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A (DES) CONSTRUÇÃO DA PRAÇA XV EM PRATA/MG



                                                     Ivanilda Aparecida Andrade Junqueira 1



       Analisar as influências externas e internas que levaram ao desenvolvimento do
projeto urbanístico da Praça Fernando Terra e que em breve teria sua denominação
modificada para Praça XV de Novembro nos proporcionou um vasto campo de
investigações e questionamentos. Inicialmente surgiu uma questão relacionada ao fato
do porquê construir alguma coisa totalmente nova em um espaço onde já existiam
elementos arquitetônicos amplamente utilizados pelos seus freqüentadores. Qual foi a
reação dessas pessoas perante a notícia de uma mudança tão radical? Que modelos
foram seguidos na elaboração do projeto? Os usos atribuídos ao local após a
remodelação foram semelhantes aos anteriores? Nesse sentido, o embasamento dos
depoimentos orais cruzados às outras fontes, propiciaram uma compreensão maior do
processo.

       O ideal de desenvolvimento e progresso citado no início desse capítulo volta a
animar os políticos locais no início da administração Mário Nery, quando a Câmara
Municipal decreta e sanciona a Lei de nº 532 2 que abre créditos suplementares. Essa lei
diz o seguinte:

                  Art. 1º Ficam abertos créditos suplementares a dotação de orçamento vigente
                  na importância dos sérvios especificados.
                  414095 – Para construção do jardim da Praça Fernando Terra – Zona Norte –
                  25.880,00
                  314003 – Para comemorações cívicas, festejos do 94º aniversário da cidade do
                  Prata- 5.000,00
                  321065 – Para a Banda Lyra de Prata – 3.000,00 fazendo-se estes créditos em
                  possível maior arrecadação.
                  Art 2º Revogam-se as disposições em contrário, entrando a presente lei em
                  vigor na data de sua publicação.
                  Prata, 01/09/1967
                  Prefeito: Mário Nery                 Séc. Agenor de Oliveira

1
   Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de
Uberlândia/UFU/MG
2
  Lei publicada no Livro de Leis 440 de 15/05/63 a 606 de 06/12/69, na página 87.
Fazendo uma conversão para salários mínimos, a verba despendida para a
remodelação da praça, a festa e a banda de música, atingiu a quantia de 33 salários
mínimos. É preciso considerar, no entanto, que o valor de compra de um salário mínimo
em 1967 era maior que o atual. Ao fazermos uma comparação entre o valor aprovado
para cada uma das despesas citadas, notaremos que o valor a ser gasto com a festa de
comemoração do 94º aniversário da cidade e com a Banda Lyra de Prata é bastante
expressivo em relação às despesas de construção do jardim. Isso nos leva a pensar na
grandiosidade com que a referida festa foi realizada.

           Essa lei tornou possível ao grupo de políticos, que se uniram em torno da idéia
de buscar o desenvolvimento integrado para que a região do Triângulo Mineiro,
alcançasse alguns objetivos. Eles buscavam um desenvolvimento voltado para o
planejamento para o futuro. Sonhavam com um triângulo Mineiro, desenvolvido
econômica e socialmente. Buscava-se o desenvolvimento de uma política regional que
unisse as cidades triangulinas dentro de um mesmo ideal3. Alguns estudantes da região
cursavam o ensino superior nos grandes centros como São Paulo e Rio de Janeiro. Um
deles, Fued Dib, o arquiteto que elaborou o projeto da nova praça do Prata, diz que o
Brasil saía da Segunda Guerra Mundial e começava uma fase completamente nova na
política nacional em todos os sentidos. O Brasil começou a marchar para a
industrialização que foi grandemente acelerada no governo Juscelino:

                   Havia então uma efervescência no Brasil, tanto no campo cultural como no
                   campo político. A juventude passou a participar ativamente do movimento
                   político. Nesse ambiente de tanta efervescência, de sonho com um Brasil
                   grande e desenvolvido, surge o governo de Juscelino Kubstchek, que foi
                   realmente um momento da história nacional de afirmação da personalidade
                   política do brasileiro. [...] Vem a construção de Brasília. Ela tinha um
                   simbolismo muito forte pra nós. Por quê? Primeiro, aquela idéia de
                   interiorização da capital, na verdade era a bandeira. O objetivo era a
                   ocupação do espaço físico do Brasil que não estava integrado com o
                   desenvolvimento. O Brasil é um país litorâneo. Esse mundo nosso aqui de Deus,
                   era um mundo abandonado. Nós não tínhamos estradas, não tínhamos energia
                   elétrica... nós não tínhamos perspectivas. Então, a construção de Brasília
                   simbolizou aquela grande marcha para o oeste, para a ocupação deste imenso
                   espaço vazio, que era o Brasil do interior4.

           Considerando esse ideal, Fued Dib diz que a elaboração do projeto da Praça XV:




3
    Fued José Dib. Depoimento citado.
4
    Idem. Em relação a esse assunto ver também: RODRIGUES, Georgete Medleg. op. cit. p. 02.
foi uma coisa muito pequena dentro daquele contexto político e dentro desse
                sonho todo que a gente sempre alimentou.Não era porque eu era amigo do
                prefeito, não! Amigo do Prata, amigo do Virgilio e de tantos outros pratenses.
                É porque nós tínhamos uma militância política e nós tínhamos uma visão
                desenvolvimentista. Quando eu fui ao Prata pra fazer aquele projeto para a
                administração Mario Nery, na verdade, o sonho da gente era fazer um projeto
                até maior, visando a reorganização da cidade, preparar a cidade fisicamente
                para uma vida social e produtiva no campo econômico, cultural... Nós fizemos
                isso na cidade de Campina Verde, em Tupaciguara e tentamos fazer também
                na cidade de Iturama.Mas, no Prata só foi possível fazer a obra da praça.5

        Percebe-se que o arquiteto, em momento algum de seu depoimento, refere-se aos
interesses que se encontravam por trás do discurso de JK. Segundo Lopes, para alguns
intelectuais brasileiros da época, o empreendimento da construção de Brasília
significava um passo em direção ao desenvolvimento nacional, contudo, para outros,
tratava-se de uma obra dispendiosa que encobria interesses políticos e clientelistas. 6

        O início da remodelação do espaço da praça ocorreu em setembro de 1967, logo
após a Lei 532 ter sido sancionada. É válido salientar que, apesar de ser o período de
consolidação do regime militar, a influência do governo JK ainda era muito forte. Para
atingir seus objetivos, a administração não mediu esforços na corrida contra o tempo,
pois a inauguração estava prevista para quinze de novembro do mesmo ano, data em
que se comemoraria o 94º aniversário da cidade e também da Proclamação da
República. As opiniões relacionadas ao desenvolvimento desse projeto apresentaram-se
de maneira diferenciada. “Juntamente com a Câmara e os assessores, nós ajudamos o
Mario a construir a Praça XV de Novembro, com a fonte luminosa, toda a vegetação,
porque até então, nós tínhamos uma praça sem estrutura, que não tinha calçamento,
era de chão... Então construímos essa praça maravilhosa que hoje é a praça XV de
Novembro.”7

        Para as crianças que lá brincavam, a novidade da construção as impelia para o
local em qualquer momento vago que tivessem:

                Durante a construção, eu não saía de lá. Inclusive, a minha mãe disse que ia
                arrumar lá, um emprego pra mim. Eu conhecia a maioria dos trabalhadores e
                técnicos que vieram de fora, pois eles se hospedavam lá em casa (Hotel Brasil),
                e me tornei amigo de todos eles.8


