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Direito das Coisas e Registro de Imóveis
Elaboração
João Pedro Ribeiro Sampaio de Arruda Camara
Equipe Técnica da SPA
Igor França
Produção
Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração
Sumário
APRESENTAÇÃO................................................................................................................................... 6
ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA...................................................................... 7
INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 9
UNIDADE I
DO DIREITO DAS COISAS..................................................................................................................... 13
CAPÍTULO 1
CONCEITO, DISTINÇÕES E CLASSIFICAÇÃO............................................................................ 14
CAPÍTULO 2
CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS REAIS: OPONIBILIDADE ERGA OMNES, SEQUELA, TAXATIVIDADE E
PREFERÊNCIA........................................................................................................................ 18
UNIDADE II
POSSE................................................................................................................................................ 20
CAPÍTULO 1
CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA .......................................................................................... 20
CAPÍTULO 2
OBJETO – SÚMULA NO
228, DO STJ......................................................................................... 25
CAPÍTULO 3
ESPÉCIES DE POSSE, AQUISIÇÃO E PERDA DE POSSE............................................................... 27
CAPÍTULO 4
EFEITOS DA POSSE E TUTELAR PENAL DA POSSE........................................................................ 30
UNIDADE III
DA PROPRIEDADE............................................................................................................................... 32
CAPÍTULO 1
NOÇÕES GERAIS................................................................................................................... 32
CAPÍTULO 2
FUNÇÃO SOCIAL E DIMENSÃO CONSTITUCIONAL DA PROPRIEDADE ....................................... 36
CAPÍTULO 3
CONDOMÍNIO ...................................................................................................................... 44
UNIDADE IV
DIREITOS REAIS SOBRE COISA ALHEIA................................................................................................... 50
CAPÍTULO 1
DIREITOS REAIS ...................................................................................................................... 50
UNIDADE V
DOS DIREITOS DE VIZINHAÇA............................................................................................................... 58
CAPÍTULO 1
QUESTÕES AFETAS À VIZINHANÇA........................................................................................... 58
UNIDADE VI
OBJETO DO DIREITO REGISTRAL IMOBILIÁRIO........................................................................................ 62
CAPÍTULO 1
CONCEITUAÇÃO................................................................................................................... 62
CAPÍTULO 2
DIREITOS REAIS VERSUS DIREITOS PESSOAIS.............................................................................. 64
CAPÍTULO 3
DIREITOS REAIS EM ESPÉCIE.................................................................................................... 65
CAPÍTULO 4
CONSTITUIÇÃO, TRANSFERÊNCIA E EXTINÇÃO DOS DIREITOS REAIS IMOBILIÁRIOS...................... 68
UNIDADE VII
SISTEMAS DE REGISTRO DE IMÓVEIS NO MUNDO.................................................................................. 70
CAPÍTULO 1
CLASSIFICAÇÃO DOS SISTEMAS REGISTRAIS............................................................................ 70
UNIDADE VIII
EVOLUÇÃO DO REGISTRO DE.............................................................................................................. 73
IMÓVEIS NO BRASIL............................................................................................................................. 73
CAPÍTULO 1
PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA E DO REGISTRO DE IMÓVEIS NO BRASIL.......................................... 73
CAPÍTULO 2
REGISTRO TORRENS............................................................................................................... 77
CAPÍTULO 3
SISTEMA DO FÓLIO PESSOAL E DO FÓLIO REAL....................................................................... 80
UNIDADE IX
ESTRUTURA DO REGISTRO DE IMÓVEIS BRASILEIRO................................................................................ 84
CAPÍTULO 1
PREVISÃO LEGAL E FUNÇÕES DO REGISTRO DE IMÓVEIS......................................................... 84
CAPÍTULO 2
PRINCÍPIOS INFORMADORES DO DIREITO REGISTRAL IMOBILIÁRIO............................................ 86
CAPÍTULO 3
TÍTULOS SUJEITOS AO REGISTRO IMOBILIÁRIO........................................................................... 89
UNIDADE X
QUALIFICAÇÃO REGISTRAL E PROCEDIMENTO DE REGISTRO................................................................. 91
CAPÍTULO 1
CONCEITO, PREVISÃO LEGAL E CARACTERÍSTICAS DA QUALIFICAÇÃO..................................... 91
UNIDADE XI
DÚVIDA REGISTRÁRIA........................................................................................................................... 96
CAPÍTULO 1
NATUREZA JURÍDICA E PROCEDIMENTO DA DÚVIDA................................................................. 96
UNIDADE XII
PARCELAMENTO DO SOLO, CONDOMÍNIO EDILÍCIO E INCORPORAÇÕES........................................... 100
CAPÍTULO 1
NOÇÕES GERAIS SOBRE O PARCELAMENTO DO SOLO.......................................................... 100
CAPÍTULO 2
CONDOMÍNIO EDILÍCIO....................................................................................................... 109
CAPÍTULO 3
INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA.............................................................................................. 112
CAPÍTULO 4
LOTEAMENTO FECHADO...................................................................................................... 117
CAPÍTULO 5
CONDOMÍNIO URBANÍSTICO................................................................................................ 120
UNIDADE XIII
OFÍCIO DE REGISTRO DE DISTRIBUIÇÃO............................................................................................. 121
CAPÍTULO 1
PREVISÃO LEGAL E ATRIBUIÇÕES........................................................................................... 121
PARA (NÃO) FINALIZAR..................................................................................................................... 124
REFERÊNCIAS................................................................................................................................... 125
6
Apresentação
Caro aluno
A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem
necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela
atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade
de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD.
Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos
a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma
competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a formação continuada para
vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.
Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo a facilitar
sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a
como instrumento para seu sucesso na carreira.
Conselho Editorial
7
Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa
Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de
forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões
para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar sua leitura mais agradável. Ao
final, serão indicadas, também, fontes de consulta, para aprofundar os estudos com leituras e
pesquisas complementares.
A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos
e Pesquisa.
Provocação
Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.
Pararefletir
Questõesinseridasnodecorrerdoestudoafimdequeoalunofaçaumapausaereflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.
Sugestãodeestudocomplementar
Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,
discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.
Praticando
Sugestão de atividades, no decorrer das leituras, com o objetivo didático de fortalecer
o processo de aprendizagem do aluno.
Atenção
Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a
síntese/conclusão do assunto abordado.
8
Saiba mais
Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões
sobre o assunto abordado.
Sintetizando
Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o
entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.
Exercício de fixação
Atividades que buscam reforçar a assimilação e fixação dos períodos que o autor/
conteudista achar mais relevante em relação a aprendizagem de seu módulo (não
há registro de menção).
Avaliação Final
Questionário com 10 questões objetivas, baseadas nos objetivos do curso,
que visam verificar a aprendizagem do curso (há registro de menção). É a única
atividade do curso que vale nota, ou seja, é a atividade que o aluno fará para saber
se pode ou não receber a certificação.
Para (não) finalizar
Textointegrador,aofinaldomódulo,quemotivaoalunoacontinuaraaprendizagem
ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado.
9
Introdução
O Registro de Imóveis compõe um setor destacado dentro dos registros públicos, tanto é assim
que a Lei no
6.015/73 (Lei dos Registros Públicos) dedica metade de seus artigos à regulação do
registro imobiliário. Existe uma gama de situações juridicamente relevantes que são tuteladas pelo
sistema registral imobiliário, nem sempre relacionadas com bens imóveis propriamente ditos,
mas invariavelmente com a finalidade de garantir autenticidade, segurança e eficácia a atos e fatos
juridicamente relevantes.
Para cumprir suas finalidades, o Direito Registral imobiliário conta com normas e princípios
próprios, que necessitam ser estudados não de maneira isolada, estanque, mas à luz do Direito
Civil-Constitucional, inclusive para a concreção dos
princípios da dignidade da pessoa humana, da função social do contrato, da função social da
propriedade, do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e outros. Não é difícil
perceber que em determinados tipos contratuais, como aqueles que constituem os direitos reais
imobiliários, a publicidade registral é indispensável para a eficácia erga omnes desses direitos,
gerando presunção absoluta de conhecimento para toda a sociedade, que poderá, se assim desejar,
fiscalizar o cumprimento da função social desses contratos em todas as suas vertentes (econômica,
ambiental, urbanística etc.).
O Registro de Imóveis é o guardião daquilo que foi, tem sido, e, provavelmente, sempre será, um
dos pilares da economia mundial – a propriedade imóvel. É impossível estudar a propriedade e
todos os outros direitos reais que recaem sobre os imóveis sem se aprofundar no Direito Registral
Imobiliário. E a recíproca é verdadeira.
Ao mesmo tempo em que é instrumento de defesa da sociedade, o serviço registral protege e realça os
direitos individuais fundamentais, especialmente a segurança jurídica, a liberdade e a propriedade
de bens imóveis e outros direitos, gerando diversas consequências na órbita dos direitos subjetivos
de todas as pessoas.
