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Fato&Versões, Uberlândia, v. 3 n. 6, ISSN 1983-1293 17
Tempo e representação: a nova Ordem do Tempo
Mônica Brincalepe Campo*
Resumo
O artigo investiga a noção de “ser histórico” a partir de
uma nova relação estabelecida com o tempo, percebido
como “presentismo”, no dizer de FrançoisHartog. Para
tanto, fizemos um balanço historiográfico teórico de
como tem sido discutido o império do que parece ser
uma nova Ordem do Tempo e estudamos, como objeto,
a crítica cinematográfica argentina, que reconhece
como tema central nas obras ali realizadas a
predominância do cotidiano imediato imerso em ações
banais e sem perspectivas ou diagnósticos causais.A
título de exemplificação,analisamos o filme Rey
Muerto, de Lucrecia Martel, elencado como
representação desta produção cinematográfica.
Palavras-chave: Tempo. História. Cinema.
Representação.
Abstract
This article researches the notion of “being historic”
based on a new relation established with the time,
understood as “presentism”, in François Hartog’s
speech. For this purpose, we did a theoretical
historiographic appraisal of how the imperial of what
it seems to be a new Order of Time has been discussed
and we studied, as object, the Argentinean
cinematographic critics, which recognizes the
prevalence of the immediate quotidian immersed in
trivial actions and without perspectives or causal
diagnoses as the central theme of their production. In
order to exemplify our thesis, we analyze Lucrecia
Martel’s Rey Muerto, chosen as representative of this
production.
Keywords: Time. History. Film. Representation.
O tema central investigado neste artigo está relacionado ao conceito de tempo1
, tão
caro e necessário para a construção do discurso histórico. Pretendemos aqui problematizar
como nos compreendemos ser-no-tempo, isto é, seres históricos. Tal reflexão tem por base o
atual questionamento de que viveríamos em um primado do presente, o que François Hartog
denominaria de Presentismo2
, ou a nova Ordem do Tempo.
Para tanto, este artigo está apoiado em dois pilares principais. O primeirocompõe-se de
uma reflexão teórica que levaria em conta os debates acadêmicos suscitados nos últimos anos
em torno do tema do tempo e da noção de história que estaria se modificando. O outro pilar
busca compreender o debate da crítica argentina e a atual produção cinematográfica
desenvolvida por lá, conhecida como nuevo cine argentino (NCA).
Na Argentina, em 1995, foi criado oINCAA3
(Instituto Nacional de Cine y Artes
Audiovisuales), o qual, pode-se dizer, iniciou uma nova fase na direção da política audiovisual
*
Profa. Dra. do Curso de História – INHIS – da Universidade Federal de Uberlândia. E-mail:
monicacampo10@gmail.com.
1
Este artigo está diretamente relacionado a tese de doutorado defendida por mim, História e Cinema: o tempo
como representação em Lucrecia Martel e Beto Brant, em dezembro de 2010, na Universidade Estadual de
Campinas (UNICAMP), na pós-graduação em História Cultural do IFCH (Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas.
2
HARTOG, François. Tempo e Patrimônio. Revista: VARIA HISTORIA, Belo Horizonte, vol. 22, no 36: p.261-
273, Jul/Dez 2006 (consulta 02/11/2011); “Tempo, História e a Escrita da História: a Ordem do Tempo”. In:
Revista de História 148 (1o - 2003), 09-34, (consulta em 02/11/2011).
3
SILVA, Denise Mota da. Vizinhos Distantes: circulação cinematográfica no Mercosul. São Paulo:
FAPESP/ANNABLUME, 2007, p.75.
Fato&Versões, Uberlândia, v. 3 n. 6, ISSN 1983-1293 18
do país. Desde então, colhem-se os frutos de tal investimento e se amplia o leque de
divulgação do audiovisual. O efeito da grande crise (econômica, social e política) que abalou
a Argentina no início deste séculoacabou se revertendo em termos de ampliação da
divulgaçãode suas obras, sendo seus filmes e cineastas promovidos e acolhidos em festivais
internacionais, além de atendidos em suas demandas de investimento nos produtos que
realizavam.
O desenvolvimento dessa produção está diretamente relacionado à questão do tempo
aqui proposta, pois a origem de tais preocupações e mesmo o desenvolvimento deste trabalho
ocorreu a partir do encontro com a reflexão argentina. A produção cinematográfica argentina,
assim como a crítica desenvolvida em torno desta, suscita uma provocação temática acirrada
em torno do que entendíamos como sendo a base da produção da história e de como esta está
edificada e desenvolvida. O debruçar sobre os primeiros textos de crítica acadêmica argentina
sobre sua produção cinematográfica sugere que, nesta cinematografia, o tempo aparecia
representado das seguintes maneiras: nostálgicoe puro presente ou pensamento4
.
A referência ao tempo nostálgico nos pareceu compreensível, historicamente falando;
afinal, o nostálgico refere-se a uma sensação de idealização sobre o passado, muitas vezes
calcada na frustração do presente e na ausência de perspectiva de futuro. Assim, em termos de
discurso histórico, sua elaboração mantém as referências a passado e futuro, idealizados e
distantes do real, ou ainda, saturados do real, mas percebido historicamente.
Por outro lado, a referência ao tempo do pensamento, ou ainda, ao tempo do puro
presente(momento atual percebido de maneira restritiva)gera confusão e questionamento;
instiga-nos a investigar do que tratam estas novas conceituações: quais seriam as
representações que esta sociedade realiza de si mesma e, mais do que isso, como se percebe e
se reconhece nas obras constituídas com estas representações do tempo. Entendemos5
que
otempo do puro presente (Wolf se refere a estar atado ao tempo do puro presente) ou do
pensamento (portanto, da subjetividade)pressupõe uma ausência, ou ainda, uma restrição à
perspectiva de se pensar historicamente, porque se perdem as noções de perspectiva e
processo ao estar circunscrito ao imediato e ao fluxo contínuo de subjetividades
individualizadas.
O perceber-se parte de um processo constituído de passado para projetar-se em futuro
e ainda, viver no presente carregando as heranças, buscando lidar com estas, mas também
4
WOLF, Sergio. “Aspectos del problema del tiempo en el cine argentino”. In: Gerardo YOEL (org) Pensar el
cine 2: cuerpo(s), temporalidad y nuevas tecnologias .Ed. Buenos Aires: Manantial, 2004.
5
E neste sentido a reflexão é a do historiador encontrando a referência a partir de uma aparente semelhança –
entre historiografia e teorias do cinema – na utilização de recursos conceituais.
Fato&Versões, Uberlândia, v. 3 n. 6, ISSN 1983-1293 19
superá-las, faz com que esta vivência de ser presente seja percebida dentro de uma
perspectiva histórica. Entretanto, na crítica argentina, se dizia que as representações
cinematográficas realizadas estavam atadas ao tempo do puro presente, sem a relação com os
demais tempos; portanto, sem se perceberemem um processo maior que sua própria, solitária
e individualizada sobrevivência ou sem se preocuparem em estar relacionados a ela.
Nestas representações deixa de existir passado, como também não há perspectiva de
futuro. Não há relações causais, nem teleológicas, como também, não há processo a elaborar
a história em sua narratividade: está-se atado e restrito ao tempo da crônica cotidiana, ao
eterno presente – é a presentificação do olhar restrito e cercado do cotidiano, do banal, sem
arroubos explicativos, mas sobretudo, sem a pretensão destes arroubos explicativos. A
interpretação que os críticos fazem sobre este tipo de representação na cinematografia
argentina contemporânea crê que a produção realizada está imersa no momento de sua
realização e em sua reflexão. Em comum, há o fato de que este diagnóstico, ao contrário do
que podemos supor, não é negativizado por estes críticos. Eles acolhem esta produção e este
discurso como embebido de entusiasmado momento de inovação da cinematografia realizada.
O cotidiano é narrado em sua mediocridade da sobrevivência diária, por vezes com
fatos ocorrendo em simultaneidade entre os personagens. Os críticos o percebem na estrutura
narrativa como elaborados a partir da ideia de tempos justapostos (que não ocorrem em
flashback6
). Não há o domínio dos personagens sobre os acontecimentos, como também não
há possíveis saídas ou soluções para os conflitos, como ocorria na cinematografia produzida
até os anos 1980.
As hipóteses indicadas pelos críticos argentinos para explicar estas representações em
tempo do puro presente apontam a crise provocada pela onda neo-liberal: a ausência de
perspectiva de futuro, a ruptura e desfiliação em relação ao passado devido ao trauma pós-
regime militar e auma democracia frustrante. Estas hipóteses perpassavam tanto questões
conjunturais e estruturais internas, próprias da sociedade argentina, quanto o chamado efeito
da globalização a partir do Consenso de Washington. Entretanto, estas explicações sempre
nos pareceram limitadas,como se fossem simples demais para tamanha ruptura com a própria
concepção de ser-no-tempo, de ser histórico.
6
A função do flashback no cinema clássico tem sido a de justificar, por uma relação causal, a situação presente
narrada (seja do personagem, seja do tema abordado). Assim, seria uma relação anacrônica em termos de pensar
o discurso histórico realizado, pois parte do conhecimento dado no presente à busca das razões históricas
existentes no passado. O diagnóstico presente presidiria um olhar já maculado para o passado (poderíamos
pensar, por exemplo, nas razões do atual poderio norte-americano tendo por base o pacto estabelecido no
Mayflower, ou ainda, a corrupção da corte portuguesa em sua fuga para o Brasil e as raízes de nossa corrupção
institucional atual).
Fato&Versões, Uberlândia, v. 3 n. 6, ISSN 1983-1293 20
Elaboramos então a questão; como será possível existir história se as representações
estão atadas ao tempo do puro presente? O risco que notamos ao analisar essas afirmações
contidas na crítica argentina era que, tomando estas definições a partir do olhar do historiador,
as representações realizadas na cinematografia argentina poderiam ser interpretadas como
sendo de um temposem historicidade. A tese central que defendemos no doutorado é que as
representações são concepções históricas, e caso suas narrativas estejam atadas no tempo do
puro presente, isto não significa que estas não contenham a percepção de ser-no-tempo. Ou
seja, mesmo elaborando narrativas fílmicas cujas representações estejam cronologicamente
ligadas às ações dos personagens em seu cotidiano imediato, isto não significa que não seja
possível perceber nestas obras a relação que a própria obra estabelece com a nossa
constituição como ser histórico. Portanto, para nós, as representações cinematográficas
comportam percepções sobre as maneiras como a atual sociedade se vê e se faz entender no
mundo. Se, em primeira instância, as interpretações realizadas sobre as obras
cinematográficas selecionadas as perceberam como sendo constituídas de discursos a-
históricos, ao nos debruçarmos sobre os filmes, construímos a proposição de que eles
possuem de fato historicidade. Assim, mesmo com o aparente discurso do tempo do puro
presente, ou ainda, de um olhar cronístico da intimidade, estas produções seriam permeadas
de referências de sentidos de historicidade.
Além disso, se tal percepção foi destacada nesta cinematografia e percebida pela
crítica cinematográfica, cabe ressaltar que não é somente em seus produtos audiovisuais e em
sua atual produção cultural que tal temática tem sido discutida. A questão do ser diante da
história, a sensação de estar vivenciando um eterno presente cotidiano, emaranhado na
ausência de passado ou de perspectiva de futuro, tem sido diagnosticada por diversos
intelectuais, ressaltando que tal incidência é especialmente sentida em uma sociedade em que
a individualização7
cresce, isolando e particularizando indivíduos em suas vidas ordinárias e
massificadas.
7
“Esse ideal de ego do indivíduo, esse desejo de se destacar dos outros, de se suster nos próprios pés e de buscar
a realização de uma batalha pessoal em suas próprias qualidades, aptidões, propriedades ou realizações, por certo
é um componente fundamental da pessoa individualmente considerada. Trata-se de algo sem o qual ela perderia,
a seus próprios olhos, sua identidade de indivíduo. Mas não é, simplesmente, parte de sua natureza. É algo que se
desenvolveu nela através da aprendizagem social. (...) só emergiu na história, (...) gradativamente. (...)
juntamente com a formação de nações industrializadas e urbanizadas, a princípio em grupos e classes
relativamente pequenos. (...) esse ideal faz parte de uma estrutura de personalidade que só se forma com
situações humanas específicas, (...) É algo sumamente pessoal, mas, ao mesmo tempo, específico de cada
sociedade. A pessoa não escolhe livremente esse ideal dentre diversos outros como o único que a atrai
pessoalmente. Ele é ideal individual socialmente exigido e inculcado na grande maioria das sociedades altamente
diferenciadas. Evidentemente, é possível fazer-lhe oposição, mesmo nessas sociedades. Existem recessos em que
o indivíduo pode furtar-se à necessidade de decidir por si e de se realizar destacando-se dos outros. Mas, em
Fato&Versões, Uberlândia, v. 3 n. 6, ISSN 1983-1293 21
O que nos parece extraordinário neste diagnóstico desferido pelos críticos
cinematográficos argentinos está na positividade que eles atribuem a obras que, no nosso
entender, se seu conceito de tempo for de fato somente referente ao imediato, representariam
a ausência de historicidade. Num movimento contrário, outros intelectuais que afirmam este
diagnóstico o fazem a partir de um olhar negativo para esta perspectiva de esvaziamento do
ser diante da história8
.
A História Cultural e o Tempo
Roger Chartier9
publicou uma obra de reflexãosobre a produção historiográfica
realizada no campo da História Cultural nos últimos trinta anos na qual o tempo é uma das
questões centrais. Esse pequeno livro de ensaio historiográfico tem como título: A história ou
a leitura do tempo. No capítulo conclusivo, “Os tempos da história”,Chartier propõe que o
primeiro substantivo seja pensado no plural, pois ele parte da noção de tempo tripartido
proposto por Fernand Braudel, e o analisa a partir de três possibilidades construídas para
compreender o que, na base, estava proposto nesse autor: Paul Ricouer, Michel Foucault e
Pierre Bourdier.
De Paul Ricouer,há referência a Tempo e Narrativa10
. O filósofo discute, a partir das
noções de história e narrativa, o lugar do acontecimento e como este fica enredado em meio à
sua escrita; destaca que o fato, tal qual elaborado nos conceitos de tempo propostos por
Fernand Braudel (longo, médio e curto), estariam sempre ligados ao ato presente e subjetivo
do historiador11
, trabalhados na articulação de sua escrita – assim, este sempre deve levar em
consideração a subjetividade de sua atuação nesta produção. De Michel Foucault12
, Chartier
geral, para as pessoas criadas nessas sociedades, essa forma de ideal de ego e o alto grau de individualização a
ela correspondente são parte integrante de seu ser, uma parte de que não podem livrar-se, quer a aprovem ou
não.”. ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994, p 118.
