SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 4
Baixar para ler offline
www.aquinate.net/ciência & fé ISSN 1808-5733
AQUINATE, n°9, (2009), 298-301 298
Causalidade e acaso na natureza!
por Rodolfo Petrônio – Instituto Aquinate e Faculdade de São Bento/RJ.
1. Introdução: Se tomarmos a perspectiva do físico David
Bohm sobre causalidade, isto é, da constância ou da
estabilidade das relações que se pode obervar nos processos
naturais, acrescido do fato de que na natureza tudo provém de
algo existente e também dá origem a outras coisas segundo
essas relações, então estas são necessárias no sentido de que
não poderiam dar-se de outro modo por se constituírem em
aspectos essenciais e inerentes ao que as coisas são1
. Ora, essa perspectiva é
convergente com a cosmologia tomista acerca da causalidade, na medida em
que o fundamento desta última são as leis estruturais inerentes à substância.
Por outro lado, a causalidade “é um pressuposto da ciência ou da
racionalidade2
”, por onde não seria possível pensar racionalmente um mundo
no qual os processos fossem essencialmente não causais. Por outro lado,
Bohm nos chama a atenção para o fato de que não há uma necessidade
absoluta que nos conduza à elaboração de leis causais, e o exemplo que nos dá
é: se soltarmos qualquer objeto no ar, ele cairá. No entanto, se for uma folha
de papel e se “por acaso” estiver soprando uma brisa forte, o papel pode
subir em vez de cair. Ou seja, a lei causal propriamente dita é afetada por
fatores externos ou ocorrências contingentes, que representam componentes
essencialmente independentes do escopo daquilo que está submetido à lei e
seu contexto de consideração. São estes fatores contingentes que nos
aparecem como acaso3
. Ora, isto significa, portanto, que o acaso não é uma
ausência total de fatores causais, mas supõe o concurso de fatores externos ao
escopo da lei natural.
2. Causalidade: Fala-se, muitas vezes, da inexistência de causalidade no nível
quântico, o que nos conduziria a afirmar que, no domínio subatômico, para o
qual estão vigentes as leis da mecânica quântica, nos deparamos em certo
sentido com a ausência de relações causa-efeito, por onde estas dar-se-iam de
modo caótico, sendo impossível no mais das vezes indicar a presença dos
fatores responsáveis pela detecção de determinados efeitos, isto é, suas causas.
1
Cf. BOHM, D. Causality and Chance in Modern Physics. Philadelphia: University of
Pennsylvania Press, 1957, p. 1-2.
2
CASANOVA, C. Reflexiones metafísicas sobre la ciência natural. Santiago: RIL Editores, 2007, p.
215.
3
Cf. BOHM, D., loc. cit.
causalidade
www.aquinate.net/ciência & fé ISSN 1808-5733
AQUINATE, n°9, (2009), 298-301 299
Vejamos o que Aristóteles nos diz no Capítulo IV do Livro II da Física, no
qual ele trata inicialmente a questão da causalidade “acidental” ou Acaso (segue
uma tradução livre do texto de Aristóteles):
“Frequentemente reivindicamos o acaso, ou sorte, e o acidentental
como causas, dizendo que algo aconteceu como ‘ocorrido por acaso ou
por sorte’ ou ‘acidentalmente’. Qual é então o papel do acaso e do
acidental entre as causas de que tratamos [material, formal, eficiente e
final]? Há alguma distinção entre elas? E, resumindo, o que são? Haja
vista que alguns questionam sua existência [do acaso], declarando que
nada acontece casualmente, mas que tudo de que assim falamos tem
realmente uma causa definida. Por exemplo, se um homem se dirige ao
mercado e lá encontra por acaso alguém que ele desejaria encontrar,
mas não esperava encontrá-lo ali, a razão de o ter encontrado era que
ele queria fazer compras; e assim também em todos os outros casos em
que alegamos o acaso como causa, sempre há outra causa a ser
encontrada, e nunca é realmente o acaso. E com efeito se poderia
insistir que, se realmente houvesse algo como o acaso, isto se
apresentaria como um problema genuíno, e se poderia levantar a
questão de porque nenhum dos filósofos antigos teria algo a dizer dele
[do acaso] quando da discussão sobre as causas relativas à geração e à
corrupção, na medida em que aparentemente pensaram que nada