5
  Fued Dib. Depoimento citado.
6
  LOPES, Luiz Carlos. Op. Cit. p. 62.
7
  Virgilio Mamede Minucci. Depoimento citado.
8
  Cícero Alves Junqueira. Depoimento citado.
Em outro depoimento, Fábio Camargos Vilela diz ter uma lembrança remota da
construção da praça, mas não se esquece que:

                tinha o desenho do calçamento, em forma de onda... Os caras colocavam um
                molde de madeira e iam assentando as pedrinhas pretas e brancas. Eu imagino
                que essa idéia de onda veio do calçadão de Copacabana no Rio de Janeiro,
                porque o Mario Nery tinha... a administração dele foi muito legal pra época.
                Ele realmente conseguiu fazer uma administração boa pra caramba!9

        O fato comentado por Fábio pode ser constatado pelo depoimento de Fued Dib
quando fala das influências externas que nortearam seu projeto:

                A gente vê o traçado que nós fizemos da praça, por exemplo, tem influência da
                arquitetura modernista. Houve uma mistura de modelos. Nas calçadas
                reproduzimos os desenhos da praia de Copacabana no Rio de Janeiro... a fama
                de Copacabana, que não era só brasileira, era mundial... Um dia, alguém foi
                lá e fez aquele calçamento que nós chamamos português, e fez com aquele
                desenho imitando as ondas... aquilo se espalhou pelo Brasil inteiro.10

        O arquiteto fala que a influência externa era sentida de várias formas. Cita a
atuação de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer                no projeto de Brasília salientando sua
importância. Ele ressalta que essa influência não era recebida apenas por aquele que
projetava, mas também por quem construía. O próprio trabalhador também era
influenciado e, ao construir, mesmo que fosse um prédio simples, “em vez de fazer uma
coluna simples e reta no alpendre, a fazia imitando os arcos do Palácio da Alvorada. E
essa influência se espalhou pelo Brasil afora”.11

        Porém, analisando outros depoimentos encontramos opiniões contrárias à
remodelação da praça. E até hoje, algumas pessoas dizem não se conformar com a
demolição dos caramanchões, pois ali, as relações de amizade entre os freqüentadores,
se fortaleciam. Maria Augusta Camargos Vilela conta que se lembra bem dos
caramanchões. Para ela:

                era uma coisa que tinha que ser preservada. Eles tiraram a beleza da praça pra
                colocar aquela fonte e deixa-la descuidada como está. Os caramanchões eram
                lindos, todos feitos de pedra, muito bem feitos... era uma coisa linda que tinha
                ali. Era um cartão postal da praça... infelizmente acabou12.

        Suas palavras me levaram a refletir sobre a influência que o elemento
arquitetônico exerceu em suas vidas. Quando falam da saudade que sentem, se referem
9
  Fabio Camargos Vilela. Entrevistada em 18/01/2003.
10
   Fued José Dib. Depoimento citado.
11
   Idem.
12
   Maria Augusta Camargos Vilela. Depoimento citado.
a ele ou aos hábitos e práticas de socialização e convivência que ali aconteciam e não
acontecem atualmente?




Ilustração14: Sudária e colegas de escola aos pés do caramanchão. Fotógrafo desconhecido.
Acervo próprio.

       O caramanchão adquire um valor simbólico à medida que os hábitos e práticas
que se desenvolviam sob suas pérgulas, assumem um valor especial para as pessoas que
os freqüentavam. Perguntei-me então, se a nostalgia que se encontra presente em suas
narrativas se deve à sua demolição ou à extinção dos hábitos que ali eram praticados?
Não será a saudade das conversas amenas de final de tarde, o encontro com os amigos,
as brincadeiras de “cantinho” ou “O domingo raiou” que lhes trazem à memória
lembranças tão caras?
Na ilustração 14 vemos algumas características dos caramanchões. As laterais e
colunas foram construídas com pedras de basalto, as quais eram utilizadas nos
paralelepípedos do calçamento das ruas. Suas pérgulas sustentavam imensos pés de
buganvílias que floresciam sempre na primavera. À sua sombra, muitas histórias foram
contadas, e as tardes da criançada foram animadas por um grande número de
brincadeiras. A ilustração retrata um grupo de alunas da escola da Risoleta, ao pés dos
caramanchões, pois esse local era sempre escolhido como cenário para as poses
fotográficas.

        Naquela época, não havia essa preocupação com a preservação do meio
ambiente como vemos hoje. A ilustração 15 retrata o “arrasamento” da Praça Floriano
Peixoto. Da antiga praça nada sobrou. Em primeiro plano nota-se a rua com calçamento
em paralelepípedos e a presença de uma cerca de arame farpado, cujo objetivo era
impedir o acesso das pessoas ao local, até que a obra se concretizasse.




Ilustração 15: Construção da Praça XV de Novembro no ano 1967. Fotógrafo
desconhecido.Acervo próprio.

       Em segundo plano alguns trabalhadores executam o piso ladrilhado com
pedrinhas brancas e pretas formando o desenho ondulado. Como pano de fundo vê-se o
prédio da Prefeitura à esquerda da foto e, mais acima, o prédio do Banco do Estado de
Minas Gerais, na época, a única instituição financeira instalada na cidade. Tais prédios
não sofreram mudanças profundas, continuam com as linhas arquitetônicas que
mantinham na época, porém a derrubada dos caramanchões, justificada pelo discurso
desenvolvimentista, despertou a insatisfação de algumas pessoas, entre as quais
destacamos o depoimento de Ana Augusta:

                Eu me lembro de terem arrancado os flamboyants. Quando começou a
                desmanchar a praça, que derrubou tudo, que foram carregando aquelas
                árvores sadias, troncudas... e jogando tudo pra cima de um caminhão pra jogar
                fora, eu fiquei muito triste com aquilo. Eu não gostei porque acabou com a
                praça. Deveriam ter feito outra praça e não desmanchar aquela. Do outro lado
                tinha o espaço em frente ao grupo... e tiraram também os flamboyants, os
                caramanchões... foram desmanchando tudo.Foram derrubando tudo. E revirou
                o chão todinho... dentro de dois meses fizeram um outro cenário.13

         Esse cenário foi construído em uma primeira etapa do projeto a qual se
constituía na remodelação da quadra norte da praça. Essa quadra passou a contar com
um jardim, cujo traçado era bem planejado. No centro, o espaço foi reservado para uma
imensa     fonte   luminosa      a   qual    pode     ser   observada      na   ilustração    16.




Ilustração 16: Fonte Luminosa da Praça XV de Novembro na década de 1990. Fotógrafo
desconhecido. Acervo: DEC.

         A imagem é uma fotografia que compõe o jornal comemorativo “Prata 126
Anos” publicado em 1998 cuja função era apresentar aos pratenses, as obras
desenvolvidas pela administração municipal da época. Ao fotógrafo caberia captar a
monumentalidade do elemento arquitetônico que, por vários anos, foi o orgulho dos


13
  Ana Augusta Novais Miguel., 69. Natural de Prata/MG. É empresária. Depoimento prestado em
20/07/2004.
políticos locais. O discurso contido no texto que acompanha a imagem denota a
intenção eleitoreira do prefeito vigente:

                   A Fonte Luminosa, um dos marcos de nossa cidade, construída em 1968, não
                   funcionou durante vários anos, o que deixava um grande vazio no coração de
                   todos os moradores do Prata. Até que em 1997, o Dr. Marco Túlio e Dr. Danilo
                   Mendonça decidiram reforma-la completamente, instalando novos
                   equipamentos e trocando inclusive o sistema de som. Contrataram técnicos e
                   especialistas e fizeram uma limpeza profunda, tirando a sujeira acumulada por
                   anos. Um funcionário foi colocado para cuidar deste grande patrimônio de
                   nossa cidade. Como resultado, a Fonte voltou a ter o esplendor dos anos
                   dourados e da época de sua inauguração, 30 anos atrás. Com seus jatos
                   magníficos e multicoloridos, ela é considerada uma das mais belas de toda a
                   região e voltou a fazer da visita à Praça XV de Novembro um momento
                   inesquecível de lazer.14 (sic.)

