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Energia Hídrica
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Revisão
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Chile
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de Chile
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Guatemala
Universidad Galileo
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Projeto
financiado pela
União Européia
Sumário
1. Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
2. Aproveitamentos hídricos nas diferentes regiões do planeta. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
3. Impactos ambientais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
4. Contabilidade ambiental. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
5. Aspectos técnicos de aproveitamentos hídricos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .34
Energia das marés (Tidal power). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
Energia das correntes marinhas (Marine current power). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36
Energia das ondas oceânicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
Energia do fluxo dos rios. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40
6. Princípios físicos da energia de barragens (Dam power). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
7. Equipamentos e design das instalações das barragens. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
Equipamentos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
Design das instalações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
8. Viabilidade dos aproveitamentos hídricos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58
Estudos de casos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
9. Políticas públicas e regulamentações. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69
10. Considerações finais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
Referências bibliográficas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
Referências de ilustrações e tabelas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91
ENERGIA HÍDRICA l 7
1. Introdução
A
água é elemento fundamental para o desenvolvimento econômico e social.
Ela é importante para garantir a integridade dos ambientes naturais, além
de ser fonte de energia.
Energia da água
A energia derivada da força e/ou do movimento da água é chamada de
Energia Hídrica ou Hidroenergia.
A energia hídrica pode ser usada de muitas maneiras, para irrigação, abastecimento
doméstico, produção de ar comprimido, e em moinhos e máquinas têxteis, por
exemplo. No entanto, a forma de aproveitamento economicamente mais importante
dessa energia é a geração de eletricidade.
Os registros mais antigos da utilização de energia hídrica referem-se à Mesopotâmia,
Antigo Egito, Pérsia e China Antiga na forma de irrigação há 6.000 anos e como
relógios de água há 2.000 anos. Nessa época, rodas d’água e moinhos foram
construídos nessas regiões. A energia hídrica também era utilizada para cortar
madeira e pedras utilizadas nas construções. A partir do século XVIII, ela passou
a ser utilizada para mover máquinas têxteis, e nesse mesmo período foram
desenvolvidos os princípios para geração de eletricidade a partir dessa fonte de
energia.
Atualmente, existem diversos tipos de aproveitamentos de energia hídrica em
uso, sendo muitos empregados para geração de eletricidade. O tipo mais comum
de instalação para geração de hidroeletricidade são as barragens que aproveitam
a energia potencial existente nas águas de rios. Existem também instalações que
capturam energia cinética ao longo dos rios sem a necessidade de construção de
barragens, e sistemas de bombeamento e estocagem que operam geradores. Além
desses aproveitamentos, há sistemas que aproveitam a força das marés na direção
horizontal, os quais incluem algumas das maiores estruturas artificiais do mundo.
8 l ENERGIA HÍDRICA
Hidroeletricidade
A Energia Hídrica é uma das fontes de energia mais promissoras na
substituição dos combustíveis fósseis. A hidreletricidade produz cerca de
90% da energia derivada de fontes renováveis, apresenta alta qualidade,
é confiável e flexível. A produção de eletricidade a partir da Energia
Hídrica apresenta potencial para suprir a demanda energética de muitas
comunidades ao redor do globo e pode ter papel fundamental em
sistemas energéticos integrados, aumentando a contribuição efetiva de
outras fontes de energia renováveis mais inconstantes, como a energia
solar e eólica.
A energia hídrica também é vista como importante estratégia para implantação de
projetos de Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL), visando à redução
de emissões de gases de efeito estufa (GEE), conforme acordado no Protocolo de
Quioto. Espera-se que projetos de aproveitamento hídricos sejam capazes de reduzir
47 milhões de toneladas de CO2
por ano a partir de 2012, ano em que se encerra o
primeiro período de comprometimento do citado Protocolo. Esse valor equivale a
14% das reduções esperadas por todos os projetos de MDL existentes. Por isso, a
hidreletricidade é a estratégia líder para aproveitamento de fontes renováveis.
A utilização de energia hídrica apresenta potencial de crescimento a curto, a médio e
a longo prazo. Isso se deve a diferentes fatores, tais como:
»» grande potencial subexplorado em muitas regiões do planeta,
especialmente nos países em desenvolvimento;
»» avançado estado de desenvolvimento das tecnologias utilizadas que leva a
um alto grau de confiança dos investidores;
»» significativa economia de escala da indústria da hidreletricidade;
»» tendência a grande densidade de energia por planta.
A hidreletricidade pode ser desenvolvida e operada visando à redução de impactos
sociais, ecológicos e econômicos. Dessa forma, ela pode ser uma importante
estratégia para reduzir a pobreza e melhorar os padrões de vida por meio da
ampliação da oferta de eletricidade em diferentes regiões do mundo. Além disso, o
uso racional dessa fonte renovável pode contribuir para a diminuição do ritmo de
aquecimento global.
ENERGIA HÍDRICA l 9
Este livro visa destacar aspectos básicos relacionados aos aproveitamentos
hídricos, principalmente no que se refere à produção de eletricidade a partir dessa
fonte. Assim, primeiramente, em um estudo sobre o panorama internacional são
descritos os múltiplos usos da energia hídrica nas diferentes regiões do planeta, seus
impactos ambientais e a contabilidade ambiental. A seguir, em “Aspectos Técnicos
de Aproveitamentos Hídricos”, são discutidos os princípios físicos das diferentes
formas de produção de hidreletricidade a partir das energias cinética e potencial
produzidas por meio das marés e dos oceanos. Ainda sobre esse tema, são discutidos
os equipamentos e instalações mais utilizados para produção de energia elétrica
a partir da Energia Hídrica. No estudo sobre “Viabilidade dos Aproveitamentos
Hídricos” são debatidos os principais temas atualmente discutidos a respeito da
geração de hidreletricidade, por meio de uma revisão das pesquisas científicas a
respeito da conservação das barragens e outras estruturas e das principais estratégias
para controle dos impactos. Por fim, é analisado o panorama de políticas públicas e
recomendações internacionais relacionadas à produção de hidreletricidade.
2. Aproveitamentos hídricos nas
diferentes regiões do planeta
E
xistem muitos usos possíveis para a energia hídrica. A energia cinética da
água corrente ou a energia potencial de quedas de água podem ser usadas
diretamente para operar máquinas. Esses foram os principais usos dessa
energia até metade do século XIX. 	
A água corrente é uma das mais antigas fontes de energia utilizadas para reduzir o
trabalho de pessoas e animais. Há pelo menos 5.000 anos, já existiam, em diferentes
lugares do planeta, equipamentos de aproveitamento de água. O primeiro deles foi a
roda de elevação (Figura 1). Esse equipamento aparece nos registros arqueológicos
de diferentes regiões no Oriente Médio e era composto de uma roda de madeira
na qual eram afixados jarros de cerâmica que elevavam a água provavelmente para
irrigação.
10 l ENERGIA HÍDRICA
Moinhos
Outro equipamento ainda hoje muito conhecido e utiizado é o
moinho. Os primeiros moinhos foram utilizados provavelmente para
produzir farinha de trigo na região do Mediterrâneo. Seus registros
mais antigos datam de praticamente 2.000 anos atrás e se estenderam
até a Escandinávia. Nos séculos seguintes, eles ficaram cada vez mais
sofistificados e se espalharam pelo Império Romano e além de suas
fronteiras. Com o passar do tempo, os moinhos movidos a água
passaram a ser utilizados também para mineração, siderurgia, produção
de papel. A água era a principal fonte de energia mecânica. Estima-se
que no século XVII, somente na Inglaterra, existiam 20.000 moinhos
movidos a água em funcionamento.
Figura 1 – Roda d’ água movida a energia potencial dos recursos hídricos 1
A utilização de energia hídrica é amplamente difundida em todas as regiões do
planeta que apresentam recursos hídricos disponíveis; a força desses recursos é
aplicada para diferentes objetivos. Existem antigos moinhos funcionando em alguns
lugares do mundo para fazer farinha ou açúcar. Em países em desenvolvimento, esses
aproveitamentos diretos ainda desempenham importante papel. No Nepal, turbinas
simples produzidas localmente são usadas para operar equipamentos; no Oriente
Médio e na Ásia o uso de canais para elevar água para irrigação de culturas agrícolas
ainda está presente em muitos lugares.
O uso mais comum das águas está relacionado à irrigação de cultivos agrícolas. Esse
uso é muito antigo e ainda é fundamental para o desenvolvimento de atividades
agrícolas visando evitar as incertezas climáticas. Em algumas regiões, a irrigação
ainda é utilizada, fazendo uso de tecnologias neolíticas que aproveitam a energia
potencial para distribuição de água nas áreas cultivadas (Figura 2).
ENERGIA HÍDRICA l 11
Figura 2 – Canal de irrigação utilizando energia potencial 2
Outro uso amplamente difundido da energia hídrica é o abastecimento doméstico,
constituindo-se em importante fator na qualidade de vida das populações. Sistemas
de abastecimento de água que utilizam a energia potencial dos recursos hídricos
existem há milênios e ainda são utilizados atualmente.
Figura 3 – Aquedutos em Lisboa 3
A energia hídrica pode ainda ser utilizada para produção de ar comprimido a partir
de quedas de água. Utilizando uma trompa é possível comprimir o ar que pode
ser utilizado para operar outros equipamentos distantes da água. Em condições
ideais, a compressão é possível diretamente. Uma coluna de água cai em uma
câmera subterrânea, levando uma mistura de ar e água gerada pela turbulência.
Nessa câmera, o ar é separado da água, comprimido e capturado no alto da câmera
enquanto a água é espelida para a superfície. Existem algumas usinas com esse tipo
de equipamento, um exemplo é a Usina do Rio Montreal, no estado de Ontário, nos
Estados Unidos, que opera desde 1910.
12 l ENERGIA HÍDRICA
Atualmente, esses usos diretos da energia hídrica
representam apenas uma pequena parte de sua
utilização. No mundo industrializado esses
exemplos são cada vez mais raros. A contribuição
desses aproveitamentos para o uso mundial
da energia hídrica é muito pequeno quando
comparado com a produção de hidreletricidade,
no entanto, o uso da água para geração de
eletricidade é bastante recente. No século XIX,
o avanço das tecnologias que permitiam a
utilização do carvão como fonte de energia fez
com que os equipamentos movidos a água fossem
considerados obsoletos. Apesar disso, um século
depois a utilização de água para produção de
eletricidade tornou-se uma indústria em expansão.
A expansão dessa indústria foi resultado de diversas descobertas científicas que
foram desenvolvidas e transformadas em tecnologias elétricas durante o século XIX.
Em 1832, Faraday descobriu a indução eletromagnética. Nesse mesmo ano, um
jovem engenheiro francês, Benoit Fourneyron, patenteou uma roda de água nova
e mais eficiente, a primeira turbina de água. A palavra turbina vem do latim turbo,
que significa “algo que gira”, e foi cunhada por um professor do inventor. Essa nova
turbina incorporou diversos novos equipamentos. A inovação mais importante
foi o fato desta turbina funcionar totalmente submersa; testes demonstraram que
ela era capaz de converter 80% da energia da água em energia mecânica utilizável.
Depois dessa experiência bem sucedida, novas pesquisas começaram a ser realizadas
em diferentes partes do mundo. Nos Estados Unidos, o engenheiro James Francis
desenvolveu uma turbina radial que recebeu seu nome (GULLIVER, 1991).
A partir dessas primeiras experiências, a indústria elétrica cresceu e se desenvolveu
durante o final do século XIX. Com a possibilidade de desenvolvimento de plantas
individuais, muitas hidrelétricas aumentaram de alguns kW para mais de um MW
em apenas uma década. E atualmente é possível gerar eletricidade a partir das águas
dos oceanos e dos rios.
Aproveitamento de energia do mar
Existem diferentes formas de converter a energia dos oceanos em
hidreletricidade. As principais formas de aproveitamento são: energia das
barragens de marés; energia do fluxo das marés; energia das correntes
marinhas; energia das ondas; energia da conversão térmica do oceano;
e a energia das diferenças de pressão osmótica. Entre esses tipos de
aproveitamentos, a energia das marés, das correntes e das ondas apresentam
maior potencial de desenvolvimento (PONTAA; JACOVKISA, 2008).
Figura 4 – Sistema de compressão
de ar da Usina do Rio Montreal,
Ontário, Canadá 4
ENERGIA HÍDRICA l 13
Nos oceanos, a energia das marés pode ser capturada na posição horizontal, sendo
possível utilizá-la através de geradores de fluxo semelhantes a turbinas eólicas.
Além disso, ainda é possível produzir eletricidade utilizando barragens de marés. A
energia hídrica marinha pode ser usada para geração de eletricidade pela utilização
das ondas de superfície. Pontaa e Jacovkisa (2008) destacam a utilização da
energia cinética das correntes marinhas e as diferenças de temperatura entre águas
profundas e superficiais nos oceanos para gerarem hidreletricidade.
Em aproveitamentos de águas dos rios, é possível utilizar a energia cinética ou
potencial presente nos corpos hídricos. A produção de hidreletricidade a partir do
aproveitamento de energia cinética é denominada run-of-river (ROR). Esse tipo
de aproveitamento implica em pequena necessidade de estocagem de água em
reservatórios para suprir as casas de força. As plantas sem reservatórios dependem
dos níveis sazonais dos rios. Por outro lado, as usinas com reservatórios podem
regular o fluxo de água.
As formas mais difundidas de geração de hidreletricidade são as usinas com
barragens, as quais utilizam a energia potencial existente nas águas de rios. Ao
barrar um rio, forma-se um reservatório de água e essa é conduzida por um canal até
equipamentos que geram eletricidade.
Figura 5 – Barragem hidrelétrica 5
Atualmente, a produção de hidreletricidade é a principal alternativa à utilização
de combustíveis fósseis. Sua produção permitiu a ampliação da disponibilidade de
eletricidade em muitas regiões. Pela utilização de uma fonte renovável, a água, a
hidreletricidade se aproxima das discussões internacionais sobre sustentabilidade.
14 l ENERGIA HÍDRICA
Diversas convenções internacionais apontaram a hidreletricidade como uma
importante estratégia para a continuidade da oferta de energia associada à redução
de emissões de gases de efeito estufa (GEE). A implantação de aproveitamentos
hídricos pode permitir que os países alcancem as metas de redução de emissões
propostas no Protocolo de Quioto e na Convenção de Cancun.
A partir da energia hídrica são produzidas, atualmente, 24% da eletricidade utilizada
no planeta. No entanto, a produção de hidreletricidade apresenta distribuição
heterogênea nos diferentes países;algumas regiões concentram praticamente toda
a sua produção. Entre as regiões mais produtivas estão a América Latina e a África.
As instalações hidrelétricas atuais variam em capacidade de geração de eletricidade
entre algumas centenas de watts e mais de 10.000 MW. Essas instalações podem ser
classificadas de diferentes formas, tais como pela altura, pela capacidade instalada,
pelo tipo de turbina utilizada, pelo tipo e pela localização da barragem e do
reservatório etc. Todas essas categorias são inter-relacionadas, sendo que a altura é
um fator muito importante que determina os demais.
A capacidade mundial de produção de hidreletricidade aumentou todos os anos
durante um século inteiro. Apesar do crescimento da oferta, esse tipo de eletricidade
não acompanhou a produção total de eletricidade no mundo. Entre os anos de
1991-2000, a oferta de hidreletricidade aumentou 24% enquanto a oferta total de
eletricidade cresceu 30%. Consequentemente, a contribuição da hidreletricidade
para a oferta total mundial caiu de 18,5% para 17,6% naquela década, e foi de apenas
16% em 2002.
A produção de hidreletricidade nas diferentes regiões do planeta é bastante variada.
A Noruega obtém quase toda a sua eletricidade da energia hídrica. O Brasil obtém
80% de sua demanda dessa fonte e o Canadá e a Suécia abastecem metade de sua
demanda.
A América Latina apresenta grande potencial de aproveitamento de energia hídrica
para produção de eletricidade, por isso os investimentos em infraestrutura nessa
região crescem anualmente. Estima-se que os investimentos podem superar os 450
bilhões de dólares em 2015. Atualmente, a capacidade instalada na América Latina
é de 140.000 MW de hidreletricidade. Por isso, essa região é um dos mercados mais
importantes do mundo.
Visando fortalecer o desenvolvimento do imenso potencial hidrelétrico da América
Latina, foi criada a Convenção de Hidreletricidade da América Latina (Hydro
Power Summit Latin America). Essa organização constitui um fórum para que os
interessados (poderes públicos, empresários, usuários, pesquisadores) possam
discutir aspectos relacionados à produção de eletricidade a partir das fontes hídricas.
ENERGIA HÍDRICA l 15
Assim, são discutidos os principais tipos de plantas hidrelétricas, tais como a
geração de hidreletricidade com barragens ou sem barragens, e a hidreletricidade a
partir da energia das marés. Além disso, são discutidas as tendências dos mercados
de financiamento e capital para hidreletricidade, as formas de obtenção de
financiamentos e quais as expectativas dos órgãos financiadores.
Na América do Sul, o Brasil gera 90% de sua eletricidade a partir da energia hídrica,
e a Colômbia, 80,4%. Outros exemplos nessa região podem ser apontados, tais
como o Panamá, o Chile e a Venezuela.
Em 2009, foi criada a Conferência sobre Infraestrutura do Conesul (Southern
Cone Infrastructure Summit) que visa estimular o desenvolvimento e a proliferação
de novos projetos em energia, transporte, água e bem-estar social. Essa conferência
une os setores público e privado em vinte países como Argentina, Bolívia, Brasil,
Chile, Paraguai, Peru e Uruguai. Seus trabalhos examinam questões financeiras,
operacionais e regulatórias que afetam aspectos críticos do setor de hidreletricidade.
Além disso, são discutidos também temas como a estabilidade social, política e
financeira necessárias para o estabelecimento de infraestrutura desse setor. Outro
tema de interesse é a integração regional no continente, que conta com exemplos
bem sucedidos como a usina de Itaipu Binacional.
A América do Norte apresenta grande potencial energético de todas as fontes,
renováveis ou não. Os Estados Unidos estão entre os dez maiores produtores
mundiais de petróleo, óleo, gás natural e eletricidade nuclear e hidrelétrica. O
Canadá também produz grandes quantidades de óleo, gás natural e eletricidade
nuclear e hidrelétrica. Nesses países, apenas 5% da eletricidade são provenientes de
aproveitamentos hídricos (HUGHES, 2011).
O continente africano também apresenta projetos hidrelétricos em diferentes países.
É possível destacar a implantação de uma planta hídrica na Zâmbia e investimentos
na conclusão de usinas, como Gibe II, na Etiópia. A fundação da Corporação
de Eletrificação da Etiópia (EEPCo) promoveu a criação de recomendações
para alcançar a sustentabilidade na produção de hidreletricidade na África. Essas
recomendações destacam quatro áreas principais: a promoção do desenvolvimento
regional, o acesso a investimentos e financiamentos viáveis, os avanços no papel
da hidreletricidade na país e na região, e a transmissão da eletricidade produzida
pelas plantas hídricas. O objetivo da EEPCo é o estabelecimento de um centro de
excelência em hidreletricidade sustentável na Etiópia (GULLIVER, 1991).
Na África, as principais discussões entre os grupos interessados se referem à
necessidade de promover os investimentos do setor privado na instalação de
aproveitamentos de energia hídrica para geração de eletricidade. Os diferentes
16 l ENERGIA HÍDRICA
papéis dos setores público e privado ainda são analisados para melhor definição de
atribuições no desenvolvimento de projetos hidrelétricos. Atualmente, destacam-se
algumas diretrizes, tais como o desenvolvimento de plantas que permitem múltiplos
aproveitamentos, transporte, abastecimento de água, integração entre diferentes
fontes renováveis – hídrica, eólica, solar – para a geração de eletricidade; e a
utilização das plantas hidrelétricas para mitigação das emissões de GEE em projetos
de desenvolvimento limpo.
A expansão dos aproveitamentos hidrelétricos na África apresenta muitos desafios.
A falta de estabilidade social, política e econômica de muitos países dificultam
a atração de investimentos externos. As relações geopolíticas de países que
compartilham recursos hídricos precisam ser estreitadas para que seja possível o
aproveitamento de seu potencial. É necessário garantir que a instalação e a operação
dos projetos hidrelétricos sejam implantadas, visando à redução de impactos
ambientais e sociais (GULLIVER, 1991).
A Ásia também apresenta desenvolvimento no setor hidrelétrico. Diversos países
como China, Vietnã, Nepal, Sri Lanka implantaram plantas hídricas nas últimas
décadas. A China é o segundo maior mercado consumidor de eletricidade (atrás
apenas dos Estados Unidos). A demanda anual chinesa é responsável pelo consumo
de 31% do carvão mundial; 7,6% do consumo de óleo; 10,7% da hidreletricidade
e 1,2% do gás consumido mundialmente. O consumo chinês dessas quatro fontes
cresceu fortemente nas últimas decadas. Nesse país, a política energética estimula
o desenvolvimento da hidreletricidade devido ao seu custo inferior a longo prazo
e menores custos ambientais quando comparados aos combustíveis fósseis. Desde
1950, aproximadamente 62.000 hidrelétricas foram construídas; a maior parte delas
de pequeno porte (menos de 12.000 kW). Quase todos os maiores rios da China
apresentam plantas hidrelétricas (CROMPTON; WU, 2005; ZHONG; POWER,
1996).
Nas últimas décadas, o crescimento econômico da China estimulou o
desenvolvimento de projetos hidrelétricos. Diversos projetos de médias e grandes
usinas hidrelétricas foram finalizados e outros estão sendo estabelecidos. Na
província Fujian, mais de 40 projetos de grandes e médias barragens estão sendo
construídos em 60.992 km2
, ao longo de 584km da bacia do rio Min. Na província
Sichuan existe um projeto de desenvolvimento do setor hidrelétrico há mais de
30 anos, localizado na bacia hidrográfica do rio Changjiang basin. No rio Yang-tsé
está localizada a usina das Três Gargantas, a qual é uma das maiores do mundo. A
obra foi iniciada em 1993 e concluída em 2006, e apresenta diferentes objetivos,
tais como a geração de energia, a prevenção de enchentes e o transporte fluvial.
Em 2009, 26 turbinas estavam instaladas e sua capacidade era de 18.200MW
(CROMPTON; WU, 2005; ZHONG; POWER, 1996).
ENERGIA HÍDRICA l 17
Na Europa, existem indicações de que a produção de hidreletricidade vem
diminuindo desde a década de 1970, especialmente em Portugal, na Espanha e em
outros países europeus do sul. Essas reduções têm relação com alterações cíclicas
e com o aproveitamento da água para outros usos, ou mesmo com mudanças
climáticas. A contribuição da energia hídrica para produção total de eletricidade
na Europa varia entre os diferentes países, e as diferenças refletem restrições
geográficas, adequação climática, políticas governamentais e capacidade econômica
(LEHNER; CZISCH; VASSOLO, 2005).
