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Introdução ao comportamento não linear de estruturas
Conteúdo
1 Introdução 3
1.1 Porquê estudar o comportamento não linear das estruturas? . . . . . . . . . . . . 3
1.2 Análise linear versus análise não linear . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
1.3 Objetivos e organização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4
2 Comportamento fisicamente não linear de secções transversais 7
2.1 Equações que regem o comportamento não linear de secções transversais . . . . . 7
2.2 Tração e flexão elastoplástica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
2.2.1 Material elastoplástico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
2.2.2 Esforço axial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
2.2.3 Momento fletor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
2.2.4 Exemplos de determinação de Mc e Mp . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
2.2.5 Flexão composta elastoplástica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
2.2.6 Diagrama de interação de uma secção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
2.3 Flexão composta de materiais não resistentes à tração. Tensões de contacto em
fundações diretas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
2.4 Análise elastoplástica de uma secção retangular. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
2.4.1 Curva momento-curvatura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
2.4.2 Descarga elástica. Tensões residuais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
2.5 O conceito da rótula plástica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
2.6 Torção elastoplástica de secções com simetria de revolução . . . . . . . . . . . . . 26
3 Análise incremental de estruturas elástoplásticas 29
3.1 Introdução. Parâmetros de carga. Carga de cedência e carga última . . . . . . . . 29
3.2 Estruturas isostáticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
3.3 O comprimento da zona plastificada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
3.4 Análise incremental de uma estrutura articulada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
3.5 Análise incremental de uma viga hiperestática . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
3.6 Descargas e esforços e reações residuais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
3.7 Utilização do PTV para o cálculo de deslocamentos . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
3.8 Utilização do PTV para o cálculo de cargas de colapso . . . . . . . . . . . . . . . . 40
3.9 Mecanismos de colapso globais, parciais e múltiplos . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
4 Análise limite de estruturas elastoplásticas 45
4.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
4.2 Carga de um mecanismo cinematicamente admissível . . . . . . . . . . . . . . . . 46
4.3 O teorema cinemático . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
4.4 Carga de uma distribuição de esforços estaticamente admissível . . . . . . . . . . 48
4.5 O teorema estático . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50
4.6 Metodologia para obtenção da carga de colapso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50
4.7 Exemplos de aplicação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
1
4.8 Uma visualização dos teoremas de análise limite . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
4.9 Comentários finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60
5 Comportamento geometricamente não linear 61
5.1 O conceito de estabilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
5.2 Análise de um modelo de um grau de liberdade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62
5.2.1 Equilíbrio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
5.2.2 Energia potencial e análise de estabilidade das trajetórias . . . . . . . . . 66
5.2.3 Efeito das imperfeições . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
5.2.4 Conclusões retiradas da análise do modelo e sua extrapolação . . . . . . . 68
5.3 Análise linear de estabilidade de outros modelos de barras rígidas . . . . . . . . . 68
5.4 Encurvadura de colunas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70
5.4.1 Equação diferencial de estabilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70
5.4.2 Coluna de Euler . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72
5.4.3 Deslocamento, rotação, curvatura, momento fletor e esforço transverso . . 74
5.4.4 Outras condições de apoio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74
5.4.5 A coluna encastrada-apoiada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75
5.4.6 Coluna encastrada-livre . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76
5.4.7 Comprimento de encurvadura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
5.4.8 Carga máxima suportada por uma coluna . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
2
1 Introdução
1.1 Porquê estudar o comportamento não linear das estruturas?
A natureza é não linear. Mas a nossa forma de pensar tende a ser linear. Isto não é necessa-
riamente um inconveniente, já que a linearização de um problema permite-nos enfrentar pro-
blemas complexos e encontrar soluções através da sobreposição de resultados conhecidos de
problemas simples.
No campo das estruturas, a análise linear permite-nos obter uma aproximação do compor-
tamento real das estruturas a qual nos ajuda a compreender o seu modo de funcionamento.
É apenas natural que a concepção de estruturas vá buscar inspiração ao seu comportamento
linear. Mesmo o dimensionamento e a verificação da segurança foram durante muito tempo
essencialmente baseados na análise elástica linear e no conceito de tensão de segurança.
Mas existem vários inconvenientes no dimensionamento elástico de estruturas. Por um lado,
pode conduzir ao sobredimensionamento das peças estruturais e desse modo não ser económico.
De facto, as estruturas constituídas por materiais dúcteis como o aço apresentam geralmente
uma reserva de resistência para além do limite elástico, a qual depende de muitos factores tais
como o seu grau de estatia ou a forma das secções transversais. Um dos principais inconve-
nientes do dimensionamento elástico é que essa reserva nunca é explicitamente considerada e
muito menos quantificada. O modo de colapso também não é conhecido, tornando muito difícil
avaliar o desempenho de uma estrutura face a acções de extrema intensidade.
Por outro lado, existem situações, tais como a instabilidade de colunas esbeltas, onde os
resultados de uma análise linear diferem muito do comportamento real da estrutura, sendo
fundamental a consideração de uma análise geometricamente não linear para a verificação da
segurança.
Por estas razões, hoje em dia, a verificação da segurança de estruturas deve ter em conta
diversos aspetos do comportamento não linear de estruturas, os quais estão incorporados nos
modernos regulamentos de estruturas.
1.2 Análise linear versus análise não linear
A análise linear de estruturas assenta num conjunto de hipóteses que se traduzem por relações
lineares entre as diversas grandezas em jogo. Esta relações lineares podem ser observadas quer
no contexto da teoria da elasticidade, aplicada aos corpos encarados como contínuos defor-
máveis, quer no contexto de teorias estruturais, tais como a teoria das peças lineares (vigas,
estruturas reticuladas) ou teorias de peças laminares (placas, lajes ou cascas).
Assim, na teoria da elasticidade linear, admitem-se (i) relações deformações-deslocamentos,
onde o campo de deformações depende linearmente do campo de deslocamentos, (ii) relações
constitutivas, onde as tensões são proporcionais às deformações e (iii) equações de equilíbrio,
que são equações lineares envolvendo o campo de tensões e as cargas aplicadas. Verificada a
linearidade de todas estas equações1 — e admitindo que existam condições de fronteira sufici-
entes para impedir movimentos de corpo rígido — pode demonstrar-se que a solução existe e é
única. É também válido o princípio da sobreposição segundo o qual a resposta do corpo a uma
combinação linear de acções exteriores pode ser obtida através da mesma combinação linear
das respostas do corpo à atuação isolada de cada uma das acções exteriores.
A teoria das peças lineares pode ser encarada como a especialização da teoria da elasticidade,
através da adopção de algumas hipóteses complementares sobre os campos de deslocamentos
(hipótese de Bernoulli) e de tensões (hipótese de Navier), o que permite lidar com grandezas
de domínio unidimensional: deslocamentos e rotações do eixo da peça, deformações ao nível
1
É importante observar que são as equações que são lineares, e não a variação das diversas grandezas ao longo
do corpo. A teoria ser linear significa simplesmente que, por exemplo, se multiplicarmos por 2 as cargas aplicadas,
então os deslocamentos as deformações e as tensões deverão também ser multiplicadas por 2.
3
da secção transversal (extensão, curvatura, etc), esforços (esforço axial, momento fletor, etc) e
cargas atuando no eixo da peça. Uma estrutura com comportamento linear — onde as relações
entre as diversas grandezas unidimensionais são todas lineares — herda as propriedades referi-
das no parágrafo anterior para o caso de um corpo contínuo. Em particular, a solução existe e
é única — admitindo evidentemente que estão impedidos movimentos de corpo rígido, o que é
sempre verdade em estruturas não hipostáticas e sem ligações mal distribuídas. Continua tam-
bém válido o princípio da sobreposição, o qual é aliás vital na construção de métodos de análise,
tais como o método das forças.
A linearidade destas equações é, bem entendido, uma aproximação ao comportamento real
das estruturas o qual é, de facto, não linear. De um modo geral, a aproximação linear faz sentido
até um determinado nível de solicitação, a partir do qual é inevitável a consideração de análises
mais realistas as quais deverão incorporar, pelo menos, os efeitos não lineares mais relevantes
para o problema em análise. Em qualquer dos casos, a primeira abordagem de um determinado
problema deverá sempre passar por uma análise linear, que serve de referência e orientação na
realização das análises não lineares mais complexas.
Existem muitos aspetos não lineares que podem ou não ser contemplados numa dada análise
e, além disso, existem muitas formas de modelar cada um desses aspetos, recorrendo a mais ou
menos idealizações/simplificações. Isto leva a que por vezes se diga «análise linear há só uma,
análises não lineares há muitas». Mas qualquer análise não linear é manifestamente mais com-
plexa que uma análise linear. Basta pensar que a solução de um dado problema estrutural não
linear pode não existir ou ser múltipla, ou que deixa de ser válido o princípio da sobreposição.
É habitual e conveniente agrupar as fontes de não linearidade do comportamento estrutural
em dois tipos:2
não linearidade física (ou material) — sempre que o material não possa ser considerado elás-
tico linear, ou seja, quando as tensões/esforços não dependem linearmente das deforma-
ções.
não linearidade geométrica — (i) quando não se verifica a hipótese dos pequenos desloca-
mentos, sendo necessário considerar uma relação não linear entre deformações e desloca-
mentos e/ou (ii) quando nas equações de equilíbrio existem termos não desprezáveis aco-
plando tensões/esforços/cargas com deslocamentos, o que equivale a dizer que a escrita
das equações de equilíbrio deve ser feita na configuração deformada do corpo/estrutura.
1.3 Objetivos e organização
Neste texto de introdução ao comportamento não linear de estruturas, pretende-se abordar os
conceitos base em jogo, mantendo-se a exposição tão simples quanto possível. Assim considera-
-se separadamente cada um dos tipos de não linearidade acima referidos. Em ambos os casos,
o contexto é o de estruturas reticuladas planas, constituídas por peças lineares de secção trans-
versal simétrica, continuando a admitir-se a validade das hipóteses de Bernoulli e de Navier.
Admite-se ainda que apenas as tensões normais longitudinais são importantes, pelo que apenas
é necessário considerar uma relação constitutiva uniaxial.
As secções 2 a 4 incidem essencialmente sobre a não linearidade física associada ao com-
portamento elastoplástico do aço estrutural. Começa-se por estudar o comportamento das sec-
ções transversais, identificando-se esforços de plastificação (com e sem interação de esforços).
Deduzem-se relações constitutivas ao nível da secção transversal, dando-se particular atenção
à relação momento-curvatura em flexão simples e ao conceito de rótula plástica. Depois, na
secção 3, aborda-se a análise incremental de estruturas, sujeitas a perfis de carregamento,
identificando-se conceitos chave tais como carga de cedência e carga última. A secção 4 des-
2
Estas categorias não são exaustivas. Outra fonte importante de não linearidade advém do contacto entre corpos.
4
creve a análise limite do mesmo tipo de estruturas, que permite o cálculo da carga de colapso
com base no equilíbrio e num conjunto de teoremas.
Na secção 5 faz-se uma introdução à não linearidade geométrica, estudando-se primeiro
a estabilidade de modelos de barras rígidas e molas e depois o fenómeno da encurvadura de
colunas.
Nota:
Estas folhas foram inicialmente preparadas para apoio da unidade curricular de Resistên-
cia de Materiais 2 do ano de 2015/2016, de acordo com o currículo pós-Bolonha que re-
monta a 2007/2008, adotando a reorganização de capítulos introduzida a partir do ano letivo
2010/2011.
Esta segunda versão foi aumentada para refletir as alterações curriculares introduzidas no
ano de 2016/2017. A principal alteração é a inclusão do capítulo referente à análise limite, mas
foram introduzidas outras alterações pontuais (o diagrama de interação de uma secção em T, a
consideração de barras heterogéneas à tração, a análise incremental de uma treliça).
O autor agradece aos professores José Moitinho de Almeida, António Pinto da Costa e Pedro
Borges Dinis a ajuda na revisão do texto.
5
6
2 Comportamento fisicamente não linear de secções transversais
2.1 Equações que regem o comportamento não linear de secções transversais
Considere-se uma peça linear (viga, pilar), de eixo longitudinal x3 coincidente com o centro de
gravidade das secções transversais. Admite-se que a secção transversal é simétrica em relação
ao eixo vertical x2. A secção transversal tem área A e momento de inércia I = I11 em relação
ao eixo x1.
O material é não linear, devidamente caracterizado por uma lei constitutiva uniaxial conhe-
cida
σ33 = σ33(ε33) (1)
Para já, admite-se que a forma desta função pode ser qualquer — o que é sugerido pela curva
genérica representada na figura 1. Observe-se que para esta caracterização estar completa é
também necessário saber como se processam as descargas.
σ33
ε33
Figura 1: Lei constitutiva uniaxial de um material não linear genérico.
Considere-se uma secção transversal submetida à flexão composta reta, isto é à atuação de
um esforço axial (ou esforço normal) N e de um momento fletor M = M1, tal como represen-
tado na figura 2. Admitindo-se a hipótese de Bernoulli, pela qual as secções se mantêm planas,
o deslocamento axial u3 será uma função linear de x2, o mesmo se passando com a extensão
longitudinal ε33. Tem-se então
ε33 = εG +
x2
R
(2)
onde εG representa a extensão longitudinal medida sobre o eixo da peça (isto é para x2 = 0) e
1
R é a curvatura da peça (em torno do eixo x1).
Admitindo conhecidos estes dois parâmetros, εG e 1
R , e admitido que o carregamento da
secção é feito de modo a que a extensão ε33 de cada ponto aumente monotonamente — sem
descargas, portanto —, então a distribuição de tensões em toda a secção é facilmente determi-
nada recorrendo às equações (1) e (2). Finalmente, os esforços N e M1 podem ser obtidos por
integração na secção transversal,
N =
A
σ33 dA M =
A
σ33 x2 dA (3)
x1
x2
G
x3
+
−
εG
1
1
R
x2
LN ⇒
N
M
LN
ε33 = εG + x2
R σ33(ε33)
Figura 2: Flexão (composta) não linear de uma secção transversal.
7
Este processo de obter os esforços a partir dos parâmetros de deformação, utilizando suces-
sivamente as equações (1), (2) e (3), está ilustrado na figura 2 e pode ser condensadamente
escrito como
N = N(εG,
1
R
) M = M(εG,
1
R
) (4)
Mais difícil, mas também mais interessante, é o problema inverso: conhecidos os esforços
atuantes N e M determinar os parâmetros de deformação εG e 1
R e a correspondente distribuição
de tensões. Ao contrário do que acontece no caso elástico, onde se tem εG = N
EA e 1
R = M
EI ,
no caso geral de um material não linear não costuma haver solução analítica, sendo necessário
resolver o sistema de equações não lineares (4) por métodos numéricos (iterativos). Este tipo
de análise está fora do âmbito do presente texto.
2.2 Tração e flexão elastoplástica
2.2.1 Material elastoplástico
Considere-se agora que o comportamento do material é descrito pelo modelo «elástico - perfei-
tamente plástico», ou simplesmente elastoplástico, representado na figura 3. Este modelo admite
que o comportamento é elástico linear para valores de tensão inferiores em módulo à tensão de
cedência σc e totalmente plástico quando o módulo da tensão é igual à tensão de cedência.
Este modelo constitutivo simples é adequado para modelar o comportamento do aço no
contexto da análise de estruturas, mas é importante ter a noção que constitui uma idealização
do verdadeiro comportamento do aço macio, cuja curva tensão-deformação é caracterizada por
um patamar de cedência finito seguido pelo endurecimento e estricção. A consideração de um
patamar de cedência indefinido é uma idealização que se justifica atendendo à boa ductilidade
exibida pelos aços.
A figura 3 também ilustra que as descargas a partir do patamar de cedência se processam
elasticamente. A deformação recuperada é deformação elástica, enquanto a deformação que
fica após descarga completa se designa por deformação plástica.
σ33
ε331
E
σc
−σc
Figura 3: Lei constitutiva uniaxial de um material elástoplástico.
Analisem-se de seguida as consequências desta relação constitutiva, quando uma secção é
submetida à acção isolada de um esforço axial ou de um momento fletor. Em ambos os casos,
estamos interessados em determinar o esforço de cedência — valor correspondente à primeira
cedência no material —, e o esforço de plastificação — valor correspondente à plastificação com-
pleta da secção. O esforço de cedência é importante porque assinala o fim do regime elástico,
sendo assim o limite de aplicabilidade da teoria linear. Por outro lado, o esforço de plastificação
em materiais elastoplásticos é o maior esforço que a secção é capaz de suportar.
2.2.2 Esforço axial
Admitindo-se uma secção homogénea, no caso de um esforço axial tem-se sempre um diagrama
de tensões uniforme, σ33 = N
A , como se mostra na figura 4. Assim, existe coincidência entre o
8
x1
x2
G
σ < σc σ = σc
+ +
N
ε1
EA
Np = Nc
−Np
N < Np N = Np
Figura 4: Tensões σ33 para a atuação de um esforço axial crescente.
esforço normal de cedência Nc e o esforço normal de plastificação Np,
Nc = Np = Aσc (5)
pelo que o diagrama N(ε), também representado na figura, é semelhante ao diagrama σ(ε) da
relação constitutiva. Como se verá, esta coincidência entre Nc e Np não existe em geral no caso
de secções heterogéneas, onde as cedências dos vários materiais ocorrem para valores de N
diferentes.
Se o esforço normal é constante ao longo de uma barra, de secção transversal também cons-
tante, a deformação plástica pode ocorrer em qualquer secção. É aliás o que acontece num
ensaio de tração uniaxial, onde, na cedência, é possível observar uma zona onde se localizam
as deformações plásticas, zona essa que se propaga depois progressivamente pelo provete com-
pleto. Do ponto de vista do comportamento estrutural de um tirante, é indiferente a distribuição
das deformações ao longo da barra, pelo que, muitas vezes, se prefere representar a relação
constitutiva axial na forma N(∆l), em vez da forma N(ε).
Embora este texto se foque essencialmente em secções homogéneas, é interessante discutir
o comportamento à tração de uma barra heterogénea constituída pela associação em série de
materiais elastoplásticos.3
A barra representada na figura 5 é constituída por dois materiais, ambos de comportamento
elastoplástico, caracterizados pelos respetivos módulos de elasticidade, E1 e E2, e pelas respeti-
vas tensões de cedência σc1 e σc2. Admite-se que a aderência entre os materiais é perfeita, pelo
que a extensão longitudinal é uniforme na secção transversal. A barra está submetida a um es-
forço axial N aplicado no centro (de rigidez) da secção. Note-se que se admite que a geometria
da secção é bi-simétrica, incluindo no que diz respeito à distribuição dos dois materiais, de modo
a que o único esforço não nulo seja a tração, independentemente da ocorrência de plastificação
em qualquer dos materiais.
Enquanto a barra se comporta elasticamente, o valor da extensão longitudinal é dado por
ε =
N
n
i EiAi
(6)
Impondo que a tensão em cada material seja inferior à respetiva tensão de cedência, facilmente
se conclui que o esforço normal de cedência é dado por
σi = Eiε ≤ σci ⇒ ε ≤ min
i
σci
Ei
⇒ Nc =
n
i
EiAi min
i
σci
Ei
(7)
Note-se que o primeiro material a ceder não é necessariamente o de menor tensão de cedência,
mas sim, aquele que apresenta uma menor deformação de cedência εi = σci
Ei
.
3
Esta discussão tem um interesse algo académico, uma vez que as secções heterogéneas mais interessantes do
ponto de vista prático — as secções de betão armado — incluem um material (o betão) cujo comportamento não é
elastoplástico.
9
ε1
EiAi
Nc
N
ε
E2
σc1
σc2
E1
σ
Np
N
N
1
2
1
2
1
1
Figura 5: Barra heterogénea à tração.
Após a cedência de um dos materiais, todo o acréscimo do esforço axial é absorvido pelo
outro material, ainda a trabalhar elasticamente. Quando finalmente este atinge a cedência, toda
a secção transversal está plastificada, sendo o correspondente esforço normal de plastificação
dado por
σi = σci ⇒ Np =
n
i
Aiσci (8)
Para a secção heterogénea, o diagrama N(ε) é caracterizado por vários troços lineares, tal
como se mostra também na figura 5. No primeiro troço o declive é dado pela rigidez axial
elástica n
i EiAi, no segundo troço o declive é menor (só é contabilizada a contribuição para
a rigidez do material ainda em regime elástico) e no troço final o declive é nulo. Se em vez
de dois materiais, a secção for constituída por n materiais, aumenta naturalmente o número de
troços que formam o diagrama N(ε), mas note-se que, atendendo à forma como foram escritas,
as expressões apresentadas para Nc e Np conservam a validade.
2.2.3 Momento fletor
No caso da atuação de um momento fletor, a evolução do diagrama de tensões é mais compli-
cada, mesmo no caso de uma secção homogénea, tal como se representa na figura 6.
x1
x2
G LNe
σ < σc σ = σc
M < Mc
LNe
LN
LNp
LN
v
+
+
+
+
+
−−−−−
σc σc σc
−σc−σc
M = Mc Mc < M < Mp M = Mp
Figura 6: Tensões σ33 para a atuação de um momento fletor crescente.
Enquanto toda a secção permanece no domínio elástico, isto é, para 0 < M < Mc, o di-
agrama de tensões é linear σ33 = M
I x2 e a linha neutra coincide com o eixo x1, passando,
10
portanto, no centro de gravidade G. Quando o momento é exatamente igual ao momento de
cedência Mc, o diagrama de tensões ainda é triangular, e o seu valor na fibra mais afastada da
linha neutra é, em módulo, igual à tensão de cedência. Designando por v a distância da fibra
mais afastada à linha neutra, tem-se então σc = Mc
I v pelo que o momento de cedência Mc é
Mc = Wσc W =
I
v
(9)
Nesta expressão, W designa-se por módulo de flexão elástica e é uma característica geométrica
da secção, vindo expresso em m3.
Para valores do momento superiores ao momento de cedência, a distribuição de tensões
apresenta regiões onde a tensão é igual em valor absoluto à tensão de cedência, refletindo desse
modo o diagrama tensão-deformação da relação constitutiva elastoplástica. Para secções bi-
simétricas, a ocorrência de cedências não implica a mudança de posição da linha neutra. Mas,
se a secção não for bi-simétrica (como é sugerido na figura 6), a linha neutra deixa em geral
de passar no centro de gravidade, devendo a sua posição ser determinada com base na equação
N = 0 (estamos, no final de contas, a estudar o comportamento à flexão pura). À medida
que o valor do momento continua a aumentar, a região da secção que se conserva no domínio
elástico diminui progressivamente. No limite, quando M = Mp, a secção encontra-se totalmente
plastificada e não pode suportar qualquer acréscimo de momento.
x1
x2
G LNp
+
−
σc
−σc
y+
y−A−
A+
A−
σc
A+
σc
M
⇒ ⇒
Figura 7: Determinação da linha neutra plástica e do momento de plastificação.
A determinação do valor do momento plástico Mp é muito facilitada pelo facto de, na situação
limite, toda a secção estar plastificada. Então, como se mostra na figura 7, admitindo um
momento positivo, todos os pontos abaixo da linha neutra plástica estão tracionados com σ = σc
enquanto todos os pontos acima dessa linha estão comprimidos com σ = −σc. Designando por
A+ e A− as áreas tracionada e comprimida, respetivamente, a equação de esforço normal nulo,
leva a concluir que
N = A+
σc − A−
σc = 0 ⇒ A+
= A−
=
A
2
Ou seja, a linha neutra plástica deve dividir a secção transversal em duas áreas iguais.
Para calcular o valor do momento plástico, basta observar que a resultante das tensões de
compressão e de tração devem passar, respetivamente, nos centros de gravidade das áreas com-
primidas e tracionadas, localizados a distâncias y− e y+ da linha neutra plástica. Para além
disso, em flexão simples, é indiferente qual o eixo em relação ao qual se calcula o momento
resultante, sendo geralmente mais prático calculá-lo em relação à linha neutra plástica. Tem-se
então, as seguintes expressões alternativas
Mp = A+
σc y+
+ A−
σc y−
= σc A+
y+
+ A−
y−
= σc S+
LN + S−
LN
ou, simplesmente,
Mp = Zσc Z = S+
LN + S−
LN (10)
11
onde o módulo de flexão plástica Z é dado pela soma dos momentos estáticos das áreas traciona-
das e comprimidas, calculados em valor absoluto em relação à linha neutra plástica. Tal como
o seu homónimo elástico, o módulo de flexão plástica é também uma característica geométrica
da secção e expressa em unidades de comprimento ao cubo (m3, por exemplo).