           Analisando outros documentos, pudemos constatar que este não era um discurso
isolado já que outros prefeitos também se utilizaram dele. O funcionamento da Fonte
Luminosa era considerado prioridade nas propostas feitas em campanha o que se
comprova pela matéria que compõe uma das páginas da revista Esquema publicada em
novembro de 1991. “No mês de junho deste ano, a administração Márcio Teodoro
reativou a fonte luminosa da Praça XV de Novembro. [...] A fonte oferece outro cenário
para as manifestações que ocorrem na Praça.”15 Esses dois exemplos chamam a
atenção para os discursos dos políticos brasileiros durante as campanhas eleitorais, nas
quais valorizam-se os grandes feitos, privilegiando obras de fachada com o intuito de
cooptar o voto do eleitor por meio do embelezamento das cidades. Essa tem sido uma
característica adotada pela maioria dos políticos brasileiros.

           Quanto à construção da fonte luminosa, respondendo a um questionamento Fued
Dib afirmou que nem sempre é possível ao arquiteto imprimir sua marca pessoal numa
porcentagem de 100%. Segundo ele, é preciso levar em conta uma série de fatores,
ceder um pouco diante das circunstâncias e, até mesmo para o gosto e aspiração do
cliente. Além disso, naquela época surgiram no país, vários fabricantes do maquinário
responsável por fazer a fonte jorrar, pois elas haviam se tornado um modismo muito
utilizado nas obras de “fachada” realizadas pelos prefeitos em suas cidades. Em várias
outras localidades, a presença desse monumento arquitetônico ornamentando as praças
passa a ser comum. Fued Dib salienta que havia um acordo entre os arquitetos e os
fabricantes, o qual consistia no seguinte: sempre que o arquiteto vendesse um projeto,

14
     Informação compilada do jornal Prata 126 Anos editado em 1998.
15
     Informação compilada da revista Esquema editada em novembro de 1991, p. 41.
nele estaria incluída a fonte luminosa. “aí, houve um período relativamente grande, em
que as obras municipais foram marcadas pela construção de praças com fontes
luminosas, porque era uma novidade. As pessoas achavam bonito a máquina jorrando
água pra cima com várias tonalidades.”16

           O término da construção da nova praça aconteceu como o planejado: a tempo de
inaugurá-la nas comemorações do 94º aniversário da cidade. Segundo Ana Augusta a
festa de inauguração da fonte foi muito bonita e contou com a presença de várias
autoridades das cidades vizinhas. Os festejos iniciaram-se pela manhã e culminaram
com um baile no Prata Club.

           O objetivo almejado pelo grupo que idealizou o projeto foi alcançado. Os
discursos proclamados continuavam exaltando o desenvolvimentismo. Para a ocasião
foi editada uma revista denominada “Prata Ilustrada” cujas páginas são permeadas por
congratulações ao povo pratense pelo aniversário da cidade e ao prefeito Mário Nery
pelo seu “espírito empreendedor”. O artigo intitulado “Prata na Administração Mário
Nery Progride em Ritmo de Brasília” compara, literalmente, os primeiros duzentos e
oitenta e oito dias de governo do prefeito ao dinamismo com que JK conduzira o país ao
ser eleito Presidente da República:

                    ...Ele está revolucionando o Prata com u‟ma administração estupenda. É tão
                   estupenda que ele está fazendo tudo em ritmo de “Brasília”. Haja vista a
                   belíssima Praça Fernando Terra, que foi construída em menos de sessenta dias.
                   Tudo isso diz bem alto sobre o dinamismo desse rapaz que, pela grandeza de
                   sua terra, não tem medido sacrifícios.
                   O seu lema é trabalhar, trabalhar sempre, pelo desenvolvimento crescente de
                   nossa querida terra.17

           O estilo do artigo possui as mesmas características implícitas nos discursos
proferidos por JK, os quais eram carregados de um nacionalismo exacerbado. Em Prata,
a classe dominante procurava convencer a população do seu desejo de se destacar
perante as outras cidades no contexto regional, como nos mostra o discurso da
mensagem publicada pela direção do Prata Club:

                   ...Vale ressaltar que, neste nonagésimo quarto aniversário, sentimos a mesma
                   vibração intensa de todos os pratenses, que almejam um Prata grande,
                   pacificado e unido, dentro de uma atmosfera sadia de lares felizes. Unamo-nos:

16
     Fued José Dib. Depoimento citado.
17
     Revista Prata Ilustrada. Artigo publicado em novembro de 1967, p. 67
prefeito e munícipes, integrados num pensamento único, a fim de que possamos
               fazer de nosso Prata comum, uma das mais altas expressões culturais e
               econômicas deste Triângulo, que quer emancipar-se, para o bem de seu
               progresso, visando a grandeza nacional....18

       Foi possível perceber nas entrelinhas a preocupação da elite pratense com as
discussões desenvolvidas em relação à emancipação do Triângulo Mineiro, sendo que o
desejo da maioria das cidades da região naquela época era que essa região se tornasse
um estado independente de Minas Gerais. Havia, então, uma disputa na questão da
escolha da capital e os políticos pratenses desejavam encabeçar a lista das concorrentes.
Pretendia-se mostrar que a cidade do Prata, por se encontrar no centro da área
geográfica regional do Triângulo, assemelhava-se à Capital Federal, por se localizar no
centro do território brasileiro.

       Várias outras homenagens enfocam o tema do progresso. Algumas delas foram
selecionadas e são citadas abaixo. Nota-se, porém, que elas apresentam uma certa
semelhança, sugerindo que podem ter sido elaboradas por alguém encarregado pela
redação da revista, cujo objetivo era enaltecer o mito do político local. Mais uma vez se
confirma que o “discurso do desenvolvimento” tão proclamado pela elite administrativa,
só dizia respeito a uma pequena parcela da população:

               Ontem, Prata progresso...
               Hoje, Prata progresso...
               Amanhã, Prata progresso...
               PRATA – nome pequeno para uma cidade que caminha aceleradamente na
               estrada do desenvolvimento, rumo ao seu grande futuro... E nós já
               compreendemos. E nós já sabemos da nossa grandiosidade. Somos pratenses!19

       A palavra progresso é constantemente referendada nas homenagens, mas, em
nenhum momento se falou em qualidade de vida e bem estar social. A elite por trás
desse discurso afirmava-se como fundadora de uma nova era na história da cidade, mas,
ocorreu que o desenvolvimento sugerido por ela com a remodelação da praça ficou
restrito ao centro da cidade, pois os bairros onde residia a parcela da população de baixa
renda, foram excluídos desse projeto desenvolvimentista:

               Ontem, era PRATA a menina simples, bonita, natural que desfilava sua beleza
               ante os olhos de todo o Brasil Central, olhos sedentos de mensagem

18
  Idem, p. 02.
19
   Revista Prata Ilustrada, op. Cit. p.44. Homenagem prestada pela Panificadora “A Bem Boa” de
Camargos, Nery & Cia. Ltda.
progressista. Num mundo tão duro, implacável, inumano, PRATA ERA A
                PRESENÇA DA BELEZA E TRADIÇÃO DE QUE SEMPRE ESTAMOS
                PRECISADOS. Mas, veiu o tempo, criou anos, fez crescer a menina PRATA,
                que, agora, já não é mais menina – é mulher – Mãe que completa hoje 94 anos,
                na mais bela festa que presenciamos. E PRATA merece tudo isso e muito mais:
                porque PRATA é mensagem de beleza, de tradição, de cultura. É um belo, um
                belo poema de progresso!20(sic)

        Anteriormente foi dito que a administração Mário Nery pretendia marcar época.
A homenagem prestada pela firma Schiavinato & Cia. Ltda – Materiais para Construção
sitiada em Uberlândia/MG, vem ao encontro desse propósito:

