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Valorização energética do biogás produzido em ETARs do
Grupo Águas de Portugal
Daniel Runa Soares Esteves
Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em
Engenharia Mecânica
Orientadores: Prof. António Luís Nobre Moreira
Dr. Patrícia de Carvalho Baptista
Júri
Presidente: Prof. Edgar Caetano Fernandes
Orientador: Dr. Patrícia de Carvalho Baptista
Vogal: Dr. Rui Pedro da Costa Neto
Junho 2019
2
3
Agradecimentos
Este estudo apenas foi possível através da cooperação entre as empresas GALP e Águas de Portugal,
as quais me proporcionaram a oportunidade de escrever esta dissertação para obtenção de grau de
mestre, através do programa GALP21. A elas o meu muito obrigado.
Gostaria também de deixar um agradecimento ao Professor António Moreira do Instituto Superior
Técnico (IST) por me ter proposto este estudo e à Investigadora Patrícia Baptista, também do IST, que
me acompanhou ao longo de todo o percurso. Agradeço também à equipa de engenharia das Águas
de Portugal, em particular ao engenheiro Miguel Águas, os quais me integraram na sua equipa e
providenciaram todos os recursos necessários à elaboração deste estudo.
Finalmente, a todos os que estiveram ao meu lado durante o meu percurso académico, aos meus
amigos e amigas e à minha família; a eles estarei eternamente grato. Sem vocês não teria conseguido.
Obrigado.
4
Resumo
Com o aumento da população global e da urbanização das nossas cidades é expectável que comece
a existir escassez dos nossos principais recursos energéticos, bem como um aumento da poluição
atmosférica associado ao uso de combustíveis fósseis. Paralelamente, cresce a necessidade de tratar
cada vez mais resíduos urbanos o que envolve gastos energéticos consideráveis.
Consequentemente, este estudo centrou-se em nove ETARs do grupo Águas de Portugal e teve por
objetivo otimizar a produção elétrica a partir do biogás produzido, resultante do tratamento das águas
residuais. Para isso as instalações foram avaliadas e diagnosticadas com base em visitas presenciais.
Seguidamente foram calculadas as necessidades térmicas de cada instalação e ainda o potencial de
melhoramento de produção elétrica. Foi avaliado o cenário de trocar os cogeradores de modo a
melhorar o funcionamento do sistema produtivo.
A avaliação da substituição dos nove cogeradores (através de um investimento de 1,65 milhões de
euros) aponta para uma poupança adicional no consumo elétrico de cerca de 1,24 milhões de euros
por ano e uma redução nas emissões de CO2 na ordem das 3 700 toneladas por ano. Estes resultados
foram avaliados quanto à sua sensibilidade perante variações de alguns pressupostos assumidos por
este estudo.
O potencial de aproveitamento energético do biogás resultante do tratamento das águas residuais é
considerável, como evidenciado pelos resultados, mas ainda existe muito a melhorar num sistema
como este, nomeadamente a compreensão e otimização do processo biológico da digestão anaeróbia
e a utilização de equipamentos mais modernos (e, portanto, mais eficientes).
Palavras-Chave: Cogeração; Biogás; Tratamento de águas Residuais.
5
Abstract
With the increasing global population together with high rates of urbanization, a shortage of our main
energy resources should be expected, as well as an increase in air pollution associated with the use of
fossil fuels. Parallel to this is also growing the need to treat more urban waste, which involves
considerable energy costs.
Consequently, this study focused on nine wastewater treatment plants belonging to Águas de Portugal
group and its objective was to optimize the electricity production from the biogas produced as a result
of wastewater treatment. For this, the facilities were evaluated and diagnosed based on on-site visits.
Next, the thermal needs of each facility were calculated as well as the potential for improvement of each
installation in terms of its electrical production. The scenario of changing cogenerators was evaluated
to improve the efficiency of the production system.
The evaluation of replacing nine cogenerators (through an investment of 1,65 million euros) points to an
annual saving in electricity consumption of around 1,24 million euros as well as a reduction in CO2
emissions on the order of 3 700 tons per year. These results were evaluated for their sensitivity regarding
any variations of some assumptions taken by this study.
The biogas energy potential resulting from wastewater treatment is considerable, as evidenced by the
results, but there is still much to improve in such a system, namely understanding and optimizing the
biological process of anaerobic digestion and the use of more modern equipment (and, therefore, more
efficient).
Keywords: Cogeneration; Biogas; Wastewater Treatment.
6
Índice
1. Introdução................................................................................................................................11
1.1. Motivação e Enquadramento ...........................................................................................11
1.2. Objetivos .........................................................................................................................15
1.3. Estrutura da tese .............................................................................................................15
2. Revisão Bibliográfica ..............................................................................................................16
2.1. Ciclo da Água..................................................................................................................16
2.2. Produção de Biogás ........................................................................................................18
2.3. Aproveitamento Energético do Biogás .............................................................................19
2.4. Eficiência Energética no Tratamento de Águas Residuais................................................23
3. Metodologia.............................................................................................................................27
3.1. Descrição do caso de estudo: Águas de Portugal ............................................................27
3.1.1. Matriz de Incidências...........................................................................................29
3.1.2. Balanço Energético .............................................................................................31
3.1.3. Potencial Económico...........................................................................................33
3.2. Proposta de melhoria.......................................................................................................34
3.3. Análise de variáveis mais influentes.................................................................................35
4. Resultados e discussão..........................................................................................................37
4.1. Análise da caracterização das ETARs .............................................................................37
4.1.1. Matriz de incidências...........................................................................................37
4.1.2. Balanço Energético .............................................................................................39
4.1.3. Potencial Económico...........................................................................................40
4.2. Dimensionamento da potência de cogeração...................................................................41
4.3. Análise de variáveis mais influentes.................................................................................46
5. Conclusões e trabalho futuro .................................................................................................51
6. Bibliografia ..............................................................................................................................53
7. Anexos.....................................................................................................................................57
7
8
Lista de Figuras
Figura 1 - Evolução da dependência energética de Portugal [3] ........................................................11
Figura 2 - Distribuição de energia primária em Portugal [3]................................................................12
Figura 3 - Distribuição do consumo de energia final em Portugal, 2016 [3] ........................................13
Figura 4 - Ciclo da Água (adaptado de [15]) ......................................................................................17
Figura 5 - Esquema de funcionamento de uma ETAR (Adaptado de [15]) .........................................18
Figura 6 - Rendimento elétrico motor ciclo Diesel (CI engine) vs. motor ciclo Otto (SI engine) [26] ....21
Figura 7 - Instalação típica de cogeração [18] ...................................................................................21
Figura 8 - Esquema da instalação do circuito de biogás ....................................................................22
Figura 9 - Matriz de Incidências.........................................................................................................37
Figura 10 - Estudo dimensionamento da potência de cogeração para a ETAR de Beirolas................44
Figura 11 - Estudo dimensionamento da potência de cogeração para a ETAR de Frielas..................44
Figura 12 - Variação na produção de biogás ao longo do ano de 2017..............................................45
Figura 13 - Análise da sensibilidade dos resultados quanto a variações da produção específica de
biogás na ETAR de Beirolas .............................................................................................................46
Figura 14 - Análise da sensibilidade dos resultados quanto a variações da produção específica de
biogás na ETAR de Frielas ...............................................................................................................47
Figura 15 - Análise da sensibilidade dos resultados quanto a variações do preço da eletricidade na
ETAR de Beirolas .............................................................................................................................48
Figura 16 - Análise da sensibilidade dos resultados quanto a variações do preço da eletricidade na
ETAR de Frielas ...............................................................................................................................48
Figura 17 - Análise da sensibilidade dos resultados quanto a variações da percentagem de biogás
utilizado na ETAR de Beirolas...........................................................................................................49
Figura 18 - Análise da sensibilidade dos resultados quanto a variações da percentagem de biogás
utilizado na ETAR de Frielas.............................................................................................................50
Figura 19 - Constantes utilizadas ......................................................................................................57
Figura 20 - Estudo dimensionamento da potência de cogeração para a ETAR de Chelas..................57
Figura 21 - Estudo dimensionamento da potência de cogeração para a ETAR de S. João da Talha ..58
Figura 22 - Estudo dimensionamento da potência de cogeração para a ETAR de V. Franca de Xira .58
Figura 23 - Estudo dimensionamento da potência de cogeração para a ETAR de Barreiro/Moita.......59
9
Figura 24 - Estudo dimensionamento da potência de cogeração para a ETAR de Quinta do Conde..59
Figura 25 - Estudo dimensionamento da potência de cogeração para a ETAR de Sesimbra..............60
Figura 26 - Estudo dimensionamento da potência de cogeração para a ETAR de Seixal...................60
Figura 27 - Análise de sensibilidade de Chelas (1/3) .........................................................................61
Figura 28 - Análise de sensibilidade de Chelas (2/3) .........................................................................61
Figura 29 - Análise de sensibilidade de Chelas (3/3) .........................................................................62
Figura 30 - Análise de sensibilidade de SJTalha (2/3) .......................................................................62
Figura 31 - Análise de sensibilidade de SJTalha (3/3) .......................................................................63
Figura 32 - Análise de sensibilidade de VFXira (1/3) .........................................................................63
Figura 33 - Análise de sensibilidade de VFXira (2/3) ........................................................................64
Figura 34 - Análise de sensibilidade de VFXira (3/3) ........................................................................64
Figura 35 - Análise de sensibilidade de BarreiroM (1/3).....................................................................65
Figura 36 - Análise de sensibilidade de BarreiroM (2/3).....................................................................65
Figura 37- Análise de sensibilidade de BarreiroM (3/3)......................................................................66
Figura 38 - Análise de sensibilidade de QConde (1/3) .......................................................................67
Figura 39 - Análise de sensibilidade de QConde (2/3) .......................................................................67
Figura 40 - Análise de sensibilidade de QConde (3/3) .......................................................................68
Figura 41 - Análise de sensibilidade de Sesimbra (1/3) .....................................................................68
Figura 42 - Análise de sensibilidade de Sesimbra (2/3) .....................................................................69
Figura 43 - Análise de sensibilidade de Sesimbra (3/3) .....................................................................69
Figura 44 - Análise de sensibilidade de Seixal (1/3)...........................................................................70
Figura 45 - Análise de sensibilidade de Seixal (2/3)...........................................................................70
Figura 46- Análise de sensibilidade de Seixal (3/3)............................................................................71
10
Índice de Tabelas
Tabela 1 - ETARs selecionadas ........................................................................................................27
Tabela 2 - Sustentabilidade Energética ETARs .................................................................................28
Tabela 3 - Dados de produção de biogás e eletricidade em 2017......................................................28
Tabela 4 - Temperatura média anual DA (2017)................................................................................31
Tabela 5 - Balanço Energético para o ano de 2017 ...........................................................................39
Tabela 6 - Potencial Económico 2017 ...............................................................................................41
Tabela 7- Potência média de cogeração ...........................................................................................42
Tabela 8 - Potência para menor PRI .................................................................................................42
Tabela 9 - Potência para queimar 95% do biogás produzido .............................................................43
Tabela 10 – Resultados do estudo de dimensionamento da potência de cogeração..........................45
Tabela 11 - Sustentabilidade Energética ...........................................................................................46
Lista de Acrónimos
AdP – Águas de Portugal
DA – Digestor Anaeróbio
DGEG – Direção Geral de Energia e Geologia
ETA – Estação de Tratamento de Águas
ETAR – Estação de Tratamento de Águas Residuais
GEE – Gases Efeito Estufa
HVAC – Aquecimento, Ventilação e Ar Condicionado (Heating, Ventilation and Air Conditioning)
LM – Lamas Mistas
PEPE – Plano de Eficiência e Produção de Energia
PRI – Período de Retorno do Investimento
SGCIE – Sistema de Gestão dos Consumos Intensivos de Energia
TEP – Toneladas Equivalentes de Petróleo
11
1. INTRODUÇÃO
1.1. MOTIVAÇÃO E ENQUADRAMENTO
Com o aumento do consumo de energia primária que se tem registado ao longo dos últimos anos tem-
se observado uma preocupação crescente com a sustentabilidade ecológica e económica das fontes
de energia da nossa civilização. É inevitável que com o aumento da população global, e com o
crescimento de economias em desenvolvimento (como por exemplo na China ou na Índia), a
necessidade energética global continue a aumentar. Estima-se que em 2035 a exigência energética
dos países em desenvolvimento atinja quase o dobro da dos países desenvolvidos, sendo que este
aumento deverá ser suportado maioritariamente por fontes de energia fóssil [1].
O uso de combustíveis fósseis continua a ser essencial para a vida quotidiana e para o desenvolvimento
da tecnologia, mas a sua utilização resulta na emissão de gases de efeito de estufa (GEE) que
contribuem para o aquecimento global, associado às alterações climáticas no nosso planeta [2]. Isto,
aliado ao facto de as reservas destes combustíveis serem limitadas e de, como já referido
anteriormente, o consumo de energia primária estar a aumentar, sugere que se invista em fontes de
energia mais sustentáveis.
Em Portugal têm sido feitos esforços para se investir em diferentes formas de energia, nomeadamente
no gás natural e nas energias renováveis, levando a uma diminuição da dependência energética do
mercado exterior e a um decréscimo no consumo do petróleo (Figura 1 e Figura 2 respetivamente).
Figura 1 - Evolução da dependência energética de Portugal entre 1996 e 2016 [3]
12
Figura 2 - Distribuição de consumo de energia primária em Portugal em 2007 e 2016 [3]
Este decréscimo de 7,5% na dependência energética e redução de 12% no peso do petróleo na energia
primária registados entre o ano de 2007 e 2016 são resultados importantes para Portugal por se tratar
de um país com escassos recursos fósseis, colocando-o numa posição frágil face ao mercado de
energia exterior, cujos preços se encontram em constante flutuação.
Ainda assim é necessário que se continue esta aposta em energias renováveis para que a dependência
energética e a pegada ecológica do país continuem a diminuir. Apesar destas energias terem registado
uma subida de 7% no peso da distribuição de energia primária em Portugal entre o ano de 2007 e 2016
(Figura 2), continuam muito aquém do peso que tem o petróleo, implicando que continuemos a importar
grande parte da energia que necessitamos.
Paralelamente a este acréscimo na exploração de energias renováveis é também importante que se
invista em medidas de melhoria de eficiência energética, uma vez que a melhor forma de reduzir custos
e emissões associados ao uso de energia é reduzir a sua produção/consumo.
Para o efeito, foi criada em 2008 a regulamentação do SGCIE – Sistema de Gestão dos Consumos
Intensivos de Energia – através da publicação do Decreto-Lei nº 71/2008, de 15 de abril, que abrange
instalações com consumos energéticos superiores a 500 tep/ano (tep – toneladas equivalentes de
petróleo), com o objetivo de melhorar a sua eficiência energética e monitorizar os consumos
energéticos. Esta regulamentação prevê que, periodicamente, estas instalações realizem auditorias
energéticas às condições de utilização de energia e promovam o aumento de eficiência energética,
tentando implementar formas de energia renovável sempre que possível [4].
Foi ainda apresentado, em março de 2010, o programa da comissão europeia “Europa 2020”, no qual
foram estabelecidas metas energéticas que os seus estados membros têm de cumprir até ao final do
ano de 2020. Para o caso de Portugal, foi estabelecido que até ao final do programa as emissões de
GEE não poderão aumentar mais de 1% do seu valor atual, a percentagem de energias renováveis no
consumo de energia final deverá atingir os 31% e ainda que a eficiência energética do consumo de
energia primária deverá registar uma melhoria de 20% em relação ao ano de 2005 [5].
A distribuição do consumo de energia final em Portugal respeitante ao ano de 2016 está representada
na Figura 3. Observa-se que grande parte do consumo do país provém dos setores da indústria e dos
transportes, que juntos representam cerca de 68% do consumo de energia final [3]. Isto aponta para
13
que se promova a melhoria da eficiência energética junto destes setores de forma a aumentar a
sustentabilidade energética de Portugal.
Figura 3 - Distribuição do consumo de energia final em Portugal, 2016 [3]
A indústria em Portugal é responsável por cerca 31% do consumo de energia final do país. Nesta fatia
encontra-se o consumo energético associado ao tratamento de águas residuais, um processo essencial
de um ponto de vista ecológico, mas dispendioso em termos energéticos. O gasto energético específico
a cada instalação de tratamento pode tomar uma grande gama de valores consoante os tratamentos
empregues, qualidade de afluente, tecnologias de tratamento e até da experiência da equipa técnica
mas, geralmente, situa-se entre os 0.079 a 1.122 kWh por metro cúbico de afluente tratado [6].
Com o aumento da população global juntamente com a constante urbanização de território é inevitável
que este processo tenda a exigir gastos de energia cada vez maiores, apresentando atualmente um
consumo equivalente a 7% do consumo de eletricidade a nível mundial [7].
Em Portugal, o fornecimento de água e consequente tratamento das águas residuais é da
responsabilidade das Águas de Portugal (AdP). Com um consumo anual elétrico de cerca de 700 GWh,
as AdP são responsáveis por cerca de 1,4% do consumo nacional, posicionando-se entre os cinco
maiores consumidores do país [8]. De acordo com o artigo “A energia no setor da água”, de autoria das
AdP, os gastos energéticos com o tratamento da água residual representam cerca de 33% do consumo
da empresa [9].
Num esforço de tentar diminuir os custos de operação, as AdP lançaram no ano de 2017 o projeto
PEPE (Plano de Eficiência e Produção de Energia). Esta iniciativa visa um plano de investimento de 18
milhões de euros em energias renováveis até 2020 numa tentativa de aumentar a atual produção
elétrica de 24,4 Gigawatt-hora (GWh) para 50 GWh [10].
A atual produção elétrica das AdP, ainda que se espere que venha a duplicar com este investimento,
continuará a permanecer muito abaixo do consumo atual do grupo, impossibilitando uma operação
autossustentável nas suas infraestruturas. No entanto, a análise de literatura indica que é possível
tornar o processo de tratamento de águas residuais energeticamente autossuficiente, apesar de para
14
isso ser necessário um investimento relativamente alto e uma aposta em eficiência energética [11].
Exemplo disso é o caso da estação de tratamento de água residual (ETAR) da Guia no distrito de
Lisboa, a maior do país e a primeira onde, em 2017, se atingiu em pleno a autossustentabilidade
energética, permitindo alcançar uma poupança de cerca de um milhão de euros bem como uma
redução de seis mil toneladas de emissões de dióxido de carbono que teriam sido libertadas para a
atmosfera caso se tivesse produzido a eletricidade que foi poupada. Isto só se tornou possível através
de medidas de poupança energética e de uma aposta na otimização do processo de cogeração, que
permite produzir eletricidade a partir do poder calorífico do biogás resultante do tratamento das águas
residuais [12].
Existem inúmeros exemplos de instalações de tratamento de águas residuais a nível mundial que já
alcançaram a neutralidade energética ou outras que para lá caminham.
De Aarhus, na Dinamarca, chega-nos o exemplo da estação de tratamento de Marseliborg, onde ao
longo dos últimos 10 anos tem-se investido na eficiência energética do tratamento e na otimização de
produção de biogás de modo a alcançar a neutralidade energética. Aqui, não só foi possível alcançar
a neutralidade energética como também conseguiram um excesso de produção de 53% de energia.
Para tal, consolidaram as 14 estações de tratamento que existiam em apenas 4, uma vez que se revela
mais eficiente tratar as águas residuais em estações com maior capacidade. Ao mesmo tempo, diminui-
se também custos de operação e de manutenção. Para além desta medida, foram também estudadas
todas as fases de tratamento de modo a melhorar a eficiência de tratamento sempre que possível. Uma
das medidas que se revelou mais eficazes foi a substituição dos três compressores de arejamento
responsáveis pela desodorização por apenas um mais eficiente, o que permitiu uma redução no
consumo de cerca de 300,000 kWh por ano [13].
De acordo com o estudo intitulado “The feasibility and challenges of energy self-sufficient wastewater
treatment plants” de 2017, o autor conclui que apesar de existirem alguns desafios a superar aquando
o projeto da instalação de tratamento é definitivamente possível alcançar a neutralidade energética,
ainda que para isso possa ser necessário combinar várias formas de energia renovável (eólica, solar,
hídrica). É também referido neste estudo a importância de aumentar o volume tratado na instalação de
modo a baixar o consumo específico por volume de afluente tratado [14].
Posto isto, é evidente que se deve tentar caminhar para a neutralidade energética numa ETAR com
vista a reduzir a sua fatura energética e consequentemente reduzir as emissões associadas ao
processo de produção de eletricidade a partir de fontes não renováveis. Tal só será possível se houver
uma aposta na produção de energias renováveis e na promoção da eficiência energética.
15
1.2. OBJETIVOS
Neste contexto, esta dissertação teve como objetivo a avaliação do aproveitamento energético do
biogás produzido nas infraestruturas da AdP de forma a melhorar a sustentabilidade energética do
processo de tratamento das águas residuais, partindo de uma análise detalhada da situação atual que
teve por base os valores de produção do ano de 2017. Para isso foram definidos os seguintes passos:
• Avaliação qualitativa e quantitativa das condições de operação das infraestruturas e dos
diversos componentes do sistema de aproveitamento energético do biogás através de visitas
às instalações das AdP;
• Processamento e análise dos dados de produção de biogás e eletricidade respeitantes a cada
uma das ETARs;
• Criação de propostas de melhoria com vista a melhorar a valorização energética do biogás.
Este estudo focou-se em nove das vinte e sete ETARs do grupo AdP que exploram o potencial
energético do biogás a nível nacional. Estas nove instalações foram escolhidas tendo por base a sua
localização geográfica, a qual compreende a região imediatamente a norte e a sul do Tejo. A sua
proximidade à sede das AdP (Lisboa) facilitou as visitas e recolha de dados.
1.3. ESTRUTURA DA TESE
A presente tese foi dividida em 5 capítulos, sendo que o atual tem como propósito introduzir o tema
deste estudo. No capítulo 2 faz-se uma revisão bibliográfica onde se apresentam conclusões e soluções
de outros estudos sobre os processos e tecnologias referentes ao tema da dissertação. No capítulo 3
é apresentado o caso de estudo da tese e descrevem-se quais os procedimentos realizados em cada
passo da sua caracterização. No capítulo seguinte (4º capítulo) podem-se consultar os resultados tanto
da caracterização do caso de estudo como da proposta de valor desta tese, bem como os resultados
da análise de sensibilidade dos resultados. Finalmente, no capítulo 5, discutem-se os resultados obtidos
e apresentam-se algumas sugestões relativas a trabalho futuro.
16
2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
O capítulo atual tem como propósito introduzir os principais conceitos associados ao tema da presente
dissertação. Em primeiro lugar discute-se o percurso que a água toma desde que é captada até ser
novamente devolvida ao meio hídrico, bem como os tratamentos a que é sujeita numa ETAR e como é
que estes processos produzem biogás a partir das águas residuais. De seguida explica-se no que
consiste o processo de produção de biogás e quais os principais fatores que afetam este processo.
Finalmente, esclarece-se o que se entende por cogeração, e como esta é aplicada ao caso específico
das ETARs, apresentando as diferentes tecnologias para isso usadas.
2.1. CICLO DA ÁGUA
O processo de abastecimento de água potável e consequente recolha e tratamento desta água (águas
residuais), também conhecido como o ciclo da água, é uma atividade essencial para a sociedade. Para
que este processo ocorra é, no entanto, necessário incorrer em gastos de energia, que certamente irão
aumentar com o aumento de população (encarecendo o processo).
