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Brasília Volume 14 Número 102 Fev./Mai. 2012
102
Presidenta da República
Dilma Vana Rousseff
Ministra-Chefe da Casa Civil da Presidência da República
Gleisi Helena Hoffmann
Subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil e
Presidente do Centro de Estudos Jurídicos da Presidência
Ivo da Motta Azevedo Corrêa
Coordenadoras do Centro de Estudos Jurídicos da Presidência
Mariana Barbosa Cirne
Paula Albuquerque Mello Leal
Revista Jurídica da Presidência / Presidência da República
Centro de Estudos Jurídicos da Presidência – Vol. 1, n. 1, maio de 1999.
Brasília: Centro de Estudos Jurídicos da Presidência, 1999-.
Quadrimestral
Título anterior: Revista Jurídica Virtual
Mensal: 1999 a 2005; bimestral: 2005 a 2008.
ISSN (até fevereiro de 2011): 1808-2807
ISSN (a partir de março de 2011): 2236-3645
1. Direito. Brasil. Presidência da República, Centro de Estudos Jurídicos da Presidência.
CDD 341
CDU 342(81)
Centro de Estudos Jurídicos da Presidência
Praça dos Três Poderes, Palácio do Planalto
Anexo II superior - Sala 204 A
CEP 70.150-900 - Brasília/DF
Telefone: (61)3411-2047
E-mail: revista@presidencia.gov.br
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© Centro de Estudos Jurídicos da Presidência – 2012
É uma publicação quadrimestral do Centro de Estudos Jurídicos da Presidência voltada
à divulgação de artigos científicos inéditos, resultantes de pesquisas e estudos
independentes sobre a atuação do Poder Público em todas as áreas do Direito, com o
objetivo de fornecer subsídios para reflexões sobre a legislação nacional e as políticas
públicas desenvolvidas na esfera federal.
Equipe Técnica
Coordenação de Editoração
Mariana Barbosa Cirne
Gestão de Artigos
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Laís Maranhão Santos Mendonça
Projeto Gráfico e Capa
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Diagramação
Bárbara Gomes de Lima Moreira
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Revisão Geral
Felipe de Paula
Laís Maranhão Santos Mendonça
Mariana Barbosa Cirne
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Paula Albuquerque Mello Leal
Revisão de Idiomas
Carolina Costa Ferreira
Daienne Amaral Machado
Daniel Mendonça Lage da Cruz
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Renato Henrique Caumo
Conselho Editorial
Claudia Lima Marques
Claudia Rosane Roesler
Fredie Souza Didier Junior
Gilmar Ferreira Mendes
João Maurício Leitão Adeodato
Joaquim Shiraishi Neto
José Claudio Monteiro de Brito Filho
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Misabel de Abreu Machado Derzi
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Fotografia da Capa
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Acervo do Palácio do Planalto
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Apropriate articles are abstracted/indexed in:
BBD – Bibliografia Brasileira de Direito
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en Linea para Revistas Científicas de América
Latina, el Caribe, España y Portugal
ULRICH’S WEB – Global Serials Directory.
Revista Jurídica da Presidência
Colaboradores da Edição 102
Pareceristas
Alessandra Marchioni Universidade Federal de Alagoas
Augusto Jaeger Junior Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Carla Bonomo Universidade Estadual de Londrina
Carlos Ari Vieira Sundfeld Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Daniela de Freitas Marques Universidade Federal de Minas Gerais
Daniella Maria dos Santos Dias Universidade Federal do Pará
Eduardo Ramalho Rabenhorst Universidade Federal da Paraíba
Eliane Cristina Pinto Moreira Universidade Federal do Pará
Enoque Feitosa Sobreira Filho Universidade Federal da Paraíba
Estevão Horvath Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Fernando Gonzaga Jayme Universidade Federal de Minas Gerais
Geovany Cardoso Jeveaux Universidade Federal do Espírito Santo
Geraldo Miniuci Ferreira Júnior Universidade de São Paulo
Giovanne Henrique Bressan Schiavon Universidade Estadual de Londrina
Hugo de Brito Machado Universidade Federal do Ceará
Iara Menezes Lima Universidade Federal de Minas Gerais
Jane Felipe Beltrão Universidade Federal do Pará
José Ernesto Pimentel Filho Universidade Federal da Paraíba
Luís Augusto Sanzo Brodt Universidade Federal de Minas Gerais
Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira Universidade Federal de Minas Gerais
Marcelo Andrade Féres Universidade Federal de Minas Gerais
Maria Cristina César de Oliveira Cascaes Dourado Universidade Federal do Pará
Marisa Helena D’Arbo Alves de Freitas Universidade Estadual Paulista
Moema Augusta Soares de Castro Universidade Federal de Minas Gerais
Paulo Henrique dos Santos Lucon Universidade de São Paulo
Paulo Roberto Colombo Arnoldi Universidade Estadual Paulista
Paulo Sérgio Weyl Albuquerque Costa Universidade Federal do Pará
Regina Helena Costa Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Ricardo Henrique Carvalho Salgado Universidade Federal de Minas Gerais
Ricardo Maurício Freire Soares Universidade Federal da Bahia
Rodolfo Mário Veiga Pamplona Filho Universidade Federal da Bahia
Tarsis Barreto Oliveira Universidade Federal do Tocantins
Teresa Celina de Arruda Alvim Wambier Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Tereza Cristina Sorice Baracho Thibau Universidade Federal de Minas Gerais
Umberto Celli Junior Universidade de São Paulo
Valesca Raizer Borges Moschen Universidade Federal do Espírito Santo
Véra Maria Jacob de Fradera Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Autora convidada
Claudia Rosane Roesler
BRASIL– Brasília/DF
Pós-Doutora em Filosofia do Direito pela
Universidade de Alicante – Espanha. Doutora
em Direito pela Universidade de São Paulo.
Professora da Universidade de Brasília (UnB).
Co-autoria
Pedro Santos Tavares da Silva
BRASIL– Brasília/DF
Graduando em Direito pela Universidade de
Brasília (UnB).
Autores
Ana Liési Thurler
BRASIL– Brasília/DF
Doutora em Sociologia pela Universidade
de Brasília (UnB). Mestra em Filosofia
pela Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM). Graduada em Filosofia pela Univer-
sidade Federal de Santa Maria (UFSM).
ana_liesi@uol.com.br
Ana Paula Gomes Pinto
BRASIL– Rio de Janeiro/RJ
Mestra em Propriedade Intelectual e Inova-
ção pelo Instituto Nacional da Propriedade
Industrial (INPI). Bacharel em Direito pela
Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro (UNIRIO). Advogada.
anapaulapinto@gmail.com
Charles Luz de Trois
BRASIL– Porto Alegre/RS
Pós-Graduado em Direito Penal e Processual
Penal pela Universidade Gama Filho do Rio
de Janeiro (UGF/RJ). Bacharel em Direito
pela Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul (PUC/RS). Advogado.
charlesdetrois@globo.com
Dhenize Maria Franco Dias
BRASIL– São Paulo/SP
Mestra em Direito Político e Econômico pela
Universidade Presbiteriana Mackenzie de
São Paulo (UPM/SP). Especialista em Direito
Processual pela Universidade Católica de
Santos (UNISANTOS). Advogada e educadora.
dhenizef@hotmail.com
Hélio Silvio Ourém Campos
BRASIL– Recife/PE
Pós-Doutor em Direito Constitucional Tribu-
tário pela Universidade Clássica de Lisboa.
Doutor em Direito pela Universidade Federal
de Pernambuco (UFPE). Mestre em Direito
pela Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE). Juiz Federal.
ouremcampos@hotmail.com
Júlia Ávila Franzoni
BRASIL– Curitiba/PR
Mestranda em Direito pela Universidade
Federal do Paraná (UFPR). Pesquisadora
bolsista da CAPES/PROEX.
julisko@gmail.com
Maria Helena Ferreira Fonseca Falle
BRASIL– Curitiba/PR
Mestra em Direito, Estado e Constituição
pela Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC). Assessora Jurídica da Associação
Nacional por uma Economia de Comunhão.
Professora das Faculdades Integradas do
Brasil (UNIBRASIL). Advogada.
mariahelena@faller.com.br
Noemia Aparecida Garcia Porto
BRASIL– Brasília/DF
Mestra e Doutoranda em Direito, Estado e
Constituição pela Universidade de Brasília
(UnB). Especialista em Direito Constitucional
(UnB). Juíza do Trabalho (10ª Região).
noemiagarcia.porto@gmail.com
Paola Bianchi Wojciechowski
BRASIL– Curitiba/PR
Mestra em Direito Econômico e Socioam-
biental pela Pontifícia Universidade Católica
do Paraná (PUC/PR). Especialista em Direito
Penal pela Fundação Escola do Ministério
Público do Estado do Paraná (FEMPAR).
Assessora da Promotoria de Justiça no
Estado do Paraná.
pa.bianchi@hotmail.com
Rodrigo De Moraes Pinheiro Chaves
BRASIL– Recife/PE
Mestre em Direito Pela Universidade Católica
de Pernambuco (UNICAP). Especialista em
Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de
Estudos Tributários (IBET). Bacharel em Direi-
to pela Universidade Católica de Pernambuco
(PUC/PE). Advogado. Professor Universitário.
rodrigo.chaves@chavesecamara.com
Editorial________________________________________________________________ 11
Artigos
1 Argumentação jurídica e direito antitruste: análise de casos
Claudia Rosane Roesler Pedro Santos Tavares da Silva __________________ 13
2 O Público e o Político em Hannah Arendt
Júlia Ávila Franzoni _______________________________________________________ 45
3 Em busca da legitimação do Sistema Internacional de Proteção dos Direitos
Humanos: a superação dos discursos relativistas e universalistas e o
esvaziamento do conceito tradicional de soberania
Paola Bianchi Wojciechowski _____________________________________________ 67
4 Verdade, justiça e reparação: paralelismo entre as experiências brasileira
e espanhola na (in)justiça transicional
Noemia Aparecida Garcia Porto __________________________________________ 93
5 Paternidades como práticas políticas
Ana Liési Thurler ________________________________________________________ 117
6 Admissibilidade da liberdade provisória nos crimes hediondos: o STF
como legislador positivo e os precedentes permissivos do benefício
Charles Luz de Trois ______________________________________________________ 139
7 O direito de propriedade e o tortuoso processo de sua funcionalização: do
conceito de propriedade liberal à função social da propriedade e da empresa
Maria Helena Ferreira Fonseca Falle _____________________________________ 161
Sumário
8 Patentes de segundo uso médico: estudo sobre argumentos positivos e
negativos para a concessão do registro no Brasil
Ana Paula Gomes Pinto ___________________________________________________ 191
9 A relação obrigacional tributária: construção e aplicação da norma jurídica
Hélio Silvio Ourém Campos Rodrigo de Moraes Pinheiro Chaves ________ 213
10 O direito público subjetivo e a tutela dos direitos fundamentais sociais
Dhenize Maria Franco Dias _______________________________________________ 233
Normas de submissão _____________________________________________ 251
Cara leitora, caro leitor,
A Revista Jurídica da Presidência inicia o seu 14o
volume com esta bela edição.
Para comemorar esse feito, a ilustração de sua capa conta com uma fotografia da
obra de arte Galhos e Sombras do acervo do Palácio do Planalto. Além disso, dando
continuidade à política iniciada na edição de número 100 da revista, e prestigian-
do o seu novo Conselho Editorial, passamos a convidar em cada uma das edições
um Conselheiro, ou Conselheira, do periódico, para contribuir na construção do seu
conteúdo. Na edição de número 100, contamos com a contribuição do Conselheiro
Gilmar Mendes e, na de número 101, com um artigo de autoria da Conselheira Clau-
dia Lima Marques. Nesse número, a Conselheira Claudia Rosane Roesler, juntamen-
te com o seu orientando Pedro Santos Tavares da Silva, agracia-nos com um belo
trabalho em que empreende uma análise da argumentação jurídica utilizada em
alguns julgados (do CADE e do TJSP) que envolvem o Direito Antitruste, chamando a
atenção do leitor para as muitas contradições nos argumentos empregados.
No intuito de manter a valorização de nosso trabalho - o que já foi reconhecido
com a qualificação do periódico no estrato B2 pela Comissão Qualis - a revista man-
tém a sua publicação, e circulação, eletrônicas. Essa medida parece essencial para
garantir a democratização de seu conteúdo, com o mais amplo acesso a todos. O sis-
tema de avaliação por pares (blind peer review) continua sendo executado, e o nosso
quadro de revisores cresce a cada dia, contando a Revista Jurídica da Presidência
com a colaboração de 159 revisores ad hoc (Professores Doutores) de Instituições
de Ensino Superior de todas as regiões do Brasil.
A multiplicidade de temas abordados, bem como a diversidade regional, foi man-
tida nessa edição. Em uma abordagem aprofundada da perspectiva de Hannah Arendt
sobre o Público e o Político, sem perder o seu viés crítico, Júlia Ávila Franzoni discute
quais as potencialidades de uma revisita, nos dias de hoje, a essas categorias. Sob
a perspectiva dos Direitos Humanos, Paola Bianchi Wojciechowski trata do Sistema
Internacional de Proteção dos Direitos Humanos no intuito de desconstruir o aparen-
te obstáculo que seriam os discursos das correntes relativistas e universalistas, bem
como do conceito de soberania, para a efetivação dos Direitos Humanos. Não menos
Editorial
relevante e oportuna é a contribuição de Noemia Aparecida Garcia Porto, ao fazer um
paralelo entre as experiências brasileira e espanhola quanto às transições de regimes
autoritários, tomando como norte os conceitos de verdade, justiça e reparação.
Ana Liési Thurler, em uma visão interdisciplinar, revela as diferentes formas de
paternidades como exercícios políticos. Na esfera do Direito Penal, Charles Luz de Trois
analisa a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal quanto à liberdade provisória nos
crimes hediondos, e destaca decisões recentes que apontam a possibilidade de mudan-
ças do entendimento da Corte no sentido dos novos textos legislativos e da doutrina
mais moderna sobre o tema. Ao transcorrer um percurso conceitual sobre a proprie-
dade, desde a visão liberal até a função social, Maria Helena Ferreira Fonseca Falle
empreende uma reflexão sobre a pertinente aplicação da funcionalização às empresas.
Abordando um tema pouco conhecido – e menos ainda explorado – pela aca-
demia, Ana Paula Gomes Pinto reflete sobre as patentes de segundo uso médico,
dando ao leitor um quadro geral dos aspectos positivos e negativos de uma possível
concessão de registros no Brasil. Na área do Direito Tributário, Rodrigo de Moraes
Pinheiro Chaves e Hélio Silvio Ourém Campos escrevem sobre a construção e a
aplicação da norma jurídica tributária, com a avaliação das premissas maior (fato)
e menor (norma jurídica abstrata) e o lançamento como a constituição da relação
jurídica. Fechando essa edição, Dhenize Maria Franco Dias trabalha as aparentes
dificuldades conceituais para a definição e a concretização do direito público subje-
tivo, em especial quando se trata dos Direitos Fundamentais Sociais.
Não podemos deixar de agradecer aos autores e autoras pela construção do con-
teúdo que permeia essa edição, bem como aos revisores que criteriosamente selecio-
naram os artigos que fazem parte desta revista. O resultado desse trabalho é certa-
mente fruto de um esforço coletivo. A Equipe da Revista Jurídica da Presidência reitera
o seu compromisso com a qualidade da gestão dos artigos, para que o periódico seja
cada vez mais um instrumento de aproximação entre o Poder Executivo e a academia.
Tenham todas e todos uma excelente leitura.
Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 14 n. 102 Fev./Mai. 2012 p. 13 a 44
13
1 Argumentação jurídica e direito antitruste:
análise de casos
CLAUDIA ROSANE ROESLER
Pós-Doutora em Filosofia do Direito (Universidade de Alicante – Espanha).
Doutora em Direito (UnB). Professora da Faculdade de Direito da UnB.
PEDRO SANTOS TAVARES DA SILVA
Aluno de graduação da Faculdade de Direito da UnB.
SUMÁRIO:1 Introdução 2 Decisão do CADE – Postos de Combustíveis em Blumenau 3 Decisão
do TJSP – Cartel de Postos de Combustíveis de Jaboticabal 4 Decisão do CADE e do TRF1 - Cartel
do Aço 5 Conclusão: cartel ou infração à ordem econômica? 6 Referências.
RESUMO: Neste artigo procuramos avaliar alguns dos argumentos utilizados no
Brasil em casos de acusação de formação de cartel à luz da Lei de Defesa da Concor-
rência. Selecionamos três decisões que aplicam a referida lei, duas sobre a formação
de cartel na venda de combustíveis e uma sobre a formação de cartel na venda de
aço. As decisões são relevantes porque empregam argumentos semelhantes, mas
chegam a conclusões diametralmente opostas, oferecendo uma boa oportunidade
de análise crítica da argumentação empregada. Os diferentes argumentos identifi-
cados foram separados e avaliados à luz de pressupostos retirados da teoria da ar-
gumentação jurídica. Tentamos identificar, do ponto de vista jurídico, por que parece
ser tão difícil investigar e condenar cartéis de postos de combustíveis no Brasil, e
se haveria alguma solução argumentativa para esse impasse. Concluímos, dentre
outras coisas, que o mero uso de dados contábeis ou estatísticos, interpretados por
teorias econômicas, foi dúbio em todos os casos e sempre inconclusivo por si só. Os
mesmos indícios, porém, quando também analisados por raciocínios de razão práti-
ca, podem resultar em decisões diferentes.
PALAVRAS-CHAVE: Teoria da argumentação jurídica Direito da concorrência
Cartéis Infração à ordem econômica.
Argumentação jurídica e direito antitruste: análise de casos
Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 14 n. 102 Fev./Mai. 2012 p. 13 a 44
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Legal argument and antitrust law: case studies
CONTENTS:1 Introduction 2 Administrative Council for Economic Defense –CADE decision –Gas
Stations in Blumenau 3 São Paulo Estate Court of Justice – TJ/SP decison – Gas Station Cartel in
Jaboticabal 4 CADE and 1st Federal Regional Court –TRF1 decision – Steel cartel 5 Conclusion:
cartel or economic order infraction? 6 References.
ABSTRACT: in this article, we try to analyze some of the most frequent arguments
used in cartel cases in Brazil, in light of the Brazilian antitrust Law. Three decisions
that apply this law were selected, two of them about gas station cartels and one
about a steel cartel. These decisions were selected because they use similar argu-
ments, although arrive at opposite conclusions, which offers a good opportunity
for critical analysis of the argumentation employed. Different arguments identified
were separate in light of the premises of legal argumentation theory. We tried to
identify, from the legal point of view, why it seems so hard to investigate and pun-
ish gas station cartels in Brazil, and if there is any argumentative solution for this
problem. We conclude, among other things, that the mere use of raw accounting and
statistical data, interpreted solely by economic theories, was dubious in all cases and
always inconclusive by itself. The same data however when also analyzed by practi-
cal reason can result in different decisions.
KEYWORDS: Legal argumentation theory Antitrust Gas station cartels Infraction
to the economic order.
Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 14 n. 102 Fev./Mai. 2012 p. 13 a 44
Claudia Rosane Roesler - Pedro Santos Tavares da Silva 15
La argumentación jurídica y el derecho antitrust: un análisis de caso
CONTENIDO:1Introducción 2 Decisióndel CADE–estaciones de servicio de gasolina en Blumenau
3 Decisióndel TJSP – cartel de estaciones de servicio de gasolina en Jaboticabal 4 Decisióndel
CADE y del TRF1 – cartel del acero 5 Conclusión: cartel o infracción económica? 6 Referencias.
RESUMEN:En este artículo se evalúan algunos de los argumentos utilizados en Brasil
en casos de formación de cártel, a la luz de la Ley de Defensa de la Competencia.
Hemos seleccionado tres decisiones que aplican la ley, dos en la formación de
un cártel en l venta de combustibles y en la venta de acero. Estas decisiones son
importantes porque emplean argumentos similares, pero llegan a conclusiones
diametralmente opuestas, ofreciendo una buena oportunidad para analizarse
críticamente la argumentación empleada. Los diferentes argumentos identificados
han sido separados y evaluados a la luz de los presupuestos de la teoría de la
argumentación jurídica. Intentamos identificar, a partir de lo punto de vista jurídico,
por que a las autoridades parece ser tan difícil de investigar y condenar la formación
de cárteles en Brasil, y se habría alguna solución argumentativa a este problema.
Llegamos a la conclusión, entre otras cosas, que la mera utilización de los datos
estadísticos y contables, interpretados por la teoría económica, ha sido dudosa en
todos los casos analizados y inconclusos por si. La misma evidencia, sin embargo,
cuando analizada por la razón práctica, puede resultar en diferentes decisiones.
PALABRAS CLAVE:Teoría de la argumentación jurídica Derecho de la Competencia
Cárteles Violación del orden económica.
Argumentação jurídica e direito antitruste: análise de casos
Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 14 n. 102 Fev./Mai. 2012 p. 13 a 44
16
1 Introdução
O presente artigo dedica-se a mostrar como, a partir dos conceitos da teoria da
argumentação jurídica de Neil MacCormick (2008), decisões tomadas no âm-
bito do direito da concorrência podem ser analisadas criticamente. As decisões foram
selecionadas porque versam sobre uma mesma e relevante questão: as exigências
para a condenação pela infração de cartel. Não se trata, portanto, de uma análise de
jurisprudência em sentido estrito, pois não se visa à comparação de todos os casos
nos quais houve a acusação de formação de cartel de combustíveis ou do aço, mas
sim de compreender como determinados argumentos desempenharam papéis dia-
metralmente distintos em decisões sobre a formação de cartel, apontando eventuais
falhas ou discrepâncias na argumentação realizada. Embora essa análise não permita
uma aferição do comportamento geral dos órgãos decisores, já que não versa sobre
o conjunto de suas decisões, possibilita uma visão detalhada dos argumentos utiliza-
dos nos casos escolhidos e uma eventual e posterior expansão do estudo para outras
decisões. Salienta-se, como se verá no item conclusivo, a possibilidade de utilização
de alguns dos argumentos empregados para uma decisão mais adequada aos valores
do ordenamento jurídico brasileiro e aos objetivos da regulação da concorrência.
Escolhemos a teoria de MacCormick por duas razões relacionadas entre si. De
uma parte, trata-se de uma teoria da argumentação que constitui aquilo que Manuel
Atienza considera o “standard” da teoria da argumentação contemporânea, capaz de
oferecer conceitos-chave para a compreensão das pretensões de racionalidade de
decisões judiciais. De outra parte, é uma teoria da argumentação formulada a par-
tir de uma perspectiva que vai da observação dos casos particulares à formulação
de requisitos ou critérios de fundamentação para aferir a racionalidade da decisão
efetivamente tomada. Seu caráter eminentemente prático, parece-nos, oferece uma
melhor abordagem aos problemas de racionalidade decisória do que algumas ver-
sões mais claramente dedutivistas, como, por exemplo, a oferecida por Robert Alexy.