Define-se como factor de forma f a razão entre o momento plástico e o momento de cedência,
a qual, como facilmente se mostra é também a razão entre os módulos de flexão plástica e
elástica,
f =
Mp
Mc
=
Zσc
Wσc
=
Z
W
O factor de forma depende assim apenas da forma da secção (o que justifica o seu nome), é
sempre maior ou igual a 1, e dá uma indicação da reserva de resistência pós-cedência.
Por último, refira-se que a curva momentos curvaturas deverá ser da forma apresentada na
figura 8, qualquer que seja a forma da secção transversal. Até ao momento de cedência Mc a
relação é linear, com declive EI. A partir de Mc, o declive vai-se reduzindo, à medida que as
zonas plastificadas vão alastrando e o momento de plastificação Mp é atingido apenas assin-
toticamente para curvaturas infinitas. Na secção 2.4.1, mostra-se como se pode determinar a
expressão analítica desta curva, no caso concreto (e simples de calcular) de uma secção retan-
gular.
M
1
R1
EI
Mp
Mc
−Mp
−Mc
Figura 8: Relação momentos curvatura de uma secção elastoplástica.
2.2.4 Exemplos de determinação de Mc e Mp
Com o auxílio da figura 9, determinamos os valores de Mc, de Mp e de f para quatro secções
simples: uma secção retangular, uma secção circular, uma secção em losango e uma secção de
parede fina em I. Todas estas secções são bi-simétricas, pelo que, em todas elas, a linha neutra
plástica coincide com a linha neutra elástica.
b
h
b
h
h
r
h
Ab
Aa
Ab
Figura 9: Determinação dos momentos de cedência e de plastificação em quatro secções.
12
Para a secção retangular, de largura b e altura h, tem-se:
Mc = Wσc =
I
v
σc =
bh3
12
h
2
σc =
bh2
6
σc
Mp = Zσc = S+
LN + S−
LN σc =
bh
2
h
4
+
bh
2
h
4
σc =
bh2
4
σc
f =
Mp
Mc
=
Z
W
=
bh2
4
bh2
6
= 1,5
O cálculo para a secção circular, de raio r, leva em conta que o centro de gravidade de um
semi-círculo está situado a 4r
3π a partir da base,
Mc = Wσc =
I
v
σc =
πr4
4
r
σc =
πr3
4
σc
Mp = Zσc = S+
LN + S−
LN σc =
πr2
2
4r
3π
+
πr2
2
4r
3π
σc =
4r3
3
σc
f =
Mp
Mc
=
Z
W
=
4r3
3
πr3
4
=
16
3π
1,7
A secção em losango considerada, tem largura b e altura 2h, pelo que:
Mc = Wσc =
I
v
σc =
2bh3
12
h
σc =
bh2
6
σc
Mp = Zσc = S+
LN + S−
LN σc =
bh
2
h
3
+
bh
2
h
3
σc =
bh2
3
σc
f =
Mp
Mc
=
Z
W
=
bh2
3
bh2
6
= 2,0
Finalmente, consideramos uma secção em I de geometria idealizada, onde Ab e Aa são as
áreas de cada banzo e da alma, respetivamente, e h a altura, medida entre as linhas médias dos
banzos. Para efeitos de cálculo de v não se tem em conta a espessura da alma. Nestas condições,
temos:
Mc = Wσc =
I
v
σc =
2Ab
h
2
2
+ Aa
h2
12
h
2
σc = h Ab +
Aa
6
σc
Mp = Zσc = S+
LN + S−
LN σc = 2Ab
h
2
+ Aa
h
4
σc = h Ab +
Aa
4
σc
f =
Mp
Mc
=
Z
W
=
Ab + Aa
4
Ab + Aa
6
Se admitirmos que a área de cada banzo é o dobro da área da alma, Ab = 2Aa obtemos um
factor de forma f = 27
26 1,04. No limite, se admitirmos que toda a área da secção transversal
se concentra nos banzos, Aa → 0, o valor de f tende para a unidade. Neste cálculo, admitiu-
-se simplificadamente que o ponto mais afastado estava a uma distância de h
2 da linha neutra
plástica. Cálculos mais precisos, usando as verdadeiras dimensões dos banzos e da alma de
perfis correntes, conduzem a um factor de forma à volta de 1,15.
Olhando para estes resultados, pode parecer paradoxal que a secção em I, cuja geometria foi
concebida para maximizar a resistência à flexão — para uma dada área de secção transversal
e para uma dada altura útil disponível —, seja aquela para a qual o factor de forma é mais
pequeno. A explicação reside no facto de a secção em I estar muito otimizada já para o momento
13
de cedência, pelo que a reserva pós cedência é relativamente pequena. De facto, para M = Mc,
quando se atinge a primeira cedência, já a maior parte da secção transversal se encontra com
um valor de tensão muito perto de σc, pelo que a diferença entre Mc e Mp é pequena. Se a
área da alma for desprezável, a primeira cedência coincide mesmo com a plastificação total da
secção. No extremo oposto, o maior factor de forma atrás calculado é o do losango, no qual,
para M = Mc, a maior parte da secção transversal apresenta níveis de tensão muito baixos.
Em seguida, exemplifica-se o cálculo do momento plástico de uma secção não simétrica em
relação ao eixo x1.
Exemplo: Determinar Mc e Mp da secção em T representada.
5a
4a
a
a
dy
G
O cálculo de Mc necessita da posição de centro de gravidade e da inércia:
y =
5a2 a
2 + 4a2
3a
5a2 + 4a2
=
29
18
a
I =
5aa3
12
+ 5a2 29
18
a −
a
2
2
+
a(4a)3
12
+ 5a2
3a −
29
18
a
2
=
707
36
a4
Mc = Wσc =
707
36 a4
5a − 29a
18
σc =
707
122
a3
σc = 5,795 a3
σc
Para obter Mp, é necessário determinar qual a posição da linha neutra plástica que divide a
secção em duas áreas iguais, Neste caso, como o banzo é maior do que a alma, é evidente
que essa linha deve cortar o banzo.
Uma vez determinada a sua posição, basta calcular o momento em relação a qualquer
eixo horizontal, sendo mais fácil calculá-lo em relação à própria linha neutra plástica.
5ad = 5a(a − d) + 4a2
⇒ d =
5a2
+ 4a2
10a
=
9
10
a
Mp = Zσc = 5a
9
10
a
9
20
a + 5a
a
10
a
20
+ 4a2
2a +
a
10
σc =
209
20
a3
σc = 10,450 a3
σc
O factor de forma vale f =
10,450
5,795
= 1,803.
2.2.5 Flexão composta elastoplástica
Consideremos agora a atuação conjunta de esforço normal e momento fletor. Para distinguir o
caso da aplicação isolada de cada esforço do caso da sua aplicação conjunta, designam-se por
esforços de plastificação reduzidos os esforços Np e Mp que correspondem à condição de a secção
estar totalmente plastificada. Facilmente se compreende que existem múltiplas soluções, cada
uma delas associada a uma determinada posição da linha neutra plástica. Do ponto de vista
prático, o problema habitualmente coloca-se no formato: conhecido o esforço normal aplicado,
determinar o momento fletor máximo.
14
As equações (3) continuam a ser a chave do problema, as quais, reescritas para a situação
em que toda a secção está plastificada, ficam
Np =
A−
(−σc) dA +
A+
(+σc) dA Mp =
A−
(−σcx2) dA +
A+
(+σcx2) dA (11)
Como representado na figura 10, para o caso em que o momento aplicado é positivo, A+ é a
área da secção situada abaixo da linha neutra plástica, onde σ = +σc, enquanto A− é a área da
secção situada acima da linha neutra plástica, onde σ = −σc. A coordenada x2 é, bem entendido,
sempre calculada no referencial original, cuja origem se posiciona no centro de gravidade da
secção.
x1
x2
σc
−σc
LN ⇒ Np
Mp
Figura 10: Determinação dos esforços de plastificação reduzidos
Se o esforço axial for conhecido, a primeira das equações (11) permite obter a posição da
linha neutra plástica em flexão composta, enquanto a segunda dessas equações fornece o valor
de Mp. É importante observar que o momento da distribuição de tensões deve ser sempre
calculado em relação ao eixo x1 e não em relação à linha neutra plástica. No caso da flexão
simples (N = 0), onde a distribuição de tensões é um sistema de forças equivalente a conjugado,
o momento calculado em relação a qualquer eixo paralelo ao eixo x1 é o mesmo, pelo que é
geralmente mais fácil calculá-lo relativamente à linha neutra plástica. Tal não é possível em
flexão composta.
Segue-se um exemplo de aplicação.
Exemplo: Na viga em T considerada anteriormente, pretende-se determinar o momento
plástico reduzido, admitindo que o esforço axial vale N = −5a2
σc (compressão).
5a
4a
a
a
d = 3a
y = 29
18 a
G −
+
σc
−σc
2a
a
2a
Np
Mp,LN
⇒ ⇒
Np
Mp = Mp,LN + Np(d − y)
LNp
Face à compressão elevada, é razoável supor que a linha neutra plástica corta a alma. Então,
recorrendo à equação do esforço normal, determina-se a sua posição, havendo que confirmar
que d está efetivamente situado entre a e 5a.
Depois calcula-se o momento da distribuição de tensões em relação ao centro de gravi-
dade da secção — recorde-se que y = 29
18 a = 1,611 a.
Np = −5a2
σc = −σc 4a2
+ ad + σc (5a − d) a ⇒ d = 3a
Mp = 2a2
σc (4a − y) − 2a2
σc (2a − y) + 5a2
σc y −
a
2
=
86
9
a3
σc = 9,56 a3
σc
Note-se que a segunda parcela é negativa, porque as compressões na parte superior da alma
têm braço positivo.
15
Uma forma alternativa de calcular o momento plástico reduzido passa por calcular pri-
meiro o momento em relação à linha neutra plástica — mais fácil de calcular pois as distân-
cias são mais intuitivas de obter e as parcelas são todas positivas —, e, no final, propagar o
momento para o centro de gravidade tendo em conta o valor do esforço normal.
Mp,LN = 2a2
σca + 2a2
σca + 5a2
σc 2a +
a
2
= 16,5 a3
σc
Mp = Mp,LN + Np(d − y) = 16,5 a3
σc − 5a2
σc (3a − 1,611 a) = 9,56 a3
σc
Qualquer dos procedimentos conduz ao mesmo valor do momento plástico reduzido.
Note-se que, ao contrário do que o adjetivo reduzido pode levar a supor, nem sempre o valor
do momento de plastificação reduzido Mp é inferior ao do momento plástico Mp. De facto,
em secções não bi-simétricas o esforço axial é favorável sempre que tenha por efeito aproximar
a linha neutra plástica do centro de gravidade da secção, de modo a que todas as tensões da
distribuição plástica contribuam positivamente para o momento em torno de x1.
Exemplo: Na viga em T atrás considerada, determinar os esforços de plastificação reduzidos
correspondentes à linha neutra plástica a passar no centro de gravidade da secção.
Continuando a designar por y = 1.611 a a distância de G à fibra superior, tem-se
Np = −σc 5a2
+ a(y − a) + σc (5a − y) a = −2,22 a2
σc
Mp = 5a2
σc y −
a
2
+ σc
(y − a)
2
2
+ σc
(5a − y)
2
2
= 11,48 a3
σc
Observa-se que, neste caso, Mp = 11,48 a3
σc > 10,450 a3
σc = Mp. Na verdade, para esta
secção, este valor de Mp é o maior valor possível do momento resistente, o qual só é possível
de mobilizar com a atuação deste esforço axial Np = −2,22 a2
σc.
Se a secção for bi-simétrica, é possível estabelecer uma equivalência estática entre partes
do diagrama de tensões e cada um dos esforços de plastificação reduzidos Np e Mp. Basta
considerar uma zona central do diagrama de tensões, compreendida entre a linha neutra plástica
e uma linha que lhe é paralela disposta simetricamente em relação ao eixo x1, que é equivalente
a N = Np e M = 0; ao mesmo tempo que as zonas periféricas do diagrama são estaticamente
equivalentes a N = 0 e Mp.
O exemplo seguinte tira partido desta decomposição.
Exemplo: Na viga em I representada, pretende-se determinar o momento plástico reduzido,
admitindo que o esforço axial vale N = −5a2
σc (compressão).
5a
3a
a
a
d
G −
+
σc
−σc
a − d
a − d
3a + 2d ⇒
Np
Mp
LNp
a
No caso desta secção bi-simétrica, há que identificar uma zona central, disposta simetrica-
mente em relação ao eixo x1, que equilibre o valor de N = −5a2
σc. A área da alma (3a2
)
totalmente plastificada é equivalente a uma força de compressão N = −3a2
σc, sendo por-
tanto insuficiente para absorver o esforço axial. Isto significa que a linha neutra plástica
16
corta o banzo inferior. Novamente, recorrendo à equação do esforço normal, determina-se a
sua posição, caracterizada pela distância d, a qual estará forçosamente compreendida entre
0 e a.
Para calcular o momento plástico Mp basta multiplicar a resultante das zonas periféricas
pelo braço entre elas, já que a zona central não contribui para o momento.
Np = −5a2
σc = −σc 3a2
+ 2d × 5a ⇒ d = 0,2 a
Mp = 2 × 0,8 a × 5a × σc × 3a + 2 × 0,2a + 2 ×
0,8a
2
= 30,4 a3
σc
Esta técnica facilita muito a análise da interação entre esforço normal e momento fletor em
secções bi-simétricas, mas é importante ter presente que este tipo de decomposição de diagramas
não é extensível a secções não simétricas em relação ao eixo x1.
Embora seja tentador identificar cada um dos esforços com uma parte do diagrama de ten-
sões, não deve ser esquecido que o princípio da sobreposição não é válido em problemas não
lineares, pelo que mesmo a equivalência estática entre blocos de tensão e esforços, conside-
rada na análise de secções bi-simétricas, deve ser encarada com alguma reserva. Por exemplo,
não deve ser dito que as tensões no bloco central são provocadas pelo esforço axial, já que tais
tensões resultam da atuação simultânea dos dois esforços na secção.4
Neste texto, com o intuito de manter a complexidade num nível aceitável, apenas se tem
considerado o comportamento de secções simétricas em relação ao eixo x2. Mas vale a pena abrir
um parêntese e referir o comportamento de uma secção não simétrica em relação ao eixo x2 mas
simétrica em relação ao eixo x1, como, por exemplo, uma secção em «C». Se a determinação
do momento plástico Mp em flexão simples não põe qualquer dificuldade adicional, já o mesmo
não acontece com o seu comportamento em flexão composta. De facto, não havendo simetria
em relação a x2, uma linha neutra plástica subida paralela a x1 é estaticamente equivalente à
atuação de um esforço normal N e de um momento fletor M1, mas também de um momento
fletor M2 diferente de zero (o bloco central de tensões provoca momento em relação a x2).
Ou seja, embora o eixo x1 seja um eixo principal de inércia, no domínio elastoplástico a flexão
composta, caracterizada pela atuação apenas de N e M1, é necessariamente desviada.
2.2.6 Diagrama de interação de uma secção
Para ter uma visão mais geral do comportamento de uma secção transversal, é útil a construção
de diagramas de interação, mostrando numa curva qual a relação entre os esforços de plastifica-
ção. No caso de secções com geometrias complicadas, a tarefa de construção desses diagramas
é mais adequadamente realizada através de calculo numérico.
Porém, para a secção retangular, de dimensões b × h, é relativamente simples obter analiti-
camente a curva de interação.
Em primeiro lugar, recorde-se que os esforços de plastificação (atuando isoladamente), cal-
culados na secção 2.2.4, são
Np = bhσc Mp =
bh2
4
σc
Seja c a distância da linha neutra plástica ao eixo x1, como se mostra na figura 11. Como a
secção é bi-simétrica, a resultante das tensões pode ser calculada a partir do bloco de tensões
central (de altura 2c), já que as tensões fora dessa zona central se anulam mutuamente. Tem-se
4
Não há, portanto, paralelo com o comportamento das secções em flexão composta elástica onde o diagrama de
tensões σ = N
A
+ M
I
x2 corresponde à sobreposição simples dos efeitos devidos à atuação isolada de cada um dos
esforços.
17
x1
x2
σc
−σc
LN c
c
h
2 − c
h
2 − c
h
2
h
2
G
1
2
h
2 + c
1
2
h
2 + cb h
2 − c σc
b h
2 − c σc
2bcσc
Np
Mp
⇒
b
+
−
Figura 11: Determinação dos esforços de plastificação reduzidos na secção retangular.
então
Np = 2bcσc ⇒
Np
Np
=
2c
h
(12)
Em contrapartida, observa-se que o bloco central não contribui para o momento em torno de
x1, pelo que, para calcular o valor de Mp, basta entrar em conta com os dois blocos de tensão
(superior e inferior) equivalentes a um binário igual a
Mp = 2b
h
2
− c σc
1
2
h
2
+ c = b
h2
4
− c2
σc ⇒
Mp
Mp
= 1 −
4c2
h2
= 1 −
Np
Np
2
onde, na última passagem, se teve em conta (12).
Se quisermos que a expressão de interação plástica seja válida independentemente dos sinais
dos esforços Np e Mp, somos conduzidos à seguinte expressão
Mp
Mp
+
Np
Np
2
= 1
a qual descreve as duas parábolas representadas no diagrama da figura 12. É interessante
também calcular as combinações N − M associadas à primeira cedência, isto é a fronteira do
domínio elástico. Igualando a tensão máxima em valor absoluto à tensão de cedência, tem-se
|σ|max =
N
A
+
M
W
= σc ⇒
N
Aσc
+
M
Wσc
= 1 ⇒
N
Nc
+
M
Mc
= 1
o que, tendo em conta que para esta secção se tem Nc = Np e Mc =
Mp
1.5 , corresponde às quatro
retas também representadas na figura 12.
Vale a pena acrescentar que, atendendo à forma parabólica do diagrama de interação plás-
tica, se o esforço normal é pequeno em relação ao esforço normal de plastificação, o momento
plástico reduzido é muito próximo do momento plástico, sendo justificável a não consideração
da interação. De facto, para a secção retangular, se N
Np
< 0,1, a redução do momento plástico
é inferior a 1%.
O próximo exemplo ilustra como o diagrama de interação pode ser usado para calcular a
carga de colapso de uma estrutura isostática.
18
M
N
Mp
Np = Nc
Mc
Plástico
Elástico-plástico
Elástico
Figura 12: Diagrama de interação plástica e elástica da secção retangular.
Exemplo: Determinar o valor da carga de colapso na consola representada na figura. A
secção é retangular com as dimensões indicadas e a tensão de cedência vale σc = 240 MPa.
10o
3,0 m
P
0,1 m
0,3 m
Nesta estrutura isostática, na secção de encastramento (onde os esforços são máximos), tem-
se N = P cos(10) e M = −3P sin(10). Os esforços de plastificação são
Np = Aσc = 0,1 × 0,3 × 240 × 103
= 7200 kN
Mp = Zσc =
0,1 × 0,33
4
× 240 × 103
= 540 kNm
Tem-se então,
Mp
Mp
+
Np
Np
2
=
−3P sin(10)
540
+
P cos(10)
7200
2
= 1 ⇒ P = 1017 kN
A solução positiva desta equação de segundo grau, conduz a P = 1017 kN. Apesar de a carga
ser aplicada quase na horizontal, observa-se que o esforço axial está muito longe de Np. De
facto, para a carga de colapso tem-se N
Np
= 1017 cos(10)
7200 = 0,14. Se se tivesse ignorado o efeito
do esforço axial, tinha-se simplesmente
Mp
Mp
=
−3P sin(10)
540
= 1 ⇒ P = 1037 kN
Para outras formas de secção, é geralmente impossível condensar o diagrama de interação
numa só equação como se fez aqui para a secção retangular. Mas se a geometria for relativa-
mente simples (secções em I ou T) não é muito complicado obter expressões analíticas sob forma
paramétrica, tomando para parâmetro a distância da linha neutra plástica a uma linha de refe-
rência, havendo, naturalmente que distinguir vários domínios a que correspondem expressões
diferentes. Este procedimento é exemplificado no exemplo que se segue.
19
Exemplo: Determinar o diagrama de interação para a viga em T considerada anteriormente.
Nesta secção, há que considerar duas possibilidades: ou a linha neutra plástica atravessa
o banzo ou atravessa a alma. Sejam d1 e d2 os parâmetros correspondentes a essas duas
situações, como se esquematiza na figura anexa.
5a
4a
a
a
d1y = 29
18 a
G
−
+
σc
−σc
LNp
−
+
σc
−σc
d2
Utilizando os procedimentos descritos anteriormente, o cálculo dos esforços de plastificação
para cada uma dessas situações conduz a
0 < d1 ≤ a ⇒



Np = −σc5ad1 + σc5a (a − d1) + σc4a2
= σc 9a2
− 10ad1
Mp,LN = σc5a
d2
1
2 + σc5a(a−d1)2
2 + σc4a2 4a
2 + a − d1
Mp = Mp,LN + Np(d1 − y) = σc −5ad2
1 + 145
9 a2
d1
0 < d2 ≤ 4a ⇒



Np = −σc5a2
− σca (4a − d2) + σcad2 = σc −9a2
+ 2ad2
Mp,LN = −σc5a2 a
2 + 4a − d2 + σca(4a−d2)2
2 + σca
d2
2
2
Mp = Mp,LN + Np(5a − y + d2) = σc −ad2
2 + 61
9 a2
d2
Atribuindo agora sucessivos valores a d1 e depois a d2 é possível traçar o diagrama de in-
teração que se apresenta em baixo. As expressões apresentadas atrás só são válidas para
momentos positivos, mas para traçar as curvas para momentos negativos basta trocar as tra-
ções com as compressões, pelo que ambas as expressões (Np e Mp) trocam de sinal (ou seja,
o diagrama exibe uma simetria de rotação).
M
N
Mp
Np
−Np
d1 = a; d2 = 4a
0 ≤ d1 ≤ a
0 ≤ d2 ≤ 4a
momento máximo
ponto de transicão entre expressões
−Mp
Estão indicados os pontos notáveis calculados anteriormente: esforços de plastificação,
ponto que corresponde ao momento máximo e ainda o ponto de transição entre as
curvas paramétricas calculadas. Observa-se que o diagrama de interação não é simé-
trico, no sentido em que compressões aumentam a resistência plástica a momentos po-
sitivos e, pelo contrário, a tração é benéfica para a atuação de momentos negativos.
20
2.3 Flexão composta de materiais não resistentes à tração. Tensões de contacto
em fundações diretas
Nesta secção considera-se o comportamento de materiais cujo comportamento à compressão é
elástico linear mas que não são resistentes à tração. Para estes materiais, a relação constitutiva
uniaxial é a representada na figura 13. É importante observar que, apesar dos troços lineares,
σ
ε1
E
Figura 13: Lei constitutiva uniaxial de um material não resistente à tração.
esta relação constitutiva é, no seu conjunto, uma relação não linear. Por exemplo, o princípio da
sobreposição não se pode aplicar porque, em geral, os pontos materiais à tração e à compressão
variam de solicitação para solicitação.
Uma das situações onde este modelo de comportamento material é muito utilizado é na
análise do contacto de uma fundação direta (sapata) com o terreno.5 De facto, podemos admitir
que o terreno de fundação reage elasticamente às pressões transmitidas pela sapata, mas não
devemos, obviamente, considerar que o terreno seja capaz de resistir a trações. De facto, sempre
que uma parte da sapata tenha tendência a levantar, descolará do terreno e a tensão de contacto
é nula. Note-se, aliás, que é impossível equilibrar um esforço axial positivo ou mesmo nulo (se
existir momento) Por esta razão, só faz sentido estudar o comportamento destes materiais à
flexão composta com compressão.