É também essencial pensar na rejeição das águas recolhidas de forma a minimizar o impacto que esta
atividade possa ter para o meio ambiente. A libertação de águas contaminadas pode dizimar
ecossistemas, seja através de químicos tóxicos à vida ou de um excesso de carga orgânica que poderá
vir a induzir um boom de algas no meio hídrico, reduzindo o oxigénio dissolvido e asfixiando a vida que
lá habita. Também a saúde pública poderá vir a ser comprometida caso exista contaminação de cursos
de água destinados ao consumo humano. O tratamento necessário é dispendioso em termos
energéticos, mas, como se discute mais tarde neste trabalho, potencia a produção de energia on-site,
permitido melhorar a sustentabilidade do processo.
O ciclo da água pode ser separado em duas partes; na primeira, que ocorre numa estação de
tratamento de água (ETA), a água é captada de um meio hídrico, como por exemplo uma barragem, e
é tratada antes de ser enviada para consumo; na segunda, a água é recolhida após uso (cerca de 93%
da água captada inicialmente é recolhida) e enviada para a ETAR onde é tratada por processos
químicos, mecânicos e biológicos antes de serem devolvidas ao meio ambiente, ou utilizada para fins
como rega de espaços públicos ou para agricultura [15].
17
Figura 4 - Ciclo da Água (adaptado de [15])
Os processos de tratamento específicos empregues em cada ETAR podem variar conforme o tipo de
afluentes (domésticos, industriais ou urbanos) que lá chegam, mas fundamentalmente podem ser
divididos nas seguintes etapas, consoante a fase (líquida, sólida ou gasosa) [16]:
• Tratamento da fase líquida
• Pré-tratamento
Processos de remoção de sólidos de maiores dimensões que poderiam danificar os
equipamentos da estação a jusante;
• Tratamento primário
Separação da fase sólida da líquida através da remoção parcial de sólidos suspensos e de
matéria orgânica sedimentável;
• Tratamento secundário
Remoção da maioria da matéria orgânica por processos biológicos (tratamento aeróbio e
anaeróbio) seguidos de processos físico-químicos em decantadores secundários;
• Tratamento terciário
Processos complementares que visam aprimorar o tratamento, a fim de atingir uma maior
percentagem de remoção de sólidos suspensos residuais, nutrientes ou outros compostos
tóxicos bem como remoção de organismos patogénicos.
• Tratamento da fase sólida
Estabilização das lamas e redução do seu volume (desidratação) sendo depois
condicionadas e armazenadas para transporte;
• Tratamento da fase gasosa
18
Tratamento de odores e possível cogeração de biogás.
As lamas resultantes do tratamento primário (lamas primárias) e secundário (lamas secundárias) são
enviadas para a linha de tratamento de lamas onde são misturadas (criando as lamas mistas, ou LM)
sendo posteriormente redirecionadas para reservatórios privados de oxigénio, conhecidos por
digestores anaeróbios (DA), onde são digeridas por microrganismos anaeróbios. A digestão anaeróbia
revela-se essencial no tratamento das lamas, reduzindo o seu conteúdo sólido e neutralizando a maioria
dos agentes patogénicos presentes [17]. Um dos produtos que resulta desta digestão é o biogás. Na
Figura 5 pode observar-se, ainda que de forma esquemática e generalizada, o esquema de
funcionamento de uma ETAR.
Figura 5 - Esquema de funcionamento de uma ETAR (Adaptado de [15])
2.2. PRODUÇÃO DE BIOGÁS
O biogás produzido no tratamento de águas residuais resulta da digestão anaeróbia, um processo
bioquímico que ocorre na ausência de oxigénio no qual vários tipos de microrganismos anaeróbios
(bactérias) decompõem compostos orgânicos complexos, transformando-os em componentes mais
simples [18]. Por ser um processo biológico, a digestão anaeróbia depende de vários fatores como o
tipo e a concentração da matéria orgânica, temperatura, humidade, pH, entre outros. [19]
De entre os fatores referidos anteriormente, a temperatura a que se encontra o DA revela-se como um
dos mais importantes, uma vez que temperaturas demasiado baixas podem impossibilitar o processo
devido a uma redução na taxa de crescimento dos microrganismos e, por outro lado, temperaturas
demasiado altas podem provocar uma redução da biomassa disponível ou aumentar a concentração
de amónia que suprime a atividade metanogénica. É também importante tentar manter uma
temperatura constante no DA uma vez que variações superiores a 1ºC/dia podem inviabilizar o
processo [19].
19
Existem três gamas de temperatura para o DA onde é possível a produção de biogás, sendo elas a
psicrófila (abaixo de 25ºC), a mesófila (25ºC a 45ºC) e a termófila (45ºC a 70ºC) [18]. O regime mais
frequentemente encontrado nas instalações de produção de biogás é o mesófilo [20], sendo que a
melhor temperatura de operação deste regime ronda os 35ºC durante um período de digestão de cerca
de dezoito dias [19].
A composição do biogás depende das condições de digestão anaeróbia e do tipo de afluente que lhe
deu origem mas, de um modo geral, é constituído por metano, dióxido de carbono e outros compostos
em menor quantidade tais como o sulfeto de hidrogénio, amónia, azoto, entre outros [18].
No caso de uma ETAR, onde o biogás proveio de lamas, é maioritariamente composto por metano
(CH4, 60% a 75%) e dióxido de carbono (CO2, 19% a 33%) [21]. Ambos os gases referidos
anteriormente são considerados GEE (o metano é cerca de trinta vezes mais nocivo que o dióxido de
carbono na capacidade de GEE [22]). Torna-se então necessário queimar o biogás de forma a
neutralizar o metano, que é libertado como dióxido de carbono e água (H2O) segundo a reação seguinte
[23]:
CH4 + 2 O2 ⟶ CO2 + 2 H2O (1)
Todas as ETARs pertencentes à AdP com um sistema de digestão anaeróbia estão equipadas com
uma tocha para queimar o biogás. As que servem uma população superior a cem mil habitantes, e têm,
portanto, uma maior produção de biogás, foram equipadas com um sistema de modo a produzir
eletricidade a partir do poder calorífico do biogás e a aproveitar o calor da combustão que seria
desperdiçado para aquecer o digestor à temperatura ideal de digestão por parte dos microrganismos
mesofílicos que lá habitam.
De referir ainda que este processo é considerado uma fonte de energia renovável, uma vez que a
matéria orgânica transformada em biogás provem de resíduos orgânicos que todos os dias são
produzidos (matéria vegetal, agricultura, pecuária…), ao contrário dos combustíveis fósseis, que não
se renovam suficientemente rápido para serem considerados renováveis na escala de vida humana.
2.3. APROVEITAMENTO ENERGÉTICO DO BIOGÁS
A produção de biogás nas ETARs possibilita o aproveitamento energético deste gás, sendo que o seu
poder calorífico pode ser de utilizado para produção de calor e eletricidade se comburido num motor
acoplado a um gerador e equipado com um sistema de recuperação de calor apropriado (cogerador).
Segundo o relatório de 2015 “State of the art of biogas and biomethane in Europe”, da autoria da
Associação Europeia do Biogás, existem cerca de 14 563 instalações na Europa equipadas com
20
sistemas de aproveitamento energético do biogás, totalizando uma potência instalada de 7 857 MW.
Estas instalações foram responsáveis por uma produção de 48,9 TWh (Terawatt-Hora) de eletricidade
e de 48,5 TWh de calor no ano de 2013 [24].
No entanto as necessidades térmicas de uma ETAR num país como Portugal, onde as temperaturas
atmosféricas são geralmente amenas, não são elevadas especialmente quando comparadas com
países nórdicos. Assim, torna-se mais relevante tentar otimizar a produção elétrica, permitindo
sustentabilizar economicamente o processo de tratamento de águas residuais [25].
Para tal, é necessário converter a energia química presente no biogás em energia elétrica e, para isso,
existem diferentes tecnologias disponíveis.
Na escolha da tecnologia é preciso ter em conta algumas especificações deste tipo de aproveitamento
energético. Em primeiro lugar, o combustível utilizado (biogás), apesar de passar por várias etapas de
purificação, continua a ter alguns contaminantes que podem impossibilitar a sua exploração energética
consoante a tecnologia escolhida. Em segundo lugar, deve-se garantir que a opção escolhida produz
calor suficiente para suprimir as necessidades energéticas do DA tentando ao mesmo tempo maximizar
a produção elétrica, de modo a melhorar a sustentabilidade energética do processo de tratamento das
águas residuais na ETAR.
Dependendo dos requisitos do projeto, a tecnologia adotada pode ser o motor alternativo (de ciclo
Diesel ou Otto) ou a turbina a gás sendo que a mais usada a nível mundial é, por uma grande margem,
a do motor alternativo, mais concretamente o motor de ciclo Diesel.
De um ponto de vista económico, o motor de ciclo Diesel costuma ser a melhor alternativa para explorar
o potencial energético do biogás uma vez que é mais resiliente à qualidade do combustível (presença
de contaminantes, teor de metano...) quando comparado com a turbina a gás (ou seja, é necessário
realizar mais etapas de purificação antes do biogás poder ser usado numa turbina a gás quando
comparado com um motor alternativo, encarecendo o processo); Apresenta ainda um rendimento
elétrico (𝜂𝑒𝑙é𝑡𝑟𝑖𝑐𝑜) mais elevado em relação ao motor de ciclo Otto como se pode observar na Figura 6,
mas existem outras alternativas como microturbinas que, dependendo das características da
instalação, podem revelar-se economicamente viáveis [26].
21
Figura 6 - Rendimento elétrico motor ciclo Diesel (CI engine) vs. motor ciclo Otto (SI engine) [26]
Efetivamente, todos as ETARs no país do grupo AdP que exploram o potencial energético do biogás
foram equipadas com motores alternativos. Estes motores operam num regime de cogeração, um tipo
de produção capaz de produzir eletricidade e calor útil ao mesmo tempo, permitindo obter rendimentos
globais da ordem dos 90% [27]. Na encontra-se representado, de forma esquemática, uma instalação
típica de produção elétrica com cogeração, usando biogás como combustível.
Figura 7 - Instalação típica de cogeração [18]
A entrada “Biomassa”, que neste caso representa as lamas mistas filtradas das águas residuais, é
enviada para o DA, onde microrganismos anaeróbios digerem a matéria orgânica, neutralizando-a e
22
reduzindo o conteúdo sólido das lamas. Tal como explicado no capítulo anterior, é durante este
processo que se forma o biogás. As lamas digeridas são removidas do digestor e são desidratadas
para serem usadas como fertilizante.
O biogás é recolhido por um sistema de condutas e sujeito a diversas etapas de purificação (remoção
de contaminantes prejudiciais ao aproveitamento energético) antes de poder ser enviado para queima
num motor acoplado a um gerador, de modo a produzir eletricidade. O calor da combustão que seria
desperdiçado através do líquido de arrefecimento do bloco do motor e dos gases de escape é
aproveitado com recurso a permutadores de calor, permitindo usá-lo para aquecer o DA.
Na Figura 8 encontra-se representado, a título de exemplo e de forma simplificada, o percurso do biogás
de uma das ETARs estudadas, juntamente com o circuito de aquecimento das lamas do DA. Cada cor
representa um circuito independente.
Figura 8 - Esquema da instalação do circuito de biogás
Os diferentes circuitos são descritos de seguida de acordo com a respetiva cor na Figura 8:
• Preto – Circuito que o biogás percorre desde os digestores, onde é produzido, até um dos
consumidores (tocha ou motor). O gasómetro consiste num reservatório com uma membrana
externa de volume fixo e uma membrana interna de volume variável; é o equipamento
responsável por manter o biogás a pressão constante e adequada à sua combustão. Serve
também para aumentar a capacidade de armazenamento de biogás;
• Vermelho – Circuito que o líquido de arrefecimento do bloco do motor percorre. Antes do seu
calor ser aproveitado para aquecer o digestor, o líquido passa por um permutador de calor de
gás/água (Permutador 1) onde poderá ser aquecido ainda mais usando o calor dos gases de
escape do motor;
23
• Cinzento – Circuito dos gases de escape, equipado com uma válvula de controlo de três vias,
permitindo optar entre aproveitar o calor dos gases num permutador de calor de gás/água
(Permutador 1), aumentando a temperatura do líquido de arrefecimento do motor, ou enviar os
gases diretamente para a chaminé;
• Verde – Circuito intermédio de água. Tem como função impedir a mistura das lamas com o
líquido de arrefecimento do bloco do motor, prevenindo avarias no caso de ocorrerem fugas
nos circuitos;
• Castanho – Circuito de recirculação de lamas. As lamas são retiradas dos digestores e
enviadas a um permutador de calor de lamas/água (Permutador 3 e 4) onde são aquecidas
usando a energia térmica libertada na combustão do biogás produzido nesses mesmos
digestores.
2.4. EFICIÊNCIA ENERGÉTICA NO TRATAMENTO DE
ÁGUAS RESIDUAIS
A melhor forma de reduzir os custos e emissões poluentes associados ao consumo de eletricidade de
qualquer processo é melhorar a sua eficiência energética. De um modo geral, os custos associados a
melhorias de eficiência energética são menores que os custos de produção, transporte e distribuição
de energia a partir de centrais elétricas.
Existem inúmeros estudos na literatura que demonstram a importância de melhorar a eficiência
energética no tratamento de águas residuais; O departamento de proteção ambiental dos EUA publicou
em 2013 o artigo “Energy Efficiency in Water and Wastewater Facilities” onde se explica como proceder
para melhorar a eficiência energética numa ETAR, enumerando as diversas vantagens desta melhoria
[28]:
• Redução da poluição atmosférica e emissões de GEE. Melhorar a eficiência energética das
ETARs permite reduzir o consumo de energia proveniente de fontes de energia fósseis;
• Redução dos custos energéticos. O tratamento de águas residuais requer gastos de energia
consideráveis, podendo atingir até 10% do orçamento de estado desse país. Reduzir os gastos
atuais permitirá continuar o investimento na eficiência energética do processo ou até de outras
áreas importantes da sociedade;
• Apoio do crescimento económico. Investir na eficiência energética de uma ETAR pode apoiar
o crescimento da economia local, criando postos de trabalho e aumentando a procura/oferta
de soluções de eficiência energética no mercado;
24
• Liderar pelo exemplo. Investir na promoção da eficiência energética pode demonstrar a
preocupação que certa entidade tem com a sustentabilidade ecológica do seu processo e
influenciar outros a seguir o seu exemplo;
• Prolongar a vida útil dos equipamentos. Os equipamentos mais modernos, de tecnologia mais
eficiente, têm, geralmente, uma vida útil mais longa e requerem menos manutenção que os
equipamentos mais antigos e desatualizados;
• Melhorar a segurança do abastecimento da água. Aumentar a eficiência energética no
tratamento da água reduz a necessidade de energia elétrica do processo, permitindo uma maior
segurança contra eventuais falhas no abastecimento de água durante períodos de consumo
elétrico acrescido;
• Proteger a saúde pública. O aumento da eficiência energética e consequente redução no
consumo de eletricidade pode vir a diminuir a poluição atmosférica e de meios hídricos causada
pelo uso de combustíveis fósseis nas centrais elétricas, resultando numa qualidade do ar
melhorada e em vários benefícios para a saúde.
De modo a facilitar a reprodução dos métodos usados, o artigo supracitado sugere que se divida a
abordagem em sete etapas que se apresentam de seguida (de forma resumida):
• “Get Ready” (Preparação). A primeira etapa passa por definir metas energéticas (sejam elas
qualitativas ou quantitativas) e obter/manter o apoio da gestão e corpo técnico ao longo do
processo;
• “Assess Current Energy Baseline Status” (Avaliar estado atual de energia). De seguida, o artigo
sugere que se faça um balanço energético ao sistema e que se identifique os componentes
que mais consomem energia ou que são mais ineficientes;
• “Establish an Energy Vision and Priorities for Improvement” (Estabelecer prioridades de
melhoria energética). Nesta etapa sugere-se que se identifique e avalie as oportunidades de
melhoria encontradas;
• “Identify Energy Objectives and Targets” (Identificar objetivos energéticos). Definir os objetivos
a alcançar com as oportunidades identificadas na etapa anterior;
• “Implement Energy Improvement Programs and Build a Management System to Support Them”
(Implementar soluções de melhoria energética e criar sistema de gestão que suporte as
medidas implementadas). Após as medidas a ser tomadas terem sido identificadas e avaliadas,
25
chega a altura de as implementar depois de serem autorizadas pela gestão. Será necessário
criar uma equipa de suporte ao processo de modo a manter o sistema a operar corretamente.
• “Monitor and Measure Results of the Energy Improvement Management Program” (Medir e
monitorizar os resultados das medidas aplicadas). Nesta etapa é sugerido que se reavalie o
que é atualmente monitorizado pela instalação e o que mais deve ser acrescentado à lista de
monitorização, que se desenvolva um plano de ação de modo a manter a eficiência energética
da instalação e que se avalie o progresso atual dos objetivos definidos inicialmente, tomando
ações corretivas se necessário;
• “Maintain the Energy Improvement Program” (Continuar com o programa de melhoria de
eficiência energética). Finalmente, será continuamente necessário rever e manter os objetivos
energéticos a par dos objetivos de negócio da empresa e expandir o envolvimento no programa
ao resto da força operária.
Seguidamente apresentam-se algumas medidas aplicadas em ETARs que visam a melhoria de
eficiência energética da instalação [29]:
• Substituição dos compressores de arejamento por turbocompressores 10% mais eficientes, de
tamanho mais reduzido e silenciosos que requerem menos manutenção e instalação de
injetores de ar energeticamente eficientes nos tanques de arejamento. Esta medida foi
implementada por um custo de $450,000 permitindo uma poupança anual de $53,000
(Missouri, EUA);
• Instalação de bombas de velocidade variável nos sistemas de bombeamento, o que custou
cerca de $1,200,000, traduzindo-se numa poupança anual de $300,000 (Massachusetts, EUA).
• Renovação do isolamento dos digestores e melhoria do sistema de HVAC e de recuperação
de calor, obtendo uma poupança anual de $335,000 através de um investimento de $425,000
(Massachusetts, EUA).
• A instalação de paneis fotovoltaicos, turbinas eólicas ou de pequenas centrais hídricas que
aproveitem a energia potencial dos afluentes são também soluções interessantes que podem
ajudar a reduzir o custo de operação de uma ETAR e melhorar a sua sustentabilidade.
Após a revisão da literatura é possível compreender melhor que melhorar um sistema de
aproveitamento energético de biogás não passa apenas por usar tecnologias mais avançadas, mas
sim pela observação e correção do comportamento do sistema. É claro que componentes mais
26
modernos, com rendimentos mais elevados, potenciam a produção de biogás, mas para isso é
necessário que o sistema já esteja a operar corretamente, tanto a nível biológico como mecânico.
27
3. METODOLOGIA
3.1. DESCRIÇÃO DO CASO DE ESTUDO: ÁGUAS DE
PORTUGAL
Este estudo foi desenvolvido no grupo de empresas AdP no âmbito do programa GALP21, um programa
da GALP S.A. que proporciona a vinte e um estudantes de engenharia do país de três faculdades
distintas a oportunidade de realizar um estágio empresarial num dos seus clientes (Águas de Portugal,
no caso desta dissertação) com vista a melhorar a sua eficiência energética [30].
Para este estudo foram selecionadas 9 ETARs do grupo AdP (conforme apresentado na Tabela 1) de
entre as 24 que estão equipadas com sistemas de aproveitamento energético do biogás num total de
990 distribuídas de norte a sul do país. As ETARS selecionadas são geridas pelas empresas Águas do
Tejo Atlântico (AdTA) e SIMARSUL, responsáveis pelo abastecimento e saneamento das águas na
margem norte e sul do rio Tejo, respetivamente. Na escolha das ETARs a incluir neste estudo foi
sobretudo tido em conta a proximidade das instalações do local onde foi desenvolvido o estágio (sede
da AdP – Lisboa), a conselho da equipa de engenharia da AdP.
Tabela 1 - ETARs selecionadas
ETAR Empresa
Beirolas AdTA
Chelas AdTA
Frielas AdTA
São João da Talha AdTA
Vila Franca Xira AdTA
Barreiro/Moita SIMARSUL
Quinta do Conde SIMARSUL
Sesimbra SIMARSUL
Seixal SIMARSUL
Nenhuma das ETARs abordadas neste estudado opera num regime energeticamente autossustentável,
como é possível observar na Tabela 2, uma vez que se verificam consumos superiores à produção
(𝑆𝑢𝑠𝑡𝑒𝑛𝑡𝑎𝑏𝑖𝑙𝑖𝑑𝑎𝑑𝑒 𝐸𝑛𝑒𝑟𝑔é𝑡𝑖𝑐𝑎 =
𝑃𝑟𝑜𝑑𝑢çã𝑜 𝑑𝑒 𝐸𝑙𝑒𝑡𝑟𝑖𝑐𝑖𝑑𝑎𝑑𝑒 (𝑘𝑊ℎ)
𝐶𝑜𝑛𝑠𝑢𝑚𝑜 𝑑𝑒 𝑒𝑙𝑒𝑡𝑟𝑖𝑐𝑖𝑑𝑎𝑑𝑒 (𝑘𝑊ℎ)
). A eletricidade produzida no ano de 2017
foi cerca de 5,8 GWh, ficando muito aquém da eletricidade consumida no conjunto das nove ETARs
selecionadas, as quais totalizaram um consumo de cerca de 32,1 GWh.
28
Tabela 2 - Sustentabilidade Energética ETARs
ETAR
Eletricidade Produzida
(kWh)
Eletricidade
Consumida (kWh)
Sustentabilidade
Energética (%)
Beirolas 874 611 4 143 488 21%
Chelas 582 540 5 594 341 10%
Frielas 2 781 993 9 852 530 28%
S. J. da Talha 72 765 3 701 461 2%
V. F. Xira 461 452 1 044 719 44%
Barreiro/Moita 688 874 3 704 947 19%
Q. do Conde 201 038 1 473 449 14%
Sesimbra 109 672 1 948 095 6%
Seixal 70 048 672 193 10%
De modo a permitir a realização deste estudo, cada um destas ETARs foi caracterizada através de:
• Uma matriz de incidências, que divide o processo produtivo nas suas diversas partes e define
o seu estado de operação, tendo sido preenchida com base em visitas às respetivas
instalações;
• Um balanço energético ao DA de forma a quantificar as suas necessidades térmicas, tendo por
base o caudal de lamas que chega à respetiva instalação e as características de cada digestor;
• Um estudo económico de potencial de produção elétrica criado a partir dos valores de produção
de biogás e eletricidade.
Na Tabela 3 são apresentados os valores de produção de biogás1
e de eletricidade correspondentes
ao ano de 2017 nas 9 ETARs estudadas.
Tabela 3 - Dados de produção de biogás e eletricidade em 2017
ETAR Biogás Produzido (Nm3
) Eletricidade Produzida (kWh)
Beirolas 1 109 102 874 611
Chelas 664 764 582 540
Frielas 2 094 957 2 781 993
São João da Talha 983 463 72 765
Vila Franca Xira 225 818 461 452
Barreiro/Moita 465 372 688 874
Quinta do Conde 123 992 201 038
Sesimbra 54 340 109 672
Seixal 208 308 70 048
Os dados de produção de biogás registados pelas equipas técnicas de cada ETAR no ano de 2017
acabaram por não ser fiáveis para a realização deste estudo, uma vez que os aparelhos utilizados para
a medição dessa produção (caudalímetros de biogás) não tiveram a devida manutenção ao longo dos
1
Os valores são apresentados em metro cúbico de gás nas condições normais de pressão e
temperatura (condições PTN).