Como se verá oportunamente, a forma como MacCormick (2008) concebe essa exi-
gência de fundamentação racional, sem relacioná-la com o cumprimento de regras
de estruturação do discurso, oferece, em nossa opinião, um conjunto de instrumen-
tos teóricos capaz de esclarecer os passos argumentativos de uma decisão e possi-
bilita um olhar mais próximo aos problemas concretos de decisão. Nosso objetivo,
saliente-se desde já, não é contrastar ou discutir as vantagens ou desvantagens de
sua abordagem em frente de outras possíveis, mas sim utilizá-la como base teórica
e instrumento de análise das decisões escolhidas.
Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 14 n. 102 Fev./Mai. 2012 p. 13 a 44
Claudia Rosane Roesler - Pedro Santos Tavares da Silva 17
Selecionamos, para a análise, decisões diametralmente opostas sobre cartéis de
postos de combustíveis. A primeira, do Conselho Administrativo de Defesa Econômi-
ca (CADE), arquivou uma investigação por falta de provas. A segunda, do Judiciário,
inverteu o ônus da prova e condenou os postos a uma multa. A terceira decisão
firmou um precedente acerca da aplicação da Lei de Defesa da Concorrência em
relação à aplicação dos artigos que dizem respeito às condutas anticompetitivas e
seus efeitos. Essa última decisão foi analisada com a intenção de tentar extrair dela
alguma solução para o impasse identificado na análise das outras duas.
Uma das principais questões com as quais nos deparamos em relação à aplica-
ção da Lei de Defesa da Concorrência é a que diz respeito à delimitação do alcance
dos artigos que tratam dos efeitos econômicos das condutas anticompetitivas e a
sua relação com a necessidade da prova de uma conduta atrelada a esses efeitos.
Procurando refletir sobre essa dificuldade, o presente artigo faz uso de instrumentos
teóricos da teoria da argumentação jurídica, como se explicou acima, para indicar
possíveis caminhos de decisão. Desse modo, na conclusão procuramos responder se
seria necessária a comprovação de alguma conduta atrelada aos efeitos descritos no
artigo 20 da Lei no
8.884, de 19941
(BRASIL).
Nesse sentido, um dos pontos controvertidos mais importantes identificado foi
quanto ao que constituiria um indício suficiente para iniciar uma investigação ou
fundamentar uma condenação. Para discuti-lo, fizemos uso dos critérios propostos
por Neil MacCormick (2008) no livro “Retórica e o Estado de Direito”, identificando
se as decisões foram mais ou menos racionais, do ponto de vista da argumentação
prática. Ao final, tentamos discernir o que foi usado como um indício verossímil da
existência de um cartel, em especial no mercado de revenda de combustíveis.
Os conceitos do mencionado autor, aplicados às análises que se seguem, foram,
principalmente, os de universalização, consistência, coerência e consequencialismo
jurídico. São formas propostas por MacCormick (2008) de avaliar a correção ou in-
correção de determinados argumentos. São entendidos aqui, de forma resumida e a
título de introdução, da seguinte forma:
(i) universalização: um argumento deve poder ser afirmado na forma de um
princípio de ação universal aceitável, que poderia ser aplicado de forma
satisfatória a todos os casos com as mesmas características decisivas.
1 O Projeto de Lei da Câmara dos Deputados no
3937/2004, já aprovado pelo Congresso Nacional e
aguardando a sanção presidencial, altera a Lei de Defesa da Concorrência. O artigo correspondente
na nova lei é o 36, e a sua redação é idêntica aos artigos 20 e 21.
Argumentação jurídica e direito antitruste: análise de casos
Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 14 n. 102 Fev./Mai. 2012 p. 13 a 44
18
(ii) consistência: as afirmações constantes de um raciocínio de justificativa
devem ser postuladas de forma livre de contradições entre si. Difere da co-
erência na medida em que esse último critério relaciona-se com o sentido
que se dá à narrativa. É possível criar uma narrativa livre de inconsistên-
cias, mas cujo sentido seja de alguma forma injusto, e por isso a consis-
tência não se sustenta sozinha como critério de avaliação de argumentos.
(MACCORMICK, 2008, p. 248)
(iii) coerência: diz respeito aos princípios e valores que são afirmados na
decisão e à justificabilidade desses princípios e valores no delineamento
de uma forma de vida satisfatória. (MACCORMICK, 2008, p. 253)
(iv) consequencialismo jurídico: diz respeito não às consequências sociais
de longo prazo, difíceis de serem calculadas e avaliadas de fato, mas aos
comportamentos logicamente permitidos pela decisão, de forma que, se
esses comportamentos forem aceitáveis, as consequências possíveis são
tidas como aceitáveis também, e vice-versa.
Para facilitar a análise e estruturar a apresentação dos argumentos que com-
põem cada decisão, utilizaremos o layout dos argumentos proposto por Stephen
Toulmin (2001, p. 136):
Um mesmo argumento pode, sem dúvida, ser exposto em várias formas di-
ferentes, e alguns desses padrões de análise serão mais imparciais do que
outros - quer dizer, alguns deles mostrarão mais claramente que outros a va-
lidade ou invalidade de um argumento, e permitirão que se vejam mais explí-
citas as bases em que se apoiam e a relação entre estas bases e a conclusão.
Esse autor, participante do movimento de revitalização da razão prática e da
formulação de críticas profundas ao domínio absoluto dos padrões da lógica for-
mal, construiu uma interessante forma de se analisar argumentos, decompondo-os
em partes cuja relação permite compreender o grau de fundamentação que uma
conclusão pode receber das premissas elencadas. Mais detalhado do que o esque-
ma tradicional do silogismo dedutivo, o esquema de Toulmin ficou conhecido pela
sua aplicabilidade a qualquer tipo de argumentação prática. Segundo o autor, o
modelo de análise tradicional da lógica é excessivamente simples por duas razões
interligadas: uma consiste em ter ele partido de um tipo de argumento infrequente
na prática, e que exibe uma estrutura mais simples que a dos argumentos usados
nas diversas esferas da argumentação, de modo que não pode ser utilizado como
paradigma para os demais; a outra é que, precisamente por se concentrar nesse tipo
de argumentos, a lógica formal não levou em consideração diferenças importantes
Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 14 n. 102 Fev./Mai. 2012 p. 13 a 44
Claudia Rosane Roesler - Pedro Santos Tavares da Silva 19
como – sobretudo – a que ele estabelece entre a garantia e o respaldo de um argu-
mento ou entre a garantia e a condição de refutação (ATIENZA, 2006, p.110).
No diagrama abaixo apresentamos a sua estrutura e, em seguida, oferecemos
uma breve explicação de suas definições.
Diagrama 1: Layout dos argumentos de Toulmin
Resumidamente, cada um desses termos é entendido neste artigo da seguinte
forma: (i) dado – todas as premissas particulares ao caso analisado (fatos, provas,
circunstâncias específicas, etc.); (ii) apoio – premissas gerais aplicadas ao caso (leis,
teorias econômicas, lugares comuns, jurisprudência, doutrina, etc.); (iii) garantia – o
raciocínio utilizado para passar dos dados particulares à alegação final. Esse racio-
cínio particular muitas vezes é a própria ratio decidendi, e guarda uma relação íntima
com os apoios utilizados, no sentido de explicar como eles se aplicam aos dados do
caso; (iv) qualificadora e refutação – por estarmos lidando com argumentos da razão
prática, que tratam do comportamento humano, e, portanto, inserem-se no contexto
daquilo que é contingente e particular2
, ou seja, que pode ser ou não (ou, como é
próprio ao Direito, sobre o que pode ou não ter sido), a qualificadora aparece como
uma modulação da certeza que temos em relação à conclusão, e a refutação repre-
senta um dado que, se presente, invalidaria o raciocínio desenvolvido; (v) afirmação
– informação nova que se conclui dos dados, garantias e apoios encadeados ao
longo do raciocínio apresentado.
2 Decisão do CADE - Postos de Combustíveis em Blumenau
Processo Administrativo (PA) no
08012.005545/1999-16. Conselheiro Relator:
Carlos Emmanuel Joppert Ragazzo (BRASIL, 2010).
2 Em oposição àquilo que é universal e necessário, como nas ciências naturais e exatas, em que pode-
mos deduzir conclusões apodíticas, nas ciências sociais, e em especial no Direito, estamos lidando,
na maior parte dos casos complexos, com a verossimilhança de uma conclusão, e não propriamente
com a uma certeza absoluta.
Garantia Qualificadora
Refutação
Dado Garantia
Apoio
Afirmaçãoe já que
Porque
Então
A menos que
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2.1 Resumo do caso
De 1994 até 2010, apenas 7 (sete) cartéis de postos de combustíveis foram
condenados pelo CADE, apesar das centenas de denúncias. Em 2000, o Procon de
Blumenau encaminhou à Secretaria de Direito Econômico (SDE) uma denúncia con-
tra um suposto cartel de postos de combustíveis na cidade. Uma análise da Agência
Nacional do Petróleo (ANP) confirmou o paralelismo de preços entre os postos da
região. A SDE, porém, recomendou o arquivamento do processo pelo CADE, que, em
2010, o arquivou pela ausência de prova direta do acordo. Essa decisão foi além,
e permitiu que a SDE arquivasse sumariamente todas as denúncias semelhantes
contra postos de gasolina, caso a prova direta de um acordo não estivesse presente
nos indícios apresentados.
O CADE considerou que existiam fortes indícios de cartel, mas que, porém, eles
não eram suficientes sequer para iniciar uma investigação. A decisão suscita uma dis-
cussão sobre a diferença entre indícios suficientes para dar início a uma investigação
e indícios suficientes para se fundamentar uma condenação na esfera administrativa.
Dentre os motivos apresentados pelo CADE para justificar o arquivamento, encon-
tram-se argumentos de natureza consequencialista, que serão analisados no traba-
lho, além de outros pontos que parecem estar em contradição argumentativa interna.
2.2 Principais argumentos da decisão
A decisão em análise pode ser dividida em 3 (três) grandes grupos de argu-
mentos: (i) os que justificam o arquivamento das investigações contra os postos
de Blumenau; (ii) os que sustentam a orientação para os órgãos de defesa da con-
corrência arquivarem outros casos com características comuns a esse; (iii) os que
justificam a atuação do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC), dentro
da sua prerrogativa de advocacia da concorrência, em tentar alterar alguns pontos
da legislação do setor de revenda de combustíveis com a intenção de fomentar a
concorrência. A seguir, elencamos esses grupos de argumentos, categorizando-os de
acordo com o layout de Toulmin.
2.2.1 Arquivamento da investigação contra os postos de Blumenau
Afirmações: O CADE alegou que provavelmente não haveria cartel, e que, por-
tanto, não valeria a pena o esforço de investigar os postos de Blumenau. Para isso,
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comparou os seguintes dados: de um lado, (i) o paralelismo de preços nos postos
da região e a discrepância de preços com as cidades vizinhas; de outro lado, porém,
(ii) a estrutura de fornecimento de combustíveis vigente no país; (iii) a existência, à
época, de liminares que isentavam algumas distribuidoras do pagamento de alguns
tributos nas cidades vizinhas; (iv) pequenas variações de preços nos postos; (v) lucro
bruto médio dos postos da cidade abaixo da média dos 20% (vinte por cento) nor-
mais nesse mercado.
De posse disso, a decisão aplicou a seguinte garantia aos dados, (que é o raciocí-
nio aplicado à generalidade dos casos de cartel no CADE): “o alinhamento de preços
é um forte indício da existência de um cartel, mas não constitui prova suficiente para
sua caracterização”(BRASIL, 2010). Essa garantia se apoia, pelo lado jurídico, na juris-
prudência do CADE ao interpretar a Lei no
8.884, de 1994, e, pelo lado econômico, no
fato de que, em mercados de concorrência perfeita, os preços seriam também, teorica-
mente, idênticos.Tradicionalmente, preços iguais são considerados como indício clás-
sico de um cartel. No entanto, apesar de ser uma conclusão considerada, ao menos
a priori, contraintuitiva, há mercados competitivos que também apresentam preços
iguais. Aliás, nem tão contraintuitiva assim, já que, em mercados que se aproximam
de estruturas classificadas como de concorrência perfeita, os preços seriam idênticos
(BRASIL, 2010, p. 13). Ou seja: a necessidade de prova ou indício de acordo existe, em
casos de cartel de postos de combustíveis (ou outros com as mesmas características),
para afastar a hipótese do mercado estar próximo da concorrência perfeita.
Podemos concluir que se trata da aplicação de um lugar-comum do direito anti-
truste, o de que não existe ilicitude no mero paralelismo de preços, quando decorrente de
concorrência natural no mercado.
[...] o mero paralelismo de preços entre postos de combustíveis não é sufi-
ciente para punir a conduta. É necessário que outros indícios, preferencial-
mente provas diretas, como atas de reunião com fixação de preço e escutas
telefônicas com autorização judicial, sejam apresentadas para garantir a con-
denação. (COMBATE A CARTÉIS NA REVENDA DE COMBUSTÍVEIS, 2009, p. 9)
No mesmo sentido:
Nem toda prática de preços semelhantes é direcionada a restringir a con-
corrência. Ela pode ser, ao contrário, sobretudo em estruturas monopolis-
tas, sintoma de intensa concorrência entre as partes. A lei brasileira con-
firma esse entendimento ao afirmar, logo em seguida, que a prática deve
ser por acordo entre concorrentes. Essa afirmação não constitui uma con-
tradição em termos, exigindo o retorno à noção de acordo expresso para
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caracterizar a ilicitude. Constitui - isto, sim -um adendo necessário para
deixar claro que a mera semelhança de preços não é indício suficiente para
a ilicitude. (SALOMAO FILHO, 2003, p. 273)
2.2.2 Arquivamento de outros casos de cartéis de postos de gasolina por suposta
concorrência perfeita
Em seguida, a decisão passou a considerar não apenas o fato de que provavel-
mente não haveria um cartel em Blumenau, mas a explicar porque casos como esse
não seriam sequer passíveis de investigação. Os argumentos a seguir analisados fo-
ram usados para sustentar a alegação de que a SDE deveria arquivar denúncias contra
postos de gasolina baseadas apenas em preços semelhantes, reajustes paralelos e preços
mais altos do que os de municípios vizinhos, sem investigá-las.
Os dados utilizados para essa alegação foram: (i) o elevado número de denún-
cias desse tipo, do qual não se tem dados consolidados, mas se sabe que, de 2005
a meados de 2010, foram arquivados pelo SBDC no mínimo 160 (cento e sessenta)
procedimentos resultantes de denúncias de cartéis de combustíveis, sendo que, em
toda a história do CADE, apenas 7 (sete) denúncias desse tipo resultaram em uma
condenação; (ii) tais procedimentos estariam se arrastando por vários anos e esta-
riam consumindo demasiados recursos públicos em termos de tempo, atenção e re-
cursos financeiros; (iii) os procedimentos não estariam resultando em condenações
ou produzindo algum retorno para a coletividade.
Em seguida, para interpretar tais dados, usou-se uma garantia baseada em um
raciocínio alternativo, múltiplo e mutuamente excludente, com três (supostamente
únicas) explicações para esse volume elevado de denúncias e pequeno número de
condenações: (i) a de que a quantidade excessiva de denúncias “mal embasadas” se-
ria reflexo de um problema informacional por parte dos consumidores; (ii) problemas
regulatórios do setor estariam gerando situações lícitas semelhantes às de cartel;
(iii) a proliferação de cartéis no setor seria resultado da impunidade, pela falta de
investigações do SBDC e punições do CADE.
A primeira hipótese do raciocínio da garantia acima foi apoiada com o argumen-
to histórico de que
[...] após um longo período de preços regulados, [o consumidor] espera
uma significativa heterogeneidade de preços dos derivados de petróleo,
entendendo, a partir dessa pretensão, que preços iguais ou mesmo reajus-
tes próximos seriam indícios manifestos de cartel. (BRASIL, 2010, p. 11)
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A segunda hipótese, a que explica o número de denúncias pelos problemas re-
gulatórios, seria, em parte, relacionada à anterior. O CADE sustenta que a estrutura
do mercado de combustíveis no país gera situações semelhantes a cartéis, e essa
estrutura seria desconhecida pelos consumidores.
A terceira hipótese (a proliferação de cartéis no setor seria resultado da impuni-
dade) não foi afastada diretamente pelo Conselho, mas principalmente por exclusão
pela afirmação da primeira e da segunda.
Essa “garantia tríplice” mencionada acima aparentemente apoia-se no lugar-
-comum de que o mero paralelismo de preços não gera ilicitude antitruste. Propo-
mos aqui, no entanto, que a decisão estendeu, de fato, a necessidade do indício de
acordo não apenas para a condenação, mas a elevou a elemento indispensável de
materialidade, sem o qual nem mesmo uma investigação poderia ser iniciada – e
esse raciocínio é a própria alegação final da decisão. Ou seja, a alegação final serviu
como um dos principais apoios da garantia nessa decisão. É um raciocínio circular,
que utiliza a conclusão como uma das premissas.
Resumindo: sem indícios diretos de cartel, não se pode nem investigar a exis-
tência dos próprios indícios diretos, porque, provavelmente, eles não existem, já
que, na última centena de denúncias semelhantes no mesmo mercado, eles não
foram encontrados3
– a não ser em 7 (sete) raríssimos casos, que foram entendidos
pelo CADE como “um número considerável de condenações por práticas colusivas
nos últimos anos” (BRASIL, 2010, p. 22). Investigá-los seria uma perda de tempo,
porque, no final do procedimento, a investigação provavelmente não geraria uma
condenação.
A proposta aqui delineada neste voto é a de substituir uma postura mais
conservadora por parte do SBDC em que se analisa com vagar toda e qual-
quer denúncia, mesmo sem uma preliminar materialidade e/ou autoria (tal
como as descritas no item anterior), por uma escolha mais pormenorizada
e direcionada de mercados a serem investigados, a fim de focar recursos
em iniciativas governamentais que têm maior probabilidade de êxito. Aliás,
evitar-se-ia um problema para os agentes dos órgãos de instrução, já que
fazer prova negativa (a de que não houve cartel) diante de indícios que
não têm materialidade suficiente sequer para gerar uma investigação não é
tarefa das mais fáceis. (BRASIL, 2010, p. 21, grifo dos autores)
3 Também não há informações na decisão sobre se essas dezenas de denúncias arquivadas foram in-
vestigadas ou não.
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Essa é, de fato, uma tarefa da defesa, e não, teoricamente, dos órgãos de ins-
trução. Mas nesse caso, inclusive, diversos postos nem mesmo apresentaram uma
defesa, mas todos foram absolvidos.
Em seguida, a decisão delineou os argumentos que justificam a atuação do
SBDC ao tentar mudar a legislação no setor, para fomentar a concorrência. Dentre
essas ações, a principal foi a decisão do CADE em atuar junto ao Supremo Tribunal
Federal (STF) para que esse declare inconstitucional uma norma que veda a instala-
ção de postos de combustíveis em estacionamentos de shoppings e supermercados
no Distrito Federal (DF). Um dos argumentos levantados contra a referida norma,
para demonstrar que a limitação estaria atingido o bem-estar do consumidor, foi
um estudo da SDE que constatou que: “os postos em supermercados praticam, em
média, preços 5% mais baixos do que os postos tradicionais” (BRASIL, 2010, p. 31).
Para os propósitos do presente trabalho, esse é um dado importante ao de-
monstrar que a concorrência no setor de revenda de combustíveis provavelmente
não é perfeita – do contrário, os preços não teriam mais como serem reduzidos de
forma significativa com a instalação em estacionamentos de novos postos concor-
rentes. Como se sabe, na concorrência perfeita, os preços já estão no menor patamar
possível. A decisão é inconsistente ao afirmar que a concorrência no setor de reven-
da de combustíveis seria perfeita, e, em seguida, que há indícios de limitações à con-
corrência no setor. Ou seja, a impossibilidade de ingresso de novos concorrentes que
pratiquem preços menores é uma afirmação incompatível com a alegação de que o
mercado já estaria praticando os preços de um mercado em concorrência perfeita.
2.3 Análise de universalização e consequencialismo lógico-jurídico da decisão
Os princípios relevantes de ação, que fundamentaram a escolha desses dados
em particular, poderiam ser expressos da seguinte forma: (i) caso hajam diferenças
tributárias que expliquem custos menores nas cidades vizinhas, os indícios econô-
micos de que os preços do suposto cartel são os maiores da região ficam comprome-
tidos; (ii) pequenas variações de preços contribuem para afastar a hipótese de que
há um cartel; (iii) um cartel, para ser condenado, deve ser lucrativo.
A primeira regra nos parece razoável; mas a segunda parece ser inverossímil,
por ser um fator que depende do próprio comportamento do cartel, e a terceira está
em franca contradição com a Lei de Defesa da Concorrência, sem que isso seja abor-
dado na decisão. O artigo 20 da Lei no
8.884, de 1994, diz que:
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Constituem infração da ordem econômica, independentemente de cul-
pa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou
possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: [...]
III - aumentar arbitrariamente os lucros. (BRASIL, 1994, grifo nosso)
A garantia utilizada nesse caso, quando universalizada, também não parece
guardar relação direta com os dados particulares mencionados acima. Ao ser uni-
versalizada, foi criada uma espécie de “anistia aos cartéis” com esse raciocínio:
[...] caso não haja indício, na própria denúncia de formação de cartéis, de
um acordo direto entre concorrentes em um mercado de produtos homo-
gêneos e preços transparentes, essa denúncia não deverá ser investigada.
(BRASIL, 2010)
Um dos problemas nesse raciocínio é que nem todos os autorizados a denunciar
infrações à ordem econômica, tais como associações de consumidores, por exemplo,
possuem poder ou capacidade para coletar esse tipo de prova. Ao realizar esse ra-
ciocínio, o efeito prático foi o de estabelecer uma consequência incompatível com a
legislação, além de inconsistente do ponto de vista interno do raciocínio: seguindo-
-se os parâmetros construídos pelo CADE em seu argumento, a prova necessária
para iniciar a investigação é a mesma necessária para a condenação.
Outro problema com o princípio de ação universal é que ele não é uma formu-
lação abstrata, mas apenas uma generalização das decisões anteriores. Segundo
MacCormick (2008, p. 123):
Um fundamento universalizado de julgamento diz ‘Sempre que ocorrer
c, faça V...’, enquanto um fundamento generalizado não pode nunca dizer
mais do que ‘Frequentemente, se ocorrer c, faça v...’ou talvez‘Quase sempre
que ocorrer c, faça V...’
Ou seja, parece-nos que o entendimento do CADE é uma generalização, e não
um princípio de ação: como frequentemente não há condenações, as denúncias não
devem ser investigadas.
3 Decisão do TJSP – Cartel de Postos de Combustíveis de Jaboticabal
Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), ação civil pública no
291.01.2006.000904-
1. Juíza Carmen Silvia Alves, 1ª Vara cumulativa de Jaboticabal (BRASIL, 2008).
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3.1 Resumo do caso
Em fevereiro de 2006, o Ministério Público de São Paulo (MPSP) ajuizou uma
ação civil pública contra os postos de combustíveis da cidade de Jaboticabal, que,
em 2005, estariam praticando preços muito próximos, os mais altos da região. O
MPSP pediu a aplicação de uma multa e a imposição da obrigação para que os
postos não mais praticassem os referidos preços. Não foi produzida prova direta do
acordo: apenas foi constatado que postos com diferentes custos estariam praticando
os mesmos preços ao consumidor. Em maio de 2008, o pedido foi julgado parcial-
mente procedente, e todos os postos de combustíveis da cidade foram condenados a
pagar, ao fundo de interesses difusos do Estado de São Paulo, uma multa educativa
no valor de 20.000 (vinte mil) reais cada um. As apelações ainda não foram julgadas.
