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Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
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Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
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Direito para
Startups
Manual jurídico para empreendedores
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
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Direito para Startups
Manual jurídico para empreendedores
Lucas Bezerra Vieira
1ª Edição
Queiroz, Barbosa e Bezerra Advocacia
2017
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 4 ]
© Queiroz, Barbosa e Bezerra, 2017.
CAPA Acson de Freitas Braz
EDITORAÇÃO Acson de Freitas Braz
REVISÃO Caio Vitor Ribeiro Barbosa, Jules Michelet Pereira Queiroz e Silva
Dados Internacionais de Catalogação Gráfica (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
___________________________________________________
Direito para startups: manual jurídico para empreendedores.
Natal, RN: Edição do autor, 2017.
ISBN: 978-85-923408-0-3
1. Direito empresarial 2. Direito tributário 3. Direito societário
4. Contratos 5. Administração 6. Empreendorismo I. Título
CDD – 340 CDU - 34:338.93
___________________________________________________
Índices para catálogo sistemático:
1. Direito empresarial – 34:338.93
2. Direito societário – 34:338.93
Todos os direitos desta obra são reservados ao autor. Nenhum trecho deste
livro poderá ser reproduzido, por qualquer processo, sem a devida citação da
obra. É proibida a reprodução desta obra por fotocópia.
Durante a produção desta obra, o autor tomou os devidos cuidados autorais e
acadêmicos, buscando fornecer ao leitor informações precisas e verdadeiras.
Caso sinta-se prejudicado por qualquer informação divulgada nesta obra,
favor nos contatar imediatamente.
Edição 2017.
Queiroz, Barbosa e Bezerra Advocacia.
Avenida Senador Salgado Filho, 2190, Natal – RN, CEP 59.056-000.
www.qbb.adv.br
contato@qbb.adv.br
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Construa seus próprios sonhos, ou alguém
vai contratá-lo para construir os seus.
Farrah Grey
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
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Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
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Sumário
______________________
Introdução ........................................................................... 09
1. Modelos empresariais e societários .................................. 13
1.1. Startups na prática............................................................... 13
1.2. Escolha do melhor modelo empresarial ou societário........ 19
2. Formalização e registros da startup .................................. 30
3. Documentos de constituição empresarial ......................... 37
3.1. Contrato Social e o Estatuto Social ..................................... 39
3.1.1. Cláusula de vesting .......................................................... 45
2.1.2. Cláusula de cliff ................................................................ 53
3.2. Acordo de acionistas, MOU e term sheet ........................... 57
3.3 Contrato de confidencialidade e sigilo ................................ 62
4. Cláusulas e instrumentos contratuais específicos .............. 70
4.1. Direito de preferência ......................................................... 70
4.2. Cláusula de não concorrência ............................................. 75
4.3. Cláusulas de tag along e drag along ................................... 79
4.4. Cláusula de shot gun ........................................................... 81
4.5. Cláusula de lock up .............................................................. 82
4.6. Tail period ........................................................................... 84
4.7. Direito de veto .................................................................... 85
4.8. Full ratchet clause ............................................................... 86
4.9. Last in, first out ................................................................... 86
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 8 ]
4.10. No shop clause .................................................................. 87
4.11. Call option e put option ..................................................... 88
5. Contratos do cotidiano empresarial .................................. 90
5.1. Contrato de prestação de serviços e outros........................ 91
6. Propriedade industrial e intelectual da empresa .............. 104
6.1. Tipos de proteção a propriedade intelectual e industrial . 111
6.1.1. Marca .............................................................................. 111
6.1.1.1. Trade dress ................................................................... 117
6.1.2. Patentes .......................................................................... 120
6.1.3 Direito autoral .................................................................. 122
6.1.4 Registro de software ........................................................ 124
6.1.5 Desenho industrial ........................................................... 125
6.1.6. Indicação geográfica ....................................................... 126
6.2. Procedimentos de para proteção dos ativos ..................... 127
7. Estrutura trabalhista empresarial .................................... 133
7.1. Stock options ...................................................................... 144
7.2. Reforma trabalhista de 2017 ............................................. 145
8. Tributação para startups ................................................. 148
9. Captação de recursos e investimentos ............................. 153
9.1. Crowdfunding e equity crowdfunding ................................ 156
9.2. Instrução Normativa 588 da CVM ...................................... 159
9.3. Lei Complementar n. 155/2016 e o investidor-anjo .......... 163
9.4. Cuidados gerais na recepção de investimentos ................. 167
10. Encerramento e venda da startup .................................. 170
11. Dicas Gerais ................................................................... 174
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 9 ]
INTRODUÇÃO
Em uma tradução literal, start up significa partida, início,
começar. Não existe uma definição unânime sobre o que são as
startups. Erick Ries1
, autor da famosa obra “Lean Startup”
(Startup enxuta), atribui como conceito de startups “(...) uma
instituição humana projetada para criar novos produtos e
serviços sob condições de extrema incerteza” (2012, p. 24).
Neste mesmo livro, que deve estar na estante de todo
empreendedor, Ries afirma que o conceito de startup não é
vinculado a empresas ou tecnologias, como muitos imaginam:
“Passei a perceber que a parte mais importante
dessa definição é o que ela omite. Não diz nada a
respeito do tamanho da empresa, da atividade ou
do setor da economia. Qualquer pessoa que está
criando um novo produto ou negócio sob
condições de extrema incerteza é um
empreendedor, quer saiba ou não, e quer trabalhe
numa entidade governamental, uma empresa
apoiada por capital de risco, uma organização sem
fins lucrativos ou uma empresa com investidores
financeiros decididamente voltada para o lucro.”
Por sua vez, Steve Blank2
e Bob Dorf, no livro “The
startup owner’s manual” (Startup: manual do empreendedor)
(2014, p. 19) atribuem a tal ideia um modelo de negócios
repetível e escalável, quando afirmam que:
1
Criador da metodologia startup enxuta.
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 10 ]
“(...) uma startup é uma organização temporária
construída para buscar respostas que promovam a
obtenção de um modelo de negócio recorrente e
escalável.(...)”
A junção dessas duas concepções forma a definição
mais adotada para as startups atualmente: empreendedores
que, em condições de elevada incerteza, buscam atingir um
modelo de negócios que seja escalável e repetível.
Por escalável, entenda a capacidade de crescer, ampliar
seu mercado e faturamento sem que haja grande influência no
modelo de negócios ou até mesmo nos custos da empresa.
Enquanto isso, repetível é a habilidade de ampliar a sua
atuação sem a necessidade de alterar muito o seu produto ou
serviço para cada cliente.
Com esses diferenciais, as startups e as empresas de
tecnologia vêm revolucionando a forma de se empreender no
Brasil e no mundo. Nos últimos anos, enquanto grandes
empresas tradicionais tentam sobreviver à crise econômica que
permeia o Brasil, as startups ganham os mercados e crescem a
ritmos elevados3
.
A capacidade de captar clientes e ampliar o faturamento
mesmo em um cenário econômico instável se deve
principalmente à forma inovadora de formatação e atuação de
2
Empreendedor do Vale do Silício e autor de inúmeras obras, tais como “Os
quatro passos para a epifania” (the four steps to the epiphany).
3
Startups brasileiras driblam a crise. Estadão Conteúdo. 10 fev. 2016.
Disponível em:
<http://revistapegn.globo.com/Startups/noticia/2016/02/startups-brasileiras-
driblam-crise.html>. Acesso em: 15 ago. 2016.
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 11 ]
tais empresas. Modelos de negócios arrojados e inovadores (a
ideia do first move advantage4
), a busca pela solução de uma
“dor” existente no mercado, as novas formas de recepção de
investimentos, os contratos modernos e específicos, o uso das
novas tecnologias em seu favor, dentre outros, são alguns dos
fatores que tornam tais empresas tão singulares, significando
também parte do segredo do sucesso desse novo padrão de se
fazer negócios.
Os números comprovam como tais empresas são
diferenciadas. Enquanto a taxa de encerramento das startups
antes do segundo ano de funcionamento se aproxima dos
18%5
, 27% das empresas tradicionais finalizam suas atividades
no mesmo período6
. A startup Contabilizei, por exemplo,
ampliou, no ano de 2015, o seu faturamento em 700%. Nesse
mesmo ano, aproximadamente 1,8 milhão de empresas
fecharam as portas.7
4
Também denominado de FMA, é um termo que descreve a vantagem
mercadológica e comercial daquele que primeiro fornece aos consumidores
determinado produto ou serviço.
5
BICARELLI, Bárbara. 74% das startups brasileiras fecham após cinco anos,
diz estudo. Época Negócios. 07 jul. 2016. Disponível em:
<http://epocanegocios.globo.com/Empreendedorismo/noticia/2016/07/74-
das-startups-brasileiras-fecham-apos-cinco-anos-diz-estudo.html>. Acesso
em: 11 jul. 2016.
6
Taxa de Sobrevivência das Empresas no Brasil. SEBRAE. 2011. Disponível
em:
<http://www.sebrae.com.br/Sebrae/Portal%20Sebrae/Anexos/Sobrevivencia_
das_empresas_no_Brasil_2011.pdf>. Acesso em: 11 jul. 2016.
7
CHIARA, Márcia de. 1,8 milhão de empresas fecharam em 2015. O Estado
de São Paulo. 10 maio 2016. São Paulo. Disponível em:
<http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,1-8-milhao-de-empresas-
fecharam-em-2015,10000050202>. Acesso em: 15 jul. 2016.
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 12 ]
Todavia, um crescimento muito rápido pode trazer dor
de cabeça e problemas diversos para aqueles que não
realizaram um planejamento jurídico adequado para o seu
negócio. Afinal, quem não conhece um amigo ou parente que
já enfrentou problemas legais em sua empresa?
Assim, este manual foi elaborado no sentido de fornecer
orientações jurídicas essenciais para aqueles empreendedores
que pretendem criar ou já estão envolvidos em algum negócio,
principalmente se este pertencer ao novo mundo das startups e
das tecnologias. A ideia da obra foi sistematizar cuidados
elementares que devem ser tomados desde a constituição
jurídica da startup até a sua cessão ou encerramento, de modo
a evitar ao máximo os transtornos que cercam o campo dos
negócios.
Não se assuste com o fato desse manual tratar de
temas do Direito! O que este guia busca é proporcionar uma
leitura simples, agradável e prática para qualquer interessado
na área. Ademais, aqui o intuito é de compartilhar
conhecimento e tentar mostrar aos leitores a importância da
atuação preventiva, seja na área jurídica, contábil ou
administrativa. Ressalva-se que a mera consulta a esse livro
não dispensa o auxílio de profissionais especializados.
Espero que este guia seja útil no auxílio aos cuidados
jurídicos de sua startup. Boa leitura!
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 13 ]
1. MODELOS EMPRESARIAIS E
SOCIETÁRIOS
Antes de darmos início aos aspectos jurídicos
propriamente ditos, é interessante entender como funcionam as
startups na prática. Até porque antes de pensar no jurídico, é
natural que todo empreendedor inicie as atividades principais
do seu negócio, mesmo que de modo simples e informal.
Vamos lá.
1.1. Startups na prática
O início de uma startup difere bastante das empresas
tradicionais. Tal distinção é característica intrínseca do próprio
conceito desse novo modelo de negócios.
No modelo empresarial tradicional, em regra, o primeiro
passo é o estudo e o planejamento do negócio, que,
concluídos, são colocados em prática, com a abertura da
empresa. Assim, o plano de negócios é realizado, e somente
depois testa-se como o mercado irá reagir diante daquele novo
produto ou serviço. Nas startups, o pensamento é diferente.
De forma simples, uma startup inicia com a identificação
de um problema e com a procura pela solução para tal questão.
A ideia é que o empreendedor construa seu produto e serviço,
o lance no mercado e aprenda, da forma mais rápida e eficaz
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 14 ]
possível, o que o seu cliente verdadeiramente quer, e não o
que ele acha que quer.
Descobrindo essa dor do mercado, e gerando um
produto que a resolva, o empreendedor gerará um bem com
um valor agregado, que o permitirá obter lucros, monetizando8
o seu negócio.
Para tanto, é essencial que o empreendedor estruture
as questões acima levantadas em forma de um projeto. Esse
esboço do modelo de negócio a ser utilizado é a primeira fase
da chamada “validação”, permite que o verifique qual a real
probabilidade do seu negócio prosperar.
Uma ferramenta muito utilizada nesta fase é o “business
model canvas”, instrumento composto por nove elementos
(clientes, propostas de valor, canais, relacionamento com os
clientes, atividade principal, fontes de receitas, recursos
principais, parcerias principais e estrutura de custos) que
possibilita realizar uma análise completa do negócio.
8
O termo “monetizar” relaciona-se com a definição sobre quais serão as
formas utilizadas para que o negócio se torne economicamente viável. De
forma simples, nessa fase procura-se responder ao seguinte questionamento:
de que forma ganharei dinheiro com esse empreendimento?
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 15 ]
Imagem 01
Demonstração do business model canvas9
Simultaneamente, na outra parte da validação a equipe
deverá também trabalhar criação do MVP (Minimum Viable
Product, ou seja, produto mínimo viável). O MVP é a colocação
na prática do produto/serviço a ser oferecido pela startup com
o menor investimento possível, permitindo que os
empreendedores verifiquem a aplicabilidade prática do produto
e sintam qual o comportamento do mercado sobre o
objeto/serviço lançado.
Ries (2012, p. 70) conceitua o MVP de forma mais
técnica quando afirma que:
9
Modelo de business model canvas. Disponível em:
<http://www.validandoideias.com.br/como-montar-um-canvas-parte-1-
modelo-de-negocios/>. Acesso em: 15 jul. 2017.
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 16 ]
“O MVP é aquela versão do produto que permite
uma volta completa do ciclo construir-medir-
aprender, com o mínimo de esforço e o menor
tempo de desenvolvimento. O produto mínimo
viável carece de diversos recursos que podem se
provar necessários mais tarde. (...)”
A produção do MVP é muito importante, uma vez que o
seu funcionamento permite que o empreendedor aprenda sobre
o seu produto e o mercado, utilizando a metodologia da lean
startup, com o ciclo construir-medir-aprender.
Imagem 02
Demonstração do ciclo construir-medir-aprender10
10
Disponível em: <http://startupsebraeminas.com.br/wp-
content/uploads/2014/11/lean-capa.jpg>. Acesso em: 15 jul. 2017.
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 17 ]
O cumprimento desse ciclo é etapa fundamental ao
negócio, pois permite que a equipe mensure se é interessante
permanecer com o produto e realizar mais investimentos neste,
caso a sua viabilidade seja verificada; realize alterações
necessárias; ou até mesmo “pivote”11
, mudando o rumo do seu
negócio.
Tiago Fernandes, sócio-fundador da startup Autoforce12
,
plataforma de marketing de resultados para o setor
automotivo, e do blog Validando Ideias13
, define da seguinte
forma a diferença entre as startups e as empresas
consolidadas:
“As startups são empresas que trabalham com
algum tipo de inovação tecnológica ou não. É
importante entender que startups não são versões
menores de uma grande empresa. A principal
característica de uma startup é que ela está imersa
em um ambiente de extrema incerteza, pois estão
desenvolvendo algo não tradicional, baseado em
necessidades e problemas ainda não sanados e
resolvidos.
O risco desse tipo de negócio está relacionado a
validação e desenvolvimento. Startups buscam um
modelo de negócios replicável e escalável.
Replicável significa que algo pode ser fabricado/
desenvolvido no Brasil e comercializado para
qualquer parte do mundo de forma sistêmica,
organizada e padronizada. Escalável significa ter
11
Do inglês “to pivot”, que significa girar, o termo “pivotar” é utilizado no
mundo das startups para aquela empresa que está mudando o rumo dos seus
negócios.
12
Veja mais em: <www.autoforce.com.br>.
13
Veja mais em: <www.validandoideias.com.br>.
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 18 ]
altas margens de lucro em um pequeno espaço de
tempo.
Por sua vez, empresas consolidadas são
organizações já estabelecidas e que executam um
modelo de negócio já testado e validado. A
maioria das empresas consolidadas desenvolvem
um negócio baseado em necessidades e
problemas já conhecidos.
Os riscos de uma empresa consolidada são
econômicos, políticos e mercadológicos Isso
significa que os gestores dessas empresas podem
recorrer a técnicas e artifícios conhecidos para
resolver as adversidades.”
Junto com a execução prática, a fase de formalização da
empresa é, sem dúvidas, uma das etapas mais aguardadas
pelos seus fundadores. Sua ocorrência pode ser dar antes
mesmo da validação do produto ou serviço, ou após o
lançamento do MVP, tudo a depender do interesse dos
envolvidos.
O ideal, no entanto, é que a formalização da empresa
ocorra o quanto antes. Iniciar as atividades com as relações
bem delimitadas com os envolvidos e regularizado perante os
entes públicos traz benefícios e evita inúmeros problemas.
Vamos analisar, agora, quais aspectos devem ser
estudados na escolha do modelo empresarial e societário da
startup.
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 19 ]
1.2. Escolha do melhor modelo empresarial
ou societário
Para que uma empresa “nasça” na forma da lei, é
necessário a sua formalização, nas condições e procedimentos
elencados nas legislações específicas.
Os fundadores devem ter ciência de que este é um dos
momentos jurídicos mais importantes para a empresa. Sem a
regularização legal, a empresa ficará na informalidade, o que
cria diversos entraves na captação de clientes (alavancagem),
obtenção de investimentos, recolhimento de tributos14
e
realização de vendas, o que será um obstáculo ao crescimento
da startup.
Assim, decidido formalizar o negócio, temos a questão
principal: qual modelo empresarial ou societário eu devo
adotar?
A resposta para essa pergunta depende de diversas
variáveis. Todas devem ser levadas em conta, uma vez que
cada modelo empresarial tem as suas vantagens e
desvantagens, que deverão ser analisadas pelos
empreendedores, de acordo com seus objetivos e interesses.
Algumas questões que devem ser respondidas nesse processo
são as seguintes:
1) Irei empreender sozinho ou terei sócios?
14
Em determinados casos, o não pagamento de tributos configura crime.
Veja a Lei Federal n. 8.137/1990, que tipifica os crimes contra a ordem
tributária.
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 20 ]
2) Quem são meus sócios? Brasileiros ou
estrangeiros? Residem no exterior? Possuem
participação em outras empresas?
3) Qual a área de atuação da minha empresa?
Que serviços ou produtos irei prestar/fornecer?
4) Pretendo atuar no exterior?
5) Qual o capital inicial da minha empresa?
6) Qual o faturamento esperado para minha
empresa?
7) Quem serão os meus clientes? Terei contratos
com entes públicos ou grandes empresas?
Note que tais questionamentos devem ser analisados
em conjunto, uma vez que eles estão todos interligados. Uma
análise pontual pode fazer o empreendedor não enxergar as
consequências negativas de tal escolha aparentemente
benéfica em outro setor essencial ao seu negócio.
Por exemplo, caso um empreendedor opte por
formalizar o seu negócio de uma forma a pagar o menor valor
possível de tributos, se tornar um Microempreendedor
Individual15
pode ser uma ótima opção, pois a sua contribuição
será de no máximo R$ 50,00 mensais. Porém, o MEI possui
uma limitação de faturamento de R$ 60.000,00 por ano (ou R$
5.000,00 por mês)16
, o que pode exigir uma mudança na
estrutura jurídica da empresa em pouco tempo. Assim, deve ser
analisado se o fato de ter o faturamento limitado compensa o
pagamento de um menor valor de tributos.
15
Mais informações sobre o Microempreendedor Individual (MEI) podem ser
encontradas no Portal do Empreendedor – MEI, do Governo Federal.
16
Com a edição da Lei Complementar Federal n. 155/2016, a partir de 1º de
janeiro de 2018 o limite de faturamento para o MEI Será de R$ 81.000,00
anuais, ou R$ 6.750,00 mensais.
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 21 ]
Outro exemplo: a participação de outra Pessoa Jurídica
no capital social (como sócia) de sua empresa veda a
possibilidade de participação desta no Simples Nacional17
. Esse
é um ponto que passa desapercebido por muitos
empreendedores que recebem propostas de participação
empresarial por grandes fundos de investimento, e acabam se
deslumbrando com a oportunidade, sem analisar as demais
nuances e consequências de tal ação.
Um detalhe que merece atenção no momento de
constituição da empresa são as peculiaridades dos sócios!
Observe com cautela as particularidades daqueles que irão
participar do negócio com você, pois determinados sujeitos
possuem limitações ao exercício de atividade empresarial, como
funcionários públicos, militares, incapazes, entre outros.
Nessa etapa de formalização, é muito importante que o
empreendedor raciocine imaginando o futuro da startup.
Costuma-se dizer que “contrato bom é aquele que fica na
gaveta”.
Tais documentos, quanto menos necessitarem ser
alterados, melhor. Isso porque os procedimentos para
17
Art. 3º da Lei Complementar n. 122/2006 – “Para os efeitos desta Lei
Complementar, consideram-se microempresas ou empresas de pequeno
porte, a sociedade empresária, a sociedade simples, a empresa individual de
responsabilidade limitada e o empresário a que se refere o art. 966 da Lei no
10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), devidamente registrados no
Registro de Empresas Mercantis ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas,
conforme o caso, desde que: (...)
§ 4º Não poderá se beneficiar do tratamento jurídico diferenciado previsto
nesta Lei Complementar, incluído o regime de que trata o art. 12 desta Lei
Complementar, para nenhum efeito legal, a pessoa jurídica:
I - de cujo capital participe outra pessoa jurídica.”
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 22 ]
modificação de tais documentos são burocráticos, exigindo
tempo e paciência dos empreendedores, que poderiam ser
utilizados na administração do seu negócio.
Depois de levar em consideração cada ponto que fora
abordado, o empreendedor deve observar qual o tipo
empresarial ou societário atende melhor aos anseios de sua
empresa. Visando auxiliar nessa escolha, segue uma tabela
com os principais pontos positivos e negativos de cada um
desses modelos.
Veja que esse quadro é apenas exemplificativo, não
abarcando todas as vantagens e dificuldades de cada uma das
possibilidades de formalização empresarial e societária. Aliás,
dependendo de cada caso, o que está listado como uma
benesse poderá ser um malefício, e vice-versa.
Quadro 01
Comparativo entre modelos empresariais e societários
MICROEMPREENDEDOR INDIVIDUAL18
Vantagens Desvantagens
- Procedimento de formalização
simples e rápido.
- Ausência de taxas de registro.
- Cobrança de tributos unificada e
barata (em torno de R$ 46,00 a
R$ 55,00 mensais, pagos em um
- Limitação de faturamento de
R$ 60.000,00/ano, com aumento
para R$ 81.000,00/ano a partir
de janeiro de 2018.