29
anos, estando atualmente em mau estado de funcionamento. Só foi possível perceber isto aquando o
cálculo do rendimento elétrico dos motores instalados a partir da eletricidade produzida, cujos
resultados apontavam para valores desde 10% até valores superiores a 100% (quando na realidade se
deveriam situar entre os 35% a 40%).
Assim, foi necessário tomar uma abordagem diferente para obter os valores necessários a este estudo.
A partir da diferença de carga orgânica (matéria volátil, MV) dos afluentes à entrada e à saída do DA
tornou-se possível calcular o biogás produzido nas ETARs, usando a equação que se segue [31], uma
vez que todas tinham registos mensais destes valores. Esta equação foi fornecida pelo grupo de
engenharia das AdP.
Evidentemente que os valores obtidos por este método podem não corresponder aos valores reais,
pois a digestão anaeróbia é um sistema biológico dinâmico que depende de muitos mais fatores para
além da carga orgânica consumida no processo. Ainda assim os resultados obtidos apontam para
rendimentos elétricos dentro da gama esperada de valores, sendo, portanto, mais fiáveis que os dados
disponibilizados inicialmente.
Dada a importância desta variável, no capítulo 4.3 discute-se a sensibilidade dos resultados quanto a
variações da produção específica de biogás.
3.1.1. Matriz de Incidências
Através de visitas técnicas às ETARs selecionadas, foi possível separar o processo em diversas áreas
de modo a permitir uma avaliação qualitativa do estado de operação das diversas partes do processo
produtivo. As áreas avaliadas foram:
• Matéria prima
o Quantidade - Se a quantidade de matéria prima que chega ao DA é apropriada ao seu
volume;
o Qualidade - Se a qualidade da matéria prima que chega ao DA é apropriada para a
digestão anaeróbia;
• Digestor
𝐵𝑖𝑜𝑔á𝑠 𝑝𝑟𝑜𝑑𝑢𝑧𝑖𝑑𝑜 (𝑁𝑚3) = 0.95 ∗ 𝑑𝑖𝑓𝑒𝑟𝑒𝑛ç𝑎 𝑐𝑎𝑟𝑔𝑎 𝑜𝑟𝑔â𝑛𝑖𝑐𝑎(𝑘𝑔𝑀𝑉) (2)
30
o Temperatura - Se a temperatura do DA é a correta;
▪ Calor produzido
• Tempo de operação do cogerador - Se o cogerador opera horas
suficientes para produzir calor suficiente para suprimir as
necessidades térmicas do DA;
• Dimensões do cogerador - Se a potência do cogerador está
corretamente dimensionada para produzir calor suficiente para
suprimir as necessidades térmicas do DA;
▪ Calor aproveitado
• Aproveitamento do calor do líquido de arrefecimento do bloco do motor
- Se o calor retirado do bloco do motor pelo líquido de arrefecimento é
aproveitado;
• Aproveitamento do calor dos gases de escape - Se o calor libertado
pelos gases de escape é aproveitado;
▪ Caldeira
• Existência de caldeira nas instalações - Se existe caldeira na ETAR
em questão;
• Uso da caldeira - Se a caldeira é usada para aquecer o DA quando
necessário;
• Dimensionamento da caldeira - Se a potência da caldeira é a
apropriada para a respetiva ETAR;
o Agitação - Se o sistema de agitação das lamas dentro do DA se encontra em bom
estado;
• Controlo
o Produção de biogás - Se é feito um controlo correto da produção de biogás;
31
o Produção de eletricidade - Se é feito um controlo correto da produção de eletricidade;
o Manutenção - Se é feita uma manutenção correta da instalação;
• Filtragem - Se existem problemas na filtragem de contaminantes no biogás.
As diversas partes do processo foram avaliadas numa escala de 1 a 3, sendo que o valor 1 representa
a ausência de problemas, o valor 2 a presença de problemas e o valor 3 problemas graves.
3.1.2. Balanço Energético
Para que a produção de biogás seja otimizada, é necessário que o DA seja mantido a cerca de 35ºC e
que a sua temperatura seja o mais constante possível, uma vez que as mais pequenas variações
podem comprometer o metabolismo dos organismos responsáveis pela produção de biogás, como
explicado no capítulo 2.2.
Observando a Tabela 4, percebe-se que tal não aconteceu no ano de 2017. Em nenhuma das ETARs
foi possível manter a temperatura no valor desejado, sendo que nos meses de inverno este problema
foi notoriamente mais grave.
Tabela 4 - Temperatura média anual DA (2017)
ETAR Temperatura (ºC) Desvio Padrão (ºC)
Beirolas 28,9 2,4
Chelas 28,4 4,2
Frielas 38,8 3,8
São João da Talha 32,1 2,2
Vila Franca Xira 32,3 1,2
Barreiro/Moita 29,1 4,6
Quinta do Conde 27,8 4,1
Sesimbra 32,2 2,8
Seixal 22,2 3,9
Com o objetivo de quantificar as necessidades térmicas do DA foi feito um balanço energético ao longo
do ano, tendo por base a sua geometria e o caudal de lamas mensal que chega à respetiva ETAR.
Tendo em conta que o digestor opera num regime de temperatura mesofílico, este deverá ser mantido
a uma temperatura (Tdigestor) de cerca de 35ºC de modo a otimizar a produção de biogás (capítulo 2.2).
Para tal é necessário fornecer calor suficiente de modo a compensar as perdas energéticas, tanto
devido à entrada de novas lamas no digestor (à temperatura ambiente - Texterior) como ao calor perdido
pelas suas paredes.
32
Assim, podem-se calcular as necessidades térmicas mensais do digestor (Qdigestor), em kWh, de acordo
com a seguinte equação [32]:
Qdigestor =
Qparedes + Qlamas
fperdas
(3)
Onde:
• Qparedes, em kWh, representa o calor associado às perdas pelas paredes do digestor num dado
mês e pode ser calculado a partir da seguinte equação [33]:
Qparedes = A ∗ U ∗ (Tdigestor − Texterior) ∗ 24 h ∗ nº dias mês (4)
Onde:
• A, em m2
, é a área de superfície das paredes e teto do digestor;
• U, em kW/(m2
*K), é o coeficiente global de transmissão de calor, que depende do isolamento
do digestor. Uma vez que o estado do isolamento do DA difere de instalação para instalação
(seja por ter sido construído segundo padrões diferentes, seja pelo seu mau estado atual),
tomou-se um valor médio de 0,001 kW/(m2
*K) para U, típico deste tipo de infraestrutura [34].
• Qlamas, em kWh, representa o calor necessário para aquecer o caudal de lamas mistas
(Ċlamas mistas) e pode ser calculado através da seguinte equação [32]:
Qlamas = 𝐶𝑝 ∗ ρ ∗ (Tdigestor − Tlamas frias) ∗ Ċlamas mistas (5)
Onde:
• 𝐶𝑝 representa o calor específico, em kJ/(kg*K). Uma vez que as lamas são compostas
maioritariamente por água, tomou-se o valor do calor específico da água como aproximação
para o calor específico das lamas (1,163*10-3
kWh/(kg*K)). [33]
• ρ representa a densidade das lamas, em kg/m3
. Novamente, assumiu-se que as lamas têm a
mesma densidade da água (997 kg/m3
) [33].
• fperdas é o fator de perdas térmicas dos circuitos dos permutadores de calor. As tecnologias de
permutadores de calor usadas diferem de instalação para instalação e o seu estado de
operação, por vezes, não é o ideal. Uma vez que para este estudo não houve a possibilidade
33
de calcular o rendimento individual de cada um dos permutadores (por haver um grande
número de permutadores, por estarem instalados em sítios inacessíveis e por não existir
informação sobre o estado de operação dos equipamentos de medição) e visto a sua
tecnologia não ser a mesma em todas as instalações (nalgumas instalações apenas são
usados permutadores líquido/líquido enquanto noutras também existem líquido/gás; alguns
permutadores são em espiral, outros são por placas), assumiu-se que todos os permutadores
tinham um comportamento ideal, i.e., não existem perdas no transporte de calor até ao DA. Isto
significa que o valor de energia necessária para aquecer o DA será ligeiramente mais elevado
que o obtido através deste método.
Tendo o valor de Qdigestor, resta agora calcular o calor possível de ser aproveitado em cada instalação
de forma a perceber se este é suficiente para suprimir as necessidades térmicas do DA.
Para isso, e de acordo com os valores de referência apresentados no documento sobre motores
alternativos em regime de cogeração, do Departamento de Energia dos EUA [35], definiu-se a eficiência
térmica das instalações como sendo 40% da energia inicial.
A energia inicial disponível foi calculada tendo por base a percentagem de metano no biogás, o poder
calorífico inferior do metano e o volume de biogás produzido [36]:
Qbiogás(kWh) = PCIm ∗ Vbiogás ∗ % CH4 (6)
Onde:
• 𝐏𝐂𝐈𝐦, em kWh/Nm3
, é o poder calorífico inferior do metano, tipicamente de 9,94 kWh/Nm3
[37];
• 𝐕𝐛𝐢𝐨𝐠á𝐬 , em Nm3
, é o volume de biogás produzido.
Assim, 40% do valor de Qbiogás representa o calor útil disponível para aquecer o DA.
3.1.3. Potencial Económico
Foi também feito um estudo das ETARs selecionadas quanto ao potencial económico do
aproveitamento energético do biogás produzido. Para isto, foi tido em conta a eletricidade produzida e
a que se teria produzido se se tivesse queimado todo o biogás no motor de combustão, quantificando
a diferença entre as duas a nível económico, como exemplificado na equação seguinte:
𝑃𝑜𝑡𝑒𝑛𝑐𝑖𝑎𝑙 (€) = (Qbiogás ∗ 𝜂𝑒𝑙é𝑡𝑟𝑖𝑐𝑜 ∗ 𝐶𝑢𝑠𝑡𝑜 𝐸𝑙𝑒𝑡𝑟𝑖𝑐𝑖𝑑𝑎𝑑𝑒) − 𝐸𝑙𝑒𝑡𝑟𝑖𝑐𝑖𝑑𝑎𝑑𝑒 𝑃𝑟𝑜𝑑𝑢𝑧𝑖𝑑𝑎 (7)
34
Atendendo que os motores a instalar serão mais modernos que os instalados, assumiu-se um 𝜂𝑒𝑙é𝑡𝑟𝑖𝑐𝑜
mínimo de 40% [38] para todos os motores, e ainda que a eletricidade produzida seria usada em
autoconsumo, permitindo uma poupança no custo da eletricidade de 0,1381 € por kWh produzido [39].
No capítulo 4.3, discute-se a sensibilidade dos resultados quanto a variações do preço da eletricidade.
3.2. PROPOSTA DE MELHORIA
O processo de aproveitamento energético de biogás, se bem planeado e regularmente acompanhado
por uma equipa de manutenção, pode ser de extrema valia para quem o explora, especialmente quando
o combustível que o “alimenta” é um subproduto que seria desperdiçado (lamas), como é no caso das
ETARs.
No entanto a instalação técnica necessária requer um nível de manutenção considerável, tanto em
conhecimento e experiência como em tempo despendido. Se este não existir, inevitavelmente algum
componente irá acabar por falhar e dar origem a um efeito bola de neve, onde não se produz/não se
aproveita calor suficiente para aquecer o DA, baixando o rendimento de digestão, produzindo menores
quantidades de biogás que por sua vez vão produzir menor quantidade de calor, e por aí em diante.
Tentar otimizar a produção de um sistema com um número considerável de variáveis, como é o caso
de um sistema destes, pode revelar-se ser uma tarefa complicada quando não se pode contar com
alguns dos componentes que se degradaram com o passar do tempo.
Após a execução da matriz de incidências (ver secção 3.1.1), foi possível avaliar a melhor forma de
promover a valorização energética do biogás produzido nas 9 ETARs abordadas nesta dissertação.
Assim, foi decidido em conjunto com a equipa de engenharia da AdP que, de modo a eliminar variáveis,
a parte do processo a ter intervenção deveria ser sobretudo a dos cogeradores instalados, uma vez
que está diretamente relacionada com a valorização do biogás produzido.
Foi então necessário definir o custo de aquisição de novos cogeradores de forma a ser possível avaliar
qualitativamente um potencial investimento a realizar nas ETARs. Para o efeito, foi usada a seguinte
correlação para definir o preço de aquisição de um cogerador tendo por base a sua potência [26]:
𝐶𝑢𝑠𝑡𝑜(€/𝑘𝑊) = 4639 ∗ 𝑃𝑜𝑡ê𝑛𝑐𝑖𝑎(𝑘𝑊)−0.333
(8)
É evidente que os resultados esperados através desta abordagem não serão os valores exatos para o
custo de instalação de novos cogeradores, uma vez que os preços para os equipamentos não são
lineares e diferem de fornecedor para fornecedor. Serve assim esta aproximação para permitir a
realização, e posterior análise, do estudo do potencial de investimento das 9 ETARs de forma
35
sistemática uma vez que os fornecedores contactados (GE Jenbacher, Caterpillar Inc., MAN SE…) não
podem disponibilizar o preço dos cogeradores apenas para o propósito deste estudo.
3.3. ANÁLISE DE VARIÁVEIS MAIS INFLUENTES
Uma vez que os resultados deste estudo são largamente influenciados por alguns pressupostos
tomados ao longo do percurso, fará sentido analisar a sua sensibilidade quanto a variações desses
pressupostos. Para tal, depois de obtidos os resultados, estudar-se-á a variação de alguns indicadores
que demonstram os resultados do projeto. Os indicadores a analisar são:
• Investimento necessário – Como varia o valor do investimento necessário, em euros, caso os
pressupostos se alterem;
• Aumento de produção – Como varia a produção de eletricidade, em kWh, caso os pressupostos
se alterem;
• Capital adicional anual – Como varia o capital produzido anualmente, em euros, caso os
pressupostos se alterem;
• Período de Retorno do Investimento (𝑃𝑅𝐼 =
𝐶𝑎𝑝𝑖𝑡𝑎𝑙 𝐴𝑑𝑖𝑐𝑖𝑜𝑛𝑎𝑙 𝑃𝑟𝑜𝑑𝑢𝑧𝑖𝑑𝑜 𝐴𝑛𝑢𝑎𝑙𝑚𝑒𝑛𝑡𝑒
𝐼𝑛𝑣𝑒𝑠𝑡𝑖𝑚𝑒𝑛𝑡𝑜 𝐼𝑛𝑖𝑐𝑖𝑎𝑙
) – Como varia o
PRI, em anos, caso os pressupostos se alterem;
As ETARs, e os seus indicadores, serão analisados individualmente; já os pressupostos são globais,
ou seja, aplicam-se a todas as instalações. Os pressupostos a serem analisados são:
• Produção específica de biogás (capítulo 3.1) - Tendo em conta que o processo de produção
de biogás é bastante complexo e de grande variabilidade fará sentido analisar a influência deste
pressuposto nos resultados. Para isso variou-se o valor usado no estudo (0,95 Nm3
/kgMV) em
passos de 0,025 Nm3
/kgMV;
• Preço da eletricidade (capítulo 3.1.3) – Este pressuposto foi selecionado pela sua variabilidade
inerente, uma vez que o seu valor de mercado se encontra em constante flutuação. A análise
foi feita variando este pressuposto em passos de 0,01 €;
• Percentagem de biogás utilizado (será definido mais à frente no documento, capítulo 4.2) –
Durante o processo de dimensionamento da potência de cogeração foi necessário definir uma
nova variável, a qual media a percentagem de biogás produzido que seria aproveitado nos
36
cogeradores. Sabia-se que valores baixos (i.e., inferiores a cerca de 80%) prejudicaram a
sustentabilidade do processo, enquanto valores altos (i.e., superiores a cerca de 90%)
poderiam fazer com que o cogerador fosse sobredimensionado, uma vez que a produção de
biogás não é necessariamente constante ao longo do ano (Figura 12, capítulo 4.2). Uma vez
que esta variável foi definida de forma empírica, será feita uma análise da variação dos
resultados de modo a perceber se a percentagem definida (95%) foi uma escolha acertada. O
valor usado foi variado em passos de 1%.
37
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Nesta secção discutem-se as principais conclusões a que foi possível chegar a partir da caracterização
das ETARs. De seguida, apresentam-se os resultados do estudo do dimensionamento da potência de
cogeração.
4.1. ANÁLISE DA CARACTERIZAÇÃO DAS ETARS
4.1.1. Matriz de incidências
Após as visitas técnicas às 9 ETARs selecionadas foi possível efetuar a identificação de áreas de
atuação mais relevantes. Na figura seguinte (Figura 9) encontra-se representada a matriz de
incidências obtida, permitindo assim quantificar a gravidade dos problemas encontrados bem como a
parte do processo que esses problemas afetam.
Figura 9 - Matriz de Incidências
Analisando a figura anterior, e relembrando que o valor “1” representa o correto funcionamento da área
em questão, o valor “2” a ocorrência de problemas e que o valor “3” representa problemas graves (ver
secção 3.1.1), observa-se que a parte do processo mais problemática é a que diz respeito ao DA, mais
concretamente à sua temperatura.
38
A indisponibilidade dos cogeradores – tanto por avaria como por falta de supervisão – impossibilita o
correto aquecimento do DA que, consequentemente, diminui o rendimento de digestão produzindo uma
menor quantidade de biogás que a esperada. No caso da ETAR de Quinta do Conde observou-se que
a potência do motor instalado (dimensões do cogerador) era demasiado elevada para a produção de
biogás que era possível de atingir nessa instalação, impossibilitando o funcionamento contínuo do
processo que por sua vez cria variações de temperatura no DA.
Nem sempre se recuperava o calor de ambas as fontes disponíveis (gases de escape e líquido de
arrefecimento do bloco do motor), nalguns casos por não haver equipamento apropriado, noutros por
este não estar operacional. Apesar de todas as ETARs estarem equipadas com uma caldeira de modo
a suplementar o calor fornecido pelo cogerador ao DA (algumas ETARs possuem caldeiras de biogás
e gás natural, enquanto outras apenas de gás natural), em nenhuma instalação esta era utilizada. Isto
poderia ser resolvido com um sistema de controlo apropriado que ativasse a caldeira quando a
temperatura do DA descesse abaixo do valor pré-estabelecido, eliminando assim a necessidade de
ativação manual por parte da equipa técnica.
No que toca à matéria-prima, apenas se registaram problemas nas ETARs do Seixal e do Barreiro/Moita
que por estarem geograficamente perto de um estuário sofrem intrusões salinas nos afluentes, criando
uma grande concentração de sulfeto de hidrogénio (H2S) em estado gasoso no biogás produzido.
Aquando a recuperação de calor dos gases de escape após queima de biogás, este composto poderá
condensar (dado a temperatura dos gases baixar), sendo este condensado altamente corrosivo para
todas as partes mecânicas do sistema.
Na ETAR do Seixal o problema persiste, enquanto no Barreiro/Moita este problema foi parcialmente
solucionado com a adição de Cloreto Férrico (FeCl3) ao afluente a montante do sistema de tratamento,
permitindo neutralizar o H2S. No entanto este método implica gastos adicionais em reagentes, trabalho
acrescido (doseamento) e produz outros compostos nocivos que devem ser descartados em
segurança, o que não acontecia. Uma das soluções que estava a ser estudada na altura da visita à
ETAR do Seixal era o transporte dos afluentes até à ETAR do Barreiro/Moita, onde o problema já tinha
sido resolvido.
Outra área que se revelou problemática foi a da agitação responsável por reduzir a estratificação no
interior do DA de modo a homogeneizar as lamas para possibilitar uma digestão mais uniforme. Em
alguns dos casos, onde a agitação é feita por meios mecânicos, não foi possível definir se o sistema
se encontrava ou não operacional, visto o DA ser fechado. A substituição/reparação dos sistemas de
agitação mecânicos implica desativar e drenar o conteúdo do DA de modo a se obter acesso ao seu
interior. Uma outra solução seria estudar o custo de instalação e operação de um sistema de agitação
por injeção de biogás. Este sistema tem a vantagem de não ter partes mecânicas no interior do DA e
de permitir a injeção em vários pontos/profundidades, proporcionando uma boa agitação. No entanto,
por ser necessário a aquisição de compressores, tubagens e injetores é consideravelmente mais caro
de instalar e de operar que um sistema de agitação mecânica que recorre a um motor elétrico de baixo
39
consumo; requer também maior atenção na sua operação, uma vez que existe o risco de explosão ao
comprimir o biogás.
Tal como com os cogeradores, não foi feita a manutenção dos caudalímetros instalados nas condutas
de biogás impossibilitando a correta medição da produção de biogás, tornando difícil o correto
dimensionamento dos componentes do sistema de cogeração. Os valores de produção de biogás
utilizados neste estudo não são os valores de produção reais, uma vez que o processo biológico é
demasiado complexo para ser aproximado pela equação (2); ainda assim, os valores de produção
calculados a partir desta equação permitem melhor aproximar a produção real de biogás, uma vez que
a eletricidade produzida no ano de 2017 era superior à que se poderia ter produzido caso a quantidade
de biogás medida pelos caudalímetros estivesse correta.
Finalmente, registou-se também a falta de uma equipa de manutenção especializada em todas as
instalações, o que, em parte, explica os problemas registados anteriormente. Na maioria dos casos
apenas um operador era responsável pelo processo, sendo que em algumas das ETARs não havia
pessoal suficiente para dedicar alguém ao acompanhamento da instalação de cogeração.
4.1.2. Balanço Energético
Na Tabela 5 são apresentados os resultados do balanço energético ao DA, na forma de média anual
(2017), para as ETARs selecionadas, seguindo a metodologia apresentada na secção 3.1.2. Na
primeira e segunda coluna é possível observar as necessidades térmicas associadas à entrada de
novas lamas no DA à temperatura ambiente (Qlamas) e ao calor perdido pelas suas paredes (Qparedes),
respetivamente. A soma destes dois valores representa a necessidade calorífica do DA e pode ser
consultada na terceira coluna (Qdigestor). Na quarta coluna apresenta-se o resultado do cálculo de
energia disponível para aquecer o DA (Qútil). Finalmente, na última coluna da Tabela 5 encontra-se
apresentada a percentagem da necessidade calorífica do DA que foi possível suprimir com a energia
disponível. Valores inferiores a 100% indicam que, mesmo queimando todo o biogás disponível, não
haveria calor suficiente.
Tabela 5 - Balanço Energético para o ano de 2017
ETAR 𝐐𝐥𝐚𝐦𝐚𝐬 (kWh) 𝐐𝐩𝐚𝐫𝐞𝐝𝐞𝐬 (kWh) 𝐐𝐝𝐢𝐠𝐞𝐬𝐭𝐨𝐫 (kWh) 𝐐ú𝐭𝐢𝐥 (kWh) 𝐐ú𝐭𝐢𝐥/𝐐𝐝𝐢𝐠𝐞𝐬𝐭𝐨𝐫 (%)
Beirolas 225 970 42 572 268 542 261 647 102%
Chelas 142 665 49 122 191 787 140 231 80%
Frielas 314 659 125 261 439 920 448 407 104%
S. João Talha 138 471 31 438 169 909 217 019 136%
V. F. Xira 47 846 8 514 56 361 50 063 96%
Barreiro 176 991 49 122 226 113 105 470 51%
Q. Conde 63 102 36 678 99 779 27 725 28%
Sesimbra 6 342 15 719 22 061 11 436 54%
Seixal 49 082 9 169 58 251 42 900 83%
40
Facilmente se observa que na maioria das ETARs estudadas (em todas, exceto Beirolas, Frielas e S.