3.2 Principais argumentos da decisão analisada
3.2.1 Da dispensa da prova pericial e da conduta de formação de cartel
A decisão alega que o ônus da prova nesse caso, por envolver a aplicação do
Direito do Consumidor, estaria invertido, ou seja, não seria necessária a realização
de uma perícia econômica por parte da acusação. Assim, os postos deveriam provar
que não estariam causando nenhum dano à economia. Essa alegação parte princi-
palmente dos dados produzidos pelo Procon em forma de planilhas de preços.
Como garantia, a decisão fornece o raciocínio de que a acusação do Ministério
Público de São Paulo e as evidências trazidas já tornariam a acusação de cartel
verossímil, pois seria inverossímil que todas as circunstâncias e os custos de todos
os postos da cidade fossem iguais, resultando em preços iguais. Ou seja, contra o
argumento da defesa, de que seria necessária uma perícia para apurar as diferentes
circunstâncias entre os postos, a decisão forneceu a seguinte garantia:
[...] é justamente porque existem inúmeras variáveis, como custos, circuns-
tâncias de localização, perfil do consumidor, volume de vendas, etc., que não
se admite que os preços praticados em postos diversos sejam os mesmos.
(BRASIL, 2008)
Resumidamente, esse argumento da decisão se traduz no raciocínio universa-
lizável que diz: “a perícia deve ser produzida, a menos que seja demasiadamente
onerosa e não seja um fator determinante na elucidação do caso”.
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A principal alegação da decisão, portanto, é a existência de cartel de postos
de gasolina. Baseado nos dados de paralelismo de preços comparados aos custos
diferentes entre os postos, concluiu-se que a única forma em que postos com custos
muito diferentes poderiam praticar preços semelhantes seria por meio de um acor-
do, explícito ou implícito:
[...] não é possível que revendedores que adquirem os combustíveis e insu-
mos a preços diferentes, têm custos e obrigações distintas, estão em fases
distintas de desenvolvimento e aprimoramento dos serviços, possam ven-
der o produto ao consumidor a preço idêntico. (BRASIL, 2008)
3.3 Refutações
Em seguida, a decisão desenvolve o que apresentaremos como condições de
refutação às objeções probatórias mais comuns em casos de cartel. Elas serão apre-
sentadas aqui, a título de ilustração, na forma de princípios gerais de ação, em refu-
tação às formulações correspondentes observadas nos casos julgados pelo CADE e
analisados nesse trabalho.
3.3.1 Indício de acordo
No presente caso, quanto à prova de acordo expresso, entendeu-se que:
É certo que não há prova de acordo expresso, como gravações de conversas
telefônicas ou de reuniões para combinação de preços. Todavia, esta prova
específica é difícil de ser produzida, principalmente no caso em questão, no
qual, ao que parece, não havia um líder atuando em coordenação ao cartel
[...] No caso ora tratado, não seria possível monitorar conversas entre proprie-
tários de vinte (20) postos de gasolina. (BRASIL, 2008, grifo nosso)
Ou seja, se fossemos redigir esse argumento na forma de um princípio relevante de
ação universalmente afirmado, como uma refutação ao afirmado pelo CADE, diríamos
que “caso não haja indício, na própria denúncia de formação de cartéis, de um acordo
direto entre concorrentes no setor de postos de combustíveis, essa denúncia não deve-
rá ser investigada e não poderá resultar em condenação, a menos que seja impossível
produzir tal prova”.
Esse raciocínio não está distante do que aparece na condenação do cartel do
aço, que analisaremos posteriormente. É necessário um indício de que o acordo
ocorreu, e não necessariamente uma gravação direta ou uma confissão:
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Cabe aqui um parêntesis para estabelecer um paralelo com outras juris-
dições. Nos países nos quais a aplicação da lei antitruste apresenta-se
inserida dentro do direito penal, a apreensão de agendas denunciando
o encontro entre diretores de empresas concorrentes ou a simples troca
de telefonemas entre eles é prova suficiente da violação da lei. Certamente
lá, como aqui, é impossível demonstrar que nessas reuniões ou troca de
telefonemas entre empresários responsáveis justamente pela área de co-
mercialização e fixação de preços o assunto tratado foi este. Mas como essa
possibilidade é real, e mais do que isso, é racional, é absolutamente proibido o
contato entre concorrentes. (BRASIL, 1999, grifos nossos)
3.3.2 Sobre o argumento da “estrutura do mercado”
Aqui entramos em uma discussão que diz respeito às noções econômicas, mas
que encaminharemos à luz da argumentação jurídica. As diferentes teorias econômi-
cas sobre o comportamento das empresas e sobre o que constituiria um indício de
cartel não parecem ser consensuais nem mesmo na ciência econômica4
, conforme
veremos resumidamente a seguir. Acreditamos, portanto, que o uso de uma explica-
ção baseada estritamente em uma teoria econômica não pode ser o fator único ou
primordial na interpretação dos indícios nos casos de cartel.
Não parece haver consenso científico nos estudos da economia em relação ao uso
específico de dados sobre custos como indício de cartel. Apontaremos, a seguir, um
exemplo dessa controvérsia. Sob um viés teórico, portanto, esses dados tanto já foram,
quanto não foram, interpretados como um possível indício. O CADE prefere, pelos moti-
vos técnicos expostos abaixo, não interpretá-los como dados relevantes. No Judiciário,
no entanto, como já vimos acima, isso parece poder ser feito. Cabe aqui comparar quais
das duas posturas seria mais racional, do ponto de vista da argumentação prática.
4 “A verdadeira contestação recente a Chicago, que faz com que na doutrina econômica predominante
(mesmo de origem liberal) a Escola Neoclássica seja considerada ultrapassada, parte da modificação
do foco das atenções. As novas teorias econômicas, baseadas em recentes desenvolvimentos dos
métodos econométricos e dos métodos analíticos, passam a se interessar pelo comportamento de
empresas individuais ou de setores ou subsetores industriais isolados. Desnecessário dizer que a
consequência, no plano jurídico, é o deslocamento do controle das estruturas para o controle dos
comportamentos. Isso não significa que o controle das estruturas esteja superado. Vivas estão, por
exemplo - e é importante que estejam -, as polêmicas entre os defensores das ideias neoclássicas de
Chicago e os defensores das ideias ordoliberais de Freiburg. A contestação jurídica às ideias econômi-
cas de Chicago, mesmo tratando-se de estruturas, continua mais viva do que nunca. Significa, apenas,
que é no campo do controle dos comportamentos que se situam, hoje em dia, as polêmicas econômicas
mais relevantes. Significa também, como já foi mencionado, que em muitos casos parece possível dar
uma resposta comportamental a problemas estruturais” (SALOMAO FILHO, 2003, p. 23, grifo nosso).
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Entendemos que, por se tratar de um assunto dentro do contexto do contingente
(aquilo que pode ou não pode ser) e não do necessário (aquilo que necessariamente é
ou não), a comprovação da existência ou não de um cartel não precisa ser feita, ape-
nas e tão somente, da mesma forma que se comprova uma teoria científica das ciên-
cias naturais ou exatas: ela também pode ser feita por meio de regras da experiência,
verossimilhança da narrativa acusatória, coerência e racionalidade argumentativa. Ou
seja, mesmo que na ciência econômica ainda não haja consenso teórico sobre o uso de
determinado dado para a comprovação de um cartel, isso não impede o juiz de usá-lo.
Aliás, mesmo que houvesse um consenso científico de que determinado dado não
pode ser, teoricamente, usado como um indício de cartel, ainda assim o juiz não estaria
impedido de utilizar-se dele racionalmente – deverá fazê-lo se o caso particular anali-
sado não possuir as mesmas características dos estudados pelos economistas.
A decisão do CADE frequentemente recorre a estudos econômicos para apoiar os
seus raciocínios. Ou seja, ela utiliza como premissas diversas conclusões de estudos
acadêmicos que não estão sujeitos ao debate dentro do discurso jurídico, mas que,
não obstante, também não são axiomas econômicos: são temas postos em debate
pela comunidade acadêmica, fora do alcance da argumentação jurídica. Não se trata,
a seguir, da análise de uma perícia econômica, mas do uso de determinados estudos,
ainda teóricos, para se chegar a conclusões práticas.
3.3.2.1 Análise do argumento da “estrutura do mercado” proposto pelo CADE
No caso dos postos de combustíveis de Blumenau, a “estrutura de fornecimen-
to de combustíveis vigente no país” serviu como argumento contra a condenação
dos postos. O apoio desse raciocínio é, basicamente, o fato de que esse setor pos-
sui produtos homogêneos e preços transparentes. Essas características econômicas
criariam a necessidade da produção de outros indícios, além da demonstração do
paralelismo de preços, para a condenação dos postos5
.
Esse raciocínio não é diferente do apresentado no caso de Jaboticabal. A prin-
cipal diferença da decisão do interior de São Paulo é o fato de que nessa os dados
5 O documento de trabalho no
40 da SEAE/MF foi amplamente referenciado na decisão sobre os postos
de Blumenau. Os pontos que consideramos mais relevantes para o tópico “custos” foram aqui citados.
Segundo o Conselheiro Ragazzo, relator da decisão dos postos de Blumenau, e autor desse documen-
to de trabalho, “[...] a homogeneidade de preços comumente verificada na revenda de combustíveis
pode ter outras explicações perfeitamente críveis e que, por isso, não pode ser tomada como indício
suficiente de um cartel, não prescindindo de outros elementos a demonstrar a existência de colusão para
motivar uma investigação” (RAGAZZO; DA SILVA, 2006, p. 11, grifo nosso).
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referentes aos custos foram interpretados como sendo um“outro elemento a demons-
trar a colusão”. No CADE, o custo diferente de aquisição dos produtos é uma variável
que é, pelo menos nas decisões analisadas nesse trabalho, largamente ignorada
como um indício de acordo. Analisaremos os motivos técnicos para isso a seguir.
No documento de trabalho no
40 da SEAE/MF, citando estudo realizado por
Nunes  Gomes, que analisaram o mercado de revenda de combustíveis no interior
de São Paulo, Ragazzo afirma que “no ver desse autor, mesmo que os postos tenham
custos iguais entre si, a variabilidade dos preços de revenda deveria ser, no mínimo, igual
à verificada no atacado”(RAGAZZO; SILVA, 2006, p. 31, grifo nosso).
E, nas palavras dos autores mencionados acima, para esclarecer:
[...] em outras palavras, a variabilidade dos preços de varejo deve ser maior
que a variabilidade dos preços de atacado. Mesmo que os postos tenham
estruturas de custos iguais, no mínimo seus preços devem ter variabilidade
igual à do atacado. (NUNES; GOMES, 2005, p. 9)
O estudo de Nunes  Gomes, que considera os custos dos postos como um
possível indício (de forma semelhante à juíza de Jaboticabal) foi afastado nas con-
clusões do documento de trabalho da Secretaria de Acompanhamento Econômico
(SEAE), principalmente ao ser confrontado com outro estudo6
, de Matthew Lewis,
que, ao analisar o mercado de revenda de combustíveis de San Diego, nos EUA,
demonstra, pela leitura de Ragazzo, essencialmente que
[...] não se poderia usar o argumento de que uma suposta heterogeneidade
entre os revendedores de combustíveis e uma suposta lealdade à bandeira
justificaria uma grande diferenciação nos preços de revenda. (RAGAZZO;
SILVA, 2006, p. 20)
O estudo de Matthew Lewis diz que revendedores heterogêneos (ou seja, com
custos e produtos diferentes) não necessariamente geram preços diferentes ao con-
sumidor. É o raciocino que dá apoio ao que vimos no caso de Blumenau, de que os
preços semelhantes podem ser tanto um indício de cartel quanto de competição.
Além disso, nada garante que essas conclusões não sejam fruto das particularidades
6 O documento também cita o fato de que alguns postos de bandeiras específicas que recebem inves-
timentos das distribuidoras pagam esses investimentos por meio de preços mais elevados do que
o normal na aquisição de combustível, explicando, assim, a heterogeneidade dos preços de compra
dos combustíveis pelos postos. Ora, acreditamos que esse fato é demasiadamente particular para ser
generalizado em todos os casos de cartel. Ele pode ser um argumento da defesa nos casos particu-
lares em que isso de fato ocorrer, mas usá-lo para justificar a não investigação de todas as denúncias
fundadas em paralelismo de preços nos parece incorreto.
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de cada mercado, e não necessariamente leis universais da economia, aplicáveis
também ao contexto em análise. Ao invés, no entanto, de justificar o uso do estudo
naquilo que poderia caber à realidade brasileira, em um único momento em que
Lewis constrói a possibilidade de que preços semelhantes possam ser um indício de
cartel, o CADE afasta essa aplicação em razão da diferença entre a realidade ameri-
cana e a brasileira (RAGAZZO; SILVA, 2006, p. 21).
Há, portanto, duas deficiências no argumento utilizado pelo CADE. Em primeiro
lugar, não se oferece nenhuma justificativa ao uso de um estudo particular sobre
uma realidade específica que não a brasileira. Em segundo lugar, quando os resul-
tados aparentemente poderiam ser úteis, são descartados, também sem motivação
alguma, a pretexto de uma diferenciação – não explicada – entre os mercados.
Além disso, esse é um dos motivos desse tipo de discussão teórica não ter o
condão de justificar, de forma racional, decisões jurídicas. Da mesma forma que os
indícios econômicos não conseguem provar em definitivo a existência de um cartel,
os estudos teóricos da economia, baseados apenas em estatísticas e modelos teóri-
cos, também não têm como provar a não existência de um cartel.
Afirmar qualquer um desses raciocínios é uma espécie de argumentum ad igno-
rantiam7
. Essas teorias somente provam conclusivamente que as teorias econômicas
não têm como provar, sozinhas, se há ou não um cartel. Acreditamos, portanto, que
elas não deveriam poder autorizar um arquivamento sem uma análise particular do
conjunto probatório de cada caso, e muito menos um arquivamento liminar, sem in-
vestigação. Além disso, usar teorias controvertidas para justificar a não investigação
de denúncias de cartel é, como diria Aristóteles, tomar como premissas “opiniões que
parecem ser de aceitação geral, quando na verdade não o são”8
.
3.3.2.2 Argumento da “estrutura do mercado” na sentença
A decisão de Jaboticabal entendeu ser “inadmissível o argumento de que o ali-
nhamento de preços seria decorrente do comportamento natural do mercado de
7 Falácia do apelo à ignorância, que diz que, se não houver indícios a favor de uma proposição, ela é
necessariamente falsa, ou que, se não houver indícios contra essa proposição, ela é necessariamente
verdadeira. O cientista norte americano Carl Sagan a resumiu na seguinte frase: “a ausência da evi-
dência não significa evidência da ausência”.
8 Diz-se raciocínio erístico aquele que resulta de proposições que parecem geralmente aceitas sem que
o sejam, bem como o que decorre, ou parece decorrer, de proposições geralmente aceitas, pois nem
tudo o que parece fundado na opinião o é de fato (ARISTÓTELES, 1982).
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combustíveis” (BRASIL, 2008). Ela afasta esse argumento raciocinando que a estru-
tura do mercado de revenda de combustíveis não seria a única que submeteria seus
revendedores a condições fora do seu controle, e que isso não deveria justificar um
acordo de preços, pois a sobrevivência de uma empresa não pode ser garantida por
meio de atos ilícitos como a combinação, mesmo que tácita, de preços.
3.4 Análise de coerência
3.4.1 Livre iniciativa versus o bem estar do consumidor
Os principais valores expressamente afirmados na decisão de Jaboticabal para
justificarem a condenação dos postos da cidade foram a livre iniciativa, temperada
pela concorrência leal, a confiança e a boa-fé. A sentença procurou resguardar os
direitos dos consumidores de usufruirem o que desejam a um preço justo, em opo-
sição ao direito de obter lucro por meio de atividade lícita.
A principal diferença de sentido da decisão analisada nesse ponto para a deci-
são do CADE está no fato de que o CADE, como órgão administrativo, colocou uma
grande importância, mesmo que implícita, também na eficiência da administração
pública e, talvez, em um tipo de “conveniência e oportunidade” de conduzir algumas
investigações e outras não, enquanto que a decisão de Jaboticabal colocou uma
ênfase maior nos outros valores acima destacados.
Acreditamos que uma investigação bem feita que, ao seu término, identifica que
de fato não há um cartel não poderia ser classificada como uma investigação des-
necessária: ela é, de fato, uma investigação justa. Mesmo que uma investigação não
resulte em uma condenação, e na consequente aplicação de uma multa, ela é útil para
a sociedade por si só, na medida em que, por exemplo, os empresários investigados
possam provar a sua idoneidade perante o mercado, ou para que os consumidores sin-
tam que de fato alguma coisa foi feita na direção da elucidação clara e pública de uma
situação tida como injusta. O objetivo da investigação, afinal, não pode ser apenas
condenar os infratores ou regular o mercado ou recolher multas, mas é, antes de tudo,
uma ferramenta que o Estado coloca à disposição dos cidadãos para a busca da ver-
dade e a realização da justiça no limite do possível, dando uma resposta à sociedade.
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3.4.2 Fiscalização e sanção versus Regulação
Um dos pedidos do Ministério Público na ação civil pública em análise foi o de
impor uma obrigação de reduzir os preços dos combustíveis aos postos, de forma
semelhante a um termo de ajustamento de conduta (TAC). Uma crítica comumente
feita pelo SBDC ao Ministério Público (MP) é justamente o fato de que o MP por ve-
zes gera outras distorções ao utilizar esse tipo de instrumento para tentar regular o
mercado, atitude que engessaria a concorrência.
A crítica do SBDC não se limita aos TACs, mas se estende às ações civis públicas
em geral, que, segundo a SDE, conforme sua cartilha institucional, possuiriam, em
relação ao procedimento administrativo, apenas uma função secundária no combate
aos cartéis9
.
Ora, não foi o que aconteceu em Jaboticabal. Não foi firmado TAC com os postos
da cidade, e a sentença se limitou a aplicar uma multa de caráter pedagógico, com
uma clara função punitiva – não impôs obrigação aos postos. Além disso, as notícias
da cidade parecem indicar que, de fato, houve a entrada de um novo concorrente no
mercado, e que os preços dos combustíveis em Jaboticabal são agora os menores
da região: “O valor do combustível em Jaboticabal segue abaixo das demais cidades da
região após a abertura de um novo empreendimento [...]” (TRIBUNA REGIÃO, 2011). É
claro, esse fato talvez não tenha relação com a condenação em análise. Acreditamos,
no entanto, que ele é, no mínimo, um fator interessante a ser considerado em futuras
tentativas de replicação desse tipo de argumentação em outros municípios: o fato
é que esse tipo de iniciativa parece já ter alcançado o objetivo a que se propunha,
sem precisar interferir no mercado por meio de TAC.
4 Decisão do CADE e do TRF1 - Cartel do Aço
CADE. Processo administrativo no
08000.015337/1997-48, julgado em 27/10/1999,
Conselheiro Relator: Ruy Afonso de Santacruz Lima e Tribunal Regional Federal da
1a
Região (TRF1). Apelação Cível no
8688.20.00.401340-0/DF, Sétima Turma, julgado
9 “O Poder Judiciário tem apontado acertadamente que não se combate cartéis por meio de TACs ou se
investiga tais práticas por meio de Ação Civil Pública, pois estes não possuem os efeitos dissuasórios
e os meios de prova de uma investigação criminal e acabam sustentando preços acima dos que vige-
riam se estivéssemos diante do livre mercado. Por outro lado, a Ação Civil Pública, após identificado
e punido administrativa ou criminalmente um cartel, possui papel fundamental na recomposição dos
danos sofridos individualmente e pela coletividade durante a atuação do cartel”(COMBATE A CARTÉIS
NA REVENDA DE COMBUSTÍVEIS, 2009, p. 25).
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em 14/06/2010, Relatora: Desembargadora Federal Maria Isabel Gallotti Rodrigues
(BRASIL, 2010).
4.1 Resumo do Caso
Em 1996, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), a Usiminas e a Cosipa com-
pareceram a uma reunião no Ministério da Fazenda para informar ao Governo sobre
o aumento dos seus preços, o que aconteceu na semana seguinte. Após investigação
do Ministério da Justiça, as empresas foram condenadas, em 1999, pelo CADE a pa-
gar multa por formação de cartel. Em recurso ao Judiciário, as siderúrgicas obtiveram
sentença de 1ª instância que, embora tenha mantido a condenação, determinava a
retirada da reunião de 1996 da fundamentação da decisão do CADE. Posteriormente,
em apelação do CADE, o tribunal decidiu, em 2010, restaurar todos os fundamentos
da decisão original, apesar de ter considerado a decisão de 1ª instância parcialmente
correta. Em 2010, o CADE atualizou o valor da multa, de 60 para 136 milhões de reais
(BRASIL, 2011).
Uma das discussões de fundo nesse caso foi a determinação de quais seriam as
provas necessárias para uma condenação por cartel. A condenação do cartel do aço
foi a primeira condenação por cartel na vigência da atual Lei de Defesa da Concor-
rência. Ela é peculiar porque a prova do ajuste de preços foi uma das mais diretas
possíveis, isto é, as empresas investigadas supostamente discutiram preços em uma
reunião no órgão responsável por investigar cartéis no Ministério da Fazenda. E
o mais relevante: as decisões no Judiciário não negaram a possibilidade de uma
condenação por cartel sem a prova direta de um acordo de preços, caso estejam
presentes fortes indícios econômicos.
4.2 Principais argumentos das decisões analisadas
4.2.1 Cartel do Aço. Argumentação na decisão do CADE
Os dados presentes na decisão do CADE de 1999 sobre o cartel do aço dizem
respeito a dois grupos de indícios: dados econômicos e dados indicativos de culpa.
Os principais dados econômicos são dois: (i) os preços e reajustes semelhantes no
mercado de aços planos; (ii) o comportamento das empresas ao reajustarem os seus
preços – ajustes em datas muito próximas, sem seguirem um padrão tradicional, ou
seja, a cada mês uma empresa diferente iniciava o processo de reajustes. Os dados
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aqui chamados de indicativos de culpa são os que o CADE denomina de “prova dire-
ta de acordo”. No caso, esse dado foi a realização de uma reunião no Ministério da
Fazenda, com a presença dos diretores comerciais das empresas, para informar ao
Governo que os seus preços seriam reajustados dias depois.