- Limitação de contratação de
apenas um funcionário.20
18
Regulamentado pela Lei Complementar 123/2006 (Lei do
Microempreendedor Individual), com as alterações dadas pelas Leis
Complementares n. 128/2008 e 155/2016.
20
Os sindicatos da Micro e Pequena Industriais vêm lutando para que os
MEI’s possam contratar até dois funcionários. A proposta já foi entregue ao
presidente em exercício, Michel Temer.
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 23 ]
único boleto - DAS).
- Apoio técnico do SEBRAE.
- Diversos serviços gratuitos.
- Vantagens de Pessoa Jurídica
(possibilidade de abertura de
conta empresarial e realização de
empréstimos).
- Cobertura dos benefícios
previdenciários para o
microempreendedor.
- Menor custo para contratação de
empregado.
- Dispensa de escrituração fiscal
(porém deve preencher o relatório
mensal de receitas, para prestar
declaração anual).
- A sede da Pessoa Jurídica pode
ser a residência do
empreendedor.19
-Limitação das atividades
permitidas (anexo XIII da
Resolução CGSN 94/2011).
- Não pode realizar cessão ou
locação de mão de obra.
- Ausência de separação entre
Pessoa Física e Pessoa Jurídica.
EMPREENDEDOR INDIVIDUAL21
Vantagens Desvantagens
- É aquele que atua
individualmente, seja por meio de
uma pequena, média ou grande
empresa. É o modo “tradicional”
de empreender no Brasil. Em
regra, as startups dificilmente
adotam esse tipo de empresa,
uma vez que na maioria das vezes
são formadas por sociedades. Não
possuem muitas especificidades
na sua adoção.
- Não detém o privilégio da
limitação da responsabilidade e
da separação patrimonial entre
pessoa física e jurídica.
19
Benefício concedido pelo Projeto de Lei n. 167/2015, em validade desde 29
de março de 2016, quando aprovada pela plenária do Senado Federal.
21
Regulamentado pelos artigos 966 a 980 do Código Civil Brasileiro.
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 24 ]
EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA
(EIRELI)22
Vantagens Desvantagens
- Única pessoa titular da
totalidade do capital social, que
deve ser integralizado.23
- Exercício da atividade
empresarial por uma só pessoa,
com responsabilidade limitada.
- Possibilidade de escolha do
modelo de tributação (opção pelo
Simples nacional).
- Ampla quantidade de atividades
econômicas permitidas.
- Aplicação subsidiária das regras
das Sociedades Limitadas.
- Capital social inicial não pode
ser inferior a 100 vezes o maior
salário mínimo vigente no país, o
que eleva o custo de sua criação.
- A pessoa natural que constituir
a EIRELI somente poderá figurar
em uma única empresa dessa
modalidade.
- Procedimento de registro mais
complexo que no MEI (Junta
comercial e Entes Públicos).
SOCIEDADE SIMPLES 24
Vantagens Desvantagens
- É uma sociedade que têm como
objetos atividades profissionais de
natureza científica, literária ou
artística. Não possui um caráter
empresarial.
- Não tem acesso a benefícios do
direito de empresa, como
recuperação judicial e falência.
22
Regulamentado pelo artigo 980-A do Código Civil Brasileiro.
23
Na EIRELI e na formação de algumas sociedades, existe a “subscrição” e a
“integralização” do capital social. De uma forma simples, a subscrição ocorre
na fase inicial de formalização da empresa, quando há a promessa do sócio
em fornecer determinado quantia financeira (ou bem) para formar o capital
(o ativo) da pessoa jurídica criada. Por sua vez, a integralização ocorre
quando o sócio efetiva a promessa de fornecimento de capital realizada à
empresa. Na realização dos contratos sociais, algumas empresas optam por
colocar como cláusula de exclusão de sócio a não integralização do capital
social subscrita dentro de determinado prazo.
24 Regulamentada pelos artigos 997 a 1.038 do Código Civil Brasileiro.
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 25 ]
SOCIEDADE LIMITADA25
Vantagens Desvantagens
- Forma mais utilizada pelas
startups.
- Modelo societário em que a
responsabilidade de cada sócio é
restrita ao valor de suas cotas.
- Regras bem estabelecidas no
Código Civil.
- Maior flexibilidade no
instrumento de criação (Contrato
Social) que nas S.A.
- Realização de Assembleia de
Sócios, com possibilidade de
criação do Conselho Fiscal.
- Possibilidade de escolha do
modelo de tributação (opção pelo
Simples nacional).
- Registro pela Junta Comercial.
- Estrutura de gerenciamento
mais enxuta e com menos custos
que na S.A (dispensa de
publicação de atos societários...).
- Menor controle externo que nas
S.A (não exige prestação de
contas à CVM).
- Permite a distribuição
assimétrica de lucros.
- Possibilidade de exclusão de
sócios, mediante previsão no
Contrato Social.
- Maior responsabilização dos
sócios se comparada à S.A.
- Impossibilidade de emissão de
ações ou debêntures, o que é
uma limitação para a captação
de investimentos.
- Maior facilidade na
responsabilização dos sócios e
sócios-controladores que na S.A.
(uma vez que os nomes dos
sócios entram no contrato).
- O direito de voto é indissociável
da propriedade das cotas.
- Os sócios respondem
solidariamente pela
integralização do capital social
(caso um sócio subscreva e não
integralize, devem os outros
integralizar àquele montante).
- Art. 1.055, §1º, CC – “Pela
exata estimação de bens
conferidos ao capital social
respondem solidariamente todos
os sócios, até o prazo de cinco
anos da data do registro da
sociedade. “
SOCIEDADE EM CONTA DE PARTICIPAÇÃO26
25
Regulamentada pelos artigos 1.052 a 1.087 do Código Civil Brasileiro.
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 26 ]
Vantagens Desvantagens
- Sociedade em que pelo menos
um dos sócios deve ser uma
empresa ou sociedade
empresária.
- Figura que visa facilitar a relação
entre sócios
- Independe da realização de
qualquer formalidade.
- O sócio oculto ou participante
(financiador) fornece patrimônio
especial para o sócio ostensivo
(administrador), que será utilizada
no objetivo do contrato.
- Pode ter prazo determinado ou
indeterminado.
- Boa forma para captação de
recursos empresariais.
- Utilizada normalmente para
empreendimentos específicos.
- Seu contrato social produz efeito
apenas entre os sócios.
- Formada pelo sócio ostensivo
(necessariamente Pessoa Jurídica,
que realiza os atos) e o sócio
participante (não possui
responsabilidade pelos atos
realizados pelo sócio ostensivo).
- Sócio ostensivo não pode admitir
novo sócio sem o consentimento
dos demais.
- Sociedade com ausência de
Personalidade Jurídica e
patrimônio próprio.
- Forte controle externo, por ser
bastante usada para realização
de operações comerciais
simuladas (CMV e Ministério
Público).
- Em virtude de entendimento da
Receita Federal, as SCP não
podem aderir ao Simples
Nacional.
SOCIEDADE DE PROPÓSITO ESPECÍFICO27
26 Regulamentada pelos artigos 991 a 996 do Código Civil Brasileiro.
27
Regulamentada pelo art. 9º da Lei 11.079/2004 (Lei da Parceria Público-
Privada).
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 27 ]
Vantagens Desvantagens
- Instrumento legal utilizado para
implantar e gerir as parcerias
público-privadas.
- É semelhante a um contrato de
parceria, realizado no modelo de
uma das sociedades jurídicas já
existentes.
- Tem fim específico e prazo
determinado.
- Não necessita que uma das
partes seja ente público.
- Utiliza as regras da sociedade
em que ela se constituir.
- Tem personalidade jurídica
própria.
- Forte controle externo.
- Exige maiores cuidados
gerenciais, jurídicos e
financeiros, principalmente
quando for realizada em
conjunto com Entes Públicos.
SOCIEDADE EM COMANDITA SIMPLES28
Vantagens Desvantagens
- Sociedade formada por sócios
comanditados (pessoas físicas que
respondem solidaria e
ilimitadamente pelas obrigações
sociais, contribuindo com capital e
trabalho) e comanditários (se
obrigam apenas ao valor de suas
cotas).
- Utiliza subsidiariamente as
normas da Sociedade em Nome
Coletivo.
- Pouca utilização atualmente,
em face da responsabilidade
ilimitada dos sócios
comanditados.
- O comanditário não pode
praticar ato de gestão, ou ter o
nome incluído na firma social. Se
o fizer, está sujeito a responder
como sócio comanditado.
- Em caso de diminuição do
capital por perdas
supervenientes, não pode o
comanditário receber quaisquer
lucros, antes de reintegrados
aqueles.
28
Regulamentada pelos artigos 1.045 a 1.051 do Código Civil Brasileiro.
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 28 ]
SOCIEDADE EM COMANDITA POR AÇÕES 29
Vantagens Desvantagens
- Uma das formas de sociedade
presentes no direito brasileiro.
- Os sócios respondem apenas
pelo valor de suas ações
subscritas ou adquiridas.
- Pouco usadas atualmente.
- Os diretores deverão ser
obrigatoriamente acionistas.
- Os acionistas diretores têm
responsabilidade subsidiária,
ilimitada e solidária pelas
obrigações da sociedade.
- O diretor continua durante dois
anos após a sua restituição ou
exoneração responsável pelas
obrigações contraídas pela
sociedade durante a sua gestão.
- Assembleia geral tem o poder
de decisão, em alguns casos,
limitados pelos diretores.
SOCIEDADE EM NOME COLETIVO30
Vantagens Desvantagens
- Sociedade empresarial formada
apenas por pessoas físicas.
- Todos os sócios respondem,
solidária e ilimitadamente, pelas
obrigações sociais.
- A administração da sociedade
compete exclusivamente aos
sócios.
- Os sócios podem estipular
limites das obrigações entre si,
mas que não serão oponíveis
contra terceiros.
Sociedade Anônima31
29
Regulamentada pelos artigos 1.090 a 1.092 do Código Civil Brasileiro.
30
Regulamentada pelos artigos 1.039 a 1.044 do Código Civil Brasileiro.
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 29 ]
Vantagens Desvantagens
- Registro na Junta Comercial, por
meio da elaboração do Estatuto
Social.
- Menor responsabilização dos
sócios quando comparada com a
LTDA, uma vez que esta é
limitada ao preço das ações
subscritas ou adquiridas.
- Permite a captação de recursos
por meio da emissão das ações.
- Normas legais bem definidas,
fornecendo maior segurança
jurídica aos acionistas.
- Possibilidade de ações ordinárias
ou preferenciais (sem direito a
voto).
- Quóruns de deliberações mais
simples que na LTDA.
- Em regra, possui uma maior
burocracia administrativa.
- Menor flexibilização
(regramentos bem previstos na
Lei das S.A.).
- A lei veda a distribuição
assimétrica de lucros.
- Obrigatoriedade do Conselho
Fiscal e do Conselho de
Administração (esse nos casos
de companhias abertas,
economia mista e capital social).
- Obrigatoriedade de publicação
dos atos societários e
demonstrações financeiras no
DOU e em jornal de grande
circulação.
- Não há possibilidade de
exclusão de sócio.
- Menor flexibilidade para
restrição de circulação das
ações.
31
Regulamentada pelos artigos 1.088 e 1.089 do Código Civil Brasileiro, e
pela Lei 6.404/1976 (Lei das S.A.).
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 30 ]
2. FORMALIZAÇÃO E REGISTROS DA
STARTUP
Ultrapassada a etapa de escolha do modelo empresarial
ou societário para a startup, é hora de formalizar a empresa,
providenciando a elaboração de documentos e registros que
forem necessários para o início das atividades.
Primeiro, é preciso que o empreendedor verifique
qual(is) o(s) documento(s) necessário(s), por determinação
legal, para regulamentar e constituir a empresa.
Para cada modalidade empresarial, existem documentos
específicos que deverão regê-la. Por exemplo, para constituição
de uma Sociedade Limitada, é necessária a elaboração de um
Contrato Social, nos moldes dos arts. 997 a 1.000 do Código
Civil. Por sua vez, as Sociedades Anônimas são regidas por um
Estatuto Social, de acordo com a Lei Federal n.º 6.404/1976.
Deve-se observar ainda as normas e exigências legais
de tais instrumentos, sob pena de enfrentarem problemas
jurídicos futuros ou sequer terem a sua inscrição como
empresa/sociedade autorizadas pelo órgão responsável pelo
registro.
Por exemplo, o STJ considera necessária a inscrição na
Junta Comercial para que o procedimento de Recuperação
Judicial seja deferido32
. Essa é apenas uma consequência
32
Vide decisão proferida no REsp 1193115 – MT, julgado em 20 de agosto de
2013: “RECUPERAÇÃO JUDICIAL. COMPROVAÇÃO DA CONDIÇÃO DE
EMPRESÁRIO POR MAIS DE 2 ANOS. NECESSIDADE DE JUNTADA DE
DOCUMENTO COMPROBATÓRIO DE REGISTRO COMERCIAL. DOCUMENTO
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 31 ]
negativa de uma empresa que não possui o seu registro
realizado corretamente.
No Brasil, a regulamentação e coordenação das
atividades de registros de empresas mercantis é realizada pelo
Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração
(DREI), entidade do Governo Federal vinculada à Secretaria
Especial da Micro e Pequena Empresa.
O site da entidade33
contém uma série de Instruções
Normativas e orientações aos usuários, que regulamentam os
procedimentos de abertura das empresas e orientam na
realização dos trâmites burocráticos.
É interessante que o empreendedor observe se tal
órgão – que regulamenta os procedimentos das Juntas
SUBSTANCIAL. INSUFICIÊNCIA DA INVOCAÇÃO DE EXERCÍCIO
PROFISSIONAL. INSUFICIÊNCIA DE REGISTRO REALIZADO 55 DIAS APÓS O
AJUIZAMENTO. POSSIBILIDADE OU NÃO DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESÁRIO
RURAL NÃO ENFRENTADA NO JULGAMENTO. 1 - O deferimento
da recuperação judicial pressupõe a comprovação documental da qualidade
de empresário, mediante a juntada com a petição inicial, ou em prazo
concedido nos termos do CPC 284, de certidão
de inscrição na Junta Comercial, realizada antes do ingresso do pedido em
Juízo, comprovando o exercício das atividades por mais de dois anos,
inadmissível a inscrição posterior ao ajuizamento. Não enfrentada, no
julgamento, questão relativa às condições de admissibilidade ou não de
pedido de recuperação judicial rural. 2 - Recurso Especial improvido quanto
ao pleito de recuperação.”
33
Disponível em: <http://drei.smpe.gov.br/>. No site é possível encontrar a
Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE), modelos de
comunicações e declarações, ademais de tabelas e formulários ligados às
atividades empresariais.
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 32 ]
Comerciais – possui alguma disposição especial sobre o modelo
empresarial que a startup pretende adotar.34
Como etapa preliminar, é importante também que se
verifique se há necessidade de aprovação prévia de órgãos
governamentais para o exercício da atividade pretendida, assim
como quais são os alvarás de funcionamento e licenças
necessárias para o funcionamento da empresa.
A Instrução Normativa do Departamento Nacional de
Registro de Comércio n. 114, de 30 de setembro de 2011, lista
determinados “atos empresariais sujeitos à aprovação prévia de
órgãos e entidades governamentais para registro nas juntas
comerciais”. Segundo o anexo da Instrução, startups do ramo
de seguros, como a Youse, por exemplo, necessitam da
aprovação de sua atuação pela Superintendência de Seguros
Privados – SUSEP.
Ademais, as startups que pretendem atuar em áreas de
maior controle, como o mercado financeiro (as famosas
fintechs, que são regulamentadas pelo Banco Central, Comissão
de Valores Mobiliários ou Superintendência de Seguros, dentre
outros) ou na área ambiental (IBAMA, Instituto Chico Mendes,
órgãos estaduais e municipais...), devem ter bastante cuidado
com as regulamentações dos órgãos de controle específicos,
pois as punições para o seu descumprimento são mais rígidas e
podem tornar inútil todo o trabalho já realizado.
Providenciada a documentação exigida e as
licenças/autorizações preliminares, o próximo passo é realizar o
34
Para verificar as Instruções Normativas em vigor, acesse:
<http://drei.smpe.gov.br/legislacao/instrucoes-normativas/titulo-menu/new-
instrucoes-normativas-em-vigor>.
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 33 ]
registro comercial da startup. Essa etapa também dependerá
do modelo adotado, porém, em regra, os registros são
realizados no Registro Público de Empresas Mercantis,
popularmente conhecido como Junta Comercial35
. Em alguns
casos, como as Sociedades em Conta de Participação, é exigido
apenas o registro nos Cartórios de Civil de Pessoas Jurídicas.
Diferentemente do Departamento Nacional de Registro
Empresarial e Integração - DREI, que é vinculado ao Governo
Federal, as juntas comerciais são vinculadas aos Estados,
geralmente sendo formalizadas como autarquias. Deste modo,
o funcionamento de cada uma das Juntas varia por localidade.
Nas juntas comerciais menos atualizadas, o registro
empresarial somente pode ser solicitado de modo presencial,
ou via correios, com a apresentação dos seguintes
documentos: requerimento do registro de empresa;
instrumento de instituição empresarial, com suas eventuais
alterações; documentos dos sócios e pagamento de taxas de
registro.
Realizado o pedido de registro, ele será analisado pelos
vogais, julgadores habilitados para análise dos requerimentos
realizados na Junta Comercial. Tal decisão pode ser tomada de
modo singular ou em conjunto, por meio do colégio de vogais.
Com a aprovação do registro, a empresa terá acesso ao
Número de Identificação de Registro de Empresas – NIRE. Esse
número identificador, composto por 11 dígitos, será o número
de identificação de sua empresa perante o estado da Junta
Comercial onde foi feito o registro.
35
A junta comercial do seu Estado pode ser encontrada no site do DREI, no
seguinte endereço: <http://drei.smpe.gov.br/assuntos/juntas-comerciais>.
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 34 ]
A ausência de regularidade perante a Junta Comercial
ocasiona diversas limitações a empresa. Por exemplo, esta não
pode solicitar a recuperação judicial36
, nem solicitar a falência
dos seus devedores37
.
Posteriormente a realização dessa etapa, o
empreendedor deve realizar o cadastro na Receita Federal,
obtendo o número de registro empresarial no Cadastro
Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ)38
. Essa numeração nada
mais é do que o número de identificação nacional das
empresas. É o CPF das pessoas jurídicas.
A ausência desse cadastro mantém a empresa na
informalidade, criando diversas limitações, tais como
impossibilidade de emissão de notas fiscais, a vedação ao
registro de marca, a proibição de contratação com a maioria
das médias e grandes empresas, além do poder público, a
dificuldade de obtenção de financiamentos, dentre outros. Ou
seja, sem uma regularização legal, é impossível que qualquer
empresa se desenvolva.
Feito isso, a startup deve providenciar os registros nas
secretarias das fazendas estaduais ou municipais (dependendo
das atividades que exerçam), para que possam recolher os
tributos devidos. Por exemplo, startups que atuam
36
Art. 51, V, da Lei de Falências.
37
Art. 97, parágrafo primeiro, da Lei de Falências.
38
O requerimento do CNPJ pode ser realizado online, por meio do site da
Receita Federal. Para cada procedimento, é necessária uma série de
documentos, que pode ser verificada no seguinte endereço:
<http://www.receita.fazenda.gov.br/PessoaJuridica/CNPJ/tabelas/Documento
sEventos.htm>. No caso do MEI, o CNPJ e o número de inscrição na Junta
Comercial são obtidos logo após o seu cadastramento online.
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 35 ]
exclusivamente na área de serviços, provavelmente39
não
necessitaram do registro estadual, pois o principal tributo
devido será o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza -
ISS, de competência municipal. Já se comercializam produtos,
será necessário o registro estadual, para o recolhimento do
ICMS.
Veja, no entanto, que alguns Estados já possuem suas
juntas comerciais com inúmeros serviços digitais (a JUCERJA E
JUCERN, por exemplo), possibilitando o protocolo de pedidos
de constituição, alteração e extinção empresarial online.
Além disso, buscando dar uma maior celeridade ao
processo de formalização empresarial, que segundo o Banco
Mundial demora longos 107 dias no Brasil40
, os Estados já vêm
implementando a Rede Nacional para a Simplificação do
Registro e da Legalização de Empresas e Negócios.
Criada pela Lei Federal n.º 11.598/2007, a REDESIM
buscou criar mecanismos que integrasse a Receita Federal com
as Juntas Comerciais e diversos órgãos estaduais e municipais,
permitindo que os empreendedores abram e regularizem o seu
negócio de forma simples e sem burocracia. Por isso, é
importante verificar se esse sistema já foi implementado em
seu Estado.
Nesse sistema, que concentra a obtenção do NIRE,
CNPJ, inscrições, alvarás e licenças em uma única plataforma, é
39
Podem existir taxas instituídas em âmbito estadual que exijam a obtenção
da inscrição perante tal ente.
40
DESIDÉRIO, Mariana. Quanto tempo demora para abrir uma empresa no
Brasil? EXAME.COM. 12 fev 2016. Disponível em:
<http://exame.abril.com.br/pme/quanto-tempo-demora-para-abrir-uma-
empresa-no-brasil/>. Acesso em: 20 mar. 2017.
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 36 ]
possível ter a sua empresa regularizada em menos de 24 horas,
o que pode te fazer economizar muito tempo e dinheiro.
Nessas etapas de registro, deve-se ter muita atenção
com a Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE
da sua empresa. Tal categorização é realizada com base em
uma lista de atividades econômicas separadas por códigos, cuja
empresa deverá ser enquadrada em alguma delas.
O CNAE é muito importante pois ele é utilizado como
parâmetro para emissão de notas fiscais, recolhimento de
tributos, definição das obrigações acessórias41
e até mesmo
obtenção de incentivos fiscais. A classificação errada pode
trazer grandes prejuízos para sua empresa.
Finalizadas essas fases, a startup está legalmente
habilitada para atuar no mercado.
CHECKLIST – FORMALIZAÇÃO DA EMPRESA
NIRE – Junta Comercial
CNPJ – Receita Federal
Alvarás de Funcionamento – Prefeitura Municipal
Licenças Especiais – Órgãos Reguladores
Inscrição Estadual e/ou Municipal – Estado ou Prefeitura
41
Quando tratamos de tributos, a obrigação principal é o pagamento da
quantia em dinheiro. Por sua vez, obrigações acessórias são aquelas
secundárias, como o preenchimento de documentações de prestação de
contas. Uma obrigação acessória, por exemplo, é o preenchimento da
declaração anual de Imposto de Renda.