João da Talha) não teria sido produzido calor suficiente para suprimir as necessidades caloríficas do
digestor, mesmo queimando todo o biogás disponível. Tal era esperado, uma vez que a quantidade de
biogás produzido está muito aquém da quantidade que se poderia ter produzido se o DA operasse a
uma temperatura constante de 35ºC durante todo o ano. A variabilidade deste indicador (de 28% a
136%) é consequência dos vários problemas encontrados anteriormente na análise da matriz de
incidências e da diferente razão de volume de afluentes para volume de DA encontrado nas diferentes
ETARs.
Com a instalação de novos cogeradores de tecnologia mais moderna e aptos para trabalhar
ininterruptos, espera-se que seja possível elevar a temperatura do DA acima da que se encontra
atualmente e também mantê-la mais constante ao longo do ano, estabilizando a digestão e aumentando
significativamente a produção de biogás. Segundo o estudo “The effects of digestion temperature and
temperature shock on the biogas yields from the mesophilic anaerobic digestion of swine manure” de
fevereiro de 2007, uma variação na temperatura de 10ºC no DA (de 25ºC para 35ºC) traduziu-se num
aumento de mais de 17% na produção de biogás [40]. Um outro estudo que incidiu na taxa de produção
de biogás em desperdícios alimentares relatou um aumento de cerca de 50% na produção de biogás
variando a temperatura de 25ºC a 35ºC [41]. Este aumento de produção aumentará a disponibilidade
de calor útil resultante da queima do biogás. Se se fizer o uso correto dos permutadores instalados e a
reparação/substituição dos que se encontram inoperacionais, espera-se ser possível recuperar calor
suficiente para manter a temperatura do DA no valor desejado.
Nas estações mais frias do ano, em eventuais indisponibilidades dos motores ou em meses de
produção anómala será necessário recorrer ao uso das caldeiras instaladas para manter a temperatura
do DA na gama desejada. Para isso poderá usar-se o biogás produzido (em caso de indisponibilidade
do motor) ou, caso não exista biogás disponível, utilizar gás natural.
4.1.3. Potencial Económico
Observa-se na Tabela 6 a quantia que se teria poupado, em euros, se se tivesse queimado todo o
biogás produzido nas ETARs do grupo AdP no ano de 2017. Para calcular esta quantia foi admitido
que a AdP compra a eletricidade à rede pública a um custo de 0,1381€/kWh, como indicado no capítulo
3.1.3.
41
Tabela 6 - Potencial Económico 2017
ETAR Potencial Económico (€)
Beirolas 312 818
Chelas 151 942
Frielas 358 908
S. João Talha 349 595
V. F. Xira 19 238
Barreiro 79 651
Q. Conde 18 182
Seixal 3 806
Sesimbra 61 420
Total 1 355 559
A grande discrepância entre a quantidade de eletricidade produzida e a que se poderia ter produzido,
observável na maioria das ETARs, é responsável por uma perda de cerca de 1,35 milhões de euros
em 2017, sendo um grande incentivo à realização deste estudo e de um futuro investimento no
aproveitamento energético do biogás.
É ainda de notar que este valor de poupança tenderá certamente a subir caso haja um investimento na
valorização do biogás produzido, levando a um aumento de produção de biogás que
consequentemente possibilitará uma maior produção de eletricidade.
4.2. DIMENSIONAMENTO DA POTÊNCIA DE COGERAÇÃO
No subcapítulo 4.1.1 identificou-se o grupo cogerador como um dos principais responsáveis pelos
atuais problemas de produção/aproveitamento de calor bem como de produção elétrica, uma vez que
se encontram frequentemente indisponíveis. A sua reparação pode revelar-se como sendo dispendiosa
e demorada, caso seja necessário contatar o fornecedor ou encomendar peças novas.
O balanço energético apresentado no subcapítulo 4.1.2 demonstrou que com a atual produção de
biogás não teria sido possível manter o valor da temperatura dos DA na gama desejada em 8 das 9
ETARs estudadas. Se se tivesse utilizado todo o biogás para produção elétrica, em vez de se ter
queimado parte na tocha por indisponibilidade de motores, ter-se-ia produzido mais calor que por sua
vez poderia ter sido usado para manter uma temperatura mais apropriada aos organismos mesofílicos
do DA, que consequentemente aumentaria a produção de biogás.
A instalação de novos cogeradores permitiria queimar o biogás ao invés de ser desperdiçado na tocha
e estes trabalhariam de forma contínua mais regularmente, melhorando a estabilidade térmica do DA.
Espera-se assim que o calor adicional produzido após a substituição dos cogeradores seja suficiente
para suprimir as necessidades térmicas do DA. Caso contrário, é sempre possível recorrer às caldeiras,
particularmente nos meses frios.
42
Observando os resultados do estudo económico do subcapítulo 4.1.3, percebe-se que o valor de
poupança possível de alcançar na fatura elétrica justifica um estudo de investimento na valorização
energética do biogás.
Assim, e com a substituição dos cogeradores instalados por outros mais recentes e sem problemas de
funcionamento como objetivo, foi feito um estudo de dimensionamento da potência de cogeração a
instalar, tendo por base o volume de produção de biogás de cada ETAR no ano de 2017.
De forma a obter um valor de potência para dar início ao estudo do investimento foi primeiro calculada
a potência que dado cogerador teria de ter para, num período de um mês e de forma ininterrupta (isto
seria o ideal, pois o fornecimento de calor seria constante e não haveria variações na temperatura do
digestor), queimar todo o biogás produzido nesse mesmo mês. Depois de se ter calculado essa
potência para todos os meses do ano de 2017, usou-se a média desses valores para centrar o estudo
do dimensionamento da potência de cogeração. Na Tabela 7 podem-se observar os resultados desta
abordagem.
Tabela 7- Potência média de cogeração
ETAR Potência (kW)
Beirolas 360
Chelas 192
Frielas 613
S. João Talha 295
V. F. Xira 69
Barreiro 144
Q. Conde 38
Seixal 16
Sesimbra 59
O passo seguinte passou por estudar a variação do período de retorno do investimento (PRI) alterando
o valor de potência obtido anteriormente em incrementos/decrementos fixos, tendo para isso sido
levado em conta a variação do custo do cogerador por kW instalado, como explicado no capítulo 3.2.
Numa primeira abordagem de dimensionamento, foi selecionada a potência de forma a minimizar o PRI
de cada ETAR. Os resultados obtidos podem ser consultados na Tabela 8.
Tabela 8 - Potência do motor de cogeração para menor PRI
ETAR
Potência para menor PRI
(kW)
Investimento necessário
(€)
PRI respetivo
(anos)
Beirolas 384 245 569 0,65
Chelas 144 127 659 0,80
Frielas 478 284 186 0,53
S.J.Talha 205 161 571 0,78
V.F.Xira 61 71 985 1,09
BarreiroM 123 114 919 0,83
Q. Conde 38 52 364 1,40
Sesimbra 15,6 29 003 1,70
Seixal 55 67 181 1,23
43
No entanto, verificou-se que esta poderia não ser a melhor abordagem para o dimensionamento da
potência de cogeração uma vez que existe uma grande discrepância de produção de biogás entre os
vários meses do ano, acabando por haver meses em que não se queimava uma grande parte do biogás
produzido.
Assim, decidiu-se tomar uma abordagem diferente em que o objetivo seria o de garantir que 95% do
biogás produzido seria queimado de forma a aumentar a sustentabilidade da ETAR. Também se
poderia projetar o sistema para que este utilizasse 100% do biogás disponível; no entanto, os resultados
do dimensionamento dessa abordagem seriam inflacionados por dados de qualquer mês onde
excecionalmente se tivesse produzido uma quantidade superior de biogás ao normal, como foi possível
observar em algumas ETARs deste estudo.
No capítulo 4.3, discute-se a sensibilidade dos resultados quanto a variações da percentagem de
biogás utilizado.
Os resultados obtidos através desta abordagem encontram-se registados na Tabela 9.
Tabela 9 – Potência do motor de cogeração para queimar 95% do biogás produzido
ETAR
Potência para queimar 95% do
biogás (kW)
Investimento
necessário (€)
PRI respetivo
(anos)
Beirolas 456 275 394 0,68
Chelas 258 188 354 0,87
Frielas 973 456 558 0,66
S.J.Talha 525 302 532 0,90
V.F.Xira 94 96 051 1,24
BarreiroM 165 139 793 0,86
Q. Conde 52 64 714 1,51
Sesimbra 16 29 003 1,70
Seixal 91 93 995 1,41
Rapidamente se repara que o valor de potência necessária aumentou para todas as ETARs, como era
esperado; no entanto, os valores continuam de acordo com as metas estabelecidas pela AdP para este
investimento, garantindo-se desta forma uma maior valorização do biogás produzido, aumentando a
sustentabilidade económica do processo a longo prazo.
Repare-se que apesar do investimento necessário ser superior para a abordagem de queimar 95% do
biogás do que para a abordagem de minimizar o PRI (1.646.392 € vs. 1.154.437€, respetivamente), os
valores do PRI aumentam pouco. Isto evidencia e apoia a importância de se otimizar a produção elétrica
a partir do biogás produzido.
Nas figuras seguintes (Figura 10 e Figura 11) apresentam-se as curvas obtidas nas abordagens de
minimizar o PRI (linha azul) e de utilizar pelo menos 95% do biogás disponível (linha laranja) para a
ETAR de Beirolas e de Frielas, respetivamente. Os valores de potência de cogeração encontrados nas
duas abordagens foram assinalados no gráfico. Nos anexos encontram-se os gráficos obtidos para
todas as restantes ETARs.
44
384 kW; 0,65 anos
456 kW; 95%;…
0%
20%
40%
60%
80%
100%
294 325 355 386 417 445 476 506 537 567 598 629 659
0,00
0,50
1,00
1,50
Biogás
utilizado
(%)
Potência cogeração (kW)
PRI
(anos)
PRI (anos) Biogás utilizado (%)
Figura 10 - Estudo dimensionamento da potência de cogeração para a ETAR de Beirolas
478 kW 0,53 anos
973 kW; 95%;…
0%
20%
40%
60%
80%
100%
463 538 613 688 763 838 913 988 1063 1138 1213 1288 1363
0,00
0,50
1,00
1,50
Biogás
utilizado
(%)
Potência cogeração (kW)
PRI
(anos)
PRI (anos) Biogás utilizado (%)
Figura 11 - Estudo dimensionamento da potência de cogeração para a ETAR de Frielas
Estes gráficos apresentados anteriormente foram escolhidos de entre o total dos nove pois evidenciam
a diferença que existe entre os dois estudos feitos em cada ETAR. Na instalação de Beirolas existe
apenas uma diferença de 62 kW entre os dois estudos enquanto na de Frielas observa-se uma
diferença de 495 kW. Esta diferença é parcialmente justificada pela variação da produção de biogás ao
longo do ano nas ETARs: a ETAR de Beirolas tem uma produção de biogás mais constante ao longo
do ano quando comparada com a produção de Frielas, como se pode observar na figura seguinte
(Figura 12).
45
0
50 000
100 000
150 000
200 000
250 000
300 000
350 000
400 000
jan/17 fev/17 mar/17 abr/17 mai/17 jun/17 jul/17 ago/17 set/17 out/17 nov/17 dez/17
Biogás
Produzido
(Nm^3)
Beirolas
Chelas
Frielas
SJTalha
VFXira
Barreiro
M
QConde
Sesimbra
Figura 12 - Variação na produção de biogás ao longo do ano de 2017
Os resultados podem ser consultados na tabela seguinte (Tabela 10). Os valores da coluna “Poupança
anual adicional” representam, como o nome indica, a poupança anual adicional (o valor que se
economiza a mais para além do que já se produzia), em euros, que se espera ser possível vir a atingir
mediante o cumprimento das sugestões deste estudo. Na coluna seguinte observa-se, em
percentagem, o aumento de produção respetivo. Na última coluna encontra-se a quantidade adicional
de CO2 que será possível evitar emitir para a atmosfera. Para este cálculo foi tido em conta as emissões
de CO2 por kWh de energia produzido a partir de fontes de carbono em território nacional (408,85
gCO2/kWh) [42].
Tabela 10 – Resultados do estudo de dimensionamento da potência de cogeração
ETAR
Potência
sugerida
(kW)
Investimento
necessário (€)
PRI
respetivo
(anos)
Poupança
anual
adicional
(€/ano)
Aumento
de
produção
(%)
Emissão de
CO2 evitada
adicional
(Ton/ano)
Beirolas 456 275 394 0,68 290 049 340% 859
Chelas 258 188 354 0,87 140 180 274% 415
Frielas 973 456 558 0,66 319 656 183% 946
S.J.Talha 525 302 532 0,90 331 010 3394% 980
V.F.Xira 94 96 051 1,24 15 029 124% 44
BarreiroM 165 139 793 0,86 70 183 174% 208
Q. Conde 52 64 714 1,51 15 707 157% 47
Sesimbra 16 29 003 1,70 2 025 113% 6
Seixal 91 93 995 1,41 57 835 698% 171
Total 1 646 392 1 241 674 3 676
Recordando os objetivos deste estudo (capítulo 1.2), é de salientar que, caso seja feito o investimento
e os resultados se confirmem, esta valorização permitirá aumentar a sustentabilidade das ETARs
quanto ao processo de tratamento de águas residuais (Tabela 11). No capítulo 5 sugerem-se algumas
medidas que poderão vir a ser úteis caso se deseje atingir, ou até superar, um processo 100%
sustentável.
46
Tabela 11 - Sustentabilidade Energética
ETAR Sustentabilidade Inicial Sustentabilidade Final
Beirolas 21% 72%
Chelas 10% 29%
Frielas 28% 52%
SJTalha 2% 67%
VFXira 44% 55%
BarreiroM 19% 32%
QConde 14% 21%
Sesimbra 6% 6%
Seixal 10% 73%
4.3. ANÁLISE DE VARIÁVEIS MAIS INFLUENTES
Os resultados obtidos anteriormente encontram-se dependentes de todos os pressupostos assumidos
ao longo deste estudo. Este capítulo tem como propósito apresentar os resultados da análise de
sensibilidade dos resultados quanto a variações de alguns desses pressupostos.
• Produção de biogás específica – Nas figuras seguintes (Figura 13 e Figura 14) podem-se
observar a dependência que os indicadores selecionados têm da produção específica de
biogás nas ETARs de Beirolas e Frielas:
Figura 13 - Análise da sensibilidade dos resultados quanto a variações da produção específica de biogás na
ETAR de Beirolas
-50%
-40%
-30%
-20%
-10%
0%
10%
0,75 0,775 0,8 0,825 0,85 0,875 0,9 0,925 0,95 0,975 1
Varição
percentual
do
indicador
Produção Específica de Biogás (Nm3/kgMV)
Investimento Capital Adicional Anual Aumento Produção PRI
47
Figura 14 - Análise da sensibilidade dos resultados quanto a variações da produção específica de biogás na
ETAR de Frielas
Pode-se observar nas duas figuras anteriores (Figura 13 e Figura 14) que todos os indicadores variam
de forma aproximadamente linear com a variação da produção específica de biogás. Em ambos os
casos, o indicador mais afetado é o de Capital Adicional Anual produzido, sendo que o menos afetado
é o Investimento.
• Preço eletricidade – Nas figuras seguintes (Figura 15 e Figura 16) podem-se observar a
dependência que os indicadores selecionados têm quanto a variações no preço da eletricidade
nas ETARs de Beirolas e Frielas:
-40%
-35%
-30%
-25%
-20%
-15%
-10%
-5%
0%
5%
10%
15%
0,75 0,775 0,8 0,825 0,85 0,875 0,9 0,925 0,95 0,975 1
Varição
percentual
do
indicador
Produção Específica de Biogás (Nm3/kgMV)
Investimento Capital Adicional Anual Aumento Produção PRI
48
Figura 15 - Análise da sensibilidade dos resultados quanto a variações do preço da eletricidade na ETAR de
Beirolas
Figura 16 - Análise da sensibilidade dos resultados quanto a variações do preço da eletricidade na ETAR de
Frielas
Evidentemente, apenas os indicadores PRI e Capital Adicional Anual dependem do preço da
eletricidade. A variação do PRI é aproximadamente logarítmica enquanto o Capital Adicional Anual
varia linearmente. Se a tendência dos últimos anos continuar, e o preço da eletricidade continuar a
-60%
-40%
-20%
0%
20%
40%
60%
80%
0,0881 0,0981 0,1081 0,1181 0,1281 0,1381 0,1481 0,1581 0,1681 0,1781 0,1881
Varição
percentual
do
indicador
Preço da Eletricidade (€/kW)
Investimento Capital Adicional Anual Aumento Produção PRI
-60%
-40%
-20%
0%
20%
40%
60%
80%
0,0881 0,0981 0,1081 0,1181 0,1281 0,1381 0,1481 0,1581 0,1681 0,1781 0,1881
Varição
percentual
do
indicador
Preço da Eletricidade (€/kW)
Investimento Capital Adicional Anual Aumento Produção PRI
49
aumentar, este projeto ficará economicamente mais apelativo. Não se consegue observar a linha que
representa o investimento uma vez que esta está sobreposta com a que representa o aumento de
produção.
• Percentagem de biogás utilizado – Nas figuras seguintes (Figura 17 e Figura 18) podem-se
observar a dependência que os indicadores selecionados têm da percentagem de biogás
utilizado nas ETARs de Beirolas e Frielas:
Figura 17 - Análise da sensibilidade dos resultados quanto a variações da percentagem de biogás utilizado na
ETAR de Beirolas
As diferenças registadas entre ETARs nesta análise foram maiores que nas anteriores, onde os
resultados foram mais ou menos semelhantes entre todas as instalações. Assim, fará sentido analisar
as figuras para a ETAR de Beirolas e de Frielas individualmente. As figuras resultantes da análise de
sensibilidade dos resultados a variações na percentagem de biogás utilizado nas restantes ETARs
podem ser consultadas nos anexos.
Analisando a Figura 17, observa-se que o valor de Investimento necessário cresce de forma
aproximadamente linear até perto da marca dos 95% de biogás utilizado, aumentando bastante para
valores superiores. No entanto, tanto o indicador Capital Adicional Anual como o indicador Aumento de
Produção não mostram este aumento de declive após a marca dos 95%, mantendo-se
aproximadamente lineares até aos 100%. Isto acontece porque, como dito anteriormente (capítulo 4.2),
a produção de biogás não é igual para todos os meses; nos meses em que a produção de biogás é
superior, seria necessário uma maior potência de cogeração (logo, um maior investimento) para
queimar todo o biogás, mas nos restantes meses não se tiraria proveito desse excesso de potência.
-40%
-30%
-20%
-10%
0%
10%
20%
30%
40%
75% 78% 80% 83% 85% 88% 90% 93% 95% 98% 100%
Varição
percentual
do
indicador
Percentagem de Biogás Utilizado (%)
Investimento Capital Adicional Anual Aumento Produção PRI
50
Observando a variação do indicador PRI repara-se que apresenta um mínimo em torno da marca dos
90% e, à semelhança do indicador Investimento, também aumenta bastante para percentagens de
biogás utilizado superiores a 95%. Novamente, isto deve-se ao facto de o valor de investimento crescer
mais rápido que o valor do Capital Adicional Anual para valores de biogás utilizado superiores a 95%.
Figura 18 - Análise da sensibilidade dos resultados quanto a variações da percentagem de biogás utilizado na
ETAR de Frielas
Analisando agora o resultado da análise à ETAR de Frielas (Figura 18), observa-se uma evolução
aproximadamente linear do valor de Investimento até em torno da marca dos 100%. Os indicadores
Capital Adicional Anual e Aumento de Produção apresentam o mesmo tipo de evolução.
Isto acontece porque, em contraste com a instalação de Beirolas, na ETAR de Frielas, apesar de a
produção de biogás também ser irregular ao longo do ano, a gama de potência do cogerador é mais
elevada (respetivamente 456 kW e 973 kW para 95% de biogás utilizado); como o preço de cogeração,
em €/kW, diminui com o aumento de potência, é mais rentável utilizar 100% do biogás em Frielas do
que é em Beirolas.
Os restantes gráficos da análise de sensibilidade podem ser consultados nos anexos.
-60%
-50%
-40%
-30%
-20%
-10%
0%
10%
20%
30%
75% 78% 80% 83% 85% 88% 90% 93% 95% 98% 100%
Varição
percentual
do
indicador
Percentagem de Biogás Utilizado (%)
Investimento Capital Adicional Anual Aumento Produção PRI
51
5. CONCLUSÕES E TRABALHO FUTURO
Este trabalho abordou de forma sistemática a valorização energética do biogás produzido em nove
ETARs do grupo AdP com vista a aumentar a sustentabilidade do processo de tratamento de águas
residuais. Uma vez que existe uma grande variabilidade operacional de ETAR para ETAR, e que é
difícil a obtenção de valores reais de produção de biogás, como explicado no capítulo 3.1, é importante
ter em conta que os resultados apresentados deverão ser tomados como indicativos do potencial de
melhoria de cada ETAR e não como proposta de investimento final.
Ainda assim os resultados são bastante elucidativos quanto à poupança energética (e económica)
possível de alcançar nas nove ETARs.
Tendo por base o volume de biogás produzido no ano de 2017 e substituindo os cogeradores por outros
mais modernos, com potências adequadas às respetivas instalações, o estudo aponta para um
aumento de cerca de 9 GWh na produção elétrica anual (de 5,8 GWh para 14,8 GWh, correspondente
a um aumento de 254%) o que permitirá alcançar uma poupança adicional de cerca de 1 241 674 € na
fatura elétrica anual e uma redução nas emissões de CO2 na ordem das 3 700 toneladas por ano. Estes
valores são bastante elucidativos quanto à importância que deve ser dada à valorização do biogás
produzido resultante do tratamento de águas residuais.
Uma vez que a potência dos cogeradores disponíveis no mercado é definida pelos fabricantes poderá
não ser possível adquirir a potência exata sugerida por este estudo; assim, esta deverá ser escolhida
de forma a que seja semelhante aos valores aqui apontados.
A substituição dos cogeradores poderá melhorar a sustentabilidade do processo de tratamento uma
vez que poderão operar interruptos durante mais tempo, mas é necessário que se faça a correta
manutenção destes bem como dos restantes componentes do sistema.
A partir da análise de sensibilidade dos resultados (capítulo 4.3) foi possível perceber como variam os
indicadores selecionados com a alteração de alguns pressupostos. Como seria de esperar, os
indicadores variam linearmente para variações na produção específica de biogás e no preço de
eletricidade; para variações na percentagem de biogás utilizado torna-se complicado de tirar
conclusões.
De um modo geral constata-se que a decisão de utilizar 95% do biogás disponível foi uma escolha
acertada pois é em torno desta marca que o PRI dispara, uma vez que, para percentagens superiores
a 95%, o valor de capital adicional anual não aumenta de forma tão pronunciada como o valor do
investimento. No entanto poderá ser viável optar por utilizar percentagens superiores nas ETARs com
maior volume de produção de biogás, uma vez que o preço de cogeração (€/kW) diminui com a
potência.