Considere-se então uma sapata retangular de dimensões b × h que deverá transmitir à fun-
dação um esforço axial de compressão N (como só faz sentido considerar compressões, não se
utiliza a convenção habitual de considerar a compressão negativa) e um momento fletor M —
ver figura 14. Note-se que os esforços deverão ser calculados em relação à base da sapata, pelo
que, conhecidos os esforços na base do pilar, é habitualmente necessário somar ao esforço axial
o peso próprio da sapata e somar ao momento o produto do esforço transverso pela altura da
sapata, processo esse esquematicamente indicado na figura 14.
N1
M1V1
z N2
N = N1 + N2
M = M1 + V1z
V = V1 V
N
e = M
N
==
Figura 14: Sapata.
Tendo em conta o comportamento não linear da fundação, é conveniente substituir a força
N e o momento M, por uma única força, cuja linha de ação passa no centro de pressões, cuja
5
O modelo de cálculo é também adequado para descrever materiais, como o betão simples, cuja resistência à
tração, embora não nula, seja suficiente pequena para poder ser desprezada. Mas não é muito interessante analisar
o comportamento do betão fora do contexto das secções de betão armado e, neste texto de introdução ao comporta-
mento não linear, optou-se por não abordar as secções heterogéneas.
21
N
e
h
b
σmax
σmax
e ≤ h
6
e ≥ h
6
NC
CP
h
6
h
6
1
6
1
2
e
h
1
2
σmax
σmed
h
2 − e
3 h
2 − e
Figura 15: Tensão máxima na fundação em função da excentricidade do esforço axial.
excentricidade vale e = M
N . Como é conhecido do estudo da flexão linear, se o centro de pressões
estiver dentro do núcleo central, toda a secção estará submetida a tensões do mesmo sinal. Neste
caso, isto significa que, se e ≤ h
6 , a base da sapata está toda à compressão, pelo que é irrelevante
a não resistência à tração e o diagrama de tensões é linear, sendo o seu valor máximo (em valor
absoluto) dado por
σmax =
N
A
+
M
W
=
N
bh
+
Ne
bh2
6
=
N
bh
1 +
6e
h
= σmed 1 +
6e
h
Por outro lado, se e > h
6 , apenas uma parte da base da sapata estará em contacto com o solo.
Neste caso, a distribuição de tensões é um triângulo, cuja resultante é estaticamente equivalente
à força N atuando com excentricidade e. Como a distância do centro de gravidade do triangulo
ao ponto mais comprimido vale h
2 − e, a base do triangulo deverá ter por comprimento o triplo
desse valor. Igualando o esforço axial N à resultante do triangulo conclui-se então que
N =
1
2
b3
h
2
− e σmax ⇒ σmax =
2N
3b h
2 − e
A variação da tensão máxima na fundação em função da excentricidade, expressa pelas duas
expressões obtidas, está representada na figura 15.
22
2.4 Análise elastoplástica de uma secção retangular.
2.4.1 Curva momento-curvatura
A análise da evolução do diagrama de tensões de uma secção genérica submetida à flexão sim-
ples, levada a cabo na secção 2.2.3, só foi quantificada em termos dos valores notáveis do
momento, Mc e Mp. O que agora se pretende é obter a expressão exata da curva momentos-
curvatura no caso da secção retangular, mais simples de analisar.
Na fase elástica tem-se, bem entendido, a expressão linear
M = EI
1
R
(M ≤Mc) (13)
a qual é válida até se atingir o momento de cedência Mc, o qual corresponde à curvatura de
cedência 1
Rc
= Mc
EI .
Para momentos superiores ao momento de cedência, a linha neutra permanece no eixo x1,
por ser um eixo de simetria desta secção. Assim, quando a secção está parcialmente plastificada,
o diagrama de tensões é da forma representada na figura 16, onde e denota a distância da
fronteira entre a zona plástica e a zona elástica, relativamente ao eixo x1.
x1
x2
σc
−σc
e
e
h
2 − e
h
2 − e
h
2
h
2
G 2
3 e
1
2
h
2 + e
b
x2
x3
Figura 16: Distribuição de tensões numa secção retangular na fase elastoplástica.
Para os pontos com x2 = e, estando no limite da região elástica, tem-se
σ = Eε = E
e
R
= σc ⇒
e
R
=
σc
E
(14)
Na cedência, tem-se ec = h
2 , valor que vai diminuindo até e = 0, à medida que a secção plas-
tifica progressivamente. Como na última equação de (14), o último membro é constante, pode
escrever-se
e
R
=
ec
Rc
=
h
2
Rc
⇒
e
h
2
=
1
Rc
1
R
(15)
ou seja, na fase elastoplástica, a dimensão da zona elástica é inversamente proporcional à cur-
vatura 1
R .6
O momento resultante das tensões representadas na figura 16 é
M = 2b
h
2
− e σc
1
2
h
2
+ e +
1
2
eσc
2
3
e = bσc
h2
4
−
e2
3
=
bh2
4
σc −
bh2
12
σc
e
h
2
2
6
A exposição ficaria um pouco mais clara se se atribuísse à curvatura um símbolo próprio, por exemplo, χ = 1
R
,
em vez de a representar como o inverso do raio de curvatura. Nesse caso, ter-se-ia expressões mais simples, tais
como M = EIχ ou e
h/2
= χc
χ
. Mas preferiu-se manter a notação utilizada anteriormente.
23
Usando o facto de Mp = bh2
4 σc e de a diferença entre o momento plástico e o momento de
cedência ser dada por Mp − Mc = bh2
4 σc − bh2
6 σc = bh2
12 σc, em conjunto com a igualdade obtida
em (15), obtém-se finalmente
M = Mp − (Mp − Mc)
1
Rc
1
R
2
(Mc ≤ M < Mp) (16)
Se calcularmos o declive desta curva no ponto de cedência verificaremos que coincide com o
declive do troço elástico, isto é com a rigidez de flexão elástica EI,
dM
d( 1
R ) 1
R
= 1
Rc
= EI
Isto significa que não há ponto anguloso na transição do comportamento elástico para o elasto-
plástico, o que se compreende porque o espalhamento da zona plástica é gradual.
A curva momentos-curvatura completa, incorpora as expressões (13) e (16), e está repre-
sentada na figura 17. Observa-se que está de acordo com a figura geral apresentada na secção
2.2.3, mas agora está devidamente quantificada. Para outras secções, bi-simétricas ou não, as
expressões serão mais complicadas mas os aspetos qualitativos são preservados.
M
1
R
1
EI
Mp
Mm
Mc
1
Rm
1
Rr
1
Rc
1
EI
O
C
M
R
Figura 17: Curva momentos curvatura de uma secção retangular. Carga e descarga. A
linha a traço interrompido corresponde ao modelo da rótula plástica.
2.4.2 Descarga elástica. Tensões residuais.
Como também representado na figura 17, admita-se que, a partir de um ponto da fase elas-
toplástica, caracterizado pelo momento (máximo) Mm e curvatura 1
Rm
, se procede à descarga
completa do momento aplicado à secção.
De acordo com a relação constitutiva elastoplástica (lembrar a figura 3), os pontos já plas-
tificados descarregam elasticamente. Numa secção bi-simétrica, isto significa que toda a secção
se comporta elasticamente, não havendo necessidade de distinguir o comportamento da zona
plástica do da zona elástica.7
Na relação momentos curvaturas, isto traduz-se por uma descarga paralela ao troço elástico
com declive igual a EI, pelo que é relativamente fácil obter o valor da curvatura residual 1
Rr
,
correspondente ao ponto de descarga total, para o qual Mr = 0. Escrevendo a equação (16),
7
Já numa secção não bi-simétrica, na qual a linha neutra plástica não coincide com a elástica, isto não é verdade
em geral. Nesse caso, existem alguns pontos, na região compreendida entre a linha neutra plástica e a linha neutra
da descarga, que continuam a sua progressão no patamar de cedência.
24
para M = Mm e 1
Rm
= 1
Rc
, facilmente se conclui que
1
Rm
=
1
Rc
Mp − Mc
Mp − Mm
Estabelecendo a semelhança entre os triângulos de hipotenusa OC e RM, tem-se então
1
Rm
− 1
Rc
1
Rc
=
Mm
Mc
⇒
1
Rr
=
1
Rc
Mp − Mc
Mp − Mm
−
Mm
Mc
Esta curvatura residual é, portanto, a curvatura permanente que fica na barra após ter sido
dobrada plasticamente e na qual apenas a deformação absorvida elasticamente foi recuperada.
Em termos de tensões, as tensões finais — ou tensões residuais — podem ser obtidas so-
mando as tensões correspondentes ao momento máximo Mm com os incrementos (positivos ou
negativos) das tensões observadas na descarga, como se exemplifica na figura 18. Faz-se notar
que, como Mm > Mc, para os pontos mais afastados da linha neutra se tem, no diagrama in-
cremental correspondente à descarga elástica, tensões superiores em valor absoluto à tensão de
cedência. Por essa razão, as tensões finais nesses pontos têm o sinal oposto ao da carga inicial.
Já o mesmo não acontece nas regiões da secção mais próximas da linha neutra. Acrescente-se
que os diagramas de tensões apresentados na figura 18 facilmente se aplicam a qualquer secção
bi-simétrica.
Em princípio, convém ainda confirmar que não existem cedências de sinal contrário
na descarga, ou seja, verificar que −σc + Mm
W < σc. Esta desigualdade é equivalente a
Mm < 2Wσc = 2Mc. Ora, como o valor do momento máximo atingido não podia exceder o
momento plástico, tem-se Mm < Mp = fMc, e, como na generalidade das secções bi-siméticas
se observa que f < 2, confirma-se não haver em geral cedências de sinal contrário na descarga
elástica de secções.
σ = σc
σ = −σc
em
em
σ = −σc + Mm
Wσ = Mm
W
σ = −Mm
W
−
−
−
+
+
+
+
−
+ =
σ = σc − Mm
W
−σc + Mm
I em
+σc − Mm
I em
Mc < Mm < Mp −Mm M = 0
Figura 18: Tensões residuais numa secção retangular.
É importante salientar que o diagrama de tensões residuais é auto-equilibrado, isto é, deve
equilibrar esforços nulos. Na prática, para uma secção bi-simétrica fletida plasticamente, isso
significa que as tensões residuais exibem o característico padrão em «S» representado na figura
18.
2.5 O conceito da rótula plástica
Discute-se de seguida uma importante idealização do comportamento estrutural, a qual desem-
penha um papel determinante na análise incremental estudada na secção 3.
Se na vizinhança de uma secção, os momentos atingiram o momento plástico Mp, ou se
os momentos atingiram valores próximos desse valor Mm ≈ Mp, o valor das curvaturas nessa
vizinhança é muito elevado, já que, como se viu, quando M → Mp, a curvatura tende para
25
infinito, 1
R → ∞. Sobretudo, interessa notar que esses valores da curvatura são ordens de
grandeza superiores aos valores observados em secções que se mantêm no domínio elástico, ou
para as quais o momento pouco excede o momento de cedência.
Esta diferença de magnitudes faz com que se dê um fenómeno de localização acentuada
de curvatura.8 Então, uma aproximação razoável é admitir que a deformada do eixo da viga
apresenta uma rotação relativa concentrada na secção de momento máximo, conservando-se,
em termos comparativos, essencialmente retilínea fora dessa secção.
Este conceito é geralmente designado por rótula plástica e está ilustrado na figura 19. Na
rótula plástica, podemos postular uma relação constitutiva M −θp, entre o momento e a rotação
relativa (plástica), a qual só admite rotações quando |M| = Mp. Em contrapartida, fora da rótula
plástica só se consideram as deformações elásticas, já que o efeito das deformações plásticas se
admite já estar contabilizado, embora de forma concentrada, na rótula plástica.
Mc
Mp
M
1
R
M
Mp
−Mp
θp
⇒
Mp Mp
θp
Figura 19: O conceito de rótula plástica.
Em termos práticos, isto corresponde a admitir que o diagrama momento-curvatura é apro-
ximado pela linha a traço interrompido que está desenhada na figura 17, onde, para M < Mp
se admite o comportamento elástico e apenas para M = Mp se admitem valores de curvatura
arbitrariamente grandes (que se traduzem na rotação plástica da rótula). Esta aproximação será
tanto melhor quanto mais próximos estiverem os valores dos momentos plástico e de cedência,
ou seja, quanto mais o factor de forma se aproximar da unidade.
2.6 Torção elastoplástica de secções com simetria de revolução
Neste texto, a atenção tem estado concentrada na flexão elastoplástica. Mas vale a pena observar
que o mesmo tipo de análise pode ser aplicada à torção de secções com simetria de revolução. De
forma a evidenciar as semelhanças, mas também porque o assunto é importante, apresenta-se
de seguida uma breve análise da torsão elastoplástica de círculos ou tubos circulares.
Para estas secções, a distribuição elástica de tensões tangenciais τ devida à atuação de um
8
Este fenómeno será tanto mais evidente quanto maior seja a variação do diagrama de momentos fletores na
vizinhança do momento máximo, sendo, portanto, mais pronunciado na presença de cargas concentradas do que na
de cargas distribuídas.
26
momento torsor T é dada por
τ = Gγ = Gρα = Gρ
T
GIp
=
T
Ip
ρ (17)
onde, γ é a distorção que varia proporcionalmente à distancia ao centro ρ e à curvatura de
torção α, e Ip é o momento polar de inércia da secção.
Para um estado de tensão tangencial simples, de acordo com o critério de von Mises, a
cedência atinge-se quando a tensão tangencial atinge o valor de τc = σc√
3
. Admitindo um material
«elástico-perfeitamente plástico», a relação constitutiva entre a tensão tangencial e a distorção
é em tudo análoga à relação elastoplástica para estados uniaxiais considerada na figura 3 e está
representada na figura 20.
τ
ε331
G
τc = σc√
3
−τc
Figura 20: Relação constitutiva tangencial de um material elastoplástico.
Sendo a tensão tangencial máxima na periferia, onde ρ é igual ao raio exterior r, o momento
torsor de cedência Tc de uma secção cujo raio exterior vale r é obtido através de
τmax =
Tc
Ip
r = τc ⇒ Tc =
Ip
r
τc
No caso da secção circular, tem-se
Tc =
πr4
2
r
τc =
πr3
2
τc
Para valores do momento torsor superiores a Tc, a evolução da distribuição de tensões e o
diagrama momento-curvatura T − α serão da forma representada na figura 21, sendo evidentes
as analogias com o comportamento à flexão de uma secção bi-simétrica. Quando a secção está
totalmente plastificada, o momento torsor atinge o seu valor máximo, o momento torsor de
plastificação Tp.
T
α
1
GIp
Tp
Tcτmax < τc
τcτc
T < Tc Tc < T < Tp T = Tp
Figura 21: Tensões tangenciais numa secção circular.
No contexto particular das secções com simetria de revolução, o momento torsor é mais
facilmente obtido por equilíbrio utilizando coordenadas polares. A coroa circular de raio ρ e
27
espessura dρ tem área infinitesimal dA = 2πρ dρ. Então, qualquer que seja a distribuição de
tensões tangenciais, o valor do momento torsor de uma secção tubular é dado por
T =
A
τρ dA =
re
ri
τρ 2πρ dρ =
re
ri
2πτρ2
dρ
onde ri e re são, respetivamente, o raio interior e exterior.
Para obter o momento torsor de plastificação basta fazer τ = τc na expressão precedente. No
caso de uma secção circular de raio r fica
Tp =
r
0
2πτcρ2
dρ =
2πr3
3
τc
Também é possível definir um factor de forma f, estabelecendo a relação entre os momentos
de plastificação e de cedência, o qual, para a secção circular, vale
f =
Tp
Tc
=
2πr3
3 τc
πr3
2 τc
=
4
3
Se for efetuada uma descarga a partir de um momento superior a Tc, há lugar ao apareci-
mento de tensões residuais, cuja determinação é feita nos mesmos moldes que no caso da flexão.
A figura 22 ilustra o caso de uma secção circular descarregada a partir da plastificação total.
τc
T = Tp
4
3 τc
T = −Tp T = 0
1
3 τc
τc
+ =
Figura 22: Tensões residuais de uma secção circular, descarregada a partir de Tp.
28
3 Análise incremental de estruturas elástoplásticas
3.1 Introdução. Parâmetros de carga. Carga de cedência e carga última
A análise de uma estrutura constituída por um material elastoplástico é obviamente condici-
onada pelo comportamento das secções transversais descrito na secção anterior. Desde logo,
a resistência das secções limita as cargas que a estrutura é capaz de suportar. Mas, também,
quer o cálculo de deslocamentos quer o traçado dos diagramas de esforços são alterados a par-
tir do momento em que a estrutura já não se comporta elasticamente. A notável excepção a
esta afirmação, são os diagramas de esforços em estruturas isostáticas, cujo traçado, admitindo
a linearidade geométrica, sendo feito exclusivamente a partir das equações de equilíbrio, não
depende das propriedades, elásticas ou plásticas, da secção transversal.
Para abordar o comportamento não linear de estruturas — onde, recorde-se, não é válido o
princípio da sobreposição —, é conveniente considerar a atuação de carregamentos crescentes,
estudando-se a forma como a estrutura vai reagindo até se dar o colapso final. Do ponto de vista
prático, pode fazer sentido distinguir entre cargas permanentes, cujos valores são conhecidos e
fixos9, e cargas variáveis, cujos valores dependem linearmente de um parâmetro de carga. Muitas
vezes, porém, não se faz esta distinção e admite-se, simplificadamente, que todos os carrega-
mentos são proporcionais ao parâmetro de carga. Na verdade, mais do que tentar reproduzir
fielmente o modo como as cargas serão aplicadas, importa sobretudo caracterizar o compor-
tamento estrutural, descrevendo a evolução do alastramento da plasticidade, quantificando a
máxima capacidade de carga e identificando o modo como se dá o colapso.10 Assim, neste texto
não se fará distinção entre cargas permanentes e variáveis.
A vantagem de admitir que o carregamento depende de um único valor escalar é a de per-
mitir a realização de uma análise incremental, onde é determinada uma trajetória de equilíbrio
relacionando o valor do parâmetro de carga P com um deslocamento representativo.11 Esta tra-
jetória de equilíbrio é importante porque caracteriza muito bem a resposta estrutural, podendo
identificar-se dois valores notáveis: a carga de cedência Pc, correspondente ao fim do regime
elástico, e a carga última Pu, para a qual se dá o colapso da estrutura.
Em estruturas compostas apenas por barras submetidas a esforço normal, tais como treliças,
as trajetórias de equilíbrio são caracterizadas por um conjunto de troços lineares, correspon-
dendo as transições às sucessivas plastificações das barras. Em termos incrementais, tudo se
passa como se as barras já plastificadas não existissem, enquanto o comportamento das barras
não plastificadas se conserva elástico.12
Já a análise elastoplástica de vigas hiperestáticas é uma tarefa mais complexa, a qual fica,
contudo, bastante facilitada se se adoptar o modelo da rótula plástica referido anteriormente.
De facto, adoptando esse modelo, também é possível encarar o comportamento da estrutura à
flexão como uma sucessão de comportamentos lineares. De cada vez que se forma uma nova
rótula plástica, nessa secção o momento mantém-se constante e a rotação relativa entre os dois
lados da rótula passa a ser livre. Dito de outra forma: em termos incrementais, a rótula plástica
comporta-se como uma rótula.
Em qualquer dos casos — plastificação de uma barra à tração/compressão ou formação de
uma rótula plástica13 —, a estrutura comporta-se incrementalmente como uma estrutura elástica
cujo grau de hiperestatia se reduziu em uma unidade. Ou seja, embora no domínio não linear
9
E para as quais, nas situações mais habituais, a resposta da estrutura é ainda totalmente elástica.
10
De resto, o processo de quantificação das cargas é sempre muito idealizado. Por exemplo, as sobrecargas, que
são cargas variáveis, distribuem-se espacialmente sempre de uma forma irregular.
11
Por exemplo, o deslocamento vertical a meio vão, ou o deslocamento do ponto de aplicação da carga mais
importante, ou, ainda, o maior deslocamento esperado na estrutura.
12
No caso de barras heterogéneas, há que, incrementalmente, ignorar apenas os materiais já plastificados.
13
De um modo mais geral, também é possível considerar a interação de esforços N − M na formação de células
plásticas, onde a extensão plástica e a rotação plástica são ambas não nulas. Mas considera-se esse assunto fora do
âmbito deste texto.
29
não seja válido o princípio da sobreposição, é possível decompor a resposta da estrutura numa
soma de parcelas (no sentido incremental).
A análise incremental consiste então em analisar (elasticamente) uma sucessão de estrutu-
ras, progressivamente menos hiperestáticas, até à formação do mecanismo de colapso. Assim,
podemos estabelecer as condições que regem a determinação de Pc e Pu:
carga de cedência Pc — é o valor do parâmetro de carga para o qual se dá a primeira cedên-
cia num ponto da estrutura. É importante porque assinala o fim do domínio elástico (e
o fim da validade do princípio da sobreposição), o que significa que existe uma secção
transversal onde se atingiu N = Nc (tração simples) ou M = Mc (flexão simples).
carga última Pu — é o valor do parâmetro de carga que corresponde ao colapso da estrutura,
sendo obviamente crucial para a verificação da segurança. Para existir colapso é necessário
que se tenha atingido a plastificação num número suficiente de secções transversais, nas
quais se tem N = Np (tração simples) ou M = Mp (flexão simples).
Em muitos casos, o número suficiente de secções plastificadas, mencionado para a determi-
nação de Pu, corresponde ao grau de hiperestatia mais um. De facto, uma estrutura n vezes
hiperestática com n + 1 plastificações (por N = Np ou M = Mp) deverá ser hipostática do
primeiro grau, ou seja, um mecanismo. Mas existem exceções — por exemplo, envolvendo a
formação de mecanismos parciais a que se faz referência na secção 3.9 — , pelo que é preferível
não quantificar e manter a expressão «em número suficiente».
3.2 Estruturas isostáticas
Numa estrutura isostática, os diagramas de esforços em função do parâmetro de carga P podem
ser determinados apenas com base no equilíbrio. Por esta razão e também porque o mecanismo
de colapso se gera assim que uma secção atinge a plastificação total, a determinação das cargas
de cedência e de colapso é relativamente direta.
Numa treliça isostática constituída por barras homogéneas, para as quais existe coincidência
entre Np e Nc, o colapso da estrutura dá-se assim que se dá a cedência da primeira barra, tendo-
-se portanto Pu = Pc. Tal já não acontece se as barras da treliça forem heterogéneas, uma vez
que para estas barras se tem geralmente Np > Nc. Contudo, se todas as barras de uma treliça
isostática tiverem as mesmas propriedades, é a mesma barra que condiciona a primeira cedência
e o colapso, pelo que se terá
Pu
Pc
=
Np
Nc
No caso de uma viga isostática, basta igualar o momento máximo (em função de P) a Mc
e a Mp, para calcular Pc e Pu respetivamente. Em vigas isostáticas onde o factor de forma seja
uniforme, pode concluir-se que
Pu
Pc
=
Mp
Mc
= f
Ou seja, em estruturas isostáticas de secção uniforme — treliças ou vigas — verifica-se que,
em termos relativos, a reserva de resistência da estrutura no domínio não linear corresponde
exatamente à reserva de resistência da secção condicionante (
Np
Nc
ou
Mp
Mc
). Porém, tal resultado
não se pode estabelecer sempre que a relação entre os esforços de plastificação e de cedência
não for uniforme em toda a estrutura; por exemplo se o factor de forma não for uniforme para
a toda estrutura, ou se a estrutura incorporar barras à tração e outras à flexão. Efetivamente,
nessa situação, pode dar-se o caso de a primeira secção a atingir a cedência não chegar a plas-
tificar totalmente no colapso, o qual será condicionado por outra secção. O exemplo seguinte,
envolvendo uma treliça com uma barra homogénea e outra heterogénea, ilustra esta possibili-
dade.
30
Exemplo: Determinar Pc e Pu nas duas estruturas articuladas representadas. A primeira
estrutura é constituída por duas barras homogéneas, enquanto na segunda estrutura uma
das barras é heterogénea. Todos os materiais são elastoplásticos com as propriedades
indicadas.