ocorre por acaso”4
.
No mesmo capítulo do texto da Física, Aristóteles elenca as diversas
perspectivas propostas pelos filósofos (Empédocles, Demócrito, Anaxágoras)
sobre o acaso, e, no capítulos seguintes (V e VI capítulos do Livro II da
Física), empreende o exame da questão, em duas etapas gerais: Primeiramente,
no capítulo V, verifica que o homem tem propósitos e que a Natureza possui
tendências, o que normalmente determina o curso de uma ação delibrada ou
dos processos naturais. No entanto, em ambos os casos tais ações
(deliberadas) ou processos (naturais) acidentalmente envolvem resultados
inexperados que se situam fora de sua progressão normal na direção do
objetivo a que se dirigem, e tais resultados atribuímos ao acaso. Em segundo
lugar, ele observa, no capítulo VI, que há uma espécie de desvio nos processos
naturais, em que o atingimento da “intenção” normal do processo é de fato
impedida por aquele desvio acidental. Ou seja, para Aristóteles, há um
propósito tanto nas ações humanas como nos processos naturais, e o acaso é
4
ARISTÓTELES, Física II c.4 195 b 30 – 196 a 10.
www.aquinate.net/ciência & fé ISSN 1808-5733
AQUINATE, n°9, (2009), 298-301 300
acidental a estes propósitos, na medida em que produz algo que originalmente
poderia ter sido almejado. Assim, há na “causalidade acidental” um
antecedente proposital necessário, porquanto da mesma forma que a
existência substancial deve sempre subjazer à acidental, que é atributiva ou
relacional, a causalidade direta que é intencional (quer humana, quer natural)
deve sempre subjazer à causalidade acidental ou acaso5
.
3. Acaso: Um resumo bastante acurado nos é oferecido por Mariano Artigas6
,
que expõe com muita propriedade uma perspectiva que faz convergir as
considerações de Aristóteles e de Bohm quando afirma que o acaso é o
resultado da confluência de cadeias causais independentes, na medida que os
agentes naturais têm efeitos que se devem ao seu modo de ser (porque são
substâncias) que lhe são próprios, bem como possuem efeitos que lhes são
acidentais. Pois bem, neste último caso, frequentemente se dá a coincidência
de diferentes causas sem que seja necessária tal coincidência, ou seja, ocorre
uma confluência de séries causais independentes (fora do contexto descritivo
das leis da natureza), não possuindo tal confluência uma razão pela qual se
devesse dar (isto é, sem necessidade), razão esta que obdecesse a alguma lei da
natureza por si mesma capaz de ser descrita. Por esta razão, conclui Artigas,
“o acaso realmente existe na natureza [...bem como] não é devido unicamente
à nossa ignorância, ainda que à vezes possa ser, porque o desconhecimento
dos fatores que intervêm pode nos fazer pensar numa coincidência causal que,
na realidade, não é assim”7
.
Por fim, vale a pena relembrar a composição hilemórfica dos entes,
constituídos por dois princípios reais complementares, a forma e a matéria. Se
a forma redunda em ações causais necessárias, por sua vez a matéria implica
indeterminação, não absoluta, mas relativa. O acaso, portanto, pode ser
associado à matéria na medida em que, por sua indeterminação os agentes
naturais falham na consecução do fim visado pela natureza, bem como
cooperam na produção de outros efeitos indeterminados por outros agentes,
e, assim, “nem tudo que de algum modo é tem causa própria [grifo nosso],
5
Este parágrafo está baseado nas considerações que o professor Philip Wicksteed, tradutor
para a língua inglesa da edição bilíngüe grego-inglês de que nos temos valido (The Physics,
Massachusetts: Harvard University Press, 1957), teceu nas respectivas curtas introduções
que fez aos capítulos referidos.
6
ARTIGAS, M. Filosofia da Natureza. São Paulo: Instituto Raimundo Lúlio (“Ramon Llull”),
2005.
7
ARTIGAS, M., op. cit., p. 341-342.
www.aquinate.net/ciência & fé ISSN 1808-5733
AQUINATE, n°9, (2009), 298-301 301
mas somente as coisas que são por si mesmas [as substâncias]; as que são por
acidente, não tem causa alguma”8
.
8
TOMAS DE AQUINO, S. Suma contra os Gentios III c.86 n.11, Porto Alegre: EDIPUCRS,
1996.