Em termos de trabalho futuro, sugere-se:
52
• Que, ao nível do equipamento técnico e de forma a possibilitar um estudo mais rigoroso do
potencial de cada ETAR, se invista num melhor controlo da produção. As discrepâncias
notadas entre os valores de biogás medidos em comparação com os calculados demonstram
que os equipamentos responsáveis pela medição não se encontram em bom estado;
• A criação, ou contratação, de uma equipa especializada capaz de garantir a correta operação
das infraestruturas, tanto através da manutenção do sistema como no seu acompanhamento;
esta medida, apesar de não estar diretamente relacionada com o volume de produção de
biogás, é essencial para que o processo funcione corretamente, tanto a curto como a longo
prazo;
• A otimização da produção de biogás a partir da matéria orgânica disponível através de ensaios
onde se variam os diversos parâmetros que regem a digestão anaeróbia, como a concentração
das lamas alimentadas ou a razão de lamas primárias para lamas secundárias. Testar regime
termofílico quanto à sua capacidade de produção e existência de custos de manutenção
adicionais e estudar o melhor método para proceder à transição de regime térmico;
• Que se faça ensaios usando diferentes métodos e intensidades de agitação no DA de modo a
diminuir a sua estratificação e que se quantifique os ganhos associados de forma a ser possível
perceber qual a melhor combinação destes dois parâmetros;
• Que se substitua os equipamentos de arejamento (compressores) por modelos mais recentes
e eficientes, uma vez que estes aparelhos são normalmente responsáveis por uma grande
parte do consumo energético de uma ETAR;
• Que se estude a possibilidade de agrupar ETARs geograficamente próximas de modo a
melhorar a eficiência do processo de tratamento (o consumo elétrico específico do tratamento
diminui com o volume de afluente tratado [28]).
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  • 1. Valorização energética do biogás produzido em ETARs do Grupo Águas de Portugal Daniel Runa Soares Esteves Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Engenharia Mecânica Orientadores: Prof. António Luís Nobre Moreira Dr. Patrícia de Carvalho Baptista Júri Presidente: Prof. Edgar Caetano Fernandes Orientador: Dr. Patrícia de Carvalho Baptista Vogal: Dr. Rui Pedro da Costa Neto Junho 2019
  • 2. 2
  • 3. 3 Agradecimentos Este estudo apenas foi possível através da cooperação entre as empresas GALP e Águas de Portugal, as quais me proporcionaram a oportunidade de escrever esta dissertação para obtenção de grau de mestre, através do programa GALP21. A elas o meu muito obrigado. Gostaria também de deixar um agradecimento ao Professor António Moreira do Instituto Superior Técnico (IST) por me ter proposto este estudo e à Investigadora Patrícia Baptista, também do IST, que me acompanhou ao longo de todo o percurso. Agradeço também à equipa de engenharia das Águas de Portugal, em particular ao engenheiro Miguel Águas, os quais me integraram na sua equipa e providenciaram todos os recursos necessários à elaboração deste estudo. Finalmente, a todos os que estiveram ao meu lado durante o meu percurso académico, aos meus amigos e amigas e à minha família; a eles estarei eternamente grato. Sem vocês não teria conseguido. Obrigado.
  • 4. 4 Resumo Com o aumento da população global e da urbanização das nossas cidades é expectável que comece a existir escassez dos nossos principais recursos energéticos, bem como um aumento da poluição atmosférica associado ao uso de combustíveis fósseis. Paralelamente, cresce a necessidade de tratar cada vez mais resíduos urbanos o que envolve gastos energéticos consideráveis. Consequentemente, este estudo centrou-se em nove ETARs do grupo Águas de Portugal e teve por objetivo otimizar a produção elétrica a partir do biogás produzido, resultante do tratamento das águas residuais. Para isso as instalações foram avaliadas e diagnosticadas com base em visitas presenciais. Seguidamente foram calculadas as necessidades térmicas de cada instalação e ainda o potencial de melhoramento de produção elétrica. Foi avaliado o cenário de trocar os cogeradores de modo a melhorar o funcionamento do sistema produtivo. A avaliação da substituição dos nove cogeradores (através de um investimento de 1,65 milhões de euros) aponta para uma poupança adicional no consumo elétrico de cerca de 1,24 milhões de euros por ano e uma redução nas emissões de CO2 na ordem das 3 700 toneladas por ano. Estes resultados foram avaliados quanto à sua sensibilidade perante variações de alguns pressupostos assumidos por este estudo. O potencial de aproveitamento energético do biogás resultante do tratamento das águas residuais é considerável, como evidenciado pelos resultados, mas ainda existe muito a melhorar num sistema como este, nomeadamente a compreensão e otimização do processo biológico da digestão anaeróbia e a utilização de equipamentos mais modernos (e, portanto, mais eficientes). Palavras-Chave: Cogeração; Biogás; Tratamento de águas Residuais.
  • 5. 5 Abstract With the increasing global population together with high rates of urbanization, a shortage of our main energy resources should be expected, as well as an increase in air pollution associated with the use of fossil fuels. Parallel to this is also growing the need to treat more urban waste, which involves considerable energy costs. Consequently, this study focused on nine wastewater treatment plants belonging to Águas de Portugal group and its objective was to optimize the electricity production from the biogas produced as a result of wastewater treatment. For this, the facilities were evaluated and diagnosed based on on-site visits. Next, the thermal needs of each facility were calculated as well as the potential for improvement of each installation in terms of its electrical production. The scenario of changing cogenerators was evaluated to improve the efficiency of the production system. The evaluation of replacing nine cogenerators (through an investment of 1,65 million euros) points to an annual saving in electricity consumption of around 1,24 million euros as well as a reduction in CO2 emissions on the order of 3 700 tons per year. These results were evaluated for their sensitivity regarding any variations of some assumptions taken by this study. The biogas energy potential resulting from wastewater treatment is considerable, as evidenced by the results, but there is still much to improve in such a system, namely understanding and optimizing the biological process of anaerobic digestion and the use of more modern equipment (and, therefore, more efficient). Keywords: Cogeneration; Biogas; Wastewater Treatment.
  • 6. 6 Índice 1. Introdução................................................................................................................................11 1.1. Motivação e Enquadramento ...........................................................................................11 1.2. Objetivos .........................................................................................................................15 1.3. Estrutura da tese .............................................................................................................15 2. Revisão Bibliográfica ..............................................................................................................16 2.1. Ciclo da Água..................................................................................................................16 2.2. Produção de Biogás ........................................................................................................18 2.3. Aproveitamento Energético do Biogás .............................................................................19 2.4. Eficiência Energética no Tratamento de Águas Residuais................................................23 3. Metodologia.............................................................................................................................27 3.1. Descrição do caso de estudo: Águas de Portugal ............................................................27 3.1.1. Matriz de Incidências...........................................................................................29 3.1.2. Balanço Energético .............................................................................................31 3.1.3. Potencial Económico...........................................................................................33 3.2. Proposta de melhoria.......................................................................................................34 3.3. Análise de variáveis mais influentes.................................................................................35 4. Resultados e discussão..........................................................................................................37 4.1. Análise da caracterização das ETARs .............................................................................37 4.1.1. Matriz de incidências...........................................................................................37 4.1.2. Balanço Energético .............................................................................................39 4.1.3. Potencial Económico...........................................................................................40 4.2. Dimensionamento da potência de cogeração...................................................................41 4.3. Análise de variáveis mais influentes.................................................................................46 5. Conclusões e trabalho futuro .................................................................................................51 6. Bibliografia ..............................................................................................................................53 7. Anexos.....................................................................................................................................57
  • 7. 7
  • 8. 8 Lista de Figuras Figura 1 - Evolução da dependência energética de Portugal [3] ........................................................11 Figura 2 - Distribuição de energia primária em Portugal [3]................................................................12 Figura 3 - Distribuição do consumo de energia final em Portugal, 2016 [3] ........................................13 Figura 4 - Ciclo da Água (adaptado de [15]) ......................................................................................17 Figura 5 - Esquema de funcionamento de uma ETAR (Adaptado de [15]) .........................................18 Figura 6 - Rendimento elétrico motor ciclo Diesel (CI engine) vs. motor ciclo Otto (SI engine) [26] ....21 Figura 7 - Instalação típica de cogeração [18] ...................................................................................21 Figura 8 - Esquema da instalação do circuito de biogás ....................................................................22 Figura 9 - Matriz de Incidências.........................................................................................................37 Figura 10 - Estudo dimensionamento da potência de cogeração para a ETAR de Beirolas................44 Figura 11 - Estudo dimensionamento da potência de cogeração para a ETAR de Frielas..................44 Figura 12 - Variação na produção de biogás ao longo do ano de 2017..............................................45 Figura 13 - Análise da sensibilidade dos resultados quanto a variações da produção específica de biogás na ETAR de Beirolas .............................................................................................................46 Figura 14 - Análise da sensibilidade dos resultados quanto a variações da produção específica de biogás na ETAR de Frielas ...............................................................................................................47 Figura 15 - Análise da sensibilidade dos resultados quanto a variações do preço da eletricidade na ETAR de Beirolas .............................................................................................................................48 Figura 16 - Análise da sensibilidade dos resultados quanto a variações do preço da eletricidade na ETAR de Frielas ...............................................................................................................................48 Figura 17 - Análise da sensibilidade dos resultados quanto a variações da percentagem de biogás utilizado na ETAR de Beirolas...........................................................................................................49 Figura 18 - Análise da sensibilidade dos resultados quanto a variações da percentagem de biogás utilizado na ETAR de Frielas.............................................................................................................50 Figura 19 - Constantes utilizadas ......................................................................................................57 Figura 20 - Estudo dimensionamento da potência de cogeração para a ETAR de Chelas..................57 Figura 21 - Estudo dimensionamento da potência de cogeração para a ETAR de S. João da Talha ..58 Figura 22 - Estudo dimensionamento da potência de cogeração para a ETAR de V. Franca de Xira .58 Figura 23 - Estudo dimensionamento da potência de cogeração para a ETAR de Barreiro/Moita.......59
  • 9. 9 Figura 24 - Estudo dimensionamento da potência de cogeração para a ETAR de Quinta do Conde..59 Figura 25 - Estudo dimensionamento da potência de cogeração para a ETAR de Sesimbra..............60 Figura 26 - Estudo dimensionamento da potência de cogeração para a ETAR de Seixal...................60 Figura 27 - Análise de sensibilidade de Chelas (1/3) .........................................................................61 Figura 28 - Análise de sensibilidade de Chelas (2/3) .........................................................................61 Figura 29 - Análise de sensibilidade de Chelas (3/3) .........................................................................62 Figura 30 - Análise de sensibilidade de SJTalha (2/3) .......................................................................62 Figura 31 - Análise de sensibilidade de SJTalha (3/3) .......................................................................63 Figura 32 - Análise de sensibilidade de VFXira (1/3) .........................................................................63 Figura 33 - Análise de sensibilidade de VFXira (2/3) ........................................................................64 Figura 34 - Análise de sensibilidade de VFXira (3/3) ........................................................................64 Figura 35 - Análise de sensibilidade de BarreiroM (1/3).....................................................................65 Figura 36 - Análise de sensibilidade de BarreiroM (2/3).....................................................................65 Figura 37- Análise de sensibilidade de BarreiroM (3/3)......................................................................66 Figura 38 - Análise de sensibilidade de QConde (1/3) .......................................................................67 Figura 39 - Análise de sensibilidade de QConde (2/3) .......................................................................67 Figura 40 - Análise de sensibilidade de QConde (3/3) .......................................................................68 Figura 41 - Análise de sensibilidade de Sesimbra (1/3) .....................................................................68 Figura 42 - Análise de sensibilidade de Sesimbra (2/3) .....................................................................69 Figura 43 - Análise de sensibilidade de Sesimbra (3/3) .....................................................................69 Figura 44 - Análise de sensibilidade de Seixal (1/3)...........................................................................70 Figura 45 - Análise de sensibilidade de Seixal (2/3)...........................................................................70 Figura 46- Análise de sensibilidade de Seixal (3/3)............................................................................71
  • 10. 10 Índice de Tabelas Tabela 1 - ETARs selecionadas ........................................................................................................27 Tabela 2 - Sustentabilidade Energética ETARs .................................................................................28 Tabela 3 - Dados de produção de biogás e eletricidade em 2017......................................................28 Tabela 4 - Temperatura média anual DA (2017)................................................................................31 Tabela 5 - Balanço Energético para o ano de 2017 ...........................................................................39 Tabela 6 - Potencial Económico 2017 ...............................................................................................41 Tabela 7- Potência média de cogeração ...........................................................................................42 Tabela 8 - Potência para menor PRI .................................................................................................42 Tabela 9 - Potência para queimar 95% do biogás produzido .............................................................43 Tabela 10 – Resultados do estudo de dimensionamento da potência de cogeração..........................45 Tabela 11 - Sustentabilidade Energética ...........................................................................................46 Lista de Acrónimos AdP – Águas de Portugal DA – Digestor Anaeróbio DGEG – Direção Geral de Energia e Geologia ETA – Estação de Tratamento de Águas ETAR – Estação de Tratamento de Águas Residuais GEE – Gases Efeito Estufa HVAC – Aquecimento, Ventilação e Ar Condicionado (Heating, Ventilation and Air Conditioning) LM – Lamas Mistas PEPE – Plano de Eficiência e Produção de Energia PRI – Período de Retorno do Investimento SGCIE – Sistema de Gestão dos Consumos Intensivos de Energia TEP – Toneladas Equivalentes de Petróleo
  • 11. 11 1. INTRODUÇÃO 1.1. MOTIVAÇÃO E ENQUADRAMENTO Com o aumento do consumo de energia primária que se tem registado ao longo dos últimos anos tem- se observado uma preocupação crescente com a sustentabilidade ecológica e económica das fontes de energia da nossa civilização. É inevitável que com o aumento da população global, e com o crescimento de economias em desenvolvimento (como por exemplo na China ou na Índia), a necessidade energética global continue a aumentar. Estima-se que em 2035 a exigência energética dos países em desenvolvimento atinja quase o dobro da dos países desenvolvidos, sendo que este aumento deverá ser suportado maioritariamente por fontes de energia fóssil [1]. O uso de combustíveis fósseis continua a ser essencial para a vida quotidiana e para o desenvolvimento da tecnologia, mas a sua utilização resulta na emissão de gases de efeito de estufa (GEE) que contribuem para o aquecimento global, associado às alterações climáticas no nosso planeta [2]. Isto, aliado ao facto de as reservas destes combustíveis serem limitadas e de, como já referido anteriormente, o consumo de energia primária estar a aumentar, sugere que se invista em fontes de energia mais sustentáveis. Em Portugal têm sido feitos esforços para se investir em diferentes formas de energia, nomeadamente no gás natural e nas energias renováveis, levando a uma diminuição da dependência energética do mercado exterior e a um decréscimo no consumo do petróleo (Figura 1 e Figura 2 respetivamente). Figura 1 - Evolução da dependência energética de Portugal entre 1996 e 2016 [3]
  • 12. 12 Figura 2 - Distribuição de consumo de energia primária em Portugal em 2007 e 2016 [3] Este decréscimo de 7,5% na dependência energética e redução de 12% no peso do petróleo na energia primária registados entre o ano de 2007 e 2016 são resultados importantes para Portugal por se tratar de um país com escassos recursos fósseis, colocando-o numa posição frágil face ao mercado de energia exterior, cujos preços se encontram em constante flutuação. Ainda assim é necessário que se continue esta aposta em energias renováveis para que a dependência energética e a pegada ecológica do país continuem a diminuir. Apesar destas energias terem registado uma subida de 7% no peso da distribuição de energia primária em Portugal entre o ano de 2007 e 2016 (Figura 2), continuam muito aquém do peso que tem o petróleo, implicando que continuemos a importar grande parte da energia que necessitamos. Paralelamente a este acréscimo na exploração de energias renováveis é também importante que se invista em medidas de melhoria de eficiência energética, uma vez que a melhor forma de reduzir custos e emissões associados ao uso de energia é reduzir a sua produção/consumo. Para o efeito, foi criada em 2008 a regulamentação do SGCIE – Sistema de Gestão dos Consumos Intensivos de Energia – através da publicação do Decreto-Lei nº 71/2008, de 15 de abril, que abrange instalações com consumos energéticos superiores a 500 tep/ano (tep – toneladas equivalentes de petróleo), com o objetivo de melhorar a sua eficiência energética e monitorizar os consumos energéticos. Esta regulamentação prevê que, periodicamente, estas instalações realizem auditorias energéticas às condições de utilização de energia e promovam o aumento de eficiência energética, tentando implementar formas de energia renovável sempre que possível [4]. Foi ainda apresentado, em março de 2010, o programa da comissão europeia “Europa 2020”, no qual foram estabelecidas metas energéticas que os seus estados membros têm de cumprir até ao final do ano de 2020. Para o caso de Portugal, foi estabelecido que até ao final do programa as emissões de GEE não poderão aumentar mais de 1% do seu valor atual, a percentagem de energias renováveis no consumo de energia final deverá atingir os 31% e ainda que a eficiência energética do consumo de energia primária deverá registar uma melhoria de 20% em relação ao ano de 2005 [5]. A distribuição do consumo de energia final em Portugal respeitante ao ano de 2016 está representada na Figura 3. Observa-se que grande parte do consumo do país provém dos setores da indústria e dos transportes, que juntos representam cerca de 68% do consumo de energia final [3]. Isto aponta para
  • 13. 13 que se promova a melhoria da eficiência energética junto destes setores de forma a aumentar a sustentabilidade energética de Portugal. Figura 3 - Distribuição do consumo de energia final em Portugal, 2016 [3] A indústria em Portugal é responsável por cerca 31% do consumo de energia final do país. Nesta fatia encontra-se o consumo energético associado ao tratamento de águas residuais, um processo essencial de um ponto de vista ecológico, mas dispendioso em termos energéticos. O gasto energético específico a cada instalação de tratamento pode tomar uma grande gama de valores consoante os tratamentos empregues, qualidade de afluente, tecnologias de tratamento e até da experiência da equipa técnica mas, geralmente, situa-se entre os 0.079 a 1.122 kWh por metro cúbico de afluente tratado [6]. Com o aumento da população global juntamente com a constante urbanização de território é inevitável que este processo tenda a exigir gastos de energia cada vez maiores, apresentando atualmente um consumo equivalente a 7% do consumo de eletricidade a nível mundial [7]. Em Portugal, o fornecimento de água e consequente tratamento das águas residuais é da responsabilidade das Águas de Portugal (AdP). Com um consumo anual elétrico de cerca de 700 GWh, as AdP são responsáveis por cerca de 1,4% do consumo nacional, posicionando-se entre os cinco maiores consumidores do país [8]. De acordo com o artigo “A energia no setor da água”, de autoria das AdP, os gastos energéticos com o tratamento da água residual representam cerca de 33% do consumo da empresa [9]. Num esforço de tentar diminuir os custos de operação, as AdP lançaram no ano de 2017 o projeto PEPE (Plano de Eficiência e Produção de Energia). Esta iniciativa visa um plano de investimento de 18 milhões de euros em energias renováveis até 2020 numa tentativa de aumentar a atual produção elétrica de 24,4 Gigawatt-hora (GWh) para 50 GWh [10]. A atual produção elétrica das AdP, ainda que se espere que venha a duplicar com este investimento, continuará a permanecer muito abaixo do consumo atual do grupo, impossibilitando uma operação autossustentável nas suas infraestruturas. No entanto, a análise de literatura indica que é possível tornar o processo de tratamento de águas residuais energeticamente autossuficiente, apesar de para
  • 14. 14 isso ser necessário um investimento relativamente alto e uma aposta em eficiência energética [11]. Exemplo disso é o caso da estação de tratamento de água residual (ETAR) da Guia no distrito de Lisboa, a maior do país e a primeira onde, em 2017, se atingiu em pleno a autossustentabilidade energética, permitindo alcançar uma poupança de cerca de um milhão de euros bem como uma redução de seis mil toneladas de emissões de dióxido de carbono que teriam sido libertadas para a atmosfera caso se tivesse produzido a eletricidade que foi poupada. Isto só se tornou possível através de medidas de poupança energética e de uma aposta na otimização do processo de cogeração, que permite produzir eletricidade a partir do poder calorífico do biogás resultante do tratamento das águas residuais [12]. Existem inúmeros exemplos de instalações de tratamento de águas residuais a nível mundial que já alcançaram a neutralidade energética ou outras que para lá caminham. De Aarhus, na Dinamarca, chega-nos o exemplo da estação de tratamento de Marseliborg, onde ao longo dos últimos 10 anos tem-se investido na eficiência energética do tratamento e na otimização de produção de biogás de modo a alcançar a neutralidade energética. Aqui, não só foi possível alcançar a neutralidade energética como também conseguiram um excesso de produção de 53% de energia. Para tal, consolidaram as 14 estações de tratamento que existiam em apenas 4, uma vez que se revela mais eficiente tratar as águas residuais em estações com maior capacidade. Ao mesmo tempo, diminui- se também custos de operação e de manutenção. Para além desta medida, foram também estudadas todas as fases de tratamento de modo a melhorar a eficiência de tratamento sempre que possível. Uma das medidas que se revelou mais eficazes foi a substituição dos três compressores de arejamento responsáveis pela desodorização por apenas um mais eficiente, o que permitiu uma redução no consumo de cerca de 300,000 kWh por ano [13]. De acordo com o estudo intitulado “The feasibility and challenges of energy self-sufficient wastewater treatment plants” de 2017, o autor conclui que apesar de existirem alguns desafios a superar aquando o projeto da instalação de tratamento é definitivamente possível alcançar a neutralidade energética, ainda que para isso possa ser necessário combinar várias formas de energia renovável (eólica, solar, hídrica). É também referido neste estudo a importância de aumentar o volume tratado na instalação de modo a baixar o consumo específico por volume de afluente tratado [14]. Posto isto, é evidente que se deve tentar caminhar para a neutralidade energética numa ETAR com vista a reduzir a sua fatura energética e consequentemente reduzir as emissões associadas ao processo de produção de eletricidade a partir de fontes não renováveis. Tal só será possível se houver uma aposta na produção de energias renováveis e na promoção da eficiência energética.
  • 15. 15 1.2. OBJETIVOS Neste contexto, esta dissertação teve como objetivo a avaliação do aproveitamento energético do biogás produzido nas infraestruturas da AdP de forma a melhorar a sustentabilidade energética do processo de tratamento das águas residuais, partindo de uma análise detalhada da situação atual que teve por base os valores de produção do ano de 2017. Para isso foram definidos os seguintes passos: • Avaliação qualitativa e quantitativa das condições de operação das infraestruturas e dos diversos componentes do sistema de aproveitamento energético do biogás através de visitas às instalações das AdP; • Processamento e análise dos dados de produção de biogás e eletricidade respeitantes a cada uma das ETARs; • Criação de propostas de melhoria com vista a melhorar a valorização energética do biogás. Este estudo focou-se em nove das vinte e sete ETARs do grupo AdP que exploram o potencial energético do biogás a nível nacional. Estas nove instalações foram escolhidas tendo por base a sua localização geográfica, a qual compreende a região imediatamente a norte e a sul do Tejo. A sua proximidade à sede das AdP (Lisboa) facilitou as visitas e recolha de dados. 1.3. ESTRUTURA DA TESE A presente tese foi dividida em 5 capítulos, sendo que o atual tem como propósito introduzir o tema deste estudo. No capítulo 2 faz-se uma revisão bibliográfica onde se apresentam conclusões e soluções de outros estudos sobre os processos e tecnologias referentes ao tema da dissertação. No capítulo 3 é apresentado o caso de estudo da tese e descrevem-se quais os procedimentos realizados em cada passo da sua caracterização. No capítulo seguinte (4º capítulo) podem-se consultar os resultados tanto da caracterização do caso de estudo como da proposta de valor desta tese, bem como os resultados da análise de sensibilidade dos resultados. Finalmente, no capítulo 5, discutem-se os resultados obtidos e apresentam-se algumas sugestões relativas a trabalho futuro.