Com esses dados, o CADE concluiu que havia um cartel no mercado de aços
planos. As principais garantias que apareceram no processo para essa alegação são
de dois tipos: garantias para interpretar os dados econômicos e garantias para inter-
pretar a reunião das empresas. As garantias econômicas foram três:
(i) a primeira, apoiada em pareceres da SEAE e SDE (por sua vez apoiados
em análises e teorias econômicas), que confirmaram, de maneira técnica (e
não apenas intuitiva) o paralelismo de preços constante no mercado, que é,
segundo as teorias econômicas adotadas, um forte indício de cartelização
em mercados competitivos;
(ii) uma segunda apoiada na teoria da liderança de preços que merece
maiores explicações. Essa teoria, resumidamente, diz que a maneira com-
petitiva de se reajustar preços em um mercado oligopolizado de produtos
homogêneos seria por meio de negociações que seguem uma tradição, ou
seja, a empresa que primeiro anuncia a intenção de aumentar seus preços,
e que de fato o faz depois de um período de negociação com seus clientes,
seria sempre a mesma. Esse período de negociação seria importante para
que os seus clientes pudessem negociar preços com os concorrentes. O
dado relevante para o raciocínio da decisão nesse ponto foi o de que não
ficou demonstrada uma tradição no mercado, ou seja, nas duas ocasiões de
aumento de preços analisadas, a primeira empresa a anunciar o aumento
foi a mesma, mas a primeira a aumentá-lo de fato não foi. O CADE concluiu
que isso seria um indício de que as empresas já haviam combinado o per-
centual do aumento, sendo, portanto, desnecessária a negociação com os
potenciais clientes (tendo em vista a certeza de que o concorrente também
aumentaria o preço no mesmo patamar).
(iii) a terceira, que reforça a anterior, é a de que, à exceção de grandes clien-
tes com poder de barganha, como as montadoras, os preços reajustados
foram praticamente os mesmos anunciados, evidenciando que não houve
negociação, mas imposição de preços.
Já a garantia que interpretou o dado da reunião das empresas foi uma de ordem
prática, já referida anteriormente no item 3.3.1, apoiada na suposição verossímil, e
mesmo presunção de culpa, de que uma reunião de diretores comercias de empresas
supostamente concorrentes, para discutir preços, seria sempre lesiva à concorrência e
sempre uma evidente prova direta de acordo. O CADE deixou claro que não aceitaria a
refutação de que tais reuniões eram, à época, frequentes em outros Ministérios (como
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o de Minas e Energia). A refutação de que a reunião seria meramente informativa, e
que as negociações já haviam acontecido, foi afastada pelo fato, já mencionado, de que
os percentuais de aumento foram iguais para todos os clientes sem poder de barganha
para negociarem um preço mais favorável. A decisão (BRASIL, 1999) também afirmou
que uma refutação aceitável seria a alegação do chamado “cartel anticrise”, formado
para fazer frente a uma situação econômica adversa.As empresas informaram também
que os preços seriam razoáveis com os seus custos, mas o CADE afastou essa refuta-
ção dizendo que o argumento desenvolvido na decisão não dependeria de uma análise
de custos no mercado, que nem mesmo foi objeto de investigação (BRASIL, 1997, p. 9).10
4.2.2 Cartel do Aço - Argumentação no TRF1
Após a condenação de 1999 no CADE, sintetizada acima, as empresas recorre-
ram à Justiça Federal para anular a decisão da autarquia. Dois pontos são importan-
tes para o presente trabalho nas discussões travadas no Judiciário: (i) o fato, já men-
cionado anteriormente e que analisaremos a seguir, de que o CADE não considerou
os custos das empresas como um dado relevante; (ii) o argumento, apresentado em
primeira instância e confirmado na segunda, de que os efeitos previstos no art. 20,
I, da Lei de Defesa da Concorrência seriam suficientes à configuração da infração,
mesmo que se conclua pela não demonstração de um conluio entre as empresas.
Analisaremos esse último ponto na conclusão.
4.3 Análise de custos. Inconsistência argumentativa
No exemplo a seguir, temos: (i) de um lado, o argumento de que, havendo aumen-
tos de custos dos insumos de um determinado mercado, as empresas desse mercado
podem ser levadas a aumentar seus preços de forma semelhante; (ii) de outro lado, a
alegação da análise econômica empreendida pelo SBDC, no sentido de que não ha-
veria, em hipótese alguma, uma explicação racional, fora o cartel, para o aumento de
preços verificado, sendo que os custos nem mesmo precisariam ser verificados.
10 “um acordo entre concorrentes para reajuste de preços constitui-se conduta anticompetitiva inde-
pendentemente de uma possível justificativa em termos de custos” (BRASIL, 1999, p. 9).“A SEAE res-
salta que sua representação não se refere a preços abusivos, análise que exigiria estudos referentes
à evolução dos custos fabris das Representadas, além da definição do que seriam margens de lucro
setoriais compatíveis com um processo concorrencial adequado do ponto de vista do bem-estar
econômico, mas tão somente à formação de cartel” (BRASIL, 1999, p. 23).
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À época não havia causa determinante para a continuidade do exercício da
atividade econômica desenvolvida pelas empresas que impedisse a ma-
nutenção dos preços que vinham sendo por elas praticados por mais tem-
po, como o aumento dos insumos dos produtos ou dos custos de produção.
(BRASIL, 2010, grifo nosso)
Oito parágrafos depois, afirma-se que:
Não houve, todavia, imputação às empresas da prática de preço abu-
sivo. A decisão do CADE frisa que sequer houve investigação a propósito
da razoabilidade ou não do aumento de preços em relação aos custos das
empresas. (BRASIL, 2010)
E, no parágrafo seguinte:
A falta de racionalidade econômica a que alude a decisão administrativa
não foi do valor do aumento e nem mesmo da possibilidade, em tese, de
paralelismo de conduta lícito em mercados oligopolizados de produtos
homogêneos, premissa aceita como correta pelo CADE. Faltou racionalida-
de econômica, no sentido de ausência de justificativa por qualquer teoria
econômica do alegado paralelismo de conduta não decorrente de conser-
to ilícito, já que não configurados os pressupostos da liderança da firma
dominante do mercado (nenhuma das empresas tinha domínio individual
do mercado, todas tinham grande porte) e nem da liderança barométrica
(como já exposto acima) e nem tão pouco verificada a ocorrência de cir-
cunstância de mercado (aumento dos custos ou alteração da demanda) que
fosse simultaneamente perceptível pelas três empresas como impositiva
do aumento de preços para que pudessem continuar a desenvolver sua
atividade econômica. (BRASIL, 2010)
Ora, identificamos dois problemas nesses trechos:
(i) como pode ter sido verificado que não houve a “ocorrência de circunstân-
cia de mercado (aumento dos custos ou alteração da demanda) que fosse
simultaneamente perceptível pelas três empresas como impositiva do au-
mento de preços”, sendo que “sequer houve investigação a propósito da razoa-
bilidade ou não do aumento de preços em relação aos custos das empresas”?
(ii) aplicou-se, nesse caso, uma teoria econômica à qual o magistrado ficou
adstrito como se lei fosse. A conduta foi tipificada em relação a uma teoria
econômica que descreve o comportamento humano na gerência racional
de empresas e na negociação de preços. Ora, sendo uma teoria sobre o
comportamento humano, é, em larga medida, uma teoria dentro do contex-
to do contingente (pode ser e pode não ser). Ou seja, não é um raciocínio
universalizável, mas extremamente particularista: se a imputação é em re-
lação a uma teoria econômica, de agora em diante basta aos agentes eco-
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nômicos emularem o comportamento descrito pela teoria da liderança de
preços. Isso porque o fator determinante na condenação foi o fato de que
uma empresa aumentou os seus preços antes que a suposta líder o tivesse
feito. Nada impede que, cientes desse raciocínio, os próximos cartéis emu-
lem o comportamento tido como “racional” pela teoria econômica adotada.
A decisão, no que diz respeito a esse fundamento, merece a mesma apreciação
dada por MacCormick à célebre decisão do Rei Salomão de ordenar que a criança em
disputa por duas mães fosse dividida pelo fio da espada (sabendo que a verdadeira
mãe se oporia a isso), mas, em nenhum dos dois casos, a decisão poderia ser replica-
da: as próximas mães em litígio saberiam como reagir diante da provocação do rei.
É o requisito da universalização, descrito por MacCormick, que falta nesse tipo de
decisão, e que a torna menos racional (MACCORMICK, 2008, pp. 103-133).
5 Conclusão: cartel ou infração à ordem econômica?
A seguir, procuramos desenvolver uma reflexão sobre as dificuldades identifica-
das acima quanto à prova da existência de um cartel, tomando como base a análise
específica dos argumentos das decisões aqui tematizadas.
No caso do cartel do aço, na decisão do recurso contra a decisão da primeira
instância da Justiça Federal, a reunião feita no Ministério da Fazenda não foi consi-
derada como um indício de acordo, mas, apesar disso, a condenação foi mantida. As
empresas recorreram novamente, sustentando
[...] não ser possível a configuração de infração à ordem econômica pela
simples materialização de um dos efeitos previstos no art. 20, sendo ne-
cessário que tais efeitos decorram de alguma das condutas descritas no art.
21, da Lei 8.884/94. (BRASIL, 2010)
O artigo 21 da Lei de Defesa da Concorrência descreve as condutas anticompe-
titivas que são passíveis de sanção. Dentre elas, está a conduta de “fixar ou praticar,
em acordo com concorrente, sob qualquer forma, preços e condições de venda de
bens ou de prestação de serviços” (BRASIL, 1994). Porém, elas somente serão enten-
didas como infração à ordem econômica se os efeitos descritos no artigo 20 forem
identificados:
Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os
atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam
produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:
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I – limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre a concorrência ou
a livre ini­ciativa;
II – dominar mercado relevante de bens ou serviços;
III – aumentar arbitrariamente os lucros;
IV – exercer de forma abusiva posição dominante. (BRASIL, 1994)
O contrário não é verdadeiro: presentes os efeitos do artigo 20, não é necessá-
ria a demonstração das condutas do 2111
. Foi isso que entendeu o TRF1 na decisão
analisada acima, quando, ao responder aos argumentos da recorrente, que pleiteava
a anulação da sentença que se baseou apenas na condenação por efeitos (afastada
a prova do acordo), disse (e repetiu diversas vezes) que “[é] possível, portanto, haver
infração à ordem econômica pela simples caracterização dos resultados descritos no art.
20, da Lei 8.884/94” (BRASIL, 2010).
Digamos que o caso de Jaboticabal tivesse sido decidido pelo CADE. Ora, os
indícios constantes nessa denúncia eram apenas em relação ao paralelismo dos
preços e a sua notável diferença com outros municípios – justamente as caracterís-
ticas que, de acordo com o CADE no caso dos postos de Blumenau, devem motivar o
arquivamento das investigações pelo SBDC. Ou seja, o cartel não teria sido punido
(partindo da premissa que a decisão da juíza foi acertada).
Ora, em tese, se existem fortes indícios de um cartel, é possível que esses preços
estejam causando danos à economia e à concorrência (causando os efeitos descritos
no artigo 20 da Lei de Defesa da Concorrência) – principalmente quando se trata de
combustíveis, produto essencial que influencia praticamente todos os outros preços
na economia. Porém, aparentemente, existem apenas duas opções atualmente no âm-
bito do SBDC para lidar com esses preços tidos como injustos: (i) aceitar condenações
de postos somente pela tipificação “prática de cartel” (o que, de fato, no CADE, exige
uma prova mais robusta), e isso exigiria uma intensificação das investigações (hipóte-
se que parece ser, de acordo com o CADE, demasiadamente custosa para a administra-
ção pública); ou (ii) criar, pela jurisprudência, uma nova infração chamada“paralelismo
de preços” – hipótese também vedada, já que é certo que essas coincidências nos
preços podem acontecer pela competição natural do mercado, além disso ser a própria
definição de um ilícito per se, que não é aceito no ordenamento jurídico brasileiro.
11 É perfeitamente possível, pois, dentro do sistema estabelecido pela Lei no
8.884, de 1994, que se
verifique algum acordo previsto no art. 21 sem que haja infração à ordem econômica. Basta, para
tanto, que não se dê a incidência de qualquer dos incisos do art. 20. Da mesma forma, um ato não
tipificado no referido art. 21 poderá ser ilícito se tiver por objeto ou produzir efeito previsto no art.
20 (FORGIONI, 1998, p. 328).
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Uma terceira hipótese seria de fato investigar os postos – ao invés de rejeitar
todas as centenas de denúncias – e analisar as evidências colhidas não apenas por
filtros técnico-econômicos, mas também por todos os meios de prova aceitáveis em
direito (como foi feito em Jaboticabal). Nesse caso, não se avaliaria apenas os ar-
gumentos baseados em teorias econômicas, pois, provavelmente, não existirá jamais
uma fórmula matemática para, baseando-se apenas em dados contáveis e estatísticos,
avaliar com absoluta certeza se algumas condutas causam ou não danos econômicos.
Sobre esse assunto, MacCormick (2008, pp. 138-139), ao tratar das armadilhas
argumentativas do consequencialismo, faz a ressalva de que alguns ramos espe-
cíficos do direito (em especial o antitruste) podem sim fazer uso de “avaliações de
impacto” e análises econômicas, mas deixa o problema relativamente em aberto e
atrelado à condição de que esse uso seja feito conjuntamente à avaliação satisfató-
ria dos resultados pretendido.
Recentemente, por meio da Resolução no
53/2009, o CADE criou o chamado
Departamento de Estudos Econômicos, e, dentre as suas atribuições, está “avaliar o
impacto econômico das decisões do CADE, de forma a contribuir para o aprimora-
mento das decisões futuras” (BRASIL, 2009). Essa avaliação, porém, está condiciona-
da a uma requisição ou permissão do Plenário – ou seja, a autarquia faz amplo uso
de raciocínios embasados em análises e previsões de impacto econômico, e o faz
sem que a avaliação dos resultados de suas decisões sejam uma parte fundamental
dessa intervenção: é apenas uma avaliação eventual.
Tendo em vista que o órgão administrativo possui mais conhecimento técnico
da matéria, o argumento de que não é necessário sequer investigar a possibilidade
de haver um cartel, quando o primeiro indício encontrado é o paralelismo de preços,
apresenta-se com a pretensão, e o risco, de se tornar o entendimento consolidado
sobre o assunto, efetivamente criando uma “blindagem jurídica” contra todos os car-
téis de combustíveis que não realizam suas reuniões à luz do dia.
Mesmo que se chegue ao extremo de se afirmar que as decisões do CADE
são fundamentalmente políticas, elas fazem amplo uso de argumentação jurídica
e criam lugares-comuns que se espalham para outras decisões jurídicas. Embora
as esferas judicial e administrativa sejam diferentes, o objeto analisado (cartel) é
o mesmo, e os entendimentos construídos pelo CADE possuem muita autoridade,
conforme a própria SDE atesta na cartilha de defesa da concorrência no Judiciário
(tratando de perícias econômicas em recursos a decisões do CADE):
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Além disso, ainda que discutida questão de fato, dificilmente qualquer pe-
rito teria melhores condições técnicas para se pronunciar sobre questões
econômicas do que os sete membros do CADE, especialistas na matéria,
cuja decisão foi amparada por diversos outros órgãos de Estado (SDE, SEAE,
AGU e MPF). Assim, é difícil sustentar que a avaliação de um único perito
possa substituir qualitativamente a decisão proferida pelo CADE, tendo em
vista o procedimento adotado nos processos administrativos de sua com-
petência. (DEFESA DA CONCORRÊNCIA NO JUDICIÁRIO, 2010, p. 22)
A consequência jurídica, portanto, da afirmação universalizável realizada pelo
CADE na decisão tomada no caso do cartel de combustíveis em Blumenau, está
longe de ser desejável para um sistema de regulação do mercado minimamente
adequado. Ao descartar a hipótese de investigação, o CADE cria uma expectativa,
razoavelmente fundada, de que apenas em situações muito específicas seria justi-
ficável uma investigação. Não é preciso ir muito longe para perceber que esse tipo
de decisão pode, justificadamente do ponto de vista do mercado e de sua lógica, ser
usada para afirmar a relativa impunidade de condutas danosas ao consumidor.
Além disso, é patente a variação argumentativa se comparadas as decisões do
mesmo órgão nos dois casos de cartel. No cartel de combustíveis a absolvição se
baseia na constatação do paralelismo de preços e na suposta impossibilidade de se
tirar alguma conclusão dela na ausência de uma evidência de que houve uma combi-
nação efetiva para gerá-lo, não havendo justificativa sequer para uma investigação.
O mesmo órgão, no entanto, decide e defende contra os ataques judiciais a decisão
tomada no caso do cartel do aço – atualizando inclusive o valor da multa aplicada –
exatamente alegando que sequer é necessário investigar, dado o paralelismo de pre-
ços e a estrutura de mercado. Nesse caso, é verdade, houve uma reunião, confirmada
por todos os envolvidos. Esperar que em todos os casos de cartel haja uma evidência
dessa natureza é, com absoluta certeza, retirar qualquer validade ou propósito da
aplicação dos artigos da Lei de Defesa da Concorrência que examinamos aqui.
Por fim, deixamos em aberto o questionamento, que consideramos relevante,
sobre se devemos proteger a concorrência como um fim em si mesmo, ou se esta se
presta a outros objetivos, como o aprimoramento técnico, o desenvolvimento tecno-
lógico ou a melhor satisfação das preferências dos consumidores, por exemplo. Caso
se afirme a segunda hipótese (que acreditamos ser mais coerente com os outros
valores e princípios constitucionais vigentes e relevantes), devemos nos perguntar
se ainda há espaço para grandes avanços técnico-científicos no setor de revenda
de combustíveis, e se os lucros do setor estão, de alguma forma, traduzindo-se em
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novos ganhos de eficiência. Acreditamos que a resposta a essa pergunta influencia
na ponderação dos valores envolvidos numa decisão de intervir nesse mercado, na
medida em que mitiga o peso da livre iniciativa na equação, autorizando a interven-
ção do Estado pelo Poder Judiciário.
Como já vimos no caso de Jaboticabal, tal intervenção pode se mostrar frutífera,
sem a necessidade de uma ingerência demasiada no setor privado da economia, mas
seguindo uma lógica simplesmente fiscalizadora e sancionadora.
6 Referências
ARISTÓTELES.Tópicos.Introdução,Trad. e Notas Miguel Sanmartín. Madrid: Gredos, 1982.
ATIENZA, Manuel. As razões do direito: teorias da argumentação jurídica. Trad. Maria
Cristina Guimarães Cupertino. São Paulo: Landy Editora, 2006.
BRASIL. Combate a Cartéis na Revenda de Combustíveis. Secretaria de Direito
Econômico, Ministério da Justiça, 1. ed. 2009. Disponível em: http://portal.mj.gov.
br/main.asp?Team=%7BDA2BE05D-37BA-4EF3-8B55-1EBF0EB9E143%7D. Aces-
so em: 16 de novembro de 2011.
________. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Processo administrativo no
08000.015337/1997-48. 1. Representação contra as empresas Cosipa, Usiminas e
CSN por prática de cartel na comercialização de aço comum. 2. Infração prevista no
artigo 20, I c/c artigo 21, I da Lei no
8.884/94. [...] 4. Conduta de cartel configurada:
paralelismo de conduta sem explicação racional do ponto de vista econômico e reu-
nião entre os concorrentes anterior ao efetivo aumento de preços.Representantes:
SDE “Ex Offício”. Representadas: Usinas Siderúrgicas de Minas Gerais – USIMINAS,
Cia Siderúrgica Paulista–COSIPA, Cia Siderúrgica Nacional–CSN. Conselheiro Rela-
tor: Ruy Afonso de Santa-cruz Lima. Julgado em 27 de outubro de 1999. Disponível
em: http://www.cade.gov.br. Acesso em: 16 de novembro de 2011.
________. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Processo administrativo no
08012.005545/1999-16. Processo Administrativo. Denúncia de formação de Car-
tel. Mercado de postos de combustíveis em Blumenau/SC. Indícios insuficientes.
Ausência de prova direta. Arquivamento. Representantes: Comissão Parlemantar Ex-
terna da Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina. Procon do Município
de Blumenau/SC. Representadas: Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de
Petróleo de Blumenau – Sinpeb e outros. Julgado em: 28 de abril de 2010. Disponí-
vel em: http://www.cade.gov.br/. Acesso em: 16 de novembro de 2011.
________. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Resolução no
53, de 16 de
setembro de 2009 - Cria o Departamento de Estudos Econômicos (DEE). Disponível
em http://www.cade.gov.br. Acesso em: 23 de novembro de 2011.
Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 14 n. 102 Fev./Mai. 2012 p. 13 a 44
Claudia Rosane Roesler - Pedro Santos Tavares da Silva 43
________. Defesa da Concorrência no Judiciário. Secretaria de Direito Econômico,
Ministério da Justiça, 1. ed. 2010. Disponível em: http://portal.mj.gov.br/main.
asp?Team=%7BDA2BE05D-37BA-4EF3-8B55-1EBF0EB9E143%7D. Acesso em: 16
de novembro de 2011.
________. Lei no
8.884, de 11 de junho de 1994. Transforma o Conselho Adminis-
trativo de Defesa Econômica (CADE) em Autarquia, dispõe sobre a prevenção e a
repressão às infrações contra a ordem econômica e dá outras providências. Dispo-
nível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8884.htm. Acesso em: 16 de
novembro de 2011.
________. Tribunal de Justiça de São Paulo. 1ª. Vara Cumulativa de Jaboticabal. Ação
Civil Pública, processo no
291.01.2006.000904-1. Sentença. Ação Civil Pública. Pos-
tos de combustíveis. Formação de Cartel. Preços idênticos ou muito próximos duran-
te longo período. Caracterização. Procedência da ação. Condenação ao pagamento
de indenização por danos morais.Requerente: Ministério Público do Estado De São
Paulo. Requeridos: Auto posto S. Gomes ltda e outros. Juíza Carmen Silvia Alves. Jul-
gamento 20 de maio de 2008. Disponível em: http://www.tjsp.jus.br. Acesso em:
16 de novembro de 2011.
________. TribunalRegionalFederalda1ªRegião. ApelaçãoCível8688.20.00.401340-
0/DF. Administrativo. Cade. Processo administrativo. Imposição de multas e publi-
cação em jornais do extrato da decisão. Lei no
8.884/94. Paralelismo de conduta.
Cartel. Acordo de preços. Enganosidade. Apelante: Usinas Siderurgicas de Minas Ge-
rais USIMINAS. Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE. Apelados: os
mesmos. Sétima Turma, julgado em 14 de junho de 2010, Relatora: Desembargado-
ra Federal Maria Isabel Gallotti Rodrigues. Disponível em:  http://www.trf1.jus.br.
Acesso em: 16 de novembro de 2011.
FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. São Paulo : Revista dos Tribunais,
1998.
MACCORMICK, Neil. Retórica e o Estado de Direito. Trad. Conrado Hübner Mendes.
Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.
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tíveis no Brasil. In: Encontro Nacional de Economia, 33, 2005, Natal – RN. Anais.
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RAGAZZO, Carlos Emmanuel Joppert; DA SILVA, Rutelly Marques. Documento de Tra-
balho no
40 - Aspectos econômicos e jurídicos sobre cartéis na revenda de combus-
tíveis: uma agenda para investigações. SEAE/MF, 2006.
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Malheiros, 2003.
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TOULMIN, Stephen. Os usos do argumento. Trad. Reinaldo Guarany. São Paulo: Mar-
tins Fontes, 2001.
TRIBUNA REGIÃO. Disponível em: www.tribunaregiao.com.br. Acesso em: 14 de
fevereiro de 2012.
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  • 1.
  • 2.