Mais conteúdo relacionado

Destaque (6)

Caos em uma comunidade
Caos em uma comunidadeCaos em uma comunidade
Caos em uma comunidade
 
Resenha Crítica - Aula
Resenha Crítica - AulaResenha Crítica - Aula
Resenha Crítica - Aula
 
O justo e a justica politica
O justo e a justica politicaO justo e a justica politica
O justo e a justica politica
 
Ecossistemologia Biodiversidade 2016
Ecossistemologia Biodiversidade 2016Ecossistemologia Biodiversidade 2016
Ecossistemologia Biodiversidade 2016
 
Design Fernanda de Souza Quintao
Design Fernanda de Souza QuintaoDesign Fernanda de Souza Quintao
Design Fernanda de Souza Quintao
 
Ecossistemologia - Slides usados em aula 04/04/2016
Ecossistemologia - Slides usados em aula 04/04/2016Ecossistemologia - Slides usados em aula 04/04/2016
Ecossistemologia - Slides usados em aula 04/04/2016
 

Semelhante a Causalidade e acaso

A fatalidade na visão espírita
A fatalidade na visão espíritaA fatalidade na visão espírita
A fatalidade na visão espíritaAdilson Gomes
 
Sumulas de historia_web
Sumulas de historia_webSumulas de historia_web
Sumulas de historia_webMalba Santos
 
A relação de causalidade no direito penal
A relação de causalidade no direito penalA relação de causalidade no direito penal
A relação de causalidade no direito penalYara Souto Maior
 
Integração das Lacunas da Lei - Carlos Fred. Filho - Constitucional 1
Integração das Lacunas da Lei  - Carlos Fred. Filho - Constitucional 1Integração das Lacunas da Lei  - Carlos Fred. Filho - Constitucional 1
Integração das Lacunas da Lei - Carlos Fred. Filho - Constitucional 1Nathália Camargo
 
Argumento cosmológico
Argumento cosmológicoArgumento cosmológico
Argumento cosmológicoJoão Pereira
 
KANT, Immanuel. Ideia de uma história universal com um propósito cosmopolita
KANT, Immanuel. Ideia de uma história universal com um propósito cosmopolitaKANT, Immanuel. Ideia de uma história universal com um propósito cosmopolita
KANT, Immanuel. Ideia de uma história universal com um propósito cosmopolitaRomario Moreira
 
Uma teoria da cooperação baseada em Maturana
Uma teoria da cooperação baseada em MaturanaUma teoria da cooperação baseada em Maturana
Uma teoria da cooperação baseada em Maturanaaugustodefranco .
 
A naturalogia e book grátis
A naturalogia   e book grátisA naturalogia   e book grátis
A naturalogia e book grátisJAIRO ALVES
 
A estrutura hilemorfica hilemorfismo
A estrutura hilemorfica   hilemorfismoA estrutura hilemorfica   hilemorfismo
A estrutura hilemorfica hilemorfismoOswaldo Michaelano
 
As limitações do método comparativo, Franz Boas. PDF, livro bom em
As limitações do método comparativo, Franz Boas. PDF, livro bom emAs limitações do método comparativo, Franz Boas. PDF, livro bom em
As limitações do método comparativo, Franz Boas. PDF, livro bom emPedroIarleyLinsdaSil
 
A prisão lógica eBook grátis
A prisão lógica   eBook grátisA prisão lógica   eBook grátis
A prisão lógica eBook grátisJAIRO ALVES
 
Aristóteles, nosso contemporâneo
Aristóteles, nosso contemporâneoAristóteles, nosso contemporâneo
Aristóteles, nosso contemporâneoSESI 422 - Americana
 
MATURANA, Humberto - Uma Teoria da Cooperação Baseada em Maturama
MATURANA, Humberto - Uma Teoria da Cooperação Baseada em MaturamaMATURANA, Humberto - Uma Teoria da Cooperação Baseada em Maturama
MATURANA, Humberto - Uma Teoria da Cooperação Baseada em MaturamaFabio Pedrazzi
 

Semelhante a Causalidade e acaso (20)

A fatalidade na visão espírita
A fatalidade na visão espíritaA fatalidade na visão espírita
A fatalidade na visão espírita
 
Sumulas de historia_web
Sumulas de historia_webSumulas de historia_web
Sumulas de historia_web
 
Texto sobre o ACASO de Salatiel Jose
Texto sobre o ACASO de  Salatiel JoseTexto sobre o ACASO de  Salatiel Jose
Texto sobre o ACASO de Salatiel Jose
 