  • 16. 16 2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA O capítulo atual tem como propósito introduzir os principais conceitos associados ao tema da presente dissertação. Em primeiro lugar discute-se o percurso que a água toma desde que é captada até ser novamente devolvida ao meio hídrico, bem como os tratamentos a que é sujeita numa ETAR e como é que estes processos produzem biogás a partir das águas residuais. De seguida explica-se no que consiste o processo de produção de biogás e quais os principais fatores que afetam este processo. Finalmente, esclarece-se o que se entende por cogeração, e como esta é aplicada ao caso específico das ETARs, apresentando as diferentes tecnologias para isso usadas. 2.1. CICLO DA ÁGUA O processo de abastecimento de água potável e consequente recolha e tratamento desta água (águas residuais), também conhecido como o ciclo da água, é uma atividade essencial para a sociedade. Para que este processo ocorra é, no entanto, necessário incorrer em gastos de energia, que certamente irão aumentar com o aumento de população (encarecendo o processo). É também essencial pensar na rejeição das águas recolhidas de forma a minimizar o impacto que esta atividade possa ter para o meio ambiente. A libertação de águas contaminadas pode dizimar ecossistemas, seja através de químicos tóxicos à vida ou de um excesso de carga orgânica que poderá vir a induzir um boom de algas no meio hídrico, reduzindo o oxigénio dissolvido e asfixiando a vida que lá habita. Também a saúde pública poderá vir a ser comprometida caso exista contaminação de cursos de água destinados ao consumo humano. O tratamento necessário é dispendioso em termos energéticos, mas, como se discute mais tarde neste trabalho, potencia a produção de energia on-site, permitido melhorar a sustentabilidade do processo. O ciclo da água pode ser separado em duas partes; na primeira, que ocorre numa estação de tratamento de água (ETA), a água é captada de um meio hídrico, como por exemplo uma barragem, e é tratada antes de ser enviada para consumo; na segunda, a água é recolhida após uso (cerca de 93% da água captada inicialmente é recolhida) e enviada para a ETAR onde é tratada por processos químicos, mecânicos e biológicos antes de serem devolvidas ao meio ambiente, ou utilizada para fins como rega de espaços públicos ou para agricultura [15].
  • 17. 17 Figura 4 - Ciclo da Água (adaptado de [15]) Os processos de tratamento específicos empregues em cada ETAR podem variar conforme o tipo de afluentes (domésticos, industriais ou urbanos) que lá chegam, mas fundamentalmente podem ser divididos nas seguintes etapas, consoante a fase (líquida, sólida ou gasosa) [16]: • Tratamento da fase líquida • Pré-tratamento Processos de remoção de sólidos de maiores dimensões que poderiam danificar os equipamentos da estação a jusante; • Tratamento primário Separação da fase sólida da líquida através da remoção parcial de sólidos suspensos e de matéria orgânica sedimentável; • Tratamento secundário Remoção da maioria da matéria orgânica por processos biológicos (tratamento aeróbio e anaeróbio) seguidos de processos físico-químicos em decantadores secundários; • Tratamento terciário Processos complementares que visam aprimorar o tratamento, a fim de atingir uma maior percentagem de remoção de sólidos suspensos residuais, nutrientes ou outros compostos tóxicos bem como remoção de organismos patogénicos. • Tratamento da fase sólida Estabilização das lamas e redução do seu volume (desidratação) sendo depois condicionadas e armazenadas para transporte; • Tratamento da fase gasosa
  • 18. 18 Tratamento de odores e possível cogeração de biogás. As lamas resultantes do tratamento primário (lamas primárias) e secundário (lamas secundárias) são enviadas para a linha de tratamento de lamas onde são misturadas (criando as lamas mistas, ou LM) sendo posteriormente redirecionadas para reservatórios privados de oxigénio, conhecidos por digestores anaeróbios (DA), onde são digeridas por microrganismos anaeróbios. A digestão anaeróbia revela-se essencial no tratamento das lamas, reduzindo o seu conteúdo sólido e neutralizando a maioria dos agentes patogénicos presentes [17]. Um dos produtos que resulta desta digestão é o biogás. Na Figura 5 pode observar-se, ainda que de forma esquemática e generalizada, o esquema de funcionamento de uma ETAR. Figura 5 - Esquema de funcionamento de uma ETAR (Adaptado de [15]) 2.2. PRODUÇÃO DE BIOGÁS O biogás produzido no tratamento de águas residuais resulta da digestão anaeróbia, um processo bioquímico que ocorre na ausência de oxigénio no qual vários tipos de microrganismos anaeróbios (bactérias) decompõem compostos orgânicos complexos, transformando-os em componentes mais simples [18]. Por ser um processo biológico, a digestão anaeróbia depende de vários fatores como o tipo e a concentração da matéria orgânica, temperatura, humidade, pH, entre outros. [19] De entre os fatores referidos anteriormente, a temperatura a que se encontra o DA revela-se como um dos mais importantes, uma vez que temperaturas demasiado baixas podem impossibilitar o processo devido a uma redução na taxa de crescimento dos microrganismos e, por outro lado, temperaturas demasiado altas podem provocar uma redução da biomassa disponível ou aumentar a concentração de amónia que suprime a atividade metanogénica. É também importante tentar manter uma temperatura constante no DA uma vez que variações superiores a 1ºC/dia podem inviabilizar o processo [19].
  • 19. 19 Existem três gamas de temperatura para o DA onde é possível a produção de biogás, sendo elas a psicrófila (abaixo de 25ºC), a mesófila (25ºC a 45ºC) e a termófila (45ºC a 70ºC) [18]. O regime mais frequentemente encontrado nas instalações de produção de biogás é o mesófilo [20], sendo que a melhor temperatura de operação deste regime ronda os 35ºC durante um período de digestão de cerca de dezoito dias [19]. A composição do biogás depende das condições de digestão anaeróbia e do tipo de afluente que lhe deu origem mas, de um modo geral, é constituído por metano, dióxido de carbono e outros compostos em menor quantidade tais como o sulfeto de hidrogénio, amónia, azoto, entre outros [18]. No caso de uma ETAR, onde o biogás proveio de lamas, é maioritariamente composto por metano (CH4, 60% a 75%) e dióxido de carbono (CO2, 19% a 33%) [21]. Ambos os gases referidos anteriormente são considerados GEE (o metano é cerca de trinta vezes mais nocivo que o dióxido de carbono na capacidade de GEE [22]). Torna-se então necessário queimar o biogás de forma a neutralizar o metano, que é libertado como dióxido de carbono e água (H2O) segundo a reação seguinte [23]: CH4 + 2 O2 ⟶ CO2 + 2 H2O (1) Todas as ETARs pertencentes à AdP com um sistema de digestão anaeróbia estão equipadas com uma tocha para queimar o biogás. As que servem uma população superior a cem mil habitantes, e têm, portanto, uma maior produção de biogás, foram equipadas com um sistema de modo a produzir eletricidade a partir do poder calorífico do biogás e a aproveitar o calor da combustão que seria desperdiçado para aquecer o digestor à temperatura ideal de digestão por parte dos microrganismos mesofílicos que lá habitam. De referir ainda que este processo é considerado uma fonte de energia renovável, uma vez que a matéria orgânica transformada em biogás provem de resíduos orgânicos que todos os dias são produzidos (matéria vegetal, agricultura, pecuária…), ao contrário dos combustíveis fósseis, que não se renovam suficientemente rápido para serem considerados renováveis na escala de vida humana. 2.3. APROVEITAMENTO ENERGÉTICO DO BIOGÁS A produção de biogás nas ETARs possibilita o aproveitamento energético deste gás, sendo que o seu poder calorífico pode ser de utilizado para produção de calor e eletricidade se comburido num motor acoplado a um gerador e equipado com um sistema de recuperação de calor apropriado (cogerador). Segundo o relatório de 2015 “State of the art of biogas and biomethane in Europe”, da autoria da Associação Europeia do Biogás, existem cerca de 14 563 instalações na Europa equipadas com
  • 20. 20 sistemas de aproveitamento energético do biogás, totalizando uma potência instalada de 7 857 MW. Estas instalações foram responsáveis por uma produção de 48,9 TWh (Terawatt-Hora) de eletricidade e de 48,5 TWh de calor no ano de 2013 [24]. No entanto as necessidades térmicas de uma ETAR num país como Portugal, onde as temperaturas atmosféricas são geralmente amenas, não são elevadas especialmente quando comparadas com países nórdicos. Assim, torna-se mais relevante tentar otimizar a produção elétrica, permitindo sustentabilizar economicamente o processo de tratamento de águas residuais [25]. Para tal, é necessário converter a energia química presente no biogás em energia elétrica e, para isso, existem diferentes tecnologias disponíveis. Na escolha da tecnologia é preciso ter em conta algumas especificações deste tipo de aproveitamento energético. Em primeiro lugar, o combustível utilizado (biogás), apesar de passar por várias etapas de purificação, continua a ter alguns contaminantes que podem impossibilitar a sua exploração energética consoante a tecnologia escolhida. Em segundo lugar, deve-se garantir que a opção escolhida produz calor suficiente para suprimir as necessidades energéticas do DA tentando ao mesmo tempo maximizar a produção elétrica, de modo a melhorar a sustentabilidade energética do processo de tratamento das águas residuais na ETAR. Dependendo dos requisitos do projeto, a tecnologia adotada pode ser o motor alternativo (de ciclo Diesel ou Otto) ou a turbina a gás sendo que a mais usada a nível mundial é, por uma grande margem, a do motor alternativo, mais concretamente o motor de ciclo Diesel. De um ponto de vista económico, o motor de ciclo Diesel costuma ser a melhor alternativa para explorar o potencial energético do biogás uma vez que é mais resiliente à qualidade do combustível (presença de contaminantes, teor de metano...) quando comparado com a turbina a gás (ou seja, é necessário realizar mais etapas de purificação antes do biogás poder ser usado numa turbina a gás quando comparado com um motor alternativo, encarecendo o processo); Apresenta ainda um rendimento elétrico (𝜂𝑒𝑙é𝑡𝑟𝑖𝑐𝑜) mais elevado em relação ao motor de ciclo Otto como se pode observar na Figura 6, mas existem outras alternativas como microturbinas que, dependendo das características da instalação, podem revelar-se economicamente viáveis [26].
  • 21. 21 Figura 6 - Rendimento elétrico motor ciclo Diesel (CI engine) vs. motor ciclo Otto (SI engine) [26] Efetivamente, todos as ETARs no país do grupo AdP que exploram o potencial energético do biogás foram equipadas com motores alternativos. Estes motores operam num regime de cogeração, um tipo de produção capaz de produzir eletricidade e calor útil ao mesmo tempo, permitindo obter rendimentos globais da ordem dos 90% [27]. Na encontra-se representado, de forma esquemática, uma instalação típica de produção elétrica com cogeração, usando biogás como combustível. Figura 7 - Instalação típica de cogeração [18] A entrada “Biomassa”, que neste caso representa as lamas mistas filtradas das águas residuais, é enviada para o DA, onde microrganismos anaeróbios digerem a matéria orgânica, neutralizando-a e
  • 22. 22 reduzindo o conteúdo sólido das lamas. Tal como explicado no capítulo anterior, é durante este processo que se forma o biogás. As lamas digeridas são removidas do digestor e são desidratadas para serem usadas como fertilizante. O biogás é recolhido por um sistema de condutas e sujeito a diversas etapas de purificação (remoção de contaminantes prejudiciais ao aproveitamento energético) antes de poder ser enviado para queima num motor acoplado a um gerador, de modo a produzir eletricidade. O calor da combustão que seria desperdiçado através do líquido de arrefecimento do bloco do motor e dos gases de escape é aproveitado com recurso a permutadores de calor, permitindo usá-lo para aquecer o DA. Na Figura 8 encontra-se representado, a título de exemplo e de forma simplificada, o percurso do biogás de uma das ETARs estudadas, juntamente com o circuito de aquecimento das lamas do DA. Cada cor representa um circuito independente. Figura 8 - Esquema da instalação do circuito de biogás Os diferentes circuitos são descritos de seguida de acordo com a respetiva cor na Figura 8: • Preto – Circuito que o biogás percorre desde os digestores, onde é produzido, até um dos consumidores (tocha ou motor). O gasómetro consiste num reservatório com uma membrana externa de volume fixo e uma membrana interna de volume variável; é o equipamento responsável por manter o biogás a pressão constante e adequada à sua combustão. Serve também para aumentar a capacidade de armazenamento de biogás; • Vermelho – Circuito que o líquido de arrefecimento do bloco do motor percorre. Antes do seu calor ser aproveitado para aquecer o digestor, o líquido passa por um permutador de calor de gás/água (Permutador 1) onde poderá ser aquecido ainda mais usando o calor dos gases de escape do motor;
  • 23. 23 • Cinzento – Circuito dos gases de escape, equipado com uma válvula de controlo de três vias, permitindo optar entre aproveitar o calor dos gases num permutador de calor de gás/água (Permutador 1), aumentando a temperatura do líquido de arrefecimento do motor, ou enviar os gases diretamente para a chaminé; • Verde – Circuito intermédio de água. Tem como função impedir a mistura das lamas com o líquido de arrefecimento do bloco do motor, prevenindo avarias no caso de ocorrerem fugas nos circuitos; • Castanho – Circuito de recirculação de lamas. As lamas são retiradas dos digestores e enviadas a um permutador de calor de lamas/água (Permutador 3 e 4) onde são aquecidas usando a energia térmica libertada na combustão do biogás produzido nesses mesmos digestores. 2.4. EFICIÊNCIA ENERGÉTICA NO TRATAMENTO DE ÁGUAS RESIDUAIS A melhor forma de reduzir os custos e emissões poluentes associados ao consumo de eletricidade de qualquer processo é melhorar a sua eficiência energética. De um modo geral, os custos associados a melhorias de eficiência energética são menores que os custos de produção, transporte e distribuição de energia a partir de centrais elétricas. Existem inúmeros estudos na literatura que demonstram a importância de melhorar a eficiência energética no tratamento de águas residuais; O departamento de proteção ambiental dos EUA publicou em 2013 o artigo “Energy Efficiency in Water and Wastewater Facilities” onde se explica como proceder para melhorar a eficiência energética numa ETAR, enumerando as diversas vantagens desta melhoria [28]: • Redução da poluição atmosférica e emissões de GEE. Melhorar a eficiência energética das ETARs permite reduzir o consumo de energia proveniente de fontes de energia fósseis; • Redução dos custos energéticos. O tratamento de águas residuais requer gastos de energia consideráveis, podendo atingir até 10% do orçamento de estado desse país. Reduzir os gastos atuais permitirá continuar o investimento na eficiência energética do processo ou até de outras áreas importantes da sociedade; • Apoio do crescimento económico. Investir na eficiência energética de uma ETAR pode apoiar o crescimento da economia local, criando postos de trabalho e aumentando a procura/oferta de soluções de eficiência energética no mercado;
  • 24. 24 • Liderar pelo exemplo. Investir na promoção da eficiência energética pode demonstrar a preocupação que certa entidade tem com a sustentabilidade ecológica do seu processo e influenciar outros a seguir o seu exemplo; • Prolongar a vida útil dos equipamentos. Os equipamentos mais modernos, de tecnologia mais eficiente, têm, geralmente, uma vida útil mais longa e requerem menos manutenção que os equipamentos mais antigos e desatualizados; • Melhorar a segurança do abastecimento da água. Aumentar a eficiência energética no tratamento da água reduz a necessidade de energia elétrica do processo, permitindo uma maior segurança contra eventuais falhas no abastecimento de água durante períodos de consumo elétrico acrescido; • Proteger a saúde pública. O aumento da eficiência energética e consequente redução no consumo de eletricidade pode vir a diminuir a poluição atmosférica e de meios hídricos causada pelo uso de combustíveis fósseis nas centrais elétricas, resultando numa qualidade do ar melhorada e em vários benefícios para a saúde. De modo a facilitar a reprodução dos métodos usados, o artigo supracitado sugere que se divida a abordagem em sete etapas que se apresentam de seguida (de forma resumida): • “Get Ready” (Preparação). A primeira etapa passa por definir metas energéticas (sejam elas qualitativas ou quantitativas) e obter/manter o apoio da gestão e corpo técnico ao longo do processo; • “Assess Current Energy Baseline Status” (Avaliar estado atual de energia). De seguida, o artigo sugere que se faça um balanço energético ao sistema e que se identifique os componentes que mais consomem energia ou que são mais ineficientes; • “Establish an Energy Vision and Priorities for Improvement” (Estabelecer prioridades de melhoria energética). Nesta etapa sugere-se que se identifique e avalie as oportunidades de melhoria encontradas; • “Identify Energy Objectives and Targets” (Identificar objetivos energéticos). Definir os objetivos a alcançar com as oportunidades identificadas na etapa anterior; • “Implement Energy Improvement Programs and Build a Management System to Support Them” (Implementar soluções de melhoria energética e criar sistema de gestão que suporte as medidas implementadas). Após as medidas a ser tomadas terem sido identificadas e avaliadas,
  • 25. 25 chega a altura de as implementar depois de serem autorizadas pela gestão. Será necessário criar uma equipa de suporte ao processo de modo a manter o sistema a operar corretamente. • “Monitor and Measure Results of the Energy Improvement Management Program” (Medir e monitorizar os resultados das medidas aplicadas). Nesta etapa é sugerido que se reavalie o que é atualmente monitorizado pela instalação e o que mais deve ser acrescentado à lista de monitorização, que se desenvolva um plano de ação de modo a manter a eficiência energética da instalação e que se avalie o progresso atual dos objetivos definidos inicialmente, tomando ações corretivas se necessário; • “Maintain the Energy Improvement Program” (Continuar com o programa de melhoria de eficiência energética). Finalmente, será continuamente necessário rever e manter os objetivos energéticos a par dos objetivos de negócio da empresa e expandir o envolvimento no programa ao resto da força operária. Seguidamente apresentam-se algumas medidas aplicadas em ETARs que visam a melhoria de eficiência energética da instalação [29]: • Substituição dos compressores de arejamento por turbocompressores 10% mais eficientes, de tamanho mais reduzido e silenciosos que requerem menos manutenção e instalação de injetores de ar energeticamente eficientes nos tanques de arejamento. Esta medida foi implementada por um custo de $450,000 permitindo uma poupança anual de $53,000 (Missouri, EUA); • Instalação de bombas de velocidade variável nos sistemas de bombeamento, o que custou cerca de $1,200,000, traduzindo-se numa poupança anual de $300,000 (Massachusetts, EUA). • Renovação do isolamento dos digestores e melhoria do sistema de HVAC e de recuperação de calor, obtendo uma poupança anual de $335,000 através de um investimento de $425,000 (Massachusetts, EUA). • A instalação de paneis fotovoltaicos, turbinas eólicas ou de pequenas centrais hídricas que aproveitem a energia potencial dos afluentes são também soluções interessantes que podem ajudar a reduzir o custo de operação de uma ETAR e melhorar a sua sustentabilidade. Após a revisão da literatura é possível compreender melhor que melhorar um sistema de aproveitamento energético de biogás não passa apenas por usar tecnologias mais avançadas, mas sim pela observação e correção do comportamento do sistema. É claro que componentes mais
  • 26. 26 modernos, com rendimentos mais elevados, potenciam a produção de biogás, mas para isso é necessário que o sistema já esteja a operar corretamente, tanto a nível biológico como mecânico.
  • 27. 27 3. METODOLOGIA 3.1. DESCRIÇÃO DO CASO DE ESTUDO: ÁGUAS DE PORTUGAL Este estudo foi desenvolvido no grupo de empresas AdP no âmbito do programa GALP21, um programa da GALP S.A. que proporciona a vinte e um estudantes de engenharia do país de três faculdades distintas a oportunidade de realizar um estágio empresarial num dos seus clientes (Águas de Portugal, no caso desta dissertação) com vista a melhorar a sua eficiência energética [30]. Para este estudo foram selecionadas 9 ETARs do grupo AdP (conforme apresentado na Tabela 1) de entre as 24 que estão equipadas com sistemas de aproveitamento energético do biogás num total de 990 distribuídas de norte a sul do país. As ETARS selecionadas são geridas pelas empresas Águas do Tejo Atlântico (AdTA) e SIMARSUL, responsáveis pelo abastecimento e saneamento das águas na margem norte e sul do rio Tejo, respetivamente. Na escolha das ETARs a incluir neste estudo foi sobretudo tido em conta a proximidade das instalações do local onde foi desenvolvido o estágio (sede da AdP – Lisboa), a conselho da equipa de engenharia da AdP. Tabela 1 - ETARs selecionadas ETAR Empresa Beirolas AdTA Chelas AdTA Frielas AdTA São João da Talha AdTA Vila Franca Xira AdTA Barreiro/Moita SIMARSUL Quinta do Conde SIMARSUL Sesimbra SIMARSUL Seixal SIMARSUL Nenhuma das ETARs abordadas neste estudado opera num regime energeticamente autossustentável, como é possível observar na Tabela 2, uma vez que se verificam consumos superiores à produção (𝑆𝑢𝑠𝑡𝑒𝑛𝑡𝑎𝑏𝑖𝑙𝑖𝑑𝑎𝑑𝑒 𝐸𝑛𝑒𝑟𝑔é𝑡𝑖𝑐𝑎 = 𝑃𝑟𝑜𝑑𝑢çã𝑜 𝑑𝑒 𝐸𝑙𝑒𝑡𝑟𝑖𝑐𝑖𝑑𝑎𝑑𝑒 (𝑘𝑊ℎ) 𝐶𝑜𝑛𝑠𝑢𝑚𝑜 𝑑𝑒 𝑒𝑙𝑒𝑡𝑟𝑖𝑐𝑖𝑑𝑎𝑑𝑒 (𝑘𝑊ℎ) ). A eletricidade produzida no ano de 2017 foi cerca de 5,8 GWh, ficando muito aquém da eletricidade consumida no conjunto das nove ETARs selecionadas, as quais totalizaram um consumo de cerca de 32,1 GWh.
  • 28. 28 Tabela 2 - Sustentabilidade Energética ETARs ETAR Eletricidade Produzida (kWh) Eletricidade Consumida (kWh) Sustentabilidade Energética (%) Beirolas 874 611 4 143 488 21% Chelas 582 540 5 594 341 10% Frielas 2 781 993 9 852 530 28% S. J. da Talha 72 765 3 701 461 2% V. F. Xira 461 452 1 044 719 44% Barreiro/Moita 688 874 3 704 947 19% Q. do Conde 201 038 1 473 449 14% Sesimbra 109 672 1 948 095 6% Seixal 70 048 672 193 10% De modo a permitir a realização deste estudo, cada um destas ETARs foi caracterizada através de: • Uma matriz de incidências, que divide o processo produtivo nas suas diversas partes e define o seu estado de operação, tendo sido preenchida com base em visitas às respetivas instalações; • Um balanço energético ao DA de forma a quantificar as suas necessidades térmicas, tendo por base o caudal de lamas que chega à respetiva instalação e as características de cada digestor; • Um estudo económico de potencial de produção elétrica criado a partir dos valores de produção de biogás e eletricidade. Na Tabela 3 são apresentados os valores de produção de biogás1 e de eletricidade correspondentes ao ano de 2017 nas 9 ETARs estudadas. Tabela 3 - Dados de produção de biogás e eletricidade em 2017 ETAR Biogás Produzido (Nm3 ) Eletricidade Produzida (kWh) Beirolas 1 109 102 874 611 Chelas 664 764 582 540 Frielas 2 094 957 2 781 993 São João da Talha 983 463 72 765 Vila Franca Xira 225 818 461 452 Barreiro/Moita 465 372 688 874 Quinta do Conde 123 992 201 038 Sesimbra 54 340 109 672 Seixal 208 308 70 048 Os dados de produção de biogás registados pelas equipas técnicas de cada ETAR no ano de 2017 acabaram por não ser fiáveis para a realização deste estudo, uma vez que os aparelhos utilizados para a medição dessa produção (caudalímetros de biogás) não tiveram a devida manutenção ao longo dos 1 Os valores são apresentados em metro cúbico de gás nas condições normais de pressão e temperatura (condições PTN).