P E; A; σc
E; 4
5 A; σc
16E; 1
5 A; 2σc
P
P
4
3 PA
B
C A
B
C
5
3 P
B
3
4
Sendo a estrutura isostática, os esforços nas duas barras são obtidos por equilíbrio do nó B,
concluindo-se que NAB = +5
3 P e que NBC = −4
3 P, valores válidos para ambas as estruturas
e independentemente de já ter ocorrido a primeira cedência ou não.
A secção homogénea é caracterizada por Np = Nc = Aσc, pelo que a carga de colapso (e
de cedência) da primeira estrutura é condicionada pela barra inclinada (mais esforçada),
5
3
P = Aσc ⇒ Pu = Pc = 0,6 Aσc
A secção heterogénea tem um esforço axial de cedência diferente do de plastificação, os
quais são obtidos recorrendo às expressões da secção 2.2.2,
n
i
EiAi = E
4A
5
+ 16E
A
5
= 4EA
Nc =
n
i
EiAi min
i
σci
Ei
= 4EA min
σc
E
;
2σc
16E
= 0,5 Aσc
Np =
n
i
Aiσci =
4A
5
σc +
A
5
2σc = 1,2 Aσc
Para encontrar o valor da carga de cedência da segunda estrutura é preferível analisar as
duas barras
5
3 P ≤ Aσc ⇒ P ≤ 0,6 Aσc
4
3 P ≤ 0,5 Aσc ⇒ P ≤ 0,375 Aσc
⇒ Pc = 0,375 Aσc
verificando-se que a primeira cedência ocorre agora no material central (aquele que mini-
miza a relação σci
Ei
) da barra vertical.
Em contrapartida, a barra diagonal continua a ser a primeira a plastificar (é a barra com
maior esforço axial e menor esforço de plastificação), pelo que a carga de colapso permanece
inalterada, isto é Pu = 0,6 Aσc também para a segunda estrutura.
Observa-se que na segunda estrutura a primeira barra a ceder é a vertical, mas a primeira
a plastificar é a diagonal. Assim não há coincidência entre o valor de Pu
Pc
= 1,6 e qualquer das
relações
Np
Nc
(1 para a barra diagonal homogénea e 2,4 para a barra vertical heterogénea).
3.3 O comprimento da zona plastificada
Em vigas isostáticas é relativamente fácil determinar a extensão da zona plastificada, a que
por vezes se chama, num ligeiro abuso de linguagem, comprimento da rótula plástica. Como
explicado anteriormente, na secção 2.5, apenas na zona onde M ≈ Mp existem as curvaturas
31
P
Mc
Mp
L−Lp
2 Lp
L−Lp
2
L
2
L
2
M
Figura 23: Determinação da zona plastificada numa viga simplesmente apoiada submetida
a uma carga concentrada.
muito elevadas que legitimam o conceito de rótula plástica. A admitir um comprimento finito
para a rótula plástica, ele deveria ser muito mais pequeno que a extensão da zona plastificada.
Demonstra-se o processo no caso de uma viga simplesmente apoiada submetida à acção de
uma carga concentrada a meio vão, cujo diagrama de momentos fletores está representado na
figura 23. As cargas de cedência e última são obtidas a partir do momento máximo de meio vão,
|M|max =
PL
4
⇒



Pc =
4Mc
L
Pu =
4Mp
L
(18)
Como esperado para uma viga isostática com secção uniforme, verifica-se que Pu
Pc
= f.
No colapso, a secção de meio vão está, obviamente, totalmente plastificada. Mas a zona
das secções parcialmente plastificadas estende-se num determinado comprimento Lp à volta da
secção de meio vão. Para determinar o valor desse comprimento, basta observar que na fronteira
da zona plastificada o momento vale Mc, o qual se relaciona com Pc através de (18), pelo que
P
2
L − Lp
2
= Mc =
PcL
4
⇒ Lp = L 1 −
Pc
P
Quando P = Pu, a razão Pc
Pu
é igual ao inverso do factor de forma, tendo-se
Lp = L 1 −
1
f
Na figura 23 está representada a progressão da zona plastificada no caso de uma secção retan-
gular, sendo o valor final do comprimento da zona plastificada dado por Lp = L
3 . Para outras
formas da secção transversal, este comprimento será tanto menor quanto mais o factor de forma
se aproxima da unidade. No limite, admitindo uma secção em «I» idealizada, em que toda a
área da secção se concentra nos banzos e onde f ≈ 1, o comprimento da zona plastificada tende
para zero.
Note-se que esta análise é relativamente simples de realizar por se tratar de uma viga isos-
tática, onde o espalhamento da plasticidade não interfere com a distribuição de esforços, os
quais são determinados exclusivamente por equilíbrio. Embora em vigas hiperestáticas o espa-
lhamento da zona plastificada siga qualitativamente um padrão semelhante, a sua determinação
rigorosa exige uma análise bastante mais sofisticada.
32
3.4 Análise incremental de uma estrutura articulada
É para estruturas hiperestáticas que a análise incremental ganha a sua razão de ser. Para exem-
plificar a aplicação de uma análise incremental, começa-se por considerar a treliça hiperestática
representada na figura 24, cujo carregamento é uma força aplicada no nó C (com duas compo-
nentes, horizontal e vertical). Todas a barras são homogéneas, têm a mesma rigidez axial e o
mesmo esforço de plastificação Np (coincide com Nc).
A
B
C3
4
P
3P
D
−2,469P
−2,975P
+2,531P
+2,024P
−1,519P
A
B
C
∆P
3∆P
D
+1,25∆
P
+6,25∆
P
+5∆P
−3,75∆P
4 4
3
5
Figura 24: Análise incremental de uma treliça hiperestática. Na figura da esquerda estão
representados a geometria e carregamento e ainda os esforços elásticos. A fi-
gura da direita apresenta os esforços correspondentes à parcela incremental,
após plastificação da barra CD.
Na figura incluem-se os esforços na fase elástica cuja obtenção foi feita, por exemplo, recor-
rendo ao método das forças. Sendo todas as barras iguais, a primeira a ceder e plastificar é a
barra mais solicitada, a barra CD. O valor do parâmetro de carga correspondente é
NCD = −2,975P = −Np ⇒ P1 = Pc =
1
2,975
Np = 0,3361Np
Observe-se que o valor de P é necessariamente positivo, e que a barra comprimida plastifica
para N = −Np.14
Após a plastificação da barra CD, a estrutura entra na chamada fase elastoplástica,
comportando-se incrementalmente como uma estrutura isostática, idêntica à estrutura consi-
derada mas à qual foi retirada a barra CD. Os esforços correspondentes, obtidos por equilíbrio
(método dos nós), estão representados também na figura 24. Para P > P1, o esforço axial em
cada barra é dado pela soma do esforço que corresponde ao fim da fase elástica (P = P1) com
a parcela incremental correspondente a ∆P = P − P1. Sendo a mais esforçada em cada uma
das parcelas, é evidente que a barra BD é a próxima a plastificar — à tração —, o que permite
calcular o valor de ∆P através de
NBD = +2,531P1 + 6,25∆P = 2,531 × 0,3361Np + 6,25∆P = Np ⇒ ∆P = 0,0239Np
Com duas barras plastificadas, a estrutura transforma-se (incrementalmente) num meca-
nismo, com
Pu = P2 = P1 + ∆P = 0,360Np
Não é possível aumentar mais o valor do parâmetro de carga, embora, face ao comportamento
elastoplástico dos materiais, a estrutura mantenha a sua capacidade resistente para valores do
parâmetro de carga inferiores.
14
Alternativamente, o cálculo de P1 podia ser feito em módulo, a partir de |N| = 2,975P = Np. Porém, a
abordagem apresentada no texto principal é mais geral, já que transita facilmente também para o cálculo de P2,
lidando sem problemas com eventuais inversões de sinal.
33
Aplicando a lógica incremental a cada uma das barras, obtém-se
NAB = +2,024 × 0,3361Np + 5,00 × 0,0239Np = (0,680 + 0,120)Np = +0,800Np
NAC = −2,469 × 0,3361Np + 1,25 × 0,0239Np = (−0,830 + 0,030) = −0,800Np
NBC = −1,519 × 0,3361Np − 3,75 × 0,0239Np = (−0,511 − 0,090) = −0,600Np
NBD = +2,531 × 0,3361Np + 6,25 × 0,0239Np = (0,851 + 0,149)Np = +1,000Np
NCD = −2,975 × 0,3361Np + 0,00 × 0,0239Np = (−1,000 + 0,000)Np = −1,000Np
Nesta lista, que inclui as barras plastificadas no colapso, é possível identificar os esforços para
P = P1, a sua variação entre P1 e Pu e, por fim, o seu valor na altura do colapso. É interessante
observar que a distribuição de esforços é bastante diferente entre a fase elástica e a fase elasto-
plástica, ao ponto de uma das barras — a barra AC — inverter o sentido de carregamento após
P1.
Neste exemplo, admitiu-se que uma barra plastificada à compressão é capaz de manter in-
definidamente uma compressão igual a N = −Np, como admitido atrás na secção 2.2.2. É
importante ressalvar que uma barra nessa situação dificilmente se mantém reta sendo propensa
a instabilizar por encurvadura — ver introdução aos fenómenos geometricamente não lineares
na secção 5. Mas o acoplamento entre comportamentos física e geometricamente não lineares
está fora do âmbito deste texto, admitindo-se aqui que as barras comprimidas estão continua-
mente contraventadas de modo aos deslocamentos laterais estarem impedidos.
3.5 Análise incremental de uma viga hiperestática
A nossa atenção vira-se agora para o comportamento de vigas hiperestáticas elastoplásticas, mais
interessante do ponto de vista prático, o que justifica um estudo mais aprofundado. Importa
dizer que muitos dos conceitos que irão ser abordados para a viga (desenho do mecanismo,
descargas, esforços residuais, cálculo de deslocamentos, etc) se aplicam também a estruturas
articuladas sem alteração de maior, com as diferenças óbvias relativas ao traçado de diagramas
de esforços. Por outro lado, de modo a que seja possível ler esta secção independentemente da
secção anterior, repetem-se muitas das explicações referentes à lógica incremental.
A aplicação da análise incremental a vigas é muito semelhante à realizada atrás, mas com
duas importantes diferenças. Em primeiro lugar é preciso lidar com o diagrama de momentos
fletores, o qual varia ao longo da viga em vez de ser constante em cada barra, identificando
as secções de momento máximo nas quais se formam as rótulas plásticas. Por outro lado, é
importante ter presente que no caso da estrutura articulada a transição entre a fase elástica
e plástica de uma barra (homogénea) é de facto instantânea (quando |N| = Np), enquanto
nas vigas essa transição se admite ser aproximadamente instantânea (quando |M| = Mp) em
consequência do modelo da rótula plástica descrito anteriormente.15
Assim, considere-se o caso de uma viga encastrada-apoiada submetida a duas cargas iguais
de valor P, representada na figura 25 (P é, portanto, o parâmetro de carga). A estrutura é, bem
entendido, uma vez hiperestática.
Com base no diagrama de momentos em fase elástica (fornecido na figura), determina-se
a carga de cedência Pc igualando o valor máximo desse diagrama a Mc. De acordo com o
modelo da rótula plástica, admite-se que a estrutura continua a comportar-se elasticamente até
à formação da primeira rótula plástica, a qual ocorrerá para o valor do parâmetro de carga P1.
15
Já no caso de barras heterogéneas inseridas em estruturas articuladas, a analogia com o modelo da rótula
plástica é potencialmente maior: a relação esforço axial apresentada na figura 5 pode, numa análise mais simplista,
ser aproximada por uma função com apenas dois troços: elástico até Np seguido do patamar perfeitamente plástico.
34
P P
L
3
L
3
L
3
A
B C
D
M
[elástico]
−PL
3 PL
9
2PL
9
+
−
M
[P = P1]
−Mp Mp
3
2Mp
3
+
−
∆P
A
∆P
M
[∆P]
∆P L
3
+
∆P L
3
M
[P = P2]
−Mp
2Mp
3 =
Mp
3 +
Mp
L
L
3
Mp
+
−
A
Figura 25: Análise incremental de uma viga encastrada-apoiada submetida a duas cargas
concentradas.
A determinação de P1 é em tudo análoga à determinação de Pc. Tem-se, portanto,
|M|max =
PL
3
⇒



Pc =
3Mc
L
P1 =
3Mp
L
Fazendo P = P1 no diagrama de momentos elástico, obtém-se o diagrama de momentos na
formação da primeira rótula plástica, em termos da resistência da secção Mp.
Formada a primeira rótula plástica, na secção do encastramento A, a estrutura comporta-se
incrementalmente como isostática, o que permite obter o diagrama incremental de momentos
∆M, em função do incremento ∆P, apenas com base nas equações de equilíbrio. Para obter
o valor de P2, correspondente à formação da segunda rótula plástica, calcula-se qual o menor
valor do incremento da carga ∆P que permite atingir Mp numa das secções candidatas, B e C:
B : M =
Mp
3
+
∆P L
3
= Mp ⇒ ∆P =
2Mp
L
C : M =
2Mp
3
+
∆P L
3
= Mp ⇒ ∆P =
Mp
L
35
A secção condicionante é, portanto, a secção C, pelo que P2 é
P2 = P1 + ∆P =
3Mp
L
+
Mp
L
=
4Mp
L
Neste caso, era óbvio que a segunda rótula plástica se formaria em C, já que partia de um
valor do momento mais elevado e o incremento para ∆P era o mesmo para as duas secções. Mas
pretendeu-se ilustrar o procedimento geral em que é necessário calcular ∆P para várias secções
candidatas.16 Chama-se a atenção que as secções plastificam para M = Mp ou para M = −Mp.
Se, numa dada secção, o valor de ∆M varia negativamente com ∆P, então o momento final
deverá ser comparado como −Mp, conduzindo, em qualquer dos casos a um valor positivo de
∆P.
Prosseguindo com a análise, podemos agora obter o diagrama de momentos para P = P2,
somando simplesmente o diagrama correspondente a P = P1 (recorde-se, é o diagrama elástico
fazendo P = P1) com o diagrama incremental ∆M particularizado para ∆P =
Mp
L . Esse
diagrama está também representado na figura 25.
Finalmente, observa-se que a estrutura, que inicialmente era hiperestática do primeiro grau,
se tornou, após a formação de duas rótulas plásticas, num mecanismo, pelo que, neste caso,
Pu = P2. O mecanismo representado na figura 25 evidencia as duas rótulas plásticas em A e
em C. Entre as rótulas plásticas, admite-se que a viga permanece elástica. No entanto, face à
dimensão arbitrária dos deslocamentos no mecanismo, não é habitual representar as (pequenas)
deformações elásticas no desenho do mecanismo.
Conclui-se então que, neste caso, se tem
Pu =
4Mp
L
⇒
Pu
Pc
=
4Mp
L
3Mc
L
=
4
3
Mp
Mc
=
4
3
f > f
Isto ilustra que, de um modo geral, as estruturas hiperestáticas apresentam uma reserva de re-
sistência no domínio não linear superior ao das estruturas isostáticas. Na verdade, à medida
que se vão formando rótulas plásticas, existe um efeito de redistribuição de esforços, pelo que o
diagrama de momentos final não é proporcional ao diagrama elástico e o colapso não é condici-
onado apenas pela resistência da secção transversal mais solicitada. Quanto mais hiperestática
for a estrutura, maior é este efeito.
Se se pretender obter os diagramas de esforços para P1 < P < Pu, basta utilizar o
diagrama incremental de forma inversa. No exemplo considerado, em primeiro lu-
gar determina-se ∆P = P − P1 e o diagrama de momentos final é dado pela soma
M(P > P1) = Mel(P1) + ∆M(P − P1). Por exemplo, para P =
3.5Mp
L , tem-se
∆P = P − P1 =
3.5Mp
L
−
3Mp
L
=
Mp
2L
pelo que os correspondentes momentos em B e C valem respetivamente
MB =
Mp
3
+
Mp
2L
L
3
=
Mp
2
MC =
2Mp
3
+
Mp
2L
L
3
=
5Mp
6
O momento em A mantém-se obviamente igual a −MP .
Os procedimentos apresentados para esta viga hiperestática do primeiro grau são facilmente
generalizados para estruturas hiperestáticas de maior grau. A diferença principal reside em ser
necessário considerar mais parcelas na soma incremental. Por exemplo, numa viga três vezes
hiperestática, se P1 corresponde à formação da primeira rótula plástica, há que determinar dia-
gramas de esforços, numa estrutura duas vezes hiperestática, para ∆P1 = P − P1 e obter o valor
16
Deve acrescentar-se que carregamentos constituídos exclusivamente por cargas concentradas facilitam a análise,
porque o número de secções candidatas é finito. Na presença de cargas distribuídas, seria necessário determinar qual
a secção de momento máximo, a qual varia com ∆P.
36
de P2 para a formação da segunda rótula plástica. O processo é repetido para determinar P3,
desta vez com base nos diagramas duma estrutura uma vez hiperestática, para ∆P2 = P−P1. For-
mada a terceira rótula plástica, a estrutura torna-se finalmente isostática (incrementalmente),
para ∆P3 = P − P3. A carga última, correspondendo à formação da quarta rótula plástica,
será então dada por Pu = P4 = P1 + ∆P1 + ∆P2 + ∆P3. Ressalve-se que fenómenos como a
ocorrência de mecanismos locais podem alterar este quadro geral.
3.6 Descargas e esforços e reações residuais
A lógica incremental também pode ser aplicada para analisar as descargas. A única diferença
é que se torna necessário considerar parcelas em que o incremento do parâmetro de carga é
negativo. Analogamente ao que se passa ao nível do ponto material ou da secção transversal, as
descargas da estrutura processam-se habitualmente em regime elástico.
Se a descarga é feita de um ponto anterior à primeira plastificação, isto é, a partir de P < P1,
a carga elástica e a descarga elástica são parcelas simétricas e a estrutura recupera a sua confi-
guração inicial, sendo o valor dos esforços finais identicamente nulos em toda a estrutura.
Mais interessante é a descarga total de uma estrutura a partir de um valor P = Pm > P1,
isto é a partir de um ponto da fase elastoplástica. Neste caso, é necessário somar, aos diagramas
correspondentes a P = Pm, os diagramas elásticos calculados para um valor de ∆P = −Pm.
Isto significa que, geralmente, a descarga elástica é de maior dimensão que a carga elástica até
P = P1. Deve ser feito o teste ao aparecimento de plastificações em sentido contrário, embora
na maior parte dos casos tal fenómeno não ocorra.
Continue, então, a analisar-se o comportamento da viga hiperestática considerada na secção
anterior, admitindo-se que se procede à descarga total a partir da iminência do colapso. Na
figura 26, mostram-se os diagramas de momentos fletores (i) na iminência do colapso, para
P = Pu =
4Mp
L , (ii) correspondente à descarga elástica, isto é, o diagrama elástico calculado
para ∆P = −Pu = −
4Mp
L , e (iii) final, dado pela soma dos dois primeiros diagramas.
O diagrama final, denominado diagrama de momentos fletores residual, mostra que a estru-
tura, completamente descarregada, ainda está sujeita a esforços residuais não nulos. Observe-se,
contudo, que o diagrama de momentos final é linear, não variando de declive nas secções B e C,
o que é perfeitamente compreensível atendendo a que a carga final é nula. No entanto, apesar
de não existirem cargas aplicadas, existem reações não nulas, também representadas na figura
26, em equilíbrio com os esforços residuais. Estas reações são auto-equilibradas, no sentido em
que equilibram cargas nulas, e são denominadas de reações residuais.
É mais fácil de compreender a resposta da estrutura se nos concentrarmos na história da pri-
meira rótula plástica, formada na secção de encastramento. Nessa secção ocorreu uma rotação
plástica negativa (pois tinha-se M = −Mp) para P > P1, o que permite dizer que, se, de alguma
forma, o apoio direito fosse retirado no final, a viga ficaria reta, mas inclinada para baixo. Na
presença do apoio, a reacção residual tem que ser para cima, e a viga, na sua configuração final
(descarregada), encontra-se deformada elasticamente, no vão, e plasticamente, na secção de
encastramento.
Note-se, aliás, que só é possível a existência de reações e esforços residuais em estruturas
hiperestáticas. De facto, uma estrutura isostática é, por definição, estaticamente determinada e
na ausência de carregamento, tanto as reações como os esforços só podem ser nulos. Por outro
lado, numa estrutura hiperestática do primeiro grau como esta, basta conhecer o valor de uma
reação ou de um esforço numa secção para poder reconstruir todas as reações residuais e poder
traçar todos os diagramas de esforços. No fim de contas, isso é uma consequência direta do
significado do grau de hiperestatia: é o grau de indeterminação das equações de equilíbrio.
37
M
4Mp
L
L
3 =
4Mp
3
+
−
−Mp +
4Mp
3 =
Mp
3
+
M
[P = Pu]
−Mp
2Mp
3
Mp+
−
4Mp
L
L
9 =
4Mp
9
4Mp
L
2L
9 =
8Mp
9
4Mp
L
4Mp
L
4Mp
L
4Mp
L
Mr
[P = 0] 2Mp
3 −
4Mp
9 =
2Mp
9
Mp −
8Mp
9 =
Mp
9
Mp
3
Mp
3L
Mp
3L
+
=
[∆P = −Pu (elástico)]
Figura 26: Descarga elástica de uma viga encastrada apoiada submetida a duas cargas
concentradas. Esforços e reações residuais.
3.7 Utilização do PTV para o cálculo de deslocamentos
Uma das melhores formas de caracterizar a resposta estrutural é através do traçado de trajetórias
de equilíbrio. De acordo com o modelo das rótulas plásticas, a trajetória consiste numa sucessão
de troços retos, pelo que basta calcular os valores dos deslocamentos que se observam quando
da formação de cada uma das rótulas plásticas (ou da ocorrência da plastificação de um tirante).
O cálculo dos deslocamentos pode ser realizado, de uma forma prática e eficiente, através
do método da carga unitária. Recorde-se que este método é uma aplicação do princípio dos tra-
balhos virtuais, a qual envolve a consideração de um sistema equilibrado, cujos esforços estão
em equilíbrio com uma carga unitária (aplicada no ponto de que se pretende calcular o desloca-
mento), e de um sistema compatível, onde se observam os deslocamentos e deformações reais
da estrutura.
Existem várias formas de aplicar este método à análise incremental de uma estrutura elas-
toplástica. Por um lado, é possível adoptar a lógica incremental e calcular o deslocamento por
soma dos deslocamentos em cada parcela incremental — recorde-se que, entre os instantes de
formação das rótulas plásticas, a estrutura se comporta como uma estrutura elástica de hiperes-
tatia cada vez mais reduzida. Mas, é também possível calcular qualquer deslocamento de uma
só vez, da forma que se exemplifica de seguida.
Há apenas que ter cuidado com o trabalho realizado nas rótulas plásticas e na sua eventual
contabilização na equação do trabalho virtual. De facto, numa rótula plástica existe uma rotação
relativa não nula, ao mesmo tempo que, e ao contrário das verdadeiras rótulas, o momento é
também não nulo.
Porém, em estruturas hiperestáticas não colapsadas é sempre possível equilibrar a carga uni-
tária através de uma distribuição de esforços que apresenta valores nulos do momento em todas
as rótulas plásticas já formadas (e esforço normal nulo em tirantes plastificados). Desta forma,
o trabalho virtual nas rótulas plásticas é nulo e apenas deve ser contabilizado o trabalho dos
38
esforços equilibrados nas deformações elásticas da estrutura analisada.
Em contrapartida, se a estrutura já tiver colapsado, não é, obviamente, possível arranjar uma
distribuição de esforços em equilíbrio nas condições indicadas no parágrafo anterior — seria
equivalente a equilibrar a carga unitária numa estrutura hipostática. Mas é também verdade
que a determinação de deslocamentos numa estrutura em colapso é um problema obviamente
indeterminado.