A relação de causalidade no direito penal
A relação de causalidade no direito penalA relação de causalidade no direito penal
A relação de causalidade no direito penal
 
Integração das Lacunas da Lei - Carlos Fred. Filho - Constitucional 1
Integração das Lacunas da Lei  - Carlos Fred. Filho - Constitucional 1Integração das Lacunas da Lei  - Carlos Fred. Filho - Constitucional 1
Integração das Lacunas da Lei - Carlos Fred. Filho - Constitucional 1
 
Os traços que fundam a lógica
Os traços que fundam a lógicaOs traços que fundam a lógica
Os traços que fundam a lógica
 
Argumento cosmológico
Argumento cosmológicoArgumento cosmológico
Argumento cosmológico
 
KANT, Immanuel. Ideia de uma história universal com um propósito cosmopolita
KANT, Immanuel. Ideia de uma história universal com um propósito cosmopolitaKANT, Immanuel. Ideia de uma história universal com um propósito cosmopolita
KANT, Immanuel. Ideia de uma história universal com um propósito cosmopolita
 
Filosofia
FilosofiaFilosofia
Filosofia
 
Logica
LogicaLogica
Logica
 
Uma teoria da cooperação baseada em Maturana
Uma teoria da cooperação baseada em MaturanaUma teoria da cooperação baseada em Maturana
Uma teoria da cooperação baseada em Maturana
 
A naturalogia e book grátis
A naturalogia   e book grátisA naturalogia   e book grátis
A naturalogia e book grátis
 
A estrutura hilemorfica hilemorfismo
A estrutura hilemorfica   hilemorfismoA estrutura hilemorfica   hilemorfismo
A estrutura hilemorfica hilemorfismo
 
As limitações do método comparativo, Franz Boas. PDF, livro bom em
As limitações do método comparativo, Franz Boas. PDF, livro bom emAs limitações do método comparativo, Franz Boas. PDF, livro bom em
As limitações do método comparativo, Franz Boas. PDF, livro bom em
 
A prisão lógica eBook grátis
A prisão lógica   eBook grátisA prisão lógica   eBook grátis
A prisão lógica eBook grátis
 
O que é ideologia marilena chaui
O que é ideologia  marilena chauiO que é ideologia  marilena chaui
O que é ideologia marilena chaui
 
Aristóteles, nosso contemporâneo
Aristóteles, nosso contemporâneoAristóteles, nosso contemporâneo
Aristóteles, nosso contemporâneo
 
MATURANA, Humberto - Uma Teoria da Cooperação Baseada em Maturama
MATURANA, Humberto - Uma Teoria da Cooperação Baseada em MaturamaMATURANA, Humberto - Uma Teoria da Cooperação Baseada em Maturama
MATURANA, Humberto - Uma Teoria da Cooperação Baseada em Maturama
 
Francis bacon
Francis baconFrancis bacon
Francis bacon
 
Hugo grotius
Hugo grotiusHugo grotius
Hugo grotius
 

Mais de Carlos Alberto Monteiro

Diversidade de Scolitynae (Coleoptera, Curculionidae) em Fragmentos de Flores...
Diversidade de Scolitynae (Coleoptera, Curculionidae) em Fragmentos de Flores...Diversidade de Scolitynae (Coleoptera, Curculionidae) em Fragmentos de Flores...
Diversidade de Scolitynae (Coleoptera, Curculionidae) em Fragmentos de Flores...Carlos Alberto Monteiro
 
Roteiro para elaboração de aplano RPPN
Roteiro para elaboração de aplano RPPNRoteiro para elaboração de aplano RPPN
Roteiro para elaboração de aplano RPPNCarlos Alberto Monteiro
 
Dissertação sobre chuva de sementes na recuperação de áreas
Dissertação sobre chuva de sementes na recuperação de áreasDissertação sobre chuva de sementes na recuperação de áreas
Dissertação sobre chuva de sementes na recuperação de áreasCarlos Alberto Monteiro
 
Flavio Monteiro Santos dissertação restauração
Flavio Monteiro Santos dissertação restauraçãoFlavio Monteiro Santos dissertação restauração
Flavio Monteiro Santos dissertação restauraçãoCarlos Alberto Monteiro
 
Terry Eagleton - Marx e a critica literária
Terry Eagleton -  Marx e a critica literáriaTerry Eagleton -  Marx e a critica literária
Terry Eagleton - Marx e a critica literáriaCarlos Alberto Monteiro
 