                PRATENSES!
                Que a alvorada de uma nova fase de progresso possa iluminar a nova cidade
                que nasce para que seus filhos possam construir na paz de seu silêncio ou no
                barulho de seu desenvolvimento a harmonia e a felicidade que sempre reinaram
                durante estes 94 anos.21(sic)

        A próxima homenagem nos dá uma idéia do desejo de se destacar a cidade do
Prata como pólo de irradiação regional. Não interessava apenas as influências externas
que eram seguidas como modelos, mas também era importante que Prata servisse de
exemplo à outras cidades da região:

                “PRATA, você se apresenta com uma roupagem nova, engalanada, na festa de
                seu 94º aniversário...
                PRATA, sua tradição tem sido invejada em todo o território mineiro...
                PRATA das tradições... PRATA dos 94 anos...
                PRATA hospitaleiro, cidade bonita!”22

        Voltando aos depoimentos orais constatei que as propostas de progresso e
desenvolvimento proclamadas nos discursos das várias homenagens, surtiram efeito. A
beleza da nova praça chamava a atenção daqueles que por ali passavam. Segundo os
depoentes, pessoas que transitavam nos ônibus rodoviários que paravam no Hotel Brasil
desciam apenas para fotografar aquela “imagem de cartão postal”, expressão utilizada
por boa parte dos depoentes.

        Na ilustração 17, duas crianças fazem pose para a foto tendo em primeiro plano,
um canteiro florido de cravíneas. A aparência da praça denota o cuidado proporcionado
pelo trabalho de jardineiros, prática que hoje não é mais percebida naquele local.

20
   Idem, p. 52. Homenagem prestada pelo fazendeiro e vereador João de Almeida Macedo- o Zotinho da
Ema.
21
   Idem, p. 72.
22
   Revista Prata Ilustrada. Op. Cit. p. 116. Homenagem prestada pela Serraria Pratense Ltda.
Segundo Wagner Donizeth, esse cuidado não existe mais e, conseqüentemente, a beleza
do jardim também já não é mais a mesma devido a um fato:

                   Eles não conseguiram substituir nem o Joãozinho Mexeriquinha Podre.
                   Enquanto ele era vivo e cuidava da praça, ela era muito bonita, muito bem
                   cuidada. Agora... ultimamente eu tenho ido lá e não é isso que eu vejo não!
                   Pode até ser um pouco de saudosismo da minha parte, mas enquanto ele viveu,
                   a praça era linda, né? E ele cuidava dela praticamente sozinho!23




Ilustração17: Crianças posando para foto na Praça XV. Fotografia produzida pela autora no
ano 1990. Acervo próprio.

            Esse abandono da Praça XV de Novembro é cantado pelo poeta Francisco de
Assis24 em uma poesia que recitou enquanto prestava seu depoimento. Na primeira
estrofe, o autor relembra os tempos em que a praça era bem cuidada. Contudo, na
segunda estrofe citada, ele refere-se ao abandono em que ela se encontra atualmente:

                   ...A Praça XV de Novembro do Prata
                   Era um cartão de visitas do Prata.
                   Flores por todo lado e das mais variadas cores.
                   Os casais de enamorados sentiam-se felizes no
                   Seu vai e vem


23
     Wagner Donizeth Vilela. Depoimento citado.
24
     Francisco de Assis Menezes, 65. Poeta entrevistado em 21/01/2003.
Percorrendo os passeios[...]


              [...]Hoje, é outra a Praça XV de Novembro
              Por todo lado... grama e mais grama,
              Nenhuma flor... nem mesmo viúva regateira.
              A Concha Acústica tornou-se ruína.
              Bancos já não existem mais.
              Daquele belo caramanchão... nem notícia.
              Não se vê pelos passeios um só casal de enamorados,
              E não se houve nenhum grito de criança.
              Canto de pássaros... de jeito nenhum!
              As árvores tomam conta da praça,
              Gigantescas... enormes...
              E a Praça XV de Novembro que antes era visitada
              Por tanta gente
              Que a contemplavam deslumbrados e felizes,
              Aquela praça cujo jardim era viçoso, florido, belo e exuberante,
              Tornou-se hoje, apenas um bosque.
              Sem flores... sem crianças...
              E sem pássaros...

       As várias reformas que foram realizadas na Praça XV resumiram-se à
manutenção da fonte luminosa, mas não chegaram a ser duradouras. Em pouco tempo
não se via mais o jorro de água disputando em altura com a copa das árvores e nem
mesmo se ouvia as músicas que embalavam as noites de quem passeava por ali. O vai e
vem de pessoas nas calçadas laterais da fonte, aos poucos deixou de acontecer.

       A pesquisa nos possibilitou entrever o modo como os pratenses viam a Praça
XV, mas, surgiu uma outra questão: como é que as pessoas que vinham de outras
cidades enxergavam-na? O que significava para elas, as práticas de sociabilidade que ali
se desenvolviam? Pensando nisso, procurei conhecer a opinião de depoentes que se
enquadrassem nesse perfil.

       O Banco do Brasil tinha como regra fazer a rotatividade de seus gerentes e
sendo assim, quem ocupasse esse cargo mudava-se sempre de cidade. O depoimento de
Vânia Beatriz Armada Vilela nos permite fazer uma idéia de como a praça era vista, na
década de 1970, pelas pessoas não nascidas na cidade do Prata:
Nós morávamos no estado do Rio. Meu pai, que era gerente do Banco do Brasil
                   na época, foi transferido para o Prata. Então, só de estar voltando pra Minas,
                   nos deixou muito felizes. Nós não queríamos nem saber para onde estávamos
                   indo. Só queríamos voltar. Aí, meu pai mandava o caminhão de mudança na
                   frente e a gente ia atrás. Nós não conhecíamos a cidade, não. Ele falava pro
                   motorista do caminhão de mudança: „Chegando lá, você estaciona na frente do
                   Banco do Brasil‟. Só se sabia que tinha Banco do Brasil.
                   Viajamos, então, a noite inteira, pra chegar cedinho no Prata. Todos loucos pra
                   voltar pra Minas. Aí, chegamos no Prata ali pela entrada de Uberaba e fomos
                   entrando pela Rua Presidente Antônio Carlos. A cidade que encontramos era
                   muito velha, muito triste... Era madrugada de junho. Frio... aquelas casas
                   velhas... aquelas ruas estreitinhas... curva pra lá, curva pra cá... vai subindo,
                   subindo... passamos até sem querer na porta da casa do Zeth... ( risos) aí, a
                   hora que subi..., assim que vimos a praça... estava todo mundo no carro, todo
                   mundo morrendo de medo... Mas na hora que nós vimos a Praça XV de
                   Novembro, que meu pai deu a volta e estacionou, todo mundo olhou um pro
                   outro e disse: „Graças a Deus a cidade é bonita!‟ Aí, foi que vimos a praça e
                   era uma praça muito bonita! Diferente de toda cidade, pois as outras cidades
                   não cuidavam das praças... Mas, no Prata a praça era linda! Muito melhor do
                   que a própria cidade! Nós já havíamos morado em muitas cidades boas, mas
                   com praças desleixadas. Aquela praça do Prata era um espetáculo! Chamava a
                   atenção de todo mundo. Isso foi no ano de 1974.25

          O seu depoimento nos levou a perceber que havia descaso por parte da
administração municipal em relação aos bairros periféricos. Quando descreve a via de
acesso para o centro, a qual foi tomada por seu pai, a depoente se diz apreensiva em
relação à cidade com que iria se defrontar. Tal apreensão surgiu devido à aparência das
ruas pelas quais passou e do mal estado de conservação das casas que compunham a
paisagem urbana. Porém ao ver a grandiosidade e beleza da Praça XV de Novembro,
essa apreensão se esvaiu totalmente cedendo lugar a uma sensação de alívio. Isso nos
mostra que a intenção dos administradores em criar uma imagem positiva da cidade por
meio da praça se concretizou.