8
Podemos indicar aqui, a título de exemplificação, os trabalhos desenvolvidos por FredricJameson sobre a
alienação, que estaria presidindo o viver em sociedade na pós-modernidade porque o indivíduo se apartaria de
suas responsabilidades e compromissos em nome do hedonismo e da vivência prazerosa do desejo individual.
Sem responsabilidades e sem compromissos, estaríamos seguindo o desenvolvimento máximo estimulado neste
neo-liberalismo de dias atuais. Consultar: F. JAMESON. Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo
tardio. São Paulo, Ática, 1996. ___________. Espaço e imagem: teorias do pós-moderno e outros ensaios. Rio
de Janeiro, Ed. UFRJ, 2006.
9
CHARTIER, Roger. A história ou a leitura do tempo. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009.
10
RICOUER, Paul. Temps et récits. Paris: Editions du Seuil, 2000.
11
Sobre a repercussão das propostas de Paul Ricouer e sua relação entre narrativa e tempo na produção do
discurso histórico, além da leitura de obras do próprio, recomendo os livros de: REIS, José Carlos. História e
Teoria: Historicismo, Modernidade, Temporalidade e Verdade. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006; DOSSE,
François. A História. Bauru, SP: EDUSC, 2003.
12
FOUCAULT, Michel. A Arqueologia do Saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.
Fato&Versões, Uberlândia, v. 3 n. 6, ISSN 1983-1293 22
lembra que os acontecimentos devem ser percebidos como relação de forças13
: deste modo, a
marca no tempo estaria firmada com a ruptura, a crise, o fato que leva à supressão de um
estado e o estabelecimento de novas atitudes. A partir de tal percepção, Chartier tem como
preocupação ressaltar que as forças em correlação não estão a cumprir papeis ou destinos pré-
determinados (não se trata de uma leitura teleológica), mas ocorrendo como situações
aleatórias e descontínuas, nas quais atuam em novas fundamentações. Já de Pierre Bourdier14
,
o autor ressalta como a percepção do tempo é “uma das propriedades sociais mais
desigualmente distribuídas”, pois há o poder dos dominantes que podem dispô-lo a seu bel-
prazer e a“impotência dos desfavorecidos”, aqueles que se encontram submetidos:15
De modo que as diversas temporalidades não devem ser consideradas como
envoltórios objetivos dos fatos sociais; são o produto de construções sociais que
asseguram o poder de uns (sobre o presente ou o futuro, sobre si próprios ou sobre
os demais) e levam os outros à desesperança. Atualmente, a arquitetura
braudeliana das durações embutidas (longa duração, conjuntura, acontecimento)
sem dúvida merece ser repensada. O fato é que a leitura das diferentes
temporalidades que fazem que o presente seja o que é, herança e ruptura, invenção
e inércia ao mesmo tempo, continua sendo a tarefa singular dos historiadores e sua
responsabilidade principal para com seus contemporâneos.
Evidentemente que, se nos referimos a tempo presente16
ao longo de toda esta
explanação, as reflexões que percorrem a academia em relação à atuação dos historiadores
nesta área (que era considerada de ação principalmente do campo da sociologia e do
jornalismo) também entram em discussão, desde a diferenciação que se faz entre o campo da
história – com a afirmação do conceito de tempo presente –e o campo do jornalismo– com a
afirmação detempo imediato– estabelecendo aí uma diferenciação nos princípios de atuação e
entre os saberes e práticas de historiadores e jornalistas.
A história do tempo presente é aquela que se dá na duraçãoexistente entre o passado e
o futuro, não pensada como continuidade, mas, conforme articulada em Hannah Arendt17
,
como possibilidade, abertura necessária para explorar a reflexão que inquietam os humanos.
Já a atuação do jornalista estaria em influir no registro imediato do acontecimento, ainda
durante sua ocorrência, percebendo-o como fato a ser documentado e a ser (ou não)
investigado posteriormente com maior profundidade. Este tempo presente pode ainda ser
13
Aqui se destacam as marcas do pensamento de Nietzsche na análise feita por Foucault a partir da crítica que o
primeiro desenvolveu à noção de origem, para edificar, deste processo, a idéia da “transformação das relações de
dominação” (CHARTIER, 2009, p. 67).
14
BOURDIER, Pierre. Meditações Pascalianas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.
15
CHARTIER. Op cit, 2009, p 68
16
TÉTARD, Philippe. Questões para a história do presente. São Paulo: EDUSC, 1999.
17
ARENDT, Hannah. Entre o Passado e o Futuro. São Paulo: Perspectiva, 2007.
Fato&Versões, Uberlândia, v. 3 n. 6, ISSN 1983-1293 23
qualificado e observado a partir da conceituação de Paul Ricoeur como sendo tempo
inacabado18
.
Sobre tal assunto, referimo-nos às propostas de Michel de Certeau19
:
2- Existe uma historicidade da história. Ela implica no movimento que liga uma
prática interpretativa a uma prática social; 3- A história oscila, então, entre dois
pólos. Por um lado, remete a uma prática, logo, a uma realidade, por outro, é um
discurso fechado, o texto que organiza e encerra um modo de inteligibilidade; 4-
Sem dúvida a história é o nosso mito. Ela combina o ‘pensável’ e a origem, de
acordo com o modo através do qual uma sociedade se compreende.
As reflexões da História Cultural que estabelecem discussões sobre as narrativas
(marcadas por seus estilos) constituem como foco de suas preocupações as representações.
Elas nos ajudam na percepção do conceito de tempo através de como este se estabelece nas
obras analisadas. Por meio destas reflexões, conseguimos demonstrar as relações que podem
participar para compor um olhar sobre o ser no mundo.Acreditamos que os produtos
cinematográficos podem ser observados como representações, nas quais uma confluência de
fatores comporta percepções sobre as maneiras como esta atual sociedade se vê e se faz
entender no mundo20
.
Michel de Certeau21
e Roger Chartier22
são aqueles que tomamos como parâmetros
para pensar e discutir, mas, principalmente, elencar possíveis compreensões nessa história que
praticamos.De Michel de Certeau lembramos que há os lugares de produção, onde,
retomando nossa análise da cinematografia argentina, os discursos referentes ao cinema
produzido após as leis de incentivo instituídas desde os anos 1990 são elaborados; assim,
18
RICOEUR, Paul. Op cit, 2000.
19
CERTEAU, Michel de. A Escrita da História. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982, p. 33. Tais
propostas estão intimamente ligadas às reflexões que o autor realizava sobre o fazer histórico em meio às críticas
à história cultural ao avanço das leituras estruturalistas e à virada linguística. Barthes e Foucault eram as
referências primeiras neste situar do que seria o lugar da produção do fazer histórico. Aqui, o historiador
demarcava seu campo e suas intencionalidades na reflexão que elaborava.
20
“A consciência é o lugar no qual os fluxos do tempo convergem para se tornarem elementos de delimitação da
própria experiência. O tempo é percebido sempre a partir das categorias específicas da consciência conforme a
sua relação mais forte com o exterior ou com o interior (para-si e para-outro). Daí a imprecisão objetiva do
tempo precisamente objetivo. A consciência não segue o fluxo do tempo, mas reconstrói a cada instante sua
própria percepção do tempo objetivo, subjetivado, apropriado pela consciência como o tempo do ser. Os dados
imediatos dos sentidos apontam um tempo externo à consciência, que, uma vez conhecido, é confrontado com o
conjunto de experiências do ser no tempo, ao que denomino tempo interno – os dados imediatos do pensamento.
A conjunção é o fluxo de tempo percebido pela consciência.” Luís Mauro Sá MARTINO. Estética da
Comunicação: Da consciência comunicativa ao ‘eu’ digital. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007, (pg 47).
21
Michel de CERTEAU. Opcit, 1982.
22
Roger CHARTIER. A História Cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel; Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 1988.
Fato&Versões, Uberlândia, v. 3 n. 6, ISSN 1983-1293 24
esses são lugares históricos e não corpus flutuantes sem referências23
. Situar as atuais
produções e percebê-las embrenhadas em situações e debates podem ajudar a compreender
suas especificidades. As obras não podem ser analisadas como reflexos de uma realidade,
como se fossem espelhos dela, mas como parte dessa própria realidade que deve ser entendida
historicamente. Os filmes participam de uma dimensão social que se percebe política, na qual
possuem seu lugar. Assim, as obras cinematográficas realizadas são, para nós, a construção da
Representação efetivada,com base nasPráticas constituídas e Apropriadas, de que fala Roger
Chartier:
A história cultural tal como a entendemos, tem por principal objecto identificar o
modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é
construída, pensada, dada a ler. (...)
As representações do mundo social assim construídas, embora aspirem à
universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre determinadas
pelos interesses de grupo que as forjam. Daí, para cada caso, o necessário
relacionamento dos discursos proferidos com a posição de quem os utiliza.
As percepções do social não são de forma alguma discursos neutros: produzem
estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) que tendem a impor uma
autoridade à custa de outros, por elas menosprezados, a legitimar um projecto
reformador ou a justificar, para os próprios indivíduos, as suas escolhas e
condutas. Por isso esta investigação sobre as representações supõe-nas como
estando sempre colocadas num campo de concorrências e de competições cujos
desafios se enunciam em termos de poder e de dominação. (...)
(...) Desta forma, pode pensar-se uma história cultural do social que tome por
objecto a compreensão das formas e dos motivos – ou, por outras palavras, das
representações do mundo social – que, à revelia dos actores sociais, traduzem as
suas posições e interesses objectivamente confrontados e que, paralelamente,
descrevem a sociedade tal como pensam que ela é, ou como gostariam que fosse.24
François Hartog e o Regime de Historicidade
O historiador François Hartog tem desenvolvido e divulgado nesta primeira década do
século XXI suas reflexões a respeito do que perceberia como sendo uma mudança no Regime
de Historicidade e propõe que este teria ocorrido, principalmente, a partir dos eventos do final
da década de 1980 e início de 1990, mais precisamente, com a crise produzida a partir da
queda do muro de Berlim em 1989.
Na França, o livro Régimes d’historicité: présentisme et expériencesdutemps25
foi
publicado em 2003 e rende os frutos de diversas palestras e conferências. No Brasil, este
23
Michel de CERTEAU. Op. cit. p 32.
24
CHARTIER, Roger. Op. cit, 1988, p. 16-9
25
HARTOG, F. Régimes d’historicité: présentisme et expériencesdutemps.EditionsduSeuil, col. La
LibrairieduXXIe. Siècle, France, 2003.
Fato&Versões, Uberlândia, v. 3 n. 6, ISSN 1983-1293 25
trabalho, não traduzido ainda, é divulgado por meio dos artigos acadêmicos.No ano de 2010,
fechando o encontro nacional de historiadores ocorrido no mês de julho, em São Paulo, o
professor esteve presente e fez a conferência de encerramento reafirmando suas análises sobre
o referido tema.
Quando Hartog indica a mudança que ocorre em 1989, ele está distante de corroborar
com a tese proposta na época por Fukuyamasobre o “Fim da História”, com a vitória da
democracia liberal, mas sim interessado em perceber que uma fase de compreensão e de
produção de história poderia ser percebida como encerrada. A essa fase, e em sintonia com R.
Koselleck, Hartog percebe o período que vai da Revolução Francesa, de 1789,à queda do
muro de Berlim, em 1989, compreendida como a da modernidade em termos de concepção da
história. Neste período, teríamos vivido em função de um primado do futuro. Assim, a história
seria elaborada e produzida tendo como objetivo a indicação de futuro, portanto, a ela seria
inerente outros conceitos, como os de evolução e de progresso. Essa história teria sido
marcada pela presença de história política a indicar o desenvolvimento das nações.
No que respeita à historiografia, a expressão moderno regime significa um período
em que o ponto de vista do futuro domina. A palavra-chave é Progresso, História é
entendida como processo e Tempo como se direcionando a um fim (progressão). O
fim deste regime moderno significaria que não é mais possível escrever história do
ponto de vista do futuro e que o passado mesmo, não apenas o futuro, se torna
imprevisível ou mesmo opaco. Deve ser reaberto.(…) 26
A reflexão que Hartogelabora ao repensar o edifício da história se baseia em Walter
Benjamin e em sua proposta de vazio; a sustentação teórica e conceitual desta nova percepção
em que o futuro deixa de deter o primado da reflexão ésubstituída pela percepção de crise
vivenciada. A queda do muro de Berlim e, para além disso, a crise da URSS e do modelo
socialista quebraram a própria ideia ocidental projetada em futuro. Daí, e na subsequente crise
das ciências sociais nos últimos vinte anos, a história deixa de ser uma projeção para o futuro,
deixa de ter no passado o lugar seguro onde ancorar estas ideias, e passa a vivenciar a
insegurança do presente que não sabe para onde vamos, mas principalmente, deixa de ter
certeza sobre o passado que foi vivenciado, por isso esse passa a ser relativo e aberto a novas
possibilidades interpretativas. Hartog, para comprovar esta proposta de presentismo, faz um
balanço historiográfico desde a Mesopotânia até chegar aos nossos dias atuais. Recorta
modelos exemplares de produção da história, destaca obra e autores, demonstra como,em
26
HARTOG, F. Revista de História USP, p 11
Fato&Versões, Uberlândia, v. 3 n. 6, ISSN 1983-1293 26
diversos e distintos momentos de elaboração histórica, outras ordens foram vivenciadas, para
chegar a atual sensação de presentismo, ou o que ele denomina de nova Ordem do Tempo.
Tendo em vista esta reflexão de Hartog, seguimos construindo agora uma ponte que
uniria virtualmente as preocupações do professor às nossas próprias ao encontrarmos com a
produção cinematográfica argentina e com a crítica produzida em torno desta. Estaria nesta
produção uma comprovação material desta nova Ordem de Tempo e, nestas representações, o
novo olhar que a sociedade faz sobre si mesma?
A presentificação do tempo: História e Crônica
Iara Lis Schiavinatto27
, analisando a minissérie A Invenção do Brasil, produzida pela
Rede Globo por conta da efeméride dos 500 anos do Descobrimento, diz:
François Hartog e Koselleck indicaram a noção presentista do tempo
contemporâneo. Ela se distancia das formas anteriores de percepção do passado.