Diversidade de fungos associados a Hypothenemus hampei
Diversidade de fungos associados a Hypothenemus hampeiDiversidade de fungos associados a Hypothenemus hampei
Diversidade de fungos associados a Hypothenemus hampeiCarlos Alberto Monteiro
 
O método dialético e suas possibilidades reflexivas
O método dialético e suas possibilidades reflexivasO método dialético e suas possibilidades reflexivas
O método dialético e suas possibilidades reflexivasCarlos Alberto Monteiro
 
First decision nature of the modelling work
First decision nature of  the modelling workFirst decision nature of  the modelling work
First decision nature of the modelling workCarlos Alberto Monteiro
 
Niveis de Seleção: Uma avaliação a partir da teoria do "gene egoísta"
Niveis de Seleção: Uma avaliação a partir da teoria do "gene egoísta" Niveis de Seleção: Uma avaliação a partir da teoria do "gene egoísta"
Niveis de Seleção: Uma avaliação a partir da teoria do "gene egoísta" Carlos Alberto Monteiro
 

Mais de Carlos Alberto Monteiro (20)

Diversidade de Scolitynae (Coleoptera, Curculionidae) em Fragmentos de Flores...
Diversidade de Scolitynae (Coleoptera, Curculionidae) em Fragmentos de Flores...Diversidade de Scolitynae (Coleoptera, Curculionidae) em Fragmentos de Flores...
Diversidade de Scolitynae (Coleoptera, Curculionidae) em Fragmentos de Flores...
 
Revisão ARTIGO APP
Revisão ARTIGO APPRevisão ARTIGO APP
Revisão ARTIGO APP
 
Roteiro para elaboração de aplano RPPN
Roteiro para elaboração de aplano RPPNRoteiro para elaboração de aplano RPPN
Roteiro para elaboração de aplano RPPN
 
Pacto2009 restauração florestal
Pacto2009 restauração florestalPacto2009 restauração florestal
Pacto2009 restauração florestal
 
Dissertação sobre chuva de sementes na recuperação de áreas
Dissertação sobre chuva de sementes na recuperação de áreasDissertação sobre chuva de sementes na recuperação de áreas
Dissertação sobre chuva de sementes na recuperação de áreas
 
Flavio Monteiro Santos dissertação restauração
Flavio Monteiro Santos dissertação restauraçãoFlavio Monteiro Santos dissertação restauração
Flavio Monteiro Santos dissertação restauração
 
Terry Eagleton - Marx e a critica literária
Terry Eagleton -  Marx e a critica literáriaTerry Eagleton -  Marx e a critica literária
Terry Eagleton - Marx e a critica literária
 
Dialogos - Estudos de Revisão
Dialogos - Estudos de RevisãoDialogos - Estudos de Revisão
Dialogos - Estudos de Revisão
 
Terry eagleton cultura
Terry eagleton   culturaTerry eagleton   cultura
Terry eagleton cultura
 
Reforma ortografica
Reforma ortograficaReforma ortografica
Reforma ortografica
 
Teoria sobre enunciado
Teoria sobre enunciadoTeoria sobre enunciado
Teoria sobre enunciado
 
Manual de artigo ciêntífico
Manual de artigo ciêntíficoManual de artigo ciêntífico
Manual de artigo ciêntífico
 
Roteiro para revisão bibliográfica
Roteiro para revisão bibliográficaRoteiro para revisão bibliográfica
Roteiro para revisão bibliográfica
 
Artigos de Revisão - metadados
Artigos de Revisão - metadadosArtigos de Revisão - metadados
Artigos de Revisão - metadados
 
Comunidade arborea floresta estacional
Comunidade arborea floresta estacionalComunidade arborea floresta estacional
Comunidade arborea floresta estacional
 
Diversidade da familia coleoptera
Diversidade da familia coleopteraDiversidade da familia coleoptera
Diversidade da familia coleoptera
 
Diversidade de fungos associados a Hypothenemus hampei
Diversidade de fungos associados a Hypothenemus hampeiDiversidade de fungos associados a Hypothenemus hampei
Diversidade de fungos associados a Hypothenemus hampei
 
O método dialético e suas possibilidades reflexivas
O método dialético e suas possibilidades reflexivasO método dialético e suas possibilidades reflexivas
O método dialético e suas possibilidades reflexivas
 