          Contudo, se a “fachada da casa” recebeu uma “demão de tinta”, o mesmo não
aconteceu com o seu interior, o qual permaneceu praticamente intocado até o mandato
de 1977/1983 cujo prefeito foi Manoel Vilela Júnior, o “Manezão”. Nesse período,
várias obras de infra-estrutura foram realizadas no município. Vale salientar que, a
eleição de Manoel Vilela Júnior representa a volta da elite política rural ao poder
administrativo de Prata. A partir daí ocorre o revezamento das duas forças que dominam
a conjuntura política da cidade.




25
     Vânia Beatriz Armada Vilela, 45. Depoimento prestado em 24/07/2004.

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  • 1. A (DES) CONSTRUÇÃO DA PRAÇA XV EM PRATA/MG Ivanilda Aparecida Andrade Junqueira 1 Analisar as influências externas e internas que levaram ao desenvolvimento do projeto urbanístico da Praça Fernando Terra e que em breve teria sua denominação modificada para Praça XV de Novembro nos proporcionou um vasto campo de investigações e questionamentos. Inicialmente surgiu uma questão relacionada ao fato do porquê construir alguma coisa totalmente nova em um espaço onde já existiam elementos arquitetônicos amplamente utilizados pelos seus freqüentadores. Qual foi a reação dessas pessoas perante a notícia de uma mudança tão radical? Que modelos foram seguidos na elaboração do projeto? Os usos atribuídos ao local após a remodelação foram semelhantes aos anteriores? Nesse sentido, o embasamento dos depoimentos orais cruzados às outras fontes, propiciaram uma compreensão maior do processo. O ideal de desenvolvimento e progresso citado no início desse capítulo volta a animar os políticos locais no início da administração Mário Nery, quando a Câmara Municipal decreta e sanciona a Lei de nº 532 2 que abre créditos suplementares. Essa lei diz o seguinte: Art. 1º Ficam abertos créditos suplementares a dotação de orçamento vigente na importância dos sérvios especificados. 414095 – Para construção do jardim da Praça Fernando Terra – Zona Norte – 25.880,00 314003 – Para comemorações cívicas, festejos do 94º aniversário da cidade do Prata- 5.000,00 321065 – Para a Banda Lyra de Prata – 3.000,00 fazendo-se estes créditos em possível maior arrecadação. Art 2º Revogam-se as disposições em contrário, entrando a presente lei em vigor na data de sua publicação. Prata, 01/09/1967 Prefeito: Mário Nery Séc. Agenor de Oliveira 1 Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Uberlândia/UFU/MG 2 Lei publicada no Livro de Leis 440 de 15/05/63 a 606 de 06/12/69, na página 87.
  • 2. Fazendo uma conversão para salários mínimos, a verba despendida para a remodelação da praça, a festa e a banda de música, atingiu a quantia de 33 salários mínimos. É preciso considerar, no entanto, que o valor de compra de um salário mínimo em 1967 era maior que o atual. Ao fazermos uma comparação entre o valor aprovado para cada uma das despesas citadas, notaremos que o valor a ser gasto com a festa de comemoração do 94º aniversário da cidade e com a Banda Lyra de Prata é bastante expressivo em relação às despesas de construção do jardim. Isso nos leva a pensar na grandiosidade com que a referida festa foi realizada. Essa lei tornou possível ao grupo de políticos, que se uniram em torno da idéia de buscar o desenvolvimento integrado para que a região do Triângulo Mineiro, alcançasse alguns objetivos. Eles buscavam um desenvolvimento voltado para o planejamento para o futuro. Sonhavam com um triângulo Mineiro, desenvolvido econômica e socialmente. Buscava-se o desenvolvimento de uma política regional que unisse as cidades triangulinas dentro de um mesmo ideal3. Alguns estudantes da região cursavam o ensino superior nos grandes centros como São Paulo e Rio de Janeiro. Um deles, Fued Dib, o arquiteto que elaborou o projeto da nova praça do Prata, diz que o Brasil saía da Segunda Guerra Mundial e começava uma fase completamente nova na política nacional em todos os sentidos. O Brasil começou a marchar para a industrialização que foi grandemente acelerada no governo Juscelino: Havia então uma efervescência no Brasil, tanto no campo cultural como no campo político. A juventude passou a participar ativamente do movimento político. Nesse ambiente de tanta efervescência, de sonho com um Brasil grande e desenvolvido, surge o governo de Juscelino Kubstchek, que foi realmente um momento da história nacional de afirmação da personalidade política do brasileiro. [...] Vem a construção de Brasília. Ela tinha um simbolismo muito forte pra nós. Por quê? Primeiro, aquela idéia de interiorização da capital, na verdade era a bandeira. O objetivo era a ocupação do espaço físico do Brasil que não estava integrado com o desenvolvimento. O Brasil é um país litorâneo. Esse mundo nosso aqui de Deus, era um mundo abandonado. Nós não tínhamos estradas, não tínhamos energia elétrica... nós não tínhamos perspectivas. Então, a construção de Brasília simbolizou aquela grande marcha para o oeste, para a ocupação deste imenso espaço vazio, que era o Brasil do interior4. Considerando esse ideal, Fued Dib diz que a elaboração do projeto da Praça XV: 3 Fued José Dib. Depoimento citado. 4 Idem. Em relação a esse assunto ver também: RODRIGUES, Georgete Medleg. op. cit. p. 02.
  • 3. foi uma coisa muito pequena dentro daquele contexto político e dentro desse sonho todo que a gente sempre alimentou.Não era porque eu era amigo do prefeito, não! Amigo do Prata, amigo do Virgilio e de tantos outros pratenses. É porque nós tínhamos uma militância política e nós tínhamos uma visão desenvolvimentista. Quando eu fui ao Prata pra fazer aquele projeto para a administração Mario Nery, na verdade, o sonho da gente era fazer um projeto até maior, visando a reorganização da cidade, preparar a cidade fisicamente para uma vida social e produtiva no campo econômico, cultural... Nós fizemos isso na cidade de Campina Verde, em Tupaciguara e tentamos fazer também na cidade de Iturama.Mas, no Prata só foi possível fazer a obra da praça.5 Percebe-se que o arquiteto, em momento algum de seu depoimento, refere-se aos interesses que se encontravam por trás do discurso de JK. Segundo Lopes, para alguns intelectuais brasileiros da época, o empreendimento da construção de Brasília significava um passo em direção ao desenvolvimento nacional, contudo, para outros, tratava-se de uma obra dispendiosa que encobria interesses políticos e clientelistas. 6 O início da remodelação do espaço da praça ocorreu em setembro de 1967, logo após a Lei 532 ter sido sancionada. É válido salientar que, apesar de ser o período de consolidação do regime militar, a influência do governo JK ainda era muito forte. Para atingir seus objetivos, a administração não mediu esforços na corrida contra o tempo, pois a inauguração estava prevista para quinze de novembro do mesmo ano, data em que se comemoraria o 94º aniversário da cidade e também da Proclamação da República. As opiniões relacionadas ao desenvolvimento desse projeto apresentaram-se de maneira diferenciada. “Juntamente com a Câmara e os assessores, nós ajudamos o Mario a construir a Praça XV de Novembro, com a fonte luminosa, toda a vegetação, porque até então, nós tínhamos uma praça sem estrutura, que não tinha calçamento, era de chão... Então construímos essa praça maravilhosa que hoje é a praça XV de Novembro.”7 Para as crianças que lá brincavam, a novidade da construção as impelia para o local em qualquer momento vago que tivessem: Durante a construção, eu não saía de lá. Inclusive, a minha mãe disse que ia arrumar lá, um emprego pra mim. Eu conhecia a maioria dos trabalhadores e técnicos que vieram de fora, pois eles se hospedavam lá em casa (Hotel Brasil), e me tornei amigo de todos eles.8 5 Fued Dib. Depoimento citado. 6 LOPES, Luiz Carlos. Op. Cit. p. 62. 7 Virgilio Mamede Minucci. Depoimento citado. 8 Cícero Alves Junqueira. Depoimento citado.