Quanto ao modo de diferenciá-lo, privilegiar a ruptura e a tentativa de ultrapassá-
lo com vistas às apostas no futuro e as esperanças aí depositadas – tal qual nas
vanguardas ou na Revolução Francesa. Agora o presente rege os valores da
existência humana – com suas configurações próprias – que privilegia o imediato,
o tempo real, o on-line, enquanto condição que apreende o tempo e o vivencia. Há
uma expansão da categoria do presente, que angula o vivido. Nessa medida,
emerge a distância face ao passado e os modos de apreendê-lo. Daí, a necessidade
premente de recuperar este abismo entre tais temporalidades e uma consciência de
que o passado não nos pertence e é externo a nós. O passado nos é estrangeiro,
merecendo, por decorrência, um hiperinvestimento da memória, tornada um dever
irrefutável. A partir dos anos 70, expande-se os lugares de memória, há uma
renovação de centros históricos, uma proliferação de centros culturais. Todos sob
o signo do patrimônio. Essas experiências imbricam-se reciprocamente,
delineando nossa compreensão de tempo.28
François Hartog e ReinhardtKoselleck29
identificaram nas sociedades atuais esta
propensão ao tempo presentificado. A análise de Schiavinatto tem por base a premissa de que,
na produção midiática, principalmente, se constrói este locus de organização em que o
presente se debruça sobre o passado. A produção midiática seguiria elaborando didaticamente
a apropriação dos signos que elucidariam o presente, constituindo e possibilitando a apreensão
do que ficou para trás, marcada sempre por esta noção clara de que o presente é quem o
27
SCHIAVINATTO, Iara L.. “Entre a hostilidade e a convivência: em torno da Invenção do Brasil – 2000”. In
CAPELARI, Márcia R. (et alli).Figurações do outro na história. Uberlândia: EDUFU, 2009.
28
SCHIAVINATTO. Opcit, 2009, p. 335-6.
29
HARTOG, François. “Tempo e história: Como escrever a história da França hoje?”. In História Social,
Campinas, n.3, p. 127 – 154, 1996; KOSELLECK, Reinhardt. Lefutur passe. Contribuition à lasemántique dês
tempshistoriques. Paris: Editions de l’ÉcoledêsHautesÉtudes en ScienxesSociales, 1990. Apud
SCHIAVINATTO, op. cit.
Fato&Versões, Uberlândia, v. 3 n. 6, ISSN 1983-1293 27
problematiza e predomina, sendo o passado o lugar da memória a ser resgatada. No caso do
artigo analisado, a minissérie da Rede Globo participaria ativamente desta produção de
sentidos que a obra midiática efetua na construção e problematização do discurso histórico. A
obra se apoderaria do passado através desta presentificação:este é tratado como apartado de
nós, daí o lugar de memória construído em resgate para referência do presente.
Pierre Sorlin30
propõe uma interpretação sobre as narrativas televisivas e em como
estas intervêm na idéia de história, dividindo-as em dois campos narrativos: a história e a
crônica. A idéia de Sorlin é que a televisão, que passou a participar ativamente de nosso
cotidiano (diferentemente do cinema), acabou por romper o discurso narrativo histórico
forjado desde o século XIX ao impor a necessidade do imediato31
, o que teria como
consequência a ruptura que se estabeleceu na noção do processo que constrói todo o edifício
de argumentos sobre os quais a narrativa histórica está assentada. Neste sentido, afirma
Sorlin, o cinema não produziu o mesmo impacto, pois não interveio no espaço privado como a
televisão o faz.
O fato, o acontecimento, na narrativa histórica, está articulado à ideia de processo,
pois permanece a percepção do que estaria no antes e no depois: passado em relação ao
presente, projetando perspectivas de futuro. As narrativas televisivas, imbuídas do imediato,
do estarem diante do real, redefiniram as noções de produção da história, fazendo com que,
hoje, a crônica supere o estilo da ideia de processo (constituinte do discurso histórico),
presentificando a narrativa, retirando-a de sua relação de tema construído ao longo do tempo,
já que, em relação a este, a crônica corresponde, sobretudo, ao imediato.
A análise de Sorlinsobre o poder desta estrutura narrativa para compreender a
percepção do que se considera ser história baseia-se na leitura que realizou de Hayden White.
A partir deste autor, ele compreendeu que a narrativa histórica está embrenhada na articulação
de estilo retórico, e que, portanto, a mesma deve ser considerada se pensarmos os sentidos de
seus argumentos temáticos utilizados para se produzirem significados. A hipótese de Sorlin é
que atualmente a crônica, com a avalanche do presente disponível na televisão, educou os
sentidos e a percepção do conceber histórico. Não apenas isso, ela igualmente interveio com a
crescente demanda por fatos/acontecimentos sem a necessidade do estabelecimento da noção
30
SORLIN, Pierre. “Televisão: outra inteligência do passado”. In NÓVOA, Jorge, FRESSATO , Soleni B. e
FEIGEILSON, Kristian (org.). Cinematógrafo: um olhar sobre a História. Salvador: UDUFBA/ São Paulo: Ed.
da UNESP, 2009, pp. 41-60.
31
Sorlin exemplifica esta afirmação com a cobertura jornalística realizada durante uma guerra: o fato ocorrendo
diante do espectador e do próprio produtor da notícia sem que o mesmo se tenha finalizado, ou seja, durante sua
execução não há o conhecimento sobre seu desfecho como também não há como realizar uma análise sobre o
processo de desenvolvimento do mesmo. Ele ocorre diante de nossos olhos.
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de processo. A televisão produziu, em sua permanente presença no espaço privado ao longo
de décadas, a crônica como sentido retórico predominante.
Para Sorlin, não está sendo marcada a superioridade de uma forma narrativa frente à
outra, mas a possibilidade de perceber a coexistência e ainda a ascensão de novas demandas e
comportamentos, percebidos aqui como processo histórico nesta sociedade. Neste sentido,
alerta recordando de que forma as próprias estruturas retóricas que reconhecemos hoje como
História foram forjadas no XIX. Elas atendiam a perspectivas e necessidades daquele mesmo
momento, assim como as crônicas sempre ocuparam (com maior ou menor importância)
espaço na produção em tempos anteriores:
Não há nenhuma razão para fazer distinções entre história e crônica, a depender
da maneira como são realizadas, as duas abordagens são igualmente interessantes
ou enfadonhas. Elas dividem ainda o traço comum de serem utopias. A história se
empenha em descobrir um ponto de vista que dá sentido aos acontecimentos, mas o
ângulo de ataque não para de mudar, o esclarecimento que damos às coisas hoje,
em função das preocupações do momento, será dificilmente compreensível amanhã
quando outros cuidados serão prioritários. A crônica se atém aos fatos, sem ver o
meio de controlar o que deixa um vestígio nas memórias daquilo que, não menos
essencial, desaparece assim que é vista. Estas inconsequências quase não contam
posto que a meta permanece idêntica: ajudar os humanos a não perder a noção do
tempo que se esvai. Crônica e história coexistem desde muito tempo, mas as suas
influências respectivas variam. A história foi uma das grandes aventuras da era
industrial, ela acompanhou os progressos científicos e técnicos depois da época
das ‘luzes’. Se a crônica assume atualmente a frente é, em parte, por causa do
declínio dos ‘grandes relatos’. Mas é bem mais porque a televisão, se insinuando
por toda a parte e a todo momento, faz da atualidade uma crônica permanente a
qual ninguém escapa, nem mesmo aqueles que não tem televisor. A crônica coloca
os fatos no presente e apresentam-nos num enfoque idêntico: ela é perfeitamente
televisual.32
A hipótese de Sorlin sobre a atualidade do estilo narrativo da crônicae a reflexão
realizada por Schiavinatto sobre o comando do presente para ativar o olhar interpretativo
sobre o passado que “nos é estrangeiro” (referência a David Lowenthal) voltam-se para a
maneira como o passado tem sido abordado nas produções realizadas para a televisão, e como
é percebido na mídia televisiva. A televisão e seus produtos ocupariam, em nossos dias, o
espaço de construção e divulgação de saberes instigadores de curiosidade sobre este outro
lugar “estrangeiro”, e atenderia, ao mesmo tempo, à crescente demanda de curiosidade de seu
público, criada e alimentada pelo próprio veículo comunicativo.
Entretanto, as produções fílmicas argentinas a que nos atemos não pretendem falar
sobre o passado, mas permanecem neste tempo presente. São filmes em cuja ação o
32
SORLIN. Op. cit, p 58.
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desenrolar sempre ocorre simultaneamente ao tempo da narração; não constroem, portanto,
representações sobre o passado.Este não é o lugar de memória, como referido na pesquisa de
Schiavinatto, nem é o espaço para o qual se volta o olhar curioso em descortinar o cotidiano
existente antes, o da crônica do dia-a-dia a que se refere Sorlin33
. As produções
cinematográficas indicadas pelos críticos argentinos como sendo atadas ao tempo do puro
presente, tempo do pensamento e tempo justaposto são aquelas que se voltam ao momento
atual, sem buscar lugares de memória, sem projetarem futuro, restringem-se à crônica do
atual cotidiano limitado, permeado e ensimesmado de tempos, tal qual o que encontramos nas
obras de Lucrecia Martel e outros cineastas.
Esta noção de tempo imediato a que os historiadores se referem é também percebida
nas representações dos produtos televisivos, como diz Marcos Napolitano:
Para o historiador que se preocupa com a representação do passado na televisão e
com a produção da memória social a partir desse meio, é preciso pensar a
televisão como uma nova experiência social do tempo histórico, na medida em
que ‘a TV faz coincidir o verdadeiro, o imaginário e o real no ponto indivisível do
presente’. A TV favorece e amplifica a experiência do tempo, mas não a
consciência do tempo. Nela, a ‘atualidade’, a exigência sensorial de uma co-ação
(agir junto) ganha maior dimensão, mas essa mesma ‘atualidade’ é constantemente
desvalorizada pelo ritmo alucinante da sucessão das transmissões televisuais,
volatizando a experiência histórica.
Portanto, além de ‘testemunho’ de um determinado momento histórico, a televisão
interfere na concepção de tempo histórico e nas formas de fixação da memória
social sobre os eventos passados e presentes. Esse aspecto de ordem teórica é
fundamental para o historiador, pois, no limite, ele estará presente no próprio
material audiovisual analisado.34
Acreditamos que as atuais produções cinematográficas estão carregadas desta
representação do imediato que foi forjada na “nova experiência social do tempo histórico” a
que se refere Napolitano.
Assim, no encontro que ocorre entre estas reflexões indicadas acima, percebemos que
as obras cinematográficas e as críticas a ela referentes poderiam significar representações a
comprovar os estudos que indicam atualmente o primado do presente ao se elaborar o
33
Neste sentido, Sorlin se refere às produções que atualmente versam sobre a vida cotidiana em outros tempos.
Produções televisivas, seriados, que hoje ocupam a grade de programação em emissores, e que tem por tema
compreender qual era a rotina e quais os hábitos de outros tempos. O autor afirma que tais preocupações não se
apresentavam aos historiadores preocupados com os grandes temas, mas que ao serem realizadas estas obras de
caráter naturalista, acabaram por suscitar curiosidade e interesse para novas pesquisas e novos campos de
exploração temática.
34
NAPOLITANO, Marcos. “A História depois do papel”in PINSKY, Carla Bassanezi. Fontes Históricas. São
Paulo: ed. Contexto, 2006, p.252.
Fato&Versões, Uberlândia, v. 3 n. 6, ISSN 1983-1293 30
discurso da história, mas que, entretanto, a partir destes, não significaria o fim da história, mas
o estabelecimento de uma nova ordem do tempo (como afirmaria F. Hartog).
Para exemplificar esta afirmação, vamos apresentar agora a análise de um filme de
Lucrecia Martel em que esta presentificação da história poderia ser percebida como
representação a ser indicada como fruto desta nova Ordem do Tempo.
Produção de curtas pelo INCAA em 1995:Rey Muerto, de Lucrecia Martel
Uma das primeiras realizações do INCAA foi a coletânea de produções de uma série
de curtas-metragens realizados por diversos jovens cineastas. Dentre estas produções,
encontramos o filme de Lucrécia Martel: Rey Muerto. O filme flerta com o gênero faroeste e
traz uma família na trama principal: a mulher, seus filhos e o violento homem de quem ela
pretende se separar.O curta-metragem tem a duração de cerca de 12 minutos.
Na primeira cena, vê-se um aparelho de televisão, ligado, transmitindo o que nos
parece ser a novela infantil Carrocel (que foi sucesso também aqui no Brasil em sua
retransmissão pelo SBT). Este aparelho está em um bar/cabaré (sic),voltado para nós,
espectadores do filme, mas não parece ser assistido por ninguém. Há música alta tocando e,
quando se abre um pouco o quadro, vemos três homens, um em destaque, comendo e
bebendo. Eles estão ao lado do aparelho, mas não o olham. A primeira impressão é de que
tudo e todos neste ambiente são extremamente grosseiros e parecem ser violentos. Este
homem em destaque é o antagonista de nossa heroína e seus filhos, caracterizado de forma
repugnante.
Composto em sequências de montagem em paralelo, entre as ações deste homem e da
mulher e seus filhos, vamos aos poucos recebendo a caracterização dos personagens, mas sem
que o tempo diegético seja determinado. Parece que tudo ocorre em tempo presente, o que
seria impossível. A montagem é rápida e as sequências são didáticas, para desenvolver no
espectador a percepção do entorno seco, estagnado e violento por onde passam estes
personagens. Enquanto a mulher (acompanhada das crianças) caminha pela cidade, o homem
é apresentado em vários outros ambientes, mas sempre destacando sua vulgar violência (no
bar, em um atropelamento, caçando aves em um rio, segurando um galo de briga).
Depois do bar/cabaré, vemos estes mesmos homens em uma estrada onde acabou de
ocorrer um acidente (provocado pela picape azul em que estavam) em que um ciclista foi
atropelado. O ciclista está no chão, ferido e contorcido; o homem desce da picape e o chuta
várias vezes, violentamente e com raiva; os outros o assistem sem nada fazer. Este atropelador
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é o antagonista. Este será o tom geral do filme: tensão e explosão, a violência sempre presente
na paisagem desértica, em tons vermelhos de terra batida e empobrecida de seu entorno.
A estrada leva a uma pequena cidade em que se espalham por uma rua principal casas
pobres e estabelecimentos comerciais precários. A característica principal da opção de
fotografia e construção da linguagem deste filme é que em nenhum momento a diretora usou
tomadas gerais e campos abertos para situar o espectador, ou ainda, qualquer movimentação
da câmera para acompanhar os personagens. Sempre assistimos aos acontecimentos através de
frestas, recortes oblíquos (em plongé e contra-plongé). As tomadas formam enquadramentos
precisos que recortam os personagens em meio ao ambiente em que se encontram. Denomina-
se este tipo de preocupação como sendo o de Cinema de Plano, em que se “trabalha mais os
caracteres do plano, como o enquadramento e a ‘composição’”35
. Os personagens parecem
que estão sempre sendo observados a pouca distância e sem que seja possível se distanciar
para melhor definir o seu entorno, o que provoca uma sensação dúbia de conhecer o que se
passa mas, ao mesmo tempo, nunca se ter noção completa do que os circundam. Interpretamos
que esta opção de filmagem produz a percepção de que é possível observar, mas nunca ter o
controle sobre tudo o que se passa, pois isto, assim como o enquadramento fechado,é restrito.