  • 3. Brasília Volume 14 Número 102 Fev./Mai. 2012 102
  • 4. Presidenta da República Dilma Vana Rousseff Ministra-Chefe da Casa Civil da Presidência da República Gleisi Helena Hoffmann Subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil e Presidente do Centro de Estudos Jurídicos da Presidência Ivo da Motta Azevedo Corrêa Coordenadoras do Centro de Estudos Jurídicos da Presidência Mariana Barbosa Cirne Paula Albuquerque Mello Leal Revista Jurídica da Presidência / Presidência da República Centro de Estudos Jurídicos da Presidência – Vol. 1, n. 1, maio de 1999. Brasília: Centro de Estudos Jurídicos da Presidência, 1999-. Quadrimestral Título anterior: Revista Jurídica Virtual Mensal: 1999 a 2005; bimestral: 2005 a 2008. ISSN (até fevereiro de 2011): 1808-2807 ISSN (a partir de março de 2011): 2236-3645 1. Direito. Brasil. Presidência da República, Centro de Estudos Jurídicos da Presidência. CDD 341 CDU 342(81) Centro de Estudos Jurídicos da Presidência Praça dos Três Poderes, Palácio do Planalto Anexo II superior - Sala 204 A CEP 70.150-900 - Brasília/DF Telefone: (61)3411-2047 E-mail: revista@presidencia.gov.br http://www.presidencia.gov.br/revistajuridica © Centro de Estudos Jurídicos da Presidência – 2012
  • 5. É uma publicação quadrimestral do Centro de Estudos Jurídicos da Presidência voltada à divulgação de artigos científicos inéditos, resultantes de pesquisas e estudos independentes sobre a atuação do Poder Público em todas as áreas do Direito, com o objetivo de fornecer subsídios para reflexões sobre a legislação nacional e as políticas públicas desenvolvidas na esfera federal. Equipe Técnica Coordenação de Editoração Mariana Barbosa Cirne Gestão de Artigos Anderson Rocha Luna da Costa Laís Maranhão Santos Mendonça Projeto Gráfico e Capa Bárbara Gomes de Lima Moreira Diagramação Bárbara Gomes de Lima Moreira Juliana Holanda Bonomo Revisão Geral Felipe de Paula Laís Maranhão Santos Mendonça Mariana Barbosa Cirne Miguel Ragone de Mattos Paula Albuquerque Mello Leal Revisão de Idiomas Carolina Costa Ferreira Daienne Amaral Machado Daniel Mendonça Lage da Cruz Dario Carnevalli Durigan Renato Henrique Caumo Conselho Editorial Claudia Lima Marques Claudia Rosane Roesler Fredie Souza Didier Junior Gilmar Ferreira Mendes João Maurício Leitão Adeodato Joaquim Shiraishi Neto José Claudio Monteiro de Brito Filho Luis Roberto Barroso Maira Rocha Machado Misabel de Abreu Machado Derzi Vera Karam de Chueiri Fotografia da Capa Galhos e Sombras, Frans Krajcberg Acervo do Palácio do Planalto Fotógrafa Bárbara Gomes de Lima Moreira Apropriate articles are abstracted/indexed in: BBD – Bibliografia Brasileira de Direito LATINDEX – Sistema Regional de Información en Linea para Revistas Científicas de América Latina, el Caribe, España y Portugal ULRICH’S WEB – Global Serials Directory. Revista Jurídica da Presidência
  • 6.
  • 7. Colaboradores da Edição 102 Pareceristas Alessandra Marchioni Universidade Federal de Alagoas Augusto Jaeger Junior Universidade Federal do Rio Grande do Sul Carla Bonomo Universidade Estadual de Londrina Carlos Ari Vieira Sundfeld Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Daniela de Freitas Marques Universidade Federal de Minas Gerais Daniella Maria dos Santos Dias Universidade Federal do Pará Eduardo Ramalho Rabenhorst Universidade Federal da Paraíba Eliane Cristina Pinto Moreira Universidade Federal do Pará Enoque Feitosa Sobreira Filho Universidade Federal da Paraíba Estevão Horvath Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Fernando Gonzaga Jayme Universidade Federal de Minas Gerais Geovany Cardoso Jeveaux Universidade Federal do Espírito Santo Geraldo Miniuci Ferreira Júnior Universidade de São Paulo Giovanne Henrique Bressan Schiavon Universidade Estadual de Londrina Hugo de Brito Machado Universidade Federal do Ceará Iara Menezes Lima Universidade Federal de Minas Gerais Jane Felipe Beltrão Universidade Federal do Pará José Ernesto Pimentel Filho Universidade Federal da Paraíba Luís Augusto Sanzo Brodt Universidade Federal de Minas Gerais Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira Universidade Federal de Minas Gerais Marcelo Andrade Féres Universidade Federal de Minas Gerais Maria Cristina César de Oliveira Cascaes Dourado Universidade Federal do Pará Marisa Helena D’Arbo Alves de Freitas Universidade Estadual Paulista Moema Augusta Soares de Castro Universidade Federal de Minas Gerais Paulo Henrique dos Santos Lucon Universidade de São Paulo Paulo Roberto Colombo Arnoldi Universidade Estadual Paulista Paulo Sérgio Weyl Albuquerque Costa Universidade Federal do Pará Regina Helena Costa Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Ricardo Henrique Carvalho Salgado Universidade Federal de Minas Gerais Ricardo Maurício Freire Soares Universidade Federal da Bahia Rodolfo Mário Veiga Pamplona Filho Universidade Federal da Bahia
  • 8. Tarsis Barreto Oliveira Universidade Federal do Tocantins Teresa Celina de Arruda Alvim Wambier Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Tereza Cristina Sorice Baracho Thibau Universidade Federal de Minas Gerais Umberto Celli Junior Universidade de São Paulo Valesca Raizer Borges Moschen Universidade Federal do Espírito Santo Véra Maria Jacob de Fradera Universidade Federal do Rio Grande do Sul Autora convidada Claudia Rosane Roesler BRASIL– Brasília/DF Pós-Doutora em Filosofia do Direito pela Universidade de Alicante – Espanha. Doutora em Direito pela Universidade de São Paulo. Professora da Universidade de Brasília (UnB). Co-autoria Pedro Santos Tavares da Silva BRASIL– Brasília/DF Graduando em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Autores Ana Liési Thurler BRASIL– Brasília/DF Doutora em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB). Mestra em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Graduada em Filosofia pela Univer- sidade Federal de Santa Maria (UFSM). ana_liesi@uol.com.br Ana Paula Gomes Pinto BRASIL– Rio de Janeiro/RJ Mestra em Propriedade Intelectual e Inova- ção pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Advogada. anapaulapinto@gmail.com Charles Luz de Trois BRASIL– Porto Alegre/RS Pós-Graduado em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Gama Filho do Rio de Janeiro (UGF/RJ). Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS). Advogado. charlesdetrois@globo.com Dhenize Maria Franco Dias BRASIL– São Paulo/SP Mestra em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo (UPM/SP). Especialista em Direito Processual pela Universidade Católica de Santos (UNISANTOS). Advogada e educadora. dhenizef@hotmail.com
  • 9. Hélio Silvio Ourém Campos BRASIL– Recife/PE Pós-Doutor em Direito Constitucional Tribu- tário pela Universidade Clássica de Lisboa. Doutor em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Juiz Federal. ouremcampos@hotmail.com Júlia Ávila Franzoni BRASIL– Curitiba/PR Mestranda em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Pesquisadora bolsista da CAPES/PROEX. julisko@gmail.com Maria Helena Ferreira Fonseca Falle BRASIL– Curitiba/PR Mestra em Direito, Estado e Constituição pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Assessora Jurídica da Associação Nacional por uma Economia de Comunhão. Professora das Faculdades Integradas do Brasil (UNIBRASIL). Advogada. mariahelena@faller.com.br Noemia Aparecida Garcia Porto BRASIL– Brasília/DF Mestra e Doutoranda em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB). Especialista em Direito Constitucional (UnB). Juíza do Trabalho (10ª Região). noemiagarcia.porto@gmail.com Paola Bianchi Wojciechowski BRASIL– Curitiba/PR Mestra em Direito Econômico e Socioam- biental pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR). Especialista em Direito Penal pela Fundação Escola do Ministério Público do Estado do Paraná (FEMPAR). Assessora da Promotoria de Justiça no Estado do Paraná. pa.bianchi@hotmail.com Rodrigo De Moraes Pinheiro Chaves BRASIL– Recife/PE Mestre em Direito Pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET). Bacharel em Direi- to pela Universidade Católica de Pernambuco (PUC/PE). Advogado. Professor Universitário. rodrigo.chaves@chavesecamara.com
  • 10.
  • 11. Editorial________________________________________________________________ 11 Artigos 1 Argumentação jurídica e direito antitruste: análise de casos Claudia Rosane Roesler Pedro Santos Tavares da Silva __________________ 13 2 O Público e o Político em Hannah Arendt Júlia Ávila Franzoni _______________________________________________________ 45 3 Em busca da legitimação do Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos: a superação dos discursos relativistas e universalistas e o esvaziamento do conceito tradicional de soberania Paola Bianchi Wojciechowski _____________________________________________ 67 4 Verdade, justiça e reparação: paralelismo entre as experiências brasileira e espanhola na (in)justiça transicional Noemia Aparecida Garcia Porto __________________________________________ 93 5 Paternidades como práticas políticas Ana Liési Thurler ________________________________________________________ 117 6 Admissibilidade da liberdade provisória nos crimes hediondos: o STF como legislador positivo e os precedentes permissivos do benefício Charles Luz de Trois ______________________________________________________ 139 7 O direito de propriedade e o tortuoso processo de sua funcionalização: do conceito de propriedade liberal à função social da propriedade e da empresa Maria Helena Ferreira Fonseca Falle _____________________________________ 161 Sumário
  • 12. 8 Patentes de segundo uso médico: estudo sobre argumentos positivos e negativos para a concessão do registro no Brasil Ana Paula Gomes Pinto ___________________________________________________ 191 9 A relação obrigacional tributária: construção e aplicação da norma jurídica Hélio Silvio Ourém Campos Rodrigo de Moraes Pinheiro Chaves ________ 213 10 O direito público subjetivo e a tutela dos direitos fundamentais sociais Dhenize Maria Franco Dias _______________________________________________ 233 Normas de submissão _____________________________________________ 251
  • 13. Cara leitora, caro leitor, A Revista Jurídica da Presidência inicia o seu 14o volume com esta bela edição. Para comemorar esse feito, a ilustração de sua capa conta com uma fotografia da obra de arte Galhos e Sombras do acervo do Palácio do Planalto. Além disso, dando continuidade à política iniciada na edição de número 100 da revista, e prestigian- do o seu novo Conselho Editorial, passamos a convidar em cada uma das edições um Conselheiro, ou Conselheira, do periódico, para contribuir na construção do seu conteúdo. Na edição de número 100, contamos com a contribuição do Conselheiro Gilmar Mendes e, na de número 101, com um artigo de autoria da Conselheira Clau- dia Lima Marques. Nesse número, a Conselheira Claudia Rosane Roesler, juntamen- te com o seu orientando Pedro Santos Tavares da Silva, agracia-nos com um belo trabalho em que empreende uma análise da argumentação jurídica utilizada em alguns julgados (do CADE e do TJSP) que envolvem o Direito Antitruste, chamando a atenção do leitor para as muitas contradições nos argumentos empregados. No intuito de manter a valorização de nosso trabalho - o que já foi reconhecido com a qualificação do periódico no estrato B2 pela Comissão Qualis - a revista man- tém a sua publicação, e circulação, eletrônicas. Essa medida parece essencial para garantir a democratização de seu conteúdo, com o mais amplo acesso a todos. O sis- tema de avaliação por pares (blind peer review) continua sendo executado, e o nosso quadro de revisores cresce a cada dia, contando a Revista Jurídica da Presidência com a colaboração de 159 revisores ad hoc (Professores Doutores) de Instituições de Ensino Superior de todas as regiões do Brasil. A multiplicidade de temas abordados, bem como a diversidade regional, foi man- tida nessa edição. Em uma abordagem aprofundada da perspectiva de Hannah Arendt sobre o Público e o Político, sem perder o seu viés crítico, Júlia Ávila Franzoni discute quais as potencialidades de uma revisita, nos dias de hoje, a essas categorias. Sob a perspectiva dos Direitos Humanos, Paola Bianchi Wojciechowski trata do Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos no intuito de desconstruir o aparen- te obstáculo que seriam os discursos das correntes relativistas e universalistas, bem como do conceito de soberania, para a efetivação dos Direitos Humanos. Não menos Editorial
  • 14. relevante e oportuna é a contribuição de Noemia Aparecida Garcia Porto, ao fazer um paralelo entre as experiências brasileira e espanhola quanto às transições de regimes autoritários, tomando como norte os conceitos de verdade, justiça e reparação. Ana Liési Thurler, em uma visão interdisciplinar, revela as diferentes formas de paternidades como exercícios políticos. Na esfera do Direito Penal, Charles Luz de Trois analisa a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal quanto à liberdade provisória nos crimes hediondos, e destaca decisões recentes que apontam a possibilidade de mudan- ças do entendimento da Corte no sentido dos novos textos legislativos e da doutrina mais moderna sobre o tema. Ao transcorrer um percurso conceitual sobre a proprie- dade, desde a visão liberal até a função social, Maria Helena Ferreira Fonseca Falle empreende uma reflexão sobre a pertinente aplicação da funcionalização às empresas. Abordando um tema pouco conhecido – e menos ainda explorado – pela aca- demia, Ana Paula Gomes Pinto reflete sobre as patentes de segundo uso médico, dando ao leitor um quadro geral dos aspectos positivos e negativos de uma possível concessão de registros no Brasil. Na área do Direito Tributário, Rodrigo de Moraes Pinheiro Chaves e Hélio Silvio Ourém Campos escrevem sobre a construção e a aplicação da norma jurídica tributária, com a avaliação das premissas maior (fato) e menor (norma jurídica abstrata) e o lançamento como a constituição da relação jurídica. Fechando essa edição, Dhenize Maria Franco Dias trabalha as aparentes dificuldades conceituais para a definição e a concretização do direito público subje- tivo, em especial quando se trata dos Direitos Fundamentais Sociais. Não podemos deixar de agradecer aos autores e autoras pela construção do con- teúdo que permeia essa edição, bem como aos revisores que criteriosamente selecio- naram os artigos que fazem parte desta revista. O resultado desse trabalho é certa- mente fruto de um esforço coletivo. A Equipe da Revista Jurídica da Presidência reitera o seu compromisso com a qualidade da gestão dos artigos, para que o periódico seja cada vez mais um instrumento de aproximação entre o Poder Executivo e a academia. Tenham todas e todos uma excelente leitura.
  • 15. Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 14 n. 102 Fev./Mai. 2012 p. 13 a 44 13 1 Argumentação jurídica e direito antitruste: análise de casos CLAUDIA ROSANE ROESLER Pós-Doutora em Filosofia do Direito (Universidade de Alicante – Espanha). Doutora em Direito (UnB). Professora da Faculdade de Direito da UnB. PEDRO SANTOS TAVARES DA SILVA Aluno de graduação da Faculdade de Direito da UnB. SUMÁRIO:1 Introdução 2 Decisão do CADE – Postos de Combustíveis em Blumenau 3 Decisão do TJSP – Cartel de Postos de Combustíveis de Jaboticabal 4 Decisão do CADE e do TRF1 - Cartel do Aço 5 Conclusão: cartel ou infração à ordem econômica? 6 Referências. RESUMO: Neste artigo procuramos avaliar alguns dos argumentos utilizados no Brasil em casos de acusação de formação de cartel à luz da Lei de Defesa da Concor- rência. Selecionamos três decisões que aplicam a referida lei, duas sobre a formação de cartel na venda de combustíveis e uma sobre a formação de cartel na venda de aço. As decisões são relevantes porque empregam argumentos semelhantes, mas chegam a conclusões diametralmente opostas, oferecendo uma boa oportunidade de análise crítica da argumentação empregada. Os diferentes argumentos identifi- cados foram separados e avaliados à luz de pressupostos retirados da teoria da ar- gumentação jurídica. Tentamos identificar, do ponto de vista jurídico, por que parece ser tão difícil investigar e condenar cartéis de postos de combustíveis no Brasil, e se haveria alguma solução argumentativa para esse impasse. Concluímos, dentre outras coisas, que o mero uso de dados contábeis ou estatísticos, interpretados por teorias econômicas, foi dúbio em todos os casos e sempre inconclusivo por si só. Os mesmos indícios, porém, quando também analisados por raciocínios de razão práti- ca, podem resultar em decisões diferentes. PALAVRAS-CHAVE: Teoria da argumentação jurídica Direito da concorrência Cartéis Infração à ordem econômica.
  • 16. Argumentação jurídica e direito antitruste: análise de casos Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 14 n. 102 Fev./Mai. 2012 p. 13 a 44 14 Legal argument and antitrust law: case studies CONTENTS:1 Introduction 2 Administrative Council for Economic Defense –CADE decision –Gas Stations in Blumenau 3 São Paulo Estate Court of Justice – TJ/SP decison – Gas Station Cartel in Jaboticabal 4 CADE and 1st Federal Regional Court –TRF1 decision – Steel cartel 5 Conclusion: cartel or economic order infraction? 6 References. ABSTRACT: in this article, we try to analyze some of the most frequent arguments used in cartel cases in Brazil, in light of the Brazilian antitrust Law. Three decisions that apply this law were selected, two of them about gas station cartels and one about a steel cartel. These decisions were selected because they use similar argu- ments, although arrive at opposite conclusions, which offers a good opportunity for critical analysis of the argumentation employed. Different arguments identified were separate in light of the premises of legal argumentation theory. We tried to identify, from the legal point of view, why it seems so hard to investigate and pun- ish gas station cartels in Brazil, and if there is any argumentative solution for this problem. We conclude, among other things, that the mere use of raw accounting and statistical data, interpreted solely by economic theories, was dubious in all cases and always inconclusive by itself. The same data however when also analyzed by practi- cal reason can result in different decisions. KEYWORDS: Legal argumentation theory Antitrust Gas station cartels Infraction to the economic order.
  • 17. Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 14 n. 102 Fev./Mai. 2012 p. 13 a 44 Claudia Rosane Roesler - Pedro Santos Tavares da Silva 15 La argumentación jurídica y el derecho antitrust: un análisis de caso CONTENIDO:1Introducción 2 Decisióndel CADE–estaciones de servicio de gasolina en Blumenau 3 Decisióndel TJSP – cartel de estaciones de servicio de gasolina en Jaboticabal 4 Decisióndel CADE y del TRF1 – cartel del acero 5 Conclusión: cartel o infracción económica? 6 Referencias. RESUMEN:En este artículo se evalúan algunos de los argumentos utilizados en Brasil en casos de formación de cártel, a la luz de la Ley de Defensa de la Competencia. Hemos seleccionado tres decisiones que aplican la ley, dos en la formación de un cártel en l venta de combustibles y en la venta de acero. Estas decisiones son importantes porque emplean argumentos similares, pero llegan a conclusiones diametralmente opuestas, ofreciendo una buena oportunidad para analizarse críticamente la argumentación empleada. Los diferentes argumentos identificados han sido separados y evaluados a la luz de los presupuestos de la teoría de la argumentación jurídica. Intentamos identificar, a partir de lo punto de vista jurídico, por que a las autoridades parece ser tan difícil de investigar y condenar la formación de cárteles en Brasil, y se habría alguna solución argumentativa a este problema. Llegamos a la conclusión, entre otras cosas, que la mera utilización de los datos estadísticos y contables, interpretados por la teoría económica, ha sido dudosa en todos los casos analizados y inconclusos por si. La misma evidencia, sin embargo, cuando analizada por la razón práctica, puede resultar en diferentes decisiones. PALABRAS CLAVE:Teoría de la argumentación jurídica Derecho de la Competencia Cárteles Violación del orden económica.
  • 18. Argumentação jurídica e direito antitruste: análise de casos Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 14 n. 102 Fev./Mai. 2012 p. 13 a 44 16 1 Introdução O presente artigo dedica-se a mostrar como, a partir dos conceitos da teoria da argumentação jurídica de Neil MacCormick (2008), decisões tomadas no âm- bito do direito da concorrência podem ser analisadas criticamente. As decisões foram selecionadas porque versam sobre uma mesma e relevante questão: as exigências para a condenação pela infração de cartel. Não se trata, portanto, de uma análise de jurisprudência em sentido estrito, pois não se visa à comparação de todos os casos nos quais houve a acusação de formação de cartel de combustíveis ou do aço, mas sim de compreender como determinados argumentos desempenharam papéis dia- metralmente distintos em decisões sobre a formação de cartel, apontando eventuais falhas ou discrepâncias na argumentação realizada. Embora essa análise não permita uma aferição do comportamento geral dos órgãos decisores, já que não versa sobre o conjunto de suas decisões, possibilita uma visão detalhada dos argumentos utiliza- dos nos casos escolhidos e uma eventual e posterior expansão do estudo para outras decisões. Salienta-se, como se verá no item conclusivo, a possibilidade de utilização de alguns dos argumentos empregados para uma decisão mais adequada aos valores do ordenamento jurídico brasileiro e aos objetivos da regulação da concorrência. Escolhemos a teoria de MacCormick por duas razões relacionadas entre si. De uma parte, trata-se de uma teoria da argumentação que constitui aquilo que Manuel Atienza considera o “standard” da teoria da argumentação contemporânea, capaz de oferecer conceitos-chave para a compreensão das pretensões de racionalidade de decisões judiciais. De outra parte, é uma teoria da argumentação formulada a par- tir de uma perspectiva que vai da observação dos casos particulares à formulação de requisitos ou critérios de fundamentação para aferir a racionalidade da decisão efetivamente tomada. Seu caráter eminentemente prático, parece-nos, oferece uma melhor abordagem aos problemas de racionalidade decisória do que algumas ver- sões mais claramente dedutivistas, como, por exemplo, a oferecida por Robert Alexy. Como se verá oportunamente, a forma como MacCormick (2008) concebe essa exi- gência de fundamentação racional, sem relacioná-la com o cumprimento de regras de estruturação do discurso, oferece, em nossa opinião, um conjunto de instrumen- tos teóricos capaz de esclarecer os passos argumentativos de uma decisão e possi- bilita um olhar mais próximo aos problemas concretos de decisão. Nosso objetivo, saliente-se desde já, não é contrastar ou discutir as vantagens ou desvantagens de sua abordagem em frente de outras possíveis, mas sim utilizá-la como base teórica e instrumento de análise das decisões escolhidas.