Existem dois fatores que influenciam o futuro da hidreletricidade no continente
Europeu: o primeiro diz respeito à disponibilidade de rios para exploração
hidrelétrica; e o segundo ao estabelecimento de plantas individuais nos países.
No leste europeu e na antiga União Soviética, problemas econômicos persistentes
interferem na construção de novas usinas, no entanto, espera-se que essas
situações possam ser resolvidas a médio e a longo prazo. A melhor possibilidade de
desenvolvimento do setor nesse continente é quanto à expansão ou reabilitação das
estruturas já existentes. Na Europa central, a hidreletricidade representa importante
fonte de energia para países como Albânia, Croácia e Romênia. O maior potencial
de ampliação de oferta de hidreletricidade nesses países está relacionada com a
implantação de usinas na Albânia, Bulgária, Romênia e nas repúblicas que formavam
a antiga Iugoslávia. Apesar de apresentarem potencial para expansão da produção de
hidreletricidade, esses países ainda enfrentam dificuldade para obter financiamentos
para os projetos. Os países do norte da Europa apresentam também potencial hídrico
tanto em aspectos geográficos como climáticos. No entanto, em países como a Suécia,
projetos para construção de grandes hidrelétricas enfrentam forte oposição. Como
consequência, as grandes usinas são apenas reabilitadas e somente pequenos projetos
são desenvolvidos. Da mesma forma, a Noruega está implantando pequenos projetos
que promovem poucos aumentos na oferta de hidreletricidade. Na Europa ocidental,
a maior parte dos recursos hídricos disponíveis já são aproveitados para produção de
hidreletricidade. Apenas na Espanha e na Itália existe a possibilidade de aumentar
a oferta desse tipo de eletricidade pela implantação de novas usinas (LEHNER;
CZISCH; VASSOLO, 2005).
Além das grandes usinas, é possível produzir hidreletricidade através de sistemas
com médias e pequenas plantas. Na Escócia, foi estabelecido um esquema
hidrelétrico durante os anos 1970 que funciona até hoje basicamente com as
mesmas estruturas, ou seja, baseado em plantas de média escala. Nesses casos,
geradores variando entre kW e MW foram instalados em córregos e rios, às vezes
usando barragens. Essas plantas atualmente são classificadas na categoria de
pequenas centrais hidrelétricas – PCH; ou small-scale hydro – SSH (BOYLE;
EVERETT; RAMAGE, 2003).
18 l ENERGIA HÍDRICA
Em consequência de diferentes fatores, as pequenas usinas foram desestimuladas
em favor das grandes barragens. No entanto, recentemente novas questões
estão destacando a relevância de se investir em pequenas plantas. Nos países
industrializados, questões ambientais estão limitando o desenvolvimento de
projetos de grande escala e favorecendo os pequenos projetos. Em alguns países
em desenvolvimento, o estabelecimento de sistemas de eletrificação locais parece
ser mais vantajoso do que os amplos sistemas nacionais. Esse interesse crescente
favoreceu o desenvolvimento de tecnologias adequadas e da padronização de
componentes e procedimentos de construção, com avançados sistemas de controle
eletrônicos que podem reduzir custos e garantir a eficiência das pequenas plantas
hidrelétricas. Esse tipo de planta está sendo construído ou já está em operação
na Escócia, Áustria, França, Itália, Noruega, Espanha, Brasil e China (BOYLE;
EVERETT; RAMAGE, 2003).
Em muitos casos, pequenos centros hidrelétricos apresentam custos inferiores,
mas sua localização pode provocar conflitos com outras possibilidades de usos da
água. Por outro lado, o potencial de implantação desse tipo de planta em muitos
lugares do mundo permanece subutilizado, especialmente em regiões montanhosas.
Segundo Boyle, Everett e Ramage (2003), em alguns lugares, como o Nepal, a
dificuldade de transportar equipamentos estimulou o desenvolvimento de plantas
extremamente pequenas, cujos implementos podem ser transportados por pessoas
ou animias. Nessas áreas, projetos simples e relativamente baratos podem permitir
a operação de microcentrais hidrelétricas, as quais apresentam potencial para serem
utilizadas em diversas partes do planeta e garantirem a autosuficiência energética de
propriedades, pequenas vilas ou mesmo cidades rurais.
Produtores de Hidreletricidade
Seja qual for o tipo de aproveitamento hídrico, podemos afirmar que
atualmente o Canadá é o maior produtor absoluto de hidreletricidade,
seguido pelo Brasil, Estados Unidos, China, Rússia, Noruega, Japão,
Índia, Suécia, França, Venezuela, Itália, Áustria, Suíça e Espanha (BOYLE;
EVERETT; RAMAGE, 2003; IHA, 2004; ONU, 2008).
ENERGIA HÍDRICA l 19
3. Impactos ambientais
A
implantação de empreendimentos hidrelétricos promove impactos
ambientais positivos e negativos. Dessa forma, existem impactos que
prejudicam o ambiente (ecológico, econômico e social) local, como
o alagamento de áreas de vegetação nativa. Mas também existem impactos de
atividades econômicas que favorecem o ambiente local, como, por exemplo, a
geração de empregos em áreas onde existe a migração de jovens em busca de
trabalho (MÜLLER-PLATENBERG; AB’SABER, 1998; SANCHEZ, 2006).
Benefícios da energia hídrica
Os aproveitamentos hidrelétricos apresentam diferentes benefícios
ambientais quando comparados a outros tipos de plantas de geração
de eletricidade. As hidrelétricas não liberam CO2
ou óxidos de enxofre e
nitrogênio que podem causar chuva ácida, não produzem particulados
ou componentes químicos como dioxinas que afetam diretamente a
saúde ambiental e também não liberam radioatividade. As plantas que
apresentam falhas não causam explosões ou incêndios. As barragens
podem auxiliar no controle de enchentes e possibilitar a irrigação de terras
agrícolas por meio da utilização das águas dos reservatórios. Em alguns
casos, a implantação do reservatório de uma usina pode favorecer a
paisagem local.
Por outro lado, a implantação de empreendimentos hidrelétricos pode causar
impactos ambientais adversos. Ao longo do século XX, a análise de grandes usinas
permitiu verificar diversos problemas, como, por exemplo, a remoção de milhões
de pessoas de suas terras e os colapsos em barragens que mataram muitas pessoas.
Os impactos negativos podem ser relacionados a efeitos hidrológicos, que afetam
os ecossistemas influenciados e as comunidades do entorno desses. Quando um
empreendimento hidrelétrico é construído, existe uma alteração nos recursos
hídricos locais pelo desvio ou canalização de parte do volume de água. Essas
ações podem causar poucas alterações no fluxo total do rio, mas também podem
causar profundos efeitos nos ecossistemas. O aumento da área de evaporação, em
função da existência do reservatório, pode alterar os microclimas locais (BOYLE;
EVERETT; RAMAGE, 2003; MULLER-PLATENBERG; AB’SABER, 1998;
SANCHEZ, 2006).
20 l ENERGIA HÍDRICA
A construção das barragens, especialmente das grandes, pode afetar o ambiente
de muitas formas, podendo causar muitas perturbações. Apesar de o período de
construção se estender por apenas alguns anos, os efeitos ecossistêmicos podem ser
muito mais longos ou mesmo irreversíveis. Os reservatórios que se originam a partir
das barragens também causam alterações ambientais que podem ser consideradas
neutras, catastróficas ou benéficas, dependendo do contexto biológico e geográfico.
O principal risco relacionado às barragens é o rompimento, sendo que as falhas
podem ocorrer por diferentes motivos, tais como erros estruturais na construção ou
terremotos. Durante o século XX, 200 barragens se romperam em diversos lugares
do mundo.
Outro problema ambiental que pode ser causado pela existência de barragens está
relacionado com alterações no transporte de sedimentos naturalmente realizado
pelo recurso hídrico regulado. No Egito, a construção da barragem do Alto Aswan
reduziu o transporte de solos e nutrientes, afetando negativamente as atividades
agrícolas a jusante (em uma corrente, é lado contrário ao da nascente, ou seja, para
onde correm as águas, ponto mais próximo à foz). Além disso, os sedimentos foram
acumulados no reservatório, reduzindo o volume de água (BOYLE; EVERETT;
RAMAGE, 2003).
O processo de alagamento do reservatório também pode causar impactos negativos.
Quando ocorre com a presença de vegetação, a decomposição da matéria orgânica
ocorre de forma anaeróbica, produzindo metano (CH4). Metano é um gás de efeito
estufa mais potente do que o gás carbônico. Dessa forma, se o lago de uma usina
produzir metano, os benefícios ambientais são fortemente reduzidos.
No Brasil, a usina de Balbina é um exemplo disso. Sua área de inundação aproxima-
se a 1 hectare por KW de capacidade de geração, causando impactos imensos ao
ambiente que não são compensados pela energia gerada. Nesse caso, a emissão
de GEE dessa usina pode ser superior às usinas termelétricas (JANNUZZI;
SWISHER, 1997).
A construção de usinas hidrelétricas implica ainda na remoção de comunidades
inteiras. As negociações sobre os valores referentes às indenizações envolvem
diversas questões éticas. O valor da terra pode ser avaliado conforme diferentes
parâmetros; em geral, os empreendedores utilizam a valoração de mercado para
calcular as indenizações, no entanto, as populações atingidas atribuem outros
valores culturais, familiares e psicológicos às áreas que serão inundadas. As
controvérsias sobre esse tema geram muitos problemas em diferentes países. A
construção das usinas de Aswan e Kariba, no Egito, envolveram a realocação de
ENERGIA HÍDRICA l 21
mais de 60.000 pessoas cada uma. A implantação da barragem das Três Gargantas, na
China, implicou no desaparecimento de 100 cidades e no deslocamento de 1 milhão
de pessoas (BOYLE; EVERETT; RAMAGE, 2003).
As pequenas plantas hidrelétricas podem causar impactos menos graves do que as
grandes barragens: menos pessoas precisam ser deslocadas de suas terras e existe
menor risco de mortes por rompimentos na barragem. Mas não existe consenso
sobre esse tema. Em diferentes países, legislações incentivam a construção de plantas
com capacidade inferior a 10MW, mas não existe justificativa técnica e científica para
isso. No estado de Santa Catarina, no Brasil, diversas pequenas centrais estão sendo
construídas. Os estudos ambientais relacionados a essas usinas são simplificados porque
os órgãos ambientais defendem a visão de que essas plantas causam menos impactos.
No entanto, diversas pequenas centrais estão sendo construídas em uma única bacia
hidrográfica, o que pode aumentar potencialmente os impactos cumulativos dos
empreendimentos. Em alguns casos, a área do reservatório por unidade de energia
gerada necessita ser maior, o que pode aumentar a evaporação ou mesmo a emissão de
metano. Todos esses elementos variam fortemente conforme o caso.
Impactos ambientais
Os impactos ambientais decorrentes da implantação de barragens podem
ocorrer em diferentes etapas, especialmente na instalação e operação da
usina. Os impactos da instalação compreendem aqueles que ocorrem
durante o período de preparação do terreno e construção das estruturas,
os quais costumam ser bastante graves porque implicam em fortes
modificações ambientais. No entanto, esses impactos são geralmente
temporários e se estabilizam com o final da instalação da barragem. Já os
impactos da fase de operação, em geral, são menos graves e continuam a
ocorrer durante toda a vida útil do empreendimento.
O procedimento utilizado na Avaliação de Impactos Ambientais (AIA) para
controle desses impactos é o estabelecimento de medidas, projetos ou programas de
controle da qualidade ambiental referentes a cada impacto ambiental considerado
significativo. Essas medidas, projetos ou programas ambientais visam à prevenção
(evitar que o impacto aconteça), à mitigação (reduzir a importância) ou compensação
(indenizar um impacto que não pode ser evitado). Assim, para cada ação necessária no
estabelecimento da barragem, derivam impactos ambientais e medidas de controle da
qualidade do ambiente (SANCHEZ, 2006).
22 l ENERGIA HÍDRICA
A construção de uma usina hidrelétrica com barragem implica em três conjuntos de
ações:
1.	a ocupação da área do empreendimento (desmatamento,
terraplanagem, aterro e desmonte), áreas de apoio (canteiros de obras,
vilas de moradores, armazéns, estacionamentos, postos de combustíveis),
acessos (estradas de acessos e portos) e construção e manutenção da
barragem;
2.	formação do reservatório, inundações e funcionamento da hidrelétrica;
3.	desapropriação de terras e alterações das atividades econômicas e
sociais.
A ocupação da área do empreendimento provoca impactos positivos e negativos
variados. As atividades de desmatamento, terraplanagem, aterro e desmonte
de rochas podem provocar alteração da estrutura físico-química e biológica do
ambiente e assoreamento do reservatório. A instalação de canteiros de obras,
vilas de moradores, armazéns, estacionamentos e postos de abastecimento pode
provocar o recebimento da drenagem pluvial, de esgotos sanitários e efluentes
industriais e agrícolas da região que podem gerar a deterioração da qualidade da
água (comprometendo o abastecimento de água, os equipamentos da usina etc.);
a criação de condições propícias ao desenvolvimento dos vetores e dos agentes
etiológicos de doenças de veiculação hídrica; a contribuição de sedimentos,
agrotóxicos e fertilizantes; a proliferação desordenada de algas, macrófitas aquáticas
e outros organismos a jusante e a montante do empreendimento, impedindo a
descarga da represa e prejudicando os sistemas de irrigação e navegação e a pesca;
e a poluição dos corpos d’água por efluentes gerados durante a construção e
disposição incorreta de resíduos sólidos (BRASIL, 2000; IHA, 2010a; IHA, 2004).
As ações de construção e manutenção da barragem podem provocar alterações
nas vazões máxima e mínima a jusante, inundação de áreas e alteração do regime
hídrico, atenuando os picos de cheias/vazantes e aumento do tempo de residência
de água no reservatório. Além disso, podem causar a alteração da descarga a
jusante, em função do período de enchimento e/ou de desvio permanente do
rio; a interferência nos usos múltiplos do recurso hídrico: navegação, irrigação,
abastecimento, controle de cheias, lazer, turismo etc.; e o assoreamento do
reservatório e erosão das margens a jusante e a montante (BRASIL, 2000; IHA,
2010a; IHA, 2004).
ENERGIA HÍDRICA l 23
Para controlar esses impactos, podem ser estabelecidas medidas, projetos ou
programas para:
»» monitoramento da qualidade da água;
»» compatibilização do material/equipamento da usina com a qualidade da
água prevista para o reservatório;
»» repasse e divulgação dos estudos referentes à qualidade da água;
»» monitoramento do uso do solo;
»» monitoramento hidrossedimentométrico;
»» monitoramento do uso do solo e da cobertura vegetal (principalmente
para prevenção contra a conversão de áreas de floresta em áreas
agricultáveis ou para moradias);
»» contenção de encostas: plantação de mata ciliar, preservação das matas
existentes, contenção de taludes etc.;
»» modelagem matemática de apoio à tomada de decisão por gestores
públicos;
»» controle dos efluentes orgânicos lançados no reservatório provenientes da
bacia contribuinte;
»» retirada da vegetação presente na área do reservatório antes da sua
inundação com aproveitamento da biomassa (geração de energia,
fertilização de solos etc.) e regular a descarga e o nível de água, de forma a
prevenir o crescimento de algas, macrófitas aquáticas e outros organismos;
»» gestão junto aos estados, municípios e aos órgãos de controle ambiental
quanto à qualidade dos efluentes industriais e domésticos e de defensivos
agrícolas e fertilizantes lançados na bacia de contribuição do reservatório;
»» controle da proliferação de algas, macrófitas aquáticas e outros organismos
(em caso de retirada periódica, prever o aproveitamento da biomassa);
»» monitoramento e controle de criadouros de vetores de doenças e de
agentes etiológicos;
»» estabelecimento de alternativas de abastecimento de água para as
populações afetadas;
»» escolha cuidadosa da localização dos canteiros de obras e destinação
adequada dos rejeitos gerados na etapa de construção; e
»» limpeza da área do reservatório.
24 l ENERGIA HÍDRICA
As ações relacionadas à formação do reservatório ocorrem durante a fase
de operação da hidrelétrica e podem provocar impactos diversos, tais como:
inundação da vegetação (primária ou em regeneração) com perda de patrimônio
vegetal; redução do número de indivíduos com perda de material genético e
comprometimento da flora ameaçada de extinção; redução do potencial madeireiro;
perda de habitats naturais; interferência em unidades de conservação; aumento da
pressão sobre os remanescentes de vegetação próximos; interferência na vegetação
além do perímetro do reservatório, em decorrência da elevação do lençol freático
ou de outros fenômenos; desmatamento da vegetação na área da barragem e
canteiro de obras; interferência na composição qualitativa e quantitativa da fauna
aquática, terrestre e alada, com perda de material genético e comprometimento da
fauna ameaçada de extinção; interferência na reprodução das espécies (interrupção
da migração, supressão de sítios reprodutivos etc.); migração provocada pela
inundação, com adensamento populacional em áreas sem capacidade de suporte;
aumento da pressão sobre a fauna remanescente (pressões decorrente da
presença mais acentuada de grupamentos humanos, contato mais intenso entre
representantes da fauna de diferentes níveis tróficos e bloqueio à migração);
desenvolvimento de flora aquática superficial, depreciando a camada fótica,
reduzindo a produção primária e impactando a ictiofauna; alteração qualitativa
e quantitativa da fauna local em função das alterações climáticas; inundação/
interferência em cidades, vilas, distritos etc. (moradias, benfeitorias, equipamentos
sociais e estabelecimentos comerciais, industriais etc.); mudança compulsória
da população; interferência na organização físico-territorial; interferência na
organização sociocultural e política; interferência nas atividades econômicas;
intensificação do fluxo populacional (imigração e emigração); alteração demográfica
dos núcleos populacionais próximos à obra; surgimento de aglomerados
populacionais; sobrecarga dos equipamentos e serviços sociais (saúde, saneamento,
educação, segurança etc.); erosão das margens por movimentação da água no
reservatório; perda da capacidade de armazenamento do reservatório, por erosão
das margens e sedimentação proveniente do rio a montante; e controle do uso do
solo nas margens do reservatório e na bacia hidrográfica de contribuição (BRASIL,
2000; IHA, 2010a; IHA, 2004).
Para controlar esses impactos sugere-se:
»» implantação de banco de germoplasma;
»» recomposição de áreas ciliares;
»» consolidação de unidade de conservação;
»» manutenção de corredores biológicos (de mata nativa), reduzindo os
impactos da fragmentação da vegetação (efeito de borda);
»» instalação de viveiro de mudas;
ENERGIA HÍDRICA l 25
»» monitoramento da elevação do lençol;
»» estímulo aos proprietários para manutenção dos remanescentes de
vegetação;
»» resgate e relocação de fauna;
»» criação e reintrodução de fauna;
»» monitoramento e manejo da fauna;
»» implantação de centro de proteção à fauna;
»» fiscalização contra a caça predatória;
»» implantação de estação para cultivo e repovoamento;
»» implantação de medidas de proteção aos sítios reprodutivos (bacias
tributárias etc.);
»» construção de “escadas para peixe” ou outros mecanismos que
possibilitem a migração da ictiofauna;
»» manutenção de uma vazão mínima para reduzir o impacto sobre a
ictiofauna;
»» controle do crescimento da vegetação aquática (regular a descarga e o
nível de água);
»» redução de avifauna devido à poluição sonora e atmosférica;
»» comunicação e negociação com a população afetada;
»» relocação de cidades, vilas, distritos, moradias etc;
»» remanejamento da população (reassentamento, relocação e indenização);
»» reativação da economia afetada;
»» análise e acompanhamento do fluxo migratório;
»» articulação municipal visando ao crescimento ordenado;
»» redimensionamento dos equipamentos dos serviços sociais;
»» estabelecimento de critérios para utilização da mão de obra local/regional
a ser contratada;
»» monitoramento das atividades socioeconômicas e culturais;
»» estímulo às atividades culturais afetadas;
»» monitoramento da erosão, do transporte e da deposição dos sedimentos;
»» estabilização das margens (plantação de mata ciliar, preservação das matas
existentes, contenção de taludes etc).
26 l ENERGIA HÍDRICA
Por fim, as atividades relacionadas com a desapropriação de terras e alterações
das atividades econômicas e sociais podem causar:
»» interferência na atividade mineral;
»» perda do potencial mineral;
»» interferência no uso do solo;
»» exploração acelerada das jazidas existentes e dos recursos minerais
potenciais na área do reservatório;
»» interrupção/desativação dos sistemas de comunicação, estradas, ferrovias,
aeroportos, portos, sistemas de transmissão/distribuição, minerodutos,
oleodutos etc;
»» interferências nas populações no meio rural;
»» inundação/interferência em terras, benfeitorias, equipamentos e núcleos
rurais;
»» mudança compulsória da população;
»» interferência na organização sociocultural e política;
»» problemas de saneamento e saúde nos canteiros de obras;
»» aumento da pressão e degradação ambiental das áreas de terra concedidas
para reassentamento;
»» alteração das atividades econômicas (agropecuária, extrativismo vegetal e
mineral e atividades pesqueiras);
»» perda de terras agrícolas;
»» perda de recursos minerais e florestais;
»» perda do potencial de exploração agrícola;
»» alteração na estrutura fundiária;
»» perda de arrecadação tributária;
»» interferência /desativação das indústrias e/ou redução na produção
devido a alteração da oferta de matéria-prima;
ENERGIA HÍDRICA l 27
»» interferência/desativação de atividades comerciais e de serviços;
»» alteração na demanda e oferta dos serviços e atividades comerciais;
»» alteração na estrutura de preço;
»» busca de alternativas de fornecimento de insumos;
»» redimensionamentos das atividades comerciais e de serviços;
»» reorganização da estrutura de emprego;
»» impactos em populações indígenas e/ou outros grupos étnicos;
»» alteração na organização socioeconômica e cultural desses grupos;
»» mudança compulsória dos grupos populacionais (aldeias/povoados);
»» inundação de sítios arqueológicos;
»» desaparecimento de sítios paisagísticos;
»» desaparecimento de edificações de valor cultural;
»» desaparecimento de sítios espeleológicos;
»» interferência no potencial turístico; e
»» alteração na dinâmica histórica regional.