A música em ritmo percussivo, de estilo regional, pontua o andamento do filme,
acirrando a tensão que este constrói. A edição passa a apresentar a mulher e seus filhos. Eles
caminham por uma rua carregando um bujão de gás e algumas sacolas, além de levarem um
cachorro. Seguem sendo observados pelos demais habitantes, que muitas vezes comentam
entre si o que está acontecendo. Em uma mercearia param e vendem suas coisas. É pouco o
dinheiro que recebem, mas é o que o comerciante se dispõe a dar junto à recomendação de
que partam rapidamente.
Àbeira da estrada, um carro vermelho para próximo à mulher e às crianças. Ela entrega
dinheiro em troca de um pacote, mas quando ela o vai abrir, uma arma cai. O menino a pega e
observa que está sem bala. O carro partiu sem que pudessem falar ou fazer algo. Vemos um
ônibus se aproximar, a família está a beira da estrada e o espera, ansiosos. A caminho, o
homem vem na caçamba da picape azul, em pé. Observávamos em montagem paralela sua
corrida em direção à mulher e às crianças. Quando chega, gritando, ele não permite que
entrem no ônibus e ordena que este parta. A mulher aponta o revolver para ele, envolta pelas
crianças que a cercam escondendo-se atrás dela com medo. O homem parte para cima dela,
agredindo-a, quando ouvimos um estampido. Ele, assim como todos, caem. Ela se ergue
35
AUMONT, Jacques. Dicionário teórico e critico de cinema. Campinas, SP: Papirus, 2003.
Fato&Versões, Uberlândia, v. 3 n. 6, ISSN 1983-1293 32
enquanto ele grita permanecendo de joelhos e cobrindo o rosto com as mãos repletas de
sangue; ele foi ferido. A mulher, as crianças e o cachorro partem. Seguem pela estrada
enquanto o homem permanece de joelhos, berrando, sujo de sangue, a cobrir o rosto. Ainda o
ouviremos (ele ficará fora do quadro) gritando e clamando, mas logo o som é encoberto pela
música e a conversa da mãe com a menina. Sobre uma ponte vemos escrito em uma placa:
Rey Muerto. Eles seguem a pé enquanto a menina comenta alguma coisa com a mãe, mas a
compreensão desta fala é muito difícil para entendermos; sabemos que se refere ao ferimento
e à possibilidade de morte do homem, e as respostas da mãe dizem: não sei. Nenhum deles se
importa com o que venha a acontecer ao homem.
Considerando essa descrição, qual concepção de história estaria esta produção
elaborando, distribuindo e divulgando?
A canção forte, pontuadapor todo o filme, é parte importante para a construção de sua
diegése. Ela acentua o clima tenso e o fecho violento, além de trazer um tom regionalista e
rural, que joga o ambiente para uma província ou fronteira, onde a barbárie ainda predomina.
A escolha de enquadramentos oblíquos (em plongé e contra-plongé), a montagem em
paralelo (dos protagonistas e do antagonista) em cortes secos, as cenas sempre contando o
mínimo necessário para a compreensão do quadro geral (sem que hajam tempos mortos),
produzem o efeito de síntese dos acontecimentos e marcam um tom diferenciado desta
narrativa, assim como uma proposta de linguagem instigante, pois pressiona os tratos
narrativos convencionais. A opção do cinema de plano, em que os personagens passam diante
da tela, mas esta permanece estática e sem acompanhá-los, suscita a interpretação de que não
é possível se obter o todo; somente partes são resgatadas para a composição da memória
destes personagens.
A escolha do gênero faroeste como modelo (e lembramos do filme Matar ou Morrer,
de Fred Zinnemann, com Gary Cooper) surpreende e faz com que várias referências deste
gênero sejam retomadas em meio ao desenvolvimento da história. Entretanto, no filme de
Lucrecia Martel, não há o transcorrer tradicional do gênero. A protagonista é uma mulher com
seus filhos pequenos, que são alçados à categoria de heróis, ou seja, em oposição às narrativas
tradicionais deste gênero, nas quais aqueles sempre são as figuras fracas e marginais da
história, e que necessitam da ajuda de outros. Aqui, chegam sem ajuda de nenhum herói ao
fim de sua jornada, contrariando todas as probabilidades; eles se tornam os protagonistas de
sua própria história.
Poderia se crer, a partir desta questão, que a proposta do filme possibilitasse a
interpretação de que a partida destes personagens e sua vitória final produzisse uma
Fato&Versões, Uberlândia, v. 3 n. 6, ISSN 1983-1293 33
transformação, e talvez, poderíamos confirmar tal interpretação com a metáfora da família
andando pelaa estrada. Entretanto, devemos nos lembrar de que as escolhas para o
enquadramento das tomadas de cena não encaminham a esta acepção teleológica de futuro,
pois não mostram a estrada em perspectiva, mas somente enquadra a ponte em plongè
enquanto a família a atravessa, até que eles saiam de quadro. A câmera permanece fixa neste
enquadramento, assim como em todos os demais realizados ao longo do filme. A câmera não
passeia, não acompanha os personagens, mas os enquadra fixamente e os deixa passar diante
de suas lentes. O efeito desta opção de linguagem na composição da narrativa quebra a
interpretação teleológica que tradicionalmente a estrada possui em finais de filmes. Não é esta
a opção de escrita da história que Martel nos presenteia, não se assiste a rupturas
transformadoras e portadoras de esperanças futuras, mas os fatos imediatos e sem
desdobramentos, sem serem elaborados como deflagradores de consequências
futuras.Enquanto espectadores passivos e pouco curiosos, assistimos ao acontecimento no
momento exato da articulação do fato, mas este fecha e nós permaneceremos, sem
acompanhar e sem saber se esta ação resultou em qualquer coisa que seja.
Aliás, se formos questionar a noção de Tempo nesta produção, perceberemos que a
temporalidade em que se passa o filme é deveras instigante, pois não é possível de ser
definida. Não há referências ao passado, presente ou futuro, mas a um tempo estagnado,
parado no puro presente, no imediato das ações. Mesmo as cenas em que supomos
temporalidades passadas: o atropelamento, a caçada, ou ainda, umflashback ocorrido em meio
ao filme, são referentes ao tempo imediato, menos justificadores causais do imediato, mas
também elaborados como atemporais. Não possuímos histórico do passado destes
personagens e nem da localidade em que se situam. Também não nos é dada nenhuma
indicação de qual será o seu futuro. Os personagens passaram diante da lente e se foram, o
quadro permanece onde sempre esteve, imóvel.
O gênero faroeste como base escolhida poderia remeter a outra perspectiva de
percepção histórica, aquela que se assenta na ideia de mito. O mito da fronteira, espaço ainda
não civilizado e que necessita ser superado, o “oeste” bárbaro, permite o surgimento de heróis
que, em sua predominância, são representados por homens, como o personagem de Gary
Cooper em Matar ou Morrer. Se o personagem de Gary Cooper parte recompensado pela
fidelidade da amada e sabendo para onde ir, e ainda, o que faria depois, a heroína de Martel
não sabe o que fazer, segue sem destino, sem conhecimento, sem futuro; somente com a
superação de um entrave vivido no presente, afirma à filha: “Não sei”.
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Os personagens deste filme não possuem nomes.São eles a mulher, o homem, a
menina, o menino mais velho, o menino mais novo e o cachorro. Até lembram os personagens
de Vidas Secas, pessoas comuns destacadas nesta trama, mas que permanecerão no anonimato
de suas vidas ordinárias. Se alimentam da caixa de ilusões românticas diariamente
transmitidas pelas televisões, seja no espaço público como também no doméstico. Seria então
a televisão com suas novelas a transmissora de ficções/mentirosas e o filme de
ficções/verdadeiras? Seria aqui retomada a discussão que contrapõe as narrativas míticas e as
históricas como sendo opositoras, pois uma comporta o espaço da ficção enquanto a outra
traria como objetivo declarado a busca da verdade?
A primeira cena do filme, em que está em primeiro plano um aparelho de televisão
transmitindo uma novela, pode ser a chave para superar este caminho simplista de
interpretação, pois a partir desta primeira tomada é que irá se compor todo o filme em planos
fixos de observação dos personagens. A escolha de Martel pelo enquadramento fixo lembra a
cena da televisão no bar. Em tela, o contraste do movimento dos personagens em relação à
permanência fixa do aparelho, ajudam a compor a opção de linguagem que será utilizada no
filme. Acreditamos que este enquadramento fixo ressaltaria a ideia de parcialidade em que se
constituemas narrativas, de que a história é composta de recortes e análises para constituir
interpretações, que sempre serão restritas e parciais. Longe de opor mito à história, ambos
podem ser pensados como portadores de constituição de verdades restritas, assim como as
almejarem o real. Compreendemos que Martel, ao optar pelo enquadramento fixo, construiu o
sentido do discurso histórico a partir da ideia de que ele também é parcial, não abarca todas as
possibilidades e se constitui a partir da composição organizada em sintonia para estabelecer
uma análise interpretativa que objetiva o real.
Outro ponto a destacar é que, ao se restringir as ações em um tempo presente,
ostensivamente imediato, também não se constrói a ideia de passado. O povoado e seus
habitantes parecem sempre terem sido desta mesma maneira, não há um passado. Assim, não
há uma relação de causalidade histórica, fruto de uma narrativa da história em que se pensa de
forma perspectiva, em que se analisa o passado pensando em encontrar neste os traços que
justificariam e encaminhariam a compreensão lógica do presente, com suas possibilidades de
desenvolvimento para o futuro. A não existência de causalidade nesta trama também rompe
com uma linha moderna de narrativas históricas, a que se referem Koselleck e Hartog.
O rei está morto, mas não se coroou nenhum substituto, como também não foi
substituído o regime.Não somos informados e nem nos é dada nenhuma indicação de
possibilidades futuras. O quadro é restrito e fixo, a heroína e seus filhos partiram, o quadro em
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que os vemos seguindo permaneceu fixo e sem mostrar perspectiva futura. Nesta história aqui
escrita, não há certezas, causalidades, progresso, evolução, ou ainda, noção de tempo além
daquele vivido no imediato. Então, o que há? Vidas que vem e que vão, frutos da sorte, ou,
talvez, do azar, que produzem ações ou que, ainda, são pegas em meio a acontecimentos.
Estes personagens não controlam seus destinos, arriscam-se no livre-arbítriode quem não
segue o oráculo determinado, mas como o enquadramento restrito sugere, não possuem
perspectiva projetada; o entorno é muito mais amplo do que é possível metodologicamente e
racionalmente determinar, mas é campo a se lançar. Esta representação acaba por nos indicar
a nova Ordem do Tempo, em que o presente impera, e a partir da qual não se pode indicar
quais serão os desdobramentos futuros, e muito menos, restringir ao que ficou como sendo o
passado. O vazio da crise e a resposta a esta sensação de impotência, sem respostas, é o
vivenciado atualmente.
Reafirmando o que propusemos no início deste artigo, acreditamos que as
representações elaboradas nesta nova cinematografia argentina, assim como o debate da
crítica produzida a partir destas obras, estão de fato regidas em um regime de historicidade.
Este regime, entretanto, é novo, como afirma Hartog,e está permeado por uma nova relação
com o tempo, não mais pensado e projetado para o futuro, o progresso, o desenvolvimento, e,
por isso, vazio, onde aparentemente nada ocorre e no qual estamos imersos. A sensação de
imersão em um tempo vazio pode ser resultado, em parte, da educação dos sentidos, tais como
diagnosticado por Pierre Sorlin, o qual defende que a informação televisivaem nosso imediato
cotidiano nutriu nossos sentidosnas últimas décadas. Podemos complementar tal afirmação
lembrando que o advento da internet e da comunicação portátil contribuiu de maneira
significativa para a sensação do imediato. A impaciência do tempo de evolução é
cotidianamente sentida, desde a tensão com a página do site que demora para carregar até a
mensagem “necessariamente” recebida e lida no celular iluminado dentro da sala escura do
cinema. No mundo da comunicação de massa, com a entrada em cena de vasta população
consumidora, o tempo parece esvair-se por entre os dedos como um punhado de areia que se
deixa cair, e a história, nesse movimento, busca encontrar meios e mecanismos por se fazer
reconhecer – daí os “lugares de memória”, a necessidade de efemérides comemorativas e toda
a atenção que atualmente dispomos para a produção simbólica da memória histórica.
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  • 1. Fato&Versões, Uberlândia, v. 3 n. 6, ISSN 1983-1293 17 Tempo e representação: a nova Ordem do Tempo Mônica Brincalepe Campo* Resumo O artigo investiga a noção de “ser histórico” a partir de uma nova relação estabelecida com o tempo, percebido como “presentismo”, no dizer de FrançoisHartog. Para tanto, fizemos um balanço historiográfico teórico de como tem sido discutido o império do que parece ser uma nova Ordem do Tempo e estudamos, como objeto, a crítica cinematográfica argentina, que reconhece como tema central nas obras ali realizadas a predominância do cotidiano imediato imerso em ações banais e sem perspectivas ou diagnósticos causais.A título de exemplificação,analisamos o filme Rey Muerto, de Lucrecia Martel, elencado como representação desta produção cinematográfica. Palavras-chave: Tempo. História. Cinema. Representação. Abstract This article researches the notion of “being historic” based on a new relation established with the time, understood as “presentism”, in François Hartog’s speech. For this purpose, we did a theoretical historiographic appraisal of how the imperial of what it seems to be a new Order of Time has been discussed and we studied, as object, the Argentinean cinematographic critics, which recognizes the prevalence of the immediate quotidian immersed in trivial actions and without perspectives or causal diagnoses as the central theme of their production. In order to exemplify our thesis, we analyze Lucrecia Martel’s Rey Muerto, chosen as representative of this production. Keywords: Time. History. Film. Representation. O tema central investigado neste artigo está relacionado ao conceito de tempo1 , tão caro e necessário para a construção do discurso histórico. Pretendemos aqui problematizar como nos compreendemos ser-no-tempo, isto é, seres históricos. Tal reflexão tem por base o atual questionamento de que viveríamos em um primado do presente, o que François Hartog denominaria de Presentismo2 , ou a nova Ordem do Tempo. Para tanto, este artigo está apoiado em dois pilares principais. O primeirocompõe-se de uma reflexão teórica que levaria em conta os debates acadêmicos suscitados nos últimos anos em torno do tema do tempo e da noção de história que estaria se modificando. O outro pilar busca compreender o debate da crítica argentina e a atual produção cinematográfica desenvolvida por lá, conhecida como nuevo cine argentino (NCA). Na Argentina, em 1995, foi criado oINCAA3 (Instituto Nacional de Cine y Artes Audiovisuales), o qual, pode-se dizer, iniciou uma nova fase na direção da política audiovisual * Profa. Dra. do Curso de História – INHIS – da Universidade Federal de Uberlândia. E-mail: monicacampo10@gmail.com. 1 Este artigo está diretamente relacionado a tese de doutorado defendida por mim, História e Cinema: o tempo como representação em Lucrecia Martel e Beto Brant, em dezembro de 2010, na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), na pós-graduação em História Cultural do IFCH (Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. 2 HARTOG, François. Tempo e Patrimônio. Revista: VARIA HISTORIA, Belo Horizonte, vol. 22, no 36: p.261- 273, Jul/Dez 2006 (consulta 02/11/2011); “Tempo, História e a Escrita da História: a Ordem do Tempo”. In: Revista de História 148 (1o - 2003), 09-34, (consulta em 02/11/2011). 3 SILVA, Denise Mota da. Vizinhos Distantes: circulação cinematográfica no Mercosul. São Paulo: FAPESP/ANNABLUME, 2007, p.75.