  • 4. Em outro depoimento, Fábio Camargos Vilela diz ter uma lembrança remota da construção da praça, mas não se esquece que: tinha o desenho do calçamento, em forma de onda... Os caras colocavam um molde de madeira e iam assentando as pedrinhas pretas e brancas. Eu imagino que essa idéia de onda veio do calçadão de Copacabana no Rio de Janeiro, porque o Mario Nery tinha... a administração dele foi muito legal pra época. Ele realmente conseguiu fazer uma administração boa pra caramba!9 O fato comentado por Fábio pode ser constatado pelo depoimento de Fued Dib quando fala das influências externas que nortearam seu projeto: A gente vê o traçado que nós fizemos da praça, por exemplo, tem influência da arquitetura modernista. Houve uma mistura de modelos. Nas calçadas reproduzimos os desenhos da praia de Copacabana no Rio de Janeiro... a fama de Copacabana, que não era só brasileira, era mundial... Um dia, alguém foi lá e fez aquele calçamento que nós chamamos português, e fez com aquele desenho imitando as ondas... aquilo se espalhou pelo Brasil inteiro.10 O arquiteto fala que a influência externa era sentida de várias formas. Cita a atuação de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer no projeto de Brasília salientando sua importância. Ele ressalta que essa influência não era recebida apenas por aquele que projetava, mas também por quem construía. O próprio trabalhador também era influenciado e, ao construir, mesmo que fosse um prédio simples, “em vez de fazer uma coluna simples e reta no alpendre, a fazia imitando os arcos do Palácio da Alvorada. E essa influência se espalhou pelo Brasil afora”.11 Porém, analisando outros depoimentos encontramos opiniões contrárias à remodelação da praça. E até hoje, algumas pessoas dizem não se conformar com a demolição dos caramanchões, pois ali, as relações de amizade entre os freqüentadores, se fortaleciam. Maria Augusta Camargos Vilela conta que se lembra bem dos caramanchões. Para ela: era uma coisa que tinha que ser preservada. Eles tiraram a beleza da praça pra colocar aquela fonte e deixa-la descuidada como está. Os caramanchões eram lindos, todos feitos de pedra, muito bem feitos... era uma coisa linda que tinha ali. Era um cartão postal da praça... infelizmente acabou12. Suas palavras me levaram a refletir sobre a influência que o elemento arquitetônico exerceu em suas vidas. Quando falam da saudade que sentem, se referem 9 Fabio Camargos Vilela. Entrevistada em 18/01/2003. 10 Fued José Dib. Depoimento citado. 11 Idem. 12 Maria Augusta Camargos Vilela. Depoimento citado.
  • 5. a ele ou aos hábitos e práticas de socialização e convivência que ali aconteciam e não acontecem atualmente? Ilustração14: Sudária e colegas de escola aos pés do caramanchão. Fotógrafo desconhecido. Acervo próprio. O caramanchão adquire um valor simbólico à medida que os hábitos e práticas que se desenvolviam sob suas pérgulas, assumem um valor especial para as pessoas que os freqüentavam. Perguntei-me então, se a nostalgia que se encontra presente em suas narrativas se deve à sua demolição ou à extinção dos hábitos que ali eram praticados? Não será a saudade das conversas amenas de final de tarde, o encontro com os amigos, as brincadeiras de “cantinho” ou “O domingo raiou” que lhes trazem à memória lembranças tão caras?
  • 6. Na ilustração 14 vemos algumas características dos caramanchões. As laterais e colunas foram construídas com pedras de basalto, as quais eram utilizadas nos paralelepípedos do calçamento das ruas. Suas pérgulas sustentavam imensos pés de buganvílias que floresciam sempre na primavera. À sua sombra, muitas histórias foram contadas, e as tardes da criançada foram animadas por um grande número de brincadeiras. A ilustração retrata um grupo de alunas da escola da Risoleta, ao pés dos caramanchões, pois esse local era sempre escolhido como cenário para as poses fotográficas. Naquela época, não havia essa preocupação com a preservação do meio ambiente como vemos hoje. A ilustração 15 retrata o “arrasamento” da Praça Floriano Peixoto. Da antiga praça nada sobrou. Em primeiro plano nota-se a rua com calçamento em paralelepípedos e a presença de uma cerca de arame farpado, cujo objetivo era impedir o acesso das pessoas ao local, até que a obra se concretizasse. Ilustração 15: Construção da Praça XV de Novembro no ano 1967. Fotógrafo desconhecido.Acervo próprio. Em segundo plano alguns trabalhadores executam o piso ladrilhado com pedrinhas brancas e pretas formando o desenho ondulado. Como pano de fundo vê-se o prédio da Prefeitura à esquerda da foto e, mais acima, o prédio do Banco do Estado de Minas Gerais, na época, a única instituição financeira instalada na cidade. Tais prédios
  • 7. não sofreram mudanças profundas, continuam com as linhas arquitetônicas que mantinham na época, porém a derrubada dos caramanchões, justificada pelo discurso desenvolvimentista, despertou a insatisfação de algumas pessoas, entre as quais destacamos o depoimento de Ana Augusta: Eu me lembro de terem arrancado os flamboyants. Quando começou a desmanchar a praça, que derrubou tudo, que foram carregando aquelas árvores sadias, troncudas... e jogando tudo pra cima de um caminhão pra jogar fora, eu fiquei muito triste com aquilo. Eu não gostei porque acabou com a praça. Deveriam ter feito outra praça e não desmanchar aquela. Do outro lado tinha o espaço em frente ao grupo... e tiraram também os flamboyants, os caramanchões... foram desmanchando tudo.Foram derrubando tudo. E revirou o chão todinho... dentro de dois meses fizeram um outro cenário.13 Esse cenário foi construído em uma primeira etapa do projeto a qual se constituía na remodelação da quadra norte da praça. Essa quadra passou a contar com um jardim, cujo traçado era bem planejado. No centro, o espaço foi reservado para uma imensa fonte luminosa a qual pode ser observada na ilustração 16. Ilustração 16: Fonte Luminosa da Praça XV de Novembro na década de 1990. Fotógrafo desconhecido. Acervo: DEC. A imagem é uma fotografia que compõe o jornal comemorativo “Prata 126 Anos” publicado em 1998 cuja função era apresentar aos pratenses, as obras desenvolvidas pela administração municipal da época. Ao fotógrafo caberia captar a monumentalidade do elemento arquitetônico que, por vários anos, foi o orgulho dos 13 Ana Augusta Novais Miguel., 69. Natural de Prata/MG. É empresária. Depoimento prestado em 20/07/2004.
