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O futuro está nos dados para quem quiser governar bem
Como as empresas privadas, o setor público agora cruza informações e estatísticas para se antecipar
a demandas da população. Nasce, assim, um novo jeito de governar.
Em Memphis, nos Estados Unidos, a polícia pode chegar a uma esquina perigosa antes de ter sido chamada pela
vítima de um assalto ou por uma testemunha para atender uma ocorrência de furto. Em São Carlos, no interior
paulista,ocelularavisaousuáriode transportecoletivosobrequantosminutosseuônibuslevaráaté chegaraoponto.
Na Noruega,o cruzamentode informaçõesdosbancosde dadospúblicossobre aposentadose pensionistasajudaa
planejarmelhoriasnosistemade saúde.São,todoseles,exemplosde umanovarealidadenagestãopúblicamoldada
peloavançodatecnologia.De umlado,especialmente noscentrosurbanos,é possívelcapturarumvolume crescente
de informaçõessobre tudooque estáacontecendonasruas por meiode câmerase de sensoreseletrônicos.
De outrolado,há uma intimidade cadavezmaiorna relaçãocotidianadoEstado com os cidadãos — e elaresultana
acumulação de toda a sorte de informações sobre cada um de nós. A carteira de vacinação da infância, os dados
fornecidosparaa emissãode passaporte e a declaração de impostode rendasão fontesde conhecimentodoperfil,
do histórico e dos hábitos do cidadão. Até há pouco tempo, os órgãos públicos, enredados na burocracia, pouco
proveitotiravamdesse acervo.Maso cenáriocomeçoua mudar.
À moda das empresas privadas, que se esmeram para desenvolver produtos de acordo com o gosto da freguesia,
governos têm feito o mesmo, tomando como ponto de partida o conhecimento arquivado sobre os indivíduos e o
que se passa com eles. Os "produtos" dos governos são os serviços públicos, os "clientes" são os cidadãos — e o
"lucro"pode sero bom resultadonasurnas.Do pontode vistadas empresasprivadas,é umalógicasimples.Mas,no
poderpúblico,equivaleauma revoluçãode conceitos.
Afinal, os governantes costumam tatear no escuro para adivinhar o que a população quer. Isso ficou evidente nas
semanas que se seguiramaos protestos populares de junho de 2013 no Brasil, quando se viram reações como a do
titularda Secretaria-Geral daPresidênciadaRepública,GilbertoCarvalho:ele confessouque estavacomdificuldade
para entenderoque queriamosmanifestantes.Nãoporacaso, estudiososdagestãopúblicatratam o fenômenodo
uso de basesde dadoscomo a gênese dogovernodofuturo.
Tecnologiae informaçãosãoosdoiscomponentes-chavedessenovojeitode governar.Nãose tratade apenasentupir
repartiçõespúblicascomcomputadorespara que elessirvampara armazenarpilhasde estatísticas.Issojá se faz há
décadas — e ter computadoresàmão não necessariamente tornaumarepartiçãopúblicamaiseficiente.
O passoevolutivoestánousopráticoe inteligente dessasinformações.Umacidade que ilustraa
nova realidade é Memphis, localizada no estado americano do Tennessee. A polícia local recebe uma média de 2
milhões de chamadas por ano. Cada telefonema para denunciar um crime contém inúmeras informações — qual
crime foi cometido,emque regiãodacidade ocorreu,descriçãofísicadossuspeitos,horáriodachamada.
O que acontece comessesdados?Emlugaresemque a administraçãopúblicaaindanãodeuopassoevolutivo,eles
viram apenas estatística. Em Memphis, passaram a balizar a ação do órgão público. Com base em dados que antes
apenasarmazenava,a políciamudoua distribuiçãode viaturase policiaisnacidade.
Esse cruzamentode umgrande númerode informaçõespormeiode softwaresde análise é genericamentechamado
de bigdata. Foi assimque fez cair 30% o númerode crimesna cidade nos últimosseisanos.A políciatambémpode
ter acessoà listade alunosque não foramà escola do bairro.