First decision nature of the modelling work
First decision nature of  the modelling workFirst decision nature of  the modelling work
First decision nature of the modelling work
 
Niveis de Seleção: Uma avaliação a partir da teoria do "gene egoísta"
Niveis de Seleção: Uma avaliação a partir da teoria do "gene egoísta" Niveis de Seleção: Uma avaliação a partir da teoria do "gene egoísta"
Niveis de Seleção: Uma avaliação a partir da teoria do "gene egoísta"
 

Causalidade e acaso

  • 1. www.aquinate.net/ciência & fé ISSN 1808-5733 AQUINATE, n°9, (2009), 298-301 298 Causalidade e acaso na natureza! por Rodolfo Petrônio – Instituto Aquinate e Faculdade de São Bento/RJ. 1. Introdução: Se tomarmos a perspectiva do físico David Bohm sobre causalidade, isto é, da constância ou da estabilidade das relações que se pode obervar nos processos naturais, acrescido do fato de que na natureza tudo provém de algo existente e também dá origem a outras coisas segundo essas relações, então estas são necessárias no sentido de que não poderiam dar-se de outro modo por se constituírem em aspectos essenciais e inerentes ao que as coisas são1 . Ora, essa perspectiva é convergente com a cosmologia tomista acerca da causalidade, na medida em que o fundamento desta última são as leis estruturais inerentes à substância. Por outro lado, a causalidade “é um pressuposto da ciência ou da racionalidade2 ”, por onde não seria possível pensar racionalmente um mundo no qual os processos fossem essencialmente não causais. Por outro lado, Bohm nos chama a atenção para o fato de que não há uma necessidade absoluta que nos conduza à elaboração de leis causais, e o exemplo que nos dá é: se soltarmos qualquer objeto no ar, ele cairá. No entanto, se for uma folha de papel e se “por acaso” estiver soprando uma brisa forte, o papel pode subir em vez de cair. Ou seja, a lei causal propriamente dita é afetada por fatores externos ou ocorrências contingentes, que representam componentes essencialmente independentes do escopo daquilo que está submetido à lei e seu contexto de consideração. São estes fatores contingentes que nos aparecem como acaso3 . Ora, isto significa, portanto, que o acaso não é uma ausência total de fatores causais, mas supõe o concurso de fatores externos ao escopo da lei natural. 2. Causalidade: Fala-se, muitas vezes, da inexistência de causalidade no nível quântico, o que nos conduziria a afirmar que, no domínio subatômico, para o qual estão vigentes as leis da mecânica quântica, nos deparamos em certo sentido com a ausência de relações causa-efeito, por onde estas dar-se-iam de modo caótico, sendo impossível no mais das vezes indicar a presença dos fatores responsáveis pela detecção de determinados efeitos, isto é, suas causas. 1 Cf. BOHM, D. Causality and Chance in Modern Physics. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1957, p. 1-2. 2 CASANOVA, C. Reflexiones metafísicas sobre la ciência natural. Santiago: RIL Editores, 2007, p. 215. 3 Cf. BOHM, D., loc. cit. causalidade
  • 2. www.aquinate.net/ciência & fé ISSN 1808-5733 AQUINATE, n°9, (2009), 298-301 299 Vejamos o que Aristóteles nos diz no Capítulo IV do Livro II da Física, no qual ele trata inicialmente a questão da causalidade “acidental” ou Acaso (segue uma tradução livre do texto de Aristóteles): “Frequentemente reivindicamos o acaso, ou sorte, e o acidentental como causas, dizendo que algo aconteceu como ‘ocorrido por acaso ou por sorte’ ou ‘acidentalmente’. Qual é então o papel do acaso e do acidental entre as causas de que tratamos [material, formal, eficiente e final]? Há alguma distinção entre elas? E, resumindo, o que são? Haja vista que alguns questionam sua existência [do acaso], declarando que nada acontece casualmente, mas que tudo de que assim falamos tem realmente uma causa definida. Por exemplo, se um homem se dirige ao mercado e lá encontra por acaso alguém que ele desejaria encontrar, mas não esperava encontrá-lo ali, a razão de o ter encontrado era que ele queria fazer compras; e assim também em todos os outros casos em que alegamos o acaso como causa, sempre há outra causa a ser encontrada, e nunca é realmente o acaso. E com efeito se poderia insistir que, se realmente houvesse algo como o acaso, isto se apresentaria como um problema genuíno, e se poderia levantar