Para exemplificar o cálculo de deslocamentos e o traçado da trajetória de equilíbrio, retoma-
se o exemplo da viga hiperestática (desprezam-se como habitualmente as deformações por
corte). Pretende-se calcular o valor do deslocamento vertical do ponto B em 3 situações: para
P = P1 (1a rótula plástica), para P = P2 = Pu (iminência do colapso) e para P = 0 (des-
locamento residual, após descarga). Os diagramas de momentos fletores nestas três situações
constam das figuras 25 e 26, a que correspondem as curvaturas elásticas dadas por 1
R = M
EI em
todas as secções excepto no encastramento A. O (único) diagrama que equilibra a carga unitária
aplicada em B e que satisfaz MA = 0 está representado na figura 27 e as integrações necessá-
rias para o cálculo dos deslocamentos pretendidos estão indicadas na figura 28. Finalmente, as
trajetórias de equilíbrio obtidas, relativas á carga e descarga, estão representadas na figura 29,
onde se indica também, de modo qualitativo, a trajetória real, isto é, a que se obteria se não se
tivesse admitido o modelo simplificado das rótulas plásticas.
= 0
2
3
1
3
¯1
2L
9M +
A
B C
D
Figura 27: Diagrama M para o cálculo do deslocamento vertical de B na viga encastrada-
apoiada.
2L
9
L
9
Mp
3
2Mp
3
−Mp
δB1 = 1
EI = 5
162
MpL2
EI
2L
9
L
9
2Mp
3 Mp
−Mp
δB2 = 1
EI = 10
162
MpL2
EI
2L
9
L
9
2Mp
9
δBr = 1
EI = 5
243
MpL2
EI = 3.333
162
MpL2
EIMp
3
Mp
9
Figura 28: Cálculo do deslocamento vertical de B na viga encastrada-apoiada para P = P1,
P = P2 = Pu e para P = 0 (deslocamento residual após descarga a partir da
iminência do colapso). As contas detalhadas foram omitidas.
39
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Comportamento não linear estruturas

  • 1. Introdução ao comportamento não linear de estruturas Conteúdo 1 Introdução 3 1.1 Porquê estudar o comportamento não linear das estruturas? . . . . . . . . . . . . 3 1.2 Análise linear versus análise não linear . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 1.3 Objetivos e organização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 2 Comportamento fisicamente não linear de secções transversais 7 2.1 Equações que regem o comportamento não linear de secções transversais . . . . . 7 2.2 Tração e flexão elastoplástica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8 2.2.1 Material elastoplástico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8 2.2.2 Esforço axial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8 2.2.3 Momento fletor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10 2.2.4 Exemplos de determinação de Mc e Mp . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12 2.2.5 Flexão composta elastoplástica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14 2.2.6 Diagrama de interação de uma secção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 2.3 Flexão composta de materiais não resistentes à tração. Tensões de contacto em fundações diretas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21 2.4 Análise elastoplástica de uma secção retangular. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 2.4.1 Curva momento-curvatura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 2.4.2 Descarga elástica. Tensões residuais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24 2.5 O conceito da rótula plástica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 2.6 Torção elastoplástica de secções com simetria de revolução . . . . . . . . . . . . . 26 3 Análise incremental de estruturas elástoplásticas 29 3.1 Introdução. Parâmetros de carga. Carga de cedência e carga última . . . . . . . . 29 3.2 Estruturas isostáticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30 3.3 O comprimento da zona plastificada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 3.4 Análise incremental de uma estrutura articulada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33 3.5 Análise incremental de uma viga hiperestática . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34 3.6 Descargas e esforços e reações residuais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37 3.7 Utilização do PTV para o cálculo de deslocamentos . . . . . . . . . . . . . . . . . 38 3.8 Utilização do PTV para o cálculo de cargas de colapso . . . . . . . . . . . . . . . . 40 3.9 Mecanismos de colapso globais, parciais e múltiplos . . . . . . . . . . . . . . . . . 41 4 Análise limite de estruturas elastoplásticas 45 4.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45 4.2 Carga de um mecanismo cinematicamente admissível . . . . . . . . . . . . . . . . 46 4.3 O teorema cinemático . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47 4.4 Carga de uma distribuição de esforços estaticamente admissível . . . . . . . . . . 48 4.5 O teorema estático . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50 4.6 Metodologia para obtenção da carga de colapso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50 4.7 Exemplos de aplicação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51 1
  • 2. 4.8 Uma visualização dos teoremas de análise limite . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57 4.9 Comentários finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60 5 Comportamento geometricamente não linear 61 5.1 O conceito de estabilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61 5.2 Análise de um modelo de um grau de liberdade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62 5.2.1 Equilíbrio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63 5.2.2 Energia potencial e análise de estabilidade das trajetórias . . . . . . . . . 66 5.2.3 Efeito das imperfeições . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67 5.2.4 Conclusões retiradas da análise do modelo e sua extrapolação . . . . . . . 68 5.3 Análise linear de estabilidade de outros modelos de barras rígidas . . . . . . . . . 68 5.4 Encurvadura de colunas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70 5.4.1 Equação diferencial de estabilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70 5.4.2 Coluna de Euler . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72 5.4.3 Deslocamento, rotação, curvatura, momento fletor e esforço transverso . . 74 5.4.4 Outras condições de apoio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74 5.4.5 A coluna encastrada-apoiada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75 5.4.6 Coluna encastrada-livre . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76 5.4.7 Comprimento de encurvadura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77 5.4.8 Carga máxima suportada por uma coluna . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77 2
  • 3. 1 Introdução 1.1 Porquê estudar o comportamento não linear das estruturas? A natureza é não linear. Mas a nossa forma de pensar tende a ser linear. Isto não é necessa- riamente um inconveniente, já que a linearização de um problema permite-nos enfrentar pro- blemas complexos e encontrar soluções através da sobreposição de resultados conhecidos de problemas simples. No campo das estruturas, a análise linear permite-nos obter uma aproximação do compor- tamento real das estruturas a qual nos ajuda a compreender o seu modo de funcionamento. É apenas natural que a concepção de estruturas vá buscar inspiração ao seu comportamento linear. Mesmo o dimensionamento e a verificação da segurança foram durante muito tempo essencialmente baseados na análise elástica linear e no conceito de tensão de segurança. Mas existem vários inconvenientes no dimensionamento elástico de estruturas. Por um lado, pode conduzir ao sobredimensionamento das peças estruturais e desse modo não ser económico. De facto, as estruturas constituídas por materiais dúcteis como o aço apresentam geralmente uma reserva de resistência para além do limite elástico, a qual depende de muitos factores tais como o seu grau de estatia ou a forma das secções transversais. Um dos principais inconve- nientes do dimensionamento elástico é que essa reserva nunca é explicitamente considerada e muito menos quantificada. O modo de colapso também não é conhecido, tornando muito difícil avaliar o desempenho de uma estrutura face a acções de extrema intensidade. Por outro lado, existem situações, tais como a instabilidade de colunas esbeltas, onde os resultados de uma análise linear diferem muito do comportamento real da estrutura, sendo fundamental a consideração de uma análise geometricamente não linear para a verificação da segurança. Por estas razões, hoje em dia, a verificação da segurança de estruturas deve ter em conta diversos aspetos do comportamento não linear de estruturas, os quais estão incorporados nos modernos regulamentos de estruturas. 1.2 Análise linear versus análise não linear A análise linear de estruturas assenta num conjunto de hipóteses que se traduzem por relações lineares entre as diversas grandezas em jogo. Esta relações lineares podem ser observadas quer no contexto da teoria da elasticidade, aplicada aos corpos encarados como contínuos defor- máveis, quer no contexto de teorias estruturais, tais como a teoria das peças lineares (vigas, estruturas reticuladas) ou teorias de peças laminares (placas, lajes ou cascas). Assim, na teoria da elasticidade linear, admitem-se (i) relações deformações-deslocamentos, onde o campo de deformações depende linearmente do campo de deslocamentos, (ii) relações constitutivas, onde as tensões são proporcionais às deformações e (iii) equações de equilíbrio, que são equações lineares envolvendo o campo de tensões e as cargas aplicadas. Verificada a linearidade de todas estas equações1 — e admitindo que existam condições de fronteira sufici- entes para impedir movimentos de corpo rígido — pode demonstrar-se que a solução existe e é única. É também válido o princípio da sobreposição segundo o qual a resposta do corpo a uma combinação linear de acções exteriores pode ser obtida através da mesma combinação linear das respostas do corpo à atuação isolada de cada uma das acções exteriores. A teoria das peças lineares pode ser encarada como a especialização da teoria da elasticidade, através da adopção de algumas hipóteses complementares sobre os campos de deslocamentos (hipótese de Bernoulli) e de tensões (hipótese de Navier), o que permite lidar com grandezas de domínio unidimensional: deslocamentos e rotações do eixo da peça, deformações ao nível 1 É importante observar que são as equações que são lineares, e não a variação das diversas grandezas ao longo do corpo. A teoria ser linear significa simplesmente que, por exemplo, se multiplicarmos por 2 as cargas aplicadas, então os deslocamentos as deformações e as tensões deverão também ser multiplicadas por 2. 3
  • 4. da secção transversal (extensão, curvatura, etc), esforços (esforço axial, momento fletor, etc) e cargas atuando no eixo da peça. Uma estrutura com comportamento linear — onde as relações entre as diversas grandezas unidimensionais são todas lineares — herda as propriedades referi- das no parágrafo anterior para o caso de um corpo contínuo. Em particular, a solução existe e é única — admitindo evidentemente que estão impedidos movimentos de corpo rígido, o que é sempre verdade em estruturas não hipostáticas e sem ligações mal distribuídas. Continua tam- bém válido o princípio da sobreposição, o qual é aliás vital na construção de métodos de análise, tais como o método das forças. A linearidade destas equações é, bem entendido, uma aproximação ao comportamento real das estruturas o qual é, de facto, não linear. De um modo geral, a aproximação linear faz sentido até um determinado nível de solicitação, a partir do qual é inevitável a consideração de análises mais realistas as quais deverão incorporar, pelo menos, os efeitos não lineares mais relevantes para o problema em análise. Em qualquer dos casos, a primeira abordagem de um determinado problema deverá sempre passar por uma análise linear, que serve de referência e orientação na realização das análises não lineares mais complexas. Existem muitos aspetos não lineares que podem ou não ser contemplados numa dada análise e, além disso, existem muitas formas de modelar cada um desses aspetos, recorrendo a mais ou menos idealizações/simplificações. Isto leva a que por vezes se diga «análise linear há só uma, análises não lineares há muitas». Mas qualquer análise não linear é manifestamente mais com- plexa que uma análise linear. Basta pensar que a solução de um dado problema estrutural não linear pode não existir ou ser múltipla, ou que deixa de ser válido o princípio da sobreposição. É habitual e conveniente agrupar as fontes de não linearidade do comportamento estrutural em dois tipos:2 não linearidade física (ou material) — sempre que o material não possa ser considerado elás- tico linear, ou seja, quando as tensões/esforços não dependem linearmente das deforma- ções. não linearidade geométrica — (i) quando não se verifica a hipótese dos pequenos desloca- mentos, sendo necessário considerar uma relação não linear entre deformações e desloca- mentos e/ou (ii) quando nas equações de equilíbrio existem termos não desprezáveis aco- plando tensões/esforços/cargas com deslocamentos, o que equivale a dizer que a escrita das equações de equilíbrio deve ser feita na configuração deformada do corpo/estrutura. 1.3 Objetivos e organização Neste texto de introdução ao comportamento não linear de estruturas, pretende-se abordar os conceitos base em jogo, mantendo-se a exposição tão simples quanto possível. Assim considera- -se separadamente cada um dos tipos de não linearidade acima referidos. Em ambos os casos, o contexto é o de estruturas reticuladas planas, constituídas por peças lineares de secção trans- versal simétrica, continuando a admitir-se a validade das hipóteses de Bernoulli e de Navier. Admite-se ainda que apenas as tensões normais longitudinais são importantes, pelo que apenas é necessário considerar uma relação constitutiva uniaxial. As secções 2 a 4 incidem essencialmente sobre a não linearidade física associada ao com- portamento elastoplástico do aço estrutural. Começa-se por estudar o comportamento das sec- ções transversais, identificando-se esforços de plastificação (com e sem interação de esforços). Deduzem-se relações constitutivas ao nível da secção transversal, dando-se particular atenção à relação momento-curvatura em flexão simples e ao conceito de rótula plástica. Depois, na secção 3, aborda-se a análise incremental de estruturas, sujeitas a perfis de carregamento, identificando-se conceitos chave tais como carga de cedência e carga última. A secção 4 des- 2 Estas categorias não são exaustivas. Outra fonte importante de não linearidade advém do contacto entre corpos. 4
  • 5. creve a análise limite do mesmo tipo de estruturas, que permite o cálculo da carga de colapso com base no equilíbrio e num conjunto de teoremas. Na secção 5 faz-se uma introdução à não linearidade geométrica, estudando-se primeiro a estabilidade de modelos de barras rígidas e molas e depois o fenómeno da encurvadura de colunas. Nota: Estas folhas foram inicialmente preparadas para apoio da unidade curricular de Resistên- cia de Materiais 2 do ano de 2015/2016, de acordo com o currículo pós-Bolonha que re- monta a 2007/2008, adotando a reorganização de capítulos introduzida a partir do ano letivo 2010/2011. Esta segunda versão foi aumentada para refletir as alterações curriculares introduzidas no ano de 2016/2017. A principal alteração é a inclusão do capítulo referente à análise limite, mas foram introduzidas outras alterações pontuais (o diagrama de interação de uma secção em T, a consideração de barras heterogéneas à tração, a análise incremental de uma treliça). O autor agradece aos professores José Moitinho de Almeida, António Pinto da Costa e Pedro Borges Dinis a ajuda na revisão do texto. 5
  • 6. 6
  • 7. 2 Comportamento fisicamente não linear de secções transversais 2.1 Equações que regem o comportamento não linear de secções transversais Considere-se uma peça linear (viga, pilar), de eixo longitudinal x3 coincidente com o centro de gravidade das secções transversais. Admite-se que a secção transversal é simétrica em relação ao eixo vertical x2. A secção transversal tem área A e momento de inércia I = I11 em relação ao eixo x1. O material é não linear, devidamente caracterizado por uma lei constitutiva uniaxial conhe- cida σ33 = σ33(ε33) (1) Para já, admite-se que a forma desta função pode ser qualquer — o que é sugerido pela curva genérica representada na figura 1. Observe-se que para esta caracterização estar completa é também necessário saber como se processam as descargas. σ33 ε33 Figura 1: Lei constitutiva uniaxial de um material não linear genérico. Considere-se uma secção transversal submetida à flexão composta reta, isto é à atuação de um esforço axial (ou esforço normal) N e de um momento fletor M = M1, tal como represen- tado na figura 2. Admitindo-se a hipótese de Bernoulli, pela qual as secções se mantêm planas, o deslocamento axial u3 será uma função linear de x2, o mesmo se passando com a extensão longitudinal ε33. Tem-se então ε33 = εG + x2 R (2) onde εG representa a extensão longitudinal medida sobre o eixo da peça (isto é para x2 = 0) e 1 R é a curvatura da peça (em torno do eixo x1). Admitindo conhecidos estes dois parâmetros, εG e 1 R , e admitido que o carregamento da secção é feito de modo a que a extensão ε33 de cada ponto aumente monotonamente — sem descargas, portanto —, então a distribuição de tensões em toda a secção é facilmente determi- nada recorrendo às equações (1) e (2). Finalmente, os esforços N e M1 podem ser obtidos por integração na secção transversal, N = A σ33 dA M = A σ33 x2 dA (3) x1 x2 G x3 + − εG 1 1 R x2 LN ⇒ N M LN ε33 = εG + x2 R σ33(ε33) Figura 2: Flexão (composta) não linear de uma secção transversal. 7
  • 8. Este processo de obter os esforços a partir dos parâmetros de deformação, utilizando suces- sivamente as equações (1), (2) e (3), está ilustrado na figura 2 e pode ser condensadamente escrito como N = N(εG, 1 R ) M = M(εG, 1 R ) (4) Mais difícil, mas também mais interessante, é o problema inverso: conhecidos os esforços atuantes N e M determinar os parâmetros de deformação εG e 1 R e a correspondente distribuição de tensões. Ao contrário do que acontece no caso elástico, onde se tem εG = N EA e 1 R = M EI , no caso geral de um material não linear não costuma haver solução analítica, sendo necessário resolver o sistema de equações não lineares (4) por métodos numéricos (iterativos). Este tipo de análise está fora do âmbito do presente texto. 2.2 Tração e flexão elastoplástica 2.2.1 Material elastoplástico Considere-se agora que o comportamento do material é descrito pelo modelo «elástico - perfei- tamente plástico», ou simplesmente elastoplástico, representado na figura 3. Este modelo admite que o comportamento é elástico linear para valores de tensão inferiores em módulo à tensão de cedência σc e totalmente plástico quando o módulo da tensão é igual à tensão de cedência. Este modelo constitutivo simples é adequado para modelar o comportamento do aço no contexto da análise de estruturas, mas é importante ter a noção que constitui uma idealização do verdadeiro comportamento do aço macio, cuja curva tensão-deformação é caracterizada por um patamar de cedência finito seguido pelo endurecimento e estricção. A consideração de um patamar de cedência indefinido é uma idealização que se justifica atendendo à boa ductilidade exibida pelos aços. A figura 3 também ilustra que as descargas a partir do patamar de cedência se processam elasticamente. A deformação recuperada é deformação elástica, enquanto a deformação que fica após descarga completa se designa por deformação plástica. σ33 ε331 E σc −σc Figura 3: Lei constitutiva uniaxial de um material elástoplástico. Analisem-se de seguida as consequências desta relação constitutiva, quando uma secção é submetida à acção isolada de um esforço axial ou de um momento fletor. Em ambos os casos, estamos interessados em determinar o esforço de cedência — valor correspondente à primeira cedência no material —, e o esforço de plastificação — valor correspondente à plastificação com- pleta da secção. O esforço de cedência é importante porque assinala o fim do regime elástico, sendo assim o limite de aplicabilidade da teoria linear. Por outro lado, o esforço de plastificação em materiais elastoplásticos é o maior esforço que a secção é capaz de suportar. 2.2.2 Esforço axial Admitindo-se uma secção homogénea, no caso de um esforço axial tem-se sempre um diagrama de tensões uniforme, σ33 = N A , como se mostra na figura 4. Assim, existe coincidência entre o 8
  • 9. x1 x2 G σ < σc σ = σc + + N ε1 EA Np = Nc −Np N < Np N = Np Figura 4: Tensões σ33 para a atuação de um esforço axial crescente. esforço normal de cedência Nc e o esforço normal de plastificação Np, Nc = Np = Aσc (5) pelo que o diagrama N(ε), também representado na figura, é semelhante ao diagrama σ(ε) da relação constitutiva. Como se verá, esta coincidência entre Nc e Np não existe em geral no caso de secções heterogéneas, onde as cedências dos vários materiais ocorrem para valores de N diferentes. Se o esforço normal é constante ao longo de uma barra, de secção transversal também cons- tante, a deformação plástica pode ocorrer em qualquer secção. É aliás o que acontece num ensaio de tração uniaxial, onde, na cedência, é possível observar uma zona onde se localizam as deformações plásticas, zona essa que se propaga depois progressivamente pelo provete com- pleto. Do ponto de vista do comportamento estrutural de um tirante, é indiferente a distribuição das deformações ao longo da barra, pelo que, muitas vezes, se prefere representar a relação constitutiva axial na forma N(∆l), em vez da forma N(ε). Embora este texto se foque essencialmente em secções homogéneas, é interessante discutir o comportamento à tração de uma barra heterogénea constituída pela associação em série de materiais elastoplásticos.3 A barra representada na figura 5 é constituída por dois materiais, ambos de comportamento elastoplástico, caracterizados pelos respetivos módulos de elasticidade, E1 e E2, e pelas respeti- vas tensões de cedência σc1 e σc2. Admite-se que a aderência entre os materiais é perfeita, pelo que a extensão longitudinal é uniforme na secção transversal. A barra está submetida a um es- forço axial N aplicado no centro (de rigidez) da secção. Note-se que se admite que a geometria da secção é bi-simétrica, incluindo no que diz respeito à distribuição dos dois materiais, de modo a que o único esforço não nulo seja a tração, independentemente da ocorrência de plastificação em qualquer dos materiais. Enquanto a barra se comporta elasticamente, o valor da extensão longitudinal é dado por ε = N n i EiAi (6) Impondo que a tensão em cada material seja inferior à respetiva tensão de cedência, facilmente se conclui que o esforço normal de cedência é dado por σi = Eiε ≤ σci ⇒ ε ≤ min i σci Ei ⇒ Nc = n i EiAi min i σci Ei (7) Note-se que o primeiro material a ceder não é necessariamente o de menor tensão de cedência, mas sim, aquele que apresenta uma menor deformação de cedência εi = σci Ei . 3 Esta discussão tem um interesse algo académico, uma vez que as secções heterogéneas mais interessantes do ponto de vista prático — as secções de betão armado — incluem um material (o betão) cujo comportamento não é elastoplástico. 9