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 37 ]
3. DOCUMENTOS DE CONSTITUIÇÃO
EMPRESARIAL
Conforme já abordado, as startups diferem em diversas
situações das empresas tradicionais. Seus produtos usualmente
relacionados à modernização de serviços ou tecnologias, suas
relações com incubadoras e aceleradoras, seu amadurecimento
empresarial em ritmo frenético, dentre outras situações e
características, tornaram necessária a adaptação dos
instrumentos e documentos jurídicos tradicionais, de modo com
que se adequassem às necessidades desse novo mercado,
suprindo as lacunas existentes em diversos ramos do direito.
São nessas mudanças que as principais cautelas devem ser
tomadas.
Os negócios funcionam como um relacionamento
amoroso. No início, todos vivem um “mar de rosas”, pois as
expectativas de que a startup terá um crescimento rápido e
será um case de sucesso permeiam a cabeça dos envolvidos.
Afinal, quem não empreende pensando em alcançar o êxito
profissional e financeiro?
Porém, com o passar do tempo, as divergências vão
aparecendo, gerando inúmeros conflitos entre as partes. Por
isso, o ideal é que as normas que vão regulamentar esse
relacionamento empresarial sejam bem definidas no início,
momento em que os antagonismos ainda não são tão
contundentes.
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 38 ]
Para se ter uma ideia desse cenário, um estudo
realizado pela Aceleradora Startup Farm apontou que as
principais causas de fechamento das startups brasileiras são os
conflitos entre os sócios42
e o desnivelamento entre os
interesses de mercado e as propostas de valores43
das
empresas.
Veja que a maioria dos conflitos surge pois os sócios
fundadores não dão o devido valor para os documentos legais
que irão regulamentar a relação entre eles. A grande maioria as
empresas (incluindo as startups) utilizam algum modelo
genérico de Contrato ou Estatuto Social, que não atende as
especificidades desta, e apenas quando surge algum conflito é
que estes buscam idealizar um modelo adequado para o seu
negócio. Ocorre que nesse momento, as divergências entre os
sócios já estão acentuadas, o que impede a realização dos
ajustes necessários da forma mais racional e adequada para os
interesses da empresa.
Deste modo, quando tratamos da elaboração dos
documentos que irão regular as relações jurídicas e
42
Um caso que ilustra bem como o conflito entre sócios pode depreciar uma
empresa é o caso da rede de livrarias Saraiva. Vide HAYASHI, Ney. Saraiva
perde 88% do valor em 5 anos com briga de sócios. Exame negócios. São
Paulo. 14 jul. 2016. Disponível em:
<http://exame.abril.com.br/negocios/noticias/saraiva-perde-88-do-valor-em-
5-anos-em-meio-a-briga-de-soci>. Acesso em: 26 jul. 2016.
43
BICARELLI, Bárbara. Época Negócios. 74% das startups brasileiras fecham
após cinco anos, diz estudo. 07 jul. 2016. Disponível em:
<http://epocanegocios.globo.com/Empreendedorismo/noticia/2016/07/74-
das-startups-brasileiras-fecham-apos-cinco-anos-diz-estudo.html>. Acesso
em: 17 jul. 2016.
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 39 ]
interpessoais das empresas, é importante que a atuação
preventiva seja a palavra de ordem.
Assim, analisaremos – sob a ótica das necessidades das
startups – alguns instrumentos contratuais que são necessários
para a sua constituição formal como empresa ou sociedade,
outros que vêm sendo utilizados para fornecer mais segurança
jurídica aos empreendedores, assim como algumas
modernizações documentais que foram criadas no intuito de
atender as necessidades geradas por tais empresas.
3.1. Contrato Social e o Estatuto Social
O Contrato Social e o Estatuto Social são os documentos
de criação da maioria das sociedades. Estes funcionam como
uma espécie de “lei” que regulamenta as relações entre os
participantes da sociedade, sejam eles administradores, sócios
ou cotistas.
A legislação que regulamenta cada tipo de sociedade
elenca qual o instrumento adequado para a sua constituição
(para as Sociedades Limitadas, se usa o Contrato Social; para
as Sociedades Anônimas, o Estatuto Social, por exemplo) e
quais os requisitos básicos para a formalização de tais
documentos.
Na elaboração destes, as exigências legais devem ser
respeitadss pelos sócios-fundadores, sob pena de terem o
registro da empresa na Junta comercial negado ou próprio
documento questionado judicialmente no futuro.
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 40 ]
Porém, como no direito privado44
costuma-se dizer que
“o que não é proibido, presume-se permitido” (Permittitur quod
non prohibetur), desde que cumpridas as determinações legais
e não atentem contra liberdades em geral e princípios
contratuais da boa-fé, lealdade e transparência, as partes
podem realizar as disposições de acordo com o seu arbítrio, em
respeito ao princípio da autonomia das vontades.
Acerca do Contrato Social, determina o art. 997 do
Código Civil que são requisitos básicos para a sua formalização:
“Art. 997. A sociedade constitui-se mediante
contrato escrito, particular ou público, que, além
de cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará:
I - nome, nacionalidade, estado civil, profissão e
residência dos sócios, se pessoas naturais, e a
firma ou a denominação, nacionalidade e sede dos
sócios, se jurídicas;
II - denominação, objeto, sede e prazo da
sociedade;
III - capital da sociedade, expresso em moeda
corrente, podendo compreender qualquer espécie
de bens, suscetíveis de avaliação pecuniária;
IV - a cota de cada sócio no capital social, e o
modo de realizá-la45
;
V - as prestações a que se obriga o sócio, cuja
contribuição consista em serviços;
44
Ramo do direito que trata da relação entre os particulares.
45
O cap table ou capitalization table é uma ferramenta muito utilizada pelas
startups organizadas em forma de sociedade que facilitam a visualização da
estrutura societária ou acionista do negócio. Basicamente, o cap table
organiza os sócios/acionistas em uma tabela, de acordo com a sua
participação empresarial. Com isso, facilita-se a visualização dos quóruns
necessários para a tomada de decisões do negócio, e quais as consequências
de tais decisões para cada um dos sócios.
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 41 ]
VI - as pessoas naturais incumbidas da
administração da sociedade, e seus poderes e
atribuições;
VII - a participação de cada sócio nos lucros e nas
perdas;
VIII - se os sócios respondem, ou não,
subsidiariamente, pelas obrigações sociais.”
Elaborado o modelo básico contratual com tais
requisitos, os sócios ficam livres para deliberar sobre assuntos
gerais, tais como procedimento de expulsão dos sócios,
metodologia de divisão de perdas e lucros, a venda da
participação no capital social, direito de preferência, atribuições
dos sócios, dentre outros.
O mesmo regramento determina ainda que nos trinta
dias seguintes a sua constituição, “a sociedade deverá requerer
a inscrição do Contrato Social no Registro Civil das Pessoas
Jurídicas do local de sua sede” (art. 998 do Código Civil
Brasileiro). No capítulo anterior, tratamos do procedimento para
tal registro.
As cláusulas específicas necessitam ser idealizadas de
acordo com as características e necessidades do negócio. Deve-
se ter cuidado em não inserir no contrato disposições que
sejam contrárias ao regulamento legal da sociedade realizada.
Por exemplo, um Contrato Social não pode determinar a
possibilidade de participação no Conselho Fiscal de sócios não
residentes no país, uma vez que no art. 1.066 do Código Civil
há proibição expressa quanto a isso.
Por fim, observe que o Contrato Social não deve ser
utilizado como um extenso regulamento das normas e
disposições da sociedade. Esse documento, se detalhado, tem o
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 42 ]
lado positivo de trazer segurança jurídica para os sócios, uma
vez que os pormenores da relação social estarão bem
estabelecidos. Em contrapartida, todas as modificações no
Contrato Social devem ser aprovadas por deliberações dos
sócios e serem averbadas no Registro competente, o que pode
atravancar o andamento da startup em determinadas situações.
No tocante aos Estatutos Sociais, seus requisitos
essenciais não são sumarizados em uma lei específica, como
ocorre com o Contrato Social. Na elaboração deste documento,
as partes deverão observar os requisitos da lei que
regulamentam a sociedade específica, apanhando quais as
disposições essenciais na elaboração do documento. Por
exemplo, caso queira realizar uma sociedade cooperativa, a Lei
Federal a ser observada será a n.º 5.764/1971.
Em se tratando das Sociedades Anônimas, estas são
regidas pela Lei Federal n.º 6.404/1976. Assim, os
empreendedores que pretendem tornar a sua startup uma S.A.
devem realizar um apanhado nesta legislação acerca de quais
os requisitos básicos e limitações para a elaboração de tais
documentos. Por exemplo, são algumas disposições de tal lei
sobre o tema:
“Art. 2º Pode ser objeto da companhia qualquer
empresa de fim lucrativo, não contrário à lei, à
ordem pública e aos bons costumes.
[...]
§ 2º O estatuto social definirá o objeto de modo
preciso e completo.”
***
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 43 ]
“Art. 5º O estatuto da companhia fixará o valor do
capital social, expresso em moeda nacional.”
***
“Art. 11. O estatuto fixará o número das ações em
que se divide o capital social e estabelecerá se as
ações terão, ou não, valor nominal.”
***
“Art. 19. O estatuto da companhia com ações
preferenciais declarará as vantagens ou
preferências atribuídas a cada classe dessas ações
e as restrições a que ficarão sujeitas, e poderá
prever o resgate ou a amortização, a conversão de
ações de uma classe em ações de outra e em
ações ordinárias, e destas em preferenciais,
fixando as respectivas condições.”
***
“Art. 22. O estatuto determinará a forma das
ações e a conversibilidade de uma em outra
forma.”
Para a criação de tal documento, são válidas as mesmas
orientações gerais fornecidas para a elaboração do Contrato
Social.
De modo resumido, é possível sistematizar os cuidados
aqui elencados da seguinte forma: i) observar qual o
documento de formalização e regramento do modelo
empresarial e societário que foi escolhido para a startup; ii)
verificar qual(is) a(s) lei(s) e regulamentos que regem o
modelo empresarial ou societário e a elaboração do referido
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 44 ]
documento (se tiver); iii) com base neles, elaborar o
documento atentando aos quais os requisitos obrigatórios de
tal documento, quais as cláusulas específicas atinentes ao
negócio; observar se não há descumprimento das cláusulas
contratuais a alguma determinação legal, e, por fim; iv) revisar
o contrato.
CHECKLIST – CONTRATO OU ESTATUTO SOCIAL
Verificação do documento de formalização do modelo
empresarial ou societário escolhido
Verificação da legislação específica que regulamenta a
realização de tal documento
Elaboração do modelo-base do contrato, com as cláusulas
obrigatórias e específicas
Revisão do contrato
Se tomadas as devidas cautelas, dificilmente a
sociedade enfrentará problemas jurídicos no futuro. E caso
surjam conflitos, tais documentos demonstrarão qual a solução
devida para o caso.
Observe que o Contrato e o Estatuto Social não são os
únicos documentos que podem reger a relação entre os
empreendedores e fundadores da startup. Vejamos agora
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 45 ]
algumas técnicas e documentos que podem ser utilizados para
tornar essa relação mais estável e segura.
3.1.1. CLÁUSULA DE VESTING
O vesting (do inglês vestes ou vestir) é, sem dúvidas,
uma das inovações contratuais mais interessantes relacionadas
ao direito das startups. Sua instituição em documentos e
aplicabilidade prática ainda geram muitas dúvidas aos
empreendedores e aos profissionais da área jurídica46
.
De uso bastante comum nos Estados Unidos pelas
startups e na aplicação de venture capital47
por investidores, o
vesting introduz a ideia de uma nova modalidade de
regulamentação da participação nas empresas, que garante
mais segurança aos sócios fundadores da startup. Vejamos o
porquê.
46
No cenário jurídico nacional, ainda é escassa a produção doutrinária sobre
o tema. Quando se trata de jurisprudência, a situação é ainda mais
dramática, tendo em vista que não há nenhuma decisão que aborde a
temática do vesting quando aplicados para startups. As decisões que existem
abordam o tema para as stock options, e ainda apresentam confusões
conceituais básicas, tais como confundir o vesting, o cliff e a as próprias stock
options. Por exemplo, veja o trecho de decisão proferida pelo TRT da 3ª
Região, no Recurso Ordinário Trabalhista nº. 0115000-58.2009.5.03.0023:
“Revestem-se de inteira validade as cláusulas contratuais que fixam carências
(vesting) para as chamadas stock options (opção facilitada, com preços pré-
fixados, para aquisição futura de ações da empresa), inclusive estabelecendo
a insubsistência do benefício nos casos de rescisão do vínculo empregatício,
antes do cumprimento da carência. [...]”. No caso, observe que o Magistrado
confunde os conceitos, aplicando a conceituação de cliff para vesting.
47
Nomenclatura fornecida ao capital investido por investidores de risco a
empresas de pequeno ou médio porte que já possuem um faturamento
considerável e uma atividade mais estável, mas que necessitam evoluir o
negócio.
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 46 ]
Em uma empresa ou startup que utilize o modelo
tradicional de repartição de cotas, a partir da formalização e
regularização da sociedade (e da integralização do que lhe é
devido), as partes adquirem a propriedade de suas cotas de
modo absoluto, garantindo, assim, a propriedade da parte da
empresa que lhe é devida.
Para facilitar o entendimento, utilizaremos a seguinte
situação modelo: quatro amigos (Ana, Bruno, Carlos e Duda)
resolvem montar a startup “Zetta” de marketing digital,
formalizada em modelo de Sociedade Limitada, a qual cada um
possui 25% das cotas do capital social.
Em uma situação tradicional, conforme exposto, a partir
da realização do Contrato Social, com a subscrição e
integralização das cotas, os sócios terão adquiridos
imediatamente a sua participação na empresa. Na prática,
ocorre da seguinte maneira:
Imagem 03
Demonstração da divisão do capital social de uma empresa LTDA
tradicional
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 47 ]
Observe que a partir da data de constituição da
sociedade, cada sócio já tem direito as cotas que lhe são
devidas, permanecendo no mesmo percentual com o passar
dos anos (exceto caso haja alguma alteração no Contrato Social
que afete a participação societária destes).
Apesar desse modelo ser o padrão das empresas
tradicionais, essa forma de manutenção de participação nas
sociedades pode ser um problema, principalmente para as
startups, uma vez que estas contam com uma instabilidade
mercadológica muito elevada (lembra-se do conceito de Eric
Ries, que fala das “condições de extrema incerteza”?), que
podem se valorizar ou encerrar suas atividades
repentinamente, além da maioria delas ter como bem principal
o capital intelectual dos seus participantes. Tais características
ocasionam um problema muito comum nessas empresas: a
saída ou abandono da startup pelos sócios.
Retornando ao caso exemplificativo, imagine a seguinte
situação: após três meses de participação da empresa, Duda se
desencanta com o negócio por não ver o negócio sequer atingir
o break-even48
e decide abandonar a startup. Os demais sócios
continuam trabalhando duro, e cinco meses após a saída de
Duda, a empresa apresenta um produto que revoluciona o
mercado, recebendo uma proposta de venda de milhares de
reais. No momento das tratativas do negócio, os demais sócios
se lembram de que Duda ainda permanece no quadro
societário da empresa, tendo ela direito aos seus 25% do valor
48
É o ponto de equilíbrio financeiro de uma empresa. Nesse caso, o negócio
não tem nem prejuízo, nem lucro, uma vez que as despesas são iguais as
receitas.
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 48 ]
da venda. Essa situação é justa com aqueles que
verdadeiramente se dedicaram ao desenvolvimento do
negócio?
Claro que não. Foi visando evitar surpresas negativas
como esta e fornecer mais segurança aos sócios que
verdadeiramente se dedicam ao negócio que o vesting surgiu.
Com a aplicação deste instrumento, as participações na
sociedade são adquiridas de acordo com o tempo de
permanência dos sócios na empresa ou pelo cumprimento de
metas preestabelecidas. Assim, apenas com o cumprimento dos
pressupostos pactuados é que as partes adquirem sua
participação definitiva no capital social, até o limite contratual
previsto.
Voltando ao caso concreto, caso a cláusula de vesting
houvesse sido implementada na “Zetta” para o período de
quatro anos49
, utilizando como meta o tempo de permanência,
a estrutura de divisão das cotas da empresa ficaria da seguinte
forma:
49
O tempo de aplicabilidade é determinado pelos próprios sócios, de acordo
com as suas necessidades. Não há um prazo determinado ou limitações para
tanto.
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 49 ]
Imagem 04
Demonstração da divisão do capital social de uma empresa LTDA
utilizando o vesting
Note que com o uso do vesting, apenas ao fim do
quarto ano é que cada sócio teria adquirido a totalidade das
cotas que lhe são devidas (25%). No caso concreto, se aplicado
o vesting, Duda teria direito a apenas 1,56%50
do capital social
da empresa, perdendo boa parte das cotas que lhe seriam
cabíveis por não permanecer na empresa pelo período temporal
predeterminado.
50
No caso em análise, os 25% do capital social devidos a Duda apenas
seriam adquiridos integralmente após o quarto ano de permanência na
empresa, ou seja, por cada ano ela recebia 6,25% do capital social (25%
dividido por 4 anos). Tendo em vista que ela quando a empresa tinha apenas
três meses de funcionamento (¼ de ano), ela terá direito a ¼ do percentual
do capital que deveria adquirir em um ano, chegando-se ao valor de 1,56%
do capital social.
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 50 ]
Caso a venda houvesse sido realizada sobre esses
preceitos, não há dúvidas que tal situação se apresenta bem
mais justa, uma vez que a sócia que abandonou a startup não
receberá a mesma parcela dos demais sócios que trabalharam
para alcançar o êxito do negócio.
Veja ainda que o vesting pode ser implementado pelo
cumprimento de metas. Ocorre que tal aplicação é mais
complexa, uma vez que usualmente os setores das empresas
estão bastante interligados, o que pode ocasionar um
travamento do cumprimento de metas por um sócio por inércia
de outro. Por exemplo, se o setor de vendas da “Zetta” não
cumpre suas metas (vender 5.000 produtos por ano),
dificilmente a diretoria financeira também irá cumprir as suas
(aumentar o faturamento em 100% por cento ao ano).
É essencial, portanto, que os sócios arbitrem como e
quais órgãos serão responsáveis por definir tais metas. Em
alguns acordos de sócios, empresas costumam definir que
grandes companhias de auditoria51
serão responsáveis por
solucionar tais conflitos. Porém, os custos de tais contratações
podem ser muito elevados para startup. Por outro lado, os
próprios sócios podem definir isso, porém a confiabilidade e a
capacidade técnica podem não ser as mais adequadas para
essa avaliação.
Além de um instrumento de segurança jurídica para os
sócios, o vesting deve ser visto e utilizado como um
instrumento de motivação para os próprios sócios, mentores
(advisors, boards) e investidores. Isso porque o aumento da
51
Empresas tais como Deloitte Touche Tohmatsu; Ernst&Young; KPMG;
PriceWaterHouseCoopers, entre outros.
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 51 ]
sua participação da empresa com o tempo de permanência
gera um maior interesse em continuar na startup.
Em determinados casos, é possível realizar a aceleração
do vesting. Nessas situações, o tempo previsto para a
consolidação das cotas do vesting é reduzido de acordo com o
previsto no Contrato Social. Geralmente essas situações
ocorrem quando há proposta de venda da startup antes do fim
do prazo de consolidação do vesting; quando há entrada de
novos sócios na empresa, sendo necessário reorganizar o
quadro societário, dentre outras situações que exigem
reformulação nas participações da empresa.
Merece atenção o seguinte detalhe: esse mecanismo
jurídico em estudo não é um contrato, como muitos definem.
Na verdade, este instrumento é um direito contratual, que deve
ser disposto em uma cláusula ou termo no Contrato Social da
startup ou no instrumento de admissão do funcionário ou
mentor.
A fundamentação legal para essa definição se encontra
no inciso IV do art. 997 do Código Civil é claro ao definir que
deve ser objeto do Contrato Social a definição da “cota de cada
sócio no capital social, e o modo de realizá-la”. Dessa forma,
utilizar outro instrumento contratual apenas para dispor sobre o
capital social da startup é ir de encontro ao disposto na
legislação própria sobre o tema.
Apesar de ser uma ferramenta muito útil na resolução
dos problemas ora demonstrados, juridicamente falando ainda
não há um posicionamento dos tribunais e da doutrina sobre
discussões que certamente irão surgir. Por exemplo, o uso do
vesting atenta contra a disposição do §2º do art. 1.055 do
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 52 ]
Código Civil, que determinar ser “vedada contribuição (ao
capital social) que consista em prestação de serviços”? Esse
questionamento pode ser um problema para aqueles que
pretendem ingressar apenas com o capital laboral ou intelectual
na empresa.
Para tal situação, defendo que não há conflito entre a
aplicação do direito contratual comentado e o artigo legal
exposto, uma vez que deve haver a integralização do capital
social antes da aplicação do vesting. Assim, o que se há não é
diretamente uma aquisição na participação do capital social,
mas sim uma perda na participação integralizada por
descumprimento de uma cláusula disposta no próprio Contrato
Social.
Deste modo, na prática, quando o interesse for de
aplicar o vesting para os sócios fundadores, vejo como melhor
opção idealizar tal instrumento da seguinte forma: os sócios
subscrevem e integralizam o seu capital social na forma
acordada em bens ou dinheiro; porém, em seguida, incluem
uma cláusula limitadora de manutenção do capital social
baseado no critério definido pelas partes.
É muito importante também que os sócios deliberem
sobre qual será o destino do capital social em caso de sócios
que não percam parte do capital que lhe seriam devidos por
descumprimento do vesting. Por exemplo, decidindo Duda se
retirar do negócio quando possuía direito a apenas 1,56% do
capital social, os 23,44% do restantes teriam que destino?
Há várias alternativas a serem adotadas: destinar o
percentual para um novo sócio que pretenda ingressar no
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 53 ]
negócio, destinar o percentual para bonificação de funcionários
estrela ou até mesmo repartir entre os sócios remanescentes.
Nessa última situação, teríamos o seguinte cenário: Ana,
Bruno e Carlos passariam a deter 32,81% do negócio. Porém,
em um cenário hipotético em que os sócios remanescentes
possuam cotas diferentes, o ideal é que a divisão das sobras
das cotas sejam repartidas em na proporção do capital social.
Ou seja, se Ana tinha 70% do capital social e Bruno 20%, a
cota em sobra deverá ser dividida nessas mesmas proporções.
Atente ainda que a situação que ora apontamos é de
uma pessoa que não obtêm o êxito no vesting, permanecendo
com apenas um percentual do todo que lhe seria devido no
capital social. Isso porque na prática, decidindo Duda sair do
negócio, a ela cabe o valor referente a 1,56% do capital social,
ficando livres todos os 25% que lhe cabiam, e não apenas os
23,44% apontados.
3.1.2. CLÁUSULA DE CLIFF
Retomemos a situação utilizada como exemplo no tópico
anterior, imaginando que os sócios da “Zetta” utilizaram o
vesting por permanência de quatro anos na repartição do seu
capital social, e que Duda saiu da empresa após três meses da
abertura da empresa.