O controle desses impactos pode ser realizado por meio de medidas, projetos ou
programas ambientais como:
»» identificação de jazidas alternativas;
»» desenvolvimento de técnicas para exploração futura de lavras
subaquáticas;
»» intensificação de exploração agrícola e de extrativismo vegetal na área do
reservatório antes da inundação;
»» zoneamento, monitoramento e controle do uso do solo;
»» redimensionamento da infraestrutura;
28 l ENERGIA HÍDRICA
»» relocação da infraestrutura atingida (recomposição dos sistemas viário, de
comunicação e de transmissão/distribuição);
»» comunicação e negociação com a população afetada;
»» remanejamento da população atingida (reassentamento, relocação e
indenização);
»» relocação de núcleos rurais e da infraestrutura econômica e social isolada;
»» reorganização das propriedades remanescentes;
»» reativação da economia afetada;
»» incentivo às atividades econômicas e implantação de equipamentos
sociais dos projetos de reassentamento (educação, saúde, saneamento,
assistência técnica etc);
»» análise e acompanhamento do fluxo populacional;
»» reorganização das propriedades remanescentes;
»» acompanhamento e controle dos contatos interétnicos;
»» compensação territorial e medidas que mantenham a coesão do grupo
étnico afetado;
»» pesquisa e salvamento arqueológico, histórico, artístico, paisagístico
(cênico e científico), paleontológico e espeleológico, por meio de projetos
de resgate documentados e registrados cientificamente;
»» salvamento do patrimônio cultural;
»» reconstituição da memória pré-histórica, histórica e cultural;
»» repasse e divulgação (publicações/museus/laboratórios) dos estudos
resultantes de cada item do patrimônio cultural; e
»» incremento das potencialidades culturais com fins educacionais
(formativo/informativo) e turísticos.
ENERGIA HÍDRICA l 29
Por décadas, a construção de grandes barragens na América Latina foi a principal
estratégia para geração de hidreletricidade. Atualmente, existe uma grande
discussão sobre a relação entre tamanho das barragens e dos reservatórios e
impactos ambientais (ecológicos e sociais). Dentro dessa discussão, surgiu a
defesa da construção de pequenas usinas com reservatórios menores, que causam
impactos mais localizados e possivelmente mais fáceis de controlar no que se refere
a tecnologias e investimentos financeiros. Mais recentemente, a implantação de
pequenas centrais hidrelétricas também está sendo questionada. Isso se deve ao fato
de que muitas centrais hidrelétricas de pequeno porte podem ser implantadas em
uma única bacia hidrográfica. Os estudos ambientais buscam identificar impactos de
empreendimentos isolados e não contemplam os impactos cumulativos promovidos
pela construção de diversos empreendimentos em um mesmo compartimento
geomorfológico. Essa discussão é importante e demanda estudos científicos antes
que se possa chegar a uma conclusão definitiva (BRASIL, 2000; IHA, 2010a; IHA,
2004).
Impactos positivos e negativos
Por fim, constata-se que as plantas de geração de hidreletricidade
promovem impactos ambientais positivos na medida em que podem
reduzir a emissão de gases de efeito estufa, reduzir a pressão sobre os
combustíveis fosseis, levar a eletricidade a locais variados e gerar empregos.
No entanto, a instalação da usina e o estabelecimento de barragens
podem provocar impactos ambientais negativos, os quais podem ser
controlados por medidas, projetos e programas ambientais. Encarar os
desafios da implantação dessas medidas de controle é um forte desafio
rumo à sustentabilidade.
Os impactos ambientais de empreendimentos hidrelétricos devem ser analisados
ao longo de todo o ciclo de vida. Apesar dessas análises, muitos impactos podem
ser irreversíveis. Em alguns casos, o prejuízo ecológico por unidade de energia
produzida pode ser maior com a utilização da energia hídrica do que com outras
fontes de energia. As questões ambientais relacionadas à hidreletricidade são tão
controversas quanto àquelas relacionadas a qualquer fonte de energia (BOYLE;
EVERETT; RAMAGE, 2003; MÜLLER-PLATENBERG; AB’SABER, 1998;
SANCHEZ, 2006).
30 l ENERGIA HÍDRICA
4. Contabilidade ambiental
A
discussão sobre a qualidade ambiental é cada vez mais relevante
internacionalmente. De acordo com a legislação local é possível analisar o
valor das externalidades ambientais geradas pela instalação e operação de
um empreendimento gerador de energias. Essa análise é denominada avaliação de
passivos ambientais.
Passivos ambientais
Passivos ambientais referem-se a valores relacionados a impactos
ambientais regulados por legislações específicas ou por acordos
internacionais. Da mesma forma que os impactos, os passivos ambientais
podem ter significados negativos ou positivos. Pode-se dizer que os
passivos representam os valores negativos que a empresa apresenta
por não cumprir obrigatoriedades legais relacionadas ao ambiente ou
valores positivos pela implantação de medidas que evitam, reduzem ou
compensam danos ambientais previstos pela legislação (PARTIDÁRIO;
CLARK, 2000).
Os passivos podem representar a obrigação de promover investimentos para
extinção ou amenização de danos ambientais provocados em qualquer prazo.
Empresas que promoveram degradação ambiental podem ser obrigadas a pagar
elevadas quantias como multas, indenizações de terceiros ou para a recuperação
de áreas degradadas. Um passivo ambiental pode também se referir a medidas
empregadas na prevenção de danos ambientais. A implantação de medidas de
controle e monitoramento ambiental pode ser valorada mediante a economia que
promovem (BOJAN, 1999; BRASIL, 2000; PARTIDÁRIO; CLARK, 2000).
Avaliar o passivo ambiental de um empreendimento hidrelétrico implica verificar
a execução das medidas, projetos e programas ambientais definidos durante o
processo de avaliação de impactos ambientais para controlar a qualidade ambiental
local. Assim, avaliar o passivo ambiental de um empreendimento hidrelétrico
significa identificar e caracterizar os efeitos ambientais, de ordem física, biológica
e antrópica, proporcionados pela construção, operação, manutenção, ampliação
ou desativação. A obrigatoriedade legal de executar os programas ambientais para
controle de impactos promove investimentos financeiros.
ENERGIA HÍDRICA l 31
Os efeitos ambientais negativos podem ser reduzidos ou eliminados por
investimentos em gestão ambiental na empresa, como aquisição de tecnologias
limpas, regularização legal do empreendimento, emprego de profissionais
especializados em gestão ambiental, ou ainda pela aplicação do lucro em programas
sociais. Caso essas ações não sejam realizadas, o empreendimento acumula passivos
ambientais.
Os passivos ambientais são contabilizados no valor final de um empreendimento
hidrelétrico, e sua avaliação é uma exigência nas transações comerciais em
muitas regiões. A maior ou menor exigência de avaliação de passivos ambientais
está relacionada com a preocupação ambiental dos investidores e do mercado
consumidor de hidreletricidade. O papel da contabilidade ambiental é detectadar
as obrigações ambientais para evitar prejuízos aos investidores. O montante das
obrigações de recuperação ambiental de uma planta hidrelétrica pode ter efeito
significativo sobre negociações e na busca por investimentos. Sua avaliação permite
analisar o risco envolvido nas transações econômicas. (PAIVA, 2003; ITOZ et al,
2009; TINOCO; KRAEMER, 2004).
Na avaliação dos passivos ambientais, a dificuldade consiste justamente em como
valorar economicamente os danos ou benefícios ambientais promovidos pelos
empreendimentos hidrelétricos. Em geral, o valor econômico de um recurso
ambiental não é avaliado pelo mercado segundo o sistema de preços, contudo é
possível utilizar o mesmo sistema que permite definir preços de bens e serviços
presentes no mercado, ou seja, derivar seu valor econômico dos atributos analisados
de forma absoluta e/ou relativa ao seu uso (BRASIL, 2000).
Essa avaliação permite observar os riscos do negócio gerados por ações inovadoras,
pela análise das reivindicações das comunidades atingidas e pela verificação do
cumprimento das obrigações ambientais legais. De forma geral, existem três tipos de
obrigações decorrentes do passivo ambiental: legais ou implícitas, construtivas e
justas.
»» As obrigações legais ou implícitas estão relacionadas com a reparação
de danos ambientais pregressos, como, por exemplo, o desmatamento
não autorizado de áreas de mata nativa relacionadas à instalação de
empreendimentos hidrelétricos já operantes. Nesse caso, a planta
apresenta um valor equivalente à recuperação da área desmatada como um
ítem de seu passivo ambiental (PAIVA, 2003; PARTIDÁRIO; CLARK,
2000; TINOCO; KRAEMER, 2004).
32 l ENERGIA HÍDRICA
»» As obrigações construtivas referem-se a situações em que o
empreendimento executa ações de controle da qualidade ambiental
além do exigido pela legislação. Quando uma planta hidrelétrica mantém
e promove a regeneração de áreas de vegetação nativa com tamanhos
superiores aos exigidos pela legislação existe um valor positivo em sua
avaliação de passivos ambientais pelo cumprimento de obrigações
construtivas.
»» As obrigações justas são aquelas em que a planta hidrelétrica apresenta
ações de controle da qualidade ambiental não exigidas pela legislação. Em
algumas situações, questões éticas e morais promovidas pelos interesses
dos grupos interessados na produção e consumo da hidreletricidade
obrigam a implantação de medidas de prevenção ou recuperação de danos
ambientais.
Os passivos ambientais também podem ser classificados de diferentes formas.
Uma classificação diferencia os passivos entre normais e anormais. Os passivos
ambientais normais podem ser controlados, previstos e monitorados porque
são decorrentes da instalação ou operação do empreendimento hidrelétrico. Já os
passivos ambientais anormais não podem ser controlados ou previstos porque se
referem a sinistros ou acidentes (PAIVA, 2003).
Outra classificação leva em consideração diferentes critérios de investigação dos
passivos ambientais, e pode ser útil para a identificação de passivos e a sua valoração
econômica, pois permite agrupar valores e apresentar resultados por classes de
passivo. Segundo essa classificação, são definidas três classes de passivos ambientais
(BRASIL, 2000, p. 21):
»» Passivo de Adequação: valor monetário composto dos custos de
implantação de procedimentos e tecnologias que possibilitem o
atendimento às não conformidades em relação aos requisitos legais,
acordos com terceiros e às políticas e diretrizes ambientais da empresa em
questão. Como regra básica, o passivo de adequação se refere a atividades
nos limites de propriedade da organização.
ENERGIA HÍDRICA l 33
»» Passivo de Remediação: valor monetário composto dos custos
necessários à recuperação de áreas degradadas devido às atividades do
empreendimento de interesse ou decorrentes das atividades de terceiros
(cuja remediação tenha sido assumida pelo empreendedor/operador
independentemente da responsabilidade civil). Como regra geral, o
passivo de remediação se refere a atividades realizadas no meio ambiente.
»» Passivo Administrativo: valor monetário composto dos custos
referentes às multas, dívidas, ações jurídicas, taxas e impostos referentes
à inobservância de requisitos legais e de sentenças nos autos de ações
judiciais das partes afetadas.
Os estudos ambientais, normalmente exigidos na instalação e operação de
empreendimentos hidrelétricos, podem ser ferramentas úteis na contabilidade
dos passivos ambientais. Para que sejam úteis, os estudos ambientais devem ser
adequados e realizados de forma eficiente. Bons estudos permitem identificar
os diferentes tipos de passivos, bem como sua localização temporal, reduzindo
incertezas e subjetividades e permitindo um planejamento financeiro adequado
e viável por meio da demonstração contábil (PAIVA, 2003; ITOZ; NETO;
KOWALSKI, 2009; TINOCO; KRAEMER, 2004).
Avaliação de passivos
A avaliação de passivos e a contabilidade ambiental permitem identificar
os efeitos da hidreletricidade nas tendências de investimento e operações.
Na implantação de empreendimentos hidrelétricos, a avaliação de
passivos ambientais pode considerar o valor das externalidades ambientais
geradas por sua instalação e operação e servir como ferramenta para
o planejamento de médio e longo prazo. A partir dessa avaliação é
possível identificar itens que podem inviabilizar projetos. A divulgação
dessas avaliações pode demonstrar aos grupos interessados o grau de
responsabilidade ambiental dos empreendedores com a sociedade
durante a instalação e operação do empreendimento (BRASIL, 2000).
34 l ENERGIA HÍDRICA
5. Aspectos técnicos de
aproveitamentos hídricos
A
energia hídrica está presente nas águas dos rios e oceanos, e existem
múltiplas formas de aproveitá-la. A partir daqui, serão discutidos os
princípios físicos, equipamentos e instalações relacionados à geração
de hidreletricidade a partir de diferentes fontes hídricas, tais como as marés, as
correntes marinhas, as ondas oceânicas, os fluxos das águas correntes dos rios ou as
quedas de água nas barragens.
Todos esses aproveitamentos hídricos transformam a energia presente na água em
eletricidade. Alguns tipos de plantas hidrelétricas transformam a energia potencial,
outras convertem a energia cinética e ainda existe a possibilidade de aproveitar
ambos os tipos de energia em eletricidade na mesma usina.
Energia potencial
A energia potencial é aquela presente em um corpo e que está pronta
para ser convertida em energia cinética. Uma mola comprimida, um
elástico esticado possuem energia potencial; em uma cachoeira, a
água apresenta energia potencial. Ao realizar o movimento a energia
potencial é convertida em energia cinética, a qual está associada ao
movimento.
Assim, os aproveitamentos hidrelétricos que utilizam como fonte de energia o fluxo
de água de rios ou das marés convertem a energia cinética em eletricidade. Já uma
barragem converte a energia potencial em energia cinética que é transformada em
eletricidade.
Energia das marés (Tidal power)
A eletricidade pode ser gerada pelo aproveitamento das marés em canais que
conectam baías ao oceano aberto. Até a década de 1990, as principais pesquisas
relacionadas aos aproveitamentos de marés tinham como foco os aproveitamentos
que utilizam barragens. Esse tipo de aproveitamento apresenta algumas vantagens,
como maior densidade de energia e, com isso, maior eficiência. No entanto, apenas
ENERGIA HÍDRICA l 35
uma grande barragem de marés foi construída na França, com capacidade instalada
de 240 MW. Isso se deve a obstáculos como a necessidade de altos investimentos,
bem como aos grandes impactos ambientais associados.
Diante disso, novas pesquisas passaram a ser desenvolvidas utilizando o fluxo
da maré sem barragens. Esse tipo de aproveitamento é caracterizado por uma
pequena rampa em uma superfície de elevação, em oposição às barragens; seu
aproveitamento sofreu avanços relacionados com o surgimento de turbinas eólicas
viáveis. A partir dessas turbinas foram desenvolvidas as turbinas para fluxo de maré
(Figura 6). Exemplos desse tipo de aproveitamento foram instalados no rio East, em
Nova Iorque; em Juan de Fuca Strait, na costa sul da Ilha de Vancouver, Canadá; no
Oceano Ártico na Noruega; e em Orkney, na Escócia (BLANCHFIELD et al, 2008;
BLUNDEN; BAHAJ, 2006).
Figura 6 – Turbina de marés 6
As principais vantagens deste tipo de aproveitamento hidrelétrico são:
»» previsibilidade dos fluxos de maré;
»» grande densidade de fluxo de água;
»» mínimos impactos visuais.
As principais desvantagens, segundo Blanchfield et al (2008) e Blunden e Bahaj
(2006) são:
»» riscos e custos altos relacionados a construções marinhas;
»» presença de correntes fortes;
»» custos de implantação dos sistemas de transmissão.
36 l ENERGIA HÍDRICA
Fluxos de marés
Diversas avaliações visando a identificar áreas potenciais para
instalação de sistema de geração de eletricidade baseado no
aproveitamento dos fluxos de marés foram realizadas no Reino Unido.
Esses estudos identificaram 33 áreas adequadas. Entre elas, a região
de Portland Bill, Dorset, na costa sul do Reino Unido, é conhecida por
apresentar fluxos de maré com velocidade de aproximadamente 3.6
m/s, grandes penhascos em cada lado, fortes turbulências e ondas de
superfície. Os estudos das marés dessa região buscaram identificar
os sistemas de transporte de sedimentos através de modelagem
matemática (BLUNDEN; BAHAJ, 2006).
Energia das correntes marinhas (Marine current
power)
Os oceanos representam uma enorme fonte de energia que pode ser utilizada
para produção de eletricidade. Essa energia é, muitas vezes, difusa, mas é possível
encontrá-la de forma concentrada e aproveitável. Uma estratégia para aproveitar a
energia dos oceanos é a produção de hidreletricidade através do aproveitamento dos
fluxos de água das correntes marinhas.
No passado, havia grandes dificuldades técnicas para explorar a energia dos oceanos,
principalmente, devido a dificuldades na construção dos equipamentos e sua
manutenção no ambiente marinho. A exploração de petróleo em águas profundas
promoveu avanços científicos e tecnológicos que permitiram maior exploração da
energia das correntes marinhas.
As correntes marinhas são provocadas pelas alterações de marés promovidas pelas
interações gravitacionais ente a terra, a lua e o sol. Essas interações, associadas a
diferenças de temperatura e salinidade, bem como o efeito Coriolis geram o fluxo
oceânico. A energia cinética das correntes marinhas pode ser transformada por meio
da utilização de turbinas semelhantes às eólicas (Figura 7). Uma grande vantagem
da exploração da energia das correntes marinhas é a possibilidade de geração de
hidreletricidade com pouca intervenção ambiental. A hidreletricidade gerada pelo
aproveitamento das correntes marinhas pode ser confundida com a hidreletricidade
de marés porque seus equipamentos e tecnologias são semelhantes. A viabilidade
das instalações aumenta quanto mais de um arranjo é instalado na mesma área de
forma interconectada. Esse tipo de arranjo pode permitir a produção massiva de
hidreletricidade (PONTAA; JACOVKISA, 2008).
ENERGIA HÍDRICA l 37
Figura 7 – Turbina para aproveitamento de correntes marinhas (current-marine power) 7
No entanto, para uma produção massiva é necessário desenvolver soluções
tecnológicas. O principal desafio é a construção de turbinas que possam operar
submersas por longo tempo, com baixa manutenção. No ambiente marinho, a
corrosão dos metais e o crescimento de algas e outros organismos prejudicam o
desempenho de turbinas. Reduzir a necessidade de reparos também é importante
porque a manutenção de sistemas que aproveitam as correntes marinhas é complexo e
implica na utilização de diversos equipamentos, como, por exemplo, navios de apoio.
Aproveitamento de energia
As primeiras experiências de aproveitamento da energia de correntes
ocorreram na década de 1970. Os países que lideram as pesquisas e
instalações são o Reino Unido, o Canadá e o Japão. No Reino Unido, a
hidreletricidade de correntes marinhas atende a 19% da demanda. Em
2003, foi instalada a primeira turbina de aproveitamento de correntes
marinhas em escala comercial a uma distância de aproximadamente 1km
da costa de Devon. O diâmetro do rotor é de 11m e capacidade instalada
de 300 kW (PONTAA; JACOVKISA, 2008).
Energia das ondas oceânicas
Desde a década de 1970, têm-se diversos equipamentos de produção de eletricidade
a partir das ondas dos oceanos. No entanto, apenas pequenos equipamentos, tais
como bóias de navegação, são comercializados, devido aos altos custos de produção.
Um exemplo de equipamento para geração de hidreletricidade aproveitando a
energia das ondas é a estação de elevação de ondas (Figura 8). Essa estação contém
uma rampa uniforme e paredes convergentes que permitem aumentar a altura que as
ondas são capazes de atingir. Após percorrerem a rampa, as ondas são descarregadas
38 l ENERGIA HÍDRICA
em piscinas de retenção. A diferença de altura entre a piscina e o nível do mar é
usada para geração de eletricidade utilizando energia potencial. A inclinação da
rampa, o ângulo das paredes convergentes e a profundidade da piscina de retenção
são fundamentais para a eficiência do sistema (TSUCHIYA et al, 1972; IWAGAKI
et al, 1981).
Figura 8 – Estação de elevação de ondas 8
Outro equipamento que permite a geração de eletricidade pelo aproveitamento da
energia das ondas é o extrator de energia pendular utilizado desde a década de 1980.
Um sistema desse tipo foi instalado no Japão em quebra-mares. O equipamento
consiste em um pêndulo plano em uma caixa de concreto com a parede aberta
voltada para as ondas e um sistema de transmissão da energia das ondas. As paredes
e o fundo da caixa associados ao pêndulo formam uma câmera de água onde um
sistema de contenção de ondas é gerado pela oscilação. Esse sistema apresenta alta
eficiência mecânica, o que permite a produção de eletricidade a baixos custos
(KONDO, 1997; YANO; KONDO; WATABE, 1985).
ENERGIA HÍDRICA l 39
Além das vantagens evidentes da geração de eletricidade a partir de uma fonte
renovável, a exploração da energia das ondas pode também facilitar o controle de
erosão nas praias, compondo sistemas híbridos de extração de energia e proteção de
costas.
Erosão
A erosão de praias é um grave problema em muitos países. Esse
fenômeno ocorre por diversos motivos: redução do suprimento de
sedimentos pela barragem de rios; modificação do transporte de
sedimentos pela construção de diques e quebra-mares; e aumento
do nível dos mares. As principais estratégias para conter os processos
erosivos nas praias são o suprimento de areia nas áreas erodidas e
retirada de quebra-mares.
A utilização de um sistema pendular de extração de energia das ondas é capaz de
conter os processos erosivos de praias porque esse sistema pode ser composto de um
pêndulo, uma estrutura de suporte para este e apenas uma parede sólida para refletir
as ondas (Figura 9). Modificações na estrutura dos sistemas pendulares originais,
tais como a permeabilidade das paredes laterais, permitem maiores movimentações
de sedimentos ao longo da costa. A utilização desse sistema, como exposto
anterioremente, alia dupla vantagem: prover energia limpa e renovável associada à
proteção de praias (KONDO, 1997; YANO; KONDO; WATABE, 1985).
Bomba hidráulica
Ondas
incidentes
Pêndulo
Ensecadeira
Figura 9 – Sistema Pendular de Geração de Hidreletricidade 9
40 l ENERGIA HÍDRICA
Energia do fluxo dos rios
A hidreletricidade produzida pelo aproveitamento da energia cinética do fluxo
dos rios é denominada Run-of-the-river (ROR). Essa estratégia de geração de
hidreletricidade é ideal para rios e córregos com fluxos razoáveis mesmo na estação
seca ou para aqueles regulados por algum empreendimento com barragens. Para
esse aproveitamento pode ser construída uma pequena barragem (menor do que
aquelas usadas em usinas hidrelétricas convencionais) que garanta o fluxo de água
para mover as turbinas e que permita a formação de açudes, os quais podem garantir
o fluxo necessário mesmo em momentos de pico de demanda (GULLIVER, 1991).