  • 29. 29 anos, estando atualmente em mau estado de funcionamento. Só foi possível perceber isto aquando o cálculo do rendimento elétrico dos motores instalados a partir da eletricidade produzida, cujos resultados apontavam para valores desde 10% até valores superiores a 100% (quando na realidade se deveriam situar entre os 35% a 40%). Assim, foi necessário tomar uma abordagem diferente para obter os valores necessários a este estudo. A partir da diferença de carga orgânica (matéria volátil, MV) dos afluentes à entrada e à saída do DA tornou-se possível calcular o biogás produzido nas ETARs, usando a equação que se segue [31], uma vez que todas tinham registos mensais destes valores. Esta equação foi fornecida pelo grupo de engenharia das AdP. Evidentemente que os valores obtidos por este método podem não corresponder aos valores reais, pois a digestão anaeróbia é um sistema biológico dinâmico que depende de muitos mais fatores para além da carga orgânica consumida no processo. Ainda assim os resultados obtidos apontam para rendimentos elétricos dentro da gama esperada de valores, sendo, portanto, mais fiáveis que os dados disponibilizados inicialmente. Dada a importância desta variável, no capítulo 4.3 discute-se a sensibilidade dos resultados quanto a variações da produção específica de biogás. 3.1.1. Matriz de Incidências Através de visitas técnicas às ETARs selecionadas, foi possível separar o processo em diversas áreas de modo a permitir uma avaliação qualitativa do estado de operação das diversas partes do processo produtivo. As áreas avaliadas foram: • Matéria prima o Quantidade - Se a quantidade de matéria prima que chega ao DA é apropriada ao seu volume; o Qualidade - Se a qualidade da matéria prima que chega ao DA é apropriada para a digestão anaeróbia; • Digestor 𝐵𝑖𝑜𝑔á𝑠 𝑝𝑟𝑜𝑑𝑢𝑧𝑖𝑑𝑜 (𝑁𝑚3) = 0.95 ∗ 𝑑𝑖𝑓𝑒𝑟𝑒𝑛ç𝑎 𝑐𝑎𝑟𝑔𝑎 𝑜𝑟𝑔â𝑛𝑖𝑐𝑎(𝑘𝑔𝑀𝑉) (2)
  • 30. 30 o Temperatura - Se a temperatura do DA é a correta; ▪ Calor produzido • Tempo de operação do cogerador - Se o cogerador opera horas suficientes para produzir calor suficiente para suprimir as necessidades térmicas do DA; • Dimensões do cogerador - Se a potência do cogerador está corretamente dimensionada para produzir calor suficiente para suprimir as necessidades térmicas do DA; ▪ Calor aproveitado • Aproveitamento do calor do líquido de arrefecimento do bloco do motor - Se o calor retirado do bloco do motor pelo líquido de arrefecimento é aproveitado; • Aproveitamento do calor dos gases de escape - Se o calor libertado pelos gases de escape é aproveitado; ▪ Caldeira • Existência de caldeira nas instalações - Se existe caldeira na ETAR em questão; • Uso da caldeira - Se a caldeira é usada para aquecer o DA quando necessário; • Dimensionamento da caldeira - Se a potência da caldeira é a apropriada para a respetiva ETAR; o Agitação - Se o sistema de agitação das lamas dentro do DA se encontra em bom estado; • Controlo o Produção de biogás - Se é feito um controlo correto da produção de biogás;
  • 31. 31 o Produção de eletricidade - Se é feito um controlo correto da produção de eletricidade; o Manutenção - Se é feita uma manutenção correta da instalação; • Filtragem - Se existem problemas na filtragem de contaminantes no biogás. As diversas partes do processo foram avaliadas numa escala de 1 a 3, sendo que o valor 1 representa a ausência de problemas, o valor 2 a presença de problemas e o valor 3 problemas graves. 3.1.2. Balanço Energético Para que a produção de biogás seja otimizada, é necessário que o DA seja mantido a cerca de 35ºC e que a sua temperatura seja o mais constante possível, uma vez que as mais pequenas variações podem comprometer o metabolismo dos organismos responsáveis pela produção de biogás, como explicado no capítulo 2.2. Observando a Tabela 4, percebe-se que tal não aconteceu no ano de 2017. Em nenhuma das ETARs foi possível manter a temperatura no valor desejado, sendo que nos meses de inverno este problema foi notoriamente mais grave. Tabela 4 - Temperatura média anual DA (2017) ETAR Temperatura (ºC) Desvio Padrão (ºC) Beirolas 28,9 2,4 Chelas 28,4 4,2 Frielas 38,8 3,8 São João da Talha 32,1 2,2 Vila Franca Xira 32,3 1,2 Barreiro/Moita 29,1 4,6 Quinta do Conde 27,8 4,1 Sesimbra 32,2 2,8 Seixal 22,2 3,9 Com o objetivo de quantificar as necessidades térmicas do DA foi feito um balanço energético ao longo do ano, tendo por base a sua geometria e o caudal de lamas mensal que chega à respetiva ETAR. Tendo em conta que o digestor opera num regime de temperatura mesofílico, este deverá ser mantido a uma temperatura (Tdigestor) de cerca de 35ºC de modo a otimizar a produção de biogás (capítulo 2.2). Para tal é necessário fornecer calor suficiente de modo a compensar as perdas energéticas, tanto devido à entrada de novas lamas no digestor (à temperatura ambiente - Texterior) como ao calor perdido pelas suas paredes.
  • 32. 32 Assim, podem-se calcular as necessidades térmicas mensais do digestor (Qdigestor), em kWh, de acordo com a seguinte equação [32]: Qdigestor = Qparedes + Qlamas fperdas (3) Onde: • Qparedes, em kWh, representa o calor associado às perdas pelas paredes do digestor num dado mês e pode ser calculado a partir da seguinte equação [33]: Qparedes = A ∗ U ∗ (Tdigestor − Texterior) ∗ 24 h ∗ nº dias mês (4) Onde: • A, em m2 , é a área de superfície das paredes e teto do digestor; • U, em kW/(m2 *K), é o coeficiente global de transmissão de calor, que depende do isolamento do digestor. Uma vez que o estado do isolamento do DA difere de instalação para instalação (seja por ter sido construído segundo padrões diferentes, seja pelo seu mau estado atual), tomou-se um valor médio de 0,001 kW/(m2 *K) para U, típico deste tipo de infraestrutura [34]. • Qlamas, em kWh, representa o calor necessário para aquecer o caudal de lamas mistas (Ċlamas mistas) e pode ser calculado através da seguinte equação [32]: Qlamas = 𝐶𝑝 ∗ ρ ∗ (Tdigestor − Tlamas frias) ∗ Ċlamas mistas (5) Onde: • 𝐶𝑝 representa o calor específico, em kJ/(kg*K). Uma vez que as lamas são compostas maioritariamente por água, tomou-se o valor do calor específico da água como aproximação para o calor específico das lamas (1,163*10-3 kWh/(kg*K)). [33] • ρ representa a densidade das lamas, em kg/m3 . Novamente, assumiu-se que as lamas têm a mesma densidade da água (997 kg/m3 ) [33]. • fperdas é o fator de perdas térmicas dos circuitos dos permutadores de calor. As tecnologias de permutadores de calor usadas diferem de instalação para instalação e o seu estado de operação, por vezes, não é o ideal. Uma vez que para este estudo não houve a possibilidade
  • 33. 33 de calcular o rendimento individual de cada um dos permutadores (por haver um grande número de permutadores, por estarem instalados em sítios inacessíveis e por não existir informação sobre o estado de operação dos equipamentos de medição) e visto a sua tecnologia não ser a mesma em todas as instalações (nalgumas instalações apenas são usados permutadores líquido/líquido enquanto noutras também existem líquido/gás; alguns permutadores são em espiral, outros são por placas), assumiu-se que todos os permutadores tinham um comportamento ideal, i.e., não existem perdas no transporte de calor até ao DA. Isto significa que o valor de energia necessária para aquecer o DA será ligeiramente mais elevado que o obtido através deste método. Tendo o valor de Qdigestor, resta agora calcular o calor possível de ser aproveitado em cada instalação de forma a perceber se este é suficiente para suprimir as necessidades térmicas do DA. Para isso, e de acordo com os valores de referência apresentados no documento sobre motores alternativos em regime de cogeração, do Departamento de Energia dos EUA [35], definiu-se a eficiência térmica das instalações como sendo 40% da energia inicial. A energia inicial disponível foi calculada tendo por base a percentagem de metano no biogás, o poder calorífico inferior do metano e o volume de biogás produzido [36]: Qbiogás(kWh) = PCIm ∗ Vbiogás ∗ % CH4 (6) Onde: • 𝐏𝐂𝐈𝐦, em kWh/Nm3 , é o poder calorífico inferior do metano, tipicamente de 9,94 kWh/Nm3 [37]; • 𝐕𝐛𝐢𝐨𝐠á𝐬 , em Nm3 , é o volume de biogás produzido. Assim, 40% do valor de Qbiogás representa o calor útil disponível para aquecer o DA. 3.1.3. Potencial Económico Foi também feito um estudo das ETARs selecionadas quanto ao potencial económico do aproveitamento energético do biogás produzido. Para isto, foi tido em conta a eletricidade produzida e a que se teria produzido se se tivesse queimado todo o biogás no motor de combustão, quantificando a diferença entre as duas a nível económico, como exemplificado na equação seguinte: 𝑃𝑜𝑡𝑒𝑛𝑐𝑖𝑎𝑙 (€) = (Qbiogás ∗ 𝜂𝑒𝑙é𝑡𝑟𝑖𝑐𝑜 ∗ 𝐶𝑢𝑠𝑡𝑜 𝐸𝑙𝑒𝑡𝑟𝑖𝑐𝑖𝑑𝑎𝑑𝑒) − 𝐸𝑙𝑒𝑡𝑟𝑖𝑐𝑖𝑑𝑎𝑑𝑒 𝑃𝑟𝑜𝑑𝑢𝑧𝑖𝑑𝑎 (7)
  • 34. 34 Atendendo que os motores a instalar serão mais modernos que os instalados, assumiu-se um 𝜂𝑒𝑙é𝑡𝑟𝑖𝑐𝑜 mínimo de 40% [38] para todos os motores, e ainda que a eletricidade produzida seria usada em autoconsumo, permitindo uma poupança no custo da eletricidade de 0,1381 € por kWh produzido [39]. No capítulo 4.3, discute-se a sensibilidade dos resultados quanto a variações do preço da eletricidade. 3.2. PROPOSTA DE MELHORIA O processo de aproveitamento energético de biogás, se bem planeado e regularmente acompanhado por uma equipa de manutenção, pode ser de extrema valia para quem o explora, especialmente quando o combustível que o “alimenta” é um subproduto que seria desperdiçado (lamas), como é no caso das ETARs. No entanto a instalação técnica necessária requer um nível de manutenção considerável, tanto em conhecimento e experiência como em tempo despendido. Se este não existir, inevitavelmente algum componente irá acabar por falhar e dar origem a um efeito bola de neve, onde não se produz/não se aproveita calor suficiente para aquecer o DA, baixando o rendimento de digestão, produzindo menores quantidades de biogás que por sua vez vão produzir menor quantidade de calor, e por aí em diante. Tentar otimizar a produção de um sistema com um número considerável de variáveis, como é o caso de um sistema destes, pode revelar-se ser uma tarefa complicada quando não se pode contar com alguns dos componentes que se degradaram com o passar do tempo. Após a execução da matriz de incidências (ver secção 3.1.1), foi possível avaliar a melhor forma de promover a valorização energética do biogás produzido nas 9 ETARs abordadas nesta dissertação. Assim, foi decidido em conjunto com a equipa de engenharia da AdP que, de modo a eliminar variáveis, a parte do processo a ter intervenção deveria ser sobretudo a dos cogeradores instalados, uma vez que está diretamente relacionada com a valorização do biogás produzido. Foi então necessário definir o custo de aquisição de novos cogeradores de forma a ser possível avaliar qualitativamente um potencial investimento a realizar nas ETARs. Para o efeito, foi usada a seguinte correlação para definir o preço de aquisição de um cogerador tendo por base a sua potência [26]: 𝐶𝑢𝑠𝑡𝑜(€/𝑘𝑊) = 4639 ∗ 𝑃𝑜𝑡ê𝑛𝑐𝑖𝑎(𝑘𝑊)−0.333 (8) É evidente que os resultados esperados através desta abordagem não serão os valores exatos para o custo de instalação de novos cogeradores, uma vez que os preços para os equipamentos não são lineares e diferem de fornecedor para fornecedor. Serve assim esta aproximação para permitir a realização, e posterior análise, do estudo do potencial de investimento das 9 ETARs de forma
  • 35. 35 sistemática uma vez que os fornecedores contactados (GE Jenbacher, Caterpillar Inc., MAN SE…) não podem disponibilizar o preço dos cogeradores apenas para o propósito deste estudo. 3.3. ANÁLISE DE VARIÁVEIS MAIS INFLUENTES Uma vez que os resultados deste estudo são largamente influenciados por alguns pressupostos tomados ao longo do percurso, fará sentido analisar a sua sensibilidade quanto a variações desses pressupostos. Para tal, depois de obtidos os resultados, estudar-se-á a variação de alguns indicadores que demonstram os resultados do projeto. Os indicadores a analisar são: • Investimento necessário – Como varia o valor do investimento necessário, em euros, caso os pressupostos se alterem; • Aumento de produção – Como varia a produção de eletricidade, em kWh, caso os pressupostos se alterem; • Capital adicional anual – Como varia o capital produzido anualmente, em euros, caso os pressupostos se alterem; • Período de Retorno do Investimento (𝑃𝑅𝐼 = 𝐶𝑎𝑝𝑖𝑡𝑎𝑙 𝐴𝑑𝑖𝑐𝑖𝑜𝑛𝑎𝑙 𝑃𝑟𝑜𝑑𝑢𝑧𝑖𝑑𝑜 𝐴𝑛𝑢𝑎𝑙𝑚𝑒𝑛𝑡𝑒 𝐼𝑛𝑣𝑒𝑠𝑡𝑖𝑚𝑒𝑛𝑡𝑜 𝐼𝑛𝑖𝑐𝑖𝑎𝑙 ) – Como varia o PRI, em anos, caso os pressupostos se alterem; As ETARs, e os seus indicadores, serão analisados individualmente; já os pressupostos são globais, ou seja, aplicam-se a todas as instalações. Os pressupostos a serem analisados são: • Produção específica de biogás (capítulo 3.1) - Tendo em conta que o processo de produção de biogás é bastante complexo e de grande variabilidade fará sentido analisar a influência deste pressuposto nos resultados. Para isso variou-se o valor usado no estudo (0,95 Nm3 /kgMV) em passos de 0,025 Nm3 /kgMV; • Preço da eletricidade (capítulo 3.1.3) – Este pressuposto foi selecionado pela sua variabilidade inerente, uma vez que o seu valor de mercado se encontra em constante flutuação. A análise foi feita variando este pressuposto em passos de 0,01 €; • Percentagem de biogás utilizado (será definido mais à frente no documento, capítulo 4.2) – Durante o processo de dimensionamento da potência de cogeração foi necessário definir uma nova variável, a qual media a percentagem de biogás produzido que seria aproveitado nos
  • 36. 36 cogeradores. Sabia-se que valores baixos (i.e., inferiores a cerca de 80%) prejudicaram a sustentabilidade do processo, enquanto valores altos (i.e., superiores a cerca de 90%) poderiam fazer com que o cogerador fosse sobredimensionado, uma vez que a produção de biogás não é necessariamente constante ao longo do ano (Figura 12, capítulo 4.2). Uma vez que esta variável foi definida de forma empírica, será feita uma análise da variação dos resultados de modo a perceber se a percentagem definida (95%) foi uma escolha acertada. O valor usado foi variado em passos de 1%.
  • 37. 37 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO Nesta secção discutem-se as principais conclusões a que foi possível chegar a partir da caracterização das ETARs. De seguida, apresentam-se os resultados do estudo do dimensionamento da potência de cogeração. 4.1. ANÁLISE DA CARACTERIZAÇÃO DAS ETARS 4.1.1. Matriz de incidências Após as visitas técnicas às 9 ETARs selecionadas foi possível efetuar a identificação de áreas de atuação mais relevantes. Na figura seguinte (Figura 9) encontra-se representada a matriz de incidências obtida, permitindo assim quantificar a gravidade dos problemas encontrados bem como a parte do processo que esses problemas afetam. Figura 9 - Matriz de Incidências Analisando a figura anterior, e relembrando que o valor “1” representa o correto funcionamento da área em questão, o valor “2” a ocorrência de problemas e que o valor “3” representa problemas graves (ver secção 3.1.1), observa-se que a parte do processo mais problemática é a que diz respeito ao DA, mais concretamente à sua temperatura.
  • 38. 38 A indisponibilidade dos cogeradores – tanto por avaria como por falta de supervisão – impossibilita o correto aquecimento do DA que, consequentemente, diminui o rendimento de digestão produzindo uma menor quantidade de biogás que a esperada. No caso da ETAR de Quinta do Conde observou-se que a potência do motor instalado (dimensões do cogerador) era demasiado elevada para a produção de biogás que era possível de atingir nessa instalação, impossibilitando o funcionamento contínuo do processo que por sua vez cria variações de temperatura no DA. Nem sempre se recuperava o calor de ambas as fontes disponíveis (gases de escape e líquido de arrefecimento do bloco do motor), nalguns casos por não haver equipamento apropriado, noutros por este não estar operacional. Apesar de todas as ETARs estarem equipadas com uma caldeira de modo a suplementar o calor fornecido pelo cogerador ao DA (algumas ETARs possuem caldeiras de biogás e gás natural, enquanto outras apenas de gás natural), em nenhuma instalação esta era utilizada. Isto poderia ser resolvido com um sistema de controlo apropriado que ativasse a caldeira quando a temperatura do DA descesse abaixo do valor pré-estabelecido, eliminando assim a necessidade de ativação manual por parte da equipa técnica. No que toca à matéria-prima, apenas se registaram problemas nas ETARs do Seixal e do Barreiro/Moita que por estarem geograficamente perto de um estuário sofrem intrusões salinas nos afluentes, criando uma grande concentração de sulfeto de hidrogénio (H2S) em estado gasoso no biogás produzido. Aquando a recuperação de calor dos gases de escape após queima de biogás, este composto poderá condensar (dado a temperatura dos gases baixar), sendo este condensado altamente corrosivo para todas as partes mecânicas do sistema. Na ETAR do Seixal o problema persiste, enquanto no Barreiro/Moita este problema foi parcialmente solucionado com a adição de Cloreto Férrico (FeCl3) ao afluente a montante do sistema de tratamento, permitindo neutralizar o H2S. No entanto este método implica gastos adicionais em reagentes, trabalho acrescido (doseamento) e produz outros compostos nocivos que devem ser descartados em segurança, o que não acontecia. Uma das soluções que estava a ser estudada na altura da visita à ETAR do Seixal era o transporte dos afluentes até à ETAR do Barreiro/Moita, onde o problema já tinha sido resolvido. Outra área que se revelou problemática foi a da agitação responsável por reduzir a estratificação no interior do DA de modo a homogeneizar as lamas para possibilitar uma digestão mais uniforme. Em alguns dos casos, onde a agitação é feita por meios mecânicos, não foi possível definir se o sistema se encontrava ou não operacional, visto o DA ser fechado. A substituição/reparação dos sistemas de agitação mecânicos implica desativar e drenar o conteúdo do DA de modo a se obter acesso ao seu interior. Uma outra solução seria estudar o custo de instalação e operação de um sistema de agitação por injeção de biogás. Este sistema tem a vantagem de não ter partes mecânicas no interior do DA e de permitir a injeção em vários pontos/profundidades, proporcionando uma boa agitação. No entanto, por ser necessário a aquisição de compressores, tubagens e injetores é consideravelmente mais caro de instalar e de operar que um sistema de agitação mecânica que recorre a um motor elétrico de baixo
  • 39. 39 consumo; requer também maior atenção na sua operação, uma vez que existe o risco de explosão ao comprimir o biogás. Tal como com os cogeradores, não foi feita a manutenção dos caudalímetros instalados nas condutas de biogás impossibilitando a correta medição da produção de biogás, tornando difícil o correto dimensionamento dos componentes do sistema de cogeração. Os valores de produção de biogás utilizados neste estudo não são os valores de produção reais, uma vez que o processo biológico é demasiado complexo para ser aproximado pela equação (2); ainda assim, os valores de produção calculados a partir desta equação permitem melhor aproximar a produção real de biogás, uma vez que a eletricidade produzida no ano de 2017 era superior à que se poderia ter produzido caso a quantidade de biogás medida pelos caudalímetros estivesse correta. Finalmente, registou-se também a falta de uma equipa de manutenção especializada em todas as instalações, o que, em parte, explica os problemas registados anteriormente. Na maioria dos casos apenas um operador era responsável pelo processo, sendo que em algumas das ETARs não havia pessoal suficiente para dedicar alguém ao acompanhamento da instalação de cogeração. 4.1.2. Balanço Energético Na Tabela 5 são apresentados os resultados do balanço energético ao DA, na forma de média anual (2017), para as ETARs selecionadas, seguindo a metodologia apresentada na secção 3.1.2. Na primeira e segunda coluna é possível observar as necessidades térmicas associadas à entrada de novas lamas no DA à temperatura ambiente (Qlamas) e ao calor perdido pelas suas paredes (Qparedes), respetivamente. A soma destes dois valores representa a necessidade calorífica do DA e pode ser consultada na terceira coluna (Qdigestor). Na quarta coluna apresenta-se o resultado do cálculo de energia disponível para aquecer o DA (Qútil). Finalmente, na última coluna da Tabela 5 encontra-se apresentada a percentagem da necessidade calorífica do DA que foi possível suprimir com a energia disponível. Valores inferiores a 100% indicam que, mesmo queimando todo o biogás disponível, não haveria calor suficiente. Tabela 5 - Balanço Energético para o ano de 2017 ETAR 𝐐𝐥𝐚𝐦𝐚𝐬 (kWh) 𝐐𝐩𝐚𝐫𝐞𝐝𝐞𝐬 (kWh) 𝐐𝐝𝐢𝐠𝐞𝐬𝐭𝐨𝐫 (kWh) 𝐐ú𝐭𝐢𝐥 (kWh) 𝐐ú𝐭𝐢𝐥/𝐐𝐝𝐢𝐠𝐞𝐬𝐭𝐨𝐫 (%) Beirolas 225 970 42 572 268 542 261 647 102% Chelas 142 665 49 122 191 787 140 231 80% Frielas 314 659 125 261 439 920 448 407 104% S. João Talha 138 471 31 438 169 909 217 019 136% V. F. Xira 47 846 8 514 56 361 50 063 96% Barreiro 176 991 49 122 226 113 105 470 51% Q. Conde 63 102 36 678 99 779 27 725 28% Sesimbra 6 342 15 719 22 061 11 436 54% Seixal 49 082 9 169 58 251 42 900 83%
  • 40. 40 Facilmente se observa que na maioria das ETARs estudadas (em todas, exceto Beirolas, Frielas e S. João da Talha) não teria sido produzido calor suficiente para suprimir as necessidades caloríficas do digestor, mesmo queimando todo o biogás disponível. Tal era esperado, uma vez que a quantidade de biogás produzido está muito aquém da quantidade que se poderia ter produzido se o DA operasse a uma temperatura constante de 35ºC durante todo o ano. A variabilidade deste indicador (de 28% a 136%) é consequência dos vários problemas encontrados anteriormente na análise da matriz de incidências e da diferente razão de volume de afluentes para volume de DA encontrado nas diferentes ETARs. Com a instalação de novos cogeradores de tecnologia mais moderna e aptos para trabalhar ininterruptos, espera-se que seja possível elevar a temperatura do DA acima da que se encontra atualmente e também mantê-la mais constante ao longo do ano, estabilizando a digestão e aumentando significativamente a produção de biogás. Segundo o estudo “The effects of digestion temperature and temperature shock on the biogas yields from the mesophilic anaerobic digestion of swine manure” de fevereiro de 2007, uma variação na temperatura de 10ºC no DA (de 25ºC para 35ºC) traduziu-se num aumento de mais de 17% na produção de biogás [40]. Um outro estudo que incidiu na taxa de produção de biogás em desperdícios alimentares relatou um aumento de cerca de 50% na produção de biogás variando a temperatura de 25ºC a 35ºC [41]. Este aumento de produção aumentará a disponibilidade de calor útil resultante da queima do biogás. Se se fizer o uso correto dos permutadores instalados e a reparação/substituição dos que se encontram inoperacionais, espera-se ser possível recuperar calor suficiente para manter a temperatura do DA no valor desejado. Nas estações mais frias do ano, em eventuais indisponibilidades dos motores ou em meses de produção anómala será necessário recorrer ao uso das caldeiras instaladas para manter a temperatura do DA na gama desejada. Para isso poderá usar-se o biogás produzido (em caso de indisponibilidade do motor) ou, caso não exista biogás disponível, utilizar gás natural. 4.1.3. Potencial Económico Observa-se na Tabela 6 a quantia que se teria poupado, em euros, se se tivesse queimado todo o biogás produzido nas ETARs do grupo AdP no ano de 2017. Para calcular esta quantia foi admitido que a AdP compra a eletricidade à rede pública a um custo de 0,1381€/kWh, como indicado no capítulo 3.1.3.
