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MARCO ANTONIO VILLA<br />O silêncio de Lula<br />Folha de São Paulo (06/10/2010)<br />Agora Dilma vai ter as mesmas condições que Serra; continuar a falar por ela vai pegar muito mal<br />Lula perdeu. A soberba fez mais uma vítima. O presidente, com supostos 80% de aprovação, não elegeu sua sucessora no primeiro turno, como propalou nas últimas semanas. Toda a agressividade presidencial foi em vão.<br />As ameaças foram aumentando na mesma proporção que os institutos de pesquisa apresentavam o favoritismo da sua candidata.<br />Não custa imaginar como agiria discursando na festa da vitória que não houve. O silêncio de Lula nos últimos dias, caso raro, foi o mais extenso deste ano.<br />A oposição recebeu um claro recado das urnas. Há espaço para uma candidatura propositiva e oposicionista.<br />A maioria simples que o governo obteve foi graças ao apoio dos oligarcas (Sarney, Barbalho, Collor, entre outros), das centrais sindicais pelegas, dos velhos movimentos sociais sustentados com recursos públicos, das pesquisas que a cada dia jogavam uma ducha gelada na oposição e estimulavam o eleitor indeciso a votar na candidata oficial, da máquina estatal e de seus programas assistencialistas, e, finalmente, de Lula, que literalmente abandonou a Presidência para fazer campanha.<br />Apesar de tudo, o governo não obteve a vitória que imaginava. O segundo turno era tudo o que Lula não queria. Agora sua candidata vai ter as mesmas condições que Serra. Continuar falando por ela como fez no primeiro turno vai pegar muito mal.<br />O criador tem de dar alguma autonomia à criatura. Confundir apoio com tutoria, indica ao eleitor que Dilma não consegue caminhar com as próprias pernas.<br />A oposição terá nova chance. Não tem desempenhado bem o seu papel. Acreditou na fantasia de que somente 4% da população achava o governo ruim. E, depois dos resultados da eleição de domingo, é mais fácil crer no chapeuzinho vermelho do que nas pesquisas eleitorais.<br />O eleitorado apontou que a oposição tem de fazer política. Deve criticar (quem disse que o eleitor não gosta de crítica?) e propor alternativas. Chamar Dilma para o debate e não Lula. Afinal, é ela a candidata.<br />A verdadeira eleição, espero, começou na noite do último domingo. Até então, o que tivemos foi um mero simulacro. Debates monótonos, um amontoado de propostas desconexas, muito marketing e pouca política.<br />Foi o tipo de campanha que marqueteiro adora. Agora deve começar a eleição que interessa ao país. Longe daquilo que Euclides da Cunha, em 1893, chamava das quot;
insânias dos caudilhos eleitorais e do maquiavelismo grosseiro de uma política que é toda ela uma conspiração contra o futuro de uma nacionalidadequot;
.<br />MARCO ANTONIO VILLA é professor do Departamento de Ciências Sociais da UFSCar<br />
O silêncio de Lula

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