a questão de porque nenhum dos filósofos antigos teria algo a dizer dele [do acaso] quando da discussão sobre as causas relativas à geração e à corrupção, na medida em que aparentemente pensaram que nada ocorre por acaso”4 . No mesmo capítulo do texto da Física, Aristóteles elenca as diversas perspectivas propostas pelos filósofos (Empédocles, Demócrito, Anaxágoras) sobre o acaso, e, no capítulos seguintes (V e VI capítulos do Livro II da Física), empreende o exame da questão, em duas etapas gerais: Primeiramente, no capítulo V, verifica que o homem tem propósitos e que a Natureza possui tendências, o que normalmente determina o curso de uma ação delibrada ou dos processos naturais. No entanto, em ambos os casos tais ações (deliberadas) ou processos (naturais) acidentalmente envolvem resultados inexperados que se situam fora de sua progressão normal na direção do objetivo a que se dirigem, e tais resultados atribuímos ao acaso. Em segundo lugar, ele observa, no capítulo VI, que há uma espécie de desvio nos processos naturais, em que o atingimento da “intenção” normal do processo é de fato impedida por aquele desvio acidental. Ou seja, para Aristóteles, há um propósito tanto nas ações humanas como nos processos naturais, e o acaso é 4 ARISTÓTELES, Física II c.4 195 b 30 – 196 a 10.
  • 3. www.aquinate.net/ciência & fé ISSN 1808-5733 AQUINATE, n°9, (2009), 298-301 300 acidental a estes propósitos, na medida em que produz algo que originalmente poderia ter sido almejado. Assim, há na “causalidade acidental” um antecedente proposital necessário, porquanto da mesma forma que a existência substancial deve sempre subjazer à acidental, que é atributiva ou relacional, a causalidade direta que é intencional (quer humana, quer natural) deve sempre subjazer à causalidade acidental ou acaso5 . 3. Acaso: Um resumo bastante acurado nos é oferecido por Mariano Artigas6 , que expõe com muita propriedade uma perspectiva que faz convergir as considerações de Aristóteles e de Bohm quando afirma que o acaso é o resultado da confluência de cadeias causais independentes, na medida que os agentes naturais têm efeitos que se devem ao seu modo de ser (porque são substâncias) que lhe são próprios, bem como possuem efeitos que lhes são acidentais. Pois bem, neste último caso, frequentemente se dá a coincidência de diferentes causas sem que seja necessária tal coincidência, ou seja, ocorre uma confluência de séries causais independentes (fora do contexto descritivo das leis da natureza), não possuindo tal confluência uma razão pela qual se devesse dar (isto é, sem necessidade), razão esta que obdecesse a alguma lei da natureza por si mesma capaz de ser descrita. Por esta razão, conclui Artigas, “o acaso realmente existe na natureza [...bem como] não é devido unicamente à nossa ignorância, ainda que à vezes possa ser, porque o desconhecimento dos fatores que intervêm pode nos fazer pensar numa coincidência causal que, na realidade, não é assim”7 . Por fim, vale a pena relembrar a composição hilemórfica dos entes, constituídos por dois princípios reais complementares, a forma e a matéria. Se a forma redunda em ações causais necessárias, por sua vez a matéria implica indeterminação, não absoluta, mas relativa. O acaso, portanto, pode ser associado à matéria na medida em que, por sua indeterminação os agentes naturais falham na consecução do fim visado pela natureza, bem como cooperam na produção de outros efeitos indeterminados por outros agentes, e, assim, “nem tudo que de algum modo é tem causa própria [grifo nosso], 5 Este parágrafo está baseado nas considerações que o professor Philip Wicksteed, tradutor para a língua inglesa da edição bilíngüe grego-inglês de que nos temos valido (The Physics, Massachusetts: Harvard University Press, 1957), teceu nas respectivas curtas introduções que fez aos capítulos referidos. 6 ARTIGAS, M. Filosofia da Natureza. São Paulo: Instituto Raimundo Lúlio (“Ramon Llull”), 2005. 7 ARTIGAS, M., op. cit., p. 341-342.
  • 4. www.aquinate.net/ciência & fé ISSN 1808-5733 AQUINATE, n°9, (2009), 298-301 301 mas somente as coisas que são por si mesmas [as substâncias]; as que são por acidente, não tem causa alguma”8 . 8 TOMAS DE AQUINO, S. Suma contra os Gentios III c.86 n.11, Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996.