Compreender o objeto de estudo do registro de imóveis, evolução e sistemática, os atos inscritíveis
e o procedimento de registro, inclusive o procedimento de dúvida registrária, é fundamental para
qualquer operador do Direito, pois uma infinidade de atos e fatos jurídicos oriundos ou relativos
às mais diversas áreas do conhecimento jurídico (família, sucessões, das coisas, empresarial,
administrativo, urbanístico, ambiental, trabalhista, falimentar, tributário, previdenciário etc.)
desembocam nos livros da serventia imobiliária.
Há também, nesta mesma disciplina, a abordagem àquela que é a caçula das serventias registrais,
qual seja, o Ofício de Registro de Distribuição. Este é um serviço bastante contestado, porém, como
se verá, tem sua razão de ser no princípio da publicidade.
10
A presente Apostila pretende dar uma visão ampla do que vem a ser o Registro de Imóveis e o Registro
de Distribuição no Brasil, lançando os fundamentos para uma reflexão crítica dos mesmos, com
vistas não só à compreensão do sistema registral, como também à identificação de suas vicissitudes
e possibilidades de aperfeiçoamento.
Ademais, com o fim de continuarmos os estudos e para uma melhor aprendizagem da disciplina de
Registro de Imóveis, faz-se extremamente necessário que o aluno tenha o domínio sobre o Direito
das Coisas, visto que tais ramos estão intimamente ligados e correlacionados.
Entre os diversos ramos do Direito Civil, disciplina das mais importantes é, sem dúvida alguma, o
Direito das Coisas, compreendendo as regras que regem as relações entre pessoas e coisas suscetíveis
de apropriação por particulares.
Nesse sentido, releva notar que no capitalismo pós-moderno atual, a propriedade ainda constitui
valor jurídico fundamental para a raça humana. A propriedade continua a incidir sobre os meios
de trabalho e de produção, mesmo que tenha deixado de constituir um valor absoluto, sendo
necessariamente mitigada pelos interesses da coletividade, que justificam a intervenção estatal na
vida privada.
O momento atual da ideologia político-econômica mundial refletiu-se nas diretrizes traçadas pela
Constituição Federal e pelo Código Civil de 2002 acerca do Direito das Coisas. A partir desses marcos
legislativos, debruçam-se sobre o Direito das Coisas, diariamente, notários, registradores, juízes,
membros do Ministério Público e advogados. Assim, por exemplo, na elaboração de escrituras
públicas, na formalização de atos de registro e solução de dúvidas registrarias, esses profissionais
do Direito utilizam os conhecimentos dessa fascinante disciplina jurídica.
Destarte, para melhor capacitação nessa seara, apresenta-se nesta oportunidade o Direito das Coisas
de forma inovadora e atualizada, valorizando-se necessidades cotidianas dos que labutam na área
jurídica, com o enfrentamento das questões práticas que lhe são ínsitas, inclusive as controversas,
como a delicada questão da proteção possessória em terras públicas.
O aluno encontrará material teórico contendo a abordagem dos principais tópicos de Direito das
Coisas: posse e propriedade, relação possessória, aquisição, efeitos, limitações, proteção e perda da
posse e da propriedade, e direitos reais, com destaque para as novidades, como a reincorporação
ao ordenamento positivo do direito de superfície. Mereceram destaque, de igual modo, temas de
grande interesse prático, como os referentes às regras do usucapião, da desapropriação em suas
diferentes formas, da propriedade resolúvel e a fiduciária, da propriedade em condomínio e suas
novas formas e regras, estas últimas bastante alteradas em relação ao Código Civil de 1916.
Não obstante tais considerações, por uma questão de didática, sistematizaremos o nosso estudo
na sequência apresentada, a fim de permitir que o aluno tenha um melhor entendimento sobre o
estudo da presente disciplina.
Bons estudos!
11
Objetivos
»
» Compreender o universo conceitual do Direito Registral Imobiliário.
»
» Examinar criticamente os institutos de direito relacionados com a atividade
registral.
»
» Identificar os atos e os fatos jurídicos que têm ingresso no sistema de registro de
imóveis; aqueles que deveriam tê-lo; e, porventura, aqueles que não precisariam da
formalidade e da publicidade registral.
»
» Compreender os efeitos jurídicos dos atos registrados pelos Oficiais de Registro.
»
» Entender os procedimentos registrais, identificando seus acertos e desacertos, com
vistas ao aperfeiçoamento do sistema.
»
» Identificar e compreender as interfaces do Direito Registral com as várias áreas da
Ciência Jurídica.
»
» Identificar a função do Ofício de Registro de Distribuição.