  • 41. 41 Tabela 6 - Potencial Económico 2017 ETAR Potencial Económico (€) Beirolas 312 818 Chelas 151 942 Frielas 358 908 S. João Talha 349 595 V. F. Xira 19 238 Barreiro 79 651 Q. Conde 18 182 Seixal 3 806 Sesimbra 61 420 Total 1 355 559 A grande discrepância entre a quantidade de eletricidade produzida e a que se poderia ter produzido, observável na maioria das ETARs, é responsável por uma perda de cerca de 1,35 milhões de euros em 2017, sendo um grande incentivo à realização deste estudo e de um futuro investimento no aproveitamento energético do biogás. É ainda de notar que este valor de poupança tenderá certamente a subir caso haja um investimento na valorização do biogás produzido, levando a um aumento de produção de biogás que consequentemente possibilitará uma maior produção de eletricidade. 4.2. DIMENSIONAMENTO DA POTÊNCIA DE COGERAÇÃO No subcapítulo 4.1.1 identificou-se o grupo cogerador como um dos principais responsáveis pelos atuais problemas de produção/aproveitamento de calor bem como de produção elétrica, uma vez que se encontram frequentemente indisponíveis. A sua reparação pode revelar-se como sendo dispendiosa e demorada, caso seja necessário contatar o fornecedor ou encomendar peças novas. O balanço energético apresentado no subcapítulo 4.1.2 demonstrou que com a atual produção de biogás não teria sido possível manter o valor da temperatura dos DA na gama desejada em 8 das 9 ETARs estudadas. Se se tivesse utilizado todo o biogás para produção elétrica, em vez de se ter queimado parte na tocha por indisponibilidade de motores, ter-se-ia produzido mais calor que por sua vez poderia ter sido usado para manter uma temperatura mais apropriada aos organismos mesofílicos do DA, que consequentemente aumentaria a produção de biogás. A instalação de novos cogeradores permitiria queimar o biogás ao invés de ser desperdiçado na tocha e estes trabalhariam de forma contínua mais regularmente, melhorando a estabilidade térmica do DA. Espera-se assim que o calor adicional produzido após a substituição dos cogeradores seja suficiente para suprimir as necessidades térmicas do DA. Caso contrário, é sempre possível recorrer às caldeiras, particularmente nos meses frios.
  • 42. 42 Observando os resultados do estudo económico do subcapítulo 4.1.3, percebe-se que o valor de poupança possível de alcançar na fatura elétrica justifica um estudo de investimento na valorização energética do biogás. Assim, e com a substituição dos cogeradores instalados por outros mais recentes e sem problemas de funcionamento como objetivo, foi feito um estudo de dimensionamento da potência de cogeração a instalar, tendo por base o volume de produção de biogás de cada ETAR no ano de 2017. De forma a obter um valor de potência para dar início ao estudo do investimento foi primeiro calculada a potência que dado cogerador teria de ter para, num período de um mês e de forma ininterrupta (isto seria o ideal, pois o fornecimento de calor seria constante e não haveria variações na temperatura do digestor), queimar todo o biogás produzido nesse mesmo mês. Depois de se ter calculado essa potência para todos os meses do ano de 2017, usou-se a média desses valores para centrar o estudo do dimensionamento da potência de cogeração. Na Tabela 7 podem-se observar os resultados desta abordagem. Tabela 7- Potência média de cogeração ETAR Potência (kW) Beirolas 360 Chelas 192 Frielas 613 S. João Talha 295 V. F. Xira 69 Barreiro 144 Q. Conde 38 Seixal 16 Sesimbra 59 O passo seguinte passou por estudar a variação do período de retorno do investimento (PRI) alterando o valor de potência obtido anteriormente em incrementos/decrementos fixos, tendo para isso sido levado em conta a variação do custo do cogerador por kW instalado, como explicado no capítulo 3.2. Numa primeira abordagem de dimensionamento, foi selecionada a potência de forma a minimizar o PRI de cada ETAR. Os resultados obtidos podem ser consultados na Tabela 8. Tabela 8 - Potência do motor de cogeração para menor PRI ETAR Potência para menor PRI (kW) Investimento necessário (€) PRI respetivo (anos) Beirolas 384 245 569 0,65 Chelas 144 127 659 0,80 Frielas 478 284 186 0,53 S.J.Talha 205 161 571 0,78 V.F.Xira 61 71 985 1,09 BarreiroM 123 114 919 0,83 Q. Conde 38 52 364 1,40 Sesimbra 15,6 29 003 1,70 Seixal 55 67 181 1,23
  • 43. 43 No entanto, verificou-se que esta poderia não ser a melhor abordagem para o dimensionamento da potência de cogeração uma vez que existe uma grande discrepância de produção de biogás entre os vários meses do ano, acabando por haver meses em que não se queimava uma grande parte do biogás produzido. Assim, decidiu-se tomar uma abordagem diferente em que o objetivo seria o de garantir que 95% do biogás produzido seria queimado de forma a aumentar a sustentabilidade da ETAR. Também se poderia projetar o sistema para que este utilizasse 100% do biogás disponível; no entanto, os resultados do dimensionamento dessa abordagem seriam inflacionados por dados de qualquer mês onde excecionalmente se tivesse produzido uma quantidade superior de biogás ao normal, como foi possível observar em algumas ETARs deste estudo. No capítulo 4.3, discute-se a sensibilidade dos resultados quanto a variações da percentagem de biogás utilizado. Os resultados obtidos através desta abordagem encontram-se registados na Tabela 9. Tabela 9 – Potência do motor de cogeração para queimar 95% do biogás produzido ETAR Potência para queimar 95% do biogás (kW) Investimento necessário (€) PRI respetivo (anos) Beirolas 456 275 394 0,68 Chelas 258 188 354 0,87 Frielas 973 456 558 0,66 S.J.Talha 525 302 532 0,90 V.F.Xira 94 96 051 1,24 BarreiroM 165 139 793 0,86 Q. Conde 52 64 714 1,51 Sesimbra 16 29 003 1,70 Seixal 91 93 995 1,41 Rapidamente se repara que o valor de potência necessária aumentou para todas as ETARs, como era esperado; no entanto, os valores continuam de acordo com as metas estabelecidas pela AdP para este investimento, garantindo-se desta forma uma maior valorização do biogás produzido, aumentando a sustentabilidade económica do processo a longo prazo. Repare-se que apesar do investimento necessário ser superior para a abordagem de queimar 95% do biogás do que para a abordagem de minimizar o PRI (1.646.392 € vs. 1.154.437€, respetivamente), os valores do PRI aumentam pouco. Isto evidencia e apoia a importância de se otimizar a produção elétrica a partir do biogás produzido. Nas figuras seguintes (Figura 10 e Figura 11) apresentam-se as curvas obtidas nas abordagens de minimizar o PRI (linha azul) e de utilizar pelo menos 95% do biogás disponível (linha laranja) para a ETAR de Beirolas e de Frielas, respetivamente. Os valores de potência de cogeração encontrados nas duas abordagens foram assinalados no gráfico. Nos anexos encontram-se os gráficos obtidos para todas as restantes ETARs.
  • 44. 44 384 kW; 0,65 anos 456 kW; 95%;… 0% 20% 40% 60% 80% 100% 294 325 355 386 417 445 476 506 537 567 598 629 659 0,00 0,50 1,00 1,50 Biogás utilizado (%) Potência cogeração (kW) PRI (anos) PRI (anos) Biogás utilizado (%) Figura 10 - Estudo dimensionamento da potência de cogeração para a ETAR de Beirolas 478 kW 0,53 anos 973 kW; 95%;… 0% 20% 40% 60% 80% 100% 463 538 613 688 763 838 913 988 1063 1138 1213 1288 1363 0,00 0,50 1,00 1,50 Biogás utilizado (%) Potência cogeração (kW) PRI (anos) PRI (anos) Biogás utilizado (%) Figura 11 - Estudo dimensionamento da potência de cogeração para a ETAR de Frielas Estes gráficos apresentados anteriormente foram escolhidos de entre o total dos nove pois evidenciam a diferença que existe entre os dois estudos feitos em cada ETAR. Na instalação de Beirolas existe apenas uma diferença de 62 kW entre os dois estudos enquanto na de Frielas observa-se uma diferença de 495 kW. Esta diferença é parcialmente justificada pela variação da produção de biogás ao longo do ano nas ETARs: a ETAR de Beirolas tem uma produção de biogás mais constante ao longo do ano quando comparada com a produção de Frielas, como se pode observar na figura seguinte (Figura 12).
  • 45. 45 0 50 000 100 000 150 000 200 000 250 000 300 000 350 000 400 000 jan/17 fev/17 mar/17 abr/17 mai/17 jun/17 jul/17 ago/17 set/17 out/17 nov/17 dez/17 Biogás Produzido (Nm^3) Beirolas Chelas Frielas SJTalha VFXira Barreiro M QConde Sesimbra Figura 12 - Variação na produção de biogás ao longo do ano de 2017 Os resultados podem ser consultados na tabela seguinte (Tabela 10). Os valores da coluna “Poupança anual adicional” representam, como o nome indica, a poupança anual adicional (o valor que se economiza a mais para além do que já se produzia), em euros, que se espera ser possível vir a atingir mediante o cumprimento das sugestões deste estudo. Na coluna seguinte observa-se, em percentagem, o aumento de produção respetivo. Na última coluna encontra-se a quantidade adicional de CO2 que será possível evitar emitir para a atmosfera. Para este cálculo foi tido em conta as emissões de CO2 por kWh de energia produzido a partir de fontes de carbono em território nacional (408,85 gCO2/kWh) [42]. Tabela 10 – Resultados do estudo de dimensionamento da potência de cogeração ETAR Potência sugerida (kW) Investimento necessário (€) PRI respetivo (anos) Poupança anual adicional (€/ano) Aumento de produção (%) Emissão de CO2 evitada adicional (Ton/ano) Beirolas 456 275 394 0,68 290 049 340% 859 Chelas 258 188 354 0,87 140 180 274% 415 Frielas 973 456 558 0,66 319 656 183% 946 S.J.Talha 525 302 532 0,90 331 010 3394% 980 V.F.Xira 94 96 051 1,24 15 029 124% 44 BarreiroM 165 139 793 0,86 70 183 174% 208 Q. Conde 52 64 714 1,51 15 707 157% 47 Sesimbra 16 29 003 1,70 2 025 113% 6 Seixal 91 93 995 1,41 57 835 698% 171 Total 1 646 392 1 241 674 3 676 Recordando os objetivos deste estudo (capítulo 1.2), é de salientar que, caso seja feito o investimento e os resultados se confirmem, esta valorização permitirá aumentar a sustentabilidade das ETARs quanto ao processo de tratamento de águas residuais (Tabela 11). No capítulo 5 sugerem-se algumas medidas que poderão vir a ser úteis caso se deseje atingir, ou até superar, um processo 100% sustentável.
  • 46. 46 Tabela 11 - Sustentabilidade Energética ETAR Sustentabilidade Inicial Sustentabilidade Final Beirolas 21% 72% Chelas 10% 29% Frielas 28% 52% SJTalha 2% 67% VFXira 44% 55% BarreiroM 19% 32% QConde 14% 21% Sesimbra 6% 6% Seixal 10% 73% 4.3. ANÁLISE DE VARIÁVEIS MAIS INFLUENTES Os resultados obtidos anteriormente encontram-se dependentes de todos os pressupostos assumidos ao longo deste estudo. Este capítulo tem como propósito apresentar os resultados da análise de sensibilidade dos resultados quanto a variações de alguns desses pressupostos. • Produção de biogás específica – Nas figuras seguintes (Figura 13 e Figura 14) podem-se observar a dependência que os indicadores selecionados têm da produção específica de biogás nas ETARs de Beirolas e Frielas: Figura 13 - Análise da sensibilidade dos resultados quanto a variações da produção específica de biogás na ETAR de Beirolas -50% -40% -30% -20% -10% 0% 10% 0,75 0,775 0,8 0,825 0,85 0,875 0,9 0,925 0,95 0,975 1 Varição percentual do indicador Produção Específica de Biogás (Nm3/kgMV) Investimento Capital Adicional Anual Aumento Produção PRI
  • 47. 47 Figura 14 - Análise da sensibilidade dos resultados quanto a variações da produção específica de biogás na ETAR de Frielas Pode-se observar nas duas figuras anteriores (Figura 13 e Figura 14) que todos os indicadores variam de forma aproximadamente linear com a variação da produção específica de biogás. Em ambos os casos, o indicador mais afetado é o de Capital Adicional Anual produzido, sendo que o menos afetado é o Investimento. • Preço eletricidade – Nas figuras seguintes (Figura 15 e Figura 16) podem-se observar a dependência que os indicadores selecionados têm quanto a variações no preço da eletricidade nas ETARs de Beirolas e Frielas: -40% -35% -30% -25% -20% -15% -10% -5% 0% 5% 10% 15% 0,75 0,775 0,8 0,825 0,85 0,875 0,9 0,925 0,95 0,975 1 Varição percentual do indicador Produção Específica de Biogás (Nm3/kgMV) Investimento Capital Adicional Anual Aumento Produção PRI
  • 48. 48 Figura 15 - Análise da sensibilidade dos resultados quanto a variações do preço da eletricidade na ETAR de Beirolas Figura 16 - Análise da sensibilidade dos resultados quanto a variações do preço da eletricidade na ETAR de Frielas Evidentemente, apenas os indicadores PRI e Capital Adicional Anual dependem do preço da eletricidade. A variação do PRI é aproximadamente logarítmica enquanto o Capital Adicional Anual varia linearmente. Se a tendência dos últimos anos continuar, e o preço da eletricidade continuar a -60% -40% -20% 0% 20% 40% 60% 80% 0,0881 0,0981 0,1081 0,1181 0,1281 0,1381 0,1481 0,1581 0,1681 0,1781 0,1881 Varição percentual do indicador Preço da Eletricidade (€/kW) Investimento Capital Adicional Anual Aumento Produção PRI -60% -40% -20% 0% 20% 40% 60% 80% 0,0881 0,0981 0,1081 0,1181 0,1281 0,1381 0,1481 0,1581 0,1681 0,1781 0,1881 Varição percentual do indicador Preço da Eletricidade (€/kW) Investimento Capital Adicional Anual Aumento Produção PRI
  • 49. 49 aumentar, este projeto ficará economicamente mais apelativo. Não se consegue observar a linha que representa o investimento uma vez que esta está sobreposta com a que representa o aumento de produção. • Percentagem de biogás utilizado – Nas figuras seguintes (Figura 17 e Figura 18) podem-se observar a dependência que os indicadores selecionados têm da percentagem de biogás utilizado nas ETARs de Beirolas e Frielas: Figura 17 - Análise da sensibilidade dos resultados quanto a variações da percentagem de biogás utilizado na ETAR de Beirolas As diferenças registadas entre ETARs nesta análise foram maiores que nas anteriores, onde os resultados foram mais ou menos semelhantes entre todas as instalações. Assim, fará sentido analisar as figuras para a ETAR de Beirolas e de Frielas individualmente. As figuras resultantes da análise de sensibilidade dos resultados a variações na percentagem de biogás utilizado nas restantes ETARs podem ser consultadas nos anexos. Analisando a Figura 17, observa-se que o valor de Investimento necessário cresce de forma aproximadamente linear até perto da marca dos 95% de biogás utilizado, aumentando bastante para valores superiores. No entanto, tanto o indicador Capital Adicional Anual como o indicador Aumento de Produção não mostram este aumento de declive após a marca dos 95%, mantendo-se aproximadamente lineares até aos 100%. Isto acontece porque, como dito anteriormente (capítulo 4.2), a produção de biogás não é igual para todos os meses; nos meses em que a produção de biogás é superior, seria necessário uma maior potência de cogeração (logo, um maior investimento) para queimar todo o biogás, mas nos restantes meses não se tiraria proveito desse excesso de potência. -40% -30% -20% -10% 0% 10% 20% 30% 40% 75% 78% 80% 83% 85% 88% 90% 93% 95% 98% 100% Varição percentual do indicador Percentagem de Biogás Utilizado (%) Investimento Capital Adicional Anual Aumento Produção PRI
  • 50. 50 Observando a variação do indicador PRI repara-se que apresenta um mínimo em torno da marca dos 90% e, à semelhança do indicador Investimento, também aumenta bastante para percentagens de biogás utilizado superiores a 95%. Novamente, isto deve-se ao facto de o valor de investimento crescer mais rápido que o valor do Capital Adicional Anual para valores de biogás utilizado superiores a 95%. Figura 18 - Análise da sensibilidade dos resultados quanto a variações da percentagem de biogás utilizado na ETAR de Frielas Analisando agora o resultado da análise à ETAR de Frielas (Figura 18), observa-se uma evolução aproximadamente linear do valor de Investimento até em torno da marca dos 100%. Os indicadores Capital Adicional Anual e Aumento de Produção apresentam o mesmo tipo de evolução. Isto acontece porque, em contraste com a instalação de Beirolas, na ETAR de Frielas, apesar de a produção de biogás também ser irregular ao longo do ano, a gama de potência do cogerador é mais elevada (respetivamente 456 kW e 973 kW para 95% de biogás utilizado); como o preço de cogeração, em €/kW, diminui com o aumento de potência, é mais rentável utilizar 100% do biogás em Frielas do que é em Beirolas. Os restantes gráficos da análise de sensibilidade podem ser consultados nos anexos. -60% -50% -40% -30% -20% -10% 0% 10% 20% 30% 75% 78% 80% 83% 85% 88% 90% 93% 95% 98% 100% Varição percentual do indicador Percentagem de Biogás Utilizado (%) Investimento Capital Adicional Anual Aumento Produção PRI
  • 51. 51 5. CONCLUSÕES E TRABALHO FUTURO Este trabalho abordou de forma sistemática a valorização energética do biogás produzido em nove ETARs do grupo AdP com vista a aumentar a sustentabilidade do processo de tratamento de águas residuais. Uma vez que existe uma grande variabilidade operacional de ETAR para ETAR, e que é difícil a obtenção de valores reais de produção de biogás, como explicado no capítulo 3.1, é importante ter em conta que os resultados apresentados deverão ser tomados como indicativos do potencial de melhoria de cada ETAR e não como proposta de investimento final. Ainda assim os resultados são bastante elucidativos quanto à poupança energética (e económica) possível de alcançar nas nove ETARs. Tendo por base o volume de biogás produzido no ano de 2017 e substituindo os cogeradores por outros mais modernos, com potências adequadas às respetivas instalações, o estudo aponta para um aumento de cerca de 9 GWh na produção elétrica anual (de 5,8 GWh para 14,8 GWh, correspondente a um aumento de 254%) o que permitirá alcançar uma poupança adicional de cerca de 1 241 674 € na fatura elétrica anual e uma redução nas emissões de CO2 na ordem das 3 700 toneladas por ano. Estes valores são bastante elucidativos quanto à importância que deve ser dada à valorização do biogás produzido resultante do tratamento de águas residuais. Uma vez que a potência dos cogeradores disponíveis no mercado é definida pelos fabricantes poderá não ser possível adquirir a potência exata sugerida por este estudo; assim, esta deverá ser escolhida de forma a que seja semelhante aos valores aqui apontados. A substituição dos cogeradores poderá melhorar a sustentabilidade do processo de tratamento uma vez que poderão operar interruptos durante mais tempo, mas é necessário que se faça a correta manutenção destes bem como dos restantes componentes do sistema. A partir da análise de sensibilidade dos resultados (capítulo 4.3) foi possível perceber como variam os indicadores selecionados com a alteração de alguns pressupostos. Como seria de esperar, os indicadores variam linearmente para variações na produção específica de biogás e no preço de eletricidade; para variações na percentagem de biogás utilizado torna-se complicado de tirar conclusões. De um modo geral constata-se que a decisão de utilizar 95% do biogás disponível foi uma escolha acertada pois é em torno desta marca que o PRI dispara, uma vez que, para percentagens superiores a 95%, o valor de capital adicional anual não aumenta de forma tão pronunciada como o valor do investimento. No entanto poderá ser viável optar por utilizar percentagens superiores nas ETARs com maior volume de produção de biogás, uma vez que o preço de cogeração (€/kW) diminui com a potência. Em termos de trabalho futuro, sugere-se:
  • 52. 52 • Que, ao nível do equipamento técnico e de forma a possibilitar um estudo mais rigoroso do potencial de cada ETAR, se invista num melhor controlo da produção. As discrepâncias notadas entre os valores de biogás medidos em comparação com os calculados demonstram que os equipamentos responsáveis pela medição não se encontram em bom estado; • A criação, ou contratação, de uma equipa especializada capaz de garantir a correta operação das infraestruturas, tanto através da manutenção do sistema como no seu acompanhamento; esta medida, apesar de não estar diretamente relacionada com o volume de produção de biogás, é essencial para que o processo funcione corretamente, tanto a curto como a longo prazo; • A otimização da produção de biogás a partir da matéria orgânica disponível através de ensaios onde se variam os diversos parâmetros que regem a digestão anaeróbia, como a concentração das lamas alimentadas ou a razão de lamas primárias para lamas secundárias. Testar regime termofílico quanto à sua capacidade de produção e existência de custos de manutenção adicionais e estudar o melhor método para proceder à transição de regime térmico; • Que se faça ensaios usando diferentes métodos e intensidades de agitação no DA de modo a diminuir a sua estratificação e que se quantifique os ganhos associados de forma a ser possível perceber qual a melhor combinação destes dois parâmetros; • Que se substitua os equipamentos de arejamento (compressores) por modelos mais recentes e eficientes, uma vez que estes aparelhos são normalmente responsáveis por uma grande parte do consumo energético de uma ETAR; • Que se estude a possibilidade de agrupar ETARs geograficamente próximas de modo a melhorar a eficiência do processo de tratamento (o consumo elétrico específico do tratamento diminui com o volume de afluente tratado [28]).