  • 8. políticos locais. O discurso contido no texto que acompanha a imagem denota a intenção eleitoreira do prefeito vigente: A Fonte Luminosa, um dos marcos de nossa cidade, construída em 1968, não funcionou durante vários anos, o que deixava um grande vazio no coração de todos os moradores do Prata. Até que em 1997, o Dr. Marco Túlio e Dr. Danilo Mendonça decidiram reforma-la completamente, instalando novos equipamentos e trocando inclusive o sistema de som. Contrataram técnicos e especialistas e fizeram uma limpeza profunda, tirando a sujeira acumulada por anos. Um funcionário foi colocado para cuidar deste grande patrimônio de nossa cidade. Como resultado, a Fonte voltou a ter o esplendor dos anos dourados e da época de sua inauguração, 30 anos atrás. Com seus jatos magníficos e multicoloridos, ela é considerada uma das mais belas de toda a região e voltou a fazer da visita à Praça XV de Novembro um momento inesquecível de lazer.14 (sic.) Analisando outros documentos, pudemos constatar que este não era um discurso isolado já que outros prefeitos também se utilizaram dele. O funcionamento da Fonte Luminosa era considerado prioridade nas propostas feitas em campanha o que se comprova pela matéria que compõe uma das páginas da revista Esquema publicada em novembro de 1991. “No mês de junho deste ano, a administração Márcio Teodoro reativou a fonte luminosa da Praça XV de Novembro. [...] A fonte oferece outro cenário para as manifestações que ocorrem na Praça.”15 Esses dois exemplos chamam a atenção para os discursos dos políticos brasileiros durante as campanhas eleitorais, nas quais valorizam-se os grandes feitos, privilegiando obras de fachada com o intuito de cooptar o voto do eleitor por meio do embelezamento das cidades. Essa tem sido uma característica adotada pela maioria dos políticos brasileiros. Quanto à construção da fonte luminosa, respondendo a um questionamento Fued Dib afirmou que nem sempre é possível ao arquiteto imprimir sua marca pessoal numa porcentagem de 100%. Segundo ele, é preciso levar em conta uma série de fatores, ceder um pouco diante das circunstâncias e, até mesmo para o gosto e aspiração do cliente. Além disso, naquela época surgiram no país, vários fabricantes do maquinário responsável por fazer a fonte jorrar, pois elas haviam se tornado um modismo muito utilizado nas obras de “fachada” realizadas pelos prefeitos em suas cidades. Em várias outras localidades, a presença desse monumento arquitetônico ornamentando as praças passa a ser comum. Fued Dib salienta que havia um acordo entre os arquitetos e os fabricantes, o qual consistia no seguinte: sempre que o arquiteto vendesse um projeto, 14 Informação compilada do jornal Prata 126 Anos editado em 1998. 15 Informação compilada da revista Esquema editada em novembro de 1991, p. 41.
  • 9. nele estaria incluída a fonte luminosa. “aí, houve um período relativamente grande, em que as obras municipais foram marcadas pela construção de praças com fontes luminosas, porque era uma novidade. As pessoas achavam bonito a máquina jorrando água pra cima com várias tonalidades.”16 O término da construção da nova praça aconteceu como o planejado: a tempo de inaugurá-la nas comemorações do 94º aniversário da cidade. Segundo Ana Augusta a festa de inauguração da fonte foi muito bonita e contou com a presença de várias autoridades das cidades vizinhas. Os festejos iniciaram-se pela manhã e culminaram com um baile no Prata Club. O objetivo almejado pelo grupo que idealizou o projeto foi alcançado. Os discursos proclamados continuavam exaltando o desenvolvimentismo. Para a ocasião foi editada uma revista denominada “Prata Ilustrada” cujas páginas são permeadas por congratulações ao povo pratense pelo aniversário da cidade e ao prefeito Mário Nery pelo seu “espírito empreendedor”. O artigo intitulado “Prata na Administração Mário Nery Progride em Ritmo de Brasília” compara, literalmente, os primeiros duzentos e oitenta e oito dias de governo do prefeito ao dinamismo com que JK conduzira o país ao ser eleito Presidente da República: ...Ele está revolucionando o Prata com u‟ma administração estupenda. É tão estupenda que ele está fazendo tudo em ritmo de “Brasília”. Haja vista a belíssima Praça Fernando Terra, que foi construída em menos de sessenta dias. Tudo isso diz bem alto sobre o dinamismo desse rapaz que, pela grandeza de sua terra, não tem medido sacrifícios. O seu lema é trabalhar, trabalhar sempre, pelo desenvolvimento crescente de nossa querida terra.17 O estilo do artigo possui as mesmas características implícitas nos discursos proferidos por JK, os quais eram carregados de um nacionalismo exacerbado. Em Prata, a classe dominante procurava convencer a população do seu desejo de se destacar perante as outras cidades no contexto regional, como nos mostra o discurso da mensagem publicada pela direção do Prata Club: ...Vale ressaltar que, neste nonagésimo quarto aniversário, sentimos a mesma vibração intensa de todos os pratenses, que almejam um Prata grande, pacificado e unido, dentro de uma atmosfera sadia de lares felizes. Unamo-nos: 16 Fued José Dib. Depoimento citado. 17 Revista Prata Ilustrada. Artigo publicado em novembro de 1967, p. 67
  • 10. prefeito e munícipes, integrados num pensamento único, a fim de que possamos fazer de nosso Prata comum, uma das mais altas expressões culturais e econômicas deste Triângulo, que quer emancipar-se, para o bem de seu progresso, visando a grandeza nacional....18 Foi possível perceber nas entrelinhas a preocupação da elite pratense com as discussões desenvolvidas em relação à emancipação do Triângulo Mineiro, sendo que o desejo da maioria das cidades da região naquela época era que essa região se tornasse um estado independente de Minas Gerais. Havia, então, uma disputa na questão da escolha da capital e os políticos pratenses desejavam encabeçar a lista das concorrentes. Pretendia-se mostrar que a cidade do Prata, por se encontrar no centro da área geográfica regional do Triângulo, assemelhava-se à Capital Federal, por se localizar no centro do território brasileiro. Várias outras homenagens enfocam o tema do progresso. Algumas delas foram selecionadas e são citadas abaixo. Nota-se, porém, que elas apresentam uma certa semelhança, sugerindo que podem ter sido elaboradas por alguém encarregado pela redação da revista, cujo objetivo era enaltecer o mito do político local. Mais uma vez se confirma que o “discurso do desenvolvimento” tão proclamado pela elite administrativa, só dizia respeito a uma pequena parcela da população: Ontem, Prata progresso... Hoje, Prata progresso... Amanhã, Prata progresso... PRATA – nome pequeno para uma cidade que caminha aceleradamente na estrada do desenvolvimento, rumo ao seu grande futuro... E nós já compreendemos. E nós já sabemos da nossa grandiosidade. Somos pratenses!19 A palavra progresso é constantemente referendada nas homenagens, mas, em nenhum momento se falou em qualidade de vida e bem estar social. A elite por trás desse discurso afirmava-se como fundadora de uma nova era na história da cidade, mas, ocorreu que o desenvolvimento sugerido por ela com a remodelação da praça ficou restrito ao centro da cidade, pois os bairros onde residia a parcela da população de baixa renda, foram excluídos desse projeto desenvolvimentista: Ontem, era PRATA a menina simples, bonita, natural que desfilava sua beleza ante os olhos de todo o Brasil Central, olhos sedentos de mensagem 18 Idem, p. 02. 19 Revista Prata Ilustrada, op. Cit. p.44. Homenagem prestada pela Panificadora “A Bem Boa” de Camargos, Nery & Cia. Ltda.