»
» Promover o estudo lógico-sistemático do Código Civil, de molde a proporcionar
um entendimento geral da correlação da parte geral com as diferentes matérias do
Código e delas entre si.
»
» Explicar o estado atual do Direito das Coisas no Brasil, em especial levando em
conta as inovações trazidas a efeito com o advento do vigente Código Civil e também
da legislação posterior aplicável ao tema.
»
» Proporcionar ao aluno conhecimentos fundamentais e avançados dos conteúdos e
institutos concernentes ao Direito das Coisas.
»
» Preparar o aluno para a advocacia judicial e extrajudicial na área de Direito das
Coisas, com destaque para a correta apreensão das principais medidas processuais
e ações possíveis.
»
» Estudar, analisar e compreender a doutrina e a jurisprudência pátria acerca da
matéria pelos Tribunais estaduais e Superior Tribunal de Justiça.
13
UNIDADE I
DO DIREITO DAS
COISAS
Desde tempos imemoriais, as pessoas procuraram apropriar-se das coisas, e isso para satisfazerem
diversas necessidades. Tais necessidades podem ser classificadas, segundo a “pirâmide das
necessidades”, idealizada por Abraham Maslow, obedecendo-se a seguinte hierarquia: primeiro o ser
humanopreocupa-seematendersuasnecessidadesfisiológicas(comida,água,excreçãoetc.);depois,
ocupa-se de suas necessidades de segurança (do corpo, da família etc.); em terceiro lugar, de suas
necessidades sociais (amizade, compreensão, aceitação etc.); em seguida, preocupa-se em atender
suas necessidades de estima (confiança, respeito, reconhecimento, ego etc.); e, por fim, preocupa-
se em atender suas necessidades de realização pessoal (autorrealização, autodesenvolvimento,
autosatisfação etc.).
Entretanto, a apropriação e o gozo das coisas por uma pessoa, para a satisfação de suas necessidades,
pressupõe a exclusão da apropriação e do gozo dessas mesmas coisas por outras pessoas. Salvo
alguns bens públicos, como as ruas e praças, que, ainda assim, e eventualmente, podem ter sua
utilização restrita a algumas pessoas, como no caso de um show artístico, as coisas são utilizadas por
quem delas se apropriou ou por quem o seu proprietário consinta.
Em razão dessa sua natureza excludente, e de sua conhecida escassez, a apropriação das coisas,
inevitavelmente, gera diversos conflitos. E o Direito, atento a esse fato, o eleva à categoria de fato
jurídico, fixando, por consequência, as normas que entende necessárias para garantir a paz social.
14
CAPÍTULO 1
Conceito, distinções e classificação
Conceito
O Direito das Coisas regula o poder dos homens sobre os bens e os modos de sua utilização econômica
(GOMES, 2007, p. 7). Ou seja, disciplina a relação entre os homens e as coisas. Enfim, estabelece
princípios e regras destinados a regulamentar a aquisição, a modificação, o exercício, a conservação
e a perda do poder dos homens sobre as coisas, bem como os meios para sua utilização econômica
(DINIZ, 2002, p. 3).
Entretanto, nem todos os bens constituem objeto do direito das coisas. Só os bens materiais (ou
corpóreos), móveis ou imóveis, integram o presente estudo. Ficam de fora, portanto, os bens
imateriais (ou incorpóreos), como, por exemplo, as prestações (ações ou comportamentos humanos,
positivos ou negativos), objeto do Direito das Obrigações, e os direitos autorais.
Não há uniformidade na doutrina sobre os conceitos de bem e coisa. Enquanto, para uns, bem é
gênero de que a coisa constitui espécie (Clóvis Beviláqua, Agostinho Alvim1
, Orlando Gomes), para
outros, ocorre o inverso (Serpa Lopes2
, Trabucchi, Lomanaco, Chauveau, Berio).
Mas, segundo observa Agostinho Alvim (1968, p. 221), não há nenhuma atecnia em nos referirmos
ora a bem, ora a coisa. Para chegar a tal conclusão, estabelece o autor paralelo com o empréstimo.
Veja-se:
O empréstimo é gênero compreensivo de duas espécies: comodato e mútuo.
Referindo-se ao comodato, o legislador, sem errar, pode falar em comodato ou
em empréstimo; idem, quando falar do mútuo, ou empréstimo.
Só não pode confundir as espécies: mútuo com comodato.
Portanto, falar em bem (gênero), em vez de coisa, e vice versa, isso é possível.