Conforme dito, com a sua saída, ela teria direito ao
correspondente a 1,56% do capital social. Agora idealize que o
Contrato Social estabelece que o percentual do capital social
que seria devido ao sócio que se retirou do negócio (25% -
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 54 ]
1,56% = 23,44%) será destinado a algum funcionário estrela
ou mentor. Porém, o novo “dono” do capital social também
abandona o negócio pouco tempo após o seu ingresso, ficando
com um pequeno percentual do capital social.
Já imaginou as dificuldades jurídicas e gerenciais que a
presença de vários sócios com pequenas cotas do capital social
podem gerar para a empresa? Um exemplo são os óbices na
reposição dos prejuízos da empresa ou para alteração no
Contrato Social, uma vez que dispõe o art. 999 do Código Civil
que:
“Art. 999 - As modificações do contrato social, que
tenham por objeto matéria indicada no art. 997,
dependem do consentimento de todos os sócios;
as demais podem ser decididas por maioria
absoluta de votos, se o contrato não determinar a
necessidade de deliberação unânime.”
Visando evitar tais situações é que o cliff surgiu como
complemento ao vesting. Palavra que em inglês significa
penhasco ou desfiladeiro, o vocábulo foi utilizado para essa
situação pois sua aplicação gera uma quebra na linha contínua
de participação do capital social criada no vesting ou nos
contratos padrão, com uma imagem que se assemelha a um
precipício em um cenário regular, como se pode observar no
gráfico abaixo:
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 55 ]
Imagem 05
Demonstração da divisão do capital social de uma empresa LTDA
utilizando o vesting e o cliff inicial
O cliff é representado por essa quebra na linha contínua
existente entre o período de criação da empresa e o seu
primeiro ano. Na prática, sua aplicação significa que a aquisição
das cotas do capital social poderá ocorrer de duas formas: ou
após um período de carência inicial, conforme acima exposto;
ou por saltos no período de aquisição, conforme se pode
observar abaixo.
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 56 ]
Imagem 06
Demonstração da divisão do capital social de uma empresa LTDA
utilizando o vesting e o cliff periódico
O que a aplicação desse instrumento busca é limitar que
os sócios que abandonem a empresa só passem a ter direito ao
que lhe era devido no capital social após o cumprimento de um
período mínimo predeterminado; e, em alguns casos, caso o
sócio saia após um período considerável de permanência na
empresa, que este tenha um percentual de participação
determinado, e não valores quebrados do capital social, que
dificultaram a administração da empresa.
Para facilitar, voltemos ao exemplo concreto: caso a
“Zetta” houvesse aplicado o vesting de permanência pelo
período de quatro anos, com o cliff de um ano, a saída de Duda
da startup três meses após a sua fundação ocasionariam a
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 57 ]
perda do seu capital social devido, deixando de integrar o
quadro societário da empresa, não tendo direito a nenhuma
indenização por sua saída.
Em outra situação figurativa, se implementado o vesting
e o cliff nos moldes do último gráfico, caso Duda decidisse sair
da empresa após dois anos e seis meses de permanência, esta
teria direito a 12,5% do capital social da empresa, e não a
15,625%, que seria o valor devido caso apenas o vesting
houvesse sido utilizado.
Atente que a efetivação desses instrumentos deve ser
realizada com todos os cuidados devidos. Se aplicados de
forma incorreta, suas dificuldades de aplicação prática e
consequências negativas podem ser maiores que as benesses.
Por isso, analise e veja se vale utilizar tais instrumentos na
constituição da sua empresa.
3.2. Acordo de acionistas, Memorandum of
Understanding (MOU) e Term sheet
Nas relações que envolvem pessoas, quanto mais forem
demarcadas e detalhadas os direitos e deveres de cada um,
menos haverá espaço para discussões negociais, que podem
gerar conflitos desnecessários entre as partes. Por isso, as
startups devem utilizar ao máximo as ferramentas jurídicas
disponíveis que têm o condão de regular tais relações.
O acordo de acionistas/sócios, os memorandos de
entendimentos (memorandum of understanding) e as cartas ou
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 58 ]
protocolos de intenções (term sheets) são alguns dos
documentos que possuem tais funções. A nomenclatura
adequada52
irá variar de acordo com a sua utilização, mas, em
regra, todos estes buscam alinhar os termos de uma relação
comercial e jurídica que poderá ser implementada no futuro, ou
já se encontra em vigência.
Na prática, uma das utilizações de tais documentos é o
estabelecimento de regras, comportamentos e intenções de
partes envolvidas em uma negociação, principalmente naquelas
que exigem uma abertura de informações entre as empresas,
cujo vazamento ou utilização indevida possam ocasionar
consequências negativas para as partes.
É comum que na realização de transações comerciais
entre startups e terceiros que tenham como objetivo o
recebimento de investimentos, venda da empresa (parcial ou
total), realização de parcerias ou joint ventures, entre outras
atividades haja uma troca de informações entre os envolvidos,
no intuito de analisar a viabilidade e consequências da
operação almejada.
Por exemplo, essa abertura de informações pode ser
necessária para que um investidor, na realização de um due
52
Há ainda algumas discussões sobre as nomenclaturas corretas a serem
utilizadas em alguns documentos. Por exemplo, há quem utilize o Memorando
de Entendimentos como sinônimo ao Acordo de Acionistas, enquanto outros
utilizam a mesma nomenclatura como sinônimo para os terms sheets. Porém,
note que o nome dado ao documento não tem uma importância muito
elevada, pois o mais importante é o conteúdo (na seara jurídica, esse
entendimento é fundamentado com base no princípio da instrumentalidade
das formas).
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 59 ]
diligence53
antes de fechar um negócio em potencial, avalie a
necessidade de aplicação de um hurdle rate54
para o seu
investimento; ou na fixação de um earn out55
, no caso de
propostas de vendas para o seu negócio.
Desta forma, será por meio da elaboração de um
memorando de entendimentos ou term sheet que os envolvidos
irão regulamentar o uso de tais informações e definir quais
serão as etapas do negócio, obrigações e direitos das partes
envolvidas e consequências caso haja descumprimento do que
fora acordado ou vazamento de informações essenciais.
Um exemplo de uso do memorando de entendimentos
foi o idealizado entre o Governo do Amazonas, a Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas, a empresa
SOFTEX e o Programa Nacional de Aceleração de Startups
denominado Startup Brasil, para regulamentar o apoio do
estado ao desenvolvimento na região.56
Nesse caso, o
memorando objetivou regulamentar como serão realizados os
53
Procedimento de auditoria e investigação nas informações e dados de um
negocio ou empresa, no intuito de se traçar um panorama geral desta.
54
Taxas mínimas que investidores esperam receber após realizarem aportes
em startups, que variam de acordo com o montante investido e o risco
assumido por este.
55
Acordos que propõem o recebimento de valores ou participação em
empresas para que determinado empreendedor realize a venda do seu
negócio.
56
Governo do Estado, via Seplan-CTI e FAPEAM, assinam memorando de
entendimentos com Startup Brasil para apoio a novas empresas no
Amazonas. FAPEAM. 19 nov. 2015. Disponível em:
<http://www.fapeam.am.gov.br/governo-do-estado-via-seplan-cti-e-fapeam-
assina-memorando-de-entendimento-com-startup-brasil-para-apoio-a-novas-
empresas-no-amazonas/>. Acesso em: 24 jul. 2016.
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 60 ]
investimentos pelo estado do Amazonas para fomentar as
atividades empreendedoras via startups.
Outro exemplo prático é o acordo de entendimentos
realizado entre a FINEP e a Agência Holandesa de
Empreendimentos, buscando fortalecer a parceria entre as
instituições de pesquisa e inovação brasileiras e holandesas,
criando uma “rede transnacional em cooperação científica,
tecnológica e industrial”.57
Sua implementação também pode ser concretizada em
uma relação societária ou empresarial já estabelecida, como
forma de dispor sobre aspectos gerais do negócio.
No caso de necessidade de regulamentação das
relações entre sócios ou acionistas, ou fortalecimento dos
objetivos, metas e ideais da startup, o acordo de sócios ou
acionistas é o instrumento mais adequado. Tendo em vista que
as alterações nos Contratos e Estatutos Sociais demandam
procedimentos mais complexos e burocráticos (definidos em
lei), utilizar tais documentos pode ser uma alternativa mais
prática, uma vez que estes documentos têm força contratual,
porém são mais fáceis de serem alterados e redigidos, por não
possuírem limitações legais específicas.
Por exemplo, pode-se utilizar o acordo de sócios ou
acionistas58
para definir quais serão as diretorias de uma
startup, regulamentando suas metas e formas de atuação.
57
FINEP. Assinado Memorando de Entendimento entre o FINEP e holandesa
RVO. 21 jun. 2016. Disponível em: <http://www.finep.gov.br/noticias/todas-
noticias/5270-assinado-memorando-de-entendimento-entre-finep-e-
holandesa-rvo>. Acesso em: 11 jul. 2016.
58
Alguns doutrinadores do direito dividem o acordo de acionistas das S.A em
três espécies: acordo de comando, que irá regulamentar e organizar a
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 61 ]
Funcionar como um guideline para operação dos
negócios empresariais pode ser uma outra forma de utilização
de tais documentos, servindo como parâmetro em casos de
questionamentos sobre que decisão tomar em casos de
recepção de investimentos, venda da empresa59
, ou em
debates sobre interpretação do Contrato ou Estatuto Social.
Apesar de, em geral, não existir regulamentação legal
específica sobre esses documentos60
, é muito importante que
as partes, no momento de sua elaboração, observem as
disposições genéricas para as elaborações de contratos comuns
elencadas na parte geral e no título V do Código Civil:
“Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:
I - agente capaz;
II - objeto lícito, possível, determinado ou
determinável;
III - forma prescrita ou não defesa em lei.”
Além disso, como todo contrato, estes devem respeito
aos princípios contratuais elencados no art. 442 do Código Civil,
administração e controle do negócio; acordo de defesa, realizado pelos sócios
ou acionistas minoritários no intuito de buscar direitos legais; e acordos
mistos, que servem para regulamentar relações entre sócios e acionistas
minoritários e majoritários. Outros classificam também, quanto ao conteúdo,
como acordo de voto, de bloqueio ou múltiplo; ou quanto aos efeitos como
unilateral, bilateral ou plurilateral.
59
O termo “exit” é muito utilizado no cenário das startups para designar o
momento de venda da empresa.
60
O acordo de acionistas é regulamentado no art. 118 da Lei das Sociedades
Anônimas (Lei Federal n.º 9.404/1976). Assim quando o documento for
elaborado para regulamentar “sobre a compra e venda de suas ações,
preferência para adquiri-las, exercício do direito a voto, ou do poder de
controle” das S.A, as disposições desse artigo também deverão serem
respeitadas.
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 62 ]
assim como às fases essenciais a tais instrumentos, que são as
tratativas, acordo e cumprimento.
“Art. 422. Os contratantes são obrigados a
guardar, assim na conclusão do contrato, como
em sua execução, os princípios de probidade e
boa-fé.”
Veja também que as suas disposições não devem ser
contrárias ou conflituosas com o Contrato ou Estatuto Social.
Se feitos de tal maneira, o documento perde totalmente o seu
sentido de criação, e pode gerar inúmeros conflitos entre os
sócios e acionistas. Note, por fim, que os requisitos que a lei
elenca como obrigatórios aos Contratos ou Estatutos Sociais
não devem ser abarcados nos acordos de sócios ou acionistas,
mas sim no documento em que são devidos.
É interessante que esses contratos, denominados no
meio jurídico de “parassociais”, sejam averbados ao Contrato
ou Estatuto Social na Junta Comercial, sem prejuízo do registro
em cartório competente, para que forneçam uma maior
segurança jurídica aos envolvidos e à própria empresa.
3.3. Contratos de confidencialidade e sigilo
Os contratos, termos ou acordos de confidencialidade
ou sigilo (também denominados de non disclosure agreements
- NDA) talvez sejam os documentos - dentre os mais
importantes - menos utilizados pelas startups. E essa relevância
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 63 ]
está vinculada a sua função contratual: proteger a produção e
propriedade material e intelectual de tais empresas.
É fato que um dos maiores medos dos sócios de uma
empresa é o vazamento de informações essenciais que podem
excluir o diferencial (competitive edge) daquela startup,
tornando-a apenas “mais uma” no mercado. E esse medo não
caminha sozinho: a saída de sócios ou funcionários da empresa
para concorrentes, ou até mesmo para fundarem uma startup
no mesmo ramo de atuação61
é outro pesadelo que assombra
os empreendedores. Para quem sofre desses temores, a melhor
saída é a utilização dos contratos de confidencialidade e sigilo.
Primeiramente, tais contratos visam resguardar a
empresa do vazamento de informações sigilosas por parte dos
seus membros (sejam eles sócios, funcionários ou mentores)
ou de terceiros que, por qualquer motivo, venham a ter acesso
as informações consideradas confidenciais (como advogados,
clientes, contadores, dentre outros).
Sua aplicabilidade pode ocorrer de duas formas: ou em
um instrumento próprio, que regulamente apenas como se dará
a proteção da confidencialidade; ou em cláusulas ou termos
dentro de outros contratos existentes. Por exemplo, tal
proteção pode ser um termo ou cláusula dentro do contrato de
trabalho de um funcionário ou do próprio Contrato Social de
uma empresa. Usualmente, aconselha-se que este contrato
seja feito em um documento separado, uma vez que sua
elaboração específica o torna mais completo.
Note que essa proteção não deve ser adotada apenas
com os funcionários e terceiros, mas principalmente entre os
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 64 ]
sócios. Isso porque estes detêm o conhecimento de todo o
funcionamento da empresa, e o vazamento de informações ou
uso indevido por membros do quadro societário pode
representar o fim da startup.
Os clientes também devem estar cientes de que não
devem fornecer a terceiros alheios à relação comercial
informações importantes sobre o modo de operação da startup.
Por isso, cláusulas de confidencialidade são sempre bem vindas
nos contratos de prestação de serviços.
Para elaboração de tal documento, é aconselhável
observar as seguintes disposições:
a) Qualificação das partes: sócios, empregados,
clientes, prestadores de serviços, entre outros. Em
regra, são as partes principais envolvidas no
contrato. Por exemplo, caso este documento seja
realizado entre duas empresas, estas deverão ser
as partes contratuais. Não será necessário que a
empresa coloque todos os sócios e funcionários
para assinar esse contrato, pois a extensão deste
documento será tratado em uma das listadas
adiante;
b) Objeto do contrato: deverá ser a elaboração
de um contrato de confidencialidade e sigilo que
visa regular, proteger e resguardar a troca de
informações confidenciais e sigilosas entre as
partes;
c) Definições gerais: deverá definir quem são as
partes reveladoras e receptoras; quais informações
serão consideradas confidenciais; e delimitar quais
as formas de transmissão das informações
confidenciais entre os envolvidos;
61
Vide também o tópico que aborda as cláusulas de não concorrência.
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 65 ]
d) Extensão da responsabilidade: abalizar a
quem se estende o contrato de confidencialidade
(empregados, contratados, subcontratados,
terceiros vinculados às partes, etc.);
e) Limitações e obrigações da parte receptora:
estabelecer quais os limites da parte receptora no
uso das informações (não divulgar, discutir, usar,
revelar, ceder ou dispor as informações a
terceiros...); responsabilizar-se por impedir o
vazamento das informações, arcando com os
custos necessários para tanto; comunicar a parte
reveladora o vazamento de informações, et al.
f) Extensão da confidencialidade: limitar a quais
informações a confidencialidade se aplica (não se
aplica o sigilo para as informações de domínio
público, que não sejam emitidas sob o manto da
confidencialidade, etc.).
g) Da guarda de informações: definir quais serão
os meios e cuidados tomados entre as partes na
guarda das informações protegidas pelo referido
contrato, e como ocorrerá a devolução ou exclusão
dos dados após o fim do contrato.
h) Penalidades: determina quais serão as
penalidades administrativas, civis e criminais para
quem descumprir o contrato.
i) O prazo de validade do contrato: em geral, a
validade se estende desde o período das tratativas
negociais até um prazo após o fim do contrato,
denominado de quarentena (varia de acordo com
o interesse das partes, mas em comum utilizam o
período de 2 a 5 anos).
j) Disposições gerais: são as cláusulas gerais
dos contratos.
A aplicação desse instrumento deve ser utilizada de
forma cuidadosa pelas partes, no intuito de evitar brechas
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[ 66 ]
legais que permitam o vazamento de informações empresariais
pelos envolvidos no negócio.
Veja ainda que a idealização de tal contrato pode ser
uma prova bastante importante para a caracterização do crime
de concorrência desleal, previsto no art. 195 da Lei Federal n.º
9.279/1996 (Lei de Proteção à Propriedade Industrial) e que
elenca inúmeras ações que podem configurar este ilícito.
“Art. 195. Comete crime de concorrência desleal
quem:
I - publica, por qualquer meio, falsa afirmação, em
detrimento de concorrente, com o fim de obter
vantagem;
II - presta ou divulga, acerca de concorrente, falsa
informação, com o fim de obter vantagem;
III - emprega meio fraudulento, para desviar, em
proveito próprio ou alheio, clientela de outrem;
IV - usa expressão ou sinal de propaganda alheios,
ou os imita, de modo a criar confusão entre os
produtos ou estabelecimentos;
V - usa, indevidamente, nome comercial, título de
estabelecimento ou insígnia alheios ou vende,
expõe ou oferece à venda ou tem em estoque
produto com essas referências;
VI - substitui, pelo seu próprio nome ou razão
social, em produto de outrem, o nome ou razão
social deste, sem o seu consentimento;
VII - atribui-se, como meio de propaganda,
recompensa ou distinção que não obteve;
VIII - vende ou expõe ou oferece à venda, em
recipiente ou invólucro de outrem, produto
adulterado ou falsificado, ou dele se utiliza para
negociar com produto da mesma espécie, embora
não adulterado ou falsificado, se o fato não
constitui crime mais grave;
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[ 67 ]
IX - dá ou promete dinheiro ou outra utilidade a
empregado de concorrente, para que o
empregado, faltando ao dever do emprego, lhe
proporcione vantagem;
X - recebe dinheiro ou outra utilidade, ou aceita
promessa de paga ou recompensa, para, faltando
ao dever de empregado, proporcionar vantagem a
concorrente do empregador;
XI - divulga, explora ou utiliza-se, sem
autorização, de conhecimentos, informações ou
dados confidenciais, utilizáveis na indústria,
comércio ou prestação de serviços, excluídos
aqueles que sejam de conhecimento público ou
que sejam evidentes para um técnico no assunto,
a que teve acesso mediante relação contratual ou
empregatícia, mesmo após o término do contrato;
XII - divulga, explora ou utiliza-se, sem
autorização, de conhecimentos ou informações a
que se refere o inciso anterior, obtidos por meios
ilícitos ou a que teve acesso mediante fraude; ou
XIII - vende, expõe ou oferece à venda produto,
declarando ser objeto de patente depositada, ou
concedida, ou de desenho industrial registrado,
que não o seja, ou menciona-o, em anúncio ou
papel comercial, como depositado ou patenteado,
ou registrado, sem o ser;
XIV - divulga, explora ou utiliza-se, sem
autorização, de resultados de testes ou outros
dados não divulgados, cuja elaboração envolva
esforço considerável e que tenham sido
apresentados a entidades governamentais como
condição para aprovar a comercialização de
produtos.
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano,
ou multa.”
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[ 68 ]
A aplicabilidade de instrumentos de proteção da
confidencialidade e sigilo dos dados da empresa é um fator de
grande importância para as startups e grandes empresas que
lidam com o desenvolvimento de tecnologias. É uma
característica primordial das grandes empresas do ramo o
cuidado jurídico na guarda de suas informações.
A Apple, por exemplo, maior empresa de tecnologia do
mundo, preza de forma incisiva pela segurança dos seus dados
e produtos, sejam eles softwares ou hardwares. A Foxconn,
empresa responsável pela produção dos aparelhos da Apple,
obriga todos os seus funcionários a assinarem contratos de
confidencialidade e sigilo, além de informarem constantemente
aos seus funcionários dos riscos do vazamento de informações
e realizarem um rígido controle físico, com a utilização de
fiscais de monitoramento e presença de detectores de metal.62
Sem dúvidas, a rígida proteção aos seus produtos tecnológicos
é uma das fórmulas de sucesso da empresa.
62
BOECHAT, Yan. Economia IG. Em segredo, Foxconn começa a produzir
Iphone no Brasil. São Paulo. 18 out. 2011. Disponível em:
Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira
[ 69 ]
CHECKLIST – CONTRATO DE CONFIDENCIALIDADE E
SIGILO
Partes
Objeto do contrato
Definição geral
Extensão da responsabilidade
Limitações e obrigações das partes
Extensão da confidencialidade
Guarda de informações sigilosas
Penalidades
Prazo de validade contratual
Disposições gerais.
<http://economia.ig.com.br/em-segredo-foxconn-comeca-a-produzir-iphone-
no-brasil/n1597290050550.html>. Acesso em: 13 jul. 2016.
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[ 70 ]
4. CLÁUSULAS E INSTRUMENTOS
CONTRATUAIS ESPECÍFICOS
Após realizarmos a análise dos contratos iniciais e
algumas de suas cláusulas mais importantes, vamos estudar
outros instrumentos contratuais com aplicações diversas, que
podem ser úteis na proteção da sua startup.
4.1. Direito de preferência
O direito de preferência é um benefício legal bastante
elencado nos documentos de constituição das sociedades. Sua
utilização só tem sentido em sociedades ou contratos de
investimentos, uma vez que sua aplicabilidade tem o condão de
garantir preferências aos demais sócios, acionistas ou
investidores no caso do aumento ou subscrição do capital social
da empresa, ou no caso da venda das cotas/ações por um dos
sócios/acionistas.
Para as sociedades limitadas, o direito de preferência
está regulamentado nos arts. 1.057 e 1.081 do Código Civil:
“Art. 1.057 - Na omissão do contrato, o sócio pode
ceder sua cota, total ou parcialmente, a quem seja
sócio, independentemente de audiência dos
outros, ou a estranho, se não houver oposição de
titulares de mais de um quarto do capital social.”
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[ 71 ]
***
“Art. 1.081 - Ressalvado o disposto em lei especial,
integralizadas as cotas, pode ser o capital
aumentado, com a correspondente modificação do
contrato.
§1o
- Até trinta dias após a deliberação, terão os
sócios preferência para participar do aumento, na
proporção das cotas de que sejam titulares.
§2o
- À cessão do direito de preferência, aplica-se
o disposto no caput do art. 1.057.
§3o
- Decorrido o prazo da preferência, e assumida
pelos sócios, ou por terceiros, a totalidade do
aumento, haverá reunião ou assembleia dos
sócios, para que seja aprovada a modificação do
contrato.”