  • 10. ε1 EiAi Nc N ε E2 σc1 σc2 E1 σ Np N N 1 2 1 2 1 1 Figura 5: Barra heterogénea à tração. Após a cedência de um dos materiais, todo o acréscimo do esforço axial é absorvido pelo outro material, ainda a trabalhar elasticamente. Quando finalmente este atinge a cedência, toda a secção transversal está plastificada, sendo o correspondente esforço normal de plastificação dado por σi = σci ⇒ Np = n i Aiσci (8) Para a secção heterogénea, o diagrama N(ε) é caracterizado por vários troços lineares, tal como se mostra também na figura 5. No primeiro troço o declive é dado pela rigidez axial elástica n i EiAi, no segundo troço o declive é menor (só é contabilizada a contribuição para a rigidez do material ainda em regime elástico) e no troço final o declive é nulo. Se em vez de dois materiais, a secção for constituída por n materiais, aumenta naturalmente o número de troços que formam o diagrama N(ε), mas note-se que, atendendo à forma como foram escritas, as expressões apresentadas para Nc e Np conservam a validade. 2.2.3 Momento fletor No caso da atuação de um momento fletor, a evolução do diagrama de tensões é mais compli- cada, mesmo no caso de uma secção homogénea, tal como se representa na figura 6. x1 x2 G LNe σ < σc σ = σc M < Mc LNe LN LNp LN v + + + + + −−−−− σc σc σc −σc−σc M = Mc Mc < M < Mp M = Mp Figura 6: Tensões σ33 para a atuação de um momento fletor crescente. Enquanto toda a secção permanece no domínio elástico, isto é, para 0 < M < Mc, o di- agrama de tensões é linear σ33 = M I x2 e a linha neutra coincide com o eixo x1, passando, 10
  • 11. portanto, no centro de gravidade G. Quando o momento é exatamente igual ao momento de cedência Mc, o diagrama de tensões ainda é triangular, e o seu valor na fibra mais afastada da linha neutra é, em módulo, igual à tensão de cedência. Designando por v a distância da fibra mais afastada à linha neutra, tem-se então σc = Mc I v pelo que o momento de cedência Mc é Mc = Wσc W = I v (9) Nesta expressão, W designa-se por módulo de flexão elástica e é uma característica geométrica da secção, vindo expresso em m3. Para valores do momento superiores ao momento de cedência, a distribuição de tensões apresenta regiões onde a tensão é igual em valor absoluto à tensão de cedência, refletindo desse modo o diagrama tensão-deformação da relação constitutiva elastoplástica. Para secções bi- simétricas, a ocorrência de cedências não implica a mudança de posição da linha neutra. Mas, se a secção não for bi-simétrica (como é sugerido na figura 6), a linha neutra deixa em geral de passar no centro de gravidade, devendo a sua posição ser determinada com base na equação N = 0 (estamos, no final de contas, a estudar o comportamento à flexão pura). À medida que o valor do momento continua a aumentar, a região da secção que se conserva no domínio elástico diminui progressivamente. No limite, quando M = Mp, a secção encontra-se totalmente plastificada e não pode suportar qualquer acréscimo de momento. x1 x2 G LNp + − σc −σc y+ y−A− A+ A− σc A+ σc M ⇒ ⇒ Figura 7: Determinação da linha neutra plástica e do momento de plastificação. A determinação do valor do momento plástico Mp é muito facilitada pelo facto de, na situação limite, toda a secção estar plastificada. Então, como se mostra na figura 7, admitindo um momento positivo, todos os pontos abaixo da linha neutra plástica estão tracionados com σ = σc enquanto todos os pontos acima dessa linha estão comprimidos com σ = −σc. Designando por A+ e A− as áreas tracionada e comprimida, respetivamente, a equação de esforço normal nulo, leva a concluir que N = A+ σc − A− σc = 0 ⇒ A+ = A− = A 2 Ou seja, a linha neutra plástica deve dividir a secção transversal em duas áreas iguais. Para calcular o valor do momento plástico, basta observar que a resultante das tensões de compressão e de tração devem passar, respetivamente, nos centros de gravidade das áreas com- primidas e tracionadas, localizados a distâncias y− e y+ da linha neutra plástica. Para além disso, em flexão simples, é indiferente qual o eixo em relação ao qual se calcula o momento resultante, sendo geralmente mais prático calculá-lo em relação à linha neutra plástica. Tem-se então, as seguintes expressões alternativas Mp = A+ σc y+ + A− σc y− = σc A+ y+ + A− y− = σc S+ LN + S− LN ou, simplesmente, Mp = Zσc Z = S+ LN + S− LN (10) 11
  • 12. onde o módulo de flexão plástica Z é dado pela soma dos momentos estáticos das áreas traciona- das e comprimidas, calculados em valor absoluto em relação à linha neutra plástica. Tal como o seu homónimo elástico, o módulo de flexão plástica é também uma característica geométrica da secção e expressa em unidades de comprimento ao cubo (m3, por exemplo). Define-se como factor de forma f a razão entre o momento plástico e o momento de cedência, a qual, como facilmente se mostra é também a razão entre os módulos de flexão plástica e elástica, f = Mp Mc = Zσc Wσc = Z W O factor de forma depende assim apenas da forma da secção (o que justifica o seu nome), é sempre maior ou igual a 1, e dá uma indicação da reserva de resistência pós-cedência. Por último, refira-se que a curva momentos curvaturas deverá ser da forma apresentada na figura 8, qualquer que seja a forma da secção transversal. Até ao momento de cedência Mc a relação é linear, com declive EI. A partir de Mc, o declive vai-se reduzindo, à medida que as zonas plastificadas vão alastrando e o momento de plastificação Mp é atingido apenas assin- toticamente para curvaturas infinitas. Na secção 2.4.1, mostra-se como se pode determinar a expressão analítica desta curva, no caso concreto (e simples de calcular) de uma secção retan- gular. M 1 R1 EI Mp Mc −Mp −Mc Figura 8: Relação momentos curvatura de uma secção elastoplástica. 2.2.4 Exemplos de determinação de Mc e Mp Com o auxílio da figura 9, determinamos os valores de Mc, de Mp e de f para quatro secções simples: uma secção retangular, uma secção circular, uma secção em losango e uma secção de parede fina em I. Todas estas secções são bi-simétricas, pelo que, em todas elas, a linha neutra plástica coincide com a linha neutra elástica. b h b h h r h Ab Aa Ab Figura 9: Determinação dos momentos de cedência e de plastificação em quatro secções. 12
  • 13. Para a secção retangular, de largura b e altura h, tem-se: Mc = Wσc = I v σc = bh3 12 h 2 σc = bh2 6 σc Mp = Zσc = S+ LN + S− LN σc = bh 2 h 4 + bh 2 h 4 σc = bh2 4 σc f = Mp Mc = Z W = bh2 4 bh2 6 = 1,5 O cálculo para a secção circular, de raio r, leva em conta que o centro de gravidade de um semi-círculo está situado a 4r 3π a partir da base, Mc = Wσc = I v σc = πr4 4 r σc = πr3 4 σc Mp = Zσc = S+ LN + S− LN σc = πr2 2 4r 3π + πr2 2 4r 3π σc = 4r3 3 σc f = Mp Mc = Z W = 4r3 3 πr3 4 = 16 3π 1,7 A secção em losango considerada, tem largura b e altura 2h, pelo que: Mc = Wσc = I v σc = 2bh3 12 h σc = bh2 6 σc Mp = Zσc = S+ LN + S− LN σc = bh 2 h 3 + bh 2 h 3 σc = bh2 3 σc f = Mp Mc = Z W = bh2 3 bh2 6 = 2,0 Finalmente, consideramos uma secção em I de geometria idealizada, onde Ab e Aa são as áreas de cada banzo e da alma, respetivamente, e h a altura, medida entre as linhas médias dos banzos. Para efeitos de cálculo de v não se tem em conta a espessura da alma. Nestas condições, temos: Mc = Wσc = I v σc = 2Ab h 2 2 + Aa h2 12 h 2 σc = h Ab + Aa 6 σc Mp = Zσc = S+ LN + S− LN σc = 2Ab h 2 + Aa h 4 σc = h Ab + Aa 4 σc f = Mp Mc = Z W = Ab + Aa 4 Ab + Aa 6 Se admitirmos que a área de cada banzo é o dobro da área da alma, Ab = 2Aa obtemos um factor de forma f = 27 26 1,04. No limite, se admitirmos que toda a área da secção transversal se concentra nos banzos, Aa → 0, o valor de f tende para a unidade. Neste cálculo, admitiu- -se simplificadamente que o ponto mais afastado estava a uma distância de h 2 da linha neutra plástica. Cálculos mais precisos, usando as verdadeiras dimensões dos banzos e da alma de perfis correntes, conduzem a um factor de forma à volta de 1,15. Olhando para estes resultados, pode parecer paradoxal que a secção em I, cuja geometria foi concebida para maximizar a resistência à flexão — para uma dada área de secção transversal e para uma dada altura útil disponível —, seja aquela para a qual o factor de forma é mais pequeno. A explicação reside no facto de a secção em I estar muito otimizada já para o momento 13
  • 14. de cedência, pelo que a reserva pós cedência é relativamente pequena. De facto, para M = Mc, quando se atinge a primeira cedência, já a maior parte da secção transversal se encontra com um valor de tensão muito perto de σc, pelo que a diferença entre Mc e Mp é pequena. Se a área da alma for desprezável, a primeira cedência coincide mesmo com a plastificação total da secção. No extremo oposto, o maior factor de forma atrás calculado é o do losango, no qual, para M = Mc, a maior parte da secção transversal apresenta níveis de tensão muito baixos. Em seguida, exemplifica-se o cálculo do momento plástico de uma secção não simétrica em relação ao eixo x1. Exemplo: Determinar Mc e Mp da secção em T representada. 5a 4a a a dy G O cálculo de Mc necessita da posição de centro de gravidade e da inércia: y = 5a2 a 2 + 4a2 3a 5a2 + 4a2 = 29 18 a I = 5aa3 12 + 5a2 29 18 a − a 2 2 + a(4a)3 12 + 5a2 3a − 29 18 a 2 = 707 36 a4 Mc = Wσc = 707 36 a4 5a − 29a 18 σc = 707 122 a3 σc = 5,795 a3 σc Para obter Mp, é necessário determinar qual a posição da linha neutra plástica que divide a secção em duas áreas iguais, Neste caso, como o banzo é maior do que a alma, é evidente que essa linha deve cortar o banzo. Uma vez determinada a sua posição, basta calcular o momento em relação a qualquer eixo horizontal, sendo mais fácil calculá-lo em relação à própria linha neutra plástica. 5ad = 5a(a − d) + 4a2 ⇒ d = 5a2 + 4a2 10a = 9 10 a Mp = Zσc = 5a 9 10 a 9 20 a + 5a a 10 a 20 + 4a2 2a + a 10 σc = 209 20 a3 σc = 10,450 a3 σc O factor de forma vale f = 10,450 5,795 = 1,803. 2.2.5 Flexão composta elastoplástica Consideremos agora a atuação conjunta de esforço normal e momento fletor. Para distinguir o caso da aplicação isolada de cada esforço do caso da sua aplicação conjunta, designam-se por esforços de plastificação reduzidos os esforços Np e Mp que correspondem à condição de a secção estar totalmente plastificada. Facilmente se compreende que existem múltiplas soluções, cada uma delas associada a uma determinada posição da linha neutra plástica. Do ponto de vista prático, o problema habitualmente coloca-se no formato: conhecido o esforço normal aplicado, determinar o momento fletor máximo. 14
  • 15. As equações (3) continuam a ser a chave do problema, as quais, reescritas para a situação em que toda a secção está plastificada, ficam Np = A− (−σc) dA + A+ (+σc) dA Mp = A− (−σcx2) dA + A+ (+σcx2) dA (11) Como representado na figura 10, para o caso em que o momento aplicado é positivo, A+ é a área da secção situada abaixo da linha neutra plástica, onde σ = +σc, enquanto A− é a área da secção situada acima da linha neutra plástica, onde σ = −σc. A coordenada x2 é, bem entendido, sempre calculada no referencial original, cuja origem se posiciona no centro de gravidade da secção. x1 x2 σc −σc LN ⇒ Np Mp Figura 10: Determinação dos esforços de plastificação reduzidos Se o esforço axial for conhecido, a primeira das equações (11) permite obter a posição da linha neutra plástica em flexão composta, enquanto a segunda dessas equações fornece o valor de Mp. É importante observar que o momento da distribuição de tensões deve ser sempre calculado em relação ao eixo x1 e não em relação à linha neutra plástica. No caso da flexão simples (N = 0), onde a distribuição de tensões é um sistema de forças equivalente a conjugado, o momento calculado em relação a qualquer eixo paralelo ao eixo x1 é o mesmo, pelo que é geralmente mais fácil calculá-lo relativamente à linha neutra plástica. Tal não é possível em flexão composta. Segue-se um exemplo de aplicação. Exemplo: Na viga em T considerada anteriormente, pretende-se determinar o momento plástico reduzido, admitindo que o esforço axial vale N = −5a2 σc (compressão). 5a 4a a a d = 3a y = 29 18 a G − + σc −σc 2a a 2a Np Mp,LN ⇒ ⇒ Np Mp = Mp,LN + Np(d − y) LNp Face à compressão elevada, é razoável supor que a linha neutra plástica corta a alma. Então, recorrendo à equação do esforço normal, determina-se a sua posição, havendo que confirmar que d está efetivamente situado entre a e 5a. Depois calcula-se o momento da distribuição de tensões em relação ao centro de gravi- dade da secção — recorde-se que y = 29 18 a = 1,611 a. Np = −5a2 σc = −σc 4a2 + ad + σc (5a − d) a ⇒ d = 3a Mp = 2a2 σc (4a − y) − 2a2 σc (2a − y) + 5a2 σc y − a 2 = 86 9 a3 σc = 9,56 a3 σc Note-se que a segunda parcela é negativa, porque as compressões na parte superior da alma têm braço positivo. 15
  • 16. Uma forma alternativa de calcular o momento plástico reduzido passa por calcular pri- meiro o momento em relação à linha neutra plástica — mais fácil de calcular pois as distân- cias são mais intuitivas de obter e as parcelas são todas positivas —, e, no final, propagar o momento para o centro de gravidade tendo em conta o valor do esforço normal. Mp,LN = 2a2 σca + 2a2 σca + 5a2 σc 2a + a 2 = 16,5 a3 σc Mp = Mp,LN + Np(d − y) = 16,5 a3 σc − 5a2 σc (3a − 1,611 a) = 9,56 a3 σc Qualquer dos procedimentos conduz ao mesmo valor do momento plástico reduzido. Note-se que, ao contrário do que o adjetivo reduzido pode levar a supor, nem sempre o valor do momento de plastificação reduzido Mp é inferior ao do momento plástico Mp. De facto, em secções não bi-simétricas o esforço axial é favorável sempre que tenha por efeito aproximar a linha neutra plástica do centro de gravidade da secção, de modo a que todas as tensões da distribuição plástica contribuam positivamente para o momento em torno de x1. Exemplo: Na viga em T atrás considerada, determinar os esforços de plastificação reduzidos correspondentes à linha neutra plástica a passar no centro de gravidade da secção. Continuando a designar por y = 1.611 a a distância de G à fibra superior, tem-se Np = −σc 5a2 + a(y − a) + σc (5a − y) a = −2,22 a2 σc Mp = 5a2 σc y − a 2 + σc (y − a) 2 2 + σc (5a − y) 2 2 = 11,48 a3 σc Observa-se que, neste caso, Mp = 11,48 a3 σc > 10,450 a3 σc = Mp. Na verdade, para esta secção, este valor de Mp é o maior valor possível do momento resistente, o qual só é possível de mobilizar com a atuação deste esforço axial Np = −2,22 a2 σc. Se a secção for bi-simétrica, é possível estabelecer uma equivalência estática entre partes do diagrama de tensões e cada um dos esforços de plastificação reduzidos Np e Mp. Basta considerar uma zona central do diagrama de tensões, compreendida entre a linha neutra plástica e uma linha que lhe é paralela disposta simetricamente em relação ao eixo x1, que é equivalente a N = Np e M = 0; ao mesmo tempo que as zonas periféricas do diagrama são estaticamente equivalentes a N = 0 e Mp. O exemplo seguinte tira partido desta decomposição. Exemplo: Na viga em I representada, pretende-se determinar o momento plástico reduzido, admitindo que o esforço axial vale N = −5a2 σc (compressão). 5a 3a a a d G − + σc −σc a − d a − d 3a + 2d ⇒ Np Mp LNp a No caso desta secção bi-simétrica, há que identificar uma zona central, disposta simetrica- mente em relação ao eixo x1, que equilibre o valor de N = −5a2 σc. A área da alma (3a2 ) totalmente plastificada é equivalente a uma força de compressão N = −3a2 σc, sendo por- tanto insuficiente para absorver o esforço axial. Isto significa que a linha neutra plástica 16
  • 17. corta o banzo inferior. Novamente, recorrendo à equação do esforço normal, determina-se a sua posição, caracterizada pela distância d, a qual estará forçosamente compreendida entre 0 e a. Para calcular o momento plástico Mp basta multiplicar a resultante das zonas periféricas pelo braço entre elas, já que a zona central não contribui para o momento. Np = −5a2 σc = −σc 3a2 + 2d × 5a ⇒ d = 0,2 a Mp = 2 × 0,8 a × 5a × σc × 3a + 2 × 0,2a + 2 × 0,8a 2 = 30,4 a3 σc Esta técnica facilita muito a análise da interação entre esforço normal e momento fletor em secções bi-simétricas, mas é importante ter presente que este tipo de decomposição de diagramas não é extensível a secções não simétricas em relação ao eixo x1. Embora seja tentador identificar cada um dos esforços com uma parte do diagrama de ten- sões, não deve ser esquecido que o princípio da sobreposição não é válido em problemas não lineares, pelo que mesmo a equivalência estática entre blocos de tensão e esforços, conside- rada na análise de secções bi-simétricas, deve ser encarada com alguma reserva. Por exemplo, não deve ser dito que as tensões no bloco central são provocadas pelo esforço axial, já que tais tensões resultam da atuação simultânea dos dois esforços na secção.4 Neste texto, com o intuito de manter a complexidade num nível aceitável, apenas se tem considerado o comportamento de secções simétricas em relação ao eixo x2. Mas vale a pena abrir um parêntese e referir o comportamento de uma secção não simétrica em relação ao eixo x2 mas simétrica em relação ao eixo x1, como, por exemplo, uma secção em «C». Se a determinação do momento plástico Mp em flexão simples não põe qualquer dificuldade adicional, já o mesmo não acontece com o seu comportamento em flexão composta. De facto, não havendo simetria em relação a x2, uma linha neutra plástica subida paralela a x1 é estaticamente equivalente à atuação de um esforço normal N e de um momento fletor M1, mas também de um momento fletor M2 diferente de zero (o bloco central de tensões provoca momento em relação a x2). Ou seja, embora o eixo x1 seja um eixo principal de inércia, no domínio elastoplástico a flexão composta, caracterizada pela atuação apenas de N e M1, é necessariamente desviada. 2.2.6 Diagrama de interação de uma secção Para ter uma visão mais geral do comportamento de uma secção transversal, é útil a construção de diagramas de interação, mostrando numa curva qual a relação entre os esforços de plastifica- ção. No caso de secções com geometrias complicadas, a tarefa de construção desses diagramas é mais adequadamente realizada através de calculo numérico. Porém, para a secção retangular, de dimensões b × h, é relativamente simples obter analiti- camente a curva de interação. Em primeiro lugar, recorde-se que os esforços de plastificação (atuando isoladamente), cal- culados na secção 2.2.4, são Np = bhσc Mp = bh2 4 σc Seja c a distância da linha neutra plástica ao eixo x1, como se mostra na figura 11. Como a secção é bi-simétrica, a resultante das tensões pode ser calculada a partir do bloco de tensões central (de altura 2c), já que as tensões fora dessa zona central se anulam mutuamente. Tem-se 4 Não há, portanto, paralelo com o comportamento das secções em flexão composta elástica onde o diagrama de tensões σ = N A + M I x2 corresponde à sobreposição simples dos efeitos devidos à atuação isolada de cada um dos esforços. 17
  • 18. x1 x2 σc −σc LN c c h 2 − c h 2 − c h 2 h 2 G 1 2 h 2 + c 1 2 h 2 + cb h 2 − c σc b h 2 − c σc 2bcσc Np Mp ⇒ b + − Figura 11: Determinação dos esforços de plastificação reduzidos na secção retangular. então Np = 2bcσc ⇒ Np Np = 2c h (12) Em contrapartida, observa-se que o bloco central não contribui para o momento em torno de x1, pelo que, para calcular o valor de Mp, basta entrar em conta com os dois blocos de tensão (superior e inferior) equivalentes a um binário igual a Mp = 2b h 2 − c σc 1 2 h 2 + c = b h2 4 − c2 σc ⇒ Mp Mp = 1 − 4c2 h2 = 1 − Np Np 2 onde, na última passagem, se teve em conta (12). Se quisermos que a expressão de interação plástica seja válida independentemente dos sinais dos esforços Np e Mp, somos conduzidos à seguinte expressão Mp Mp + Np Np 2 = 1 a qual descreve as duas parábolas representadas no diagrama da figura 12. É interessante também calcular as combinações N − M associadas à primeira cedência, isto é a fronteira do domínio elástico. Igualando a tensão máxima em valor absoluto à tensão de cedência, tem-se |σ|max = N A + M W = σc ⇒ N Aσc + M Wσc = 1 ⇒ N Nc + M Mc = 1 o que, tendo em conta que para esta secção se tem Nc = Np e Mc = Mp 1.5 , corresponde às quatro retas também representadas na figura 12. Vale a pena acrescentar que, atendendo à forma parabólica do diagrama de interação plás- tica, se o esforço normal é pequeno em relação ao esforço normal de plastificação, o momento plástico reduzido é muito próximo do momento plástico, sendo justificável a não consideração da interação. De facto, para a secção retangular, se N Np < 0,1, a redução do momento plástico é inferior a 1%. O próximo exemplo ilustra como o diagrama de interação pode ser usado para calcular a carga de colapso de uma estrutura isostática. 18
  • 19. M N Mp Np = Nc Mc Plástico Elástico-plástico Elástico Figura 12: Diagrama de interação plástica e elástica da secção retangular. Exemplo: Determinar o valor da carga de colapso na consola representada na figura. A secção é retangular com as dimensões indicadas e a tensão de cedência vale σc = 240 MPa. 10o 3,0 m P 0,1 m 0,3 m Nesta estrutura isostática, na secção de encastramento (onde os esforços são máximos), tem- se N = P cos(10) e M = −3P sin(10). Os esforços de plastificação são Np = Aσc = 0,1 × 0,3 × 240 × 103 = 7200 kN Mp = Zσc = 0,1 × 0,33 4 × 240 × 103 = 540 kNm Tem-se então, Mp Mp + Np Np 2 = −3P sin(10) 540 + P cos(10) 7200 2 = 1 ⇒ P = 1017 kN A solução positiva desta equação de segundo grau, conduz a P = 1017 kN. Apesar de a carga ser aplicada quase na horizontal, observa-se que o esforço axial está muito longe de Np. De facto, para a carga de colapso tem-se N Np = 1017 cos(10) 7200 = 0,14. Se se tivesse ignorado o efeito do esforço axial, tinha-se simplesmente Mp Mp = −3P sin(10) 540 = 1 ⇒ P = 1037 kN Para outras formas de secção, é geralmente impossível condensar o diagrama de interação numa só equação como se fez aqui para a secção retangular. Mas se a geometria for relativa- mente simples (secções em I ou T) não é muito complicado obter expressões analíticas sob forma paramétrica, tomando para parâmetro a distância da linha neutra plástica a uma linha de refe- rência, havendo, naturalmente que distinguir vários domínios a que correspondem expressões diferentes. Este procedimento é exemplificado no exemplo que se segue. 19
  • 20. Exemplo: Determinar o diagrama de interação para a viga em T considerada anteriormente. Nesta secção, há que considerar duas possibilidades: ou a linha neutra plástica atravessa o banzo ou atravessa a alma. Sejam d1 e d2 os parâmetros correspondentes a essas duas situações, como se esquematiza na figura anexa. 5a 4a a a d1y = 29 18 a G − + σc −σc LNp − + σc −σc d2 Utilizando os procedimentos descritos anteriormente, o cálculo dos esforços de plastificação para cada uma dessas situações conduz a 0 < d1 ≤ a ⇒    Np = −σc5ad1 + σc5a (a − d1) + σc4a2 = σc 9a2 − 10ad1 Mp,LN = σc5a d2 1 2 + σc5a(a−d1)2 2 + σc4a2 4a 2 + a − d1 Mp = Mp,LN + Np(d1 − y) = σc −5ad2 1 + 145 9 a2 d1 0 < d2 ≤ 4a ⇒    Np = −σc5a2 − σca (4a − d2) + σcad2 = σc −9a2 + 2ad2 Mp,LN = −σc5a2 a 2 + 4a − d2 + σca(4a−d2)2 2 + σca d2 2 2 Mp = Mp,LN + Np(5a − y + d2) = σc −ad2 2 + 61 9 a2 d2 Atribuindo agora sucessivos valores a d1 e depois a d2 é possível traçar o diagrama de in- teração que se apresenta em baixo. As expressões apresentadas atrás só são válidas para momentos positivos, mas para traçar as curvas para momentos negativos basta trocar as tra- ções com as compressões, pelo que ambas as expressões (Np e Mp) trocam de sinal (ou seja, o diagrama exibe uma simetria de rotação). M N Mp Np −Np d1 = a; d2 = 4a 0 ≤ d1 ≤ a 0 ≤ d2 ≤ 4a momento máximo ponto de transicão entre expressões −Mp Estão indicados os pontos notáveis calculados anteriormente: esforços de plastificação, ponto que corresponde ao momento máximo e ainda o ponto de transição entre as curvas paramétricas calculadas. Observa-se que o diagrama de interação não é simé- trico, no sentido em que compressões aumentam a resistência plástica a momentos po- sitivos e, pelo contrário, a tração é benéfica para a atuação de momentos negativos. 20