  • 11. progressista. Num mundo tão duro, implacável, inumano, PRATA ERA A PRESENÇA DA BELEZA E TRADIÇÃO DE QUE SEMPRE ESTAMOS PRECISADOS. Mas, veiu o tempo, criou anos, fez crescer a menina PRATA, que, agora, já não é mais menina – é mulher – Mãe que completa hoje 94 anos, na mais bela festa que presenciamos. E PRATA merece tudo isso e muito mais: porque PRATA é mensagem de beleza, de tradição, de cultura. É um belo, um belo poema de progresso!20(sic) Anteriormente foi dito que a administração Mário Nery pretendia marcar época. A homenagem prestada pela firma Schiavinato & Cia. Ltda – Materiais para Construção sitiada em Uberlândia/MG, vem ao encontro desse propósito: PRATENSES! Que a alvorada de uma nova fase de progresso possa iluminar a nova cidade que nasce para que seus filhos possam construir na paz de seu silêncio ou no barulho de seu desenvolvimento a harmonia e a felicidade que sempre reinaram durante estes 94 anos.21(sic) A próxima homenagem nos dá uma idéia do desejo de se destacar a cidade do Prata como pólo de irradiação regional. Não interessava apenas as influências externas que eram seguidas como modelos, mas também era importante que Prata servisse de exemplo à outras cidades da região: “PRATA, você se apresenta com uma roupagem nova, engalanada, na festa de seu 94º aniversário... PRATA, sua tradição tem sido invejada em todo o território mineiro... PRATA das tradições... PRATA dos 94 anos... PRATA hospitaleiro, cidade bonita!”22 Voltando aos depoimentos orais constatei que as propostas de progresso e desenvolvimento proclamadas nos discursos das várias homenagens, surtiram efeito. A beleza da nova praça chamava a atenção daqueles que por ali passavam. Segundo os depoentes, pessoas que transitavam nos ônibus rodoviários que paravam no Hotel Brasil desciam apenas para fotografar aquela “imagem de cartão postal”, expressão utilizada por boa parte dos depoentes. Na ilustração 17, duas crianças fazem pose para a foto tendo em primeiro plano, um canteiro florido de cravíneas. A aparência da praça denota o cuidado proporcionado pelo trabalho de jardineiros, prática que hoje não é mais percebida naquele local. 20 Idem, p. 52. Homenagem prestada pelo fazendeiro e vereador João de Almeida Macedo- o Zotinho da Ema. 21 Idem, p. 72. 22 Revista Prata Ilustrada. Op. Cit. p. 116. Homenagem prestada pela Serraria Pratense Ltda.
  • 12. Segundo Wagner Donizeth, esse cuidado não existe mais e, conseqüentemente, a beleza do jardim também já não é mais a mesma devido a um fato: Eles não conseguiram substituir nem o Joãozinho Mexeriquinha Podre. Enquanto ele era vivo e cuidava da praça, ela era muito bonita, muito bem cuidada. Agora... ultimamente eu tenho ido lá e não é isso que eu vejo não! Pode até ser um pouco de saudosismo da minha parte, mas enquanto ele viveu, a praça era linda, né? E ele cuidava dela praticamente sozinho!23 Ilustração17: Crianças posando para foto na Praça XV. Fotografia produzida pela autora no ano 1990. Acervo próprio. Esse abandono da Praça XV de Novembro é cantado pelo poeta Francisco de Assis24 em uma poesia que recitou enquanto prestava seu depoimento. Na primeira estrofe, o autor relembra os tempos em que a praça era bem cuidada. Contudo, na segunda estrofe citada, ele refere-se ao abandono em que ela se encontra atualmente: ...A Praça XV de Novembro do Prata Era um cartão de visitas do Prata. Flores por todo lado e das mais variadas cores. Os casais de enamorados sentiam-se felizes no Seu vai e vem 23 Wagner Donizeth Vilela. Depoimento citado. 24 Francisco de Assis Menezes, 65. Poeta entrevistado em 21/01/2003.
  • 13. Percorrendo os passeios[...] [...]Hoje, é outra a Praça XV de Novembro Por todo lado... grama e mais grama, Nenhuma flor... nem mesmo viúva regateira. A Concha Acústica tornou-se ruína. Bancos já não existem mais. Daquele belo caramanchão... nem notícia. Não se vê pelos passeios um só casal de enamorados, E não se houve nenhum grito de criança. Canto de pássaros... de jeito nenhum! As árvores tomam conta da praça, Gigantescas... enormes... E a Praça XV de Novembro que antes era visitada Por tanta gente Que a contemplavam deslumbrados e felizes, Aquela praça cujo jardim era viçoso, florido, belo e exuberante, Tornou-se hoje, apenas um bosque. Sem flores... sem crianças... E sem pássaros... As várias reformas que foram realizadas na Praça XV resumiram-se à manutenção da fonte luminosa, mas não chegaram a ser duradouras. Em pouco tempo não se via mais o jorro de água disputando em altura com a copa das árvores e nem mesmo se ouvia as músicas que embalavam as noites de quem passeava por ali. O vai e vem de pessoas nas calçadas laterais da fonte, aos poucos deixou de acontecer. A pesquisa nos possibilitou entrever o modo como os pratenses viam a Praça XV, mas, surgiu uma outra questão: como é que as pessoas que vinham de outras cidades enxergavam-na? O que significava para elas, as práticas de sociabilidade que ali se desenvolviam? Pensando nisso, procurei conhecer a opinião de depoentes que se enquadrassem nesse perfil. O Banco do Brasil tinha como regra fazer a rotatividade de seus gerentes e sendo assim, quem ocupasse esse cargo mudava-se sempre de cidade. O depoimento de Vânia Beatriz Armada Vilela nos permite fazer uma idéia de como a praça era vista, na década de 1970, pelas pessoas não nascidas na cidade do Prata:
  • 14. Nós morávamos no estado do Rio. Meu pai, que era gerente do Banco do Brasil na época, foi transferido para o Prata. Então, só de estar voltando pra Minas, nos deixou muito felizes. Nós não queríamos nem saber para onde estávamos indo. Só queríamos voltar. Aí, meu pai mandava o caminhão de mudança na frente e a gente ia atrás. Nós não conhecíamos a cidade, não. Ele falava pro motorista do caminhão de mudança: „Chegando lá, você estaciona na frente do Banco do Brasil‟. Só se sabia que tinha Banco do Brasil. Viajamos, então, a noite inteira, pra chegar cedinho no Prata. Todos loucos pra voltar pra Minas. Aí, chegamos no Prata ali pela entrada de Uberaba e fomos entrando pela Rua Presidente Antônio Carlos. A cidade que encontramos era muito velha, muito triste... Era madrugada de junho. Frio... aquelas casas velhas... aquelas ruas estreitinhas... curva pra lá, curva pra cá... vai subindo, subindo... passamos até sem querer na porta da casa do Zeth... ( risos) aí, a hora que subi..., assim que vimos a praça... estava todo mundo no carro, todo mundo morrendo de medo... Mas na hora que nós vimos a Praça XV de Novembro, que meu pai deu a volta e estacionou, todo mundo olhou um pro outro e disse: „Graças a Deus a cidade é bonita!‟ Aí, foi que vimos a praça e era uma praça muito bonita! Diferente de toda cidade, pois as outras cidades não cuidavam das praças... Mas, no Prata a praça era linda! Muito melhor do que a própria cidade! Nós já havíamos morado em muitas cidades boas, mas com praças desleixadas. Aquela praça do Prata era um espetáculo! Chamava a atenção de todo mundo. Isso foi no ano de 1974.25 O seu depoimento nos levou a perceber que havia descaso por parte da administração municipal em relação aos bairros periféricos. Quando descreve a via de acesso para o centro, a qual foi tomada por seu pai, a depoente se diz apreensiva em relação à cidade com que iria se defrontar. Tal apreensão surgiu devido à aparência das ruas pelas quais passou e do mal estado de conservação das casas que compunham a paisagem urbana. Porém ao ver a grandiosidade e beleza da Praça XV de Novembro, essa apreensão se esvaiu totalmente cedendo lugar a uma sensação de alívio. Isso nos mostra que a intenção dos administradores em criar uma imagem positiva da cidade por meio da praça se concretizou. Contudo, se a “fachada da casa” recebeu uma “demão de tinta”, o mesmo não aconteceu com o seu interior, o qual permaneceu praticamente intocado até o mandato de 1977/1983 cujo prefeito foi Manoel Vilela Júnior, o “Manezão”. Nesse período, várias obras de infra-estrutura foram realizadas no município. Vale salientar que, a eleição de Manoel Vilela Júnior representa a volta da elite política rural ao poder administrativo de Prata. A partir daí ocorre o revezamento das duas forças que dominam a conjuntura política da cidade. 25 Vânia Beatriz Armada Vilela, 45. Depoimento prestado em 24/07/2004.