  • 2. Fato&Versões, Uberlândia, v. 3 n. 6, ISSN 1983-1293 18 do país. Desde então, colhem-se os frutos de tal investimento e se amplia o leque de divulgação do audiovisual. O efeito da grande crise (econômica, social e política) que abalou a Argentina no início deste séculoacabou se revertendo em termos de ampliação da divulgaçãode suas obras, sendo seus filmes e cineastas promovidos e acolhidos em festivais internacionais, além de atendidos em suas demandas de investimento nos produtos que realizavam. O desenvolvimento dessa produção está diretamente relacionado à questão do tempo aqui proposta, pois a origem de tais preocupações e mesmo o desenvolvimento deste trabalho ocorreu a partir do encontro com a reflexão argentina. A produção cinematográfica argentina, assim como a crítica desenvolvida em torno desta, suscita uma provocação temática acirrada em torno do que entendíamos como sendo a base da produção da história e de como esta está edificada e desenvolvida. O debruçar sobre os primeiros textos de crítica acadêmica argentina sobre sua produção cinematográfica sugere que, nesta cinematografia, o tempo aparecia representado das seguintes maneiras: nostálgicoe puro presente ou pensamento4 . A referência ao tempo nostálgico nos pareceu compreensível, historicamente falando; afinal, o nostálgico refere-se a uma sensação de idealização sobre o passado, muitas vezes calcada na frustração do presente e na ausência de perspectiva de futuro. Assim, em termos de discurso histórico, sua elaboração mantém as referências a passado e futuro, idealizados e distantes do real, ou ainda, saturados do real, mas percebido historicamente. Por outro lado, a referência ao tempo do pensamento, ou ainda, ao tempo do puro presente(momento atual percebido de maneira restritiva)gera confusão e questionamento; instiga-nos a investigar do que tratam estas novas conceituações: quais seriam as representações que esta sociedade realiza de si mesma e, mais do que isso, como se percebe e se reconhece nas obras constituídas com estas representações do tempo. Entendemos5 que otempo do puro presente (Wolf se refere a estar atado ao tempo do puro presente) ou do pensamento (portanto, da subjetividade)pressupõe uma ausência, ou ainda, uma restrição à perspectiva de se pensar historicamente, porque se perdem as noções de perspectiva e processo ao estar circunscrito ao imediato e ao fluxo contínuo de subjetividades individualizadas. O perceber-se parte de um processo constituído de passado para projetar-se em futuro e ainda, viver no presente carregando as heranças, buscando lidar com estas, mas também 4 WOLF, Sergio. “Aspectos del problema del tiempo en el cine argentino”. In: Gerardo YOEL (org) Pensar el cine 2: cuerpo(s), temporalidad y nuevas tecnologias .Ed. Buenos Aires: Manantial, 2004. 5 E neste sentido a reflexão é a do historiador encontrando a referência a partir de uma aparente semelhança – entre historiografia e teorias do cinema – na utilização de recursos conceituais.
  • 3. Fato&Versões, Uberlândia, v. 3 n. 6, ISSN 1983-1293 19 superá-las, faz com que esta vivência de ser presente seja percebida dentro de uma perspectiva histórica. Entretanto, na crítica argentina, se dizia que as representações cinematográficas realizadas estavam atadas ao tempo do puro presente, sem a relação com os demais tempos; portanto, sem se perceberemem um processo maior que sua própria, solitária e individualizada sobrevivência ou sem se preocuparem em estar relacionados a ela. Nestas representações deixa de existir passado, como também não há perspectiva de futuro. Não há relações causais, nem teleológicas, como também, não há processo a elaborar a história em sua narratividade: está-se atado e restrito ao tempo da crônica cotidiana, ao eterno presente – é a presentificação do olhar restrito e cercado do cotidiano, do banal, sem arroubos explicativos, mas sobretudo, sem a pretensão destes arroubos explicativos. A interpretação que os críticos fazem sobre este tipo de representação na cinematografia argentina contemporânea crê que a produção realizada está imersa no momento de sua realização e em sua reflexão. Em comum, há o fato de que este diagnóstico, ao contrário do que podemos supor, não é negativizado por estes críticos. Eles acolhem esta produção e este discurso como embebido de entusiasmado momento de inovação da cinematografia realizada. O cotidiano é narrado em sua mediocridade da sobrevivência diária, por vezes com fatos ocorrendo em simultaneidade entre os personagens. Os críticos o percebem na estrutura narrativa como elaborados a partir da ideia de tempos justapostos (que não ocorrem em flashback6 ). Não há o domínio dos personagens sobre os acontecimentos, como também não há possíveis saídas ou soluções para os conflitos, como ocorria na cinematografia produzida até os anos 1980. As hipóteses indicadas pelos críticos argentinos para explicar estas representações em tempo do puro presente apontam a crise provocada pela onda neo-liberal: a ausência de perspectiva de futuro, a ruptura e desfiliação em relação ao passado devido ao trauma pós- regime militar e auma democracia frustrante. Estas hipóteses perpassavam tanto questões conjunturais e estruturais internas, próprias da sociedade argentina, quanto o chamado efeito da globalização a partir do Consenso de Washington. Entretanto, estas explicações sempre nos pareceram limitadas,como se fossem simples demais para tamanha ruptura com a própria concepção de ser-no-tempo, de ser histórico. 6 A função do flashback no cinema clássico tem sido a de justificar, por uma relação causal, a situação presente narrada (seja do personagem, seja do tema abordado). Assim, seria uma relação anacrônica em termos de pensar o discurso histórico realizado, pois parte do conhecimento dado no presente à busca das razões históricas existentes no passado. O diagnóstico presente presidiria um olhar já maculado para o passado (poderíamos pensar, por exemplo, nas razões do atual poderio norte-americano tendo por base o pacto estabelecido no Mayflower, ou ainda, a corrupção da corte portuguesa em sua fuga para o Brasil e as raízes de nossa corrupção institucional atual).
  • 4. Fato&Versões, Uberlândia, v. 3 n. 6, ISSN 1983-1293 20 Elaboramos então a questão; como será possível existir história se as representações estão atadas ao tempo do puro presente? O risco que notamos ao analisar essas afirmações contidas na crítica argentina era que, tomando estas definições a partir do olhar do historiador, as representações realizadas na cinematografia argentina poderiam ser interpretadas como sendo de um temposem historicidade. A tese central que defendemos no doutorado é que as representações são concepções históricas, e caso suas narrativas estejam atadas no tempo do puro presente, isto não significa que estas não contenham a percepção de ser-no-tempo. Ou seja, mesmo elaborando narrativas fílmicas cujas representações estejam cronologicamente ligadas às ações dos personagens em seu cotidiano imediato, isto não significa que não seja possível perceber nestas obras a relação que a própria obra estabelece com a nossa constituição como ser histórico. Portanto, para nós, as representações cinematográficas comportam percepções sobre as maneiras como a atual sociedade se vê e se faz entender no mundo. Se, em primeira instância, as interpretações realizadas sobre as obras cinematográficas selecionadas as perceberam como sendo constituídas de discursos a- históricos, ao nos debruçarmos sobre os filmes, construímos a proposição de que eles possuem de fato historicidade. Assim, mesmo com o aparente discurso do tempo do puro presente, ou ainda, de um olhar cronístico da intimidade, estas produções seriam permeadas de referências de sentidos de historicidade. Além disso, se tal percepção foi destacada nesta cinematografia e percebida pela crítica cinematográfica, cabe ressaltar que não é somente em seus produtos audiovisuais e em sua atual produção cultural que tal temática tem sido discutida. A questão do ser diante da história, a sensação de estar vivenciando um eterno presente cotidiano, emaranhado na ausência de passado ou de perspectiva de futuro, tem sido diagnosticada por diversos intelectuais, ressaltando que tal incidência é especialmente sentida em uma sociedade em que a individualização7 cresce, isolando e particularizando indivíduos em suas vidas ordinárias e massificadas. 7 “Esse ideal de ego do indivíduo, esse desejo de se destacar dos outros, de se suster nos próprios pés e de buscar a realização de uma batalha pessoal em suas próprias qualidades, aptidões, propriedades ou realizações, por certo é um componente fundamental da pessoa individualmente considerada. Trata-se de algo sem o qual ela perderia, a seus próprios olhos, sua identidade de indivíduo. Mas não é, simplesmente, parte de sua natureza. É algo que se desenvolveu nela através da aprendizagem social. (...) só emergiu na história, (...) gradativamente. (...) juntamente com a formação de nações industrializadas e urbanizadas, a princípio em grupos e classes relativamente pequenos. (...) esse ideal faz parte de uma estrutura de personalidade que só se forma com situações humanas específicas, (...) É algo sumamente pessoal, mas, ao mesmo tempo, específico de cada sociedade. A pessoa não escolhe livremente esse ideal dentre diversos outros como o único que a atrai pessoalmente. Ele é ideal individual socialmente exigido e inculcado na grande maioria das sociedades altamente diferenciadas. Evidentemente, é possível fazer-lhe oposição, mesmo nessas sociedades. Existem recessos em que o indivíduo pode furtar-se à necessidade de decidir por si e de se realizar destacando-se dos outros. Mas, em
  • 5. Fato&Versões, Uberlândia, v. 3 n. 6, ISSN 1983-1293 21 O que nos parece extraordinário neste diagnóstico desferido pelos críticos cinematográficos argentinos está na positividade que eles atribuem a obras que, no nosso entender, se seu conceito de tempo for de fato somente referente ao imediato, representariam a ausência de historicidade. Num movimento contrário, outros intelectuais que afirmam este diagnóstico o fazem a partir de um olhar negativo para esta perspectiva de esvaziamento do ser diante da história8 . A História Cultural e o Tempo Roger Chartier9 publicou uma obra de reflexãosobre a produção historiográfica realizada no campo da História Cultural nos últimos trinta anos na qual o tempo é uma das questões centrais. Esse pequeno livro de ensaio historiográfico tem como título: A história ou a leitura do tempo. No capítulo conclusivo, “Os tempos da história”,Chartier propõe que o primeiro substantivo seja pensado no plural, pois ele parte da noção de tempo tripartido proposto por Fernand Braudel, e o analisa a partir de três possibilidades construídas para compreender o que, na base, estava proposto nesse autor: Paul Ricouer, Michel Foucault e Pierre Bourdier. De Paul Ricouer,há referência a Tempo e Narrativa10 . O filósofo discute, a partir das noções de história e narrativa, o lugar do acontecimento e como este fica enredado em meio à sua escrita; destaca que o fato, tal qual elaborado nos conceitos de tempo propostos por Fernand Braudel (longo, médio e curto), estariam sempre ligados ao ato presente e subjetivo do historiador11 , trabalhados na articulação de sua escrita – assim, este sempre deve levar em consideração a subjetividade de sua atuação nesta produção. De Michel Foucault12 , Chartier geral, para as pessoas criadas nessas sociedades, essa forma de ideal de ego e o alto grau de individualização a ela correspondente são parte integrante de seu ser, uma parte de que não podem livrar-se, quer a aprovem ou não.”. ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994, p 118. 8 Podemos indicar aqui, a título de exemplificação, os trabalhos desenvolvidos por FredricJameson sobre a alienação, que estaria presidindo o viver em sociedade na pós-modernidade porque o indivíduo se apartaria de suas responsabilidades e compromissos em nome do hedonismo e da vivência prazerosa do desejo individual. Sem responsabilidades e sem compromissos, estaríamos seguindo o desenvolvimento máximo estimulado neste neo-liberalismo de dias atuais. Consultar: F. JAMESON. Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo, Ática, 1996. ___________. Espaço e imagem: teorias do pós-moderno e outros ensaios. Rio de Janeiro, Ed. UFRJ, 2006. 9 CHARTIER, Roger. A história ou a leitura do tempo. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009. 10 RICOUER, Paul. Temps et récits. Paris: Editions du Seuil, 2000. 11 Sobre a repercussão das propostas de Paul Ricouer e sua relação entre narrativa e tempo na produção do discurso histórico, além da leitura de obras do próprio, recomendo os livros de: REIS, José Carlos. História e Teoria: Historicismo, Modernidade, Temporalidade e Verdade. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006; DOSSE, François. A História. Bauru, SP: EDUSC, 2003. 12 FOUCAULT, Michel. A Arqueologia do Saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.