  • 19. Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 14 n. 102 Fev./Mai. 2012 p. 13 a 44 Claudia Rosane Roesler - Pedro Santos Tavares da Silva 17 Selecionamos, para a análise, decisões diametralmente opostas sobre cartéis de postos de combustíveis. A primeira, do Conselho Administrativo de Defesa Econômi- ca (CADE), arquivou uma investigação por falta de provas. A segunda, do Judiciário, inverteu o ônus da prova e condenou os postos a uma multa. A terceira decisão firmou um precedente acerca da aplicação da Lei de Defesa da Concorrência em relação à aplicação dos artigos que dizem respeito às condutas anticompetitivas e seus efeitos. Essa última decisão foi analisada com a intenção de tentar extrair dela alguma solução para o impasse identificado na análise das outras duas. Uma das principais questões com as quais nos deparamos em relação à aplica- ção da Lei de Defesa da Concorrência é a que diz respeito à delimitação do alcance dos artigos que tratam dos efeitos econômicos das condutas anticompetitivas e a sua relação com a necessidade da prova de uma conduta atrelada a esses efeitos. Procurando refletir sobre essa dificuldade, o presente artigo faz uso de instrumentos teóricos da teoria da argumentação jurídica, como se explicou acima, para indicar possíveis caminhos de decisão. Desse modo, na conclusão procuramos responder se seria necessária a comprovação de alguma conduta atrelada aos efeitos descritos no artigo 20 da Lei no 8.884, de 19941 (BRASIL). Nesse sentido, um dos pontos controvertidos mais importantes identificado foi quanto ao que constituiria um indício suficiente para iniciar uma investigação ou fundamentar uma condenação. Para discuti-lo, fizemos uso dos critérios propostos por Neil MacCormick (2008) no livro “Retórica e o Estado de Direito”, identificando se as decisões foram mais ou menos racionais, do ponto de vista da argumentação prática. Ao final, tentamos discernir o que foi usado como um indício verossímil da existência de um cartel, em especial no mercado de revenda de combustíveis. Os conceitos do mencionado autor, aplicados às análises que se seguem, foram, principalmente, os de universalização, consistência, coerência e consequencialismo jurídico. São formas propostas por MacCormick (2008) de avaliar a correção ou in- correção de determinados argumentos. São entendidos aqui, de forma resumida e a título de introdução, da seguinte forma: (i) universalização: um argumento deve poder ser afirmado na forma de um princípio de ação universal aceitável, que poderia ser aplicado de forma satisfatória a todos os casos com as mesmas características decisivas. 1 O Projeto de Lei da Câmara dos Deputados no 3937/2004, já aprovado pelo Congresso Nacional e aguardando a sanção presidencial, altera a Lei de Defesa da Concorrência. O artigo correspondente na nova lei é o 36, e a sua redação é idêntica aos artigos 20 e 21.
  • 20. Argumentação jurídica e direito antitruste: análise de casos Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 14 n. 102 Fev./Mai. 2012 p. 13 a 44 18 (ii) consistência: as afirmações constantes de um raciocínio de justificativa devem ser postuladas de forma livre de contradições entre si. Difere da co- erência na medida em que esse último critério relaciona-se com o sentido que se dá à narrativa. É possível criar uma narrativa livre de inconsistên- cias, mas cujo sentido seja de alguma forma injusto, e por isso a consis- tência não se sustenta sozinha como critério de avaliação de argumentos. (MACCORMICK, 2008, p. 248) (iii) coerência: diz respeito aos princípios e valores que são afirmados na decisão e à justificabilidade desses princípios e valores no delineamento de uma forma de vida satisfatória. (MACCORMICK, 2008, p. 253) (iv) consequencialismo jurídico: diz respeito não às consequências sociais de longo prazo, difíceis de serem calculadas e avaliadas de fato, mas aos comportamentos logicamente permitidos pela decisão, de forma que, se esses comportamentos forem aceitáveis, as consequências possíveis são tidas como aceitáveis também, e vice-versa. Para facilitar a análise e estruturar a apresentação dos argumentos que com- põem cada decisão, utilizaremos o layout dos argumentos proposto por Stephen Toulmin (2001, p. 136): Um mesmo argumento pode, sem dúvida, ser exposto em várias formas di- ferentes, e alguns desses padrões de análise serão mais imparciais do que outros - quer dizer, alguns deles mostrarão mais claramente que outros a va- lidade ou invalidade de um argumento, e permitirão que se vejam mais explí- citas as bases em que se apoiam e a relação entre estas bases e a conclusão. Esse autor, participante do movimento de revitalização da razão prática e da formulação de críticas profundas ao domínio absoluto dos padrões da lógica for- mal, construiu uma interessante forma de se analisar argumentos, decompondo-os em partes cuja relação permite compreender o grau de fundamentação que uma conclusão pode receber das premissas elencadas. Mais detalhado do que o esque- ma tradicional do silogismo dedutivo, o esquema de Toulmin ficou conhecido pela sua aplicabilidade a qualquer tipo de argumentação prática. Segundo o autor, o modelo de análise tradicional da lógica é excessivamente simples por duas razões interligadas: uma consiste em ter ele partido de um tipo de argumento infrequente na prática, e que exibe uma estrutura mais simples que a dos argumentos usados nas diversas esferas da argumentação, de modo que não pode ser utilizado como paradigma para os demais; a outra é que, precisamente por se concentrar nesse tipo de argumentos, a lógica formal não levou em consideração diferenças importantes
  • 21. Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 14 n. 102 Fev./Mai. 2012 p. 13 a 44 Claudia Rosane Roesler - Pedro Santos Tavares da Silva 19 como – sobretudo – a que ele estabelece entre a garantia e o respaldo de um argu- mento ou entre a garantia e a condição de refutação (ATIENZA, 2006, p.110). No diagrama abaixo apresentamos a sua estrutura e, em seguida, oferecemos uma breve explicação de suas definições. Diagrama 1: Layout dos argumentos de Toulmin Resumidamente, cada um desses termos é entendido neste artigo da seguinte forma: (i) dado – todas as premissas particulares ao caso analisado (fatos, provas, circunstâncias específicas, etc.); (ii) apoio – premissas gerais aplicadas ao caso (leis, teorias econômicas, lugares comuns, jurisprudência, doutrina, etc.); (iii) garantia – o raciocínio utilizado para passar dos dados particulares à alegação final. Esse racio- cínio particular muitas vezes é a própria ratio decidendi, e guarda uma relação íntima com os apoios utilizados, no sentido de explicar como eles se aplicam aos dados do caso; (iv) qualificadora e refutação – por estarmos lidando com argumentos da razão prática, que tratam do comportamento humano, e, portanto, inserem-se no contexto daquilo que é contingente e particular2 , ou seja, que pode ser ou não (ou, como é próprio ao Direito, sobre o que pode ou não ter sido), a qualificadora aparece como uma modulação da certeza que temos em relação à conclusão, e a refutação repre- senta um dado que, se presente, invalidaria o raciocínio desenvolvido; (v) afirmação – informação nova que se conclui dos dados, garantias e apoios encadeados ao longo do raciocínio apresentado. 2 Decisão do CADE - Postos de Combustíveis em Blumenau Processo Administrativo (PA) no 08012.005545/1999-16. Conselheiro Relator: Carlos Emmanuel Joppert Ragazzo (BRASIL, 2010). 2 Em oposição àquilo que é universal e necessário, como nas ciências naturais e exatas, em que pode- mos deduzir conclusões apodíticas, nas ciências sociais, e em especial no Direito, estamos lidando, na maior parte dos casos complexos, com a verossimilhança de uma conclusão, e não propriamente com a uma certeza absoluta. Garantia Qualificadora Refutação Dado Garantia Apoio Afirmaçãoe já que Porque Então A menos que
  • 22. Argumentação jurídica e direito antitruste: análise de casos Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 14 n. 102 Fev./Mai. 2012 p. 13 a 44 20 2.1 Resumo do caso De 1994 até 2010, apenas 7 (sete) cartéis de postos de combustíveis foram condenados pelo CADE, apesar das centenas de denúncias. Em 2000, o Procon de Blumenau encaminhou à Secretaria de Direito Econômico (SDE) uma denúncia con- tra um suposto cartel de postos de combustíveis na cidade. Uma análise da Agência Nacional do Petróleo (ANP) confirmou o paralelismo de preços entre os postos da região. A SDE, porém, recomendou o arquivamento do processo pelo CADE, que, em 2010, o arquivou pela ausência de prova direta do acordo. Essa decisão foi além, e permitiu que a SDE arquivasse sumariamente todas as denúncias semelhantes contra postos de gasolina, caso a prova direta de um acordo não estivesse presente nos indícios apresentados. O CADE considerou que existiam fortes indícios de cartel, mas que, porém, eles não eram suficientes sequer para iniciar uma investigação. A decisão suscita uma dis- cussão sobre a diferença entre indícios suficientes para dar início a uma investigação e indícios suficientes para se fundamentar uma condenação na esfera administrativa. Dentre os motivos apresentados pelo CADE para justificar o arquivamento, encon- tram-se argumentos de natureza consequencialista, que serão analisados no traba- lho, além de outros pontos que parecem estar em contradição argumentativa interna. 2.2 Principais argumentos da decisão A decisão em análise pode ser dividida em 3 (três) grandes grupos de argu- mentos: (i) os que justificam o arquivamento das investigações contra os postos de Blumenau; (ii) os que sustentam a orientação para os órgãos de defesa da con- corrência arquivarem outros casos com características comuns a esse; (iii) os que justificam a atuação do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC), dentro da sua prerrogativa de advocacia da concorrência, em tentar alterar alguns pontos da legislação do setor de revenda de combustíveis com a intenção de fomentar a concorrência. A seguir, elencamos esses grupos de argumentos, categorizando-os de acordo com o layout de Toulmin. 2.2.1 Arquivamento da investigação contra os postos de Blumenau Afirmações: O CADE alegou que provavelmente não haveria cartel, e que, por- tanto, não valeria a pena o esforço de investigar os postos de Blumenau. Para isso,
  • 23. Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 14 n. 102 Fev./Mai. 2012 p. 13 a 44 Claudia Rosane Roesler - Pedro Santos Tavares da Silva 21 comparou os seguintes dados: de um lado, (i) o paralelismo de preços nos postos da região e a discrepância de preços com as cidades vizinhas; de outro lado, porém, (ii) a estrutura de fornecimento de combustíveis vigente no país; (iii) a existência, à época, de liminares que isentavam algumas distribuidoras do pagamento de alguns tributos nas cidades vizinhas; (iv) pequenas variações de preços nos postos; (v) lucro bruto médio dos postos da cidade abaixo da média dos 20% (vinte por cento) nor- mais nesse mercado. De posse disso, a decisão aplicou a seguinte garantia aos dados, (que é o raciocí- nio aplicado à generalidade dos casos de cartel no CADE): “o alinhamento de preços é um forte indício da existência de um cartel, mas não constitui prova suficiente para sua caracterização”(BRASIL, 2010). Essa garantia se apoia, pelo lado jurídico, na juris- prudência do CADE ao interpretar a Lei no 8.884, de 1994, e, pelo lado econômico, no fato de que, em mercados de concorrência perfeita, os preços seriam também, teorica- mente, idênticos.Tradicionalmente, preços iguais são considerados como indício clás- sico de um cartel. No entanto, apesar de ser uma conclusão considerada, ao menos a priori, contraintuitiva, há mercados competitivos que também apresentam preços iguais. Aliás, nem tão contraintuitiva assim, já que, em mercados que se aproximam de estruturas classificadas como de concorrência perfeita, os preços seriam idênticos (BRASIL, 2010, p. 13). Ou seja: a necessidade de prova ou indício de acordo existe, em casos de cartel de postos de combustíveis (ou outros com as mesmas características), para afastar a hipótese do mercado estar próximo da concorrência perfeita. Podemos concluir que se trata da aplicação de um lugar-comum do direito anti- truste, o de que não existe ilicitude no mero paralelismo de preços, quando decorrente de concorrência natural no mercado. [...] o mero paralelismo de preços entre postos de combustíveis não é sufi- ciente para punir a conduta. É necessário que outros indícios, preferencial- mente provas diretas, como atas de reunião com fixação de preço e escutas telefônicas com autorização judicial, sejam apresentadas para garantir a con- denação. (COMBATE A CARTÉIS NA REVENDA DE COMBUSTÍVEIS, 2009, p. 9) No mesmo sentido: Nem toda prática de preços semelhantes é direcionada a restringir a con- corrência. Ela pode ser, ao contrário, sobretudo em estruturas monopolis- tas, sintoma de intensa concorrência entre as partes. A lei brasileira con- firma esse entendimento ao afirmar, logo em seguida, que a prática deve ser por acordo entre concorrentes. Essa afirmação não constitui uma con- tradição em termos, exigindo o retorno à noção de acordo expresso para
  • 24. Argumentação jurídica e direito antitruste: análise de casos Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 14 n. 102 Fev./Mai. 2012 p. 13 a 44 22 caracterizar a ilicitude. Constitui - isto, sim -um adendo necessário para deixar claro que a mera semelhança de preços não é indício suficiente para a ilicitude. (SALOMAO FILHO, 2003, p. 273) 2.2.2 Arquivamento de outros casos de cartéis de postos de gasolina por suposta concorrência perfeita Em seguida, a decisão passou a considerar não apenas o fato de que provavel- mente não haveria um cartel em Blumenau, mas a explicar porque casos como esse não seriam sequer passíveis de investigação. Os argumentos a seguir analisados fo- ram usados para sustentar a alegação de que a SDE deveria arquivar denúncias contra postos de gasolina baseadas apenas em preços semelhantes, reajustes paralelos e preços mais altos do que os de municípios vizinhos, sem investigá-las. Os dados utilizados para essa alegação foram: (i) o elevado número de denún- cias desse tipo, do qual não se tem dados consolidados, mas se sabe que, de 2005 a meados de 2010, foram arquivados pelo SBDC no mínimo 160 (cento e sessenta) procedimentos resultantes de denúncias de cartéis de combustíveis, sendo que, em toda a história do CADE, apenas 7 (sete) denúncias desse tipo resultaram em uma condenação; (ii) tais procedimentos estariam se arrastando por vários anos e esta- riam consumindo demasiados recursos públicos em termos de tempo, atenção e re- cursos financeiros; (iii) os procedimentos não estariam resultando em condenações ou produzindo algum retorno para a coletividade. Em seguida, para interpretar tais dados, usou-se uma garantia baseada em um raciocínio alternativo, múltiplo e mutuamente excludente, com três (supostamente únicas) explicações para esse volume elevado de denúncias e pequeno número de condenações: (i) a de que a quantidade excessiva de denúncias “mal embasadas” se- ria reflexo de um problema informacional por parte dos consumidores; (ii) problemas regulatórios do setor estariam gerando situações lícitas semelhantes às de cartel; (iii) a proliferação de cartéis no setor seria resultado da impunidade, pela falta de investigações do SBDC e punições do CADE. A primeira hipótese do raciocínio da garantia acima foi apoiada com o argumen- to histórico de que [...] após um longo período de preços regulados, [o consumidor] espera uma significativa heterogeneidade de preços dos derivados de petróleo, entendendo, a partir dessa pretensão, que preços iguais ou mesmo reajus- tes próximos seriam indícios manifestos de cartel. (BRASIL, 2010, p. 11)
  • 25. Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 14 n. 102 Fev./Mai. 2012 p. 13 a 44 Claudia Rosane Roesler - Pedro Santos Tavares da Silva 23 A segunda hipótese, a que explica o número de denúncias pelos problemas re- gulatórios, seria, em parte, relacionada à anterior. O CADE sustenta que a estrutura do mercado de combustíveis no país gera situações semelhantes a cartéis, e essa estrutura seria desconhecida pelos consumidores. A terceira hipótese (a proliferação de cartéis no setor seria resultado da impuni- dade) não foi afastada diretamente pelo Conselho, mas principalmente por exclusão pela afirmação da primeira e da segunda. Essa “garantia tríplice” mencionada acima aparentemente apoia-se no lugar- -comum de que o mero paralelismo de preços não gera ilicitude antitruste. Propo- mos aqui, no entanto, que a decisão estendeu, de fato, a necessidade do indício de acordo não apenas para a condenação, mas a elevou a elemento indispensável de materialidade, sem o qual nem mesmo uma investigação poderia ser iniciada – e esse raciocínio é a própria alegação final da decisão. Ou seja, a alegação final serviu como um dos principais apoios da garantia nessa decisão. É um raciocínio circular, que utiliza a conclusão como uma das premissas. Resumindo: sem indícios diretos de cartel, não se pode nem investigar a exis- tência dos próprios indícios diretos, porque, provavelmente, eles não existem, já que, na última centena de denúncias semelhantes no mesmo mercado, eles não foram encontrados3 – a não ser em 7 (sete) raríssimos casos, que foram entendidos pelo CADE como “um número considerável de condenações por práticas colusivas nos últimos anos” (BRASIL, 2010, p. 22). Investigá-los seria uma perda de tempo, porque, no final do procedimento, a investigação provavelmente não geraria uma condenação. A proposta aqui delineada neste voto é a de substituir uma postura mais conservadora por parte do SBDC em que se analisa com vagar toda e qual- quer denúncia, mesmo sem uma preliminar materialidade e/ou autoria (tal como as descritas no item anterior), por uma escolha mais pormenorizada e direcionada de mercados a serem investigados, a fim de focar recursos em iniciativas governamentais que têm maior probabilidade de êxito. Aliás, evitar-se-ia um problema para os agentes dos órgãos de instrução, já que fazer prova negativa (a de que não houve cartel) diante de indícios que não têm materialidade suficiente sequer para gerar uma investigação não é tarefa das mais fáceis. (BRASIL, 2010, p. 21, grifo dos autores) 3 Também não há informações na decisão sobre se essas dezenas de denúncias arquivadas foram in- vestigadas ou não.
  • 26. Argumentação jurídica e direito antitruste: análise de casos Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 14 n. 102 Fev./Mai. 2012 p. 13 a 44 24 Essa é, de fato, uma tarefa da defesa, e não, teoricamente, dos órgãos de ins- trução. Mas nesse caso, inclusive, diversos postos nem mesmo apresentaram uma defesa, mas todos foram absolvidos. Em seguida, a decisão delineou os argumentos que justificam a atuação do SBDC ao tentar mudar a legislação no setor, para fomentar a concorrência. Dentre essas ações, a principal foi a decisão do CADE em atuar junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que esse declare inconstitucional uma norma que veda a instala- ção de postos de combustíveis em estacionamentos de shoppings e supermercados no Distrito Federal (DF). Um dos argumentos levantados contra a referida norma, para demonstrar que a limitação estaria atingido o bem-estar do consumidor, foi um estudo da SDE que constatou que: “os postos em supermercados praticam, em média, preços 5% mais baixos do que os postos tradicionais” (BRASIL, 2010, p. 31). Para os propósitos do presente trabalho, esse é um dado importante ao de- monstrar que a concorrência no setor de revenda de combustíveis provavelmente não é perfeita – do contrário, os preços não teriam mais como serem reduzidos de forma significativa com a instalação em estacionamentos de novos postos concor- rentes. Como se sabe, na concorrência perfeita, os preços já estão no menor patamar possível. A decisão é inconsistente ao afirmar que a concorrência no setor de reven- da de combustíveis seria perfeita, e, em seguida, que há indícios de limitações à con- corrência no setor. Ou seja, a impossibilidade de ingresso de novos concorrentes que pratiquem preços menores é uma afirmação incompatível com a alegação de que o mercado já estaria praticando os preços de um mercado em concorrência perfeita. 2.3 Análise de universalização e consequencialismo lógico-jurídico da decisão Os princípios relevantes de ação, que fundamentaram a escolha desses dados em particular, poderiam ser expressos da seguinte forma: (i) caso hajam diferenças tributárias que expliquem custos menores nas cidades vizinhas, os indícios econô- micos de que os preços do suposto cartel são os maiores da região ficam comprome- tidos; (ii) pequenas variações de preços contribuem para afastar a hipótese de que há um cartel; (iii) um cartel, para ser condenado, deve ser lucrativo. A primeira regra nos parece razoável; mas a segunda parece ser inverossímil, por ser um fator que depende do próprio comportamento do cartel, e a terceira está em franca contradição com a Lei de Defesa da Concorrência, sem que isso seja abor- dado na decisão. O artigo 20 da Lei no 8.884, de 1994, diz que:
  • 27. Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 14 n. 102 Fev./Mai. 2012 p. 13 a 44 Claudia Rosane Roesler - Pedro Santos Tavares da Silva 25 Constituem infração da ordem econômica, independentemente de cul- pa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: [...] III - aumentar arbitrariamente os lucros. (BRASIL, 1994, grifo nosso) A garantia utilizada nesse caso, quando universalizada, também não parece guardar relação direta com os dados particulares mencionados acima. Ao ser uni- versalizada, foi criada uma espécie de “anistia aos cartéis” com esse raciocínio: [...] caso não haja indício, na própria denúncia de formação de cartéis, de um acordo direto entre concorrentes em um mercado de produtos homo- gêneos e preços transparentes, essa denúncia não deverá ser investigada. (BRASIL, 2010) Um dos problemas nesse raciocínio é que nem todos os autorizados a denunciar infrações à ordem econômica, tais como associações de consumidores, por exemplo, possuem poder ou capacidade para coletar esse tipo de prova. Ao realizar esse ra- ciocínio, o efeito prático foi o de estabelecer uma consequência incompatível com a legislação, além de inconsistente do ponto de vista interno do raciocínio: seguindo- -se os parâmetros construídos pelo CADE em seu argumento, a prova necessária para iniciar a investigação é a mesma necessária para a condenação. Outro problema com o princípio de ação universal é que ele não é uma formu- lação abstrata, mas apenas uma generalização das decisões anteriores. Segundo MacCormick (2008, p. 123): Um fundamento universalizado de julgamento diz ‘Sempre que ocorrer c, faça V...’, enquanto um fundamento generalizado não pode nunca dizer mais do que ‘Frequentemente, se ocorrer c, faça v...’ou talvez‘Quase sempre que ocorrer c, faça V...’ Ou seja, parece-nos que o entendimento do CADE é uma generalização, e não um princípio de ação: como frequentemente não há condenações, as denúncias não devem ser investigadas. 3 Decisão do TJSP – Cartel de Postos de Combustíveis de Jaboticabal Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), ação civil pública no 291.01.2006.000904- 1. Juíza Carmen Silvia Alves, 1ª Vara cumulativa de Jaboticabal (BRASIL, 2008).
  • 28. Argumentação jurídica e direito antitruste: análise de casos Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 14 n. 102 Fev./Mai. 2012 p. 13 a 44 26 3.1 Resumo do caso Em fevereiro de 2006, o Ministério Público de São Paulo (MPSP) ajuizou uma ação civil pública contra os postos de combustíveis da cidade de Jaboticabal, que, em 2005, estariam praticando preços muito próximos, os mais altos da região. O MPSP pediu a aplicação de uma multa e a imposição da obrigação para que os postos não mais praticassem os referidos preços. Não foi produzida prova direta do acordo: apenas foi constatado que postos com diferentes custos estariam praticando os mesmos preços ao consumidor. Em maio de 2008, o pedido foi julgado parcial- mente procedente, e todos os postos de combustíveis da cidade foram condenados a pagar, ao fundo de interesses difusos do Estado de São Paulo, uma multa educativa no valor de 20.000 (vinte mil) reais cada um. As apelações ainda não foram julgadas. 3.2 Principais argumentos da decisão analisada 3.2.1 Da dispensa da prova pericial e da conduta de formação de cartel A decisão alega que o ônus da prova nesse caso, por envolver a aplicação do Direito do Consumidor, estaria invertido, ou seja, não seria necessária a realização de uma perícia econômica por parte da acusação. Assim, os postos deveriam provar que não estariam causando nenhum dano à economia. Essa alegação parte princi- palmente dos dados produzidos pelo Procon em forma de planilhas de preços. Como garantia, a decisão fornece o raciocínio de que a acusação do Ministério Público de São Paulo e as evidências trazidas já tornariam a acusação de cartel verossímil, pois seria inverossímil que todas as circunstâncias e os custos de todos os postos da cidade fossem iguais, resultando em preços iguais. Ou seja, contra o argumento da defesa, de que seria necessária uma perícia para apurar as diferentes circunstâncias entre os postos, a decisão forneceu a seguinte garantia: [...] é justamente porque existem inúmeras variáveis, como custos, circuns- tâncias de localização, perfil do consumidor, volume de vendas, etc., que não se admite que os preços praticados em postos diversos sejam os mesmos. (BRASIL, 2008) Resumidamente, esse argumento da decisão se traduz no raciocínio universa- lizável que diz: “a perícia deve ser produzida, a menos que seja demasiadamente onerosa e não seja um fator determinante na elucidação do caso”.