Quanto aos direitos autorais, uma corrente doutrinária entende que fazem parte do direito das coisas,
porque constituem modalidade especial de propriedade (propriedade imaterial ou intelectual3
).
Assim pensam, por exemplo, Clóvis Beviláqua, Maria Helena Diniz, Pires de Lima e Antunes Varela.
Em síntese, tais juristas baseiam-se, principalmente, na exclusividade dos direitos do autor sobre
sua produção intelectual, marcante característica do direito de propriedade, e, em segundo plano,
na extensão, feita pelo direito positivo, direta ou indiretamente, aos direitos autorais do regramento
aplicável ao direito de propriedade.
1
	 Confira o que nos diz esse autor (1968, p. 221): “O ponto de vista certo, ao nosso ver, é o que considera bem como gênero,
compreensivo de duas espécies: coisas materiais e imateriais.”
2
	 Veja o ensinamento desse saudoso jurista (1996, p. 9): “A noção de coisas é demasiadamente ampla. Envolvendo bens, sobrepuja-a
em extensão, por isso que, como já afirmamos, todos os bens são coisas mas nem todas as coisas são bens (cfr. v. 1. n. 202).”
3
	No que respeita aos direitos autorais, além dessa teoria, que os considera uma modalidade do direito de propriedade, existem
outras, que os tem por direito da personalidade ou que, inclusive, negam-lhe natureza jurídica, em razão do caráter social das
ideias. Sobre o tema, cf. Maria Helena Diniz, 2002, pp. 284-285.
15
DO DIREITO DAS COISAS │ UNIDADE I
Outra corrente defende que referidos direito não integram o objeto do direito das coisas. Assim
entendem, por exemplo, Orlando Gomes, Caio Mário da Silva Pereira, José de Oliveira Ascensão e
Martin Wolff. Dizem eles, basicamente, que a exclusividade que caracteriza do direito de propriedade
não é própria dele, mas de um conjunto mais amplo de direitos, no qual o Direito de Propriedade se
insere. Veja, a respeito, a lição de Oliveira Ascensão (2000, p. 39):
Osbensintelectuaisnãosãoobjetodepropriedade,masdedireitosdeexclusivo,
de natureza diferente. Nenhum dos preceitos aplicáveis à propriedade, que
não sejam resultantes de características comuns a todos os direitos absolutos,
se aplica aos direitos intelectuais. Por isso concluímos há pouco que os bens
intelectuais não são objeto de direitos reais; e a aplicação subsidiária das regras
do direito real só poderá fazer-se em relação a disposições não características
da propriedade, como as dos arts. 1208o
e 1309o
, por exemplo4
.
Distinções entre direitos reais e pessoais
Não é pacífica a distinção entre os direitos reais e os direitos pessoais. Para alguns, não há sequer
diferença, como é o caso de Demogue, a quem os direitos reais nada mais são do que direitos pessoais,
porquanto, assim como estes, são constituídos por relações intersubjetivas (entre pessoas), só que
com eficácia erga omnes (sujeito passivo universal), de modo que todas as pessoas são obrigadas a
respeitá-los (teoria monista personalista); e de Gaudemet, que defende que os direitos pessoais nada
mais são do que direitos reais, tendo em vista que ambos incidem sobre coisas, sendo que estes atuam
sobre coisas determinadas e aqueles sobre o patrimônio do devedor (teoria monista realista)5
.
Não obstante as teorias acima referidas possuam respeitáveis adeptos, o fato é que a doutrina
majoritária distingue os direitos reais dos direitos pessoais (teoria eclética ou mista). E são muitos
os critérios utilizados para tanto. Vejamos:
»
» Em relação ao sujeito de direito: nos direitos pessoais, os sujeitos ativo (credor) e
passivo (devedor) são determinados ou determináveis (em uma compra e venda, por
exemplo celebrada entre João e Maria, são sujeitos ativo e passivo, João e Maria);
já nos direitos reais, o sujeito ativo é sempre determinado, enquanto que o sujeito
passivo é indeterminado (na propriedade, por exemplo: sabe-se perfeitamente
quem é o sujeito ativo, o proprietário, mas não se sabe, até que haja violação a este
direito, quem é o sujeito passivo).
»
» Quanto ao objeto: os direitos pessoais têm sempre por objeto uma prestação do
devedor, que pode ser de dar, fazer ou não fazer (nos direitos pessoais, o objeto
pode ser, por exemplo, o de dar um determinado bem, como ocorre na compra e
venda, ou o de fazer alguma coisa, como na prestação de serviços, ou, por fim, o de
não fazer algo, como no caso em que alguém se obriga a não alienar determinado
bem a certa pessoa); enquanto que, nos direitos reais, o objeto é sempre uma coisa
(uma casa, um apartamento, um carro, um relógio).