Esse tipo de aproveitamento conduz boa parte do fluxo do rio através de um tubo ou
túnel que leva às turbinas de geração de eletricidade e depois conduzem de volta ao
leito do rio (Figura 10).
Figura 10 – Grande planta de captação de energia cinética com reservatório (ROR) 10
Vantagens das pequenas barragens
A energia obtida do fluxo dos rios por meio de barragens pequenas
apresenta vantagens ambientais quando comparados às usinas com
barragens e reservatórios extensos, pois não ocorre o represamento de
grandes quantidades de água. Consequentemente, pouca área é alagada,
alterando partes menores dos ecossistemas e implicando a retirada de
comunidades inteiras. Esse fato também reduz o risco de emissões de
metano nesse tipo de projeto (GULLIVER, 1991).
ENERGIA HÍDRICA l 41
As principais vantagens dos aproveitamentos hidrelétricos de fluxo de rios são:
»» quando desenvolvidas com cuidadoso planejamento podem gerar energia
sustentável com baixos impactos ambientais para os ecossistemas e
comunidades do entorno;
»» baixo risco de produção de GEE;
»» pequenas áreas inundadas e pequeno risco de rompimento de barragens.
As principais desvantagens desse tipo de aproveitamento estão relacionadas com a
inconstância da fonte de energia devido à baixa capacidade de estocagem de água.
Assim, a geração de eletricidade não acompanha a demanda; pelo contrário, a
produção de hidreletricidade acompanha a oferta de água do rio, produzindo menos
nas estações quentes e secas.
Nas últimas décadas, projetos desse tipo foram implantados em diferentes regiões.
O Canadá possui uma planta com capacidade instalada de 1027 MW, em British
Columbia. A definição de áreas viáveis para implantação desses projetos deve levar
em consideração o fluxo e a altura da queda de água, pois a queda deve ser abrupta
(GULLIVER, 1991).
6. Princípios físicos da energia
de barragens (Dam power)
A
seguir serão descritos os princípios físicos da geração de energia
elétrica a partir do aproveitamento do fluxo das águas fluviais. Esse tipo
de aproveitamento consiste em utilizar a energia potencial da água,
convertendo-a em energia cinética e, em seguida, em energia elétrica.
Inicialmente, é preciso a construção de uma barragem para a captação de água.
Em seguida, a água é direcionada por dutos até uma turbina a jusante. A turbina
movimenta o gerador e a água é restituída ao leito natural do rio (Figura 11).
42 l ENERGIA HÍDRICA
Figura 11 – Esquema simplificado do funcionamento de uma usina hidrelétrica com barragem 11
As usinas hidrelétricas são instaladas onde naturalmente ocorra um desnível do
terreno, de modo a obter grande diferença entre montante (ponto mais alto) e
jusante (ponto mais baixo) da barragem em uma menor distância possível.
Potencial de energia
Quanto maior for a altura da barragem, maior o potencial de geração
de energia, e quanto menor for a distância, mais eficiente e barata é a
energia gerada. Então, potencial de aproveitamento de uma queda d’água
é definido pela sua altura e volume de água em relação ao custo de
construção da usina.
Essas usinas são bastante eficientes, podendo gerar mais de 95% da energia
disponível a montante. Em qualquer tipo de usina sempre há perdas de energia
dentro do sistema, pois a água dissipa parte de sua energia pelo atrito e turbulência
nos condutos até atingir a turbina.
ENERGIA HÍDRICA l 43
O valor da quantidade de energia que uma usina pode gerar é calculado
pela fórmula:
P = hrgk,
Onde P é a energia em KW; h é a altura em metros; r
é a vazão de água em metros cúbicos por segundo; g
é a aceleração da gravidade (9,8 m/s2); e k é o coefi-
ciente de eficiência que varia entre 0 e1.
A energia hídrica pode ser medida de acordo com a quantidade de
energia disponível, ou seja, a energia por unidade de tempo. Em grandes
reservatórios, a energia disponível é uma função da altura das cabeceiras
e do raio do fluxo de água. A cabeceira é a altura da água relativa a
sua altura depois da descarga. Cada unidade de água pode realizar
uma quantidade de trabalho igual a seu peso em relação à altura. A
quantidade de energia é liberada quando um objeto de massa m cai da
altura h em um campo gravitacional de força g. A energia disponível em
barragens hidrelétricas é a energia que pode ser liberada por uma queda
de água em um duto controlado. A eficiência é, geralmente, mais alta
quanto maior e mais modernas forem as turbinas.
Uma barragem hidrelétrica costuma funcionar continuamente para
assim fornecer electricidade sem interrupções. A água, quando está
localizada a certa altura, representa energia estocada – a energia
potencial. Aproximadamente 9,81 joules são necessários para elevar 1
kg em 1m. Essa equação nos permite calcular a quantidade de energia
estocada representada por um corpo de água a determinada altura.
Para tanto, é necessário conhecer a massa e a altura. Dessa forma:
Energia Potencial = MgH,	
Onde M corresponde à massa em kg, g é a
aceleração da gravidade, e H é a altura em metros.
Dados confiáveis, contendo as variações sazonais, são fundamentais para a avaliação
da capacidade potencial do local. Represar o fluxo por um determinado tempo é um
método rotineiro. As principais técnicas dependem das relações entre fluxo de água,
profundidade e velocidade nos pontos escolhidos. Ao estimar os recursos hídricos
de uma determinada área é necessário conhecer também o total de energia anual.
44 l ENERGIA HÍDRICA
Exemplo: Considerando que em um ano existem 8.760 horas, então uma usina
com capacidade instalada de 1 MW funcionando constantemente deve ser capaz
de produzir 8.760 MWh, ou 8, 76 milhões kWh/ano. O fator de capacidade de
qualquer planta hidrelétrica é igual a sua produção anual atual dividia pela máxima
produção possível, ambos na mesma unidade (kWh, MWh etc.). O resultado dessa
divisão deve expressar uma porcentagem. Assim, a usina de Carsfad com capacidade
instalada de 12.000 kW, gera 30 milhões kWh de eletricidade por ano.
Logo, seu fator de capacidade é de:
30 × 106 / (12.000 × 8.760) = 0,285 ou 28,5%.
Na prática, o fator de capacidade anual de uma usina hidrelétrica é determinado
pela combinação da demanda dividida pela sua capacidade de geração a qualquer
momento (BOYLE; EVERETT; RAMAGE, 2003).
7. Equipamentos e design das
instalações das barragens
A
definição de máquinas pode ser entendida como sendo o conjunto de
equipamentos que transforma dada energia em trabalho mecânico. Toda
máquina é constituída de dois equipamentos básicos: o motor e o gerador.
Equipamentos
Em uma motobomba hidráulica, o motor elétrico gera trabalho mecânico ao mover
uma turbina, a qual aumenta a pressão e eleva a água para cotas maiores. As usinas
hidrelétricas utilizam esse mesmo princípio, porém no sentido inverso. Nesse
caso, a turbina hidráulica é o motor que transforma a energia potencial em energia
mecânica. Acoplado à turbina, é instalado o gerador que recebe o trabalho mecânico
e o transforma em energia elétrica (Figura 12).
ENERGIA HÍDRICA l 45
Figura 12 – Equipamentos utilizados em uma usina hidrelétrica 12
Turbinas hidráulicas
Segundo a norma TB-74 da ABNT, as turbinas hidráulicas são
caracterizadas como máquinas com a finalidade de transformar a
maior parte da energia de escoamento contínuo da água em trabalho
mecânico. Consiste basicamente em um sistema fixo hidráulico (injetor)
para orientação da água em escoamento e outro sistema rotativo
hidromecânico (rotor) para a transformação em trabalho mecânico
(PIMENTA, 1981).
As turbinas hidráulicas podem ser classificadas em dois grandes grupos: de ação
e de reação. As turbinas de ação são aquelas em que o trabalho mecânico é obtido
diretamente pela transformação da energia cinética da água em escoamento através
do rotor. As turbinas de reação são aquelas em que o trabalho mecânico é obtido
pela transformação das energias cinética e de pressão da água em escoamento
através do rotor.
46 l ENERGIA HÍDRICA
Existem muitas variações desse tipo de turbina; elas podem ser formadas por pás
ou por hélices e ambas podem ter eixo vertical, horizontal ou inclinado e serem
alimentadas por um ou mais injetores de injeção total. Para a escolha correta do tipo
de turbina a ser instalada devemos analisar os fatores ligados ao local de instalação,
como altura de queda e vazão, além dos custos de captação da água e operação do
sistema (GULLIVER, 1991).
As turbinas hidráulicas mais utilizadas na geração de energia elétrica receberam o
nome de seus inventores: turbina Francis (1847), turbina Pelton (1878) e turbina
Kaplan (1922). Além dos modelos iniciais, existem variações dessas turbinas
(BOYLE; EVERETT; RAMAGE, 2003; PIMENTA, 1981).
Turbina Francis
As turbinas tipos Francis, por exemplo,
apresentam eficiência energética intermediária,
funcionam com vazões médias e quedas
podendo variar de 30 a 500m. Seu rotor é
constituído de um núcleo cilíndrico onde são
soldadas diversas lâminas inclinadas e fixadas em
outro cilindro externo, assemelhando-se a uma
turbina de avião (Figura 13). A ação da turbina
se dá pela injeção de água.
As turbinas tipos Francis são de longe as mais utilizadas entre as usinas de porte
médio e até mesmo as de grande porte. Elas são turbinas de reação que apresentam
eficiência energética intermediária e que podem ter designs bem diferentes,
variando seu tamanho de 30 cm de diâmetro até 6 metros.
Esse tipo de turbina funciona completamente submersa e, por isso, pode trabalhar
da mesma forma com o rotor na posição horizontal ou vertical. Em volumes de água
médios e altos, o fluxo que passa pela turbina é canalizado através de um tubo curvo
cujo diâmetro diminui em direção ao final, o que provoca aumento da velocidade.
A forma das lâminas e a velocidade da água são aspectos críticos na produção de
fluxos que permitem alta eficiência na produção de eletricidade. As turbinas Francis
funcionam de forma mais eficiente quando a velocidade da lâmina é um pouco
menor do que a velocidade da água incidente.
Ao atingir a lâmina, a água é defletida pelas laterais, perdendo movimento. Com
essa mudança de direção, a água gera uma força na direção oposta e essa reação
Figura 13 – Turbina Francis 13
ENERGIA HÍDRICA l 47
transfere energia para o rotor e assim mantém a rotação. Por essa razão, essas
turbinas são chamadas de reação. Para reduzir as perdas de energia, é necessário
manter a velocidade e a direção corretas do fluxo de água. Nessas condições ótimas,
as turbinas Francis podem alcançar uma eficiência de 95%. No caso de redução de
demanda, a geração de energia pode ser reduzida pela diminuição do fluxo de água,
o que pode ser feito, no caso das turbinas Francis, mudando o ângulo de incidência
do líquido nas lâminas (BOYLE; EVERETT; RAMAGE, 2003; HILL, 1984).
No entanto, as turbinas Francis apresentam algumas limitações. A cabeceira é um
importante fator na seleção da turbina mais adequada. Se a cabeceira é baixa, um
grande volume de água é necessário para gerar energia, mas uma cabeceira baixa
também significa menor velocidade da água. Esses dois fatores juntos implicam em
uma área muito maior, sendo que o aumento da área pode ser acompanhado da
adaptação das lâminas para águas mais lentas, mas com defleção de maior volume.
Assim, torna-se possível utilizar fluxos de água com menores quedas e velocidade, já
que os grandes fluxos também causam problemas. A melhor eficiência dessa turbina
ocorre quando as lâminas se movem praticamente na mesma velocidade que a água.
Em áreas com grandes fluxos e com grandes velocidades a turbina Francis não é a
mais indicada. Seus melhores desempenhos ocorrem quando há fluxos médios e
pequenos de água.
Turbina Pelton
Outro tipo de turbina largamente utilizado é
a do tipo Pelton. Esse modelo é inspirado nas
antigas rodas d`água ou rodas do tipo Pelton, que
podem ter seu eixo horizontal ou vertical e serem
alimentadas por mais de um injetor de jato livre
(Figura 14). Essas são turbinas de ação.
As turbinas Pelton apresentam baixos valores de eficiência quando comparadas com
turbinas de reação, porém podem funcionar com vazões relativamente baixas e com
quedas bastante altas, podendo variar de 200m até 2.000m. Seu rotor é constituído
de um núcleo plano, ao qual são soldadas várias pás em forma de concha dupla.
As conchas possuem aberturas na extremidade para facilitar a saída da água antes
de completar um giro completo. A presença de água residual na concha gera um
acúmulo de energia cinética e diminui a eficiência na geração de energia. As conchas
são atingidas por jatos de água bastante potentes direcionados pelos injetores
dispostos no perímetro da turbina (HILL, 1984; PIMENTA, 1981).
Figura 14 – Turbina Pelton 14
48 l ENERGIA HÍDRICA
Os injetores são fixos e seu acionamento é feito através de agulhas móveis em seu
interior, as agulhas regulam a vazão de acordo com a quantidade de água disponível
de modo a transformar a maior parte da energia potencial em energia cinética. Em
uma usina desse tipo, em que a altura de queda é constante, a agulha é regulada
para que o jato de água também tenha velocidade constante mesmo com vazões
diferentes. Portanto, a potência gerada dependerá unicamente da velocidade de
arrasto periférico da turbina determinada pelo volume de água que atinge a concha.
A eficiência da turbina Pelton é maior quando a velocidade das conchas é a metade
do jato de água. Considerando que a velocidade das conchas depende do raio de
rotação e do diâmetro da turbina e que a velocidade da água depende da queda,
existe uma relação ótima entre esses três fatores. A roda Pelton é uma turbina de
impulso, em constraste com as turbinas de reação, como aquelas do modelo Francis.
Uma diferença importante entre elas se refere ao fato de que as turbinas Francis
funcionam totalmente submersas, enquanto as Pelton operam no ar sob efeito da
pressão atmosférica.
Turbina Turgo
Uma variante da turbina Pelton é a denominada Turgo.
Esse tipo de turbina foi desenvolvido em 1920. As
conchas simples foram substituídas por duplas, com a
água entrando por um lado e saindo pelo outro. A água
entra como um jato, atingindo as conchas que por sua
vez impulsionam a turbina (Figura 15). No entanto,
sua habilidade de lidar com volumes de água maiores
do que a roda Pelton com o mesmo diâmetro é uma
vantagem para a geração de eletricidade em quedas
de água com tamanho médio (BOYLE; EVERETT;
RAMAGE, 2003; PIMENTA, 1981).
Turbina de fluxo cruzado ou turbina Mitchell-Banki
Outro tipo de turbina de ação, como a Pelton e
a Turgo, é a turbina de fluxo cruzado ou turbina
Mitchell-Banki, Ossberger. Nesse tipo de turbina
a água flui através de planos achatados ao invés
de jatos cilíndricos. Esse tipo de turbina é usado
no lugar de turbinas Francis em pequenas
centrais hidrelétricas com capacidade instalada
de até 100 kW aproximadamente (Figura 16).
Figura 15 – Turbina Turgo 15
Figura 16 – Turbo-gerador Simplificado 16
ENERGIA HÍDRICA l 49
Algumas ideias tecnológicas engenhosas foram desenvolvidas de forma simples e
podem ser construídas e mantidas sem sofisticados equipamentos de engenharia e,
por isso, são adequadas para comunidades distantes.
Turbina Kaplan
Outro tipo de turbina é denominado Kaplan ou
Propulsores. Nesse tipo de turbina, a área por onde
a água entra é a maior possível, sendo uma turbina
adequada para fluxos de água muito grandes,
podendo ser utilizada mesmo se a queda de água
apresenta apenas poucos metros.
Essas turbinas possuem a vantagem de serem
tecnicamente mais simples (Figura 17). Por isso,
é possível aumentar a eficiência pela variação do
ângulo das lâminas quando a demanda de energia se
modifica (BOYLE; EVERETT; RAMAGE, 2003; PIMENTA, 1981).
Turbinas adequadas
De forma geral, podemos dizer que as turbinas Pelton são mais adequadas
para altas quedas de água, os Propulsores para pequenas quedas e as
Francis para situações intermediárias.
Design das instalações
Para descrever o desenho de instalações de aproveitamento hidroenergético
é necessário conhecer seus componentes e conceitos principais, tais como: a
regularização da vazão, as barragens, a captação e condução de água, a casa de
máquinas, a restituição de água e comportas (Figura 18).
Figura 17 – Turbina Kaplan 17
50 l ENERGIA HÍDRICA
Figura 18 – Principais componentes de uma usina hidrelétrica 18
A vazão dos recursos hídricos é bastante variável. Rios, mares, lagos e lagoas
apresentam vazões variáveis e até mesmo aleatórias. Existem aproveitamentos
hidroenergéticos que não demandam a regularização da vazão. Esses
aproveitamentos são projetados para utilizar as vazões naturais dos recursos
hídricos selecionados. São denominadas de usinas a fio de água (SOUZA; FUCHS;
SANTOS, 1983).
No entanto, vazões variáveis não são ideais para a maior parte dos modelos
utilizados de aproveitamentos hidroenergéticos. O dimensionamento das
instalações e equipamentos se refere a algum valor específico de vazão. Assim,
equipamentos planejados para vazões mínimas deixarão de aproveitar grandes
quantidades de energia, já equipamentos para vazões máximas ficarão sem operar
durante muitos períodos.
Diante disso, o primeiro desafio para instalação desse tipo de equipamento é a
uniformização da vazão do recurso hídrico aproveitado ao longo do tempo. Foram
desenvolvidos métodos para regularização ou regulação de vazões. É possível
regularizar a vazão de um aproveitamento hidroenergético de forma integral
ou parcial. O principal método para regularização de vazão é a construção de
reservatórios para acumular a água das chuvas e abastecer o aproveitamento com essa
água durante o período de seca.
A regularização integral da vazão pode ser aplicada para diferentes períodos de
tempo. Assim, alguns reservatórios são capazes de regular a vazão de recursos
hídricos por um ano (anual) ou por vários anos (plurianual). Essa variação se refere
ao tamanho do reservatório ou a sua capacidade de armazenar água.
ENERGIA HÍDRICA l 51
A regularização da vazão pelo maior intervalo de tempo possível permite o
dimensionamento mais eficiente dos equipamentos e instalações necessários para
o aproveitamento hidroenergético. No entanto, a regularização plurianual implica
na construção de reservatórios muito grandes que causam impactos ambientais
graves. Tais impactos podem ser de ordem econômica, social ou ecológica (BOYLE;
EVERETT; RAMAGE, 2003; HILL, 1984; PIMENTA, 1981).
Na utilização de reservatórios menores também é possível obter regularização
de vazões, porém com métodos diferentes. Com reservatórios pequenos não
é possível manter uma única vazão regularizada, mas diversas vazões que se
sucedem ao longo do tempo conforme um calendário previamente estabelecido.
Segundo Souza, Fuchs e Santos (1983, p. 113), “Um aproveitamento integral
exige o dimensionamento das máquinas para a maior delas e um fracionamento
maior das unidades, pois durante certas épocas as vazões disponíveis e, portanto,
deriváveis, serão bem menores.” Nesse contexto, é necessário desenvolver um estudo
econômico detalhado para estabelecer qual deve ser a potência instalada, visando a
qual arranjo poderá produzir o menor valor de kW.
Outro tipo de regularização de vazão é denominada parcial. Esse tipo de
regularização admite a perda de vazão periodicamente, que deve estar acima do
máximo derivável. Esse método também admite déficits de vazão em épocas
de seca. Sistemas que operam utilizando a regularização parcial da vazão estão
sempre relacionados a reservatórios pequenos. Na pior situação, é possível ainda
implantar sistemas de aproveitamentos hidroenergéticos em que a regularização
da vazão permite apenas uma regulação semanal. Esses aproveitamentos, em geral,
contam com reservatórios muito pequenos devido às condições geomoforlógicas,
sociais e econômicas locais. Esse tipo de regularização pode acontecer porque em
finais de semana o consumo de eletricidade geralmente é menor, o que permite o
planejamento semanal.
O primeiro passo para garantir a regulação da vazão é definir que tipo de barragem
deve ser construída. As barragens são estruturas transversais construídas no leito
do rio com o intuito de bloquear a passagem da água. O tipo ou tamanho de uma
barragem irá depender do objetivo a qual ela se destina. As grandes barragens são
construídas para proporcionar a formação de amplo reservatório de regulação de
vazão, onde a variação do índice pluviométrico é muito grande ao longo do ano. As
barragens muito altas servem para elevar o nível da água a jusante e proporcionar
desnível adequado para o aproveitamento hidroenergético com vazões menores.
Barragens menores podem ser construídas apenas para captação e desvio da água
para uso em local mais distante.
52 l ENERGIA HÍDRICA
Segundo Souza, Fuchs e Santos (1983), as barragens podem ser classificadas
basicamente de três formas: barragem de gravidade, barragem de arco e barragem de
arco-gravidade. As barragens de gravidade são aquelas em que o equilíbrio estático
da construção se dá pelo próprio peso da estrutura (Figura 19); a resultante de todas
as forças exercidas é transmitida ao solo do leito do rio onde se apoia. As barragens
de gravidade podem ser maciças, constituídas de terra e revestidas de pedras soltas
(enrocamento) ou placas de alvenaria, ou podem ser aliviadas, construídas de
concreto armado.
Figura 19 – Barragem de gravidade 19
As barragens em arco tiram proveito da propriedade de sua estrutura resistir
com facilidade às cargas uniformemente distribuídas sobre seu dorso. As forças
do empuxo hidrostático são transmitidas igualmente para o leito do rio e para as
ombreiras da barragem (Figura 20). Sua construção deve ser necessariamente
de concreto armado e requer características do terreno muito específicas para
sua instalação ser viável. É necessário que o curso do rio tenha margens altas e
constituídas de rocha resistente e sã, assim como o leito do rio precisa ser de rocha
igualmente resistente e sã. A relação entre a largura do rio no local de construção e
a altura da barragem não pode ser maior que três (BOYLE; EVERETT; RAMAGE,
2003; HILL, 1984; PIMENTA, 1981).
ENERGIA HÍDRICA l 53
Figura 20 – Barragem em arco 20
As barragens de arco-gravidade têm sua planimetria em forma de arco, porém sua
massa funciona como uma barragem de gravidade; suas secções transversais são
bem mais espessas do que as barragens em arco, mas necessitam de um acabamento
muito melhor de que um simples enrocamento. Além disso, esse tipo de barragem é
menos exigente quanto à constituição do terreno do leito e das margens, pois o seu
peso e forma garantem maior estabilidade de forças para suportar a pressão da água
a montante.