  • 6. Fato&Versões, Uberlândia, v. 3 n. 6, ISSN 1983-1293 22 lembra que os acontecimentos devem ser percebidos como relação de forças13 : deste modo, a marca no tempo estaria firmada com a ruptura, a crise, o fato que leva à supressão de um estado e o estabelecimento de novas atitudes. A partir de tal percepção, Chartier tem como preocupação ressaltar que as forças em correlação não estão a cumprir papeis ou destinos pré- determinados (não se trata de uma leitura teleológica), mas ocorrendo como situações aleatórias e descontínuas, nas quais atuam em novas fundamentações. Já de Pierre Bourdier14 , o autor ressalta como a percepção do tempo é “uma das propriedades sociais mais desigualmente distribuídas”, pois há o poder dos dominantes que podem dispô-lo a seu bel- prazer e a“impotência dos desfavorecidos”, aqueles que se encontram submetidos:15 De modo que as diversas temporalidades não devem ser consideradas como envoltórios objetivos dos fatos sociais; são o produto de construções sociais que asseguram o poder de uns (sobre o presente ou o futuro, sobre si próprios ou sobre os demais) e levam os outros à desesperança. Atualmente, a arquitetura braudeliana das durações embutidas (longa duração, conjuntura, acontecimento) sem dúvida merece ser repensada. O fato é que a leitura das diferentes temporalidades que fazem que o presente seja o que é, herança e ruptura, invenção e inércia ao mesmo tempo, continua sendo a tarefa singular dos historiadores e sua responsabilidade principal para com seus contemporâneos. Evidentemente que, se nos referimos a tempo presente16 ao longo de toda esta explanação, as reflexões que percorrem a academia em relação à atuação dos historiadores nesta área (que era considerada de ação principalmente do campo da sociologia e do jornalismo) também entram em discussão, desde a diferenciação que se faz entre o campo da história – com a afirmação do conceito de tempo presente –e o campo do jornalismo– com a afirmação detempo imediato– estabelecendo aí uma diferenciação nos princípios de atuação e entre os saberes e práticas de historiadores e jornalistas. A história do tempo presente é aquela que se dá na duraçãoexistente entre o passado e o futuro, não pensada como continuidade, mas, conforme articulada em Hannah Arendt17 , como possibilidade, abertura necessária para explorar a reflexão que inquietam os humanos. Já a atuação do jornalista estaria em influir no registro imediato do acontecimento, ainda durante sua ocorrência, percebendo-o como fato a ser documentado e a ser (ou não) investigado posteriormente com maior profundidade. Este tempo presente pode ainda ser 13 Aqui se destacam as marcas do pensamento de Nietzsche na análise feita por Foucault a partir da crítica que o primeiro desenvolveu à noção de origem, para edificar, deste processo, a idéia da “transformação das relações de dominação” (CHARTIER, 2009, p. 67). 14 BOURDIER, Pierre. Meditações Pascalianas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. 15 CHARTIER. Op cit, 2009, p 68 16 TÉTARD, Philippe. Questões para a história do presente. São Paulo: EDUSC, 1999. 17 ARENDT, Hannah. Entre o Passado e o Futuro. São Paulo: Perspectiva, 2007.
  • 7. Fato&Versões, Uberlândia, v. 3 n. 6, ISSN 1983-1293 23 qualificado e observado a partir da conceituação de Paul Ricoeur como sendo tempo inacabado18 . Sobre tal assunto, referimo-nos às propostas de Michel de Certeau19 : 2- Existe uma historicidade da história. Ela implica no movimento que liga uma prática interpretativa a uma prática social; 3- A história oscila, então, entre dois pólos. Por um lado, remete a uma prática, logo, a uma realidade, por outro, é um discurso fechado, o texto que organiza e encerra um modo de inteligibilidade; 4- Sem dúvida a história é o nosso mito. Ela combina o ‘pensável’ e a origem, de acordo com o modo através do qual uma sociedade se compreende. As reflexões da História Cultural que estabelecem discussões sobre as narrativas (marcadas por seus estilos) constituem como foco de suas preocupações as representações. Elas nos ajudam na percepção do conceito de tempo através de como este se estabelece nas obras analisadas. Por meio destas reflexões, conseguimos demonstrar as relações que podem participar para compor um olhar sobre o ser no mundo.Acreditamos que os produtos cinematográficos podem ser observados como representações, nas quais uma confluência de fatores comporta percepções sobre as maneiras como esta atual sociedade se vê e se faz entender no mundo20 . Michel de Certeau21 e Roger Chartier22 são aqueles que tomamos como parâmetros para pensar e discutir, mas, principalmente, elencar possíveis compreensões nessa história que praticamos.De Michel de Certeau lembramos que há os lugares de produção, onde, retomando nossa análise da cinematografia argentina, os discursos referentes ao cinema produzido após as leis de incentivo instituídas desde os anos 1990 são elaborados; assim, 18 RICOEUR, Paul. Op cit, 2000. 19 CERTEAU, Michel de. A Escrita da História. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982, p. 33. Tais propostas estão intimamente ligadas às reflexões que o autor realizava sobre o fazer histórico em meio às críticas à história cultural ao avanço das leituras estruturalistas e à virada linguística. Barthes e Foucault eram as referências primeiras neste situar do que seria o lugar da produção do fazer histórico. Aqui, o historiador demarcava seu campo e suas intencionalidades na reflexão que elaborava. 20 “A consciência é o lugar no qual os fluxos do tempo convergem para se tornarem elementos de delimitação da própria experiência. O tempo é percebido sempre a partir das categorias específicas da consciência conforme a sua relação mais forte com o exterior ou com o interior (para-si e para-outro). Daí a imprecisão objetiva do tempo precisamente objetivo. A consciência não segue o fluxo do tempo, mas reconstrói a cada instante sua própria percepção do tempo objetivo, subjetivado, apropriado pela consciência como o tempo do ser. Os dados imediatos dos sentidos apontam um tempo externo à consciência, que, uma vez conhecido, é confrontado com o conjunto de experiências do ser no tempo, ao que denomino tempo interno – os dados imediatos do pensamento. A conjunção é o fluxo de tempo percebido pela consciência.” Luís Mauro Sá MARTINO. Estética da Comunicação: Da consciência comunicativa ao ‘eu’ digital. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007, (pg 47). 21 Michel de CERTEAU. Opcit, 1982. 22 Roger CHARTIER. A História Cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel; Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1988.
  • 8. Fato&Versões, Uberlândia, v. 3 n. 6, ISSN 1983-1293 24 esses são lugares históricos e não corpus flutuantes sem referências23 . Situar as atuais produções e percebê-las embrenhadas em situações e debates podem ajudar a compreender suas especificidades. As obras não podem ser analisadas como reflexos de uma realidade, como se fossem espelhos dela, mas como parte dessa própria realidade que deve ser entendida historicamente. Os filmes participam de uma dimensão social que se percebe política, na qual possuem seu lugar. Assim, as obras cinematográficas realizadas são, para nós, a construção da Representação efetivada,com base nasPráticas constituídas e Apropriadas, de que fala Roger Chartier: A história cultural tal como a entendemos, tem por principal objecto identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler. (...) As representações do mundo social assim construídas, embora aspirem à universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre determinadas pelos interesses de grupo que as forjam. Daí, para cada caso, o necessário relacionamento dos discursos proferidos com a posição de quem os utiliza. As percepções do social não são de forma alguma discursos neutros: produzem estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) que tendem a impor uma autoridade à custa de outros, por elas menosprezados, a legitimar um projecto reformador ou a justificar, para os próprios indivíduos, as suas escolhas e condutas. Por isso esta investigação sobre as representações supõe-nas como estando sempre colocadas num campo de concorrências e de competições cujos desafios se enunciam em termos de poder e de dominação. (...) (...) Desta forma, pode pensar-se uma história cultural do social que tome por objecto a compreensão das formas e dos motivos – ou, por outras palavras, das representações do mundo social – que, à revelia dos actores sociais, traduzem as suas posições e interesses objectivamente confrontados e que, paralelamente, descrevem a sociedade tal como pensam que ela é, ou como gostariam que fosse.24 François Hartog e o Regime de Historicidade O historiador François Hartog tem desenvolvido e divulgado nesta primeira década do século XXI suas reflexões a respeito do que perceberia como sendo uma mudança no Regime de Historicidade e propõe que este teria ocorrido, principalmente, a partir dos eventos do final da década de 1980 e início de 1990, mais precisamente, com a crise produzida a partir da queda do muro de Berlim em 1989. Na França, o livro Régimes d’historicité: présentisme et expériencesdutemps25 foi publicado em 2003 e rende os frutos de diversas palestras e conferências. No Brasil, este 23 Michel de CERTEAU. Op. cit. p 32. 24 CHARTIER, Roger. Op. cit, 1988, p. 16-9 25 HARTOG, F. Régimes d’historicité: présentisme et expériencesdutemps.EditionsduSeuil, col. La LibrairieduXXIe. Siècle, France, 2003.
  • 9. Fato&Versões, Uberlândia, v. 3 n. 6, ISSN 1983-1293 25 trabalho, não traduzido ainda, é divulgado por meio dos artigos acadêmicos.No ano de 2010, fechando o encontro nacional de historiadores ocorrido no mês de julho, em São Paulo, o professor esteve presente e fez a conferência de encerramento reafirmando suas análises sobre o referido tema. Quando Hartog indica a mudança que ocorre em 1989, ele está distante de corroborar com a tese proposta na época por Fukuyamasobre o “Fim da História”, com a vitória da democracia liberal, mas sim interessado em perceber que uma fase de compreensão e de produção de história poderia ser percebida como encerrada. A essa fase, e em sintonia com R. Koselleck, Hartog percebe o período que vai da Revolução Francesa, de 1789,à queda do muro de Berlim, em 1989, compreendida como a da modernidade em termos de concepção da história. Neste período, teríamos vivido em função de um primado do futuro. Assim, a história seria elaborada e produzida tendo como objetivo a indicação de futuro, portanto, a ela seria inerente outros conceitos, como os de evolução e de progresso. Essa história teria sido marcada pela presença de história política a indicar o desenvolvimento das nações. No que respeita à historiografia, a expressão moderno regime significa um período em que o ponto de vista do futuro domina. A palavra-chave é Progresso, História é entendida como processo e Tempo como se direcionando a um fim (progressão). O fim deste regime moderno significaria que não é mais possível escrever história do ponto de vista do futuro e que o passado mesmo, não apenas o futuro, se torna imprevisível ou mesmo opaco. Deve ser reaberto.(…) 26 A reflexão que Hartogelabora ao repensar o edifício da história se baseia em Walter Benjamin e em sua proposta de vazio; a sustentação teórica e conceitual desta nova percepção em que o futuro deixa de deter o primado da reflexão ésubstituída pela percepção de crise vivenciada. A queda do muro de Berlim e, para além disso, a crise da URSS e do modelo socialista quebraram a própria ideia ocidental projetada em futuro. Daí, e na subsequente crise das ciências sociais nos últimos vinte anos, a história deixa de ser uma projeção para o futuro, deixa de ter no passado o lugar seguro onde ancorar estas ideias, e passa a vivenciar a insegurança do presente que não sabe para onde vamos, mas principalmente, deixa de ter certeza sobre o passado que foi vivenciado, por isso esse passa a ser relativo e aberto a novas possibilidades interpretativas. Hartog, para comprovar esta proposta de presentismo, faz um balanço historiográfico desde a Mesopotânia até chegar aos nossos dias atuais. Recorta modelos exemplares de produção da história, destaca obra e autores, demonstra como,em 26 HARTOG, F. Revista de História USP, p 11
  • 10. Fato&Versões, Uberlândia, v. 3 n. 6, ISSN 1983-1293 26 diversos e distintos momentos de elaboração histórica, outras ordens foram vivenciadas, para chegar a atual sensação de presentismo, ou o que ele denomina de nova Ordem do Tempo. Tendo em vista esta reflexão de Hartog, seguimos construindo agora uma ponte que uniria virtualmente as preocupações do professor às nossas próprias ao encontrarmos com a produção cinematográfica argentina e com a crítica produzida em torno desta. Estaria nesta produção uma comprovação material desta nova Ordem de Tempo e, nestas representações, o novo olhar que a sociedade faz sobre si mesma? A presentificação do tempo: História e Crônica Iara Lis Schiavinatto27 , analisando a minissérie A Invenção do Brasil, produzida pela Rede Globo por conta da efeméride dos 500 anos do Descobrimento, diz: François Hartog e Koselleck indicaram a noção presentista do tempo contemporâneo. Ela se distancia das formas anteriores de percepção do passado. Quanto ao modo de diferenciá-lo, privilegiar a ruptura e a tentativa de ultrapassá- lo com vistas às apostas no futuro e as esperanças aí depositadas – tal qual nas vanguardas ou na Revolução Francesa. Agora o presente rege os valores da existência humana – com suas configurações próprias – que privilegia o imediato, o tempo real, o on-line, enquanto condição que apreende o tempo e o vivencia. Há uma expansão da categoria do presente, que angula o vivido. Nessa medida, emerge a distância face ao passado e os modos de apreendê-lo. Daí, a necessidade premente de recuperar este abismo entre tais temporalidades e uma consciência de que o passado não nos pertence e é externo a nós. O passado nos é estrangeiro, merecendo, por decorrência, um hiperinvestimento da memória, tornada um dever irrefutável. A partir dos anos 70, expande-se os lugares de memória, há uma renovação de centros históricos, uma proliferação de centros culturais. Todos sob o signo do patrimônio. Essas experiências imbricam-se reciprocamente, delineando nossa compreensão de tempo.28 François Hartog e ReinhardtKoselleck29 identificaram nas sociedades atuais esta propensão ao tempo presentificado. A análise de Schiavinatto tem por base a premissa de que, na produção midiática, principalmente, se constrói este locus de organização em que o presente se debruça sobre o passado. A produção midiática seguiria elaborando didaticamente a apropriação dos signos que elucidariam o presente, constituindo e possibilitando a apreensão do que ficou para trás, marcada sempre por esta noção clara de que o presente é quem o 27 SCHIAVINATTO, Iara L.. “Entre a hostilidade e a convivência: em torno da Invenção do Brasil – 2000”. In CAPELARI, Márcia R. (et alli).Figurações do outro na história. Uberlândia: EDUFU, 2009. 28 SCHIAVINATTO. Opcit, 2009, p. 335-6. 29 HARTOG, François. “Tempo e história: Como escrever a história da França hoje?”. In História Social, Campinas, n.3, p. 127 – 154, 1996; KOSELLECK, Reinhardt. Lefutur passe. Contribuition à lasemántique dês tempshistoriques. Paris: Editions de l’ÉcoledêsHautesÉtudes en ScienxesSociales, 1990. Apud SCHIAVINATTO, op. cit.