Quandomuitosjovenscabulamaulanomesmodia,oriscode haverpequenosfurtosnasproximidadesnormalmente
cresce.É umsinal de que é bomapolíciapassarpor ali — e muitasvezesissofazcomque umpolicialchegueatempo
de evitarque um delitoocorra.
Perguntar é preciso
"A base desse novomodode pensaragestãopúblicaé muitosimples:perguntaràspessoasoque elasquerem",disse
a EXAME Guy Peters, professor da Universidade de Pittsburgh e uma das maiores autoridades mundiais em
administraçãopública.
Afinal, qualquer pessoa — até os governantes — pode supor que a população quer educação, saúde, transporte e
segurançamelhores.Masque tipode saúde se quer?Eemque momentoumtemacomosaneamentobásicoassume
o topodas prioridadesdoscidadãos?
Os governantescostumamacharque vitóriasnasurnasdãoa elestambémaprerrogativade anteveroque opúblico
deseja.Nãopoderiamestarmaisequivocados."Comoé impossívelatenderatodasasdemandas,é precisoinvestigar
os dados para definir prioridades",diz Peters. Foi esse espíritoque, em 2011, ajudou o município de São Carlos, no
interiorde SãoPaulo,a derrubaro númerode reclamaçõessobre otransporte coletivodacidade.
A queixa contra os atrasos, uma das mais comuns relacionadas ao serviço na cidade há dois anos, caiu 70% desde
então.Em 2011, os ônibusde São Carlosjá contavam com um sistemade monitoramento,utilizadoparao controle
da frota. Esse sistema passou a "conversar" com um aplicativo de telefone celular desenvolvido pela empresa de
tecnologiadainformaçãoCriar.
O aplicativo informa a localização, o destino e o tempo em que o ônibus estará no ponto do usuário. Na prática, o
passageirosabe que oônibusestáchegandoantesde avistá-lo.
Ouvir as reclamações é algo antigo, mas cruzar bancos de dados para fazer disso um norte para a administração
públicaé umavançorecente.Nadaque osetorprivadojánãotenhaentendidohámaistempo.Noiníciodosanos90,
ChristopherHood,professordaUniversidade de Oxford,cunhouotermoNew PublicManagement,ouNovaGestão
Pública.
Hoodenxergouumincipientemovimentoemgovernosmundoaforaque,influenciadospelosprocessosadotadosno
setorprivado,puseramnaordemdodiaabuscapormaioreficiênciae qualidade nosserviçospúblicos.Massóagora,
duas décadasdepois,com o desenvolvimentodascomunicaçõese o surgimentode tecnologiasmaisapropriadas,é
que os governostêmconseguidomultiplicartaisações.
Nos Estados Unidos, estima-se que o uso do big data no setor público possa reduzir os gastos do governo em 380
bilhõesde dólaresporano,segundopesquisarealizadapelaTechAmericaFoundation,instituiçãode estudoligadaa
grandesempresasde tecnologiadainformação.
Ouvir e interpretar
Não basta ouvir — e, ao ouvir, é preciso fazer com que manifestações aparentemente desconexas dos cidadãos se
transformem em diagnósticos de demanda palpáveis. Em 2004, telefonemas para a NYC 311, a central de
atendimentoaocidadãode NovaYork,davamcontadoincômodocausadoporbarulhonasruase carrosestacionados
emfiladupla.
Os telefonemas não eram denúncias contra grandes atividades criminosas, mas foi a isso que levaram: com base
nessasinformações,apolíciadescobriuredesde casas noturnas clandestinas."Ocall centermonitoraos desejosda
população,masé precisointerpretarosdadosparapoderantecipar-se àsdemandas",dizBernardle Masson,diretor
de serviçospúblicosdaconsultoriaAccenture emParis.
A empresa elaborou um amplo estudo reunindo informações sobre algumas das principais iniciativas do gênero no
mundo. No caso da prefeitura de Nova York, a criação do serviço permitiu juntar em uma só central os serviços de
300 diferentesagênciasgovernamentais.Nasoluçãode NovaYork — onde antesda central a demoraapenaspara a
solicitação da troca de uma lâmpada de rua podia levar mais de 20 minutos e hoje se resolve emum único e breve
telefonema—,ainteraçãohumanaé essencial.