Para evitar o transbordamento do reservatório, toda barragem deve ter um sistema
descarregador das vazões excedentes. Durante as épocas de cheia dos rios é comum
um reservatório ter sua capacidade de armazenamento esgotada e as comportas
dos descarregadores terem de ser abertas para liberar a água, sem a passagem pela
turbina (Figura 21). Os sistemas descarregadores podem ser instalados na superfície
da barragem ou próximas ao leito do rio. Esses sistemas de controle do nível do
reservatório são essenciais para a segurança da barragem, pois transbordamentos
em locais inadequados podem danificar a estrutura e comprometer a estabilidade da
barragem.
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  • 2. Paola Beatriz May Rebollar Energias Renováveis Energia Hídrica Consórcio de Universidades Européias e Latino-Americanas em Energias Renováveis – JELARE Organizadores José Baltazar Salgueirinho Osório de Andrade Guerra Youssef Ahmad Youssef
  • 3. Copyright © JELARE – 2011 Edição – Livro Digital Organizadores (Brasil) José Baltazar Salgueirinho Osório de Andrade Guerra Youssef Ahmad Youssef Professora Conteudista Paola Beatriz May Rebollar Design Instrucional Aline Cassol Daga Sabrina Bleicher Projeto Gráfico e Capa Jordana Paula Schulka Diagramação Jordana Paula Schulka Revisão Aline Cassol Daga Assessoria de Comunicação e Marketing - C&M Assessor Laudelino José Sardá Diretora Maria do Rosário Stotz Gestora Editorial Alessandra Turnes
  • 4. Paola Beatriz May Rebollar Energias Renováveis Energia Hídrica Livro Digital Designer Instrucional Aline Cassol Daga Sabrina Bleicher Parcerias Principal Parceiro – Germany Hochschule für Angewandte Wissenschaften Hamburg www.haw-hamburg.de/ftz-als.html Latvia Rēzeknes Augstskola www.ru.lv Bolívia Universidad Católica Boliviana www.ucb.edu.bo Brasil Universidade do Sul de Santa Catarina www.unisul.br Chile Universidad de Chile www.uchile.cl Guatemala Universidad Galileo www.galileo.edu Projeto financiado pela União Européia
  • 5.
  • 6. Sumário 1. Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 2. Aproveitamentos hídricos nas diferentes regiões do planeta. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9 3. Impactos ambientais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 4. Contabilidade ambiental. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30 5. Aspectos técnicos de aproveitamentos hídricos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .34 Energia das marés (Tidal power). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34 Energia das correntes marinhas (Marine current power). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36 Energia das ondas oceânicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37 Energia do fluxo dos rios. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40 6. Princípios físicos da energia de barragens (Dam power). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41 7. Equipamentos e design das instalações das barragens. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44 Equipamentos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44 Design das instalações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49 8. Viabilidade dos aproveitamentos hídricos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58 Estudos de casos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63 9. Políticas públicas e regulamentações. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69 10. Considerações finais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81 Referências bibliográficas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85 Referências de ilustrações e tabelas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91
  • 7.
  • 8. ENERGIA HÍDRICA l 7 1. Introdução A água é elemento fundamental para o desenvolvimento econômico e social. Ela é importante para garantir a integridade dos ambientes naturais, além de ser fonte de energia. Energia da água A energia derivada da força e/ou do movimento da água é chamada de Energia Hídrica ou Hidroenergia. A energia hídrica pode ser usada de muitas maneiras, para irrigação, abastecimento doméstico, produção de ar comprimido, e em moinhos e máquinas têxteis, por exemplo. No entanto, a forma de aproveitamento economicamente mais importante dessa energia é a geração de eletricidade. Os registros mais antigos da utilização de energia hídrica referem-se à Mesopotâmia, Antigo Egito, Pérsia e China Antiga na forma de irrigação há 6.000 anos e como relógios de água há 2.000 anos. Nessa época, rodas d’água e moinhos foram construídos nessas regiões. A energia hídrica também era utilizada para cortar madeira e pedras utilizadas nas construções. A partir do século XVIII, ela passou a ser utilizada para mover máquinas têxteis, e nesse mesmo período foram desenvolvidos os princípios para geração de eletricidade a partir dessa fonte de energia. Atualmente, existem diversos tipos de aproveitamentos de energia hídrica em uso, sendo muitos empregados para geração de eletricidade. O tipo mais comum de instalação para geração de hidroeletricidade são as barragens que aproveitam a energia potencial existente nas águas de rios. Existem também instalações que capturam energia cinética ao longo dos rios sem a necessidade de construção de barragens, e sistemas de bombeamento e estocagem que operam geradores. Além desses aproveitamentos, há sistemas que aproveitam a força das marés na direção horizontal, os quais incluem algumas das maiores estruturas artificiais do mundo.
  • 9. 8 l ENERGIA HÍDRICA Hidroeletricidade A Energia Hídrica é uma das fontes de energia mais promissoras na substituição dos combustíveis fósseis. A hidreletricidade produz cerca de 90% da energia derivada de fontes renováveis, apresenta alta qualidade, é confiável e flexível. A produção de eletricidade a partir da Energia Hídrica apresenta potencial para suprir a demanda energética de muitas comunidades ao redor do globo e pode ter papel fundamental em sistemas energéticos integrados, aumentando a contribuição efetiva de outras fontes de energia renováveis mais inconstantes, como a energia solar e eólica. A energia hídrica também é vista como importante estratégia para implantação de projetos de Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL), visando à redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE), conforme acordado no Protocolo de Quioto. Espera-se que projetos de aproveitamento hídricos sejam capazes de reduzir 47 milhões de toneladas de CO2 por ano a partir de 2012, ano em que se encerra o primeiro período de comprometimento do citado Protocolo. Esse valor equivale a 14% das reduções esperadas por todos os projetos de MDL existentes. Por isso, a hidreletricidade é a estratégia líder para aproveitamento de fontes renováveis. A utilização de energia hídrica apresenta potencial de crescimento a curto, a médio e a longo prazo. Isso se deve a diferentes fatores, tais como: »» grande potencial subexplorado em muitas regiões do planeta, especialmente nos países em desenvolvimento; »» avançado estado de desenvolvimento das tecnologias utilizadas que leva a um alto grau de confiança dos investidores; »» significativa economia de escala da indústria da hidreletricidade; »» tendência a grande densidade de energia por planta. A hidreletricidade pode ser desenvolvida e operada visando à redução de impactos sociais, ecológicos e econômicos. Dessa forma, ela pode ser uma importante estratégia para reduzir a pobreza e melhorar os padrões de vida por meio da ampliação da oferta de eletricidade em diferentes regiões do mundo. Além disso, o uso racional dessa fonte renovável pode contribuir para a diminuição do ritmo de aquecimento global.
  • 10. ENERGIA HÍDRICA l 9 Este livro visa destacar aspectos básicos relacionados aos aproveitamentos hídricos, principalmente no que se refere à produção de eletricidade a partir dessa fonte. Assim, primeiramente, em um estudo sobre o panorama internacional são descritos os múltiplos usos da energia hídrica nas diferentes regiões do planeta, seus impactos ambientais e a contabilidade ambiental. A seguir, em “Aspectos Técnicos de Aproveitamentos Hídricos”, são discutidos os princípios físicos das diferentes formas de produção de hidreletricidade a partir das energias cinética e potencial produzidas por meio das marés e dos oceanos. Ainda sobre esse tema, são discutidos os equipamentos e instalações mais utilizados para produção de energia elétrica a partir da Energia Hídrica. No estudo sobre “Viabilidade dos Aproveitamentos Hídricos” são debatidos os principais temas atualmente discutidos a respeito da geração de hidreletricidade, por meio de uma revisão das pesquisas científicas a respeito da conservação das barragens e outras estruturas e das principais estratégias para controle dos impactos. Por fim, é analisado o panorama de políticas públicas e recomendações internacionais relacionadas à produção de hidreletricidade. 2. Aproveitamentos hídricos nas diferentes regiões do planeta E xistem muitos usos possíveis para a energia hídrica. A energia cinética da água corrente ou a energia potencial de quedas de água podem ser usadas diretamente para operar máquinas. Esses foram os principais usos dessa energia até metade do século XIX. A água corrente é uma das mais antigas fontes de energia utilizadas para reduzir o trabalho de pessoas e animais. Há pelo menos 5.000 anos, já existiam, em diferentes lugares do planeta, equipamentos de aproveitamento de água. O primeiro deles foi a roda de elevação (Figura 1). Esse equipamento aparece nos registros arqueológicos de diferentes regiões no Oriente Médio e era composto de uma roda de madeira na qual eram afixados jarros de cerâmica que elevavam a água provavelmente para irrigação.
  • 11. 10 l ENERGIA HÍDRICA Moinhos Outro equipamento ainda hoje muito conhecido e utiizado é o moinho. Os primeiros moinhos foram utilizados provavelmente para produzir farinha de trigo na região do Mediterrâneo. Seus registros mais antigos datam de praticamente 2.000 anos atrás e se estenderam até a Escandinávia. Nos séculos seguintes, eles ficaram cada vez mais sofistificados e se espalharam pelo Império Romano e além de suas fronteiras. Com o passar do tempo, os moinhos movidos a água passaram a ser utilizados também para mineração, siderurgia, produção de papel. A água era a principal fonte de energia mecânica. Estima-se que no século XVII, somente na Inglaterra, existiam 20.000 moinhos movidos a água em funcionamento. Figura 1 – Roda d’ água movida a energia potencial dos recursos hídricos 1 A utilização de energia hídrica é amplamente difundida em todas as regiões do planeta que apresentam recursos hídricos disponíveis; a força desses recursos é aplicada para diferentes objetivos. Existem antigos moinhos funcionando em alguns lugares do mundo para fazer farinha ou açúcar. Em países em desenvolvimento, esses aproveitamentos diretos ainda desempenham importante papel. No Nepal, turbinas simples produzidas localmente são usadas para operar equipamentos; no Oriente Médio e na Ásia o uso de canais para elevar água para irrigação de culturas agrícolas ainda está presente em muitos lugares. O uso mais comum das águas está relacionado à irrigação de cultivos agrícolas. Esse uso é muito antigo e ainda é fundamental para o desenvolvimento de atividades agrícolas visando evitar as incertezas climáticas. Em algumas regiões, a irrigação ainda é utilizada, fazendo uso de tecnologias neolíticas que aproveitam a energia potencial para distribuição de água nas áreas cultivadas (Figura 2).
  • 12. ENERGIA HÍDRICA l 11 Figura 2 – Canal de irrigação utilizando energia potencial 2 Outro uso amplamente difundido da energia hídrica é o abastecimento doméstico, constituindo-se em importante fator na qualidade de vida das populações. Sistemas de abastecimento de água que utilizam a energia potencial dos recursos hídricos existem há milênios e ainda são utilizados atualmente. Figura 3 – Aquedutos em Lisboa 3 A energia hídrica pode ainda ser utilizada para produção de ar comprimido a partir de quedas de água. Utilizando uma trompa é possível comprimir o ar que pode ser utilizado para operar outros equipamentos distantes da água. Em condições ideais, a compressão é possível diretamente. Uma coluna de água cai em uma câmera subterrânea, levando uma mistura de ar e água gerada pela turbulência. Nessa câmera, o ar é separado da água, comprimido e capturado no alto da câmera enquanto a água é espelida para a superfície. Existem algumas usinas com esse tipo de equipamento, um exemplo é a Usina do Rio Montreal, no estado de Ontário, nos Estados Unidos, que opera desde 1910.
  • 13. 12 l ENERGIA HÍDRICA Atualmente, esses usos diretos da energia hídrica representam apenas uma pequena parte de sua utilização. No mundo industrializado esses exemplos são cada vez mais raros. A contribuição desses aproveitamentos para o uso mundial da energia hídrica é muito pequeno quando comparado com a produção de hidreletricidade, no entanto, o uso da água para geração de eletricidade é bastante recente. No século XIX, o avanço das tecnologias que permitiam a utilização do carvão como fonte de energia fez com que os equipamentos movidos a água fossem considerados obsoletos. Apesar disso, um século depois a utilização de água para produção de eletricidade tornou-se uma indústria em expansão. A expansão dessa indústria foi resultado de diversas descobertas científicas que foram desenvolvidas e transformadas em tecnologias elétricas durante o século XIX. Em 1832, Faraday descobriu a indução eletromagnética. Nesse mesmo ano, um jovem engenheiro francês, Benoit Fourneyron, patenteou uma roda de água nova e mais eficiente, a primeira turbina de água. A palavra turbina vem do latim turbo, que significa “algo que gira”, e foi cunhada por um professor do inventor. Essa nova turbina incorporou diversos novos equipamentos. A inovação mais importante foi o fato desta turbina funcionar totalmente submersa; testes demonstraram que ela era capaz de converter 80% da energia da água em energia mecânica utilizável. Depois dessa experiência bem sucedida, novas pesquisas começaram a ser realizadas em diferentes partes do mundo. Nos Estados Unidos, o engenheiro James Francis desenvolveu uma turbina radial que recebeu seu nome (GULLIVER, 1991). A partir dessas primeiras experiências, a indústria elétrica cresceu e se desenvolveu durante o final do século XIX. Com a possibilidade de desenvolvimento de plantas individuais, muitas hidrelétricas aumentaram de alguns kW para mais de um MW em apenas uma década. E atualmente é possível gerar eletricidade a partir das águas dos oceanos e dos rios. Aproveitamento de energia do mar Existem diferentes formas de converter a energia dos oceanos em hidreletricidade. As principais formas de aproveitamento são: energia das barragens de marés; energia do fluxo das marés; energia das correntes marinhas; energia das ondas; energia da conversão térmica do oceano; e a energia das diferenças de pressão osmótica. Entre esses tipos de aproveitamentos, a energia das marés, das correntes e das ondas apresentam maior potencial de desenvolvimento (PONTAA; JACOVKISA, 2008). Figura 4 – Sistema de compressão de ar da Usina do Rio Montreal, Ontário, Canadá 4
  • 14. ENERGIA HÍDRICA l 13 Nos oceanos, a energia das marés pode ser capturada na posição horizontal, sendo possível utilizá-la através de geradores de fluxo semelhantes a turbinas eólicas. Além disso, ainda é possível produzir eletricidade utilizando barragens de marés. A energia hídrica marinha pode ser usada para geração de eletricidade pela utilização das ondas de superfície. Pontaa e Jacovkisa (2008) destacam a utilização da energia cinética das correntes marinhas e as diferenças de temperatura entre águas profundas e superficiais nos oceanos para gerarem hidreletricidade. Em aproveitamentos de águas dos rios, é possível utilizar a energia cinética ou potencial presente nos corpos hídricos. A produção de hidreletricidade a partir do aproveitamento de energia cinética é denominada run-of-river (ROR). Esse tipo de aproveitamento implica em pequena necessidade de estocagem de água em reservatórios para suprir as casas de força. As plantas sem reservatórios dependem dos níveis sazonais dos rios. Por outro lado, as usinas com reservatórios podem regular o fluxo de água. As formas mais difundidas de geração de hidreletricidade são as usinas com barragens, as quais utilizam a energia potencial existente nas águas de rios. Ao barrar um rio, forma-se um reservatório de água e essa é conduzida por um canal até equipamentos que geram eletricidade. Figura 5 – Barragem hidrelétrica 5 Atualmente, a produção de hidreletricidade é a principal alternativa à utilização de combustíveis fósseis. Sua produção permitiu a ampliação da disponibilidade de eletricidade em muitas regiões. Pela utilização de uma fonte renovável, a água, a hidreletricidade se aproxima das discussões internacionais sobre sustentabilidade.
  • 15. 14 l ENERGIA HÍDRICA Diversas convenções internacionais apontaram a hidreletricidade como uma importante estratégia para a continuidade da oferta de energia associada à redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE). A implantação de aproveitamentos hídricos pode permitir que os países alcancem as metas de redução de emissões propostas no Protocolo de Quioto e na Convenção de Cancun. A partir da energia hídrica são produzidas, atualmente, 24% da eletricidade utilizada no planeta. No entanto, a produção de hidreletricidade apresenta distribuição heterogênea nos diferentes países;algumas regiões concentram praticamente toda a sua produção. Entre as regiões mais produtivas estão a América Latina e a África. As instalações hidrelétricas atuais variam em capacidade de geração de eletricidade entre algumas centenas de watts e mais de 10.000 MW. Essas instalações podem ser classificadas de diferentes formas, tais como pela altura, pela capacidade instalada, pelo tipo de turbina utilizada, pelo tipo e pela localização da barragem e do reservatório etc. Todas essas categorias são inter-relacionadas, sendo que a altura é um fator muito importante que determina os demais. A capacidade mundial de produção de hidreletricidade aumentou todos os anos durante um século inteiro. Apesar do crescimento da oferta, esse tipo de eletricidade não acompanhou a produção total de eletricidade no mundo. Entre os anos de 1991-2000, a oferta de hidreletricidade aumentou 24% enquanto a oferta total de eletricidade cresceu 30%. Consequentemente, a contribuição da hidreletricidade para a oferta total mundial caiu de 18,5% para 17,6% naquela década, e foi de apenas 16% em 2002. A produção de hidreletricidade nas diferentes regiões do planeta é bastante variada. A Noruega obtém quase toda a sua eletricidade da energia hídrica. O Brasil obtém 80% de sua demanda dessa fonte e o Canadá e a Suécia abastecem metade de sua demanda. A América Latina apresenta grande potencial de aproveitamento de energia hídrica para produção de eletricidade, por isso os investimentos em infraestrutura nessa região crescem anualmente. Estima-se que os investimentos podem superar os 450 bilhões de dólares em 2015. Atualmente, a capacidade instalada na América Latina é de 140.000 MW de hidreletricidade. Por isso, essa região é um dos mercados mais importantes do mundo. Visando fortalecer o desenvolvimento do imenso potencial hidrelétrico da América Latina, foi criada a Convenção de Hidreletricidade da América Latina (Hydro Power Summit Latin America). Essa organização constitui um fórum para que os interessados (poderes públicos, empresários, usuários, pesquisadores) possam discutir aspectos relacionados à produção de eletricidade a partir das fontes hídricas.
  • 16. ENERGIA HÍDRICA l 15 Assim, são discutidos os principais tipos de plantas hidrelétricas, tais como a geração de hidreletricidade com barragens ou sem barragens, e a hidreletricidade a partir da energia das marés. Além disso, são discutidas as tendências dos mercados de financiamento e capital para hidreletricidade, as formas de obtenção de financiamentos e quais as expectativas dos órgãos financiadores. Na América do Sul, o Brasil gera 90% de sua eletricidade a partir da energia hídrica, e a Colômbia, 80,4%. Outros exemplos nessa região podem ser apontados, tais como o Panamá, o Chile e a Venezuela. Em 2009, foi criada a Conferência sobre Infraestrutura do Conesul (Southern Cone Infrastructure Summit) que visa estimular o desenvolvimento e a proliferação de novos projetos em energia, transporte, água e bem-estar social. Essa conferência une os setores público e privado em vinte países como Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai, Peru e Uruguai. Seus trabalhos examinam questões financeiras, operacionais e regulatórias que afetam aspectos críticos do setor de hidreletricidade. Além disso, são discutidos também temas como a estabilidade social, política e financeira necessárias para o estabelecimento de infraestrutura desse setor. Outro tema de interesse é a integração regional no continente, que conta com exemplos bem sucedidos como a usina de Itaipu Binacional. A América do Norte apresenta grande potencial energético de todas as fontes, renováveis ou não. Os Estados Unidos estão entre os dez maiores produtores mundiais de petróleo, óleo, gás natural e eletricidade nuclear e hidrelétrica. O Canadá também produz grandes quantidades de óleo, gás natural e eletricidade nuclear e hidrelétrica. Nesses países, apenas 5% da eletricidade são provenientes de aproveitamentos hídricos (HUGHES, 2011). O continente africano também apresenta projetos hidrelétricos em diferentes países. É possível destacar a implantação de uma planta hídrica na Zâmbia e investimentos na conclusão de usinas, como Gibe II, na Etiópia. A fundação da Corporação de Eletrificação da Etiópia (EEPCo) promoveu a criação de recomendações para alcançar a sustentabilidade na produção de hidreletricidade na África. Essas recomendações destacam quatro áreas principais: a promoção do desenvolvimento regional, o acesso a investimentos e financiamentos viáveis, os avanços no papel da hidreletricidade na país e na região, e a transmissão da eletricidade produzida pelas plantas hídricas. O objetivo da EEPCo é o estabelecimento de um centro de excelência em hidreletricidade sustentável na Etiópia (GULLIVER, 1991). Na África, as principais discussões entre os grupos interessados se referem à necessidade de promover os investimentos do setor privado na instalação de aproveitamentos de energia hídrica para geração de eletricidade. Os diferentes
  • 17. 16 l ENERGIA HÍDRICA papéis dos setores público e privado ainda são analisados para melhor definição de atribuições no desenvolvimento de projetos hidrelétricos. Atualmente, destacam-se algumas diretrizes, tais como o desenvolvimento de plantas que permitem múltiplos aproveitamentos, transporte, abastecimento de água, integração entre diferentes fontes renováveis – hídrica, eólica, solar – para a geração de eletricidade; e a utilização das plantas hidrelétricas para mitigação das emissões de GEE em projetos de desenvolvimento limpo. A expansão dos aproveitamentos hidrelétricos na África apresenta muitos desafios. A falta de estabilidade social, política e econômica de muitos países dificultam a atração de investimentos externos. As relações geopolíticas de países que compartilham recursos hídricos precisam ser estreitadas para que seja possível o aproveitamento de seu potencial. É necessário garantir que a instalação e a operação dos projetos hidrelétricos sejam implantadas, visando à redução de impactos ambientais e sociais (GULLIVER, 1991). A Ásia também apresenta desenvolvimento no setor hidrelétrico. Diversos países como China, Vietnã, Nepal, Sri Lanka implantaram plantas hídricas nas últimas décadas. A China é o segundo maior mercado consumidor de eletricidade (atrás apenas dos Estados Unidos). A demanda anual chinesa é responsável pelo consumo de 31% do carvão mundial; 7,6% do consumo de óleo; 10,7% da hidreletricidade e 1,2% do gás consumido mundialmente. O consumo chinês dessas quatro fontes cresceu fortemente nas últimas decadas. Nesse país, a política energética estimula o desenvolvimento da hidreletricidade devido ao seu custo inferior a longo prazo e menores custos ambientais quando comparados aos combustíveis fósseis. Desde 1950, aproximadamente 62.000 hidrelétricas foram construídas; a maior parte delas de pequeno porte (menos de 12.000 kW). Quase todos os maiores rios da China apresentam plantas hidrelétricas (CROMPTON; WU, 2005; ZHONG; POWER, 1996). Nas últimas décadas, o crescimento econômico da China estimulou o desenvolvimento de projetos hidrelétricos. Diversos projetos de médias e grandes usinas hidrelétricas foram finalizados e outros estão sendo estabelecidos. Na província Fujian, mais de 40 projetos de grandes e médias barragens estão sendo construídos em 60.992 km2 , ao longo de 584km da bacia do rio Min. Na província Sichuan existe um projeto de desenvolvimento do setor hidrelétrico há mais de 30 anos, localizado na bacia hidrográfica do rio Changjiang basin. No rio Yang-tsé está localizada a usina das Três Gargantas, a qual é uma das maiores do mundo. A obra foi iniciada em 1993 e concluída em 2006, e apresenta diferentes objetivos, tais como a geração de energia, a prevenção de enchentes e o transporte fluvial. Em 2009, 26 turbinas estavam instaladas e sua capacidade era de 18.200MW (CROMPTON; WU, 2005; ZHONG; POWER, 1996).