O próprio Código Civil determina que, em regra geral, os
sócios serão preferencialmente os adquirentes da parte do
capital social da empresa quando este for ampliado, na
proporção das cotas que sejam titulares. Além disso, dispõe
que caso não haja determinação em contrário no Contrato
Social, pode um sócio ceder suas cotas a outro,
independentemente de autorização dos demais; e, no caso de
cessão para terceiros, esta somente será possível caso não haja
vedação dos titulares de mais de 25% do capital social.
Por exemplo, no caso da startup “Zetta”, caso a
assembleia de sócios decidisse pelo aumento do capital social
da empresa em R$ 10.000,00, cada um dos sócios teria o
direito de preferência a adquirir 25% desse aumento (R$
2.500,00).
Noutra situação hipotética, caso Bruna decidisse vender
as suas cotas e os sócios remanescentes decidissem invocar o
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[ 72 ]
direito de preferência, cada um deles teria direito a 33% das
cotas pertencentes à alienante, que, de forma global,
representaria 8,33% da “Zetta”. Deste modo, Ana, Carlos e
Duda ficariam ao final com 33,33% da startup (25% + 8,33%).
Para as Sociedades Anônimas, por sua vez, o
regramento do direito de preferência se encontra elencado no
arts. 171 e 172 da Lei das S.A. Vejamos:
“Art. 171. Na proporção do número de ações que
possuírem, os acionistas terão preferência para a
subscrição do aumento de capital.
Art. 172. O estatuto da companhia aberta que
contiver autorização para o aumento do capital
pode prever a emissão, sem direito de preferência
para os antigos acionistas, ou com redução do
prazo de que trata o § 4o
do art. 171, de ações e
debêntures conversíveis em ações, ou bônus de
subscrição, cuja colocação seja feita mediante:
I - venda em bolsa de valores ou subscrição
pública, ou;
II - permuta por ações, em oferta pública de
aquisição de controle, nos termos dos arts. 257 e
263. [...]”
O que deve ser observado é que esse direito pode ser
adequado de acordo com as necessidades e os interesses dos
sócios da startup, desde que as determinações estejam
incluídas no Contrato ou Estatuto Social.
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  • 1. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 1 ]
  • 2. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 2 ] Direito para Startups Manual jurídico para empreendedores
  • 3. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 3 ] Direito para Startups Manual jurídico para empreendedores Lucas Bezerra Vieira 1ª Edição Queiroz, Barbosa e Bezerra Advocacia 2017
  • 4. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 4 ] © Queiroz, Barbosa e Bezerra, 2017. CAPA Acson de Freitas Braz EDITORAÇÃO Acson de Freitas Braz REVISÃO Caio Vitor Ribeiro Barbosa, Jules Michelet Pereira Queiroz e Silva Dados Internacionais de Catalogação Gráfica (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) ___________________________________________________ Direito para startups: manual jurídico para empreendedores. Natal, RN: Edição do autor, 2017. ISBN: 978-85-923408-0-3 1. Direito empresarial 2. Direito tributário 3. Direito societário 4. Contratos 5. Administração 6. Empreendorismo I. Título CDD – 340 CDU - 34:338.93 ___________________________________________________ Índices para catálogo sistemático: 1. Direito empresarial – 34:338.93 2. Direito societário – 34:338.93 Todos os direitos desta obra são reservados ao autor. Nenhum trecho deste livro poderá ser reproduzido, por qualquer processo, sem a devida citação da obra. É proibida a reprodução desta obra por fotocópia. Durante a produção desta obra, o autor tomou os devidos cuidados autorais e acadêmicos, buscando fornecer ao leitor informações precisas e verdadeiras. Caso sinta-se prejudicado por qualquer informação divulgada nesta obra, favor nos contatar imediatamente. Edição 2017. Queiroz, Barbosa e Bezerra Advocacia. Avenida Senador Salgado Filho, 2190, Natal – RN, CEP 59.056-000. www.qbb.adv.br contato@qbb.adv.br
  • 5. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 5 ] Construa seus próprios sonhos, ou alguém vai contratá-lo para construir os seus. Farrah Grey
  • 6. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 6 ]
  • 7. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 7 ] Sumário ______________________ Introdução ........................................................................... 09 1. Modelos empresariais e societários .................................. 13 1.1. Startups na prática............................................................... 13 1.2. Escolha do melhor modelo empresarial ou societário........ 19 2. Formalização e registros da startup .................................. 30 3. Documentos de constituição empresarial ......................... 37 3.1. Contrato Social e o Estatuto Social ..................................... 39 3.1.1. Cláusula de vesting .......................................................... 45 2.1.2. Cláusula de cliff ................................................................ 53 3.2. Acordo de acionistas, MOU e term sheet ........................... 57 3.3 Contrato de confidencialidade e sigilo ................................ 62 4. Cláusulas e instrumentos contratuais específicos .............. 70 4.1. Direito de preferência ......................................................... 70 4.2. Cláusula de não concorrência ............................................. 75 4.3. Cláusulas de tag along e drag along ................................... 79 4.4. Cláusula de shot gun ........................................................... 81 4.5. Cláusula de lock up .............................................................. 82 4.6. Tail period ........................................................................... 84 4.7. Direito de veto .................................................................... 85 4.8. Full ratchet clause ............................................................... 86 4.9. Last in, first out ................................................................... 86
  • 8. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 8 ] 4.10. No shop clause .................................................................. 87 4.11. Call option e put option ..................................................... 88 5. Contratos do cotidiano empresarial .................................. 90 5.1. Contrato de prestação de serviços e outros........................ 91 6. Propriedade industrial e intelectual da empresa .............. 104 6.1. Tipos de proteção a propriedade intelectual e industrial . 111 6.1.1. Marca .............................................................................. 111 6.1.1.1. Trade dress ................................................................... 117 6.1.2. Patentes .......................................................................... 120 6.1.3 Direito autoral .................................................................. 122 6.1.4 Registro de software ........................................................ 124 6.1.5 Desenho industrial ........................................................... 125 6.1.6. Indicação geográfica ....................................................... 126 6.2. Procedimentos de para proteção dos ativos ..................... 127 7. Estrutura trabalhista empresarial .................................... 133 7.1. Stock options ...................................................................... 144 7.2. Reforma trabalhista de 2017 ............................................. 145 8. Tributação para startups ................................................. 148 9. Captação de recursos e investimentos ............................. 153 9.1. Crowdfunding e equity crowdfunding ................................ 156 9.2. Instrução Normativa 588 da CVM ...................................... 159 9.3. Lei Complementar n. 155/2016 e o investidor-anjo .......... 163 9.4. Cuidados gerais na recepção de investimentos ................. 167 10. Encerramento e venda da startup .................................. 170 11. Dicas Gerais ................................................................... 174
  • 9. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 9 ] INTRODUÇÃO Em uma tradução literal, start up significa partida, início, começar. Não existe uma definição unânime sobre o que são as startups. Erick Ries1 , autor da famosa obra “Lean Startup” (Startup enxuta), atribui como conceito de startups “(...) uma instituição humana projetada para criar novos produtos e serviços sob condições de extrema incerteza” (2012, p. 24). Neste mesmo livro, que deve estar na estante de todo empreendedor, Ries afirma que o conceito de startup não é vinculado a empresas ou tecnologias, como muitos imaginam: “Passei a perceber que a parte mais importante dessa definição é o que ela omite. Não diz nada a respeito do tamanho da empresa, da atividade ou do setor da economia. Qualquer pessoa que está criando um novo produto ou negócio sob condições de extrema incerteza é um empreendedor, quer saiba ou não, e quer trabalhe numa entidade governamental, uma empresa apoiada por capital de risco, uma organização sem fins lucrativos ou uma empresa com investidores financeiros decididamente voltada para o lucro.” Por sua vez, Steve Blank2 e Bob Dorf, no livro “The startup owner’s manual” (Startup: manual do empreendedor) (2014, p. 19) atribuem a tal ideia um modelo de negócios repetível e escalável, quando afirmam que: 1 Criador da metodologia startup enxuta.
  • 10. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 10 ] “(...) uma startup é uma organização temporária construída para buscar respostas que promovam a obtenção de um modelo de negócio recorrente e escalável.(...)” A junção dessas duas concepções forma a definição mais adotada para as startups atualmente: empreendedores que, em condições de elevada incerteza, buscam atingir um modelo de negócios que seja escalável e repetível. Por escalável, entenda a capacidade de crescer, ampliar seu mercado e faturamento sem que haja grande influência no modelo de negócios ou até mesmo nos custos da empresa. Enquanto isso, repetível é a habilidade de ampliar a sua atuação sem a necessidade de alterar muito o seu produto ou serviço para cada cliente. Com esses diferenciais, as startups e as empresas de tecnologia vêm revolucionando a forma de se empreender no Brasil e no mundo. Nos últimos anos, enquanto grandes empresas tradicionais tentam sobreviver à crise econômica que permeia o Brasil, as startups ganham os mercados e crescem a ritmos elevados3 . A capacidade de captar clientes e ampliar o faturamento mesmo em um cenário econômico instável se deve principalmente à forma inovadora de formatação e atuação de 2 Empreendedor do Vale do Silício e autor de inúmeras obras, tais como “Os quatro passos para a epifania” (the four steps to the epiphany). 3 Startups brasileiras driblam a crise. Estadão Conteúdo. 10 fev. 2016. Disponível em: <http://revistapegn.globo.com/Startups/noticia/2016/02/startups-brasileiras- driblam-crise.html>. Acesso em: 15 ago. 2016.
  • 11. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 11 ] tais empresas. Modelos de negócios arrojados e inovadores (a ideia do first move advantage4 ), a busca pela solução de uma “dor” existente no mercado, as novas formas de recepção de investimentos, os contratos modernos e específicos, o uso das novas tecnologias em seu favor, dentre outros, são alguns dos fatores que tornam tais empresas tão singulares, significando também parte do segredo do sucesso desse novo padrão de se fazer negócios. Os números comprovam como tais empresas são diferenciadas. Enquanto a taxa de encerramento das startups antes do segundo ano de funcionamento se aproxima dos 18%5 , 27% das empresas tradicionais finalizam suas atividades no mesmo período6 . A startup Contabilizei, por exemplo, ampliou, no ano de 2015, o seu faturamento em 700%. Nesse mesmo ano, aproximadamente 1,8 milhão de empresas fecharam as portas.7 4 Também denominado de FMA, é um termo que descreve a vantagem mercadológica e comercial daquele que primeiro fornece aos consumidores determinado produto ou serviço. 5 BICARELLI, Bárbara. 74% das startups brasileiras fecham após cinco anos, diz estudo. Época Negócios. 07 jul. 2016. Disponível em: <http://epocanegocios.globo.com/Empreendedorismo/noticia/2016/07/74- das-startups-brasileiras-fecham-apos-cinco-anos-diz-estudo.html>. Acesso em: 11 jul. 2016. 6 Taxa de Sobrevivência das Empresas no Brasil. SEBRAE. 2011. Disponível em: <http://www.sebrae.com.br/Sebrae/Portal%20Sebrae/Anexos/Sobrevivencia_ das_empresas_no_Brasil_2011.pdf>. Acesso em: 11 jul. 2016. 7 CHIARA, Márcia de. 1,8 milhão de empresas fecharam em 2015. O Estado de São Paulo. 10 maio 2016. São Paulo. Disponível em: <http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,1-8-milhao-de-empresas- fecharam-em-2015,10000050202>. Acesso em: 15 jul. 2016.
  • 12. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 12 ] Todavia, um crescimento muito rápido pode trazer dor de cabeça e problemas diversos para aqueles que não realizaram um planejamento jurídico adequado para o seu negócio. Afinal, quem não conhece um amigo ou parente que já enfrentou problemas legais em sua empresa? Assim, este manual foi elaborado no sentido de fornecer orientações jurídicas essenciais para aqueles empreendedores que pretendem criar ou já estão envolvidos em algum negócio, principalmente se este pertencer ao novo mundo das startups e das tecnologias. A ideia da obra foi sistematizar cuidados elementares que devem ser tomados desde a constituição jurídica da startup até a sua cessão ou encerramento, de modo a evitar ao máximo os transtornos que cercam o campo dos negócios. Não se assuste com o fato desse manual tratar de temas do Direito! O que este guia busca é proporcionar uma leitura simples, agradável e prática para qualquer interessado na área. Ademais, aqui o intuito é de compartilhar conhecimento e tentar mostrar aos leitores a importância da atuação preventiva, seja na área jurídica, contábil ou administrativa. Ressalva-se que a mera consulta a esse livro não dispensa o auxílio de profissionais especializados. Espero que este guia seja útil no auxílio aos cuidados jurídicos de sua startup. Boa leitura!
  • 13. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 13 ] 1. MODELOS EMPRESARIAIS E SOCIETÁRIOS Antes de darmos início aos aspectos jurídicos propriamente ditos, é interessante entender como funcionam as startups na prática. Até porque antes de pensar no jurídico, é natural que todo empreendedor inicie as atividades principais do seu negócio, mesmo que de modo simples e informal. Vamos lá. 1.1. Startups na prática O início de uma startup difere bastante das empresas tradicionais. Tal distinção é característica intrínseca do próprio conceito desse novo modelo de negócios. No modelo empresarial tradicional, em regra, o primeiro passo é o estudo e o planejamento do negócio, que, concluídos, são colocados em prática, com a abertura da empresa. Assim, o plano de negócios é realizado, e somente depois testa-se como o mercado irá reagir diante daquele novo produto ou serviço. Nas startups, o pensamento é diferente. De forma simples, uma startup inicia com a identificação de um problema e com a procura pela solução para tal questão. A ideia é que o empreendedor construa seu produto e serviço, o lance no mercado e aprenda, da forma mais rápida e eficaz
  • 14. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 14 ] possível, o que o seu cliente verdadeiramente quer, e não o que ele acha que quer. Descobrindo essa dor do mercado, e gerando um produto que a resolva, o empreendedor gerará um bem com um valor agregado, que o permitirá obter lucros, monetizando8 o seu negócio. Para tanto, é essencial que o empreendedor estruture as questões acima levantadas em forma de um projeto. Esse esboço do modelo de negócio a ser utilizado é a primeira fase da chamada “validação”, permite que o verifique qual a real probabilidade do seu negócio prosperar. Uma ferramenta muito utilizada nesta fase é o “business model canvas”, instrumento composto por nove elementos (clientes, propostas de valor, canais, relacionamento com os clientes, atividade principal, fontes de receitas, recursos principais, parcerias principais e estrutura de custos) que possibilita realizar uma análise completa do negócio. 8 O termo “monetizar” relaciona-se com a definição sobre quais serão as formas utilizadas para que o negócio se torne economicamente viável. De forma simples, nessa fase procura-se responder ao seguinte questionamento: de que forma ganharei dinheiro com esse empreendimento?
  • 15. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 15 ] Imagem 01 Demonstração do business model canvas9 Simultaneamente, na outra parte da validação a equipe deverá também trabalhar criação do MVP (Minimum Viable Product, ou seja, produto mínimo viável). O MVP é a colocação na prática do produto/serviço a ser oferecido pela startup com o menor investimento possível, permitindo que os empreendedores verifiquem a aplicabilidade prática do produto e sintam qual o comportamento do mercado sobre o objeto/serviço lançado. Ries (2012, p. 70) conceitua o MVP de forma mais técnica quando afirma que: 9 Modelo de business model canvas. Disponível em: <http://www.validandoideias.com.br/como-montar-um-canvas-parte-1- modelo-de-negocios/>. Acesso em: 15 jul. 2017.
  • 16. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 16 ] “O MVP é aquela versão do produto que permite uma volta completa do ciclo construir-medir- aprender, com o mínimo de esforço e o menor tempo de desenvolvimento. O produto mínimo viável carece de diversos recursos que podem se provar necessários mais tarde. (...)” A produção do MVP é muito importante, uma vez que o seu funcionamento permite que o empreendedor aprenda sobre o seu produto e o mercado, utilizando a metodologia da lean startup, com o ciclo construir-medir-aprender. Imagem 02 Demonstração do ciclo construir-medir-aprender10 10 Disponível em: <http://startupsebraeminas.com.br/wp- content/uploads/2014/11/lean-capa.jpg>. Acesso em: 15 jul. 2017.
  • 17. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 17 ] O cumprimento desse ciclo é etapa fundamental ao negócio, pois permite que a equipe mensure se é interessante permanecer com o produto e realizar mais investimentos neste, caso a sua viabilidade seja verificada; realize alterações necessárias; ou até mesmo “pivote”11 , mudando o rumo do seu negócio. Tiago Fernandes, sócio-fundador da startup Autoforce12 , plataforma de marketing de resultados para o setor automotivo, e do blog Validando Ideias13 , define da seguinte forma a diferença entre as startups e as empresas consolidadas: “As startups são empresas que trabalham com algum tipo de inovação tecnológica ou não. É importante entender que startups não são versões menores de uma grande empresa. A principal característica de uma startup é que ela está imersa em um ambiente de extrema incerteza, pois estão desenvolvendo algo não tradicional, baseado em necessidades e problemas ainda não sanados e resolvidos. O risco desse tipo de negócio está relacionado a validação e desenvolvimento. Startups buscam um modelo de negócios replicável e escalável. Replicável significa que algo pode ser fabricado/ desenvolvido no Brasil e comercializado para qualquer parte do mundo de forma sistêmica, organizada e padronizada. Escalável significa ter 11 Do inglês “to pivot”, que significa girar, o termo “pivotar” é utilizado no mundo das startups para aquela empresa que está mudando o rumo dos seus negócios. 12 Veja mais em: <www.autoforce.com.br>. 13 Veja mais em: <www.validandoideias.com.br>.
  • 18. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 18 ] altas margens de lucro em um pequeno espaço de tempo. Por sua vez, empresas consolidadas são organizações já estabelecidas e que executam um modelo de negócio já testado e validado. A maioria das empresas consolidadas desenvolvem um negócio baseado em necessidades e problemas já conhecidos. Os riscos de uma empresa consolidada são econômicos, políticos e mercadológicos Isso significa que os gestores dessas empresas podem recorrer a técnicas e artifícios conhecidos para resolver as adversidades.” Junto com a execução prática, a fase de formalização da empresa é, sem dúvidas, uma das etapas mais aguardadas pelos seus fundadores. Sua ocorrência pode ser dar antes mesmo da validação do produto ou serviço, ou após o lançamento do MVP, tudo a depender do interesse dos envolvidos. O ideal, no entanto, é que a formalização da empresa ocorra o quanto antes. Iniciar as atividades com as relações bem delimitadas com os envolvidos e regularizado perante os entes públicos traz benefícios e evita inúmeros problemas. Vamos analisar, agora, quais aspectos devem ser estudados na escolha do modelo empresarial e societário da startup.
  • 19. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 19 ] 1.2. Escolha do melhor modelo empresarial ou societário Para que uma empresa “nasça” na forma da lei, é necessário a sua formalização, nas condições e procedimentos elencados nas legislações específicas. Os fundadores devem ter ciência de que este é um dos momentos jurídicos mais importantes para a empresa. Sem a regularização legal, a empresa ficará na informalidade, o que cria diversos entraves na captação de clientes (alavancagem), obtenção de investimentos, recolhimento de tributos14 e realização de vendas, o que será um obstáculo ao crescimento da startup. Assim, decidido formalizar o negócio, temos a questão principal: qual modelo empresarial ou societário eu devo adotar? A resposta para essa pergunta depende de diversas variáveis. Todas devem ser levadas em conta, uma vez que cada modelo empresarial tem as suas vantagens e desvantagens, que deverão ser analisadas pelos empreendedores, de acordo com seus objetivos e interesses. Algumas questões que devem ser respondidas nesse processo são as seguintes: 1) Irei empreender sozinho ou terei sócios? 14 Em determinados casos, o não pagamento de tributos configura crime. Veja a Lei Federal n. 8.137/1990, que tipifica os crimes contra a ordem tributária.
  • 20. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 20 ] 2) Quem são meus sócios? Brasileiros ou estrangeiros? Residem no exterior? Possuem participação em outras empresas? 3) Qual a área de atuação da minha empresa? Que serviços ou produtos irei prestar/fornecer? 4) Pretendo atuar no exterior? 5) Qual o capital inicial da minha empresa? 6) Qual o faturamento esperado para minha empresa? 7) Quem serão os meus clientes? Terei contratos com entes públicos ou grandes empresas? Note que tais questionamentos devem ser analisados em conjunto, uma vez que eles estão todos interligados. Uma análise pontual pode fazer o empreendedor não enxergar as consequências negativas de tal escolha aparentemente benéfica em outro setor essencial ao seu negócio. Por exemplo, caso um empreendedor opte por formalizar o seu negócio de uma forma a pagar o menor valor possível de tributos, se tornar um Microempreendedor Individual15 pode ser uma ótima opção, pois a sua contribuição será de no máximo R$ 50,00 mensais. Porém, o MEI possui uma limitação de faturamento de R$ 60.000,00 por ano (ou R$ 5.000,00 por mês)16 , o que pode exigir uma mudança na estrutura jurídica da empresa em pouco tempo. Assim, deve ser analisado se o fato de ter o faturamento limitado compensa o pagamento de um menor valor de tributos. 15 Mais informações sobre o Microempreendedor Individual (MEI) podem ser encontradas no Portal do Empreendedor – MEI, do Governo Federal. 16 Com a edição da Lei Complementar Federal n. 155/2016, a partir de 1º de janeiro de 2018 o limite de faturamento para o MEI Será de R$ 81.000,00 anuais, ou R$ 6.750,00 mensais.
  • 21. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 21 ] Outro exemplo: a participação de outra Pessoa Jurídica no capital social (como sócia) de sua empresa veda a possibilidade de participação desta no Simples Nacional17 . Esse é um ponto que passa desapercebido por muitos empreendedores que recebem propostas de participação empresarial por grandes fundos de investimento, e acabam se deslumbrando com a oportunidade, sem analisar as demais nuances e consequências de tal ação. Um detalhe que merece atenção no momento de constituição da empresa são as peculiaridades dos sócios! Observe com cautela as particularidades daqueles que irão participar do negócio com você, pois determinados sujeitos possuem limitações ao exercício de atividade empresarial, como funcionários públicos, militares, incapazes, entre outros. Nessa etapa de formalização, é muito importante que o empreendedor raciocine imaginando o futuro da startup. Costuma-se dizer que “contrato bom é aquele que fica na gaveta”. Tais documentos, quanto menos necessitarem ser alterados, melhor. Isso porque os procedimentos para 17 Art. 3º da Lei Complementar n. 122/2006 – “Para os efeitos desta Lei Complementar, consideram-se microempresas ou empresas de pequeno porte, a sociedade empresária, a sociedade simples, a empresa individual de responsabilidade limitada e o empresário a que se refere o art. 966 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), devidamente registrados no Registro de Empresas Mercantis ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, conforme o caso, desde que: (...) § 4º Não poderá se beneficiar do tratamento jurídico diferenciado previsto nesta Lei Complementar, incluído o regime de que trata o art. 12 desta Lei Complementar, para nenhum efeito legal, a pessoa jurídica: I - de cujo capital participe outra pessoa jurídica.”