  • 21. 2.3 Flexão composta de materiais não resistentes à tração. Tensões de contacto em fundações diretas Nesta secção considera-se o comportamento de materiais cujo comportamento à compressão é elástico linear mas que não são resistentes à tração. Para estes materiais, a relação constitutiva uniaxial é a representada na figura 13. É importante observar que, apesar dos troços lineares, σ ε1 E Figura 13: Lei constitutiva uniaxial de um material não resistente à tração. esta relação constitutiva é, no seu conjunto, uma relação não linear. Por exemplo, o princípio da sobreposição não se pode aplicar porque, em geral, os pontos materiais à tração e à compressão variam de solicitação para solicitação. Uma das situações onde este modelo de comportamento material é muito utilizado é na análise do contacto de uma fundação direta (sapata) com o terreno.5 De facto, podemos admitir que o terreno de fundação reage elasticamente às pressões transmitidas pela sapata, mas não devemos, obviamente, considerar que o terreno seja capaz de resistir a trações. De facto, sempre que uma parte da sapata tenha tendência a levantar, descolará do terreno e a tensão de contacto é nula. Note-se, aliás, que é impossível equilibrar um esforço axial positivo ou mesmo nulo (se existir momento) Por esta razão, só faz sentido estudar o comportamento destes materiais à flexão composta com compressão. Considere-se então uma sapata retangular de dimensões b × h que deverá transmitir à fun- dação um esforço axial de compressão N (como só faz sentido considerar compressões, não se utiliza a convenção habitual de considerar a compressão negativa) e um momento fletor M — ver figura 14. Note-se que os esforços deverão ser calculados em relação à base da sapata, pelo que, conhecidos os esforços na base do pilar, é habitualmente necessário somar ao esforço axial o peso próprio da sapata e somar ao momento o produto do esforço transverso pela altura da sapata, processo esse esquematicamente indicado na figura 14. N1 M1V1 z N2 N = N1 + N2 M = M1 + V1z V = V1 V N e = M N == Figura 14: Sapata. Tendo em conta o comportamento não linear da fundação, é conveniente substituir a força N e o momento M, por uma única força, cuja linha de ação passa no centro de pressões, cuja 5 O modelo de cálculo é também adequado para descrever materiais, como o betão simples, cuja resistência à tração, embora não nula, seja suficiente pequena para poder ser desprezada. Mas não é muito interessante analisar o comportamento do betão fora do contexto das secções de betão armado e, neste texto de introdução ao comporta- mento não linear, optou-se por não abordar as secções heterogéneas. 21
  • 22. N e h b σmax σmax e ≤ h 6 e ≥ h 6 NC CP h 6 h 6 1 6 1 2 e h 1 2 σmax σmed h 2 − e 3 h 2 − e Figura 15: Tensão máxima na fundação em função da excentricidade do esforço axial. excentricidade vale e = M N . Como é conhecido do estudo da flexão linear, se o centro de pressões estiver dentro do núcleo central, toda a secção estará submetida a tensões do mesmo sinal. Neste caso, isto significa que, se e ≤ h 6 , a base da sapata está toda à compressão, pelo que é irrelevante a não resistência à tração e o diagrama de tensões é linear, sendo o seu valor máximo (em valor absoluto) dado por σmax = N A + M W = N bh + Ne bh2 6 = N bh 1 + 6e h = σmed 1 + 6e h Por outro lado, se e > h 6 , apenas uma parte da base da sapata estará em contacto com o solo. Neste caso, a distribuição de tensões é um triângulo, cuja resultante é estaticamente equivalente à força N atuando com excentricidade e. Como a distância do centro de gravidade do triangulo ao ponto mais comprimido vale h 2 − e, a base do triangulo deverá ter por comprimento o triplo desse valor. Igualando o esforço axial N à resultante do triangulo conclui-se então que N = 1 2 b3 h 2 − e σmax ⇒ σmax = 2N 3b h 2 − e A variação da tensão máxima na fundação em função da excentricidade, expressa pelas duas expressões obtidas, está representada na figura 15. 22
  • 23. 2.4 Análise elastoplástica de uma secção retangular. 2.4.1 Curva momento-curvatura A análise da evolução do diagrama de tensões de uma secção genérica submetida à flexão sim- ples, levada a cabo na secção 2.2.3, só foi quantificada em termos dos valores notáveis do momento, Mc e Mp. O que agora se pretende é obter a expressão exata da curva momentos- curvatura no caso da secção retangular, mais simples de analisar. Na fase elástica tem-se, bem entendido, a expressão linear M = EI 1 R (M ≤Mc) (13) a qual é válida até se atingir o momento de cedência Mc, o qual corresponde à curvatura de cedência 1 Rc = Mc EI . Para momentos superiores ao momento de cedência, a linha neutra permanece no eixo x1, por ser um eixo de simetria desta secção. Assim, quando a secção está parcialmente plastificada, o diagrama de tensões é da forma representada na figura 16, onde e denota a distância da fronteira entre a zona plástica e a zona elástica, relativamente ao eixo x1. x1 x2 σc −σc e e h 2 − e h 2 − e h 2 h 2 G 2 3 e 1 2 h 2 + e b x2 x3 Figura 16: Distribuição de tensões numa secção retangular na fase elastoplástica. Para os pontos com x2 = e, estando no limite da região elástica, tem-se σ = Eε = E e R = σc ⇒ e R = σc E (14) Na cedência, tem-se ec = h 2 , valor que vai diminuindo até e = 0, à medida que a secção plas- tifica progressivamente. Como na última equação de (14), o último membro é constante, pode escrever-se e R = ec Rc = h 2 Rc ⇒ e h 2 = 1 Rc 1 R (15) ou seja, na fase elastoplástica, a dimensão da zona elástica é inversamente proporcional à cur- vatura 1 R .6 O momento resultante das tensões representadas na figura 16 é M = 2b h 2 − e σc 1 2 h 2 + e + 1 2 eσc 2 3 e = bσc h2 4 − e2 3 = bh2 4 σc − bh2 12 σc e h 2 2 6 A exposição ficaria um pouco mais clara se se atribuísse à curvatura um símbolo próprio, por exemplo, χ = 1 R , em vez de a representar como o inverso do raio de curvatura. Nesse caso, ter-se-ia expressões mais simples, tais como M = EIχ ou e h/2 = χc χ . Mas preferiu-se manter a notação utilizada anteriormente. 23
  • 24. Usando o facto de Mp = bh2 4 σc e de a diferença entre o momento plástico e o momento de cedência ser dada por Mp − Mc = bh2 4 σc − bh2 6 σc = bh2 12 σc, em conjunto com a igualdade obtida em (15), obtém-se finalmente M = Mp − (Mp − Mc) 1 Rc 1 R 2 (Mc ≤ M < Mp) (16) Se calcularmos o declive desta curva no ponto de cedência verificaremos que coincide com o declive do troço elástico, isto é com a rigidez de flexão elástica EI, dM d( 1 R ) 1 R = 1 Rc = EI Isto significa que não há ponto anguloso na transição do comportamento elástico para o elasto- plástico, o que se compreende porque o espalhamento da zona plástica é gradual. A curva momentos-curvatura completa, incorpora as expressões (13) e (16), e está repre- sentada na figura 17. Observa-se que está de acordo com a figura geral apresentada na secção 2.2.3, mas agora está devidamente quantificada. Para outras secções, bi-simétricas ou não, as expressões serão mais complicadas mas os aspetos qualitativos são preservados. M 1 R 1 EI Mp Mm Mc 1 Rm 1 Rr 1 Rc 1 EI O C M R Figura 17: Curva momentos curvatura de uma secção retangular. Carga e descarga. A linha a traço interrompido corresponde ao modelo da rótula plástica. 2.4.2 Descarga elástica. Tensões residuais. Como também representado na figura 17, admita-se que, a partir de um ponto da fase elas- toplástica, caracterizado pelo momento (máximo) Mm e curvatura 1 Rm , se procede à descarga completa do momento aplicado à secção. De acordo com a relação constitutiva elastoplástica (lembrar a figura 3), os pontos já plas- tificados descarregam elasticamente. Numa secção bi-simétrica, isto significa que toda a secção se comporta elasticamente, não havendo necessidade de distinguir o comportamento da zona plástica do da zona elástica.7 Na relação momentos curvaturas, isto traduz-se por uma descarga paralela ao troço elástico com declive igual a EI, pelo que é relativamente fácil obter o valor da curvatura residual 1 Rr , correspondente ao ponto de descarga total, para o qual Mr = 0. Escrevendo a equação (16), 7 Já numa secção não bi-simétrica, na qual a linha neutra plástica não coincide com a elástica, isto não é verdade em geral. Nesse caso, existem alguns pontos, na região compreendida entre a linha neutra plástica e a linha neutra da descarga, que continuam a sua progressão no patamar de cedência. 24
  • 25. para M = Mm e 1 Rm = 1 Rc , facilmente se conclui que 1 Rm = 1 Rc Mp − Mc Mp − Mm Estabelecendo a semelhança entre os triângulos de hipotenusa OC e RM, tem-se então 1 Rm − 1 Rc 1 Rc = Mm Mc ⇒ 1 Rr = 1 Rc Mp − Mc Mp − Mm − Mm Mc Esta curvatura residual é, portanto, a curvatura permanente que fica na barra após ter sido dobrada plasticamente e na qual apenas a deformação absorvida elasticamente foi recuperada. Em termos de tensões, as tensões finais — ou tensões residuais — podem ser obtidas so- mando as tensões correspondentes ao momento máximo Mm com os incrementos (positivos ou negativos) das tensões observadas na descarga, como se exemplifica na figura 18. Faz-se notar que, como Mm > Mc, para os pontos mais afastados da linha neutra se tem, no diagrama in- cremental correspondente à descarga elástica, tensões superiores em valor absoluto à tensão de cedência. Por essa razão, as tensões finais nesses pontos têm o sinal oposto ao da carga inicial. Já o mesmo não acontece nas regiões da secção mais próximas da linha neutra. Acrescente-se que os diagramas de tensões apresentados na figura 18 facilmente se aplicam a qualquer secção bi-simétrica. Em princípio, convém ainda confirmar que não existem cedências de sinal contrário na descarga, ou seja, verificar que −σc + Mm W < σc. Esta desigualdade é equivalente a Mm < 2Wσc = 2Mc. Ora, como o valor do momento máximo atingido não podia exceder o momento plástico, tem-se Mm < Mp = fMc, e, como na generalidade das secções bi-siméticas se observa que f < 2, confirma-se não haver em geral cedências de sinal contrário na descarga elástica de secções. σ = σc σ = −σc em em σ = −σc + Mm Wσ = Mm W σ = −Mm W − − − + + + + − + = σ = σc − Mm W −σc + Mm I em +σc − Mm I em Mc < Mm < Mp −Mm M = 0 Figura 18: Tensões residuais numa secção retangular. É importante salientar que o diagrama de tensões residuais é auto-equilibrado, isto é, deve equilibrar esforços nulos. Na prática, para uma secção bi-simétrica fletida plasticamente, isso significa que as tensões residuais exibem o característico padrão em «S» representado na figura 18. 2.5 O conceito da rótula plástica Discute-se de seguida uma importante idealização do comportamento estrutural, a qual desem- penha um papel determinante na análise incremental estudada na secção 3. Se na vizinhança de uma secção, os momentos atingiram o momento plástico Mp, ou se os momentos atingiram valores próximos desse valor Mm ≈ Mp, o valor das curvaturas nessa vizinhança é muito elevado, já que, como se viu, quando M → Mp, a curvatura tende para 25
  • 26. infinito, 1 R → ∞. Sobretudo, interessa notar que esses valores da curvatura são ordens de grandeza superiores aos valores observados em secções que se mantêm no domínio elástico, ou para as quais o momento pouco excede o momento de cedência. Esta diferença de magnitudes faz com que se dê um fenómeno de localização acentuada de curvatura.8 Então, uma aproximação razoável é admitir que a deformada do eixo da viga apresenta uma rotação relativa concentrada na secção de momento máximo, conservando-se, em termos comparativos, essencialmente retilínea fora dessa secção. Este conceito é geralmente designado por rótula plástica e está ilustrado na figura 19. Na rótula plástica, podemos postular uma relação constitutiva M −θp, entre o momento e a rotação relativa (plástica), a qual só admite rotações quando |M| = Mp. Em contrapartida, fora da rótula plástica só se consideram as deformações elásticas, já que o efeito das deformações plásticas se admite já estar contabilizado, embora de forma concentrada, na rótula plástica. Mc Mp M 1 R M Mp −Mp θp ⇒ Mp Mp θp Figura 19: O conceito de rótula plástica. Em termos práticos, isto corresponde a admitir que o diagrama momento-curvatura é apro- ximado pela linha a traço interrompido que está desenhada na figura 17, onde, para M < Mp se admite o comportamento elástico e apenas para M = Mp se admitem valores de curvatura arbitrariamente grandes (que se traduzem na rotação plástica da rótula). Esta aproximação será tanto melhor quanto mais próximos estiverem os valores dos momentos plástico e de cedência, ou seja, quanto mais o factor de forma se aproximar da unidade. 2.6 Torção elastoplástica de secções com simetria de revolução Neste texto, a atenção tem estado concentrada na flexão elastoplástica. Mas vale a pena observar que o mesmo tipo de análise pode ser aplicada à torção de secções com simetria de revolução. De forma a evidenciar as semelhanças, mas também porque o assunto é importante, apresenta-se de seguida uma breve análise da torsão elastoplástica de círculos ou tubos circulares. Para estas secções, a distribuição elástica de tensões tangenciais τ devida à atuação de um 8 Este fenómeno será tanto mais evidente quanto maior seja a variação do diagrama de momentos fletores na vizinhança do momento máximo, sendo, portanto, mais pronunciado na presença de cargas concentradas do que na de cargas distribuídas. 26
  • 27. momento torsor T é dada por τ = Gγ = Gρα = Gρ T GIp = T Ip ρ (17) onde, γ é a distorção que varia proporcionalmente à distancia ao centro ρ e à curvatura de torção α, e Ip é o momento polar de inércia da secção. Para um estado de tensão tangencial simples, de acordo com o critério de von Mises, a cedência atinge-se quando a tensão tangencial atinge o valor de τc = σc√ 3 . Admitindo um material «elástico-perfeitamente plástico», a relação constitutiva entre a tensão tangencial e a distorção é em tudo análoga à relação elastoplástica para estados uniaxiais considerada na figura 3 e está representada na figura 20. τ ε331 G τc = σc√ 3 −τc Figura 20: Relação constitutiva tangencial de um material elastoplástico. Sendo a tensão tangencial máxima na periferia, onde ρ é igual ao raio exterior r, o momento torsor de cedência Tc de uma secção cujo raio exterior vale r é obtido através de τmax = Tc Ip r = τc ⇒ Tc = Ip r τc No caso da secção circular, tem-se Tc = πr4 2 r τc = πr3 2 τc Para valores do momento torsor superiores a Tc, a evolução da distribuição de tensões e o diagrama momento-curvatura T − α serão da forma representada na figura 21, sendo evidentes as analogias com o comportamento à flexão de uma secção bi-simétrica. Quando a secção está totalmente plastificada, o momento torsor atinge o seu valor máximo, o momento torsor de plastificação Tp. T α 1 GIp Tp Tcτmax < τc τcτc T < Tc Tc < T < Tp T = Tp Figura 21: Tensões tangenciais numa secção circular. No contexto particular das secções com simetria de revolução, o momento torsor é mais facilmente obtido por equilíbrio utilizando coordenadas polares. A coroa circular de raio ρ e 27
  • 28. espessura dρ tem área infinitesimal dA = 2πρ dρ. Então, qualquer que seja a distribuição de tensões tangenciais, o valor do momento torsor de uma secção tubular é dado por T = A τρ dA = re ri τρ 2πρ dρ = re ri 2πτρ2 dρ onde ri e re são, respetivamente, o raio interior e exterior. Para obter o momento torsor de plastificação basta fazer τ = τc na expressão precedente. No caso de uma secção circular de raio r fica Tp = r 0 2πτcρ2 dρ = 2πr3 3 τc Também é possível definir um factor de forma f, estabelecendo a relação entre os momentos de plastificação e de cedência, o qual, para a secção circular, vale f = Tp Tc = 2πr3 3 τc πr3 2 τc = 4 3 Se for efetuada uma descarga a partir de um momento superior a Tc, há lugar ao apareci- mento de tensões residuais, cuja determinação é feita nos mesmos moldes que no caso da flexão. A figura 22 ilustra o caso de uma secção circular descarregada a partir da plastificação total. τc T = Tp 4 3 τc T = −Tp T = 0 1 3 τc τc + = Figura 22: Tensões residuais de uma secção circular, descarregada a partir de Tp. 28
  • 29. 3 Análise incremental de estruturas elástoplásticas 3.1 Introdução. Parâmetros de carga. Carga de cedência e carga última A análise de uma estrutura constituída por um material elastoplástico é obviamente condici- onada pelo comportamento das secções transversais descrito na secção anterior. Desde logo, a resistência das secções limita as cargas que a estrutura é capaz de suportar. Mas, também, quer o cálculo de deslocamentos quer o traçado dos diagramas de esforços são alterados a par- tir do momento em que a estrutura já não se comporta elasticamente. A notável excepção a esta afirmação, são os diagramas de esforços em estruturas isostáticas, cujo traçado, admitindo a linearidade geométrica, sendo feito exclusivamente a partir das equações de equilíbrio, não depende das propriedades, elásticas ou plásticas, da secção transversal. Para abordar o comportamento não linear de estruturas — onde, recorde-se, não é válido o princípio da sobreposição —, é conveniente considerar a atuação de carregamentos crescentes, estudando-se a forma como a estrutura vai reagindo até se dar o colapso final. Do ponto de vista prático, pode fazer sentido distinguir entre cargas permanentes, cujos valores são conhecidos e fixos9, e cargas variáveis, cujos valores dependem linearmente de um parâmetro de carga. Muitas vezes, porém, não se faz esta distinção e admite-se, simplificadamente, que todos os carrega- mentos são proporcionais ao parâmetro de carga. Na verdade, mais do que tentar reproduzir fielmente o modo como as cargas serão aplicadas, importa sobretudo caracterizar o compor- tamento estrutural, descrevendo a evolução do alastramento da plasticidade, quantificando a máxima capacidade de carga e identificando o modo como se dá o colapso.10 Assim, neste texto não se fará distinção entre cargas permanentes e variáveis. A vantagem de admitir que o carregamento depende de um único valor escalar é a de per- mitir a realização de uma análise incremental, onde é determinada uma trajetória de equilíbrio relacionando o valor do parâmetro de carga P com um deslocamento representativo.11 Esta tra- jetória de equilíbrio é importante porque caracteriza muito bem a resposta estrutural, podendo identificar-se dois valores notáveis: a carga de cedência Pc, correspondente ao fim do regime elástico, e a carga última Pu, para a qual se dá o colapso da estrutura. Em estruturas compostas apenas por barras submetidas a esforço normal, tais como treliças, as trajetórias de equilíbrio são caracterizadas por um conjunto de troços lineares, correspon- dendo as transições às sucessivas plastificações das barras. Em termos incrementais, tudo se passa como se as barras já plastificadas não existissem, enquanto o comportamento das barras não plastificadas se conserva elástico.12 Já a análise elastoplástica de vigas hiperestáticas é uma tarefa mais complexa, a qual fica, contudo, bastante facilitada se se adoptar o modelo da rótula plástica referido anteriormente. De facto, adoptando esse modelo, também é possível encarar o comportamento da estrutura à flexão como uma sucessão de comportamentos lineares. De cada vez que se forma uma nova rótula plástica, nessa secção o momento mantém-se constante e a rotação relativa entre os dois lados da rótula passa a ser livre. Dito de outra forma: em termos incrementais, a rótula plástica comporta-se como uma rótula. Em qualquer dos casos — plastificação de uma barra à tração/compressão ou formação de uma rótula plástica13 —, a estrutura comporta-se incrementalmente como uma estrutura elástica cujo grau de hiperestatia se reduziu em uma unidade. Ou seja, embora no domínio não linear 9 E para as quais, nas situações mais habituais, a resposta da estrutura é ainda totalmente elástica. 10 De resto, o processo de quantificação das cargas é sempre muito idealizado. Por exemplo, as sobrecargas, que são cargas variáveis, distribuem-se espacialmente sempre de uma forma irregular. 11 Por exemplo, o deslocamento vertical a meio vão, ou o deslocamento do ponto de aplicação da carga mais importante, ou, ainda, o maior deslocamento esperado na estrutura. 12 No caso de barras heterogéneas, há que, incrementalmente, ignorar apenas os materiais já plastificados. 13 De um modo mais geral, também é possível considerar a interação de esforços N − M na formação de células plásticas, onde a extensão plástica e a rotação plástica são ambas não nulas. Mas considera-se esse assunto fora do âmbito deste texto. 29
  • 30. não seja válido o princípio da sobreposição, é possível decompor a resposta da estrutura numa soma de parcelas (no sentido incremental). A análise incremental consiste então em analisar (elasticamente) uma sucessão de estrutu- ras, progressivamente menos hiperestáticas, até à formação do mecanismo de colapso. Assim, podemos estabelecer as condições que regem a determinação de Pc e Pu: carga de cedência Pc — é o valor do parâmetro de carga para o qual se dá a primeira cedên- cia num ponto da estrutura. É importante porque assinala o fim do domínio elástico (e o fim da validade do princípio da sobreposição), o que significa que existe uma secção transversal onde se atingiu N = Nc (tração simples) ou M = Mc (flexão simples). carga última Pu — é o valor do parâmetro de carga que corresponde ao colapso da estrutura, sendo obviamente crucial para a verificação da segurança. Para existir colapso é necessário que se tenha atingido a plastificação num número suficiente de secções transversais, nas quais se tem N = Np (tração simples) ou M = Mp (flexão simples). Em muitos casos, o número suficiente de secções plastificadas, mencionado para a determi- nação de Pu, corresponde ao grau de hiperestatia mais um. De facto, uma estrutura n vezes hiperestática com n + 1 plastificações (por N = Np ou M = Mp) deverá ser hipostática do primeiro grau, ou seja, um mecanismo. Mas existem exceções — por exemplo, envolvendo a formação de mecanismos parciais a que se faz referência na secção 3.9 — , pelo que é preferível não quantificar e manter a expressão «em número suficiente». 3.2 Estruturas isostáticas Numa estrutura isostática, os diagramas de esforços em função do parâmetro de carga P podem ser determinados apenas com base no equilíbrio. Por esta razão e também porque o mecanismo de colapso se gera assim que uma secção atinge a plastificação total, a determinação das cargas de cedência e de colapso é relativamente direta. Numa treliça isostática constituída por barras homogéneas, para as quais existe coincidência entre Np e Nc, o colapso da estrutura dá-se assim que se dá a cedência da primeira barra, tendo- -se portanto Pu = Pc. Tal já não acontece se as barras da treliça forem heterogéneas, uma vez que para estas barras se tem geralmente Np > Nc. Contudo, se todas as barras de uma treliça isostática tiverem as mesmas propriedades, é a mesma barra que condiciona a primeira cedência e o colapso, pelo que se terá Pu Pc = Np Nc No caso de uma viga isostática, basta igualar o momento máximo (em função de P) a Mc e a Mp, para calcular Pc e Pu respetivamente. Em vigas isostáticas onde o factor de forma seja uniforme, pode concluir-se que Pu Pc = Mp Mc = f Ou seja, em estruturas isostáticas de secção uniforme — treliças ou vigas — verifica-se que, em termos relativos, a reserva de resistência da estrutura no domínio não linear corresponde exatamente à reserva de resistência da secção condicionante ( Np Nc ou Mp Mc ). Porém, tal resultado não se pode estabelecer sempre que a relação entre os esforços de plastificação e de cedência não for uniforme em toda a estrutura; por exemplo se o factor de forma não for uniforme para a toda estrutura, ou se a estrutura incorporar barras à tração e outras à flexão. Efetivamente, nessa situação, pode dar-se o caso de a primeira secção a atingir a cedência não chegar a plas- tificar totalmente no colapso, o qual será condicionado por outra secção. O exemplo seguinte, envolvendo uma treliça com uma barra homogénea e outra heterogénea, ilustra esta possibili- dade. 30