Em outros casos, a interação é desnecessária. A prefeitura de Boston, no estado de Massachusetts, também nos
EstadosUnidos,adotouumatecnologiaque detectaburacosde ruapormeiode umaplicativoinstaladoemtelefones
celulares.Quandoummotorista,jácomoaplicativoemseucelular,dirigepelacidade,oaparelhopercebepontosde
trepidaçãoacimado normal no asfalto.
Esse alertaé passado a uma central da prefeitura,que destacauma equipe para recuperara pista.Boston fecha 19
000 buracos de rua por ano. É uma lógicaparecidacom a que funcionano bairro Guajuviras, emCanoas,na Grande
PortoAlegre,chamado"Bagdábrasileira".
O númerode homicídiosnobairrocaiupelametade nosúltimostrêsanos.Em2010, Guajuvirasganhousensoresque
detectamosomdo disparode umaarma num raiode até 3 quilômetros.A informaçãocaptadapelossensoreschega
a uma central da polícia,que imediatamente enviaumaviaturaparaverificaraocorrência.
Usar de maneira mais inteligente as informações que têm sobre nós é também uma forma de os governos
melhorarem o gasto público. A Oxford Economics, consultoria econômica ligada à Universidade de Oxford, na
Inglaterra,analisoudezpaísespara sabero impactoque o aumentoda eficiênciadosgovernosteriasobre ascontas
públicas.
Se os governosdessesdezpaíseselevassemsuaeficiência emapenas1% aoanode 2012 a 2025, eleseconomizariam
umtotal de 2 trilhõesde dólares.NoBrasil,aeconomiaseriade 122bilhõesde dólares,segundoaOxfordEconomics.
"Os governos têm hoje muita informação sobre as pessoas. Eles precisam identificar quais dessas informações são
relevantes — o que é também uma maneira de ser eficiente", diz Rolf Alter, diretor de governança pública da
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), entidade que congrega 34 países, em sua
maioria,desenvolvidos.
Afinal,eficiêncianacoletade dadosé maisdo que amealharo máximode informaçõespossível:é saberquaisdelas
são de fatoimportantesparaelevaronível dagestão."Nãoadiantamelhorarosprocessosparaguardarinformações
inúteis", diz o senador Salvador Vega-Casillas, ex-ministro da Administração Pública do México de 2007 a 2011. O
México foi premiado em 2011 pelo Banco Mundial por práticas de modernização da gestão pública, como o uso da
tecnologiaparaacelerara aberturade empresas.
O avanço da tecnologia amplificou o uso que os governos fazem das informações para definir políticas públicas.A
Noruegareformoutodaarelaçãoque temcomseusaposentadose pensionistas.Hoje,22% dapopulaçãonorueguesa
recebe aposentadoriaoualgumtipode pensão.
Nosúltimosanos,opaís criouuma plataformanainternetparaconcentrartodaa relaçãodo poderpúblicocomesse
estratodapopulação.Primeiroveioamelhoranoatendimento:requisiçõesde aposentadoria,quepodiamlevarmais
de três meses,agorapodemserfeitasemminutos.
O benefício adicional — e aqui está a impressão digital do "governo do futuro" — é que o governo passou a contar
com dados mais precisos e atualizados de seus pensionistas para preparar o sistema de saúde para as próximas
décadas. Esse acréscimo não é desprezível, especialmente quando se considera que, em 2050, cerca de 40% dos
norueguesesestarãoaposentados,segundoasprojeçõesatuais.
"Saberusaras informaçõesdoscidadãosparaantecipardemandasdelesé oSantoGraal dagestãopúblicanomundo
atualmente",dizGeovaniFagunde,sóciodaconsultoriaPWC.