  • 22. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 22 ] modificação de tais documentos são burocráticos, exigindo tempo e paciência dos empreendedores, que poderiam ser utilizados na administração do seu negócio. Depois de levar em consideração cada ponto que fora abordado, o empreendedor deve observar qual o tipo empresarial ou societário atende melhor aos anseios de sua empresa. Visando auxiliar nessa escolha, segue uma tabela com os principais pontos positivos e negativos de cada um desses modelos. Veja que esse quadro é apenas exemplificativo, não abarcando todas as vantagens e dificuldades de cada uma das possibilidades de formalização empresarial e societária. Aliás, dependendo de cada caso, o que está listado como uma benesse poderá ser um malefício, e vice-versa. Quadro 01 Comparativo entre modelos empresariais e societários MICROEMPREENDEDOR INDIVIDUAL18 Vantagens Desvantagens - Procedimento de formalização simples e rápido. - Ausência de taxas de registro. - Cobrança de tributos unificada e barata (em torno de R$ 46,00 a R$ 55,00 mensais, pagos em um - Limitação de faturamento de R$ 60.000,00/ano, com aumento para R$ 81.000,00/ano a partir de janeiro de 2018. - Limitação de contratação de apenas um funcionário.20 18 Regulamentado pela Lei Complementar 123/2006 (Lei do Microempreendedor Individual), com as alterações dadas pelas Leis Complementares n. 128/2008 e 155/2016. 20 Os sindicatos da Micro e Pequena Industriais vêm lutando para que os MEI’s possam contratar até dois funcionários. A proposta já foi entregue ao presidente em exercício, Michel Temer.
  • 23. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 23 ] único boleto - DAS). - Apoio técnico do SEBRAE. - Diversos serviços gratuitos. - Vantagens de Pessoa Jurídica (possibilidade de abertura de conta empresarial e realização de empréstimos). - Cobertura dos benefícios previdenciários para o microempreendedor. - Menor custo para contratação de empregado. - Dispensa de escrituração fiscal (porém deve preencher o relatório mensal de receitas, para prestar declaração anual). - A sede da Pessoa Jurídica pode ser a residência do empreendedor.19 -Limitação das atividades permitidas (anexo XIII da Resolução CGSN 94/2011). - Não pode realizar cessão ou locação de mão de obra. - Ausência de separação entre Pessoa Física e Pessoa Jurídica. EMPREENDEDOR INDIVIDUAL21 Vantagens Desvantagens - É aquele que atua individualmente, seja por meio de uma pequena, média ou grande empresa. É o modo “tradicional” de empreender no Brasil. Em regra, as startups dificilmente adotam esse tipo de empresa, uma vez que na maioria das vezes são formadas por sociedades. Não possuem muitas especificidades na sua adoção. - Não detém o privilégio da limitação da responsabilidade e da separação patrimonial entre pessoa física e jurídica. 19 Benefício concedido pelo Projeto de Lei n. 167/2015, em validade desde 29 de março de 2016, quando aprovada pela plenária do Senado Federal. 21 Regulamentado pelos artigos 966 a 980 do Código Civil Brasileiro.
  • 24. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 24 ] EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA (EIRELI)22 Vantagens Desvantagens - Única pessoa titular da totalidade do capital social, que deve ser integralizado.23 - Exercício da atividade empresarial por uma só pessoa, com responsabilidade limitada. - Possibilidade de escolha do modelo de tributação (opção pelo Simples nacional). - Ampla quantidade de atividades econômicas permitidas. - Aplicação subsidiária das regras das Sociedades Limitadas. - Capital social inicial não pode ser inferior a 100 vezes o maior salário mínimo vigente no país, o que eleva o custo de sua criação. - A pessoa natural que constituir a EIRELI somente poderá figurar em uma única empresa dessa modalidade. - Procedimento de registro mais complexo que no MEI (Junta comercial e Entes Públicos). SOCIEDADE SIMPLES 24 Vantagens Desvantagens - É uma sociedade que têm como objetos atividades profissionais de natureza científica, literária ou artística. Não possui um caráter empresarial. - Não tem acesso a benefícios do direito de empresa, como recuperação judicial e falência. 22 Regulamentado pelo artigo 980-A do Código Civil Brasileiro. 23 Na EIRELI e na formação de algumas sociedades, existe a “subscrição” e a “integralização” do capital social. De uma forma simples, a subscrição ocorre na fase inicial de formalização da empresa, quando há a promessa do sócio em fornecer determinado quantia financeira (ou bem) para formar o capital (o ativo) da pessoa jurídica criada. Por sua vez, a integralização ocorre quando o sócio efetiva a promessa de fornecimento de capital realizada à empresa. Na realização dos contratos sociais, algumas empresas optam por colocar como cláusula de exclusão de sócio a não integralização do capital social subscrita dentro de determinado prazo. 24 Regulamentada pelos artigos 997 a 1.038 do Código Civil Brasileiro.
  • 25. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 25 ] SOCIEDADE LIMITADA25 Vantagens Desvantagens - Forma mais utilizada pelas startups. - Modelo societário em que a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas cotas. - Regras bem estabelecidas no Código Civil. - Maior flexibilidade no instrumento de criação (Contrato Social) que nas S.A. - Realização de Assembleia de Sócios, com possibilidade de criação do Conselho Fiscal. - Possibilidade de escolha do modelo de tributação (opção pelo Simples nacional). - Registro pela Junta Comercial. - Estrutura de gerenciamento mais enxuta e com menos custos que na S.A (dispensa de publicação de atos societários...). - Menor controle externo que nas S.A (não exige prestação de contas à CVM). - Permite a distribuição assimétrica de lucros. - Possibilidade de exclusão de sócios, mediante previsão no Contrato Social. - Maior responsabilização dos sócios se comparada à S.A. - Impossibilidade de emissão de ações ou debêntures, o que é uma limitação para a captação de investimentos. - Maior facilidade na responsabilização dos sócios e sócios-controladores que na S.A. (uma vez que os nomes dos sócios entram no contrato). - O direito de voto é indissociável da propriedade das cotas. - Os sócios respondem solidariamente pela integralização do capital social (caso um sócio subscreva e não integralize, devem os outros integralizar àquele montante). - Art. 1.055, §1º, CC – “Pela exata estimação de bens conferidos ao capital social respondem solidariamente todos os sócios, até o prazo de cinco anos da data do registro da sociedade. “ SOCIEDADE EM CONTA DE PARTICIPAÇÃO26 25 Regulamentada pelos artigos 1.052 a 1.087 do Código Civil Brasileiro.
  • 26. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 26 ] Vantagens Desvantagens - Sociedade em que pelo menos um dos sócios deve ser uma empresa ou sociedade empresária. - Figura que visa facilitar a relação entre sócios - Independe da realização de qualquer formalidade. - O sócio oculto ou participante (financiador) fornece patrimônio especial para o sócio ostensivo (administrador), que será utilizada no objetivo do contrato. - Pode ter prazo determinado ou indeterminado. - Boa forma para captação de recursos empresariais. - Utilizada normalmente para empreendimentos específicos. - Seu contrato social produz efeito apenas entre os sócios. - Formada pelo sócio ostensivo (necessariamente Pessoa Jurídica, que realiza os atos) e o sócio participante (não possui responsabilidade pelos atos realizados pelo sócio ostensivo). - Sócio ostensivo não pode admitir novo sócio sem o consentimento dos demais. - Sociedade com ausência de Personalidade Jurídica e patrimônio próprio. - Forte controle externo, por ser bastante usada para realização de operações comerciais simuladas (CMV e Ministério Público). - Em virtude de entendimento da Receita Federal, as SCP não podem aderir ao Simples Nacional. SOCIEDADE DE PROPÓSITO ESPECÍFICO27 26 Regulamentada pelos artigos 991 a 996 do Código Civil Brasileiro. 27 Regulamentada pelo art. 9º da Lei 11.079/2004 (Lei da Parceria Público- Privada).
  • 27. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 27 ] Vantagens Desvantagens - Instrumento legal utilizado para implantar e gerir as parcerias público-privadas. - É semelhante a um contrato de parceria, realizado no modelo de uma das sociedades jurídicas já existentes. - Tem fim específico e prazo determinado. - Não necessita que uma das partes seja ente público. - Utiliza as regras da sociedade em que ela se constituir. - Tem personalidade jurídica própria. - Forte controle externo. - Exige maiores cuidados gerenciais, jurídicos e financeiros, principalmente quando for realizada em conjunto com Entes Públicos. SOCIEDADE EM COMANDITA SIMPLES28 Vantagens Desvantagens - Sociedade formada por sócios comanditados (pessoas físicas que respondem solidaria e ilimitadamente pelas obrigações sociais, contribuindo com capital e trabalho) e comanditários (se obrigam apenas ao valor de suas cotas). - Utiliza subsidiariamente as normas da Sociedade em Nome Coletivo. - Pouca utilização atualmente, em face da responsabilidade ilimitada dos sócios comanditados. - O comanditário não pode praticar ato de gestão, ou ter o nome incluído na firma social. Se o fizer, está sujeito a responder como sócio comanditado. - Em caso de diminuição do capital por perdas supervenientes, não pode o comanditário receber quaisquer lucros, antes de reintegrados aqueles. 28 Regulamentada pelos artigos 1.045 a 1.051 do Código Civil Brasileiro.
  • 28. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 28 ] SOCIEDADE EM COMANDITA POR AÇÕES 29 Vantagens Desvantagens - Uma das formas de sociedade presentes no direito brasileiro. - Os sócios respondem apenas pelo valor de suas ações subscritas ou adquiridas. - Pouco usadas atualmente. - Os diretores deverão ser obrigatoriamente acionistas. - Os acionistas diretores têm responsabilidade subsidiária, ilimitada e solidária pelas obrigações da sociedade. - O diretor continua durante dois anos após a sua restituição ou exoneração responsável pelas obrigações contraídas pela sociedade durante a sua gestão. - Assembleia geral tem o poder de decisão, em alguns casos, limitados pelos diretores. SOCIEDADE EM NOME COLETIVO30 Vantagens Desvantagens - Sociedade empresarial formada apenas por pessoas físicas. - Todos os sócios respondem, solidária e ilimitadamente, pelas obrigações sociais. - A administração da sociedade compete exclusivamente aos sócios. - Os sócios podem estipular limites das obrigações entre si, mas que não serão oponíveis contra terceiros. Sociedade Anônima31 29 Regulamentada pelos artigos 1.090 a 1.092 do Código Civil Brasileiro. 30 Regulamentada pelos artigos 1.039 a 1.044 do Código Civil Brasileiro.
  • 29. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 29 ] Vantagens Desvantagens - Registro na Junta Comercial, por meio da elaboração do Estatuto Social. - Menor responsabilização dos sócios quando comparada com a LTDA, uma vez que esta é limitada ao preço das ações subscritas ou adquiridas. - Permite a captação de recursos por meio da emissão das ações. - Normas legais bem definidas, fornecendo maior segurança jurídica aos acionistas. - Possibilidade de ações ordinárias ou preferenciais (sem direito a voto). - Quóruns de deliberações mais simples que na LTDA. - Em regra, possui uma maior burocracia administrativa. - Menor flexibilização (regramentos bem previstos na Lei das S.A.). - A lei veda a distribuição assimétrica de lucros. - Obrigatoriedade do Conselho Fiscal e do Conselho de Administração (esse nos casos de companhias abertas, economia mista e capital social). - Obrigatoriedade de publicação dos atos societários e demonstrações financeiras no DOU e em jornal de grande circulação. - Não há possibilidade de exclusão de sócio. - Menor flexibilidade para restrição de circulação das ações. 31 Regulamentada pelos artigos 1.088 e 1.089 do Código Civil Brasileiro, e pela Lei 6.404/1976 (Lei das S.A.).
  • 30. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 30 ] 2. FORMALIZAÇÃO E REGISTROS DA STARTUP Ultrapassada a etapa de escolha do modelo empresarial ou societário para a startup, é hora de formalizar a empresa, providenciando a elaboração de documentos e registros que forem necessários para o início das atividades. Primeiro, é preciso que o empreendedor verifique qual(is) o(s) documento(s) necessário(s), por determinação legal, para regulamentar e constituir a empresa. Para cada modalidade empresarial, existem documentos específicos que deverão regê-la. Por exemplo, para constituição de uma Sociedade Limitada, é necessária a elaboração de um Contrato Social, nos moldes dos arts. 997 a 1.000 do Código Civil. Por sua vez, as Sociedades Anônimas são regidas por um Estatuto Social, de acordo com a Lei Federal n.º 6.404/1976. Deve-se observar ainda as normas e exigências legais de tais instrumentos, sob pena de enfrentarem problemas jurídicos futuros ou sequer terem a sua inscrição como empresa/sociedade autorizadas pelo órgão responsável pelo registro. Por exemplo, o STJ considera necessária a inscrição na Junta Comercial para que o procedimento de Recuperação Judicial seja deferido32 . Essa é apenas uma consequência 32 Vide decisão proferida no REsp 1193115 – MT, julgado em 20 de agosto de 2013: “RECUPERAÇÃO JUDICIAL. COMPROVAÇÃO DA CONDIÇÃO DE EMPRESÁRIO POR MAIS DE 2 ANOS. NECESSIDADE DE JUNTADA DE DOCUMENTO COMPROBATÓRIO DE REGISTRO COMERCIAL. DOCUMENTO
  • 31. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 31 ] negativa de uma empresa que não possui o seu registro realizado corretamente. No Brasil, a regulamentação e coordenação das atividades de registros de empresas mercantis é realizada pelo Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (DREI), entidade do Governo Federal vinculada à Secretaria Especial da Micro e Pequena Empresa. O site da entidade33 contém uma série de Instruções Normativas e orientações aos usuários, que regulamentam os procedimentos de abertura das empresas e orientam na realização dos trâmites burocráticos. É interessante que o empreendedor observe se tal órgão – que regulamenta os procedimentos das Juntas SUBSTANCIAL. INSUFICIÊNCIA DA INVOCAÇÃO DE EXERCÍCIO PROFISSIONAL. INSUFICIÊNCIA DE REGISTRO REALIZADO 55 DIAS APÓS O AJUIZAMENTO. POSSIBILIDADE OU NÃO DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESÁRIO RURAL NÃO ENFRENTADA NO JULGAMENTO. 1 - O deferimento da recuperação judicial pressupõe a comprovação documental da qualidade de empresário, mediante a juntada com a petição inicial, ou em prazo concedido nos termos do CPC 284, de certidão de inscrição na Junta Comercial, realizada antes do ingresso do pedido em Juízo, comprovando o exercício das atividades por mais de dois anos, inadmissível a inscrição posterior ao ajuizamento. Não enfrentada, no julgamento, questão relativa às condições de admissibilidade ou não de pedido de recuperação judicial rural. 2 - Recurso Especial improvido quanto ao pleito de recuperação.” 33 Disponível em: <http://drei.smpe.gov.br/>. No site é possível encontrar a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE), modelos de comunicações e declarações, ademais de tabelas e formulários ligados às atividades empresariais.
  • 32. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 32 ] Comerciais – possui alguma disposição especial sobre o modelo empresarial que a startup pretende adotar.34 Como etapa preliminar, é importante também que se verifique se há necessidade de aprovação prévia de órgãos governamentais para o exercício da atividade pretendida, assim como quais são os alvarás de funcionamento e licenças necessárias para o funcionamento da empresa. A Instrução Normativa do Departamento Nacional de Registro de Comércio n. 114, de 30 de setembro de 2011, lista determinados “atos empresariais sujeitos à aprovação prévia de órgãos e entidades governamentais para registro nas juntas comerciais”. Segundo o anexo da Instrução, startups do ramo de seguros, como a Youse, por exemplo, necessitam da aprovação de sua atuação pela Superintendência de Seguros Privados – SUSEP. Ademais, as startups que pretendem atuar em áreas de maior controle, como o mercado financeiro (as famosas fintechs, que são regulamentadas pelo Banco Central, Comissão de Valores Mobiliários ou Superintendência de Seguros, dentre outros) ou na área ambiental (IBAMA, Instituto Chico Mendes, órgãos estaduais e municipais...), devem ter bastante cuidado com as regulamentações dos órgãos de controle específicos, pois as punições para o seu descumprimento são mais rígidas e podem tornar inútil todo o trabalho já realizado. Providenciada a documentação exigida e as licenças/autorizações preliminares, o próximo passo é realizar o 34 Para verificar as Instruções Normativas em vigor, acesse: <http://drei.smpe.gov.br/legislacao/instrucoes-normativas/titulo-menu/new- instrucoes-normativas-em-vigor>.
  • 33. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 33 ] registro comercial da startup. Essa etapa também dependerá do modelo adotado, porém, em regra, os registros são realizados no Registro Público de Empresas Mercantis, popularmente conhecido como Junta Comercial35 . Em alguns casos, como as Sociedades em Conta de Participação, é exigido apenas o registro nos Cartórios de Civil de Pessoas Jurídicas. Diferentemente do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração - DREI, que é vinculado ao Governo Federal, as juntas comerciais são vinculadas aos Estados, geralmente sendo formalizadas como autarquias. Deste modo, o funcionamento de cada uma das Juntas varia por localidade. Nas juntas comerciais menos atualizadas, o registro empresarial somente pode ser solicitado de modo presencial, ou via correios, com a apresentação dos seguintes documentos: requerimento do registro de empresa; instrumento de instituição empresarial, com suas eventuais alterações; documentos dos sócios e pagamento de taxas de registro. Realizado o pedido de registro, ele será analisado pelos vogais, julgadores habilitados para análise dos requerimentos realizados na Junta Comercial. Tal decisão pode ser tomada de modo singular ou em conjunto, por meio do colégio de vogais. Com a aprovação do registro, a empresa terá acesso ao Número de Identificação de Registro de Empresas – NIRE. Esse número identificador, composto por 11 dígitos, será o número de identificação de sua empresa perante o estado da Junta Comercial onde foi feito o registro. 35 A junta comercial do seu Estado pode ser encontrada no site do DREI, no seguinte endereço: <http://drei.smpe.gov.br/assuntos/juntas-comerciais>.
  • 34. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 34 ] A ausência de regularidade perante a Junta Comercial ocasiona diversas limitações a empresa. Por exemplo, esta não pode solicitar a recuperação judicial36 , nem solicitar a falência dos seus devedores37 . Posteriormente a realização dessa etapa, o empreendedor deve realizar o cadastro na Receita Federal, obtendo o número de registro empresarial no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ)38 . Essa numeração nada mais é do que o número de identificação nacional das empresas. É o CPF das pessoas jurídicas. A ausência desse cadastro mantém a empresa na informalidade, criando diversas limitações, tais como impossibilidade de emissão de notas fiscais, a vedação ao registro de marca, a proibição de contratação com a maioria das médias e grandes empresas, além do poder público, a dificuldade de obtenção de financiamentos, dentre outros. Ou seja, sem uma regularização legal, é impossível que qualquer empresa se desenvolva. Feito isso, a startup deve providenciar os registros nas secretarias das fazendas estaduais ou municipais (dependendo das atividades que exerçam), para que possam recolher os tributos devidos. Por exemplo, startups que atuam 36 Art. 51, V, da Lei de Falências. 37 Art. 97, parágrafo primeiro, da Lei de Falências. 38 O requerimento do CNPJ pode ser realizado online, por meio do site da Receita Federal. Para cada procedimento, é necessária uma série de documentos, que pode ser verificada no seguinte endereço: <http://www.receita.fazenda.gov.br/PessoaJuridica/CNPJ/tabelas/Documento sEventos.htm>. No caso do MEI, o CNPJ e o número de inscrição na Junta Comercial são obtidos logo após o seu cadastramento online.
  • 35. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 35 ] exclusivamente na área de serviços, provavelmente39 não necessitaram do registro estadual, pois o principal tributo devido será o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISS, de competência municipal. Já se comercializam produtos, será necessário o registro estadual, para o recolhimento do ICMS. Veja, no entanto, que alguns Estados já possuem suas juntas comerciais com inúmeros serviços digitais (a JUCERJA E JUCERN, por exemplo), possibilitando o protocolo de pedidos de constituição, alteração e extinção empresarial online. Além disso, buscando dar uma maior celeridade ao processo de formalização empresarial, que segundo o Banco Mundial demora longos 107 dias no Brasil40 , os Estados já vêm implementando a Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios. Criada pela Lei Federal n.º 11.598/2007, a REDESIM buscou criar mecanismos que integrasse a Receita Federal com as Juntas Comerciais e diversos órgãos estaduais e municipais, permitindo que os empreendedores abram e regularizem o seu negócio de forma simples e sem burocracia. Por isso, é importante verificar se esse sistema já foi implementado em seu Estado. Nesse sistema, que concentra a obtenção do NIRE, CNPJ, inscrições, alvarás e licenças em uma única plataforma, é 39 Podem existir taxas instituídas em âmbito estadual que exijam a obtenção da inscrição perante tal ente. 40 DESIDÉRIO, Mariana. Quanto tempo demora para abrir uma empresa no Brasil? EXAME.COM. 12 fev 2016. Disponível em: <http://exame.abril.com.br/pme/quanto-tempo-demora-para-abrir-uma- empresa-no-brasil/>. Acesso em: 20 mar. 2017.
  • 36. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 36 ] possível ter a sua empresa regularizada em menos de 24 horas, o que pode te fazer economizar muito tempo e dinheiro. Nessas etapas de registro, deve-se ter muita atenção com a Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE da sua empresa. Tal categorização é realizada com base em uma lista de atividades econômicas separadas por códigos, cuja empresa deverá ser enquadrada em alguma delas. O CNAE é muito importante pois ele é utilizado como parâmetro para emissão de notas fiscais, recolhimento de tributos, definição das obrigações acessórias41 e até mesmo obtenção de incentivos fiscais. A classificação errada pode trazer grandes prejuízos para sua empresa. Finalizadas essas fases, a startup está legalmente habilitada para atuar no mercado. CHECKLIST – FORMALIZAÇÃO DA EMPRESA NIRE – Junta Comercial CNPJ – Receita Federal Alvarás de Funcionamento – Prefeitura Municipal Licenças Especiais – Órgãos Reguladores Inscrição Estadual e/ou Municipal – Estado ou Prefeitura 41 Quando tratamos de tributos, a obrigação principal é o pagamento da quantia em dinheiro. Por sua vez, obrigações acessórias são aquelas secundárias, como o preenchimento de documentações de prestação de contas. Uma obrigação acessória, por exemplo, é o preenchimento da declaração anual de Imposto de Renda.