  • 29. Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 14 n. 102 Fev./Mai. 2012 p. 13 a 44 Claudia Rosane Roesler - Pedro Santos Tavares da Silva 27 A principal alegação da decisão, portanto, é a existência de cartel de postos de gasolina. Baseado nos dados de paralelismo de preços comparados aos custos diferentes entre os postos, concluiu-se que a única forma em que postos com custos muito diferentes poderiam praticar preços semelhantes seria por meio de um acor- do, explícito ou implícito: [...] não é possível que revendedores que adquirem os combustíveis e insu- mos a preços diferentes, têm custos e obrigações distintas, estão em fases distintas de desenvolvimento e aprimoramento dos serviços, possam ven- der o produto ao consumidor a preço idêntico. (BRASIL, 2008) 3.3 Refutações Em seguida, a decisão desenvolve o que apresentaremos como condições de refutação às objeções probatórias mais comuns em casos de cartel. Elas serão apre- sentadas aqui, a título de ilustração, na forma de princípios gerais de ação, em refu- tação às formulações correspondentes observadas nos casos julgados pelo CADE e analisados nesse trabalho. 3.3.1 Indício de acordo No presente caso, quanto à prova de acordo expresso, entendeu-se que: É certo que não há prova de acordo expresso, como gravações de conversas telefônicas ou de reuniões para combinação de preços. Todavia, esta prova específica é difícil de ser produzida, principalmente no caso em questão, no qual, ao que parece, não havia um líder atuando em coordenação ao cartel [...] No caso ora tratado, não seria possível monitorar conversas entre proprie- tários de vinte (20) postos de gasolina. (BRASIL, 2008, grifo nosso) Ou seja, se fossemos redigir esse argumento na forma de um princípio relevante de ação universalmente afirmado, como uma refutação ao afirmado pelo CADE, diríamos que “caso não haja indício, na própria denúncia de formação de cartéis, de um acordo direto entre concorrentes no setor de postos de combustíveis, essa denúncia não deve- rá ser investigada e não poderá resultar em condenação, a menos que seja impossível produzir tal prova”. Esse raciocínio não está distante do que aparece na condenação do cartel do aço, que analisaremos posteriormente. É necessário um indício de que o acordo ocorreu, e não necessariamente uma gravação direta ou uma confissão:
  • 30. Argumentação jurídica e direito antitruste: análise de casos Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 14 n. 102 Fev./Mai. 2012 p. 13 a 44 28 Cabe aqui um parêntesis para estabelecer um paralelo com outras juris- dições. Nos países nos quais a aplicação da lei antitruste apresenta-se inserida dentro do direito penal, a apreensão de agendas denunciando o encontro entre diretores de empresas concorrentes ou a simples troca de telefonemas entre eles é prova suficiente da violação da lei. Certamente lá, como aqui, é impossível demonstrar que nessas reuniões ou troca de telefonemas entre empresários responsáveis justamente pela área de co- mercialização e fixação de preços o assunto tratado foi este. Mas como essa possibilidade é real, e mais do que isso, é racional, é absolutamente proibido o contato entre concorrentes. (BRASIL, 1999, grifos nossos) 3.3.2 Sobre o argumento da “estrutura do mercado” Aqui entramos em uma discussão que diz respeito às noções econômicas, mas que encaminharemos à luz da argumentação jurídica. As diferentes teorias econômi- cas sobre o comportamento das empresas e sobre o que constituiria um indício de cartel não parecem ser consensuais nem mesmo na ciência econômica4 , conforme veremos resumidamente a seguir. Acreditamos, portanto, que o uso de uma explica- ção baseada estritamente em uma teoria econômica não pode ser o fator único ou primordial na interpretação dos indícios nos casos de cartel. Não parece haver consenso científico nos estudos da economia em relação ao uso específico de dados sobre custos como indício de cartel. Apontaremos, a seguir, um exemplo dessa controvérsia. Sob um viés teórico, portanto, esses dados tanto já foram, quanto não foram, interpretados como um possível indício. O CADE prefere, pelos moti- vos técnicos expostos abaixo, não interpretá-los como dados relevantes. No Judiciário, no entanto, como já vimos acima, isso parece poder ser feito. Cabe aqui comparar quais das duas posturas seria mais racional, do ponto de vista da argumentação prática. 4 “A verdadeira contestação recente a Chicago, que faz com que na doutrina econômica predominante (mesmo de origem liberal) a Escola Neoclássica seja considerada ultrapassada, parte da modificação do foco das atenções. As novas teorias econômicas, baseadas em recentes desenvolvimentos dos métodos econométricos e dos métodos analíticos, passam a se interessar pelo comportamento de empresas individuais ou de setores ou subsetores industriais isolados. Desnecessário dizer que a consequência, no plano jurídico, é o deslocamento do controle das estruturas para o controle dos comportamentos. Isso não significa que o controle das estruturas esteja superado. Vivas estão, por exemplo - e é importante que estejam -, as polêmicas entre os defensores das ideias neoclássicas de Chicago e os defensores das ideias ordoliberais de Freiburg. A contestação jurídica às ideias econômi- cas de Chicago, mesmo tratando-se de estruturas, continua mais viva do que nunca. Significa, apenas, que é no campo do controle dos comportamentos que se situam, hoje em dia, as polêmicas econômicas mais relevantes. Significa também, como já foi mencionado, que em muitos casos parece possível dar uma resposta comportamental a problemas estruturais” (SALOMAO FILHO, 2003, p. 23, grifo nosso).
  • 31. Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 14 n. 102 Fev./Mai. 2012 p. 13 a 44 Claudia Rosane Roesler - Pedro Santos Tavares da Silva 29 Entendemos que, por se tratar de um assunto dentro do contexto do contingente (aquilo que pode ou não pode ser) e não do necessário (aquilo que necessariamente é ou não), a comprovação da existência ou não de um cartel não precisa ser feita, ape- nas e tão somente, da mesma forma que se comprova uma teoria científica das ciên- cias naturais ou exatas: ela também pode ser feita por meio de regras da experiência, verossimilhança da narrativa acusatória, coerência e racionalidade argumentativa. Ou seja, mesmo que na ciência econômica ainda não haja consenso teórico sobre o uso de determinado dado para a comprovação de um cartel, isso não impede o juiz de usá-lo. Aliás, mesmo que houvesse um consenso científico de que determinado dado não pode ser, teoricamente, usado como um indício de cartel, ainda assim o juiz não estaria impedido de utilizar-se dele racionalmente – deverá fazê-lo se o caso particular anali- sado não possuir as mesmas características dos estudados pelos economistas. A decisão do CADE frequentemente recorre a estudos econômicos para apoiar os seus raciocínios. Ou seja, ela utiliza como premissas diversas conclusões de estudos acadêmicos que não estão sujeitos ao debate dentro do discurso jurídico, mas que, não obstante, também não são axiomas econômicos: são temas postos em debate pela comunidade acadêmica, fora do alcance da argumentação jurídica. Não se trata, a seguir, da análise de uma perícia econômica, mas do uso de determinados estudos, ainda teóricos, para se chegar a conclusões práticas. 3.3.2.1 Análise do argumento da “estrutura do mercado” proposto pelo CADE No caso dos postos de combustíveis de Blumenau, a “estrutura de fornecimen- to de combustíveis vigente no país” serviu como argumento contra a condenação dos postos. O apoio desse raciocínio é, basicamente, o fato de que esse setor pos- sui produtos homogêneos e preços transparentes. Essas características econômicas criariam a necessidade da produção de outros indícios, além da demonstração do paralelismo de preços, para a condenação dos postos5 . Esse raciocínio não é diferente do apresentado no caso de Jaboticabal. A prin- cipal diferença da decisão do interior de São Paulo é o fato de que nessa os dados 5 O documento de trabalho no 40 da SEAE/MF foi amplamente referenciado na decisão sobre os postos de Blumenau. Os pontos que consideramos mais relevantes para o tópico “custos” foram aqui citados. Segundo o Conselheiro Ragazzo, relator da decisão dos postos de Blumenau, e autor desse documen- to de trabalho, “[...] a homogeneidade de preços comumente verificada na revenda de combustíveis pode ter outras explicações perfeitamente críveis e que, por isso, não pode ser tomada como indício suficiente de um cartel, não prescindindo de outros elementos a demonstrar a existência de colusão para motivar uma investigação” (RAGAZZO; DA SILVA, 2006, p. 11, grifo nosso).
  • 32. Argumentação jurídica e direito antitruste: análise de casos Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 14 n. 102 Fev./Mai. 2012 p. 13 a 44 30 referentes aos custos foram interpretados como sendo um“outro elemento a demons- trar a colusão”. No CADE, o custo diferente de aquisição dos produtos é uma variável que é, pelo menos nas decisões analisadas nesse trabalho, largamente ignorada como um indício de acordo. Analisaremos os motivos técnicos para isso a seguir. No documento de trabalho no 40 da SEAE/MF, citando estudo realizado por Nunes Gomes, que analisaram o mercado de revenda de combustíveis no interior de São Paulo, Ragazzo afirma que “no ver desse autor, mesmo que os postos tenham custos iguais entre si, a variabilidade dos preços de revenda deveria ser, no mínimo, igual à verificada no atacado”(RAGAZZO; SILVA, 2006, p. 31, grifo nosso). E, nas palavras dos autores mencionados acima, para esclarecer: [...] em outras palavras, a variabilidade dos preços de varejo deve ser maior que a variabilidade dos preços de atacado. Mesmo que os postos tenham estruturas de custos iguais, no mínimo seus preços devem ter variabilidade igual à do atacado. (NUNES; GOMES, 2005, p. 9) O estudo de Nunes Gomes, que considera os custos dos postos como um possível indício (de forma semelhante à juíza de Jaboticabal) foi afastado nas con- clusões do documento de trabalho da Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE), principalmente ao ser confrontado com outro estudo6 , de Matthew Lewis, que, ao analisar o mercado de revenda de combustíveis de San Diego, nos EUA, demonstra, pela leitura de Ragazzo, essencialmente que [...] não se poderia usar o argumento de que uma suposta heterogeneidade entre os revendedores de combustíveis e uma suposta lealdade à bandeira justificaria uma grande diferenciação nos preços de revenda. (RAGAZZO; SILVA, 2006, p. 20) O estudo de Matthew Lewis diz que revendedores heterogêneos (ou seja, com custos e produtos diferentes) não necessariamente geram preços diferentes ao con- sumidor. É o raciocino que dá apoio ao que vimos no caso de Blumenau, de que os preços semelhantes podem ser tanto um indício de cartel quanto de competição. Além disso, nada garante que essas conclusões não sejam fruto das particularidades 6 O documento também cita o fato de que alguns postos de bandeiras específicas que recebem inves- timentos das distribuidoras pagam esses investimentos por meio de preços mais elevados do que o normal na aquisição de combustível, explicando, assim, a heterogeneidade dos preços de compra dos combustíveis pelos postos. Ora, acreditamos que esse fato é demasiadamente particular para ser generalizado em todos os casos de cartel. Ele pode ser um argumento da defesa nos casos particu- lares em que isso de fato ocorrer, mas usá-lo para justificar a não investigação de todas as denúncias fundadas em paralelismo de preços nos parece incorreto.
  • 33. Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 14 n. 102 Fev./Mai. 2012 p. 13 a 44 Claudia Rosane Roesler - Pedro Santos Tavares da Silva 31 de cada mercado, e não necessariamente leis universais da economia, aplicáveis também ao contexto em análise. Ao invés, no entanto, de justificar o uso do estudo naquilo que poderia caber à realidade brasileira, em um único momento em que Lewis constrói a possibilidade de que preços semelhantes possam ser um indício de cartel, o CADE afasta essa aplicação em razão da diferença entre a realidade ameri- cana e a brasileira (RAGAZZO; SILVA, 2006, p. 21). Há, portanto, duas deficiências no argumento utilizado pelo CADE. Em primeiro lugar, não se oferece nenhuma justificativa ao uso de um estudo particular sobre uma realidade específica que não a brasileira. Em segundo lugar, quando os resul- tados aparentemente poderiam ser úteis, são descartados, também sem motivação alguma, a pretexto de uma diferenciação – não explicada – entre os mercados. Além disso, esse é um dos motivos desse tipo de discussão teórica não ter o condão de justificar, de forma racional, decisões jurídicas. Da mesma forma que os indícios econômicos não conseguem provar em definitivo a existência de um cartel, os estudos teóricos da economia, baseados apenas em estatísticas e modelos teóri- cos, também não têm como provar a não existência de um cartel. Afirmar qualquer um desses raciocínios é uma espécie de argumentum ad igno- rantiam7 . Essas teorias somente provam conclusivamente que as teorias econômicas não têm como provar, sozinhas, se há ou não um cartel. Acreditamos, portanto, que elas não deveriam poder autorizar um arquivamento sem uma análise particular do conjunto probatório de cada caso, e muito menos um arquivamento liminar, sem in- vestigação. Além disso, usar teorias controvertidas para justificar a não investigação de denúncias de cartel é, como diria Aristóteles, tomar como premissas “opiniões que parecem ser de aceitação geral, quando na verdade não o são”8 . 3.3.2.2 Argumento da “estrutura do mercado” na sentença A decisão de Jaboticabal entendeu ser “inadmissível o argumento de que o ali- nhamento de preços seria decorrente do comportamento natural do mercado de 7 Falácia do apelo à ignorância, que diz que, se não houver indícios a favor de uma proposição, ela é necessariamente falsa, ou que, se não houver indícios contra essa proposição, ela é necessariamente verdadeira. O cientista norte americano Carl Sagan a resumiu na seguinte frase: “a ausência da evi- dência não significa evidência da ausência”. 8 Diz-se raciocínio erístico aquele que resulta de proposições que parecem geralmente aceitas sem que o sejam, bem como o que decorre, ou parece decorrer, de proposições geralmente aceitas, pois nem tudo o que parece fundado na opinião o é de fato (ARISTÓTELES, 1982).
  • 34. Argumentação jurídica e direito antitruste: análise de casos Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 14 n. 102 Fev./Mai. 2012 p. 13 a 44 32 combustíveis” (BRASIL, 2008). Ela afasta esse argumento raciocinando que a estru- tura do mercado de revenda de combustíveis não seria a única que submeteria seus revendedores a condições fora do seu controle, e que isso não deveria justificar um acordo de preços, pois a sobrevivência de uma empresa não pode ser garantida por meio de atos ilícitos como a combinação, mesmo que tácita, de preços. 3.4 Análise de coerência 3.4.1 Livre iniciativa versus o bem estar do consumidor Os principais valores expressamente afirmados na decisão de Jaboticabal para justificarem a condenação dos postos da cidade foram a livre iniciativa, temperada pela concorrência leal, a confiança e a boa-fé. A sentença procurou resguardar os direitos dos consumidores de usufruirem o que desejam a um preço justo, em opo- sição ao direito de obter lucro por meio de atividade lícita. A principal diferença de sentido da decisão analisada nesse ponto para a deci- são do CADE está no fato de que o CADE, como órgão administrativo, colocou uma grande importância, mesmo que implícita, também na eficiência da administração pública e, talvez, em um tipo de “conveniência e oportunidade” de conduzir algumas investigações e outras não, enquanto que a decisão de Jaboticabal colocou uma ênfase maior nos outros valores acima destacados. Acreditamos que uma investigação bem feita que, ao seu término, identifica que de fato não há um cartel não poderia ser classificada como uma investigação des- necessária: ela é, de fato, uma investigação justa. Mesmo que uma investigação não resulte em uma condenação, e na consequente aplicação de uma multa, ela é útil para a sociedade por si só, na medida em que, por exemplo, os empresários investigados possam provar a sua idoneidade perante o mercado, ou para que os consumidores sin- tam que de fato alguma coisa foi feita na direção da elucidação clara e pública de uma situação tida como injusta. O objetivo da investigação, afinal, não pode ser apenas condenar os infratores ou regular o mercado ou recolher multas, mas é, antes de tudo, uma ferramenta que o Estado coloca à disposição dos cidadãos para a busca da ver- dade e a realização da justiça no limite do possível, dando uma resposta à sociedade.
  • 35. Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 14 n. 102 Fev./Mai. 2012 p. 13 a 44 Claudia Rosane Roesler - Pedro Santos Tavares da Silva 33 3.4.2 Fiscalização e sanção versus Regulação Um dos pedidos do Ministério Público na ação civil pública em análise foi o de impor uma obrigação de reduzir os preços dos combustíveis aos postos, de forma semelhante a um termo de ajustamento de conduta (TAC). Uma crítica comumente feita pelo SBDC ao Ministério Público (MP) é justamente o fato de que o MP por ve- zes gera outras distorções ao utilizar esse tipo de instrumento para tentar regular o mercado, atitude que engessaria a concorrência. A crítica do SBDC não se limita aos TACs, mas se estende às ações civis públicas em geral, que, segundo a SDE, conforme sua cartilha institucional, possuiriam, em relação ao procedimento administrativo, apenas uma função secundária no combate aos cartéis9 . Ora, não foi o que aconteceu em Jaboticabal. Não foi firmado TAC com os postos da cidade, e a sentença se limitou a aplicar uma multa de caráter pedagógico, com uma clara função punitiva – não impôs obrigação aos postos. Além disso, as notícias da cidade parecem indicar que, de fato, houve a entrada de um novo concorrente no mercado, e que os preços dos combustíveis em Jaboticabal são agora os menores da região: “O valor do combustível em Jaboticabal segue abaixo das demais cidades da região após a abertura de um novo empreendimento [...]” (TRIBUNA REGIÃO, 2011). É claro, esse fato talvez não tenha relação com a condenação em análise. Acreditamos, no entanto, que ele é, no mínimo, um fator interessante a ser considerado em futuras tentativas de replicação desse tipo de argumentação em outros municípios: o fato é que esse tipo de iniciativa parece já ter alcançado o objetivo a que se propunha, sem precisar interferir no mercado por meio de TAC. 4 Decisão do CADE e do TRF1 - Cartel do Aço CADE. Processo administrativo no 08000.015337/1997-48, julgado em 27/10/1999, Conselheiro Relator: Ruy Afonso de Santacruz Lima e Tribunal Regional Federal da 1a Região (TRF1). Apelação Cível no 8688.20.00.401340-0/DF, Sétima Turma, julgado 9 “O Poder Judiciário tem apontado acertadamente que não se combate cartéis por meio de TACs ou se investiga tais práticas por meio de Ação Civil Pública, pois estes não possuem os efeitos dissuasórios e os meios de prova de uma investigação criminal e acabam sustentando preços acima dos que vige- riam se estivéssemos diante do livre mercado. Por outro lado, a Ação Civil Pública, após identificado e punido administrativa ou criminalmente um cartel, possui papel fundamental na recomposição dos danos sofridos individualmente e pela coletividade durante a atuação do cartel”(COMBATE A CARTÉIS NA REVENDA DE COMBUSTÍVEIS, 2009, p. 25).