4
	Os artigos citados referem-se, logicamente, ao Código Civil Português.
5
	 Sobre essas teorias, bem como seus precursores, cf. Santos Justo (2007, p. 101-103).
16
UNIDADE I │ DO DIREITO DAS COISAS
»
» Em relação ao limite: os direitos pessoais são ilimitados (numerus apertus), ou
seja, permite a criação de novas figuras contratuais, mesmo que não previstas na
legislação (em se tratando de direitos pessoais, as pessoas não estão vinculadas
aos modelos jurídicos previstos em lei); os direitos reais, por sua vez, são limitados
(numerus clausus), não se permitindo a criação de novas espécies que não as
constantes da legislação.
»
» Quanto à extinção: os direitos pessoais extinguem-se pela inércia do sujeito ativo
(caso a pretensão surgida com o nascimento do direito pessoal não seja exercida
dentro dos prazos previstos em lei, ocorrerá a prescrição, fulminando o poder de
exigir o cumprimento da obrigação); já os direitos reais conservam-se até que se
continua uma situação contrária em proveito de outra pessoa (por meio da usucapião
e da morte, basicamente.)
Classificação
Os direitos reais são tradicionalmente classificados em jus in re propria (direito sobre coisa própria)
e jura in re aliena (direito sobre coisa alheia). Direito sobre coisa própria é a propriedade; e direitos
sobre coisa alheia, os demais.
Os direitos sobre coisa alheia (também chamados direitos reais limitados) subdividem-se, por sua
vez, quanto à função6
, em direitos de gozo ou fruição, direitos de garantia e direitos de aquisição.
Os direitos de gozo ou fruição “conferem ao seu titular o poder ou faculdade de utilizar, total ou
parcialmente, a coisa que têm por objeto e, por vezes, também de se apropriar (total ou parcialmente)
dos frutos produzidos” (SANTOS JUSTO, 2007, p. 42-43). É o caso da superfície, das servidões, do
usufruto, do uso, da concessão de uso especial para fins de moradia, da concessão de direito real de
uso e da habitação.
Os direitos reais de garantia, por sua vez, “conferem ao credor o poder ou faculdade de se pagar
pelo valor (ou rendimentos) de certos bens, com preferência sobre os demais credores” (SANTOS
JUSTO, 2007, p. 44). São, portanto, “direitos que visam assegurar a satisfação de direitos de crédito,
colocando seus titulares numa posição preferencial em relação aos restantes credores do mesmo
devedor” (SANTOS JUSTO, 2007, p. 44). São direitos de garantia a hipoteca, o penhor e a anticrese.
Já os direitos reais de aquisição “conferem ao titular o direito de converter-se em proprietário de
determinada coisa” (GOMES, 2007, p. 19). Desta espécie é o direito do promitente comprador.
Com relação aos direitos reais na coisa alheia, outras classificações existem, menos difundidas,
mas não menos importantes, porque enaltecem algumas características dos direitos reais. Façamos
referência a duas, apenas.
Em relação ao conteúdo, os direitos reais limitados classificam-se em direitos sobre a substância
e direitos sobre o valor. Segundo Gomes (2007, p. 18), “nos primeiros, a substância da coisa fica
6
	E o termo “função”, nunca antes visto em outra obra, é bem empregado por Oliveira Ascensão (2000, p. 176).
17
DO DIREITO DAS COISAS │ UNIDADE I
imediatamente a serviço do titular, enquanto, nos segundos, o titular não pode tocá-la, pertencendo-
lhes, apenas, o valor do dinheiro ínsito na coisa”. São direitos reais sobre o valor o penhor, a hipoteca
e a anticrese, e sobre a substância, os demais.
Em relação à pessoa do titular, os direitos reais sobre coisa alheia classificam-se em subjetivamente
pessoais e subjetivamente reais. Para Gomes (2007, p. 18), os primeiros são os que pertencem a
pessoa individualmente determinada; enquanto que os segundos, a quem, em cada momento, seja o
proprietário de certo imóvel. De modo que, conclui Gomes (2007, p. 18), subjetivamente pessoal “é,
por exemplo, o usufruto, que se constitui sempre em favor de pessoa determinada e insubstituível na
relação jurídica real” e subjetivamente real “a servidão, que grava o prédio seja quem for seu dono,
pouco importando, assim, que tenha sido ele quem admitiu o ônus ou seu sucessor na propriedade
do imóvel”.