  • 37. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 37 ] 3. DOCUMENTOS DE CONSTITUIÇÃO EMPRESARIAL Conforme já abordado, as startups diferem em diversas situações das empresas tradicionais. Seus produtos usualmente relacionados à modernização de serviços ou tecnologias, suas relações com incubadoras e aceleradoras, seu amadurecimento empresarial em ritmo frenético, dentre outras situações e características, tornaram necessária a adaptação dos instrumentos e documentos jurídicos tradicionais, de modo com que se adequassem às necessidades desse novo mercado, suprindo as lacunas existentes em diversos ramos do direito. São nessas mudanças que as principais cautelas devem ser tomadas. Os negócios funcionam como um relacionamento amoroso. No início, todos vivem um “mar de rosas”, pois as expectativas de que a startup terá um crescimento rápido e será um case de sucesso permeiam a cabeça dos envolvidos. Afinal, quem não empreende pensando em alcançar o êxito profissional e financeiro? Porém, com o passar do tempo, as divergências vão aparecendo, gerando inúmeros conflitos entre as partes. Por isso, o ideal é que as normas que vão regulamentar esse relacionamento empresarial sejam bem definidas no início, momento em que os antagonismos ainda não são tão contundentes.
  • 38. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 38 ] Para se ter uma ideia desse cenário, um estudo realizado pela Aceleradora Startup Farm apontou que as principais causas de fechamento das startups brasileiras são os conflitos entre os sócios42 e o desnivelamento entre os interesses de mercado e as propostas de valores43 das empresas. Veja que a maioria dos conflitos surge pois os sócios fundadores não dão o devido valor para os documentos legais que irão regulamentar a relação entre eles. A grande maioria as empresas (incluindo as startups) utilizam algum modelo genérico de Contrato ou Estatuto Social, que não atende as especificidades desta, e apenas quando surge algum conflito é que estes buscam idealizar um modelo adequado para o seu negócio. Ocorre que nesse momento, as divergências entre os sócios já estão acentuadas, o que impede a realização dos ajustes necessários da forma mais racional e adequada para os interesses da empresa. Deste modo, quando tratamos da elaboração dos documentos que irão regular as relações jurídicas e 42 Um caso que ilustra bem como o conflito entre sócios pode depreciar uma empresa é o caso da rede de livrarias Saraiva. Vide HAYASHI, Ney. Saraiva perde 88% do valor em 5 anos com briga de sócios. Exame negócios. São Paulo. 14 jul. 2016. Disponível em: <http://exame.abril.com.br/negocios/noticias/saraiva-perde-88-do-valor-em- 5-anos-em-meio-a-briga-de-soci>. Acesso em: 26 jul. 2016. 43 BICARELLI, Bárbara. Época Negócios. 74% das startups brasileiras fecham após cinco anos, diz estudo. 07 jul. 2016. Disponível em: <http://epocanegocios.globo.com/Empreendedorismo/noticia/2016/07/74- das-startups-brasileiras-fecham-apos-cinco-anos-diz-estudo.html>. Acesso em: 17 jul. 2016.
  • 39. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 39 ] interpessoais das empresas, é importante que a atuação preventiva seja a palavra de ordem. Assim, analisaremos – sob a ótica das necessidades das startups – alguns instrumentos contratuais que são necessários para a sua constituição formal como empresa ou sociedade, outros que vêm sendo utilizados para fornecer mais segurança jurídica aos empreendedores, assim como algumas modernizações documentais que foram criadas no intuito de atender as necessidades geradas por tais empresas. 3.1. Contrato Social e o Estatuto Social O Contrato Social e o Estatuto Social são os documentos de criação da maioria das sociedades. Estes funcionam como uma espécie de “lei” que regulamenta as relações entre os participantes da sociedade, sejam eles administradores, sócios ou cotistas. A legislação que regulamenta cada tipo de sociedade elenca qual o instrumento adequado para a sua constituição (para as Sociedades Limitadas, se usa o Contrato Social; para as Sociedades Anônimas, o Estatuto Social, por exemplo) e quais os requisitos básicos para a formalização de tais documentos. Na elaboração destes, as exigências legais devem ser respeitadss pelos sócios-fundadores, sob pena de terem o registro da empresa na Junta comercial negado ou próprio documento questionado judicialmente no futuro.
  • 40. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 40 ] Porém, como no direito privado44 costuma-se dizer que “o que não é proibido, presume-se permitido” (Permittitur quod non prohibetur), desde que cumpridas as determinações legais e não atentem contra liberdades em geral e princípios contratuais da boa-fé, lealdade e transparência, as partes podem realizar as disposições de acordo com o seu arbítrio, em respeito ao princípio da autonomia das vontades. Acerca do Contrato Social, determina o art. 997 do Código Civil que são requisitos básicos para a sua formalização: “Art. 997. A sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além de cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará: I - nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência dos sócios, se pessoas naturais, e a firma ou a denominação, nacionalidade e sede dos sócios, se jurídicas; II - denominação, objeto, sede e prazo da sociedade; III - capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo compreender qualquer espécie de bens, suscetíveis de avaliação pecuniária; IV - a cota de cada sócio no capital social, e o modo de realizá-la45 ; V - as prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consista em serviços; 44 Ramo do direito que trata da relação entre os particulares. 45 O cap table ou capitalization table é uma ferramenta muito utilizada pelas startups organizadas em forma de sociedade que facilitam a visualização da estrutura societária ou acionista do negócio. Basicamente, o cap table organiza os sócios/acionistas em uma tabela, de acordo com a sua participação empresarial. Com isso, facilita-se a visualização dos quóruns necessários para a tomada de decisões do negócio, e quais as consequências de tais decisões para cada um dos sócios.
  • 41. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 41 ] VI - as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade, e seus poderes e atribuições; VII - a participação de cada sócio nos lucros e nas perdas; VIII - se os sócios respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais.” Elaborado o modelo básico contratual com tais requisitos, os sócios ficam livres para deliberar sobre assuntos gerais, tais como procedimento de expulsão dos sócios, metodologia de divisão de perdas e lucros, a venda da participação no capital social, direito de preferência, atribuições dos sócios, dentre outros. O mesmo regramento determina ainda que nos trinta dias seguintes a sua constituição, “a sociedade deverá requerer a inscrição do Contrato Social no Registro Civil das Pessoas Jurídicas do local de sua sede” (art. 998 do Código Civil Brasileiro). No capítulo anterior, tratamos do procedimento para tal registro. As cláusulas específicas necessitam ser idealizadas de acordo com as características e necessidades do negócio. Deve- se ter cuidado em não inserir no contrato disposições que sejam contrárias ao regulamento legal da sociedade realizada. Por exemplo, um Contrato Social não pode determinar a possibilidade de participação no Conselho Fiscal de sócios não residentes no país, uma vez que no art. 1.066 do Código Civil há proibição expressa quanto a isso. Por fim, observe que o Contrato Social não deve ser utilizado como um extenso regulamento das normas e disposições da sociedade. Esse documento, se detalhado, tem o
  • 42. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 42 ] lado positivo de trazer segurança jurídica para os sócios, uma vez que os pormenores da relação social estarão bem estabelecidos. Em contrapartida, todas as modificações no Contrato Social devem ser aprovadas por deliberações dos sócios e serem averbadas no Registro competente, o que pode atravancar o andamento da startup em determinadas situações. No tocante aos Estatutos Sociais, seus requisitos essenciais não são sumarizados em uma lei específica, como ocorre com o Contrato Social. Na elaboração deste documento, as partes deverão observar os requisitos da lei que regulamentam a sociedade específica, apanhando quais as disposições essenciais na elaboração do documento. Por exemplo, caso queira realizar uma sociedade cooperativa, a Lei Federal a ser observada será a n.º 5.764/1971. Em se tratando das Sociedades Anônimas, estas são regidas pela Lei Federal n.º 6.404/1976. Assim, os empreendedores que pretendem tornar a sua startup uma S.A. devem realizar um apanhado nesta legislação acerca de quais os requisitos básicos e limitações para a elaboração de tais documentos. Por exemplo, são algumas disposições de tal lei sobre o tema: “Art. 2º Pode ser objeto da companhia qualquer empresa de fim lucrativo, não contrário à lei, à ordem pública e aos bons costumes. [...] § 2º O estatuto social definirá o objeto de modo preciso e completo.” ***
  • 43. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 43 ] “Art. 5º O estatuto da companhia fixará o valor do capital social, expresso em moeda nacional.” *** “Art. 11. O estatuto fixará o número das ações em que se divide o capital social e estabelecerá se as ações terão, ou não, valor nominal.” *** “Art. 19. O estatuto da companhia com ações preferenciais declarará as vantagens ou preferências atribuídas a cada classe dessas ações e as restrições a que ficarão sujeitas, e poderá prever o resgate ou a amortização, a conversão de ações de uma classe em ações de outra e em ações ordinárias, e destas em preferenciais, fixando as respectivas condições.” *** “Art. 22. O estatuto determinará a forma das ações e a conversibilidade de uma em outra forma.” Para a criação de tal documento, são válidas as mesmas orientações gerais fornecidas para a elaboração do Contrato Social. De modo resumido, é possível sistematizar os cuidados aqui elencados da seguinte forma: i) observar qual o documento de formalização e regramento do modelo empresarial e societário que foi escolhido para a startup; ii) verificar qual(is) a(s) lei(s) e regulamentos que regem o modelo empresarial ou societário e a elaboração do referido
  • 44. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 44 ] documento (se tiver); iii) com base neles, elaborar o documento atentando aos quais os requisitos obrigatórios de tal documento, quais as cláusulas específicas atinentes ao negócio; observar se não há descumprimento das cláusulas contratuais a alguma determinação legal, e, por fim; iv) revisar o contrato. CHECKLIST – CONTRATO OU ESTATUTO SOCIAL Verificação do documento de formalização do modelo empresarial ou societário escolhido Verificação da legislação específica que regulamenta a realização de tal documento Elaboração do modelo-base do contrato, com as cláusulas obrigatórias e específicas Revisão do contrato Se tomadas as devidas cautelas, dificilmente a sociedade enfrentará problemas jurídicos no futuro. E caso surjam conflitos, tais documentos demonstrarão qual a solução devida para o caso. Observe que o Contrato e o Estatuto Social não são os únicos documentos que podem reger a relação entre os empreendedores e fundadores da startup. Vejamos agora
  • 45. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 45 ] algumas técnicas e documentos que podem ser utilizados para tornar essa relação mais estável e segura. 3.1.1. CLÁUSULA DE VESTING O vesting (do inglês vestes ou vestir) é, sem dúvidas, uma das inovações contratuais mais interessantes relacionadas ao direito das startups. Sua instituição em documentos e aplicabilidade prática ainda geram muitas dúvidas aos empreendedores e aos profissionais da área jurídica46 . De uso bastante comum nos Estados Unidos pelas startups e na aplicação de venture capital47 por investidores, o vesting introduz a ideia de uma nova modalidade de regulamentação da participação nas empresas, que garante mais segurança aos sócios fundadores da startup. Vejamos o porquê. 46 No cenário jurídico nacional, ainda é escassa a produção doutrinária sobre o tema. Quando se trata de jurisprudência, a situação é ainda mais dramática, tendo em vista que não há nenhuma decisão que aborde a temática do vesting quando aplicados para startups. As decisões que existem abordam o tema para as stock options, e ainda apresentam confusões conceituais básicas, tais como confundir o vesting, o cliff e a as próprias stock options. Por exemplo, veja o trecho de decisão proferida pelo TRT da 3ª Região, no Recurso Ordinário Trabalhista nº. 0115000-58.2009.5.03.0023: “Revestem-se de inteira validade as cláusulas contratuais que fixam carências (vesting) para as chamadas stock options (opção facilitada, com preços pré- fixados, para aquisição futura de ações da empresa), inclusive estabelecendo a insubsistência do benefício nos casos de rescisão do vínculo empregatício, antes do cumprimento da carência. [...]”. No caso, observe que o Magistrado confunde os conceitos, aplicando a conceituação de cliff para vesting. 47 Nomenclatura fornecida ao capital investido por investidores de risco a empresas de pequeno ou médio porte que já possuem um faturamento considerável e uma atividade mais estável, mas que necessitam evoluir o negócio.
  • 46. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 46 ] Em uma empresa ou startup que utilize o modelo tradicional de repartição de cotas, a partir da formalização e regularização da sociedade (e da integralização do que lhe é devido), as partes adquirem a propriedade de suas cotas de modo absoluto, garantindo, assim, a propriedade da parte da empresa que lhe é devida. Para facilitar o entendimento, utilizaremos a seguinte situação modelo: quatro amigos (Ana, Bruno, Carlos e Duda) resolvem montar a startup “Zetta” de marketing digital, formalizada em modelo de Sociedade Limitada, a qual cada um possui 25% das cotas do capital social. Em uma situação tradicional, conforme exposto, a partir da realização do Contrato Social, com a subscrição e integralização das cotas, os sócios terão adquiridos imediatamente a sua participação na empresa. Na prática, ocorre da seguinte maneira: Imagem 03 Demonstração da divisão do capital social de uma empresa LTDA tradicional
  • 47. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 47 ] Observe que a partir da data de constituição da sociedade, cada sócio já tem direito as cotas que lhe são devidas, permanecendo no mesmo percentual com o passar dos anos (exceto caso haja alguma alteração no Contrato Social que afete a participação societária destes). Apesar desse modelo ser o padrão das empresas tradicionais, essa forma de manutenção de participação nas sociedades pode ser um problema, principalmente para as startups, uma vez que estas contam com uma instabilidade mercadológica muito elevada (lembra-se do conceito de Eric Ries, que fala das “condições de extrema incerteza”?), que podem se valorizar ou encerrar suas atividades repentinamente, além da maioria delas ter como bem principal o capital intelectual dos seus participantes. Tais características ocasionam um problema muito comum nessas empresas: a saída ou abandono da startup pelos sócios. Retornando ao caso exemplificativo, imagine a seguinte situação: após três meses de participação da empresa, Duda se desencanta com o negócio por não ver o negócio sequer atingir o break-even48 e decide abandonar a startup. Os demais sócios continuam trabalhando duro, e cinco meses após a saída de Duda, a empresa apresenta um produto que revoluciona o mercado, recebendo uma proposta de venda de milhares de reais. No momento das tratativas do negócio, os demais sócios se lembram de que Duda ainda permanece no quadro societário da empresa, tendo ela direito aos seus 25% do valor 48 É o ponto de equilíbrio financeiro de uma empresa. Nesse caso, o negócio não tem nem prejuízo, nem lucro, uma vez que as despesas são iguais as receitas.
  • 48. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 48 ] da venda. Essa situação é justa com aqueles que verdadeiramente se dedicaram ao desenvolvimento do negócio? Claro que não. Foi visando evitar surpresas negativas como esta e fornecer mais segurança aos sócios que verdadeiramente se dedicam ao negócio que o vesting surgiu. Com a aplicação deste instrumento, as participações na sociedade são adquiridas de acordo com o tempo de permanência dos sócios na empresa ou pelo cumprimento de metas preestabelecidas. Assim, apenas com o cumprimento dos pressupostos pactuados é que as partes adquirem sua participação definitiva no capital social, até o limite contratual previsto. Voltando ao caso concreto, caso a cláusula de vesting houvesse sido implementada na “Zetta” para o período de quatro anos49 , utilizando como meta o tempo de permanência, a estrutura de divisão das cotas da empresa ficaria da seguinte forma: 49 O tempo de aplicabilidade é determinado pelos próprios sócios, de acordo com as suas necessidades. Não há um prazo determinado ou limitações para tanto.
  • 49. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 49 ] Imagem 04 Demonstração da divisão do capital social de uma empresa LTDA utilizando o vesting Note que com o uso do vesting, apenas ao fim do quarto ano é que cada sócio teria adquirido a totalidade das cotas que lhe são devidas (25%). No caso concreto, se aplicado o vesting, Duda teria direito a apenas 1,56%50 do capital social da empresa, perdendo boa parte das cotas que lhe seriam cabíveis por não permanecer na empresa pelo período temporal predeterminado. 50 No caso em análise, os 25% do capital social devidos a Duda apenas seriam adquiridos integralmente após o quarto ano de permanência na empresa, ou seja, por cada ano ela recebia 6,25% do capital social (25% dividido por 4 anos). Tendo em vista que ela quando a empresa tinha apenas três meses de funcionamento (¼ de ano), ela terá direito a ¼ do percentual do capital que deveria adquirir em um ano, chegando-se ao valor de 1,56% do capital social.
  • 50. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 50 ] Caso a venda houvesse sido realizada sobre esses preceitos, não há dúvidas que tal situação se apresenta bem mais justa, uma vez que a sócia que abandonou a startup não receberá a mesma parcela dos demais sócios que trabalharam para alcançar o êxito do negócio. Veja ainda que o vesting pode ser implementado pelo cumprimento de metas. Ocorre que tal aplicação é mais complexa, uma vez que usualmente os setores das empresas estão bastante interligados, o que pode ocasionar um travamento do cumprimento de metas por um sócio por inércia de outro. Por exemplo, se o setor de vendas da “Zetta” não cumpre suas metas (vender 5.000 produtos por ano), dificilmente a diretoria financeira também irá cumprir as suas (aumentar o faturamento em 100% por cento ao ano). É essencial, portanto, que os sócios arbitrem como e quais órgãos serão responsáveis por definir tais metas. Em alguns acordos de sócios, empresas costumam definir que grandes companhias de auditoria51 serão responsáveis por solucionar tais conflitos. Porém, os custos de tais contratações podem ser muito elevados para startup. Por outro lado, os próprios sócios podem definir isso, porém a confiabilidade e a capacidade técnica podem não ser as mais adequadas para essa avaliação. Além de um instrumento de segurança jurídica para os sócios, o vesting deve ser visto e utilizado como um instrumento de motivação para os próprios sócios, mentores (advisors, boards) e investidores. Isso porque o aumento da 51 Empresas tais como Deloitte Touche Tohmatsu; Ernst&Young; KPMG; PriceWaterHouseCoopers, entre outros.
  • 51. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 51 ] sua participação da empresa com o tempo de permanência gera um maior interesse em continuar na startup. Em determinados casos, é possível realizar a aceleração do vesting. Nessas situações, o tempo previsto para a consolidação das cotas do vesting é reduzido de acordo com o previsto no Contrato Social. Geralmente essas situações ocorrem quando há proposta de venda da startup antes do fim do prazo de consolidação do vesting; quando há entrada de novos sócios na empresa, sendo necessário reorganizar o quadro societário, dentre outras situações que exigem reformulação nas participações da empresa. Merece atenção o seguinte detalhe: esse mecanismo jurídico em estudo não é um contrato, como muitos definem. Na verdade, este instrumento é um direito contratual, que deve ser disposto em uma cláusula ou termo no Contrato Social da startup ou no instrumento de admissão do funcionário ou mentor. A fundamentação legal para essa definição se encontra no inciso IV do art. 997 do Código Civil é claro ao definir que deve ser objeto do Contrato Social a definição da “cota de cada sócio no capital social, e o modo de realizá-la”. Dessa forma, utilizar outro instrumento contratual apenas para dispor sobre o capital social da startup é ir de encontro ao disposto na legislação própria sobre o tema. Apesar de ser uma ferramenta muito útil na resolução dos problemas ora demonstrados, juridicamente falando ainda não há um posicionamento dos tribunais e da doutrina sobre discussões que certamente irão surgir. Por exemplo, o uso do vesting atenta contra a disposição do §2º do art. 1.055 do
  • 52. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 52 ] Código Civil, que determinar ser “vedada contribuição (ao capital social) que consista em prestação de serviços”? Esse questionamento pode ser um problema para aqueles que pretendem ingressar apenas com o capital laboral ou intelectual na empresa. Para tal situação, defendo que não há conflito entre a aplicação do direito contratual comentado e o artigo legal exposto, uma vez que deve haver a integralização do capital social antes da aplicação do vesting. Assim, o que se há não é diretamente uma aquisição na participação do capital social, mas sim uma perda na participação integralizada por descumprimento de uma cláusula disposta no próprio Contrato Social. Deste modo, na prática, quando o interesse for de aplicar o vesting para os sócios fundadores, vejo como melhor opção idealizar tal instrumento da seguinte forma: os sócios subscrevem e integralizam o seu capital social na forma acordada em bens ou dinheiro; porém, em seguida, incluem uma cláusula limitadora de manutenção do capital social baseado no critério definido pelas partes. É muito importante também que os sócios deliberem sobre qual será o destino do capital social em caso de sócios que não percam parte do capital que lhe seriam devidos por descumprimento do vesting. Por exemplo, decidindo Duda se retirar do negócio quando possuía direito a apenas 1,56% do capital social, os 23,44% do restantes teriam que destino? Há várias alternativas a serem adotadas: destinar o percentual para um novo sócio que pretenda ingressar no
  • 53. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 53 ] negócio, destinar o percentual para bonificação de funcionários estrela ou até mesmo repartir entre os sócios remanescentes. Nessa última situação, teríamos o seguinte cenário: Ana, Bruno e Carlos passariam a deter 32,81% do negócio. Porém, em um cenário hipotético em que os sócios remanescentes possuam cotas diferentes, o ideal é que a divisão das sobras das cotas sejam repartidas em na proporção do capital social. Ou seja, se Ana tinha 70% do capital social e Bruno 20%, a cota em sobra deverá ser dividida nessas mesmas proporções. Atente ainda que a situação que ora apontamos é de uma pessoa que não obtêm o êxito no vesting, permanecendo com apenas um percentual do todo que lhe seria devido no capital social. Isso porque na prática, decidindo Duda sair do negócio, a ela cabe o valor referente a 1,56% do capital social, ficando livres todos os 25% que lhe cabiam, e não apenas os 23,44% apontados. 3.1.2. CLÁUSULA DE CLIFF Retomemos a situação utilizada como exemplo no tópico anterior, imaginando que os sócios da “Zetta” utilizaram o vesting por permanência de quatro anos na repartição do seu capital social, e que Duda saiu da empresa após três meses da abertura da empresa. Conforme dito, com a sua saída, ela teria direito ao correspondente a 1,56% do capital social. Agora idealize que o Contrato Social estabelece que o percentual do capital social que seria devido ao sócio que se retirou do negócio (25% -
  • 54. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 54 ] 1,56% = 23,44%) será destinado a algum funcionário estrela ou mentor. Porém, o novo “dono” do capital social também abandona o negócio pouco tempo após o seu ingresso, ficando com um pequeno percentual do capital social. Já imaginou as dificuldades jurídicas e gerenciais que a presença de vários sócios com pequenas cotas do capital social podem gerar para a empresa? Um exemplo são os óbices na reposição dos prejuízos da empresa ou para alteração no Contrato Social, uma vez que dispõe o art. 999 do Código Civil que: “Art. 999 - As modificações do contrato social, que tenham por objeto matéria indicada no art. 997, dependem do consentimento de todos os sócios; as demais podem ser decididas por maioria absoluta de votos, se o contrato não determinar a necessidade de deliberação unânime.” Visando evitar tais situações é que o cliff surgiu como complemento ao vesting. Palavra que em inglês significa penhasco ou desfiladeiro, o vocábulo foi utilizado para essa situação pois sua aplicação gera uma quebra na linha contínua de participação do capital social criada no vesting ou nos contratos padrão, com uma imagem que se assemelha a um precipício em um cenário regular, como se pode observar no gráfico abaixo:
  • 55. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 55 ] Imagem 05 Demonstração da divisão do capital social de uma empresa LTDA utilizando o vesting e o cliff inicial O cliff é representado por essa quebra na linha contínua existente entre o período de criação da empresa e o seu primeiro ano. Na prática, sua aplicação significa que a aquisição das cotas do capital social poderá ocorrer de duas formas: ou após um período de carência inicial, conforme acima exposto; ou por saltos no período de aquisição, conforme se pode observar abaixo.