Quantomaisatecnologia— e aqualidade dasinformações —evoluir,maisassertivoseráodiagnósticodasdemandas
dos cidadãos.Só na área da saúde,essa evoluçãopoderiasignificarumaeconomiade 450 bilhõesde dólaresanuais
emdespesasgovernamentaisemtodoomundo,noscálculosda consultoriaMcKinsey.Jáháiniciativasnessalinha.
A Escócia, por exemplo, criou um programa que cruza dados da população, como idade, hábitos alimentares e
históricode doençasfamiliares,paraimplementarprogramasde saúde preventiva — oobjetivoé diminuirosgastos
com procedimentosmaiscaros,comocirurgiase tratamentoscomplexos."À medidaqueosdadosclínicosficammais
precisos,é possível prevermelhorachegadade doençase,assim, desenvolveraçõesde prevenção",dizRickRatliff,
diretorglobal daárea de serviçosde saúde da Accenture.
Levantar, armazenar e cruzar informações para fazer disso um instrumento de gestão pública pode soar como uma
conversa sobre o sexo dos anjos para muitos governantes. Essa leitura depreciativa ganha força quando a eles é
apresentada a conta pelo trabalho. Não é uma iniciativa barata — nem aparece tanto quanto colocar asfalto numa
rua, por exemplo(oque parece tornarmaisdifícil a transformaçãodelaemvotos).
A mudança no sistemade gestãodasaposentadoriasdaNoruegasaiupor mais de 500 milhõesde dólares.EmNova
York, cada telefonemaparao NYC 311 custa ao poderpúblicocerca de 2,50 dólares — o custodo serviçochega a 50
milhões de dólares anuais. O que não entra na matemática desses mesmos governantes é que a omissão também
impõe umaconta elevada.
De acordocom uma pesquisadoProgramade AdministraçãoPúblicadaOrganizaçãodasNaçõesUnidas,só36% dos
habitantesde umgrupode dez países,entre osquaiso Brasil,estãosatisfeitoscomosserviçospúblicosque lhessão
oferecidos. Há uma maioria de insatisfeitos. É bom que os políticos comecem logo a utilizar as ferramentas da
tecnologiaparamelhorarosserviçospúblicos.
Fonte:
Revista Exame número 1055, de 22/12/2013

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  • 1. O futuro está nos dados para quem quiser governar bem Como as empresas privadas, o setor público agora cruza informações e estatísticas para se antecipar a demandas da população. Nasce, assim, um novo jeito de governar. Em Memphis, nos Estados Unidos, a polícia pode chegar a uma esquina perigosa antes de ter sido chamada pela vítima de um assalto ou por uma testemunha para atender uma ocorrência de furto. Em São Carlos, no interior paulista,ocelularavisaousuáriode transportecoletivosobrequantosminutosseuônibuslevaráaté chegaraoponto. Na Noruega,o cruzamentode informaçõesdosbancosde dadospúblicossobre aposentadose pensionistasajudaa planejarmelhoriasnosistemade saúde.São,todoseles,exemplosde umanovarealidadenagestãopúblicamoldada peloavançodatecnologia.De umlado,especialmente noscentrosurbanos,é possívelcapturarumvolume crescente de informaçõessobre tudooque estáacontecendonasruas por meiode câmerase de sensoreseletrônicos. De outrolado,há uma intimidade cadavezmaiorna relaçãocotidianadoEstado com os cidadãos — e elaresultana acumulação de toda a sorte de informações sobre cada um de nós. A carteira de vacinação da infância, os dados fornecidosparaa emissãode passaporte e a declaração de impostode rendasão fontesde conhecimentodoperfil, do histórico e dos hábitos do cidadão. Até há pouco tempo, os órgãos públicos, enredados na burocracia, pouco proveitotiravamdesse acervo.Maso cenáriocomeçoua mudar. À moda das empresas privadas, que se esmeram para desenvolver produtos de acordo com o gosto da freguesia, governos têm feito o mesmo, tomando como ponto de partida o conhecimento arquivado sobre os indivíduos e o que se passa