  • 11. Fato&Versões, Uberlândia, v. 3 n. 6, ISSN 1983-1293 27 problematiza e predomina, sendo o passado o lugar da memória a ser resgatada. No caso do artigo analisado, a minissérie da Rede Globo participaria ativamente desta produção de sentidos que a obra midiática efetua na construção e problematização do discurso histórico. A obra se apoderaria do passado através desta presentificação:este é tratado como apartado de nós, daí o lugar de memória construído em resgate para referência do presente. Pierre Sorlin30 propõe uma interpretação sobre as narrativas televisivas e em como estas intervêm na idéia de história, dividindo-as em dois campos narrativos: a história e a crônica. A idéia de Sorlin é que a televisão, que passou a participar ativamente de nosso cotidiano (diferentemente do cinema), acabou por romper o discurso narrativo histórico forjado desde o século XIX ao impor a necessidade do imediato31 , o que teria como consequência a ruptura que se estabeleceu na noção do processo que constrói todo o edifício de argumentos sobre os quais a narrativa histórica está assentada. Neste sentido, afirma Sorlin, o cinema não produziu o mesmo impacto, pois não interveio no espaço privado como a televisão o faz. O fato, o acontecimento, na narrativa histórica, está articulado à ideia de processo, pois permanece a percepção do que estaria no antes e no depois: passado em relação ao presente, projetando perspectivas de futuro. As narrativas televisivas, imbuídas do imediato, do estarem diante do real, redefiniram as noções de produção da história, fazendo com que, hoje, a crônica supere o estilo da ideia de processo (constituinte do discurso histórico), presentificando a narrativa, retirando-a de sua relação de tema construído ao longo do tempo, já que, em relação a este, a crônica corresponde, sobretudo, ao imediato. A análise de Sorlinsobre o poder desta estrutura narrativa para compreender a percepção do que se considera ser história baseia-se na leitura que realizou de Hayden White. A partir deste autor, ele compreendeu que a narrativa histórica está embrenhada na articulação de estilo retórico, e que, portanto, a mesma deve ser considerada se pensarmos os sentidos de seus argumentos temáticos utilizados para se produzirem significados. A hipótese de Sorlin é que atualmente a crônica, com a avalanche do presente disponível na televisão, educou os sentidos e a percepção do conceber histórico. Não apenas isso, ela igualmente interveio com a crescente demanda por fatos/acontecimentos sem a necessidade do estabelecimento da noção 30 SORLIN, Pierre. “Televisão: outra inteligência do passado”. In NÓVOA, Jorge, FRESSATO , Soleni B. e FEIGEILSON, Kristian (org.). Cinematógrafo: um olhar sobre a História. Salvador: UDUFBA/ São Paulo: Ed. da UNESP, 2009, pp. 41-60. 31 Sorlin exemplifica esta afirmação com a cobertura jornalística realizada durante uma guerra: o fato ocorrendo diante do espectador e do próprio produtor da notícia sem que o mesmo se tenha finalizado, ou seja, durante sua execução não há o conhecimento sobre seu desfecho como também não há como realizar uma análise sobre o processo de desenvolvimento do mesmo. Ele ocorre diante de nossos olhos.
  • 12. Fato&Versões, Uberlândia, v. 3 n. 6, ISSN 1983-1293 28 de processo. A televisão produziu, em sua permanente presença no espaço privado ao longo de décadas, a crônica como sentido retórico predominante. Para Sorlin, não está sendo marcada a superioridade de uma forma narrativa frente à outra, mas a possibilidade de perceber a coexistência e ainda a ascensão de novas demandas e comportamentos, percebidos aqui como processo histórico nesta sociedade. Neste sentido, alerta recordando de que forma as próprias estruturas retóricas que reconhecemos hoje como História foram forjadas no XIX. Elas atendiam a perspectivas e necessidades daquele mesmo momento, assim como as crônicas sempre ocuparam (com maior ou menor importância) espaço na produção em tempos anteriores: Não há nenhuma razão para fazer distinções entre história e crônica, a depender da maneira como são realizadas, as duas abordagens são igualmente interessantes ou enfadonhas. Elas dividem ainda o traço comum de serem utopias. A história se empenha em descobrir um ponto de vista que dá sentido aos acontecimentos, mas o ângulo de ataque não para de mudar, o esclarecimento que damos às coisas hoje, em função das preocupações do momento, será dificilmente compreensível amanhã quando outros cuidados serão prioritários. A crônica se atém aos fatos, sem ver o meio de controlar o que deixa um vestígio nas memórias daquilo que, não menos essencial, desaparece assim que é vista. Estas inconsequências quase não contam posto que a meta permanece idêntica: ajudar os humanos a não perder a noção do tempo que se esvai. Crônica e história coexistem desde muito tempo, mas as suas influências respectivas variam. A história foi uma das grandes aventuras da era industrial, ela acompanhou os progressos científicos e técnicos depois da época das ‘luzes’. Se a crônica assume atualmente a frente é, em parte, por causa do declínio dos ‘grandes relatos’. Mas é bem mais porque a televisão, se insinuando por toda a parte e a todo momento, faz da atualidade uma crônica permanente a qual ninguém escapa, nem mesmo aqueles que não tem televisor. A crônica coloca os fatos no presente e apresentam-nos num enfoque idêntico: ela é perfeitamente televisual.32 A hipótese de Sorlin sobre a atualidade do estilo narrativo da crônicae a reflexão realizada por Schiavinatto sobre o comando do presente para ativar o olhar interpretativo sobre o passado que “nos é estrangeiro” (referência a David Lowenthal) voltam-se para a maneira como o passado tem sido abordado nas produções realizadas para a televisão, e como é percebido na mídia televisiva. A televisão e seus produtos ocupariam, em nossos dias, o espaço de construção e divulgação de saberes instigadores de curiosidade sobre este outro lugar “estrangeiro”, e atenderia, ao mesmo tempo, à crescente demanda de curiosidade de seu público, criada e alimentada pelo próprio veículo comunicativo. Entretanto, as produções fílmicas argentinas a que nos atemos não pretendem falar sobre o passado, mas permanecem neste tempo presente. São filmes em cuja ação o 32 SORLIN. Op. cit, p 58.
  • 13. Fato&Versões, Uberlândia, v. 3 n. 6, ISSN 1983-1293 29 desenrolar sempre ocorre simultaneamente ao tempo da narração; não constroem, portanto, representações sobre o passado.Este não é o lugar de memória, como referido na pesquisa de Schiavinatto, nem é o espaço para o qual se volta o olhar curioso em descortinar o cotidiano existente antes, o da crônica do dia-a-dia a que se refere Sorlin33 . As produções cinematográficas indicadas pelos críticos argentinos como sendo atadas ao tempo do puro presente, tempo do pensamento e tempo justaposto são aquelas que se voltam ao momento atual, sem buscar lugares de memória, sem projetarem futuro, restringem-se à crônica do atual cotidiano limitado, permeado e ensimesmado de tempos, tal qual o que encontramos nas obras de Lucrecia Martel e outros cineastas. Esta noção de tempo imediato a que os historiadores se referem é também percebida nas representações dos produtos televisivos, como diz Marcos Napolitano: Para o historiador que se preocupa com a representação do passado na televisão e com a produção da memória social a partir desse meio, é preciso pensar a televisão como uma nova experiência social do tempo histórico, na medida em que ‘a TV faz coincidir o verdadeiro, o imaginário e o real no ponto indivisível do presente’. A TV favorece e amplifica a experiência do tempo, mas não a consciência do tempo. Nela, a ‘atualidade’, a exigência sensorial de uma co-ação (agir junto) ganha maior dimensão, mas essa mesma ‘atualidade’ é constantemente desvalorizada pelo ritmo alucinante da sucessão das transmissões televisuais, volatizando a experiência histórica. Portanto, além de ‘testemunho’ de um determinado momento histórico, a televisão interfere na concepção de tempo histórico e nas formas de fixação da memória social sobre os eventos passados e presentes. Esse aspecto de ordem teórica é fundamental para o historiador, pois, no limite, ele estará presente no próprio material audiovisual analisado.34 Acreditamos que as atuais produções cinematográficas estão carregadas desta representação do imediato que foi forjada na “nova experiência social do tempo histórico” a que se refere Napolitano. Assim, no encontro que ocorre entre estas reflexões indicadas acima, percebemos que as obras cinematográficas e as críticas a ela referentes poderiam significar representações a comprovar os estudos que indicam atualmente o primado do presente ao se elaborar o 33 Neste sentido, Sorlin se refere às produções que atualmente versam sobre a vida cotidiana em outros tempos. Produções televisivas, seriados, que hoje ocupam a grade de programação em emissores, e que tem por tema compreender qual era a rotina e quais os hábitos de outros tempos. O autor afirma que tais preocupações não se apresentavam aos historiadores preocupados com os grandes temas, mas que ao serem realizadas estas obras de caráter naturalista, acabaram por suscitar curiosidade e interesse para novas pesquisas e novos campos de exploração temática. 34 NAPOLITANO, Marcos. “A História depois do papel”in PINSKY, Carla Bassanezi. Fontes Históricas. São Paulo: ed. Contexto, 2006, p.252.
  • 14. Fato&Versões, Uberlândia, v. 3 n. 6, ISSN 1983-1293 30 discurso da história, mas que, entretanto, a partir destes, não significaria o fim da história, mas o estabelecimento de uma nova ordem do tempo (como afirmaria F. Hartog). Para exemplificar esta afirmação, vamos apresentar agora a análise de um filme de Lucrecia Martel em que esta presentificação da história poderia ser percebida como representação a ser indicada como fruto desta nova Ordem do Tempo. Produção de curtas pelo INCAA em 1995:Rey Muerto, de Lucrecia Martel Uma das primeiras realizações do INCAA foi a coletânea de produções de uma série de curtas-metragens realizados por diversos jovens cineastas. Dentre estas produções, encontramos o filme de Lucrécia Martel: Rey Muerto. O filme flerta com o gênero faroeste e traz uma família na trama principal: a mulher, seus filhos e o violento homem de quem ela pretende se separar.O curta-metragem tem a duração de cerca de 12 minutos. Na primeira cena, vê-se um aparelho de televisão, ligado, transmitindo o que nos parece ser a novela infantil Carrocel (que foi sucesso também aqui no Brasil em sua retransmissão pelo SBT). Este aparelho está em um bar/cabaré (sic),voltado para nós, espectadores do filme, mas não parece ser assistido por ninguém. Há música alta tocando e, quando se abre um pouco o quadro, vemos três homens, um em destaque, comendo e bebendo. Eles estão ao lado do aparelho, mas não o olham. A primeira impressão é de que tudo e todos neste ambiente são extremamente grosseiros e parecem ser violentos. Este homem em destaque é o antagonista de nossa heroína e seus filhos, caracterizado de forma repugnante. Composto em sequências de montagem em paralelo, entre as ações deste homem e da mulher e seus filhos, vamos aos poucos recebendo a caracterização dos personagens, mas sem que o tempo diegético seja determinado. Parece que tudo ocorre em tempo presente, o que seria impossível. A montagem é rápida e as sequências são didáticas, para desenvolver no espectador a percepção do entorno seco, estagnado e violento por onde passam estes personagens. Enquanto a mulher (acompanhada das crianças) caminha pela cidade, o homem é apresentado em vários outros ambientes, mas sempre destacando sua vulgar violência (no bar, em um atropelamento, caçando aves em um rio, segurando um galo de briga). Depois do bar/cabaré, vemos estes mesmos homens em uma estrada onde acabou de ocorrer um acidente (provocado pela picape azul em que estavam) em que um ciclista foi atropelado. O ciclista está no chão, ferido e contorcido; o homem desce da picape e o chuta várias vezes, violentamente e com raiva; os outros o assistem sem nada fazer. Este atropelador
  • 15. Fato&Versões, Uberlândia, v. 3 n. 6, ISSN 1983-1293 31 é o antagonista. Este será o tom geral do filme: tensão e explosão, a violência sempre presente na paisagem desértica, em tons vermelhos de terra batida e empobrecida de seu entorno. A estrada leva a uma pequena cidade em que se espalham por uma rua principal casas pobres e estabelecimentos comerciais precários. A característica principal da opção de fotografia e construção da linguagem deste filme é que em nenhum momento a diretora usou tomadas gerais e campos abertos para situar o espectador, ou ainda, qualquer movimentação da câmera para acompanhar os personagens. Sempre assistimos aos acontecimentos através de frestas, recortes oblíquos (em plongé e contra-plongé). As tomadas formam enquadramentos precisos que recortam os personagens em meio ao ambiente em que se encontram. Denomina- se este tipo de preocupação como sendo o de Cinema de Plano, em que se “trabalha mais os caracteres do plano, como o enquadramento e a ‘composição’”35 . Os personagens parecem que estão sempre sendo observados a pouca distância e sem que seja possível se distanciar para melhor definir o seu entorno, o que provoca uma sensação dúbia de conhecer o que se passa mas, ao mesmo tempo, nunca se ter noção completa do que os circundam. Interpretamos que esta opção de filmagem produz a percepção de que é possível observar, mas nunca ter o controle sobre tudo o que se passa, pois isto, assim como o enquadramento fechado,é restrito. A música em ritmo percussivo, de estilo regional, pontua o andamento do filme, acirrando a tensão que este constrói. A edição passa a apresentar a mulher e seus filhos. Eles caminham por uma rua carregando um bujão de gás e algumas sacolas, além de levarem um cachorro. Seguem sendo observados pelos demais habitantes, que muitas vezes comentam entre si o que está acontecendo. Em uma mercearia param e vendem suas coisas. É pouco o dinheiro que recebem, mas é o que o comerciante se dispõe a dar junto à recomendação de que partam rapidamente. Àbeira da estrada, um carro vermelho para próximo à mulher e às crianças. Ela entrega dinheiro em troca de um pacote, mas quando ela o vai abrir, uma arma cai. O menino a pega e observa que está sem bala. O carro partiu sem que pudessem falar ou fazer algo. Vemos um ônibus se aproximar, a família está a beira da estrada e o espera, ansiosos. A caminho, o homem vem na caçamba da picape azul, em pé. Observávamos em montagem paralela sua corrida em direção à mulher e às crianças. Quando chega, gritando, ele não permite que entrem no ônibus e ordena que este parta. A mulher aponta o revolver para ele, envolta pelas crianças que a cercam escondendo-se atrás dela com medo. O homem parte para cima dela, agredindo-a, quando ouvimos um estampido. Ele, assim como todos, caem. Ela se ergue 35 AUMONT, Jacques. Dicionário teórico e critico de cinema. Campinas, SP: Papirus, 2003.