18
CAPÍTULO 2
Características dos direitos reais:
oponibilidade erga omnes, sequela,
taxatividade e preferência
Em razão das características que apresenta, é que os direitos reais assumem identidade própria,
formando, portanto, um sistema jurídico. São essas peculiaridades que os distanciam dos direitos
pessoais, e de outros sistemas ou institutos jurídicos.
Os direitos reais são oponíveis contra todas as pessoas (erga omnes). “Ao poder directo e imediato
que o titular de um direito real tem sobre a coisa objecto do seu direito corresponde a obrigação de
todas as pessoas o respeitarem, nada devendo fazer que possa impedir ou dificultar o seu exercício”
(SANTOS JUSTO, 2007, p. 15). É o que se denomina sujeição (ou obrigação) passiva universal. Por
esse motivo, os direitos reais são caracterizados, também, como direitos absolutos, em contraposição
aos direitos relativos, cujos sujeitos passivos são pessoas determinadas.
Por serem oponíveis contra todas as pessoas, os direitos reais necessitam, evidentemente, de um
meio pelo qual possam tornar-se conhecidos. Sobre o assunto, confira-se a lição de Leonardo
Brandelli (2007, p. 239-240):
Os direitos reais somente serão efetivamente direitos reais, dotados da
característica da oponibilidade “erga omnes”, se o direito fornecer algum
instrumento adequado de publicidade que permita à coletividade tomar
conhecimento da existência de tal direito, sem o que não poderá afetar a
terceiros de boa-fé, sob pena de haver afronta ao princípio da segurança
jurídica, da boa-fé objetiva e até mesmo da justiça.
Para dar publicidade aos direitos reais, o sistema jurídico prevê dois meios específicos: a tradição,
para os bens móveis, e o registro, para os bens imóveis, conforme veremos, com mais vagar. Essa
constitui, sem dúvida, a principal característica dos direitos reais. É exatamente sobre ela que outras
se estruturam, como é o caso da sequela e da taxatividade (numerus clausus).
Sequela é o direito “que tem o titular do direito real de seguir a coisa em poder de todo e
qualquer detentor ou possuidor” (GOMES, 2007, p. 19). Tal direito está previsto no Código Civil,
expressamente, em relação ao direito de propriedade:
Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa,
e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou
detenha.
Assim, e apenas para exemplificar, se “A” vende a “B” imóvel pertencente a “C”, este poderá reaver
de “B” o seu imóvel.
19
DO DIREITO DAS COISAS │ UNIDADE I
Mas não só o proprietário tem o direito de reaver a coisa do poder de quem quer que injustamente
a possua ou detenha. Essa faculdade se manifesta, em maior ou menor grau, em todos os direitos
reais, principalmente naqueles que envolvam contato direto com a coisa, como é o caso do usufruto,
do uso, da habitação, do penhor, entre outros.
A taxatividade, é também conhecida como tipicidade ou princípio do numerus clausus. Significa que
os direitos reais são somente aqueles previstos em lei. Não é dado às pessoas criar novos institutos,
nem modificar os existentes, diferentemente do que se passa no âmbito do direito das obrigações.
A principal razão para a imposição dessa limitação está exatamente na oponibilidade erga omnes
dos direitos reais. De modo que o sistema jurídico proscreve “a possibilidade de alguns agravarem a
liberdade dos restantes membros da comunidade” (SANTOS JUSTO, 2007, p. 36).
Há quem entenda, como é o caso de Oliveira Ascensão (2000, p. 154-155), que o
sistema aberto seria preferível, por melhor atender as necessidades reais e porque
os inconvenientes que lhes são assinalados podem ser prevenidos desde que se
tracem os limites de atuação da autonomia privada e se exija publicidade de todo o
direito real inominado.
A preferência é característica que se restringe aos direitos reais de garantia. Consiste, segundo
Gomes (2007, p. 20), “no privilégio de obter o pagamento de uma dívida com o valor do bem aplicado
exclusivamente à sua satisfação”. É o direito que assiste ao credor pignoratício, ou hipotecário, de
ser pago antes de qualquer outro credor7
com o produto da venda do bem empenhado ou hipotecado.
Imagine que “A”, proprietário de imóvel no valor de $110, o tenha hipotecado a “B”, em garantia do
pagamento de dívida com este contraída no valor de $80. Suponha, ainda, que “A” deva a “C” $ 100
e a “D”, $ 50, meros credores quirografários. Assim, em eventual execução coletiva, o produto da
venda do imóvel de “A” não seria rateado entre todos os credores, mas, sim, em razão da preferência,
seria primeiro pago “B”, e o saldo apurado dividido, proporcionalmente aos respectivos créditos,
entre os demais credores, “C” e “D”.
