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Tiragem: 45684
País: Portugal
Period.: Diária
Âmbito: Informação Geral
Pág: 45
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Corte: 1 de 1ID: 48296217 19-06-2013
Crato cumpriu.
Crato implodiu
SantanaCastilho
E
m 17 anos de exames nacionais,
dos 39 que já leva a democracia,
o país nunca tinha assistido a
tamanho desastre. A segunda-
feira passada marca o dia em
que um ministro teimoso,
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implodiu a cave infecta em
que transformou o Ministério
da Educação. A credibilidade
foi pulverizada. O rigor substituído pela
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provas na ausência de professores do
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Secundária Sá de Miranda, em Braga, Alves
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duas salas. Na Escola Secundária Dr. Solano
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do exame. Os professores presentes em
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a eles recorra. Porque décimas da coisa
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O Júri Nacional de Exames, que se
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Crato, não se pode esconder, agora, atrás
do mandante. Não há cobardia técnica. Mas
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de Exames tem de falar. Já devia ter falado.
O país está à espera.
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tem de falar. Há responsabilidades, muitas,
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Crato errou em cascata. Deu como
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Para além da gravidade dos acontecimentos na Escola Secundária Sá de Miranda, em Braga, Alves Martins, em Viseu, e Mário Sacramento, em Aveiro, referidos na imprensa, muitos outros poderiam ser nomeados. No agrupamento Tomás Ribeiro, de Tondela, onde estava previsto funcionarem dez salas, os exames foram iniciados, a horas, em quatro. Mas, 20 minutos depois, por sortilégio directivo, acrescentaram-se mais duas salas. Na Escola Secundária Dr. Solano de Abreu, em Abrantes, houve reuniões de avaliação coincidentes com a realização do exame. Os professores presentes em reuniões, que acabaram por não se realizar, foram mobilizados, no momento, para o serviço dos exames. Quem acedeu ficou ubíquo: assinou a presença na reunião e no serviço de exames. Ou Crato tem uma réstia de juízo e anula o exame, com o fundamento evidente da violação das normas mínimas que garantem a seriedade e a equidade exigíveis, ou isto termina nos tribunais administrativos. A coisa é um acto académico. 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