com eles. Os "produtos" dos governos são os serviços públicos, os "clientes" são os cidadãos — e o "lucro"pode sero bom resultadonasurnas.Do pontode vistadas empresasprivadas,é umalógicasimples.Mas,no poderpúblico,equivaleauma revoluçãode conceitos. Afinal, os governantes costumam tatear no escuro para adivinhar o que a população quer. Isso ficou evidente nas semanas que se seguiramaos protestos populares de junho de 2013 no Brasil, quando se viram reações como a do titularda Secretaria-Geral daPresidênciadaRepública,GilbertoCarvalho:ele confessouque estavacomdificuldade para entenderoque queriamosmanifestantes.Nãoporacaso, estudiososdagestãopúblicatratam o fenômenodo uso de basesde dadoscomo a gênese dogovernodofuturo. Tecnologiae informaçãosãoosdoiscomponentes-chavedessenovojeitode governar.Nãose tratade apenasentupir repartiçõespúblicascomcomputadorespara que elessirvampara armazenarpilhasde estatísticas.Issojá se faz há décadas — e ter computadoresàmão não necessariamente tornaumarepartiçãopúblicamaiseficiente. O passoevolutivoestánousopráticoe inteligente dessasinformações.Umacidade que ilustraa nova realidade é Memphis, localizada no estado americano do Tennessee. A polícia local recebe uma média de 2 milhões de chamadas por ano. Cada telefonema para denunciar um crime contém inúmeras informações — qual crime foi cometido,emque regiãodacidade ocorreu,descriçãofísicadossuspeitos,horáriodachamada. O que acontece comessesdados?Emlugaresemque a administraçãopúblicaaindanãodeuopassoevolutivo,eles viram apenas estatística. Em Memphis, passaram a balizar a ação do órgão público. Com base em dados que antes apenasarmazenava,a políciamudoua distribuiçãode viaturase policiaisnacidade. Esse cruzamentode umgrande númerode informaçõespormeiode softwaresde análise é genericamentechamado de bigdata. Foi assimque fez cair 30% o númerode crimesna cidade nos últimosseisanos.A políciatambémpode ter acessoà listade alunosque não foramà escola do bairro. Quandomuitosjovenscabulamaulanomesmodia,oriscode haverpequenosfurtosnasproximidadesnormalmente cresce.É umsinal de que é bomapolíciapassarpor ali — e muitasvezesissofazcomque umpolicialchegueatempo de evitarque um delitoocorra. Perguntar é preciso "A base desse novomodode pensaragestãopúblicaé muitosimples:perguntaràspessoasoque elasquerem",disse a EXAME Guy Peters, professor da Universidade de Pittsburgh e uma das maiores autoridades mundiais em administraçãopública. Afinal, qualquer pessoa — até os governantes — pode supor que a população quer educação, saúde, transporte e segurançamelhores.Masque tipode saúde se quer?Eemque momentoumtemacomosaneamentobásicoassume o topodas prioridadesdoscidadãos? Os governantescostumamacharque vitóriasnasurnasdãoa elestambémaprerrogativade anteveroque opúblico deseja.Nãopoderiamestarmaisequivocados."Comoé impossívelatenderatodasasdemandas,é precisoinvestigar
  • 2. os dados para definir prioridades",diz Peters. Foi esse espíritoque, em 2011, ajudou o município de São Carlos, no interiorde SãoPaulo,a derrubaro númerode reclamaçõessobre otransporte coletivodacidade. A queixa contra os atrasos, uma das mais comuns relacionadas ao serviço na cidade há dois anos, caiu 70% desde então.Em 2011, os ônibusde São Carlosjá contavam com um sistemade monitoramento,utilizadoparao controle da frota. Esse sistema passou a "conversar" com um aplicativo de telefone celular desenvolvido pela empresa de tecnologiadainformaçãoCriar. O aplicativo informa a localização, o destino e o tempo em que o ônibus estará no ponto do usuário. Na prática, o passageirosabe que oônibusestáchegandoantesde avistá-lo. Ouvir as