxide does not support the rich array of synthetic pathways leading to possible monomers, so the question arose again: what was the primary source of organic carbon compounds?”
  • 6. 2. A embriologia e o desenvolvimento WELLS, J., Haeckel’s Embryos and Evolution: Setting the Record Straight, The American Biology Teacher, Vol. 61(5):345-349 (May, 1999). Neste artigo, Wells demonstra que Haeckel exagerou fraudulentamente os desenhos dos embriões de vertebrados como evidência de ancestralidade comum e que estas figuras têm sido amplamente reproduzidas por autores de livros didáticos modernos de Biologia. GOULD, S. J., Abscheulich! (Atrocious!), Natural History (March, 2000). GOULD descreve neste artigo como que os desenhos de Ernst Haeckel, do século XIX, há muito tempo foram reconhecidos como sendo exageradamente inexatos. O autor criticou o uso amplo desses desenhos como prova da evolução.
  • 7. RICHARDSON, M. et al., There is no highly conserved embryonic stage in the vertebrates: implications for current theories of evolution and development, Anatomy and Embryology, Vol. 196:91-106 (1997). Equipe de pesquisadores internacionais pesquisou embriões de vertebrados reais para demonstrar que Ernst Haeckel, embriologista do século XIX, forjou seus dados, mas, apesar disso, seus desenhos têm sido usados em livros-texto como prova da evolução. Os embriões de vertebrados pesquisados se desenvolvem bem diferentemente, e não têm muitos dos altos níveis de semelhanças que geralmente são enunciados como apoiando a hipótese de ancestral comum.
  • 8. 3. O registro fóssil GOULD, S. J., Is a new and general theory of evolution emerging?, Paleobiology, Vol. 6(1):119-130 (January, 1980). Neste artigo, GOULD mostra como os cientistas admitem o fato das formas intermediárias funcionais serem difíceis de serem imaginadas e encontradas no registro fóssil: “The absence of fossil evidence for intermediary stages between major transitions in organic design, indeed our inability, even in our imagination, to construct functional intermediates in many cases, has been a persistent and nagging problem for gradualistic accounts of evolution.” CARROLL, R. L., Towards a new evolutionary synthesis, Trends in Ecology and Evolution, Vol. 15(1):27-32 (2000). CARROLL descreve neste artigo como os modelos típicos de evolução são incapazes de explicar o surgimento abrupto de novas espécies no registro fóssil: “The most striking features of large-scale evolution are the extremely rapid divergence of lineages near the time of their origin, followed by long periods in which basic body plans and ways of life are retained. What is missing are the many intermediate forms hypothesized by Darwin, and the continual divergence of major lineages into the morphospace between distinct adaptive types.”
  • 9. 4. As árvores filogenéticas Árvore da Vida de Darwin – Séc. XIX Árvore da Vida de Woese – Sécs. XX e XXI PATTERSON, C. et al., Congruence Between Molecular and Morphological Phylogenies, Annual Review of Ecology and Systematics, Vol. 24: 153-188 (1993). Neste artigo PATTERSON et al compararam as árvores filogenéticas baseadas na morfologia com as baseadas em moléculas, e descobriram que há muito pouca congruência entre os dois tipos de árvores, dando a entender que a evolução darwiniana tem feito predições frágeis a respeito de confirmações esperadas de ancestralidade comum a partir da biologia molecular. Eles expressaram desapontamento com suas descobertas: “As morphologists with high hopes of molecular systematics, we end this survey with our hopes dampened. Congruence between molecular phylogenies is as elusive as it is in morphology and as it is between molecules and morphology.”
  • 10. DOOLITTLE, W. F., Phylogenetic Classification and the Universal Tree, Science, Vol. 284:2124-2128 (June 25, 1999). DOOLITTLE explica neste artigo que a base da “Árvore da Vida” é impossível de se transformar numa árvore porque a distribuição dos genes entre os principais grupos de vida não se encaixa num padrão nítido de ancestralidade comum. DOOLITTLE afirmou: “Molecular phylogenists will have failed to find the ‘true tree,’ not because their methods are inadequate or because they have chosen the wrong genes, but because the history of life cannot properly be represented as a tree.” LOPEZ, P.; BAPTESTE, E., Molecular phylogeny: reconstructing the forest, Comptes Rendus Biologies, doi:10.1016/j.crvi.2008.07.003 (2008). LOPEZ e BAPTESTE abandonaram a caracterização da vida como uma “árvore” darwiniana. Os autores preferem uma metáfora de “floresta”. Eles afirmam no artigo: “instead of focusing on a elusive universal tree, biologists are now considering the whole forest corresponding to the multiple processes of inheritance, both vertical and horizontal. This constitutes the major challenge of evolutionary biology for the years to come.” Assim, parece que as noções tradicionais de uma árvore da vida darwiniana estão sendo abandonadas.
  • 11. 5. A seleção natural e os mecanismos de evolução THOMSON, K. S., Macroevolution: The Morphological Problem, American Zoologist, Vol. 32: 106-112 (1992). THOMSON reconhece neste artigo que não há base racional suficiente para justificar a afirmação de que mudanças fenotípicas de pequena escala possam ser acumuladas para produzir inovações macroevolutivas. MIKLOS, G. L., Emergence of organizational complexities during metazoan evolution: perspectives from molecular biology, palaeontology and neo-Darwinism, Mem. Ass. Australas. Palaeontols, Vol. 15: 7-41 (1993). Neste artigo, MIKLOS explica que meras mudanças nas freqüências de genes (microevolução) são insuficientes para explicar a origem de características biológicas complexas como os planos corporais e outras inovações de grande escala (macroevolução). ERWIN, D., Macroevolution is more than repeated rounds of microevolution, Evolution & Development, Vol. 2(2):78-84 (March/April, 2000). ERWIN reconhece neste artigo que os processos microevolutivos não são suficientes para explicar os padrões macroevolutivos, e sugere que mais pesquisas são necessárias para se entender como ocorre a macroevolução. Ele afirmou: “Microevolution provides no satisfactory explanation for the extraordinary burst of novelty during the late Neoproterozoic-Cambrian radiation (Valentine et al 1999; Knoll and Carroll 1999), nor the rapid production of novel plant architectures associated with the origin of land plants during the Devonian (Kendrick and Crane 1997), followed by the origination of most major insect groups (Labandeira and Sepkoski 1993). ”
  • 12. Conclusão Estas são algumas zonas de incertezas nas ciências da evolução no contexto de justificação teórica, destacadas na literatura especializada de quatro décadas que, se nunca foram ensinadas nas licenciaturas de Biologia, doravante devem ser ensinadas, e também abordadas nos livros didáticos aprovados pelo MEC/SEMTEC/PNLEM. A comunidade científica, premida por essas zonas de incertezas que a atual teoria geral da evolução não responde satisfatoriamente no contexto de justificação teórica, se vê obrigada elaborar uma nova teoria geral da evolução − a Síntese Evolutiva Ampliada para substituir a Síntese Evolutiva Moderna. A Síntese Evolutiva Ampliada deverá incorporar outros mecanismos evolutivos e, possivelmente, vai relegar a seleção natural a um papel mais secundário.
  • 13. “O compromisso do intelectual é com a verdade”. Susan Sontag (1933-2004) Uma das maiores intelectuais da segunda metade do século XX. Revista Época # 346, de 03.01.05, p. 89 Posfácio memorial

Notas do Editor

  1. 16 artigos
  2. 3 artigos Detestável
  3. 18 artigos
  4. 33 artigos
  5. 18 artigos