  • 18. ENERGIA HÍDRICA l 17 Na Europa, existem indicações de que a produção de hidreletricidade vem diminuindo desde a década de 1970, especialmente em Portugal, na Espanha e em outros países europeus do sul. Essas reduções têm relação com alterações cíclicas e com o aproveitamento da água para outros usos, ou mesmo com mudanças climáticas. A contribuição da energia hídrica para produção total de eletricidade na Europa varia entre os diferentes países, e as diferenças refletem restrições geográficas, adequação climática, políticas governamentais e capacidade econômica (LEHNER; CZISCH; VASSOLO, 2005). Existem dois fatores que influenciam o futuro da hidreletricidade no continente Europeu: o primeiro diz respeito à disponibilidade de rios para exploração hidrelétrica; e o segundo ao estabelecimento de plantas individuais nos países. No leste europeu e na antiga União Soviética, problemas econômicos persistentes interferem na construção de novas usinas, no entanto, espera-se que essas situações possam ser resolvidas a médio e a longo prazo. A melhor possibilidade de desenvolvimento do setor nesse continente é quanto à expansão ou reabilitação das estruturas já existentes. Na Europa central, a hidreletricidade representa importante fonte de energia para países como Albânia, Croácia e Romênia. O maior potencial de ampliação de oferta de hidreletricidade nesses países está relacionada com a implantação de usinas na Albânia, Bulgária, Romênia e nas repúblicas que formavam a antiga Iugoslávia. Apesar de apresentarem potencial para expansão da produção de hidreletricidade, esses países ainda enfrentam dificuldade para obter financiamentos para os projetos. Os países do norte da Europa apresentam também potencial hídrico tanto em aspectos geográficos como climáticos. No entanto, em países como a Suécia, projetos para construção de grandes hidrelétricas enfrentam forte oposição. Como consequência, as grandes usinas são apenas reabilitadas e somente pequenos projetos são desenvolvidos. Da mesma forma, a Noruega está implantando pequenos projetos que promovem poucos aumentos na oferta de hidreletricidade. Na Europa ocidental, a maior parte dos recursos hídricos disponíveis já são aproveitados para produção de hidreletricidade. Apenas na Espanha e na Itália existe a possibilidade de aumentar a oferta desse tipo de eletricidade pela implantação de novas usinas (LEHNER; CZISCH; VASSOLO, 2005). Além das grandes usinas, é possível produzir hidreletricidade através de sistemas com médias e pequenas plantas. Na Escócia, foi estabelecido um esquema hidrelétrico durante os anos 1970 que funciona até hoje basicamente com as mesmas estruturas, ou seja, baseado em plantas de média escala. Nesses casos, geradores variando entre kW e MW foram instalados em córregos e rios, às vezes usando barragens. Essas plantas atualmente são classificadas na categoria de pequenas centrais hidrelétricas – PCH; ou small-scale hydro – SSH (BOYLE; EVERETT; RAMAGE, 2003).
  • 19. 18 l ENERGIA HÍDRICA Em consequência de diferentes fatores, as pequenas usinas foram desestimuladas em favor das grandes barragens. No entanto, recentemente novas questões estão destacando a relevância de se investir em pequenas plantas. Nos países industrializados, questões ambientais estão limitando o desenvolvimento de projetos de grande escala e favorecendo os pequenos projetos. Em alguns países em desenvolvimento, o estabelecimento de sistemas de eletrificação locais parece ser mais vantajoso do que os amplos sistemas nacionais. Esse interesse crescente favoreceu o desenvolvimento de tecnologias adequadas e da padronização de componentes e procedimentos de construção, com avançados sistemas de controle eletrônicos que podem reduzir custos e garantir a eficiência das pequenas plantas hidrelétricas. Esse tipo de planta está sendo construído ou já está em operação na Escócia, Áustria, França, Itália, Noruega, Espanha, Brasil e China (BOYLE; EVERETT; RAMAGE, 2003). Em muitos casos, pequenos centros hidrelétricos apresentam custos inferiores, mas sua localização pode provocar conflitos com outras possibilidades de usos da água. Por outro lado, o potencial de implantação desse tipo de planta em muitos lugares do mundo permanece subutilizado, especialmente em regiões montanhosas. Segundo Boyle, Everett e Ramage (2003), em alguns lugares, como o Nepal, a dificuldade de transportar equipamentos estimulou o desenvolvimento de plantas extremamente pequenas, cujos implementos podem ser transportados por pessoas ou animias. Nessas áreas, projetos simples e relativamente baratos podem permitir a operação de microcentrais hidrelétricas, as quais apresentam potencial para serem utilizadas em diversas partes do planeta e garantirem a autosuficiência energética de propriedades, pequenas vilas ou mesmo cidades rurais. Produtores de Hidreletricidade Seja qual for o tipo de aproveitamento hídrico, podemos afirmar que atualmente o Canadá é o maior produtor absoluto de hidreletricidade, seguido pelo Brasil, Estados Unidos, China, Rússia, Noruega, Japão, Índia, Suécia, França, Venezuela, Itália, Áustria, Suíça e Espanha (BOYLE; EVERETT; RAMAGE, 2003; IHA, 2004; ONU, 2008).
  • 20. ENERGIA HÍDRICA l 19 3. Impactos ambientais A implantação de empreendimentos hidrelétricos promove impactos ambientais positivos e negativos. Dessa forma, existem impactos que prejudicam o ambiente (ecológico, econômico e social) local, como o alagamento de áreas de vegetação nativa. Mas também existem impactos de atividades econômicas que favorecem o ambiente local, como, por exemplo, a geração de empregos em áreas onde existe a migração de jovens em busca de trabalho (MÜLLER-PLATENBERG; AB’SABER, 1998; SANCHEZ, 2006). Benefícios da energia hídrica Os aproveitamentos hidrelétricos apresentam diferentes benefícios ambientais quando comparados a outros tipos de plantas de geração de eletricidade. As hidrelétricas não liberam CO2 ou óxidos de enxofre e nitrogênio que podem causar chuva ácida, não produzem particulados ou componentes químicos como dioxinas que afetam diretamente a saúde ambiental e também não liberam radioatividade. As plantas que apresentam falhas não causam explosões ou incêndios. As barragens podem auxiliar no controle de enchentes e possibilitar a irrigação de terras agrícolas por meio da utilização das águas dos reservatórios. Em alguns casos, a implantação do reservatório de uma usina pode favorecer a paisagem local. Por outro lado, a implantação de empreendimentos hidrelétricos pode causar impactos ambientais adversos. Ao longo do século XX, a análise de grandes usinas permitiu verificar diversos problemas, como, por exemplo, a remoção de milhões de pessoas de suas terras e os colapsos em barragens que mataram muitas pessoas. Os impactos negativos podem ser relacionados a efeitos hidrológicos, que afetam os ecossistemas influenciados e as comunidades do entorno desses. Quando um empreendimento hidrelétrico é construído, existe uma alteração nos recursos hídricos locais pelo desvio ou canalização de parte do volume de água. Essas ações podem causar poucas alterações no fluxo total do rio, mas também podem causar profundos efeitos nos ecossistemas. O aumento da área de evaporação, em função da existência do reservatório, pode alterar os microclimas locais (BOYLE; EVERETT; RAMAGE, 2003; MULLER-PLATENBERG; AB’SABER, 1998; SANCHEZ, 2006).
  • 21. 20 l ENERGIA HÍDRICA A construção das barragens, especialmente das grandes, pode afetar o ambiente de muitas formas, podendo causar muitas perturbações. Apesar de o período de construção se estender por apenas alguns anos, os efeitos ecossistêmicos podem ser muito mais longos ou mesmo irreversíveis. Os reservatórios que se originam a partir das barragens também causam alterações ambientais que podem ser consideradas neutras, catastróficas ou benéficas, dependendo do contexto biológico e geográfico. O principal risco relacionado às barragens é o rompimento, sendo que as falhas podem ocorrer por diferentes motivos, tais como erros estruturais na construção ou terremotos. Durante o século XX, 200 barragens se romperam em diversos lugares do mundo. Outro problema ambiental que pode ser causado pela existência de barragens está relacionado com alterações no transporte de sedimentos naturalmente realizado pelo recurso hídrico regulado. No Egito, a construção da barragem do Alto Aswan reduziu o transporte de solos e nutrientes, afetando negativamente as atividades agrícolas a jusante (em uma corrente, é lado contrário ao da nascente, ou seja, para onde correm as águas, ponto mais próximo à foz). Além disso, os sedimentos foram acumulados no reservatório, reduzindo o volume de água (BOYLE; EVERETT; RAMAGE, 2003). O processo de alagamento do reservatório também pode causar impactos negativos. Quando ocorre com a presença de vegetação, a decomposição da matéria orgânica ocorre de forma anaeróbica, produzindo metano (CH4). Metano é um gás de efeito estufa mais potente do que o gás carbônico. Dessa forma, se o lago de uma usina produzir metano, os benefícios ambientais são fortemente reduzidos. No Brasil, a usina de Balbina é um exemplo disso. Sua área de inundação aproxima- se a 1 hectare por KW de capacidade de geração, causando impactos imensos ao ambiente que não são compensados pela energia gerada. Nesse caso, a emissão de GEE dessa usina pode ser superior às usinas termelétricas (JANNUZZI; SWISHER, 1997). A construção de usinas hidrelétricas implica ainda na remoção de comunidades inteiras. As negociações sobre os valores referentes às indenizações envolvem diversas questões éticas. O valor da terra pode ser avaliado conforme diferentes parâmetros; em geral, os empreendedores utilizam a valoração de mercado para calcular as indenizações, no entanto, as populações atingidas atribuem outros valores culturais, familiares e psicológicos às áreas que serão inundadas. As controvérsias sobre esse tema geram muitos problemas em diferentes países. A construção das usinas de Aswan e Kariba, no Egito, envolveram a realocação de
  • 22. ENERGIA HÍDRICA l 21 mais de 60.000 pessoas cada uma. A implantação da barragem das Três Gargantas, na China, implicou no desaparecimento de 100 cidades e no deslocamento de 1 milhão de pessoas (BOYLE; EVERETT; RAMAGE, 2003). As pequenas plantas hidrelétricas podem causar impactos menos graves do que as grandes barragens: menos pessoas precisam ser deslocadas de suas terras e existe menor risco de mortes por rompimentos na barragem. Mas não existe consenso sobre esse tema. Em diferentes países, legislações incentivam a construção de plantas com capacidade inferior a 10MW, mas não existe justificativa técnica e científica para isso. No estado de Santa Catarina, no Brasil, diversas pequenas centrais estão sendo construídas. Os estudos ambientais relacionados a essas usinas são simplificados porque os órgãos ambientais defendem a visão de que essas plantas causam menos impactos. No entanto, diversas pequenas centrais estão sendo construídas em uma única bacia hidrográfica, o que pode aumentar potencialmente os impactos cumulativos dos empreendimentos. Em alguns casos, a área do reservatório por unidade de energia gerada necessita ser maior, o que pode aumentar a evaporação ou mesmo a emissão de metano. Todos esses elementos variam fortemente conforme o caso. Impactos ambientais Os impactos ambientais decorrentes da implantação de barragens podem ocorrer em diferentes etapas, especialmente na instalação e operação da usina. Os impactos da instalação compreendem aqueles que ocorrem durante o período de preparação do terreno e construção das estruturas, os quais costumam ser bastante graves porque implicam em fortes modificações ambientais. No entanto, esses impactos são geralmente temporários e se estabilizam com o final da instalação da barragem. Já os impactos da fase de operação, em geral, são menos graves e continuam a ocorrer durante toda a vida útil do empreendimento. O procedimento utilizado na Avaliação de Impactos Ambientais (AIA) para controle desses impactos é o estabelecimento de medidas, projetos ou programas de controle da qualidade ambiental referentes a cada impacto ambiental considerado significativo. Essas medidas, projetos ou programas ambientais visam à prevenção (evitar que o impacto aconteça), à mitigação (reduzir a importância) ou compensação (indenizar um impacto que não pode ser evitado). Assim, para cada ação necessária no estabelecimento da barragem, derivam impactos ambientais e medidas de controle da qualidade do ambiente (SANCHEZ, 2006).
  • 23. 22 l ENERGIA HÍDRICA A construção de uma usina hidrelétrica com barragem implica em três conjuntos de ações: 1. a ocupação da área do empreendimento (desmatamento, terraplanagem, aterro e desmonte), áreas de apoio (canteiros de obras, vilas de moradores, armazéns, estacionamentos, postos de combustíveis), acessos (estradas de acessos e portos) e construção e manutenção da barragem; 2. formação do reservatório, inundações e funcionamento da hidrelétrica; 3. desapropriação de terras e alterações das atividades econômicas e sociais. A ocupação da área do empreendimento provoca impactos positivos e negativos variados. As atividades de desmatamento, terraplanagem, aterro e desmonte de rochas podem provocar alteração da estrutura físico-química e biológica do ambiente e assoreamento do reservatório. A instalação de canteiros de obras, vilas de moradores, armazéns, estacionamentos e postos de abastecimento pode provocar o recebimento da drenagem pluvial, de esgotos sanitários e efluentes industriais e agrícolas da região que podem gerar a deterioração da qualidade da água (comprometendo o abastecimento de água, os equipamentos da usina etc.); a criação de condições propícias ao desenvolvimento dos vetores e dos agentes etiológicos de doenças de veiculação hídrica; a contribuição de sedimentos, agrotóxicos e fertilizantes; a proliferação desordenada de algas, macrófitas aquáticas e outros organismos a jusante e a montante do empreendimento, impedindo a descarga da represa e prejudicando os sistemas de irrigação e navegação e a pesca; e a poluição dos corpos d’água por efluentes gerados durante a construção e disposição incorreta de resíduos sólidos (BRASIL, 2000; IHA, 2010a; IHA, 2004). As ações de construção e manutenção da barragem podem provocar alterações nas vazões máxima e mínima a jusante, inundação de áreas e alteração do regime hídrico, atenuando os picos de cheias/vazantes e aumento do tempo de residência de água no reservatório. Além disso, podem causar a alteração da descarga a jusante, em função do período de enchimento e/ou de desvio permanente do rio; a interferência nos usos múltiplos do recurso hídrico: navegação, irrigação, abastecimento, controle de cheias, lazer, turismo etc.; e o assoreamento do reservatório e erosão das margens a jusante e a montante (BRASIL, 2000; IHA, 2010a; IHA, 2004).
  • 24. ENERGIA HÍDRICA l 23 Para controlar esses impactos, podem ser estabelecidas medidas, projetos ou programas para: »» monitoramento da qualidade da água; »» compatibilização do material/equipamento da usina com a qualidade da água prevista para o reservatório; »» repasse e divulgação dos estudos referentes à qualidade da água; »» monitoramento do uso do solo; »» monitoramento hidrossedimentométrico; »» monitoramento do uso do solo e da cobertura vegetal (principalmente para prevenção contra a conversão de áreas de floresta em áreas agricultáveis ou para moradias); »» contenção de encostas: plantação de mata ciliar, preservação das matas existentes, contenção de taludes etc.; »» modelagem matemática de apoio à tomada de decisão por gestores públicos; »» controle dos efluentes orgânicos lançados no reservatório provenientes da bacia contribuinte; »» retirada da vegetação presente na área do reservatório antes da sua inundação com aproveitamento da biomassa (geração de energia, fertilização de solos etc.) e regular a descarga e o nível de água, de forma a prevenir o crescimento de algas, macrófitas aquáticas e outros organismos; »» gestão junto aos estados, municípios e aos órgãos de controle ambiental quanto à qualidade dos efluentes industriais e domésticos e de defensivos agrícolas e fertilizantes lançados na bacia de contribuição do reservatório; »» controle da proliferação de algas, macrófitas aquáticas e outros organismos (em caso de retirada periódica, prever o aproveitamento da biomassa); »» monitoramento e controle de criadouros de vetores de doenças e de agentes etiológicos; »» estabelecimento de alternativas de abastecimento de água para as populações afetadas; »» escolha cuidadosa da localização dos canteiros de obras e destinação adequada dos rejeitos gerados na etapa de construção; e »» limpeza da área do reservatório.
  • 25. 24 l ENERGIA HÍDRICA As ações relacionadas à formação do reservatório ocorrem durante a fase de operação da hidrelétrica e podem provocar impactos diversos, tais como: inundação da vegetação (primária ou em regeneração) com perda de patrimônio vegetal; redução do número de indivíduos com perda de material genético e comprometimento da flora ameaçada de extinção; redução do potencial madeireiro; perda de habitats naturais; interferência em unidades de conservação; aumento da pressão sobre os remanescentes de vegetação próximos; interferência na vegetação além do perímetro do reservatório, em decorrência da elevação do lençol freático ou de outros fenômenos; desmatamento da vegetação na área da barragem e canteiro de obras; interferência na composição qualitativa e quantitativa da fauna aquática, terrestre e alada, com perda de material genético e comprometimento da fauna ameaçada de extinção; interferência na reprodução das espécies (interrupção da migração, supressão de sítios reprodutivos etc.); migração provocada pela inundação, com adensamento populacional em áreas sem capacidade de suporte; aumento da pressão sobre a fauna remanescente (pressões decorrente da presença mais acentuada de grupamentos humanos, contato mais intenso entre representantes da fauna de diferentes níveis tróficos e bloqueio à migração); desenvolvimento de flora aquática superficial, depreciando a camada fótica, reduzindo a produção primária e impactando a ictiofauna; alteração qualitativa e quantitativa da fauna local em função das alterações climáticas; inundação/ interferência em cidades, vilas, distritos etc. (moradias, benfeitorias, equipamentos sociais e estabelecimentos comerciais, industriais etc.); mudança compulsória da população; interferência na organização físico-territorial; interferência na organização sociocultural e política; interferência nas atividades econômicas; intensificação do fluxo populacional (imigração e emigração); alteração demográfica dos núcleos populacionais próximos à obra; surgimento de aglomerados populacionais; sobrecarga dos equipamentos e serviços sociais (saúde, saneamento, educação, segurança etc.); erosão das margens por movimentação da água no reservatório; perda da capacidade de armazenamento do reservatório, por erosão das margens e sedimentação proveniente do rio a montante; e controle do uso do solo nas margens do reservatório e na bacia hidrográfica de contribuição (BRASIL, 2000; IHA, 2010a; IHA, 2004). Para controlar esses impactos sugere-se: »» implantação de banco de germoplasma; »» recomposição de áreas ciliares; »» consolidação de unidade de conservação; »» manutenção de corredores biológicos (de mata nativa), reduzindo os impactos da fragmentação da vegetação (efeito de borda); »» instalação de viveiro de mudas;
  • 26. ENERGIA HÍDRICA l 25 »» monitoramento da elevação do lençol; »» estímulo aos proprietários para manutenção dos remanescentes de vegetação; »» resgate e relocação de fauna; »» criação e reintrodução de fauna; »» monitoramento e manejo da fauna; »» implantação de centro de proteção à fauna; »» fiscalização contra a caça predatória; »» implantação de estação para cultivo e repovoamento; »» implantação de medidas de proteção aos sítios reprodutivos (bacias tributárias etc.); »» construção de “escadas para peixe” ou outros mecanismos que possibilitem a migração da ictiofauna; »» manutenção de uma vazão mínima para reduzir o impacto sobre a ictiofauna; »» controle do crescimento da vegetação aquática (regular a descarga e o nível de água); »» redução de avifauna devido à poluição sonora e atmosférica; »» comunicação e negociação com a população afetada; »» relocação de cidades, vilas, distritos, moradias etc; »» remanejamento da população (reassentamento, relocação e indenização); »» reativação da economia afetada; »» análise e acompanhamento do fluxo migratório; »» articulação municipal visando ao crescimento ordenado; »» redimensionamento dos equipamentos dos serviços sociais; »» estabelecimento de critérios para utilização da mão de obra local/regional a ser contratada; »» monitoramento das atividades socioeconômicas e culturais; »» estímulo às atividades culturais afetadas; »» monitoramento da erosão, do transporte e da deposição dos sedimentos; »» estabilização das margens (plantação de mata ciliar, preservação das matas existentes, contenção de taludes etc).