reclamações é algo antigo, mas cruzar bancos de dados para fazer disso um norte para a administração públicaé umavançorecente.Nadaque osetorprivadojánãotenhaentendidohámaistempo.Noiníciodosanos90, ChristopherHood,professordaUniversidade de Oxford,cunhouotermoNew PublicManagement,ouNovaGestão Pública. Hoodenxergouumincipientemovimentoemgovernosmundoaforaque,influenciadospelosprocessosadotadosno setorprivado,puseramnaordemdodiaabuscapormaioreficiênciae qualidade nosserviçospúblicos.Massóagora, duas décadasdepois,com o desenvolvimentodascomunicaçõese o surgimentode tecnologiasmaisapropriadas,é que os governostêmconseguidomultiplicartaisações. Nos Estados Unidos, estima-se que o uso do big data no setor público possa reduzir os gastos do governo em 380 bilhõesde dólaresporano,segundopesquisarealizadapelaTechAmericaFoundation,instituiçãode estudoligadaa grandesempresasde tecnologiadainformação. Ouvir e interpretar Não basta ouvir — e, ao ouvir, é preciso fazer com que manifestações aparentemente desconexas dos cidadãos se transformem em diagnósticos de demanda palpáveis. Em 2004, telefonemas para a NYC 311, a central de atendimentoaocidadãode NovaYork,davamcontadoincômodocausadoporbarulhonasruase carrosestacionados emfiladupla. Os telefonemas não eram denúncias contra grandes atividades criminosas, mas foi a isso que levaram: com base nessasinformações,apolíciadescobriuredesde casas noturnas clandestinas."Ocall centermonitoraos desejosda população,masé precisointerpretarosdadosparapoderantecipar-se àsdemandas",dizBernardle Masson,diretor de serviçospúblicosdaconsultoriaAccenture emParis. A empresa elaborou um amplo estudo reunindo informações sobre algumas das principais iniciativas do gênero no mundo. No caso da prefeitura de Nova York, a criação do serviço permitiu juntar em uma só central os serviços de 300 diferentesagênciasgovernamentais.Nasoluçãode NovaYork — onde antesda central a demoraapenaspara a solicitação da troca de uma lâmpada de rua podia levar mais de 20 minutos e hoje se resolve emum único e breve telefonema—,ainteraçãohumanaé essencial. Em outros casos, a interação é desnecessária. A prefeitura de Boston, no estado de Massachusetts, também nos EstadosUnidos,adotouumatecnologiaque detectaburacosde ruapormeiode umaplicativoinstaladoemtelefones celulares.Quandoummotorista,jácomoaplicativoemseucelular,dirigepelacidade,oaparelhopercebepontosde trepidaçãoacimado normal no asfalto. Esse alertaé passado a uma central da prefeitura,que destacauma equipe para recuperara pista.Boston fecha 19 000 buracos de rua por ano. É uma lógicaparecidacom a que funcionano bairro Guajuviras, emCanoas,na Grande PortoAlegre,chamado"Bagdábrasileira". O númerode homicídiosnobairrocaiupelametade nosúltimostrêsanos.Em2010, Guajuvirasganhousensoresque detectamosomdo disparode umaarma num raiode até 3 quilômetros.A informaçãocaptadapelossensoreschega a uma central da polícia,que imediatamente enviaumaviaturaparaverificaraocorrência. Usar de maneira mais inteligente as informações que têm sobre nós é também uma forma de os governos melhorarem o gasto público. A Oxford Economics, consultoria econômica ligada à Universidade de Oxford, na Inglaterra,analisoudezpaísespara sabero impactoque o aumentoda eficiênciadosgovernosteriasobre ascontas públicas. Se os governosdessesdezpaíseselevassemsuaeficiência emapenas1% aoanode 2012 a 2025, eleseconomizariam umtotal de 2 trilhõesde dólares.NoBrasil,aeconomiaseriade 122bilhõesde dólares,segundoaOxfordEconomics. "Os governos têm hoje muita informação sobre as pessoas. Eles precisam identificar quais dessas informações são relevantes — o que é também uma maneira de ser eficiente", diz Rolf Alter, diretor de governança pública da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), entidade que congrega 34 países, em sua maioria,desenvolvidos. Afinal,eficiêncianacoletade dadosé maisdo que amealharo máximode informaçõespossível:é saberquaisdelas são de fatoimportantesparaelevaronível dagestão."Nãoadiantamelhorarosprocessosparaguardarinformações