  • 31. Exemplo: Determinar Pc e Pu nas duas estruturas articuladas representadas. A primeira estrutura é constituída por duas barras homogéneas, enquanto na segunda estrutura uma das barras é heterogénea. Todos os materiais são elastoplásticos com as propriedades indicadas. P E; A; σc E; 4 5 A; σc 16E; 1 5 A; 2σc P P 4 3 PA B C A B C 5 3 P B 3 4 Sendo a estrutura isostática, os esforços nas duas barras são obtidos por equilíbrio do nó B, concluindo-se que NAB = +5 3 P e que NBC = −4 3 P, valores válidos para ambas as estruturas e independentemente de já ter ocorrido a primeira cedência ou não. A secção homogénea é caracterizada por Np = Nc = Aσc, pelo que a carga de colapso (e de cedência) da primeira estrutura é condicionada pela barra inclinada (mais esforçada), 5 3 P = Aσc ⇒ Pu = Pc = 0,6 Aσc A secção heterogénea tem um esforço axial de cedência diferente do de plastificação, os quais são obtidos recorrendo às expressões da secção 2.2.2, n i EiAi = E 4A 5 + 16E A 5 = 4EA Nc = n i EiAi min i σci Ei = 4EA min σc E ; 2σc 16E = 0,5 Aσc Np = n i Aiσci = 4A 5 σc + A 5 2σc = 1,2 Aσc Para encontrar o valor da carga de cedência da segunda estrutura é preferível analisar as duas barras 5 3 P ≤ Aσc ⇒ P ≤ 0,6 Aσc 4 3 P ≤ 0,5 Aσc ⇒ P ≤ 0,375 Aσc ⇒ Pc = 0,375 Aσc verificando-se que a primeira cedência ocorre agora no material central (aquele que mini- miza a relação σci Ei ) da barra vertical. Em contrapartida, a barra diagonal continua a ser a primeira a plastificar (é a barra com maior esforço axial e menor esforço de plastificação), pelo que a carga de colapso permanece inalterada, isto é Pu = 0,6 Aσc também para a segunda estrutura. Observa-se que na segunda estrutura a primeira barra a ceder é a vertical, mas a primeira a plastificar é a diagonal. Assim não há coincidência entre o valor de Pu Pc = 1,6 e qualquer das relações Np Nc (1 para a barra diagonal homogénea e 2,4 para a barra vertical heterogénea). 3.3 O comprimento da zona plastificada Em vigas isostáticas é relativamente fácil determinar a extensão da zona plastificada, a que por vezes se chama, num ligeiro abuso de linguagem, comprimento da rótula plástica. Como explicado anteriormente, na secção 2.5, apenas na zona onde M ≈ Mp existem as curvaturas 31
  • 32. P Mc Mp L−Lp 2 Lp L−Lp 2 L 2 L 2 M Figura 23: Determinação da zona plastificada numa viga simplesmente apoiada submetida a uma carga concentrada. muito elevadas que legitimam o conceito de rótula plástica. A admitir um comprimento finito para a rótula plástica, ele deveria ser muito mais pequeno que a extensão da zona plastificada. Demonstra-se o processo no caso de uma viga simplesmente apoiada submetida à acção de uma carga concentrada a meio vão, cujo diagrama de momentos fletores está representado na figura 23. As cargas de cedência e última são obtidas a partir do momento máximo de meio vão, |M|max = PL 4 ⇒    Pc = 4Mc L Pu = 4Mp L (18) Como esperado para uma viga isostática com secção uniforme, verifica-se que Pu Pc = f. No colapso, a secção de meio vão está, obviamente, totalmente plastificada. Mas a zona das secções parcialmente plastificadas estende-se num determinado comprimento Lp à volta da secção de meio vão. Para determinar o valor desse comprimento, basta observar que na fronteira da zona plastificada o momento vale Mc, o qual se relaciona com Pc através de (18), pelo que P 2 L − Lp 2 = Mc = PcL 4 ⇒ Lp = L 1 − Pc P Quando P = Pu, a razão Pc Pu é igual ao inverso do factor de forma, tendo-se Lp = L 1 − 1 f Na figura 23 está representada a progressão da zona plastificada no caso de uma secção retan- gular, sendo o valor final do comprimento da zona plastificada dado por Lp = L 3 . Para outras formas da secção transversal, este comprimento será tanto menor quanto mais o factor de forma se aproxima da unidade. No limite, admitindo uma secção em «I» idealizada, em que toda a área da secção se concentra nos banzos e onde f ≈ 1, o comprimento da zona plastificada tende para zero. Note-se que esta análise é relativamente simples de realizar por se tratar de uma viga isos- tática, onde o espalhamento da plasticidade não interfere com a distribuição de esforços, os quais são determinados exclusivamente por equilíbrio. Embora em vigas hiperestáticas o espa- lhamento da zona plastificada siga qualitativamente um padrão semelhante, a sua determinação rigorosa exige uma análise bastante mais sofisticada. 32
  • 33. 3.4 Análise incremental de uma estrutura articulada É para estruturas hiperestáticas que a análise incremental ganha a sua razão de ser. Para exem- plificar a aplicação de uma análise incremental, começa-se por considerar a treliça hiperestática representada na figura 24, cujo carregamento é uma força aplicada no nó C (com duas compo- nentes, horizontal e vertical). Todas a barras são homogéneas, têm a mesma rigidez axial e o mesmo esforço de plastificação Np (coincide com Nc). A B C3 4 P 3P D −2,469P −2,975P +2,531P +2,024P −1,519P A B C ∆P 3∆P D +1,25∆ P +6,25∆ P +5∆P −3,75∆P 4 4 3 5 Figura 24: Análise incremental de uma treliça hiperestática. Na figura da esquerda estão representados a geometria e carregamento e ainda os esforços elásticos. A fi- gura da direita apresenta os esforços correspondentes à parcela incremental, após plastificação da barra CD. Na figura incluem-se os esforços na fase elástica cuja obtenção foi feita, por exemplo, recor- rendo ao método das forças. Sendo todas as barras iguais, a primeira a ceder e plastificar é a barra mais solicitada, a barra CD. O valor do parâmetro de carga correspondente é NCD = −2,975P = −Np ⇒ P1 = Pc = 1 2,975 Np = 0,3361Np Observe-se que o valor de P é necessariamente positivo, e que a barra comprimida plastifica para N = −Np.14 Após a plastificação da barra CD, a estrutura entra na chamada fase elastoplástica, comportando-se incrementalmente como uma estrutura isostática, idêntica à estrutura consi- derada mas à qual foi retirada a barra CD. Os esforços correspondentes, obtidos por equilíbrio (método dos nós), estão representados também na figura 24. Para P > P1, o esforço axial em cada barra é dado pela soma do esforço que corresponde ao fim da fase elástica (P = P1) com a parcela incremental correspondente a ∆P = P − P1. Sendo a mais esforçada em cada uma das parcelas, é evidente que a barra BD é a próxima a plastificar — à tração —, o que permite calcular o valor de ∆P através de NBD = +2,531P1 + 6,25∆P = 2,531 × 0,3361Np + 6,25∆P = Np ⇒ ∆P = 0,0239Np Com duas barras plastificadas, a estrutura transforma-se (incrementalmente) num meca- nismo, com Pu = P2 = P1 + ∆P = 0,360Np Não é possível aumentar mais o valor do parâmetro de carga, embora, face ao comportamento elastoplástico dos materiais, a estrutura mantenha a sua capacidade resistente para valores do parâmetro de carga inferiores. 14 Alternativamente, o cálculo de P1 podia ser feito em módulo, a partir de |N| = 2,975P = Np. Porém, a abordagem apresentada no texto principal é mais geral, já que transita facilmente também para o cálculo de P2, lidando sem problemas com eventuais inversões de sinal. 33
  • 34. Aplicando a lógica incremental a cada uma das barras, obtém-se NAB = +2,024 × 0,3361Np + 5,00 × 0,0239Np = (0,680 + 0,120)Np = +0,800Np NAC = −2,469 × 0,3361Np + 1,25 × 0,0239Np = (−0,830 + 0,030) = −0,800Np NBC = −1,519 × 0,3361Np − 3,75 × 0,0239Np = (−0,511 − 0,090) = −0,600Np NBD = +2,531 × 0,3361Np + 6,25 × 0,0239Np = (0,851 + 0,149)Np = +1,000Np NCD = −2,975 × 0,3361Np + 0,00 × 0,0239Np = (−1,000 + 0,000)Np = −1,000Np Nesta lista, que inclui as barras plastificadas no colapso, é possível identificar os esforços para P = P1, a sua variação entre P1 e Pu e, por fim, o seu valor na altura do colapso. É interessante observar que a distribuição de esforços é bastante diferente entre a fase elástica e a fase elasto- plástica, ao ponto de uma das barras — a barra AC — inverter o sentido de carregamento após P1. Neste exemplo, admitiu-se que uma barra plastificada à compressão é capaz de manter in- definidamente uma compressão igual a N = −Np, como admitido atrás na secção 2.2.2. É importante ressalvar que uma barra nessa situação dificilmente se mantém reta sendo propensa a instabilizar por encurvadura — ver introdução aos fenómenos geometricamente não lineares na secção 5. Mas o acoplamento entre comportamentos física e geometricamente não lineares está fora do âmbito deste texto, admitindo-se aqui que as barras comprimidas estão continua- mente contraventadas de modo aos deslocamentos laterais estarem impedidos. 3.5 Análise incremental de uma viga hiperestática A nossa atenção vira-se agora para o comportamento de vigas hiperestáticas elastoplásticas, mais interessante do ponto de vista prático, o que justifica um estudo mais aprofundado. Importa dizer que muitos dos conceitos que irão ser abordados para a viga (desenho do mecanismo, descargas, esforços residuais, cálculo de deslocamentos, etc) se aplicam também a estruturas articuladas sem alteração de maior, com as diferenças óbvias relativas ao traçado de diagramas de esforços. Por outro lado, de modo a que seja possível ler esta secção independentemente da secção anterior, repetem-se muitas das explicações referentes à lógica incremental. A aplicação da análise incremental a vigas é muito semelhante à realizada atrás, mas com duas importantes diferenças. Em primeiro lugar é preciso lidar com o diagrama de momentos fletores, o qual varia ao longo da viga em vez de ser constante em cada barra, identificando as secções de momento máximo nas quais se formam as rótulas plásticas. Por outro lado, é importante ter presente que no caso da estrutura articulada a transição entre a fase elástica e plástica de uma barra (homogénea) é de facto instantânea (quando |N| = Np), enquanto nas vigas essa transição se admite ser aproximadamente instantânea (quando |M| = Mp) em consequência do modelo da rótula plástica descrito anteriormente.15 Assim, considere-se o caso de uma viga encastrada-apoiada submetida a duas cargas iguais de valor P, representada na figura 25 (P é, portanto, o parâmetro de carga). A estrutura é, bem entendido, uma vez hiperestática. Com base no diagrama de momentos em fase elástica (fornecido na figura), determina-se a carga de cedência Pc igualando o valor máximo desse diagrama a Mc. De acordo com o modelo da rótula plástica, admite-se que a estrutura continua a comportar-se elasticamente até à formação da primeira rótula plástica, a qual ocorrerá para o valor do parâmetro de carga P1. 15 Já no caso de barras heterogéneas inseridas em estruturas articuladas, a analogia com o modelo da rótula plástica é potencialmente maior: a relação esforço axial apresentada na figura 5 pode, numa análise mais simplista, ser aproximada por uma função com apenas dois troços: elástico até Np seguido do patamar perfeitamente plástico. 34
  • 35. P P L 3 L 3 L 3 A B C D M [elástico] −PL 3 PL 9 2PL 9 + − M [P = P1] −Mp Mp 3 2Mp 3 + − ∆P A ∆P M [∆P] ∆P L 3 + ∆P L 3 M [P = P2] −Mp 2Mp 3 = Mp 3 + Mp L L 3 Mp + − A Figura 25: Análise incremental de uma viga encastrada-apoiada submetida a duas cargas concentradas. A determinação de P1 é em tudo análoga à determinação de Pc. Tem-se, portanto, |M|max = PL 3 ⇒    Pc = 3Mc L P1 = 3Mp L Fazendo P = P1 no diagrama de momentos elástico, obtém-se o diagrama de momentos na formação da primeira rótula plástica, em termos da resistência da secção Mp. Formada a primeira rótula plástica, na secção do encastramento A, a estrutura comporta-se incrementalmente como isostática, o que permite obter o diagrama incremental de momentos ∆M, em função do incremento ∆P, apenas com base nas equações de equilíbrio. Para obter o valor de P2, correspondente à formação da segunda rótula plástica, calcula-se qual o menor valor do incremento da carga ∆P que permite atingir Mp numa das secções candidatas, B e C: B : M = Mp 3 + ∆P L 3 = Mp ⇒ ∆P = 2Mp L C : M = 2Mp 3 + ∆P L 3 = Mp ⇒ ∆P = Mp L 35
  • 36. A secção condicionante é, portanto, a secção C, pelo que P2 é P2 = P1 + ∆P = 3Mp L + Mp L = 4Mp L Neste caso, era óbvio que a segunda rótula plástica se formaria em C, já que partia de um valor do momento mais elevado e o incremento para ∆P era o mesmo para as duas secções. Mas pretendeu-se ilustrar o procedimento geral em que é necessário calcular ∆P para várias secções candidatas.16 Chama-se a atenção que as secções plastificam para M = Mp ou para M = −Mp. Se, numa dada secção, o valor de ∆M varia negativamente com ∆P, então o momento final deverá ser comparado como −Mp, conduzindo, em qualquer dos casos a um valor positivo de ∆P. Prosseguindo com a análise, podemos agora obter o diagrama de momentos para P = P2, somando simplesmente o diagrama correspondente a P = P1 (recorde-se, é o diagrama elástico fazendo P = P1) com o diagrama incremental ∆M particularizado para ∆P = Mp L . Esse diagrama está também representado na figura 25. Finalmente, observa-se que a estrutura, que inicialmente era hiperestática do primeiro grau, se tornou, após a formação de duas rótulas plásticas, num mecanismo, pelo que, neste caso, Pu = P2. O mecanismo representado na figura 25 evidencia as duas rótulas plásticas em A e em C. Entre as rótulas plásticas, admite-se que a viga permanece elástica. No entanto, face à dimensão arbitrária dos deslocamentos no mecanismo, não é habitual representar as (pequenas) deformações elásticas no desenho do mecanismo. Conclui-se então que, neste caso, se tem Pu = 4Mp L ⇒ Pu Pc = 4Mp L 3Mc L = 4 3 Mp Mc = 4 3 f > f Isto ilustra que, de um modo geral, as estruturas hiperestáticas apresentam uma reserva de re- sistência no domínio não linear superior ao das estruturas isostáticas. Na verdade, à medida que se vão formando rótulas plásticas, existe um efeito de redistribuição de esforços, pelo que o diagrama de momentos final não é proporcional ao diagrama elástico e o colapso não é condici- onado apenas pela resistência da secção transversal mais solicitada. Quanto mais hiperestática for a estrutura, maior é este efeito. Se se pretender obter os diagramas de esforços para P1 < P < Pu, basta utilizar o diagrama incremental de forma inversa. No exemplo considerado, em primeiro lu- gar determina-se ∆P = P − P1 e o diagrama de momentos final é dado pela soma M(P > P1) = Mel(P1) + ∆M(P − P1). Por exemplo, para P = 3.5Mp L , tem-se ∆P = P − P1 = 3.5Mp L − 3Mp L = Mp 2L pelo que os correspondentes momentos em B e C valem respetivamente MB = Mp 3 + Mp 2L L 3 = Mp 2 MC = 2Mp 3 + Mp 2L L 3 = 5Mp 6 O momento em A mantém-se obviamente igual a −MP . Os procedimentos apresentados para esta viga hiperestática do primeiro grau são facilmente generalizados para estruturas hiperestáticas de maior grau. A diferença principal reside em ser necessário considerar mais parcelas na soma incremental. Por exemplo, numa viga três vezes hiperestática, se P1 corresponde à formação da primeira rótula plástica, há que determinar dia- gramas de esforços, numa estrutura duas vezes hiperestática, para ∆P1 = P − P1 e obter o valor 16 Deve acrescentar-se que carregamentos constituídos exclusivamente por cargas concentradas facilitam a análise, porque o número de secções candidatas é finito. Na presença de cargas distribuídas, seria necessário determinar qual a secção de momento máximo, a qual varia com ∆P. 36
  • 37. de P2 para a formação da segunda rótula plástica. O processo é repetido para determinar P3, desta vez com base nos diagramas duma estrutura uma vez hiperestática, para ∆P2 = P−P1. For- mada a terceira rótula plástica, a estrutura torna-se finalmente isostática (incrementalmente), para ∆P3 = P − P3. A carga última, correspondendo à formação da quarta rótula plástica, será então dada por Pu = P4 = P1 + ∆P1 + ∆P2 + ∆P3. Ressalve-se que fenómenos como a ocorrência de mecanismos locais podem alterar este quadro geral. 3.6 Descargas e esforços e reações residuais A lógica incremental também pode ser aplicada para analisar as descargas. A única diferença é que se torna necessário considerar parcelas em que o incremento do parâmetro de carga é negativo. Analogamente ao que se passa ao nível do ponto material ou da secção transversal, as descargas da estrutura processam-se habitualmente em regime elástico. Se a descarga é feita de um ponto anterior à primeira plastificação, isto é, a partir de P < P1, a carga elástica e a descarga elástica são parcelas simétricas e a estrutura recupera a sua confi- guração inicial, sendo o valor dos esforços finais identicamente nulos em toda a estrutura. Mais interessante é a descarga total de uma estrutura a partir de um valor P = Pm > P1, isto é a partir de um ponto da fase elastoplástica. Neste caso, é necessário somar, aos diagramas correspondentes a P = Pm, os diagramas elásticos calculados para um valor de ∆P = −Pm. Isto significa que, geralmente, a descarga elástica é de maior dimensão que a carga elástica até P = P1. Deve ser feito o teste ao aparecimento de plastificações em sentido contrário, embora na maior parte dos casos tal fenómeno não ocorra. Continue, então, a analisar-se o comportamento da viga hiperestática considerada na secção anterior, admitindo-se que se procede à descarga total a partir da iminência do colapso. Na figura 26, mostram-se os diagramas de momentos fletores (i) na iminência do colapso, para P = Pu = 4Mp L , (ii) correspondente à descarga elástica, isto é, o diagrama elástico calculado para ∆P = −Pu = − 4Mp L , e (iii) final, dado pela soma dos dois primeiros diagramas. O diagrama final, denominado diagrama de momentos fletores residual, mostra que a estru- tura, completamente descarregada, ainda está sujeita a esforços residuais não nulos. Observe-se, contudo, que o diagrama de momentos final é linear, não variando de declive nas secções B e C, o que é perfeitamente compreensível atendendo a que a carga final é nula. No entanto, apesar de não existirem cargas aplicadas, existem reações não nulas, também representadas na figura 26, em equilíbrio com os esforços residuais. Estas reações são auto-equilibradas, no sentido em que equilibram cargas nulas, e são denominadas de reações residuais. É mais fácil de compreender a resposta da estrutura se nos concentrarmos na história da pri- meira rótula plástica, formada na secção de encastramento. Nessa secção ocorreu uma rotação plástica negativa (pois tinha-se M = −Mp) para P > P1, o que permite dizer que, se, de alguma forma, o apoio direito fosse retirado no final, a viga ficaria reta, mas inclinada para baixo. Na presença do apoio, a reacção residual tem que ser para cima, e a viga, na sua configuração final (descarregada), encontra-se deformada elasticamente, no vão, e plasticamente, na secção de encastramento. Note-se, aliás, que só é possível a existência de reações e esforços residuais em estruturas hiperestáticas. De facto, uma estrutura isostática é, por definição, estaticamente determinada e na ausência de carregamento, tanto as reações como os esforços só podem ser nulos. Por outro lado, numa estrutura hiperestática do primeiro grau como esta, basta conhecer o valor de uma reação ou de um esforço numa secção para poder reconstruir todas as reações residuais e poder traçar todos os diagramas de esforços. No fim de contas, isso é uma consequência direta do significado do grau de hiperestatia: é o grau de indeterminação das equações de equilíbrio. 37
  • 38. M 4Mp L L 3 = 4Mp 3 + − −Mp + 4Mp 3 = Mp 3 + M [P = Pu] −Mp 2Mp 3 Mp+ − 4Mp L L 9 = 4Mp 9 4Mp L 2L 9 = 8Mp 9 4Mp L 4Mp L 4Mp L 4Mp L Mr [P = 0] 2Mp 3 − 4Mp 9 = 2Mp 9 Mp − 8Mp 9 = Mp 9 Mp 3 Mp 3L Mp 3L + = [∆P = −Pu (elástico)] Figura 26: Descarga elástica de uma viga encastrada apoiada submetida a duas cargas concentradas. Esforços e reações residuais. 3.7 Utilização do PTV para o cálculo de deslocamentos Uma das melhores formas de caracterizar a resposta estrutural é através do traçado de trajetórias de equilíbrio. De acordo com o modelo das rótulas plásticas, a trajetória consiste numa sucessão de troços retos, pelo que basta calcular os valores dos deslocamentos que se observam quando da formação de cada uma das rótulas plásticas (ou da ocorrência da plastificação de um tirante). O cálculo dos deslocamentos pode ser realizado, de uma forma prática e eficiente, através do método da carga unitária. Recorde-se que este método é uma aplicação do princípio dos tra- balhos virtuais, a qual envolve a consideração de um sistema equilibrado, cujos esforços estão em equilíbrio com uma carga unitária (aplicada no ponto de que se pretende calcular o desloca- mento), e de um sistema compatível, onde se observam os deslocamentos e deformações reais da estrutura. Existem várias formas de aplicar este método à análise incremental de uma estrutura elas- toplástica. Por um lado, é possível adoptar a lógica incremental e calcular o deslocamento por soma dos deslocamentos em cada parcela incremental — recorde-se que, entre os instantes de formação das rótulas plásticas, a estrutura se comporta como uma estrutura elástica de hiperes- tatia cada vez mais reduzida. Mas, é também possível calcular qualquer deslocamento de uma só vez, da forma que se exemplifica de seguida. Há apenas que ter cuidado com o trabalho realizado nas rótulas plásticas e na sua eventual contabilização na equação do trabalho virtual. De facto, numa rótula plástica existe uma rotação relativa não nula, ao mesmo tempo que, e ao contrário das verdadeiras rótulas, o momento é também não nulo. Porém, em estruturas hiperestáticas não colapsadas é sempre possível equilibrar a carga uni- tária através de uma distribuição de esforços que apresenta valores nulos do momento em todas as rótulas plásticas já formadas (e esforço normal nulo em tirantes plastificados). Desta forma, o trabalho virtual nas rótulas plásticas é nulo e apenas deve ser contabilizado o trabalho dos 38
  • 39. esforços equilibrados nas deformações elásticas da estrutura analisada. Em contrapartida, se a estrutura já tiver colapsado, não é, obviamente, possível arranjar uma distribuição de esforços em equilíbrio nas condições indicadas no parágrafo anterior — seria equivalente a equilibrar a carga unitária numa estrutura hipostática. Mas é também verdade que a determinação de deslocamentos numa estrutura em colapso é um problema obviamente indeterminado. Para exemplificar o cálculo de deslocamentos e o traçado da trajetória de equilíbrio, retoma- se o exemplo da viga hiperestática (desprezam-se como habitualmente as deformações por corte). Pretende-se calcular o valor do deslocamento vertical do ponto B em 3 situações: para P = P1 (1a rótula plástica), para P = P2 = Pu (iminência do colapso) e para P = 0 (des- locamento residual, após descarga). Os diagramas de momentos fletores nestas três situações constam das figuras 25 e 26, a que correspondem as curvaturas elásticas dadas por 1 R = M EI em todas as secções excepto no encastramento A. O (único) diagrama que equilibra a carga unitária aplicada em B e que satisfaz MA = 0 está representado na figura 27 e as integrações necessá- rias para o cálculo dos deslocamentos pretendidos estão indicadas na figura 28. Finalmente, as trajetórias de equilíbrio obtidas, relativas á carga e descarga, estão representadas na figura 29, onde se indica também, de modo qualitativo, a trajetória real, isto é, a que se obteria se não se tivesse admitido o modelo simplificado das rótulas plásticas. = 0 2 3 1 3 ¯1 2L 9M + A B C D Figura 27: Diagrama M para o cálculo do deslocamento vertical de B na viga encastrada- apoiada. 2L 9 L 9 Mp 3 2Mp 3 −Mp δB1 = 1 EI = 5 162 MpL2 EI 2L 9 L 9 2Mp 3 Mp −Mp δB2 = 1 EI = 10 162 MpL2 EI 2L 9 L 9 2Mp 9 δBr = 1 EI = 5 243 MpL2 EI = 3.333 162 MpL2 EIMp 3 Mp 9 Figura 28: Cálculo do deslocamento vertical de B na viga encastrada-apoiada para P = P1, P = P2 = Pu e para P = 0 (deslocamento residual após descarga a partir da iminência do colapso). As contas detalhadas foram omitidas. 39