  • 16. Fato&Versões, Uberlândia, v. 3 n. 6, ISSN 1983-1293 32 enquanto ele grita permanecendo de joelhos e cobrindo o rosto com as mãos repletas de sangue; ele foi ferido. A mulher, as crianças e o cachorro partem. Seguem pela estrada enquanto o homem permanece de joelhos, berrando, sujo de sangue, a cobrir o rosto. Ainda o ouviremos (ele ficará fora do quadro) gritando e clamando, mas logo o som é encoberto pela música e a conversa da mãe com a menina. Sobre uma ponte vemos escrito em uma placa: Rey Muerto. Eles seguem a pé enquanto a menina comenta alguma coisa com a mãe, mas a compreensão desta fala é muito difícil para entendermos; sabemos que se refere ao ferimento e à possibilidade de morte do homem, e as respostas da mãe dizem: não sei. Nenhum deles se importa com o que venha a acontecer ao homem. Considerando essa descrição, qual concepção de história estaria esta produção elaborando, distribuindo e divulgando? A canção forte, pontuadapor todo o filme, é parte importante para a construção de sua diegése. Ela acentua o clima tenso e o fecho violento, além de trazer um tom regionalista e rural, que joga o ambiente para uma província ou fronteira, onde a barbárie ainda predomina. A escolha de enquadramentos oblíquos (em plongé e contra-plongé), a montagem em paralelo (dos protagonistas e do antagonista) em cortes secos, as cenas sempre contando o mínimo necessário para a compreensão do quadro geral (sem que hajam tempos mortos), produzem o efeito de síntese dos acontecimentos e marcam um tom diferenciado desta narrativa, assim como uma proposta de linguagem instigante, pois pressiona os tratos narrativos convencionais. A opção do cinema de plano, em que os personagens passam diante da tela, mas esta permanece estática e sem acompanhá-los, suscita a interpretação de que não é possível se obter o todo; somente partes são resgatadas para a composição da memória destes personagens. A escolha do gênero faroeste como modelo (e lembramos do filme Matar ou Morrer, de Fred Zinnemann, com Gary Cooper) surpreende e faz com que várias referências deste gênero sejam retomadas em meio ao desenvolvimento da história. Entretanto, no filme de Lucrecia Martel, não há o transcorrer tradicional do gênero. A protagonista é uma mulher com seus filhos pequenos, que são alçados à categoria de heróis, ou seja, em oposição às narrativas tradicionais deste gênero, nas quais aqueles sempre são as figuras fracas e marginais da história, e que necessitam da ajuda de outros. Aqui, chegam sem ajuda de nenhum herói ao fim de sua jornada, contrariando todas as probabilidades; eles se tornam os protagonistas de sua própria história. Poderia se crer, a partir desta questão, que a proposta do filme possibilitasse a interpretação de que a partida destes personagens e sua vitória final produzisse uma
  • 17. Fato&Versões, Uberlândia, v. 3 n. 6, ISSN 1983-1293 33 transformação, e talvez, poderíamos confirmar tal interpretação com a metáfora da família andando pelaa estrada. Entretanto, devemos nos lembrar de que as escolhas para o enquadramento das tomadas de cena não encaminham a esta acepção teleológica de futuro, pois não mostram a estrada em perspectiva, mas somente enquadra a ponte em plongè enquanto a família a atravessa, até que eles saiam de quadro. A câmera permanece fixa neste enquadramento, assim como em todos os demais realizados ao longo do filme. A câmera não passeia, não acompanha os personagens, mas os enquadra fixamente e os deixa passar diante de suas lentes. O efeito desta opção de linguagem na composição da narrativa quebra a interpretação teleológica que tradicionalmente a estrada possui em finais de filmes. Não é esta a opção de escrita da história que Martel nos presenteia, não se assiste a rupturas transformadoras e portadoras de esperanças futuras, mas os fatos imediatos e sem desdobramentos, sem serem elaborados como deflagradores de consequências futuras.Enquanto espectadores passivos e pouco curiosos, assistimos ao acontecimento no momento exato da articulação do fato, mas este fecha e nós permaneceremos, sem acompanhar e sem saber se esta ação resultou em qualquer coisa que seja. Aliás, se formos questionar a noção de Tempo nesta produção, perceberemos que a temporalidade em que se passa o filme é deveras instigante, pois não é possível de ser definida. Não há referências ao passado, presente ou futuro, mas a um tempo estagnado, parado no puro presente, no imediato das ações. Mesmo as cenas em que supomos temporalidades passadas: o atropelamento, a caçada, ou ainda, umflashback ocorrido em meio ao filme, são referentes ao tempo imediato, menos justificadores causais do imediato, mas também elaborados como atemporais. Não possuímos histórico do passado destes personagens e nem da localidade em que se situam. Também não nos é dada nenhuma indicação de qual será o seu futuro. Os personagens passaram diante da lente e se foram, o quadro permanece onde sempre esteve, imóvel. O gênero faroeste como base escolhida poderia remeter a outra perspectiva de percepção histórica, aquela que se assenta na ideia de mito. O mito da fronteira, espaço ainda não civilizado e que necessita ser superado, o “oeste” bárbaro, permite o surgimento de heróis que, em sua predominância, são representados por homens, como o personagem de Gary Cooper em Matar ou Morrer. Se o personagem de Gary Cooper parte recompensado pela fidelidade da amada e sabendo para onde ir, e ainda, o que faria depois, a heroína de Martel não sabe o que fazer, segue sem destino, sem conhecimento, sem futuro; somente com a superação de um entrave vivido no presente, afirma à filha: “Não sei”.
  • 18. Fato&Versões, Uberlândia, v. 3 n. 6, ISSN 1983-1293 34 Os personagens deste filme não possuem nomes.São eles a mulher, o homem, a menina, o menino mais velho, o menino mais novo e o cachorro. Até lembram os personagens de Vidas Secas, pessoas comuns destacadas nesta trama, mas que permanecerão no anonimato de suas vidas ordinárias. Se alimentam da caixa de ilusões românticas diariamente transmitidas pelas televisões, seja no espaço público como também no doméstico. Seria então a televisão com suas novelas a transmissora de ficções/mentirosas e o filme de ficções/verdadeiras? Seria aqui retomada a discussão que contrapõe as narrativas míticas e as históricas como sendo opositoras, pois uma comporta o espaço da ficção enquanto a outra traria como objetivo declarado a busca da verdade? A primeira cena do filme, em que está em primeiro plano um aparelho de televisão transmitindo uma novela, pode ser a chave para superar este caminho simplista de interpretação, pois a partir desta primeira tomada é que irá se compor todo o filme em planos fixos de observação dos personagens. A escolha de Martel pelo enquadramento fixo lembra a cena da televisão no bar. Em tela, o contraste do movimento dos personagens em relação à permanência fixa do aparelho, ajudam a compor a opção de linguagem que será utilizada no filme. Acreditamos que este enquadramento fixo ressaltaria a ideia de parcialidade em que se constituemas narrativas, de que a história é composta de recortes e análises para constituir interpretações, que sempre serão restritas e parciais. Longe de opor mito à história, ambos podem ser pensados como portadores de constituição de verdades restritas, assim como as almejarem o real. Compreendemos que Martel, ao optar pelo enquadramento fixo, construiu o sentido do discurso histórico a partir da ideia de que ele também é parcial, não abarca todas as possibilidades e se constitui a partir da composição organizada em sintonia para estabelecer uma análise interpretativa que objetiva o real. Outro ponto a destacar é que, ao se restringir as ações em um tempo presente, ostensivamente imediato, também não se constrói a ideia de passado. O povoado e seus habitantes parecem sempre terem sido desta mesma maneira, não há um passado. Assim, não há uma relação de causalidade histórica, fruto de uma narrativa da história em que se pensa de forma perspectiva, em que se analisa o passado pensando em encontrar neste os traços que justificariam e encaminhariam a compreensão lógica do presente, com suas possibilidades de desenvolvimento para o futuro. A não existência de causalidade nesta trama também rompe com uma linha moderna de narrativas históricas, a que se referem Koselleck e Hartog. O rei está morto, mas não se coroou nenhum substituto, como também não foi substituído o regime.Não somos informados e nem nos é dada nenhuma indicação de possibilidades futuras. O quadro é restrito e fixo, a heroína e seus filhos partiram, o quadro em
  • 19. Fato&Versões, Uberlândia, v. 3 n. 6, ISSN 1983-1293 35 que os vemos seguindo permaneceu fixo e sem mostrar perspectiva futura. Nesta história aqui escrita, não há certezas, causalidades, progresso, evolução, ou ainda, noção de tempo além daquele vivido no imediato. Então, o que há? Vidas que vem e que vão, frutos da sorte, ou, talvez, do azar, que produzem ações ou que, ainda, são pegas em meio a acontecimentos. Estes personagens não controlam seus destinos, arriscam-se no livre-arbítriode quem não segue o oráculo determinado, mas como o enquadramento restrito sugere, não possuem perspectiva projetada; o entorno é muito mais amplo do que é possível metodologicamente e racionalmente determinar, mas é campo a se lançar. Esta representação acaba por nos indicar a nova Ordem do Tempo, em que o presente impera, e a partir da qual não se pode indicar quais serão os desdobramentos futuros, e muito menos, restringir ao que ficou como sendo o passado. O vazio da crise e a resposta a esta sensação de impotência, sem respostas, é o vivenciado atualmente. Reafirmando o que propusemos no início deste artigo, acreditamos que as representações elaboradas nesta nova cinematografia argentina, assim como o debate da crítica produzida a partir destas obras, estão de fato regidas em um regime de historicidade. Este regime, entretanto, é novo, como afirma Hartog,e está permeado por uma nova relação com o tempo, não mais pensado e projetado para o futuro, o progresso, o desenvolvimento, e, por isso, vazio, onde aparentemente nada ocorre e no qual estamos imersos. A sensação de imersão em um tempo vazio pode ser resultado, em parte, da educação dos sentidos, tais como diagnosticado por Pierre Sorlin, o qual defende que a informação televisivaem nosso imediato cotidiano nutriu nossos sentidosnas últimas décadas. Podemos complementar tal afirmação lembrando que o advento da internet e da comunicação portátil contribuiu de maneira significativa para a sensação do imediato. A impaciência do tempo de evolução é cotidianamente sentida, desde a tensão com a página do site que demora para carregar até a mensagem “necessariamente” recebida e lida no celular iluminado dentro da sala escura do cinema. No mundo da comunicação de massa, com a entrada em cena de vasta população consumidora, o tempo parece esvair-se por entre os dedos como um punhado de areia que se deixa cair, e a história, nesse movimento, busca encontrar meios e mecanismos por se fazer reconhecer – daí os “lugares de memória”, a necessidade de efemérides comemorativas e toda a atenção que atualmente dispomos para a produção simbólica da memória histórica. Referências AGUILAR, Gonzalo. Otros mundos. Buenos Aires: Antiago Arcos Editor, 2006. ARENDT, Hannah. Entre o Passado e o Futuro. São Paulo: Perspectiva, 2007.
  • 20. Fato&Versões, Uberlândia, v. 3 n. 6, ISSN 1983-1293 36 AUMONT, Jacques e MARIE, Michel. Dicionário Teórico e Critico de Cinema. Campinas: Papirus, 2003. BERNARDES, Horacio, LERER, Diego e WOLF, Sergio (editores). El nuevo cine argentino: Temas, autores y estilos de una renovación. Buenos Aires: Ediciones Tatanka, 2002. CAMPO, Mônica Brincalepe. “O Desafio: filme reflexão no pós-1964”. In: CAPELATO, Maria Helena (et al.). História e cinema. São Paulo: ed. Alameda, 2007. ________________________. História e Cinema: o tempo como representação em Lucrecia Martel e Beto Brant, tese de doutorado, IFCH – Unicamp, dez/2010. CERTEAU, Michel de. A Escrita da História. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982. CHARTIER, Roger. A história ou a leitura do tempo. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009. ________________. “O Mundo Como Representação”. Rev. Estudos Avançados: 11 (5), 1991. ________________. A História Cultural: entre praticas e representações. Lisboa: Difel; Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1988. ________________. “Iluminismo e revolução; Revolução e iluminismo” In: Origens Culturais da Revolução Francesa. São Paulo: Editora UNESP, 2009. ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994. _____________. Sobre o tempo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. FOUCAULT. Michel. A Arqueologia do Saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. HARTOG, François.Régimes d’historicité: présentisme et expériencesdutemps.EditionsduSeuil, col. La LibrairieduXXIe. Siècle, France, 2003. __________________ “Tempo e Patrimônio”. In: Revista: VARIA HISTORIA, Belo Horizonte, vol. 22, no 36: p.261-273, Jul/Dez 2006 (consulta 02/11/2011); __________________ “Tempo, História e a Escrita da História: a Ordem do Tempo”. In: Revista de História 148 (1o - 2003), 09-34, (consulta em 02/11/2011). JAMESON, Fredric. Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo, Ática, 1996. _________________. Espaço e imagem: teorias do pós-moderno e outros ensaios. Rio de Janeiro, Ed. UFRJ, 2006. KOSELLECK, Reinhardt. O Futuro-Passado: Contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC-Rio, 2006. MARTINO, Luís Mauro Sá. Estética da Comunicação: da consciência comunicativa ao ‘eu’ digital. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007. NAPOLITANO, Marcos. “A História depois do papel”in PINSKY, Carla Bassanezi. Fontes Históricas. São Paulo: ed. Contexto, 2006, p.252. POMIAN, K. Tempo/Temporalidade v. 29. Portugal: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Einaudi, 1993. REIS, José Carlos. História e Teoria: Historicismo, Modernidade, Temporalidade e Verdade. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. RICOUER, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas, SP : Ed. Unicamp, 2007. ______________. Temps et récits. Paris: Editions du Seuil, 2000. SCHIAVINATTO, Iara Lis. “Entre a hostilidade e a convivência: A Invenção do Brasil – 2000”. In: NAXARA, Márcia, MARSON, Isabel, BREPOHL, Marion (org). Figurações do outro. Uberlândia, MG: Ed. Universidade Federal de Uberlândia, 2009. SILVA, Denise Mota da. Vizinhos Distantes: circulação cinematográfica no Mercosul. São Paulo: FAPESP/ANNABLUME, 2007. SORLIN, Pierre. “Televisão: outrainteligência do passado”. In: Jorge NÓVOA, Soleni B. FRESSATO e Kristian FEIGEILSON (organizadores). Cinematógrafo: um olhar sobre a História. Salvador, UDUFBA; São Paulo: Ed. da UNESP, 2009, pp. 41-60. STAN, Robert. Introdução à teoria do cinema. Campinas: Papirus, 2003. TÉTARD, Philippe. Questões para a história do presente. São Paulo: EDUSC, 1999.
  • 21. Fato&Versões, Uberlândia, v. 3 n. 6, ISSN 1983-1293 37 VANOYE, F. e GOLIOT-LETE, A. Ensaio sobre a análise fílmica. Campinas: Parpirus, 1994. WOLF, Sergio. “Aspectos del problema del tiempo en el cine argentino”. In: Pensar el cine 2: cuerpo(s), temporalidad y nuevas tecnologias, 2004, p 171-85. YOEL, Gerardo. Pensar el cine 1: imagen, ética y filosofia. Ed. Buenos Aires: Manantial, 2004. _______. Pensar el cine 2: cuerpo(s), temporalidad y nuevas tecnologias, Ed. Buenos Aires: Manantial, 2004.