  • 36. Argumentação jurídica e direito antitruste: análise de casos Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 14 n. 102 Fev./Mai. 2012 p. 13 a 44 34 em 14/06/2010, Relatora: Desembargadora Federal Maria Isabel Gallotti Rodrigues (BRASIL, 2010). 4.1 Resumo do Caso Em 1996, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), a Usiminas e a Cosipa com- pareceram a uma reunião no Ministério da Fazenda para informar ao Governo sobre o aumento dos seus preços, o que aconteceu na semana seguinte. Após investigação do Ministério da Justiça, as empresas foram condenadas, em 1999, pelo CADE a pa- gar multa por formação de cartel. Em recurso ao Judiciário, as siderúrgicas obtiveram sentença de 1ª instância que, embora tenha mantido a condenação, determinava a retirada da reunião de 1996 da fundamentação da decisão do CADE. Posteriormente, em apelação do CADE, o tribunal decidiu, em 2010, restaurar todos os fundamentos da decisão original, apesar de ter considerado a decisão de 1ª instância parcialmente correta. Em 2010, o CADE atualizou o valor da multa, de 60 para 136 milhões de reais (BRASIL, 2011). Uma das discussões de fundo nesse caso foi a determinação de quais seriam as provas necessárias para uma condenação por cartel. A condenação do cartel do aço foi a primeira condenação por cartel na vigência da atual Lei de Defesa da Concor- rência. Ela é peculiar porque a prova do ajuste de preços foi uma das mais diretas possíveis, isto é, as empresas investigadas supostamente discutiram preços em uma reunião no órgão responsável por investigar cartéis no Ministério da Fazenda. E o mais relevante: as decisões no Judiciário não negaram a possibilidade de uma condenação por cartel sem a prova direta de um acordo de preços, caso estejam presentes fortes indícios econômicos. 4.2 Principais argumentos das decisões analisadas 4.2.1 Cartel do Aço. Argumentação na decisão do CADE Os dados presentes na decisão do CADE de 1999 sobre o cartel do aço dizem respeito a dois grupos de indícios: dados econômicos e dados indicativos de culpa. Os principais dados econômicos são dois: (i) os preços e reajustes semelhantes no mercado de aços planos; (ii) o comportamento das empresas ao reajustarem os seus preços – ajustes em datas muito próximas, sem seguirem um padrão tradicional, ou seja, a cada mês uma empresa diferente iniciava o processo de reajustes. Os dados
  • 37. Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 14 n. 102 Fev./Mai. 2012 p. 13 a 44 Claudia Rosane Roesler - Pedro Santos Tavares da Silva 35 aqui chamados de indicativos de culpa são os que o CADE denomina de “prova dire- ta de acordo”. No caso, esse dado foi a realização de uma reunião no Ministério da Fazenda, com a presença dos diretores comerciais das empresas, para informar ao Governo que os seus preços seriam reajustados dias depois. Com esses dados, o CADE concluiu que havia um cartel no mercado de aços planos. As principais garantias que apareceram no processo para essa alegação são de dois tipos: garantias para interpretar os dados econômicos e garantias para inter- pretar a reunião das empresas. As garantias econômicas foram três: (i) a primeira, apoiada em pareceres da SEAE e SDE (por sua vez apoiados em análises e teorias econômicas), que confirmaram, de maneira técnica (e não apenas intuitiva) o paralelismo de preços constante no mercado, que é, segundo as teorias econômicas adotadas, um forte indício de cartelização em mercados competitivos; (ii) uma segunda apoiada na teoria da liderança de preços que merece maiores explicações. Essa teoria, resumidamente, diz que a maneira com- petitiva de se reajustar preços em um mercado oligopolizado de produtos homogêneos seria por meio de negociações que seguem uma tradição, ou seja, a empresa que primeiro anuncia a intenção de aumentar seus preços, e que de fato o faz depois de um período de negociação com seus clientes, seria sempre a mesma. Esse período de negociação seria importante para que os seus clientes pudessem negociar preços com os concorrentes. O dado relevante para o raciocínio da decisão nesse ponto foi o de que não ficou demonstrada uma tradição no mercado, ou seja, nas duas ocasiões de aumento de preços analisadas, a primeira empresa a anunciar o aumento foi a mesma, mas a primeira a aumentá-lo de fato não foi. O CADE concluiu que isso seria um indício de que as empresas já haviam combinado o per- centual do aumento, sendo, portanto, desnecessária a negociação com os potenciais clientes (tendo em vista a certeza de que o concorrente também aumentaria o preço no mesmo patamar). (iii) a terceira, que reforça a anterior, é a de que, à exceção de grandes clien- tes com poder de barganha, como as montadoras, os preços reajustados foram praticamente os mesmos anunciados, evidenciando que não houve negociação, mas imposição de preços. Já a garantia que interpretou o dado da reunião das empresas foi uma de ordem prática, já referida anteriormente no item 3.3.1, apoiada na suposição verossímil, e mesmo presunção de culpa, de que uma reunião de diretores comercias de empresas supostamente concorrentes, para discutir preços, seria sempre lesiva à concorrência e sempre uma evidente prova direta de acordo. O CADE deixou claro que não aceitaria a refutação de que tais reuniões eram, à época, frequentes em outros Ministérios (como
  • 38. Argumentação jurídica e direito antitruste: análise de casos Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 14 n. 102 Fev./Mai. 2012 p. 13 a 44 36 o de Minas e Energia). A refutação de que a reunião seria meramente informativa, e que as negociações já haviam acontecido, foi afastada pelo fato, já mencionado, de que os percentuais de aumento foram iguais para todos os clientes sem poder de barganha para negociarem um preço mais favorável. A decisão (BRASIL, 1999) também afirmou que uma refutação aceitável seria a alegação do chamado “cartel anticrise”, formado para fazer frente a uma situação econômica adversa.As empresas informaram também que os preços seriam razoáveis com os seus custos, mas o CADE afastou essa refuta- ção dizendo que o argumento desenvolvido na decisão não dependeria de uma análise de custos no mercado, que nem mesmo foi objeto de investigação (BRASIL, 1997, p. 9).10 4.2.2 Cartel do Aço - Argumentação no TRF1 Após a condenação de 1999 no CADE, sintetizada acima, as empresas recorre- ram à Justiça Federal para anular a decisão da autarquia. Dois pontos são importan- tes para o presente trabalho nas discussões travadas no Judiciário: (i) o fato, já men- cionado anteriormente e que analisaremos a seguir, de que o CADE não considerou os custos das empresas como um dado relevante; (ii) o argumento, apresentado em primeira instância e confirmado na segunda, de que os efeitos previstos no art. 20, I, da Lei de Defesa da Concorrência seriam suficientes à configuração da infração, mesmo que se conclua pela não demonstração de um conluio entre as empresas. Analisaremos esse último ponto na conclusão. 4.3 Análise de custos. Inconsistência argumentativa No exemplo a seguir, temos: (i) de um lado, o argumento de que, havendo aumen- tos de custos dos insumos de um determinado mercado, as empresas desse mercado podem ser levadas a aumentar seus preços de forma semelhante; (ii) de outro lado, a alegação da análise econômica empreendida pelo SBDC, no sentido de que não ha- veria, em hipótese alguma, uma explicação racional, fora o cartel, para o aumento de preços verificado, sendo que os custos nem mesmo precisariam ser verificados. 10 “um acordo entre concorrentes para reajuste de preços constitui-se conduta anticompetitiva inde- pendentemente de uma possível justificativa em termos de custos” (BRASIL, 1999, p. 9).“A SEAE res- salta que sua representação não se refere a preços abusivos, análise que exigiria estudos referentes à evolução dos custos fabris das Representadas, além da definição do que seriam margens de lucro setoriais compatíveis com um processo concorrencial adequado do ponto de vista do bem-estar econômico, mas tão somente à formação de cartel” (BRASIL, 1999, p. 23).
  • 39. Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 14 n. 102 Fev./Mai. 2012 p. 13 a 44 Claudia Rosane Roesler - Pedro Santos Tavares da Silva 37 À época não havia causa determinante para a continuidade do exercício da atividade econômica desenvolvida pelas empresas que impedisse a ma- nutenção dos preços que vinham sendo por elas praticados por mais tem- po, como o aumento dos insumos dos produtos ou dos custos de produção. (BRASIL, 2010, grifo nosso) Oito parágrafos depois, afirma-se que: Não houve, todavia, imputação às empresas da prática de preço abu- sivo. A decisão do CADE frisa que sequer houve investigação a propósito da razoabilidade ou não do aumento de preços em relação aos custos das empresas. (BRASIL, 2010) E, no parágrafo seguinte: A falta de racionalidade econômica a que alude a decisão administrativa não foi do valor do aumento e nem mesmo da possibilidade, em tese, de paralelismo de conduta lícito em mercados oligopolizados de produtos homogêneos, premissa aceita como correta pelo CADE. Faltou racionalida- de econômica, no sentido de ausência de justificativa por qualquer teoria econômica do alegado paralelismo de conduta não decorrente de conser- to ilícito, já que não configurados os pressupostos da liderança da firma dominante do mercado (nenhuma das empresas tinha domínio individual do mercado, todas tinham grande porte) e nem da liderança barométrica (como já exposto acima) e nem tão pouco verificada a ocorrência de cir- cunstância de mercado (aumento dos custos ou alteração da demanda) que fosse simultaneamente perceptível pelas três empresas como impositiva do aumento de preços para que pudessem continuar a desenvolver sua atividade econômica. (BRASIL, 2010) Ora, identificamos dois problemas nesses trechos: (i) como pode ter sido verificado que não houve a “ocorrência de circunstân- cia de mercado (aumento dos custos ou alteração da demanda) que fosse simultaneamente perceptível pelas três empresas como impositiva do au- mento de preços”, sendo que “sequer houve investigação a propósito da razoa- bilidade ou não do aumento de preços em relação aos custos das empresas”? (ii) aplicou-se, nesse caso, uma teoria econômica à qual o magistrado ficou adstrito como se lei fosse. A conduta foi tipificada em relação a uma teoria econômica que descreve o comportamento humano na gerência racional de empresas e na negociação de preços. Ora, sendo uma teoria sobre o comportamento humano, é, em larga medida, uma teoria dentro do contex- to do contingente (pode ser e pode não ser). Ou seja, não é um raciocínio universalizável, mas extremamente particularista: se a imputação é em re- lação a uma teoria econômica, de agora em diante basta aos agentes eco-
  • 40. Argumentação jurídica e direito antitruste: análise de casos Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 14 n. 102 Fev./Mai. 2012 p. 13 a 44 38 nômicos emularem o comportamento descrito pela teoria da liderança de preços. Isso porque o fator determinante na condenação foi o fato de que uma empresa aumentou os seus preços antes que a suposta líder o tivesse feito. Nada impede que, cientes desse raciocínio, os próximos cartéis emu- lem o comportamento tido como “racional” pela teoria econômica adotada. A decisão, no que diz respeito a esse fundamento, merece a mesma apreciação dada por MacCormick à célebre decisão do Rei Salomão de ordenar que a criança em disputa por duas mães fosse dividida pelo fio da espada (sabendo que a verdadeira mãe se oporia a isso), mas, em nenhum dos dois casos, a decisão poderia ser replica- da: as próximas mães em litígio saberiam como reagir diante da provocação do rei. É o requisito da universalização, descrito por MacCormick, que falta nesse tipo de decisão, e que a torna menos racional (MACCORMICK, 2008, pp. 103-133). 5 Conclusão: cartel ou infração à ordem econômica? A seguir, procuramos desenvolver uma reflexão sobre as dificuldades identifica- das acima quanto à prova da existência de um cartel, tomando como base a análise específica dos argumentos das decisões aqui tematizadas. No caso do cartel do aço, na decisão do recurso contra a decisão da primeira instância da Justiça Federal, a reunião feita no Ministério da Fazenda não foi consi- derada como um indício de acordo, mas, apesar disso, a condenação foi mantida. As empresas recorreram novamente, sustentando [...] não ser possível a configuração de infração à ordem econômica pela simples materialização de um dos efeitos previstos no art. 20, sendo ne- cessário que tais efeitos decorram de alguma das condutas descritas no art. 21, da Lei 8.884/94. (BRASIL, 2010) O artigo 21 da Lei de Defesa da Concorrência descreve as condutas anticompe- titivas que são passíveis de sanção. Dentre elas, está a conduta de “fixar ou praticar, em acordo com concorrente, sob qualquer forma, preços e condições de venda de bens ou de prestação de serviços” (BRASIL, 1994). Porém, elas somente serão enten- didas como infração à ordem econômica se os efeitos descritos no artigo 20 forem identificados: Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:
  • 41. Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 14 n. 102 Fev./Mai. 2012 p. 13 a 44 Claudia Rosane Roesler - Pedro Santos Tavares da Silva 39 I – limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre a concorrência ou a livre ini­ciativa; II – dominar mercado relevante de bens ou serviços; III – aumentar arbitrariamente os lucros; IV – exercer de forma abusiva posição dominante. (BRASIL, 1994) O contrário não é verdadeiro: presentes os efeitos do artigo 20, não é necessá- ria a demonstração das condutas do 2111 . Foi isso que entendeu o TRF1 na decisão analisada acima, quando, ao responder aos argumentos da recorrente, que pleiteava a anulação da sentença que se baseou apenas na condenação por efeitos (afastada a prova do acordo), disse (e repetiu diversas vezes) que “[é] possível, portanto, haver infração à ordem econômica pela simples caracterização dos resultados descritos no art. 20, da Lei 8.884/94” (BRASIL, 2010). Digamos que o caso de Jaboticabal tivesse sido decidido pelo CADE. Ora, os indícios constantes nessa denúncia eram apenas em relação ao paralelismo dos preços e a sua notável diferença com outros municípios – justamente as caracterís- ticas que, de acordo com o CADE no caso dos postos de Blumenau, devem motivar o arquivamento das investigações pelo SBDC. Ou seja, o cartel não teria sido punido (partindo da premissa que a decisão da juíza foi acertada). Ora, em tese, se existem fortes indícios de um cartel, é possível que esses preços estejam causando danos à economia e à concorrência (causando os efeitos descritos no artigo 20 da Lei de Defesa da Concorrência) – principalmente quando se trata de combustíveis, produto essencial que influencia praticamente todos os outros preços na economia. Porém, aparentemente, existem apenas duas opções atualmente no âm- bito do SBDC para lidar com esses preços tidos como injustos: (i) aceitar condenações de postos somente pela tipificação “prática de cartel” (o que, de fato, no CADE, exige uma prova mais robusta), e isso exigiria uma intensificação das investigações (hipóte- se que parece ser, de acordo com o CADE, demasiadamente custosa para a administra- ção pública); ou (ii) criar, pela jurisprudência, uma nova infração chamada“paralelismo de preços” – hipótese também vedada, já que é certo que essas coincidências nos preços podem acontecer pela competição natural do mercado, além disso ser a própria definição de um ilícito per se, que não é aceito no ordenamento jurídico brasileiro. 11 É perfeitamente possível, pois, dentro do sistema estabelecido pela Lei no 8.884, de 1994, que se verifique algum acordo previsto no art. 21 sem que haja infração à ordem econômica. Basta, para tanto, que não se dê a incidência de qualquer dos incisos do art. 20. Da mesma forma, um ato não tipificado no referido art. 21 poderá ser ilícito se tiver por objeto ou produzir efeito previsto no art. 20 (FORGIONI, 1998, p. 328).
  • 42. Argumentação jurídica e direito antitruste: análise de casos Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 14 n. 102 Fev./Mai. 2012 p. 13 a 44 40 Uma terceira hipótese seria de fato investigar os postos – ao invés de rejeitar todas as centenas de denúncias – e analisar as evidências colhidas não apenas por filtros técnico-econômicos, mas também por todos os meios de prova aceitáveis em direito (como foi feito em Jaboticabal). Nesse caso, não se avaliaria apenas os ar- gumentos baseados em teorias econômicas, pois, provavelmente, não existirá jamais uma fórmula matemática para, baseando-se apenas em dados contáveis e estatísticos, avaliar com absoluta certeza se algumas condutas causam ou não danos econômicos. Sobre esse assunto, MacCormick (2008, pp. 138-139), ao tratar das armadilhas argumentativas do consequencialismo, faz a ressalva de que alguns ramos espe- cíficos do direito (em especial o antitruste) podem sim fazer uso de “avaliações de impacto” e análises econômicas, mas deixa o problema relativamente em aberto e atrelado à condição de que esse uso seja feito conjuntamente à avaliação satisfató- ria dos resultados pretendido. Recentemente, por meio da Resolução no 53/2009, o CADE criou o chamado Departamento de Estudos Econômicos, e, dentre as suas atribuições, está “avaliar o impacto econômico das decisões do CADE, de forma a contribuir para o aprimora- mento das decisões futuras” (BRASIL, 2009). Essa avaliação, porém, está condiciona- da a uma requisição ou permissão do Plenário – ou seja, a autarquia faz amplo uso de raciocínios embasados em análises e previsões de impacto econômico, e o faz sem que a avaliação dos resultados de suas decisões sejam uma parte fundamental dessa intervenção: é apenas uma avaliação eventual. Tendo em vista que o órgão administrativo possui mais conhecimento técnico da matéria, o argumento de que não é necessário sequer investigar a possibilidade de haver um cartel, quando o primeiro indício encontrado é o paralelismo de preços, apresenta-se com a pretensão, e o risco, de se tornar o entendimento consolidado sobre o assunto, efetivamente criando uma “blindagem jurídica” contra todos os car- téis de combustíveis que não realizam suas reuniões à luz do dia. Mesmo que se chegue ao extremo de se afirmar que as decisões do CADE são fundamentalmente políticas, elas fazem amplo uso de argumentação jurídica e criam lugares-comuns que se espalham para outras decisões jurídicas. Embora as esferas judicial e administrativa sejam diferentes, o objeto analisado (cartel) é o mesmo, e os entendimentos construídos pelo CADE possuem muita autoridade, conforme a própria SDE atesta na cartilha de defesa da concorrência no Judiciário (tratando de perícias econômicas em recursos a decisões do CADE):
  • 43. Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 14 n. 102 Fev./Mai. 2012 p. 13 a 44 Claudia Rosane Roesler - Pedro Santos Tavares da Silva 41 Além disso, ainda que discutida questão de fato, dificilmente qualquer pe- rito teria melhores condições técnicas para se pronunciar sobre questões econômicas do que os sete membros do CADE, especialistas na matéria, cuja decisão foi amparada por diversos outros órgãos de Estado (SDE, SEAE, AGU e MPF). Assim, é difícil sustentar que a avaliação de um único perito possa substituir qualitativamente a decisão proferida pelo CADE, tendo em vista o procedimento adotado nos processos administrativos de sua com- petência. (DEFESA DA CONCORRÊNCIA NO JUDICIÁRIO, 2010, p. 22) A consequência jurídica, portanto, da afirmação universalizável realizada pelo CADE na decisão tomada no caso do cartel de combustíveis em Blumenau, está longe de ser desejável para um sistema de regulação do mercado minimamente adequado. Ao descartar a hipótese de investigação, o CADE cria uma expectativa, razoavelmente fundada, de que apenas em situações muito específicas seria justi- ficável uma investigação. Não é preciso ir muito longe para perceber que esse tipo de decisão pode, justificadamente do ponto de vista do mercado e de sua lógica, ser usada para afirmar a relativa impunidade de condutas danosas ao consumidor. Além disso, é patente a variação argumentativa se comparadas as decisões do mesmo órgão nos dois casos de cartel. No cartel de combustíveis a absolvição se baseia na constatação do paralelismo de preços e na suposta impossibilidade de se tirar alguma conclusão dela na ausência de uma evidência de que houve uma combi- nação efetiva para gerá-lo, não havendo justificativa sequer para uma investigação. O mesmo órgão, no entanto, decide e defende contra os ataques judiciais a decisão tomada no caso do cartel do aço – atualizando inclusive o valor da multa aplicada – exatamente alegando que sequer é necessário investigar, dado o paralelismo de pre- ços e a estrutura de mercado. Nesse caso, é verdade, houve uma reunião, confirmada por todos os envolvidos. Esperar que em todos os casos de cartel haja uma evidência dessa natureza é, com absoluta certeza, retirar qualquer validade ou propósito da aplicação dos artigos da Lei de Defesa da Concorrência que examinamos aqui. Por fim, deixamos em aberto o questionamento, que consideramos relevante, sobre se devemos proteger a concorrência como um fim em si mesmo, ou se esta se presta a outros objetivos, como o aprimoramento técnico, o desenvolvimento tecno- lógico ou a melhor satisfação das preferências dos consumidores, por exemplo. Caso se afirme a segunda hipótese (que acreditamos ser mais coerente com os outros valores e princípios constitucionais vigentes e relevantes), devemos nos perguntar se ainda há espaço para grandes avanços técnico-científicos no setor de revenda de combustíveis, e se os lucros do setor estão, de alguma forma, traduzindo-se em
  • 44. Argumentação jurídica e direito antitruste: análise de casos Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 14 n. 102 Fev./Mai. 2012 p. 13 a 44 42 novos ganhos de eficiência. Acreditamos que a resposta a essa pergunta influencia na ponderação dos valores envolvidos numa decisão de intervir nesse mercado, na medida em que mitiga o peso da livre iniciativa na equação, autorizando a interven- ção do Estado pelo Poder Judiciário. Como já vimos no caso de Jaboticabal, tal intervenção pode se mostrar frutífera, sem a necessidade de uma ingerência demasiada no setor privado da economia, mas seguindo uma lógica simplesmente fiscalizadora e sancionadora. 6 Referências ARISTÓTELES.Tópicos.Introdução,Trad. e Notas Miguel Sanmartín. Madrid: Gredos, 1982. ATIENZA, Manuel. As razões do direito: teorias da argumentação jurídica. Trad. Maria Cristina Guimarães Cupertino. São Paulo: Landy Editora, 2006. BRASIL. Combate a Cartéis na Revenda de Combustíveis. Secretaria de Direito Econômico, Ministério da Justiça, 1. ed. 2009. Disponível em: http://portal.mj.gov. br/main.asp?Team=%7BDA2BE05D-37BA-4EF3-8B55-1EBF0EB9E143%7D. Aces- so em: 16 de novembro de 2011. ________. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Processo administrativo no 08000.015337/1997-48. 1. Representação contra as empresas Cosipa, Usiminas e CSN por prática de cartel na comercialização de aço comum. 2. Infração prevista no artigo 20, I c/c artigo 21, I da Lei no 8.884/94. [...] 4. Conduta de cartel configurada: paralelismo de conduta sem explicação racional do ponto de vista econômico e reu- nião entre os concorrentes anterior ao efetivo aumento de preços.Representantes: SDE “Ex Offício”. Representadas: Usinas Siderúrgicas de Minas Gerais – USIMINAS, Cia Siderúrgica Paulista–COSIPA, Cia Siderúrgica Nacional–CSN. Conselheiro Rela- tor: Ruy Afonso de Santa-cruz Lima. Julgado em 27 de outubro de 1999. Disponível em: http://www.cade.gov.br. Acesso em: 16 de novembro de 2011. ________. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Processo administrativo no 08012.005545/1999-16. Processo Administrativo. Denúncia de formação de Car- tel. Mercado de postos de combustíveis em Blumenau/SC. Indícios insuficientes. Ausência de prova direta. Arquivamento. Representantes: Comissão Parlemantar Ex- terna da Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina. Procon do Município de Blumenau/SC. Representadas: Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo de Blumenau – Sinpeb e outros. Julgado em: 28 de abril de 2010. Disponí- vel em: http://www.cade.gov.br/. Acesso em: 16 de novembro de 2011. ________. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Resolução no 53, de 16 de setembro de 2009 - Cria o Departamento de Estudos Econômicos (DEE). Disponível em http://www.cade.gov.br. Acesso em: 23 de novembro de 2011.
  • 45. Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 14 n. 102 Fev./Mai. 2012 p. 13 a 44 Claudia Rosane Roesler - Pedro Santos Tavares da Silva 43 ________. Defesa da Concorrência no Judiciário. Secretaria de Direito Econômico, Ministério da Justiça, 1. ed. 2010. Disponível em: http://portal.mj.gov.br/main. asp?Team=%7BDA2BE05D-37BA-4EF3-8B55-1EBF0EB9E143%7D. Acesso em: 16 de novembro de 2011. ________. Lei no 8.884, de 11 de junho de 1994. Transforma o Conselho Adminis- trativo de Defesa Econômica (CADE) em Autarquia, dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica e dá outras providências. Dispo- nível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8884.htm. Acesso em: 16 de novembro de 2011. ________. Tribunal de Justiça de São Paulo. 1ª. Vara Cumulativa de Jaboticabal. Ação Civil Pública, processo no 291.01.2006.000904-1. Sentença. Ação Civil Pública. Pos- tos de combustíveis. Formação de Cartel. Preços idênticos ou muito próximos duran- te longo período. Caracterização. Procedência da ação. Condenação ao pagamento de indenização por danos morais.Requerente: Ministério Público do Estado De São Paulo. Requeridos: Auto posto S. Gomes ltda e outros. Juíza Carmen Silvia Alves. Jul- gamento 20 de maio de 2008. Disponível em: http://www.tjsp.jus.br. Acesso em: 16 de novembro de 2011. ________. TribunalRegionalFederalda1ªRegião. ApelaçãoCível8688.20.00.401340- 0/DF. Administrativo. Cade. Processo administrativo. Imposição de multas e publi- cação em jornais do extrato da decisão. Lei no 8.884/94. Paralelismo de conduta. Cartel. Acordo de preços. Enganosidade. Apelante: Usinas Siderurgicas de Minas Ge- rais USIMINAS. Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE. Apelados: os mesmos. Sétima Turma, julgado em 14 de junho de 2010, Relatora: Desembargado- ra Federal Maria Isabel Gallotti Rodrigues. Disponível em: http://www.trf1.jus.br. Acesso em: 16 de novembro de 2011. FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1998. MACCORMICK, Neil. Retórica e o Estado de Direito. Trad. Conrado Hübner Mendes. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. NUNES, Clemens; GOMES, Cleomar. Aspectos concorrenciais do varejo de combus- tíveis no Brasil. In: Encontro Nacional de Economia, 33, 2005, Natal – RN. Anais. Brasília: ANPEC, 2005. RAGAZZO, Carlos Emmanuel Joppert; DA SILVA, Rutelly Marques. Documento de Tra- balho no 40 - Aspectos econômicos e jurídicos sobre cartéis na revenda de combus- tíveis: uma agenda para investigações. SEAE/MF, 2006. SALOMAO FILHO, Calixto. Direito concorrencial: as condutas. 1. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
  • 46. Argumentação jurídica e direito antitruste: análise de casos Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 14 n. 102 Fev./Mai. 2012 p. 13 a 44 44 TOULMIN, Stephen. Os usos do argumento. Trad. Reinaldo Guarany. São Paulo: Mar- tins Fontes, 2001. TRIBUNA REGIÃO. Disponível em: www.tribunaregiao.com.br. Acesso em: 14 de fevereiro de 2012.