  • 3. inúteis", diz o senador Salvador Vega-Casillas, ex-ministro da Administração Pública do México de 2007 a 2011. O México foi premiado em 2011 pelo Banco Mundial por práticas de modernização da gestão pública, como o uso da tecnologiaparaacelerara aberturade empresas. O avanço da tecnologia amplificou o uso que os governos fazem das informações para definir políticas públicas.A Noruegareformoutodaarelaçãoque temcomseusaposentadose pensionistas.Hoje,22% dapopulaçãonorueguesa recebe aposentadoriaoualgumtipode pensão. Nosúltimosanos,opaís criouuma plataformanainternetparaconcentrartodaa relaçãodo poderpúblicocomesse estratodapopulação.Primeiroveioamelhoranoatendimento:requisiçõesde aposentadoria,quepodiamlevarmais de três meses,agorapodemserfeitasemminutos. O benefício adicional — e aqui está a impressão digital do "governo do futuro" — é que o governo passou a contar com dados mais precisos e atualizados de seus pensionistas para preparar o sistema de saúde para as próximas décadas. Esse acréscimo não é desprezível, especialmente quando se considera que, em 2050, cerca de 40% dos norueguesesestarãoaposentados,segundoasprojeçõesatuais. "Saberusaras informaçõesdoscidadãosparaantecipardemandasdelesé oSantoGraal dagestãopúblicanomundo atualmente",dizGeovaniFagunde,sóciodaconsultoriaPWC. Quantomaisatecnologia— e aqualidade dasinformações —evoluir,maisassertivoseráodiagnósticodasdemandas dos cidadãos.Só na área da saúde,essa evoluçãopoderiasignificarumaeconomiade 450 bilhõesde dólaresanuais emdespesasgovernamentaisemtodoomundo,noscálculosda consultoriaMcKinsey.Jáháiniciativasnessalinha. A Escócia, por exemplo, criou um programa que cruza dados da população, como idade, hábitos alimentares e históricode doençasfamiliares,paraimplementarprogramasde saúde preventiva — oobjetivoé diminuirosgastos com procedimentosmaiscaros,comocirurgiase tratamentoscomplexos."À medidaqueosdadosclínicosficammais precisos,é possível prevermelhorachegadade doençase,assim, desenvolveraçõesde prevenção",dizRickRatliff, diretorglobal daárea de serviçosde saúde da Accenture. Levantar, armazenar e cruzar informações para fazer disso um instrumento de gestão pública pode soar como uma conversa sobre o sexo dos anjos para muitos governantes. Essa leitura depreciativa ganha força quando a eles é apresentada a conta pelo trabalho. Não é uma iniciativa barata — nem aparece tanto quanto colocar asfalto numa rua, por exemplo(oque parece tornarmaisdifícil a transformaçãodelaemvotos). A mudança no sistemade gestãodasaposentadoriasdaNoruegasaiupor mais de 500 milhõesde dólares.EmNova York, cada telefonemaparao NYC 311 custa ao poderpúblicocerca de 2,50 dólares — o custodo serviçochega a 50 milhões de dólares anuais. O que não entra na matemática desses mesmos governantes é que a omissão também impõe umaconta elevada. De acordocom uma pesquisadoProgramade AdministraçãoPúblicadaOrganizaçãodasNaçõesUnidas,só36% dos habitantesde umgrupode dez países,entre osquaiso Brasil,estãosatisfeitoscomosserviçospúblicosque lhessão oferecidos. Há uma maioria de insatisfeitos. É bom que os políticos comecem logo a utilizar as ferramentas da tecnologiaparamelhorarosserviçospúblicos. Fonte: Revista Exame número 1055, de 22/12/2013