  • 27. 26 l ENERGIA HÍDRICA Por fim, as atividades relacionadas com a desapropriação de terras e alterações das atividades econômicas e sociais podem causar: »» interferência na atividade mineral; »» perda do potencial mineral; »» interferência no uso do solo; »» exploração acelerada das jazidas existentes e dos recursos minerais potenciais na área do reservatório; »» interrupção/desativação dos sistemas de comunicação, estradas, ferrovias, aeroportos, portos, sistemas de transmissão/distribuição, minerodutos, oleodutos etc; »» interferências nas populações no meio rural; »» inundação/interferência em terras, benfeitorias, equipamentos e núcleos rurais; »» mudança compulsória da população; »» interferência na organização sociocultural e política; »» problemas de saneamento e saúde nos canteiros de obras; »» aumento da pressão e degradação ambiental das áreas de terra concedidas para reassentamento; »» alteração das atividades econômicas (agropecuária, extrativismo vegetal e mineral e atividades pesqueiras); »» perda de terras agrícolas; »» perda de recursos minerais e florestais; »» perda do potencial de exploração agrícola; »» alteração na estrutura fundiária; »» perda de arrecadação tributária; »» interferência /desativação das indústrias e/ou redução na produção devido a alteração da oferta de matéria-prima;
  • 28. ENERGIA HÍDRICA l 27 »» interferência/desativação de atividades comerciais e de serviços; »» alteração na demanda e oferta dos serviços e atividades comerciais; »» alteração na estrutura de preço; »» busca de alternativas de fornecimento de insumos; »» redimensionamentos das atividades comerciais e de serviços; »» reorganização da estrutura de emprego; »» impactos em populações indígenas e/ou outros grupos étnicos; »» alteração na organização socioeconômica e cultural desses grupos; »» mudança compulsória dos grupos populacionais (aldeias/povoados); »» inundação de sítios arqueológicos; »» desaparecimento de sítios paisagísticos; »» desaparecimento de edificações de valor cultural; »» desaparecimento de sítios espeleológicos; »» interferência no potencial turístico; e »» alteração na dinâmica histórica regional. O controle desses impactos pode ser realizado por meio de medidas, projetos ou programas ambientais como: »» identificação de jazidas alternativas; »» desenvolvimento de técnicas para exploração futura de lavras subaquáticas; »» intensificação de exploração agrícola e de extrativismo vegetal na área do reservatório antes da inundação; »» zoneamento, monitoramento e controle do uso do solo; »» redimensionamento da infraestrutura;
  • 29. 28 l ENERGIA HÍDRICA »» relocação da infraestrutura atingida (recomposição dos sistemas viário, de comunicação e de transmissão/distribuição); »» comunicação e negociação com a população afetada; »» remanejamento da população atingida (reassentamento, relocação e indenização); »» relocação de núcleos rurais e da infraestrutura econômica e social isolada; »» reorganização das propriedades remanescentes; »» reativação da economia afetada; »» incentivo às atividades econômicas e implantação de equipamentos sociais dos projetos de reassentamento (educação, saúde, saneamento, assistência técnica etc); »» análise e acompanhamento do fluxo populacional; »» reorganização das propriedades remanescentes; »» acompanhamento e controle dos contatos interétnicos; »» compensação territorial e medidas que mantenham a coesão do grupo étnico afetado; »» pesquisa e salvamento arqueológico, histórico, artístico, paisagístico (cênico e científico), paleontológico e espeleológico, por meio de projetos de resgate documentados e registrados cientificamente; »» salvamento do patrimônio cultural; »» reconstituição da memória pré-histórica, histórica e cultural; »» repasse e divulgação (publicações/museus/laboratórios) dos estudos resultantes de cada item do patrimônio cultural; e »» incremento das potencialidades culturais com fins educacionais (formativo/informativo) e turísticos.
  • 30. ENERGIA HÍDRICA l 29 Por décadas, a construção de grandes barragens na América Latina foi a principal estratégia para geração de hidreletricidade. Atualmente, existe uma grande discussão sobre a relação entre tamanho das barragens e dos reservatórios e impactos ambientais (ecológicos e sociais). Dentro dessa discussão, surgiu a defesa da construção de pequenas usinas com reservatórios menores, que causam impactos mais localizados e possivelmente mais fáceis de controlar no que se refere a tecnologias e investimentos financeiros. Mais recentemente, a implantação de pequenas centrais hidrelétricas também está sendo questionada. Isso se deve ao fato de que muitas centrais hidrelétricas de pequeno porte podem ser implantadas em uma única bacia hidrográfica. Os estudos ambientais buscam identificar impactos de empreendimentos isolados e não contemplam os impactos cumulativos promovidos pela construção de diversos empreendimentos em um mesmo compartimento geomorfológico. Essa discussão é importante e demanda estudos científicos antes que se possa chegar a uma conclusão definitiva (BRASIL, 2000; IHA, 2010a; IHA, 2004). Impactos positivos e negativos Por fim, constata-se que as plantas de geração de hidreletricidade promovem impactos ambientais positivos na medida em que podem reduzir a emissão de gases de efeito estufa, reduzir a pressão sobre os combustíveis fosseis, levar a eletricidade a locais variados e gerar empregos. No entanto, a instalação da usina e o estabelecimento de barragens podem provocar impactos ambientais negativos, os quais podem ser controlados por medidas, projetos e programas ambientais. Encarar os desafios da implantação dessas medidas de controle é um forte desafio rumo à sustentabilidade. Os impactos ambientais de empreendimentos hidrelétricos devem ser analisados ao longo de todo o ciclo de vida. Apesar dessas análises, muitos impactos podem ser irreversíveis. Em alguns casos, o prejuízo ecológico por unidade de energia produzida pode ser maior com a utilização da energia hídrica do que com outras fontes de energia. As questões ambientais relacionadas à hidreletricidade são tão controversas quanto àquelas relacionadas a qualquer fonte de energia (BOYLE; EVERETT; RAMAGE, 2003; MÜLLER-PLATENBERG; AB’SABER, 1998; SANCHEZ, 2006).
  • 31. 30 l ENERGIA HÍDRICA 4. Contabilidade ambiental A discussão sobre a qualidade ambiental é cada vez mais relevante internacionalmente. De acordo com a legislação local é possível analisar o valor das externalidades ambientais geradas pela instalação e operação de um empreendimento gerador de energias. Essa análise é denominada avaliação de passivos ambientais. Passivos ambientais Passivos ambientais referem-se a valores relacionados a impactos ambientais regulados por legislações específicas ou por acordos internacionais. Da mesma forma que os impactos, os passivos ambientais podem ter significados negativos ou positivos. Pode-se dizer que os passivos representam os valores negativos que a empresa apresenta por não cumprir obrigatoriedades legais relacionadas ao ambiente ou valores positivos pela implantação de medidas que evitam, reduzem ou compensam danos ambientais previstos pela legislação (PARTIDÁRIO; CLARK, 2000). Os passivos podem representar a obrigação de promover investimentos para extinção ou amenização de danos ambientais provocados em qualquer prazo. Empresas que promoveram degradação ambiental podem ser obrigadas a pagar elevadas quantias como multas, indenizações de terceiros ou para a recuperação de áreas degradadas. Um passivo ambiental pode também se referir a medidas empregadas na prevenção de danos ambientais. A implantação de medidas de controle e monitoramento ambiental pode ser valorada mediante a economia que promovem (BOJAN, 1999; BRASIL, 2000; PARTIDÁRIO; CLARK, 2000). Avaliar o passivo ambiental de um empreendimento hidrelétrico implica verificar a execução das medidas, projetos e programas ambientais definidos durante o processo de avaliação de impactos ambientais para controlar a qualidade ambiental local. Assim, avaliar o passivo ambiental de um empreendimento hidrelétrico significa identificar e caracterizar os efeitos ambientais, de ordem física, biológica e antrópica, proporcionados pela construção, operação, manutenção, ampliação ou desativação. A obrigatoriedade legal de executar os programas ambientais para controle de impactos promove investimentos financeiros.
  • 32. ENERGIA HÍDRICA l 31 Os efeitos ambientais negativos podem ser reduzidos ou eliminados por investimentos em gestão ambiental na empresa, como aquisição de tecnologias limpas, regularização legal do empreendimento, emprego de profissionais especializados em gestão ambiental, ou ainda pela aplicação do lucro em programas sociais. Caso essas ações não sejam realizadas, o empreendimento acumula passivos ambientais. Os passivos ambientais são contabilizados no valor final de um empreendimento hidrelétrico, e sua avaliação é uma exigência nas transações comerciais em muitas regiões. A maior ou menor exigência de avaliação de passivos ambientais está relacionada com a preocupação ambiental dos investidores e do mercado consumidor de hidreletricidade. O papel da contabilidade ambiental é detectadar as obrigações ambientais para evitar prejuízos aos investidores. O montante das obrigações de recuperação ambiental de uma planta hidrelétrica pode ter efeito significativo sobre negociações e na busca por investimentos. Sua avaliação permite analisar o risco envolvido nas transações econômicas. (PAIVA, 2003; ITOZ et al, 2009; TINOCO; KRAEMER, 2004). Na avaliação dos passivos ambientais, a dificuldade consiste justamente em como valorar economicamente os danos ou benefícios ambientais promovidos pelos empreendimentos hidrelétricos. Em geral, o valor econômico de um recurso ambiental não é avaliado pelo mercado segundo o sistema de preços, contudo é possível utilizar o mesmo sistema que permite definir preços de bens e serviços presentes no mercado, ou seja, derivar seu valor econômico dos atributos analisados de forma absoluta e/ou relativa ao seu uso (BRASIL, 2000). Essa avaliação permite observar os riscos do negócio gerados por ações inovadoras, pela análise das reivindicações das comunidades atingidas e pela verificação do cumprimento das obrigações ambientais legais. De forma geral, existem três tipos de obrigações decorrentes do passivo ambiental: legais ou implícitas, construtivas e justas. »» As obrigações legais ou implícitas estão relacionadas com a reparação de danos ambientais pregressos, como, por exemplo, o desmatamento não autorizado de áreas de mata nativa relacionadas à instalação de empreendimentos hidrelétricos já operantes. Nesse caso, a planta apresenta um valor equivalente à recuperação da área desmatada como um ítem de seu passivo ambiental (PAIVA, 2003; PARTIDÁRIO; CLARK, 2000; TINOCO; KRAEMER, 2004).
  • 33. 32 l ENERGIA HÍDRICA »» As obrigações construtivas referem-se a situações em que o empreendimento executa ações de controle da qualidade ambiental além do exigido pela legislação. Quando uma planta hidrelétrica mantém e promove a regeneração de áreas de vegetação nativa com tamanhos superiores aos exigidos pela legislação existe um valor positivo em sua avaliação de passivos ambientais pelo cumprimento de obrigações construtivas. »» As obrigações justas são aquelas em que a planta hidrelétrica apresenta ações de controle da qualidade ambiental não exigidas pela legislação. Em algumas situações, questões éticas e morais promovidas pelos interesses dos grupos interessados na produção e consumo da hidreletricidade obrigam a implantação de medidas de prevenção ou recuperação de danos ambientais. Os passivos ambientais também podem ser classificados de diferentes formas. Uma classificação diferencia os passivos entre normais e anormais. Os passivos ambientais normais podem ser controlados, previstos e monitorados porque são decorrentes da instalação ou operação do empreendimento hidrelétrico. Já os passivos ambientais anormais não podem ser controlados ou previstos porque se referem a sinistros ou acidentes (PAIVA, 2003). Outra classificação leva em consideração diferentes critérios de investigação dos passivos ambientais, e pode ser útil para a identificação de passivos e a sua valoração econômica, pois permite agrupar valores e apresentar resultados por classes de passivo. Segundo essa classificação, são definidas três classes de passivos ambientais (BRASIL, 2000, p. 21): »» Passivo de Adequação: valor monetário composto dos custos de implantação de procedimentos e tecnologias que possibilitem o atendimento às não conformidades em relação aos requisitos legais, acordos com terceiros e às políticas e diretrizes ambientais da empresa em questão. Como regra básica, o passivo de adequação se refere a atividades nos limites de propriedade da organização.
  • 34. ENERGIA HÍDRICA l 33 »» Passivo de Remediação: valor monetário composto dos custos necessários à recuperação de áreas degradadas devido às atividades do empreendimento de interesse ou decorrentes das atividades de terceiros (cuja remediação tenha sido assumida pelo empreendedor/operador independentemente da responsabilidade civil). Como regra geral, o passivo de remediação se refere a atividades realizadas no meio ambiente. »» Passivo Administrativo: valor monetário composto dos custos referentes às multas, dívidas, ações jurídicas, taxas e impostos referentes à inobservância de requisitos legais e de sentenças nos autos de ações judiciais das partes afetadas. Os estudos ambientais, normalmente exigidos na instalação e operação de empreendimentos hidrelétricos, podem ser ferramentas úteis na contabilidade dos passivos ambientais. Para que sejam úteis, os estudos ambientais devem ser adequados e realizados de forma eficiente. Bons estudos permitem identificar os diferentes tipos de passivos, bem como sua localização temporal, reduzindo incertezas e subjetividades e permitindo um planejamento financeiro adequado e viável por meio da demonstração contábil (PAIVA, 2003; ITOZ; NETO; KOWALSKI, 2009; TINOCO; KRAEMER, 2004). Avaliação de passivos A avaliação de passivos e a contabilidade ambiental permitem identificar os efeitos da hidreletricidade nas tendências de investimento e operações. Na implantação de empreendimentos hidrelétricos, a avaliação de passivos ambientais pode considerar o valor das externalidades ambientais geradas por sua instalação e operação e servir como ferramenta para o planejamento de médio e longo prazo. A partir dessa avaliação é possível identificar itens que podem inviabilizar projetos. A divulgação dessas avaliações pode demonstrar aos grupos interessados o grau de responsabilidade ambiental dos empreendedores com a sociedade durante a instalação e operação do empreendimento (BRASIL, 2000).
  • 35. 34 l ENERGIA HÍDRICA 5. Aspectos técnicos de aproveitamentos hídricos A energia hídrica está presente nas águas dos rios e oceanos, e existem múltiplas formas de aproveitá-la. A partir daqui, serão discutidos os princípios físicos, equipamentos e instalações relacionados à geração de hidreletricidade a partir de diferentes fontes hídricas, tais como as marés, as correntes marinhas, as ondas oceânicas, os fluxos das águas correntes dos rios ou as quedas de água nas barragens. Todos esses aproveitamentos hídricos transformam a energia presente na água em eletricidade. Alguns tipos de plantas hidrelétricas transformam a energia potencial, outras convertem a energia cinética e ainda existe a possibilidade de aproveitar ambos os tipos de energia em eletricidade na mesma usina. Energia potencial A energia potencial é aquela presente em um corpo e que está pronta para ser convertida em energia cinética. Uma mola comprimida, um elástico esticado possuem energia potencial; em uma cachoeira, a água apresenta energia potencial. Ao realizar o movimento a energia potencial é convertida em energia cinética, a qual está associada ao movimento. Assim, os aproveitamentos hidrelétricos que utilizam como fonte de energia o fluxo de água de rios ou das marés convertem a energia cinética em eletricidade. Já uma barragem converte a energia potencial em energia cinética que é transformada em eletricidade. Energia das marés (Tidal power) A eletricidade pode ser gerada pelo aproveitamento das marés em canais que conectam baías ao oceano aberto. Até a década de 1990, as principais pesquisas relacionadas aos aproveitamentos de marés tinham como foco os aproveitamentos que utilizam barragens. Esse tipo de aproveitamento apresenta algumas vantagens, como maior densidade de energia e, com isso, maior eficiência. No entanto, apenas
  • 36. ENERGIA HÍDRICA l 35 uma grande barragem de marés foi construída na França, com capacidade instalada de 240 MW. Isso se deve a obstáculos como a necessidade de altos investimentos, bem como aos grandes impactos ambientais associados. Diante disso, novas pesquisas passaram a ser desenvolvidas utilizando o fluxo da maré sem barragens. Esse tipo de aproveitamento é caracterizado por uma pequena rampa em uma superfície de elevação, em oposição às barragens; seu aproveitamento sofreu avanços relacionados com o surgimento de turbinas eólicas viáveis. A partir dessas turbinas foram desenvolvidas as turbinas para fluxo de maré (Figura 6). Exemplos desse tipo de aproveitamento foram instalados no rio East, em Nova Iorque; em Juan de Fuca Strait, na costa sul da Ilha de Vancouver, Canadá; no Oceano Ártico na Noruega; e em Orkney, na Escócia (BLANCHFIELD et al, 2008; BLUNDEN; BAHAJ, 2006). Figura 6 – Turbina de marés 6 As principais vantagens deste tipo de aproveitamento hidrelétrico são: »» previsibilidade dos fluxos de maré; »» grande densidade de fluxo de água; »» mínimos impactos visuais. As principais desvantagens, segundo Blanchfield et al (2008) e Blunden e Bahaj (2006) são: »» riscos e custos altos relacionados a construções marinhas; »» presença de correntes fortes; »» custos de implantação dos sistemas de transmissão.
  • 37. 36 l ENERGIA HÍDRICA Fluxos de marés Diversas avaliações visando a identificar áreas potenciais para instalação de sistema de geração de eletricidade baseado no aproveitamento dos fluxos de marés foram realizadas no Reino Unido. Esses estudos identificaram 33 áreas adequadas. Entre elas, a região de Portland Bill, Dorset, na costa sul do Reino Unido, é conhecida por apresentar fluxos de maré com velocidade de aproximadamente 3.6 m/s, grandes penhascos em cada lado, fortes turbulências e ondas de superfície. Os estudos das marés dessa região buscaram identificar os sistemas de transporte de sedimentos através de modelagem matemática (BLUNDEN; BAHAJ, 2006). Energia das correntes marinhas (Marine current power) Os oceanos representam uma enorme fonte de energia que pode ser utilizada para produção de eletricidade. Essa energia é, muitas vezes, difusa, mas é possível encontrá-la de forma concentrada e aproveitável. Uma estratégia para aproveitar a energia dos oceanos é a produção de hidreletricidade através do aproveitamento dos fluxos de água das correntes marinhas. No passado, havia grandes dificuldades técnicas para explorar a energia dos oceanos, principalmente, devido a dificuldades na construção dos equipamentos e sua manutenção no ambiente marinho. A exploração de petróleo em águas profundas promoveu avanços científicos e tecnológicos que permitiram maior exploração da energia das correntes marinhas. As correntes marinhas são provocadas pelas alterações de marés promovidas pelas interações gravitacionais ente a terra, a lua e o sol. Essas interações, associadas a diferenças de temperatura e salinidade, bem como o efeito Coriolis geram o fluxo oceânico. A energia cinética das correntes marinhas pode ser transformada por meio da utilização de turbinas semelhantes às eólicas (Figura 7). Uma grande vantagem da exploração da energia das correntes marinhas é a possibilidade de geração de hidreletricidade com pouca intervenção ambiental. A hidreletricidade gerada pelo aproveitamento das correntes marinhas pode ser confundida com a hidreletricidade de marés porque seus equipamentos e tecnologias são semelhantes. A viabilidade das instalações aumenta quanto mais de um arranjo é instalado na mesma área de forma interconectada. Esse tipo de arranjo pode permitir a produção massiva de hidreletricidade (PONTAA; JACOVKISA, 2008).
  • 38. ENERGIA HÍDRICA l 37 Figura 7 – Turbina para aproveitamento de correntes marinhas (current-marine power) 7 No entanto, para uma produção massiva é necessário desenvolver soluções tecnológicas. O principal desafio é a construção de turbinas que possam operar submersas por longo tempo, com baixa manutenção. No ambiente marinho, a corrosão dos metais e o crescimento de algas e outros organismos prejudicam o desempenho de turbinas. Reduzir a necessidade de reparos também é importante porque a manutenção de sistemas que aproveitam as correntes marinhas é complexo e implica na utilização de diversos equipamentos, como, por exemplo, navios de apoio. Aproveitamento de energia As primeiras experiências de aproveitamento da energia de correntes ocorreram na década de 1970. Os países que lideram as pesquisas e instalações são o Reino Unido, o Canadá e o Japão. No Reino Unido, a hidreletricidade de correntes marinhas atende a 19% da demanda. Em 2003, foi instalada a primeira turbina de aproveitamento de correntes marinhas em escala comercial a uma distância de aproximadamente 1km da costa de Devon. O diâmetro do rotor é de 11m e capacidade instalada de 300 kW (PONTAA; JACOVKISA, 2008). Energia das ondas oceânicas Desde a década de 1970, têm-se diversos equipamentos de produção de eletricidade a partir das ondas dos oceanos. No entanto, apenas pequenos equipamentos, tais como bóias de navegação, são comercializados, devido aos altos custos de produção. Um exemplo de equipamento para geração de hidreletricidade aproveitando a energia das ondas é a estação de elevação de ondas (Figura 8). Essa estação contém uma rampa uniforme e paredes convergentes que permitem aumentar a altura que as ondas são capazes de atingir. Após percorrerem a rampa, as ondas são descarregadas
  • 39. 38 l ENERGIA HÍDRICA em piscinas de retenção. A diferença de altura entre a piscina e o nível do mar é usada para geração de eletricidade utilizando energia potencial. A inclinação da rampa, o ângulo das paredes convergentes e a profundidade da piscina de retenção são fundamentais para a eficiência do sistema (TSUCHIYA et al, 1972; IWAGAKI et al, 1981). Figura 8 – Estação de elevação de ondas 8 Outro equipamento que permite a geração de eletricidade pelo aproveitamento da energia das ondas é o extrator de energia pendular utilizado desde a década de 1980. Um sistema desse tipo foi instalado no Japão em quebra-mares. O equipamento consiste em um pêndulo plano em uma caixa de concreto com a parede aberta voltada para as ondas e um sistema de transmissão da energia das ondas. As paredes e o fundo da caixa associados ao pêndulo formam uma câmera de água onde um sistema de contenção de ondas é gerado pela oscilação. Esse sistema apresenta alta eficiência mecânica, o que permite a produção de eletricidade a baixos custos (KONDO, 1997; YANO; KONDO; WATABE, 1985).
  • 40. ENERGIA HÍDRICA l 39 Além das vantagens evidentes da geração de eletricidade a partir de uma fonte renovável, a exploração da energia das ondas pode também facilitar o controle de erosão nas praias, compondo sistemas híbridos de extração de energia e proteção de costas. Erosão A erosão de praias é um grave problema em muitos países. Esse fenômeno ocorre por diversos motivos: redução do suprimento de sedimentos pela barragem de rios; modificação do transporte de sedimentos pela construção de diques e quebra-mares; e aumento do nível dos mares. As principais estratégias para conter os processos erosivos nas praias são o suprimento de areia nas áreas erodidas e retirada de quebra-mares. A utilização de um sistema pendular de extração de energia das ondas é capaz de conter os processos erosivos de praias porque esse sistema pode ser composto de um pêndulo, uma estrutura de suporte para este e apenas uma parede sólida para refletir as ondas (Figura 9). Modificações na estrutura dos sistemas pendulares originais, tais como a permeabilidade das paredes laterais, permitem maiores movimentações de sedimentos ao longo da costa. A utilização desse sistema, como exposto anterioremente, alia dupla vantagem: prover energia limpa e renovável associada à proteção de praias (KONDO, 1997; YANO; KONDO; WATABE, 1985). Bomba hidráulica Ondas incidentes Pêndulo Ensecadeira Figura 9 – Sistema Pendular de Geração de Hidreletricidade 9
  • 41. 40 l ENERGIA HÍDRICA Energia do fluxo dos rios A hidreletricidade produzida pelo aproveitamento da energia cinética do fluxo dos rios é denominada Run-of-the-river (ROR). Essa estratégia de geração de hidreletricidade é ideal para rios e córregos com fluxos razoáveis mesmo na estação seca ou para aqueles regulados por algum empreendimento com barragens. Para esse aproveitamento pode ser construída uma pequena barragem (menor do que aquelas usadas em usinas hidrelétricas convencionais) que garanta o fluxo de água para mover as turbinas e que permita a formação de açudes, os quais podem garantir o fluxo necessário mesmo em momentos de pico de demanda (GULLIVER, 1991). Esse tipo de aproveitamento conduz boa parte do fluxo do rio através de um tubo ou túnel que leva às turbinas de geração de eletricidade e depois conduzem de volta ao leito do rio (Figura 10). Figura 10 – Grande planta de captação de energia cinética com reservatório (ROR) 10 Vantagens das pequenas barragens A energia obtida do fluxo dos rios por meio de barragens pequenas apresenta vantagens ambientais quando comparados às usinas com barragens e reservatórios extensos, pois não ocorre o represamento de grandes quantidades de água. Consequentemente, pouca área é alagada, alterando partes menores dos ecossistemas e implicando a retirada de comunidades inteiras. Esse fato também reduz o risco de emissões de metano nesse tipo de projeto (GULLIVER, 1991).