  • 56. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 56 ] Imagem 06 Demonstração da divisão do capital social de uma empresa LTDA utilizando o vesting e o cliff periódico O que a aplicação desse instrumento busca é limitar que os sócios que abandonem a empresa só passem a ter direito ao que lhe era devido no capital social após o cumprimento de um período mínimo predeterminado; e, em alguns casos, caso o sócio saia após um período considerável de permanência na empresa, que este tenha um percentual de participação determinado, e não valores quebrados do capital social, que dificultaram a administração da empresa. Para facilitar, voltemos ao exemplo concreto: caso a “Zetta” houvesse aplicado o vesting de permanência pelo período de quatro anos, com o cliff de um ano, a saída de Duda da startup três meses após a sua fundação ocasionariam a
  • 57. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 57 ] perda do seu capital social devido, deixando de integrar o quadro societário da empresa, não tendo direito a nenhuma indenização por sua saída. Em outra situação figurativa, se implementado o vesting e o cliff nos moldes do último gráfico, caso Duda decidisse sair da empresa após dois anos e seis meses de permanência, esta teria direito a 12,5% do capital social da empresa, e não a 15,625%, que seria o valor devido caso apenas o vesting houvesse sido utilizado. Atente que a efetivação desses instrumentos deve ser realizada com todos os cuidados devidos. Se aplicados de forma incorreta, suas dificuldades de aplicação prática e consequências negativas podem ser maiores que as benesses. Por isso, analise e veja se vale utilizar tais instrumentos na constituição da sua empresa. 3.2. Acordo de acionistas, Memorandum of Understanding (MOU) e Term sheet Nas relações que envolvem pessoas, quanto mais forem demarcadas e detalhadas os direitos e deveres de cada um, menos haverá espaço para discussões negociais, que podem gerar conflitos desnecessários entre as partes. Por isso, as startups devem utilizar ao máximo as ferramentas jurídicas disponíveis que têm o condão de regular tais relações. O acordo de acionistas/sócios, os memorandos de entendimentos (memorandum of understanding) e as cartas ou
  • 58. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 58 ] protocolos de intenções (term sheets) são alguns dos documentos que possuem tais funções. A nomenclatura adequada52 irá variar de acordo com a sua utilização, mas, em regra, todos estes buscam alinhar os termos de uma relação comercial e jurídica que poderá ser implementada no futuro, ou já se encontra em vigência. Na prática, uma das utilizações de tais documentos é o estabelecimento de regras, comportamentos e intenções de partes envolvidas em uma negociação, principalmente naquelas que exigem uma abertura de informações entre as empresas, cujo vazamento ou utilização indevida possam ocasionar consequências negativas para as partes. É comum que na realização de transações comerciais entre startups e terceiros que tenham como objetivo o recebimento de investimentos, venda da empresa (parcial ou total), realização de parcerias ou joint ventures, entre outras atividades haja uma troca de informações entre os envolvidos, no intuito de analisar a viabilidade e consequências da operação almejada. Por exemplo, essa abertura de informações pode ser necessária para que um investidor, na realização de um due 52 Há ainda algumas discussões sobre as nomenclaturas corretas a serem utilizadas em alguns documentos. Por exemplo, há quem utilize o Memorando de Entendimentos como sinônimo ao Acordo de Acionistas, enquanto outros utilizam a mesma nomenclatura como sinônimo para os terms sheets. Porém, note que o nome dado ao documento não tem uma importância muito elevada, pois o mais importante é o conteúdo (na seara jurídica, esse entendimento é fundamentado com base no princípio da instrumentalidade das formas).
  • 59. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 59 ] diligence53 antes de fechar um negócio em potencial, avalie a necessidade de aplicação de um hurdle rate54 para o seu investimento; ou na fixação de um earn out55 , no caso de propostas de vendas para o seu negócio. Desta forma, será por meio da elaboração de um memorando de entendimentos ou term sheet que os envolvidos irão regulamentar o uso de tais informações e definir quais serão as etapas do negócio, obrigações e direitos das partes envolvidas e consequências caso haja descumprimento do que fora acordado ou vazamento de informações essenciais. Um exemplo de uso do memorando de entendimentos foi o idealizado entre o Governo do Amazonas, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas, a empresa SOFTEX e o Programa Nacional de Aceleração de Startups denominado Startup Brasil, para regulamentar o apoio do estado ao desenvolvimento na região.56 Nesse caso, o memorando objetivou regulamentar como serão realizados os 53 Procedimento de auditoria e investigação nas informações e dados de um negocio ou empresa, no intuito de se traçar um panorama geral desta. 54 Taxas mínimas que investidores esperam receber após realizarem aportes em startups, que variam de acordo com o montante investido e o risco assumido por este. 55 Acordos que propõem o recebimento de valores ou participação em empresas para que determinado empreendedor realize a venda do seu negócio. 56 Governo do Estado, via Seplan-CTI e FAPEAM, assinam memorando de entendimentos com Startup Brasil para apoio a novas empresas no Amazonas. FAPEAM. 19 nov. 2015. Disponível em: <http://www.fapeam.am.gov.br/governo-do-estado-via-seplan-cti-e-fapeam- assina-memorando-de-entendimento-com-startup-brasil-para-apoio-a-novas- empresas-no-amazonas/>. Acesso em: 24 jul. 2016.
  • 60. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 60 ] investimentos pelo estado do Amazonas para fomentar as atividades empreendedoras via startups. Outro exemplo prático é o acordo de entendimentos realizado entre a FINEP e a Agência Holandesa de Empreendimentos, buscando fortalecer a parceria entre as instituições de pesquisa e inovação brasileiras e holandesas, criando uma “rede transnacional em cooperação científica, tecnológica e industrial”.57 Sua implementação também pode ser concretizada em uma relação societária ou empresarial já estabelecida, como forma de dispor sobre aspectos gerais do negócio. No caso de necessidade de regulamentação das relações entre sócios ou acionistas, ou fortalecimento dos objetivos, metas e ideais da startup, o acordo de sócios ou acionistas é o instrumento mais adequado. Tendo em vista que as alterações nos Contratos e Estatutos Sociais demandam procedimentos mais complexos e burocráticos (definidos em lei), utilizar tais documentos pode ser uma alternativa mais prática, uma vez que estes documentos têm força contratual, porém são mais fáceis de serem alterados e redigidos, por não possuírem limitações legais específicas. Por exemplo, pode-se utilizar o acordo de sócios ou acionistas58 para definir quais serão as diretorias de uma startup, regulamentando suas metas e formas de atuação. 57 FINEP. Assinado Memorando de Entendimento entre o FINEP e holandesa RVO. 21 jun. 2016. Disponível em: <http://www.finep.gov.br/noticias/todas- noticias/5270-assinado-memorando-de-entendimento-entre-finep-e- holandesa-rvo>. Acesso em: 11 jul. 2016. 58 Alguns doutrinadores do direito dividem o acordo de acionistas das S.A em três espécies: acordo de comando, que irá regulamentar e organizar a
  • 61. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 61 ] Funcionar como um guideline para operação dos negócios empresariais pode ser uma outra forma de utilização de tais documentos, servindo como parâmetro em casos de questionamentos sobre que decisão tomar em casos de recepção de investimentos, venda da empresa59 , ou em debates sobre interpretação do Contrato ou Estatuto Social. Apesar de, em geral, não existir regulamentação legal específica sobre esses documentos60 , é muito importante que as partes, no momento de sua elaboração, observem as disposições genéricas para as elaborações de contratos comuns elencadas na parte geral e no título V do Código Civil: “Art. 104. A validade do negócio jurídico requer: I - agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei.” Além disso, como todo contrato, estes devem respeito aos princípios contratuais elencados no art. 442 do Código Civil, administração e controle do negócio; acordo de defesa, realizado pelos sócios ou acionistas minoritários no intuito de buscar direitos legais; e acordos mistos, que servem para regulamentar relações entre sócios e acionistas minoritários e majoritários. Outros classificam também, quanto ao conteúdo, como acordo de voto, de bloqueio ou múltiplo; ou quanto aos efeitos como unilateral, bilateral ou plurilateral. 59 O termo “exit” é muito utilizado no cenário das startups para designar o momento de venda da empresa. 60 O acordo de acionistas é regulamentado no art. 118 da Lei das Sociedades Anônimas (Lei Federal n.º 9.404/1976). Assim quando o documento for elaborado para regulamentar “sobre a compra e venda de suas ações, preferência para adquiri-las, exercício do direito a voto, ou do poder de controle” das S.A, as disposições desse artigo também deverão serem respeitadas.
  • 62. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 62 ] assim como às fases essenciais a tais instrumentos, que são as tratativas, acordo e cumprimento. “Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.” Veja também que as suas disposições não devem ser contrárias ou conflituosas com o Contrato ou Estatuto Social. Se feitos de tal maneira, o documento perde totalmente o seu sentido de criação, e pode gerar inúmeros conflitos entre os sócios e acionistas. Note, por fim, que os requisitos que a lei elenca como obrigatórios aos Contratos ou Estatutos Sociais não devem ser abarcados nos acordos de sócios ou acionistas, mas sim no documento em que são devidos. É interessante que esses contratos, denominados no meio jurídico de “parassociais”, sejam averbados ao Contrato ou Estatuto Social na Junta Comercial, sem prejuízo do registro em cartório competente, para que forneçam uma maior segurança jurídica aos envolvidos e à própria empresa. 3.3. Contratos de confidencialidade e sigilo Os contratos, termos ou acordos de confidencialidade ou sigilo (também denominados de non disclosure agreements - NDA) talvez sejam os documentos - dentre os mais importantes - menos utilizados pelas startups. E essa relevância
  • 63. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 63 ] está vinculada a sua função contratual: proteger a produção e propriedade material e intelectual de tais empresas. É fato que um dos maiores medos dos sócios de uma empresa é o vazamento de informações essenciais que podem excluir o diferencial (competitive edge) daquela startup, tornando-a apenas “mais uma” no mercado. E esse medo não caminha sozinho: a saída de sócios ou funcionários da empresa para concorrentes, ou até mesmo para fundarem uma startup no mesmo ramo de atuação61 é outro pesadelo que assombra os empreendedores. Para quem sofre desses temores, a melhor saída é a utilização dos contratos de confidencialidade e sigilo. Primeiramente, tais contratos visam resguardar a empresa do vazamento de informações sigilosas por parte dos seus membros (sejam eles sócios, funcionários ou mentores) ou de terceiros que, por qualquer motivo, venham a ter acesso as informações consideradas confidenciais (como advogados, clientes, contadores, dentre outros). Sua aplicabilidade pode ocorrer de duas formas: ou em um instrumento próprio, que regulamente apenas como se dará a proteção da confidencialidade; ou em cláusulas ou termos dentro de outros contratos existentes. Por exemplo, tal proteção pode ser um termo ou cláusula dentro do contrato de trabalho de um funcionário ou do próprio Contrato Social de uma empresa. Usualmente, aconselha-se que este contrato seja feito em um documento separado, uma vez que sua elaboração específica o torna mais completo. Note que essa proteção não deve ser adotada apenas com os funcionários e terceiros, mas principalmente entre os
  • 64. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 64 ] sócios. Isso porque estes detêm o conhecimento de todo o funcionamento da empresa, e o vazamento de informações ou uso indevido por membros do quadro societário pode representar o fim da startup. Os clientes também devem estar cientes de que não devem fornecer a terceiros alheios à relação comercial informações importantes sobre o modo de operação da startup. Por isso, cláusulas de confidencialidade são sempre bem vindas nos contratos de prestação de serviços. Para elaboração de tal documento, é aconselhável observar as seguintes disposições: a) Qualificação das partes: sócios, empregados, clientes, prestadores de serviços, entre outros. Em regra, são as partes principais envolvidas no contrato. Por exemplo, caso este documento seja realizado entre duas empresas, estas deverão ser as partes contratuais. Não será necessário que a empresa coloque todos os sócios e funcionários para assinar esse contrato, pois a extensão deste documento será tratado em uma das listadas adiante; b) Objeto do contrato: deverá ser a elaboração de um contrato de confidencialidade e sigilo que visa regular, proteger e resguardar a troca de informações confidenciais e sigilosas entre as partes; c) Definições gerais: deverá definir quem são as partes reveladoras e receptoras; quais informações serão consideradas confidenciais; e delimitar quais as formas de transmissão das informações confidenciais entre os envolvidos; 61 Vide também o tópico que aborda as cláusulas de não concorrência.
  • 65. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 65 ] d) Extensão da responsabilidade: abalizar a quem se estende o contrato de confidencialidade (empregados, contratados, subcontratados, terceiros vinculados às partes, etc.); e) Limitações e obrigações da parte receptora: estabelecer quais os limites da parte receptora no uso das informações (não divulgar, discutir, usar, revelar, ceder ou dispor as informações a terceiros...); responsabilizar-se por impedir o vazamento das informações, arcando com os custos necessários para tanto; comunicar a parte reveladora o vazamento de informações, et al. f) Extensão da confidencialidade: limitar a quais informações a confidencialidade se aplica (não se aplica o sigilo para as informações de domínio público, que não sejam emitidas sob o manto da confidencialidade, etc.). g) Da guarda de informações: definir quais serão os meios e cuidados tomados entre as partes na guarda das informações protegidas pelo referido contrato, e como ocorrerá a devolução ou exclusão dos dados após o fim do contrato. h) Penalidades: determina quais serão as penalidades administrativas, civis e criminais para quem descumprir o contrato. i) O prazo de validade do contrato: em geral, a validade se estende desde o período das tratativas negociais até um prazo após o fim do contrato, denominado de quarentena (varia de acordo com o interesse das partes, mas em comum utilizam o período de 2 a 5 anos). j) Disposições gerais: são as cláusulas gerais dos contratos. A aplicação desse instrumento deve ser utilizada de forma cuidadosa pelas partes, no intuito de evitar brechas
  • 66. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 66 ] legais que permitam o vazamento de informações empresariais pelos envolvidos no negócio. Veja ainda que a idealização de tal contrato pode ser uma prova bastante importante para a caracterização do crime de concorrência desleal, previsto no art. 195 da Lei Federal n.º 9.279/1996 (Lei de Proteção à Propriedade Industrial) e que elenca inúmeras ações que podem configurar este ilícito. “Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem: I - publica, por qualquer meio, falsa afirmação, em detrimento de concorrente, com o fim de obter vantagem; II - presta ou divulga, acerca de concorrente, falsa informação, com o fim de obter vantagem; III - emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem; IV - usa expressão ou sinal de propaganda alheios, ou os imita, de modo a criar confusão entre os produtos ou estabelecimentos; V - usa, indevidamente, nome comercial, título de estabelecimento ou insígnia alheios ou vende, expõe ou oferece à venda ou tem em estoque produto com essas referências; VI - substitui, pelo seu próprio nome ou razão social, em produto de outrem, o nome ou razão social deste, sem o seu consentimento; VII - atribui-se, como meio de propaganda, recompensa ou distinção que não obteve; VIII - vende ou expõe ou oferece à venda, em recipiente ou invólucro de outrem, produto adulterado ou falsificado, ou dele se utiliza para negociar com produto da mesma espécie, embora não adulterado ou falsificado, se o fato não constitui crime mais grave;
  • 67. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 67 ] IX - dá ou promete dinheiro ou outra utilidade a empregado de concorrente, para que o empregado, faltando ao dever do emprego, lhe proporcione vantagem; X - recebe dinheiro ou outra utilidade, ou aceita promessa de paga ou recompensa, para, faltando ao dever de empregado, proporcionar vantagem a concorrente do empregador; XI - divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços, excluídos aqueles que sejam de conhecimento público ou que sejam evidentes para um técnico no assunto, a que teve acesso mediante relação contratual ou empregatícia, mesmo após o término do contrato; XII - divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos ou informações a que se refere o inciso anterior, obtidos por meios ilícitos ou a que teve acesso mediante fraude; ou XIII - vende, expõe ou oferece à venda produto, declarando ser objeto de patente depositada, ou concedida, ou de desenho industrial registrado, que não o seja, ou menciona-o, em anúncio ou papel comercial, como depositado ou patenteado, ou registrado, sem o ser; XIV - divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de resultados de testes ou outros dados não divulgados, cuja elaboração envolva esforço considerável e que tenham sido apresentados a entidades governamentais como condição para aprovar a comercialização de produtos. Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.”
  • 68. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 68 ] A aplicabilidade de instrumentos de proteção da confidencialidade e sigilo dos dados da empresa é um fator de grande importância para as startups e grandes empresas que lidam com o desenvolvimento de tecnologias. É uma característica primordial das grandes empresas do ramo o cuidado jurídico na guarda de suas informações. A Apple, por exemplo, maior empresa de tecnologia do mundo, preza de forma incisiva pela segurança dos seus dados e produtos, sejam eles softwares ou hardwares. A Foxconn, empresa responsável pela produção dos aparelhos da Apple, obriga todos os seus funcionários a assinarem contratos de confidencialidade e sigilo, além de informarem constantemente aos seus funcionários dos riscos do vazamento de informações e realizarem um rígido controle físico, com a utilização de fiscais de monitoramento e presença de detectores de metal.62 Sem dúvidas, a rígida proteção aos seus produtos tecnológicos é uma das fórmulas de sucesso da empresa. 62 BOECHAT, Yan. Economia IG. Em segredo, Foxconn começa a produzir Iphone no Brasil. São Paulo. 18 out. 2011. Disponível em:
  • 69. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 69 ] CHECKLIST – CONTRATO DE CONFIDENCIALIDADE E SIGILO Partes Objeto do contrato Definição geral Extensão da responsabilidade Limitações e obrigações das partes Extensão da confidencialidade Guarda de informações sigilosas Penalidades Prazo de validade contratual Disposições gerais. <http://economia.ig.com.br/em-segredo-foxconn-comeca-a-produzir-iphone- no-brasil/n1597290050550.html>. Acesso em: 13 jul. 2016.
  • 70. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 70 ] 4. CLÁUSULAS E INSTRUMENTOS CONTRATUAIS ESPECÍFICOS Após realizarmos a análise dos contratos iniciais e algumas de suas cláusulas mais importantes, vamos estudar outros instrumentos contratuais com aplicações diversas, que podem ser úteis na proteção da sua startup. 4.1. Direito de preferência O direito de preferência é um benefício legal bastante elencado nos documentos de constituição das sociedades. Sua utilização só tem sentido em sociedades ou contratos de investimentos, uma vez que sua aplicabilidade tem o condão de garantir preferências aos demais sócios, acionistas ou investidores no caso do aumento ou subscrição do capital social da empresa, ou no caso da venda das cotas/ações por um dos sócios/acionistas. Para as sociedades limitadas, o direito de preferência está regulamentado nos arts. 1.057 e 1.081 do Código Civil: “Art. 1.057 - Na omissão do contrato, o sócio pode ceder sua cota, total ou parcialmente, a quem seja sócio, independentemente de audiência dos outros, ou a estranho, se não houver oposição de titulares de mais de um quarto do capital social.”
  • 71. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 71 ] *** “Art. 1.081 - Ressalvado o disposto em lei especial, integralizadas as cotas, pode ser o capital aumentado, com a correspondente modificação do contrato. §1o - Até trinta dias após a deliberação, terão os sócios preferência para participar do aumento, na proporção das cotas de que sejam titulares. §2o - À cessão do direito de preferência, aplica-se o disposto no caput do art. 1.057. §3o - Decorrido o prazo da preferência, e assumida pelos sócios, ou por terceiros, a totalidade do aumento, haverá reunião ou assembleia dos sócios, para que seja aprovada a modificação do contrato.” O próprio Código Civil determina que, em regra geral, os sócios serão preferencialmente os adquirentes da parte do capital social da empresa quando este for ampliado, na proporção das cotas que sejam titulares. Além disso, dispõe que caso não haja determinação em contrário no Contrato Social, pode um sócio ceder suas cotas a outro, independentemente de autorização dos demais; e, no caso de cessão para terceiros, esta somente será possível caso não haja vedação dos titulares de mais de 25% do capital social. Por exemplo, no caso da startup “Zetta”, caso a assembleia de sócios decidisse pelo aumento do capital social da empresa em R$ 10.000,00, cada um dos sócios teria o direito de preferência a adquirir 25% desse aumento (R$ 2.500,00). Noutra situação hipotética, caso Bruna decidisse vender as suas cotas e os sócios remanescentes decidissem invocar o
  • 72. Direito para startups, por Lucas Bezerra Vieira [ 72 ] direito de preferência, cada um deles teria direito a 33% das cotas pertencentes à alienante, que, de forma global, representaria 8,33% da “Zetta”. Deste modo, Ana, Carlos e Duda ficariam ao final com 33,33% da startup (25% + 8,33%). Para as Sociedades Anônimas, por sua vez, o regramento do direito de preferência se encontra elencado no arts. 171 e 172 da Lei das S.A. Vejamos: “Art. 171. Na proporção do número de ações que possuírem, os acionistas terão preferência para a subscrição do aumento de capital. Art. 172. O estatuto da companhia aberta que contiver autorização para o aumento do capital pode prever a emissão, sem direito de preferência para os antigos acionistas, ou com redução do prazo de que trata o § 4o do art. 171, de ações e debêntures conversíveis em ações, ou bônus de subscrição, cuja colocação seja feita mediante: I - venda em bolsa de valores ou subscrição pública, ou; II - permuta por ações, em oferta pública de aquisição de controle, nos termos dos arts. 257 e 263. [...]” O que deve ser observado é que esse direito pode ser adequado de acordo com as necessidades e os interesses dos sócios da startup, desde que as determinações estejam incluídas no Contrato ou Estatuto Social.