  • 42. ENERGIA HÍDRICA l 41 As principais vantagens dos aproveitamentos hidrelétricos de fluxo de rios são: »» quando desenvolvidas com cuidadoso planejamento podem gerar energia sustentável com baixos impactos ambientais para os ecossistemas e comunidades do entorno; »» baixo risco de produção de GEE; »» pequenas áreas inundadas e pequeno risco de rompimento de barragens. As principais desvantagens desse tipo de aproveitamento estão relacionadas com a inconstância da fonte de energia devido à baixa capacidade de estocagem de água. Assim, a geração de eletricidade não acompanha a demanda; pelo contrário, a produção de hidreletricidade acompanha a oferta de água do rio, produzindo menos nas estações quentes e secas. Nas últimas décadas, projetos desse tipo foram implantados em diferentes regiões. O Canadá possui uma planta com capacidade instalada de 1027 MW, em British Columbia. A definição de áreas viáveis para implantação desses projetos deve levar em consideração o fluxo e a altura da queda de água, pois a queda deve ser abrupta (GULLIVER, 1991). 6. Princípios físicos da energia de barragens (Dam power) A seguir serão descritos os princípios físicos da geração de energia elétrica a partir do aproveitamento do fluxo das águas fluviais. Esse tipo de aproveitamento consiste em utilizar a energia potencial da água, convertendo-a em energia cinética e, em seguida, em energia elétrica. Inicialmente, é preciso a construção de uma barragem para a captação de água. Em seguida, a água é direcionada por dutos até uma turbina a jusante. A turbina movimenta o gerador e a água é restituída ao leito natural do rio (Figura 11).
  • 43. 42 l ENERGIA HÍDRICA Figura 11 – Esquema simplificado do funcionamento de uma usina hidrelétrica com barragem 11 As usinas hidrelétricas são instaladas onde naturalmente ocorra um desnível do terreno, de modo a obter grande diferença entre montante (ponto mais alto) e jusante (ponto mais baixo) da barragem em uma menor distância possível. Potencial de energia Quanto maior for a altura da barragem, maior o potencial de geração de energia, e quanto menor for a distância, mais eficiente e barata é a energia gerada. Então, potencial de aproveitamento de uma queda d’água é definido pela sua altura e volume de água em relação ao custo de construção da usina. Essas usinas são bastante eficientes, podendo gerar mais de 95% da energia disponível a montante. Em qualquer tipo de usina sempre há perdas de energia dentro do sistema, pois a água dissipa parte de sua energia pelo atrito e turbulência nos condutos até atingir a turbina.
  • 44. ENERGIA HÍDRICA l 43 O valor da quantidade de energia que uma usina pode gerar é calculado pela fórmula: P = hrgk, Onde P é a energia em KW; h é a altura em metros; r é a vazão de água em metros cúbicos por segundo; g é a aceleração da gravidade (9,8 m/s2); e k é o coefi- ciente de eficiência que varia entre 0 e1. A energia hídrica pode ser medida de acordo com a quantidade de energia disponível, ou seja, a energia por unidade de tempo. Em grandes reservatórios, a energia disponível é uma função da altura das cabeceiras e do raio do fluxo de água. A cabeceira é a altura da água relativa a sua altura depois da descarga. Cada unidade de água pode realizar uma quantidade de trabalho igual a seu peso em relação à altura. A quantidade de energia é liberada quando um objeto de massa m cai da altura h em um campo gravitacional de força g. A energia disponível em barragens hidrelétricas é a energia que pode ser liberada por uma queda de água em um duto controlado. A eficiência é, geralmente, mais alta quanto maior e mais modernas forem as turbinas. Uma barragem hidrelétrica costuma funcionar continuamente para assim fornecer electricidade sem interrupções. A água, quando está localizada a certa altura, representa energia estocada – a energia potencial. Aproximadamente 9,81 joules são necessários para elevar 1 kg em 1m. Essa equação nos permite calcular a quantidade de energia estocada representada por um corpo de água a determinada altura. Para tanto, é necessário conhecer a massa e a altura. Dessa forma: Energia Potencial = MgH, Onde M corresponde à massa em kg, g é a aceleração da gravidade, e H é a altura em metros. Dados confiáveis, contendo as variações sazonais, são fundamentais para a avaliação da capacidade potencial do local. Represar o fluxo por um determinado tempo é um método rotineiro. As principais técnicas dependem das relações entre fluxo de água, profundidade e velocidade nos pontos escolhidos. Ao estimar os recursos hídricos de uma determinada área é necessário conhecer também o total de energia anual.
  • 45. 44 l ENERGIA HÍDRICA Exemplo: Considerando que em um ano existem 8.760 horas, então uma usina com capacidade instalada de 1 MW funcionando constantemente deve ser capaz de produzir 8.760 MWh, ou 8, 76 milhões kWh/ano. O fator de capacidade de qualquer planta hidrelétrica é igual a sua produção anual atual dividia pela máxima produção possível, ambos na mesma unidade (kWh, MWh etc.). O resultado dessa divisão deve expressar uma porcentagem. Assim, a usina de Carsfad com capacidade instalada de 12.000 kW, gera 30 milhões kWh de eletricidade por ano. Logo, seu fator de capacidade é de: 30 × 106 / (12.000 × 8.760) = 0,285 ou 28,5%. Na prática, o fator de capacidade anual de uma usina hidrelétrica é determinado pela combinação da demanda dividida pela sua capacidade de geração a qualquer momento (BOYLE; EVERETT; RAMAGE, 2003). 7. Equipamentos e design das instalações das barragens A definição de máquinas pode ser entendida como sendo o conjunto de equipamentos que transforma dada energia em trabalho mecânico. Toda máquina é constituída de dois equipamentos básicos: o motor e o gerador. Equipamentos Em uma motobomba hidráulica, o motor elétrico gera trabalho mecânico ao mover uma turbina, a qual aumenta a pressão e eleva a água para cotas maiores. As usinas hidrelétricas utilizam esse mesmo princípio, porém no sentido inverso. Nesse caso, a turbina hidráulica é o motor que transforma a energia potencial em energia mecânica. Acoplado à turbina, é instalado o gerador que recebe o trabalho mecânico e o transforma em energia elétrica (Figura 12).
  • 46. ENERGIA HÍDRICA l 45 Figura 12 – Equipamentos utilizados em uma usina hidrelétrica 12 Turbinas hidráulicas Segundo a norma TB-74 da ABNT, as turbinas hidráulicas são caracterizadas como máquinas com a finalidade de transformar a maior parte da energia de escoamento contínuo da água em trabalho mecânico. Consiste basicamente em um sistema fixo hidráulico (injetor) para orientação da água em escoamento e outro sistema rotativo hidromecânico (rotor) para a transformação em trabalho mecânico (PIMENTA, 1981). As turbinas hidráulicas podem ser classificadas em dois grandes grupos: de ação e de reação. As turbinas de ação são aquelas em que o trabalho mecânico é obtido diretamente pela transformação da energia cinética da água em escoamento através do rotor. As turbinas de reação são aquelas em que o trabalho mecânico é obtido pela transformação das energias cinética e de pressão da água em escoamento através do rotor.
  • 47. 46 l ENERGIA HÍDRICA Existem muitas variações desse tipo de turbina; elas podem ser formadas por pás ou por hélices e ambas podem ter eixo vertical, horizontal ou inclinado e serem alimentadas por um ou mais injetores de injeção total. Para a escolha correta do tipo de turbina a ser instalada devemos analisar os fatores ligados ao local de instalação, como altura de queda e vazão, além dos custos de captação da água e operação do sistema (GULLIVER, 1991). As turbinas hidráulicas mais utilizadas na geração de energia elétrica receberam o nome de seus inventores: turbina Francis (1847), turbina Pelton (1878) e turbina Kaplan (1922). Além dos modelos iniciais, existem variações dessas turbinas (BOYLE; EVERETT; RAMAGE, 2003; PIMENTA, 1981). Turbina Francis As turbinas tipos Francis, por exemplo, apresentam eficiência energética intermediária, funcionam com vazões médias e quedas podendo variar de 30 a 500m. Seu rotor é constituído de um núcleo cilíndrico onde são soldadas diversas lâminas inclinadas e fixadas em outro cilindro externo, assemelhando-se a uma turbina de avião (Figura 13). A ação da turbina se dá pela injeção de água. As turbinas tipos Francis são de longe as mais utilizadas entre as usinas de porte médio e até mesmo as de grande porte. Elas são turbinas de reação que apresentam eficiência energética intermediária e que podem ter designs bem diferentes, variando seu tamanho de 30 cm de diâmetro até 6 metros. Esse tipo de turbina funciona completamente submersa e, por isso, pode trabalhar da mesma forma com o rotor na posição horizontal ou vertical. Em volumes de água médios e altos, o fluxo que passa pela turbina é canalizado através de um tubo curvo cujo diâmetro diminui em direção ao final, o que provoca aumento da velocidade. A forma das lâminas e a velocidade da água são aspectos críticos na produção de fluxos que permitem alta eficiência na produção de eletricidade. As turbinas Francis funcionam de forma mais eficiente quando a velocidade da lâmina é um pouco menor do que a velocidade da água incidente. Ao atingir a lâmina, a água é defletida pelas laterais, perdendo movimento. Com essa mudança de direção, a água gera uma força na direção oposta e essa reação Figura 13 – Turbina Francis 13
  • 48. ENERGIA HÍDRICA l 47 transfere energia para o rotor e assim mantém a rotação. Por essa razão, essas turbinas são chamadas de reação. Para reduzir as perdas de energia, é necessário manter a velocidade e a direção corretas do fluxo de água. Nessas condições ótimas, as turbinas Francis podem alcançar uma eficiência de 95%. No caso de redução de demanda, a geração de energia pode ser reduzida pela diminuição do fluxo de água, o que pode ser feito, no caso das turbinas Francis, mudando o ângulo de incidência do líquido nas lâminas (BOYLE; EVERETT; RAMAGE, 2003; HILL, 1984). No entanto, as turbinas Francis apresentam algumas limitações. A cabeceira é um importante fator na seleção da turbina mais adequada. Se a cabeceira é baixa, um grande volume de água é necessário para gerar energia, mas uma cabeceira baixa também significa menor velocidade da água. Esses dois fatores juntos implicam em uma área muito maior, sendo que o aumento da área pode ser acompanhado da adaptação das lâminas para águas mais lentas, mas com defleção de maior volume. Assim, torna-se possível utilizar fluxos de água com menores quedas e velocidade, já que os grandes fluxos também causam problemas. A melhor eficiência dessa turbina ocorre quando as lâminas se movem praticamente na mesma velocidade que a água. Em áreas com grandes fluxos e com grandes velocidades a turbina Francis não é a mais indicada. Seus melhores desempenhos ocorrem quando há fluxos médios e pequenos de água. Turbina Pelton Outro tipo de turbina largamente utilizado é a do tipo Pelton. Esse modelo é inspirado nas antigas rodas d`água ou rodas do tipo Pelton, que podem ter seu eixo horizontal ou vertical e serem alimentadas por mais de um injetor de jato livre (Figura 14). Essas são turbinas de ação. As turbinas Pelton apresentam baixos valores de eficiência quando comparadas com turbinas de reação, porém podem funcionar com vazões relativamente baixas e com quedas bastante altas, podendo variar de 200m até 2.000m. Seu rotor é constituído de um núcleo plano, ao qual são soldadas várias pás em forma de concha dupla. As conchas possuem aberturas na extremidade para facilitar a saída da água antes de completar um giro completo. A presença de água residual na concha gera um acúmulo de energia cinética e diminui a eficiência na geração de energia. As conchas são atingidas por jatos de água bastante potentes direcionados pelos injetores dispostos no perímetro da turbina (HILL, 1984; PIMENTA, 1981). Figura 14 – Turbina Pelton 14
  • 49. 48 l ENERGIA HÍDRICA Os injetores são fixos e seu acionamento é feito através de agulhas móveis em seu interior, as agulhas regulam a vazão de acordo com a quantidade de água disponível de modo a transformar a maior parte da energia potencial em energia cinética. Em uma usina desse tipo, em que a altura de queda é constante, a agulha é regulada para que o jato de água também tenha velocidade constante mesmo com vazões diferentes. Portanto, a potência gerada dependerá unicamente da velocidade de arrasto periférico da turbina determinada pelo volume de água que atinge a concha. A eficiência da turbina Pelton é maior quando a velocidade das conchas é a metade do jato de água. Considerando que a velocidade das conchas depende do raio de rotação e do diâmetro da turbina e que a velocidade da água depende da queda, existe uma relação ótima entre esses três fatores. A roda Pelton é uma turbina de impulso, em constraste com as turbinas de reação, como aquelas do modelo Francis. Uma diferença importante entre elas se refere ao fato de que as turbinas Francis funcionam totalmente submersas, enquanto as Pelton operam no ar sob efeito da pressão atmosférica. Turbina Turgo Uma variante da turbina Pelton é a denominada Turgo. Esse tipo de turbina foi desenvolvido em 1920. As conchas simples foram substituídas por duplas, com a água entrando por um lado e saindo pelo outro. A água entra como um jato, atingindo as conchas que por sua vez impulsionam a turbina (Figura 15). No entanto, sua habilidade de lidar com volumes de água maiores do que a roda Pelton com o mesmo diâmetro é uma vantagem para a geração de eletricidade em quedas de água com tamanho médio (BOYLE; EVERETT; RAMAGE, 2003; PIMENTA, 1981). Turbina de fluxo cruzado ou turbina Mitchell-Banki Outro tipo de turbina de ação, como a Pelton e a Turgo, é a turbina de fluxo cruzado ou turbina Mitchell-Banki, Ossberger. Nesse tipo de turbina a água flui através de planos achatados ao invés de jatos cilíndricos. Esse tipo de turbina é usado no lugar de turbinas Francis em pequenas centrais hidrelétricas com capacidade instalada de até 100 kW aproximadamente (Figura 16). Figura 15 – Turbina Turgo 15 Figura 16 – Turbo-gerador Simplificado 16
  • 50. ENERGIA HÍDRICA l 49 Algumas ideias tecnológicas engenhosas foram desenvolvidas de forma simples e podem ser construídas e mantidas sem sofisticados equipamentos de engenharia e, por isso, são adequadas para comunidades distantes. Turbina Kaplan Outro tipo de turbina é denominado Kaplan ou Propulsores. Nesse tipo de turbina, a área por onde a água entra é a maior possível, sendo uma turbina adequada para fluxos de água muito grandes, podendo ser utilizada mesmo se a queda de água apresenta apenas poucos metros. Essas turbinas possuem a vantagem de serem tecnicamente mais simples (Figura 17). Por isso, é possível aumentar a eficiência pela variação do ângulo das lâminas quando a demanda de energia se modifica (BOYLE; EVERETT; RAMAGE, 2003; PIMENTA, 1981). Turbinas adequadas De forma geral, podemos dizer que as turbinas Pelton são mais adequadas para altas quedas de água, os Propulsores para pequenas quedas e as Francis para situações intermediárias. Design das instalações Para descrever o desenho de instalações de aproveitamento hidroenergético é necessário conhecer seus componentes e conceitos principais, tais como: a regularização da vazão, as barragens, a captação e condução de água, a casa de máquinas, a restituição de água e comportas (Figura 18). Figura 17 – Turbina Kaplan 17
  • 51. 50 l ENERGIA HÍDRICA Figura 18 – Principais componentes de uma usina hidrelétrica 18 A vazão dos recursos hídricos é bastante variável. Rios, mares, lagos e lagoas apresentam vazões variáveis e até mesmo aleatórias. Existem aproveitamentos hidroenergéticos que não demandam a regularização da vazão. Esses aproveitamentos são projetados para utilizar as vazões naturais dos recursos hídricos selecionados. São denominadas de usinas a fio de água (SOUZA; FUCHS; SANTOS, 1983). No entanto, vazões variáveis não são ideais para a maior parte dos modelos utilizados de aproveitamentos hidroenergéticos. O dimensionamento das instalações e equipamentos se refere a algum valor específico de vazão. Assim, equipamentos planejados para vazões mínimas deixarão de aproveitar grandes quantidades de energia, já equipamentos para vazões máximas ficarão sem operar durante muitos períodos. Diante disso, o primeiro desafio para instalação desse tipo de equipamento é a uniformização da vazão do recurso hídrico aproveitado ao longo do tempo. Foram desenvolvidos métodos para regularização ou regulação de vazões. É possível regularizar a vazão de um aproveitamento hidroenergético de forma integral ou parcial. O principal método para regularização de vazão é a construção de reservatórios para acumular a água das chuvas e abastecer o aproveitamento com essa água durante o período de seca. A regularização integral da vazão pode ser aplicada para diferentes períodos de tempo. Assim, alguns reservatórios são capazes de regular a vazão de recursos hídricos por um ano (anual) ou por vários anos (plurianual). Essa variação se refere ao tamanho do reservatório ou a sua capacidade de armazenar água.
  • 52. ENERGIA HÍDRICA l 51 A regularização da vazão pelo maior intervalo de tempo possível permite o dimensionamento mais eficiente dos equipamentos e instalações necessários para o aproveitamento hidroenergético. No entanto, a regularização plurianual implica na construção de reservatórios muito grandes que causam impactos ambientais graves. Tais impactos podem ser de ordem econômica, social ou ecológica (BOYLE; EVERETT; RAMAGE, 2003; HILL, 1984; PIMENTA, 1981). Na utilização de reservatórios menores também é possível obter regularização de vazões, porém com métodos diferentes. Com reservatórios pequenos não é possível manter uma única vazão regularizada, mas diversas vazões que se sucedem ao longo do tempo conforme um calendário previamente estabelecido. Segundo Souza, Fuchs e Santos (1983, p. 113), “Um aproveitamento integral exige o dimensionamento das máquinas para a maior delas e um fracionamento maior das unidades, pois durante certas épocas as vazões disponíveis e, portanto, deriváveis, serão bem menores.” Nesse contexto, é necessário desenvolver um estudo econômico detalhado para estabelecer qual deve ser a potência instalada, visando a qual arranjo poderá produzir o menor valor de kW. Outro tipo de regularização de vazão é denominada parcial. Esse tipo de regularização admite a perda de vazão periodicamente, que deve estar acima do máximo derivável. Esse método também admite déficits de vazão em épocas de seca. Sistemas que operam utilizando a regularização parcial da vazão estão sempre relacionados a reservatórios pequenos. Na pior situação, é possível ainda implantar sistemas de aproveitamentos hidroenergéticos em que a regularização da vazão permite apenas uma regulação semanal. Esses aproveitamentos, em geral, contam com reservatórios muito pequenos devido às condições geomoforlógicas, sociais e econômicas locais. Esse tipo de regularização pode acontecer porque em finais de semana o consumo de eletricidade geralmente é menor, o que permite o planejamento semanal. O primeiro passo para garantir a regulação da vazão é definir que tipo de barragem deve ser construída. As barragens são estruturas transversais construídas no leito do rio com o intuito de bloquear a passagem da água. O tipo ou tamanho de uma barragem irá depender do objetivo a qual ela se destina. As grandes barragens são construídas para proporcionar a formação de amplo reservatório de regulação de vazão, onde a variação do índice pluviométrico é muito grande ao longo do ano. As barragens muito altas servem para elevar o nível da água a jusante e proporcionar desnível adequado para o aproveitamento hidroenergético com vazões menores. Barragens menores podem ser construídas apenas para captação e desvio da água para uso em local mais distante.
  • 53. 52 l ENERGIA HÍDRICA Segundo Souza, Fuchs e Santos (1983), as barragens podem ser classificadas basicamente de três formas: barragem de gravidade, barragem de arco e barragem de arco-gravidade. As barragens de gravidade são aquelas em que o equilíbrio estático da construção se dá pelo próprio peso da estrutura (Figura 19); a resultante de todas as forças exercidas é transmitida ao solo do leito do rio onde se apoia. As barragens de gravidade podem ser maciças, constituídas de terra e revestidas de pedras soltas (enrocamento) ou placas de alvenaria, ou podem ser aliviadas, construídas de concreto armado. Figura 19 – Barragem de gravidade 19 As barragens em arco tiram proveito da propriedade de sua estrutura resistir com facilidade às cargas uniformemente distribuídas sobre seu dorso. As forças do empuxo hidrostático são transmitidas igualmente para o leito do rio e para as ombreiras da barragem (Figura 20). Sua construção deve ser necessariamente de concreto armado e requer características do terreno muito específicas para sua instalação ser viável. É necessário que o curso do rio tenha margens altas e constituídas de rocha resistente e sã, assim como o leito do rio precisa ser de rocha igualmente resistente e sã. A relação entre a largura do rio no local de construção e a altura da barragem não pode ser maior que três (BOYLE; EVERETT; RAMAGE, 2003; HILL, 1984; PIMENTA, 1981).
  • 54. ENERGIA HÍDRICA l 53 Figura 20 – Barragem em arco 20 As barragens de arco-gravidade têm sua planimetria em forma de arco, porém sua massa funciona como uma barragem de gravidade; suas secções transversais são bem mais espessas do que as barragens em arco, mas necessitam de um acabamento muito melhor de que um simples enrocamento. Além disso, esse tipo de barragem é menos exigente quanto à constituição do terreno do leito e das margens, pois o seu peso e forma garantem maior estabilidade de forças para suportar a pressão da água a montante. Para evitar o transbordamento do reservatório, toda barragem deve ter um sistema descarregador das vazões excedentes. Durante as épocas de cheia dos rios é comum um reservatório ter sua capacidade de armazenamento esgotada e as comportas dos descarregadores terem de ser abertas para liberar a água, sem a passagem pela turbina (Figura 21). Os sistemas descarregadores podem ser instalados na superfície da barragem ou próximas ao leito do rio. Esses sistemas de controle do nível do reservatório são essenciais para a segurança da barragem, pois transbordamentos em locais inadequados podem danificar a estrutura e comprometer a estabilidade da barragem.