7
	 Existem, logicamente, exceções, como, inclusive, prescreve o próprio art. 1.422, p. u., do Código Civil:
	 Art. 1.422. O credor hipotecário e o pignoratício têm o direito de excutir a coisa hipotecada ou empenhada, e preferir, no
pagamento, a outros credores, observada, quanto à hipoteca, a prioridade no registro.
	 Parágrafo único. Excetuam-se da regra estabelecida neste artigo as dívidas que, em virtude de outras leis, devam ser pagas
precipuamente a quaisquer outros créditos.
20
UNIDADE II
POSSE
CAPÍTULO 1
Conceito e natureza jurídica
Conceito
Atéosdiasdehoje,inúmerasdivergênciasdoutrináriaspersistem em relaçãoàposse, principalmente
no que diz respeito ao seu conceito, à sua natureza jurídica e ao seu objeto.
Desde os primórdios da humanidade, os homens submeteram ao seu poder as coisas que entendiam
convenientes à satisfação de suas necessidades. E esse poder, como não poderia deixar de ser, é
disciplinado pelo Direito, porquanto constitui um dos elementos necessários à existência da vida em
comum. Confira-se, a respeito, importante lição de Mota Pinto (1999, p. 131):
O poder de fato sobre as coisas submete-se materialmente à vontade do homem.
Mas, se o direito se desinteressasse, por absurdo, de submeter os poderes dos
homens sobre as coisas à sua disciplina, o poder de fato sobre as coisas não
se impunha ao respeito das outras pessoas. Tornar-se-ia inseguro, exposto a
agressões, seria defendido com força própria do seu titular.
Uma tal situação seria a negação da ordenação jurídica da sociedade. Seria o
reino da força, pois sendo os bens escassos em relação às necessidades sentidas
pelos homens, e procurando estes subtrair-se ao império das necessidades,
seria inevitável a luta pela sua apropriação. Seria impossível, pois, a vida em
comum.
Constitui, assim, missão fundamental do direito organizar, segundo os valores
jurídicos, os poderes dos homens sobre as coisas e o conteúdo das relações
entre os homens a respeito das coisas.
Atento a essas peculiaridades, o Direito regula três situações distintas, em que se manifesta o poder
dos homens sobre as coisas, quais sejam: a propriedade, a posse e a detenção. Da propriedade, nos
ocuparemos na Unidade seguinte. Passemos, então, ao estudo da posse e da detenção.
21
POSSE │ UNIDADE II
A definição de posse não é unânime na doutrina. Desde muito tempo, duas teorias “procuraram
fixar a noção de posse por meio de meticulosa análise dos elementos que consideram essenciais à
sua conceituação” (GOMES, 2007, p. 29). Trata-se da teoria subjetiva, idealizada por Friedrich Carl
von Savigny, e da teoria objetiva, de autoria de Rudolf Von Ihering.
Segundo Savigny, posse é o poder de dispor, fisicamente, da coisa, com ânimo de a considerar sua
e de defendê-la contra a intervenção de outrem (BEVILÁQUA, 1976, p. 19). Desse modo, a posse
requer, para sua existência, a presença de dois elementos, a saber, o corpus e o animus. “O corpus
é o elemento material que se traduz no poder físico da pessoa sobre a coisa. O animus, o elemento
intelectual, representa a vontade de ter a coisa como sua. Não basta o corpus, como não basta o
animus. (...) Se não existe a vontade de ter a coisa como própria, haverá simples detenção” (GOMES,
2007, p. 32). E se, apesar do contato físico com a coisa, não existe corpus e animus, não se há que
falar em posse, nem detenção, mas, apenas, relação de lugar com a coisa ou mera “justaposição
local” (KIPER, 2004, p. 151).
Na concepção de Savigny, o corpus consiste na possibilidade material de fazer da coisa o que
quisermos e afastar dela toda ação estranha, sem que haja, sempre e constantemente, necessidade
de contato físico (BEVILÁQUA, 1976, p. 21). Já o animus consiste na vontade de ter a coisa como
própria. Esta vontade não deve ser confundida com a vontade do proprietário (opinio domini). O
salteador, que, à força, esbulha a posse do proprietário, tem consciência de que não é titular de
direito de propriedade algum, mas, nem por isso, está impedido de se portar em relação à coisa
como se ela fosse sua.
Porexigiroanimusdomini(ouanimusremsibihabendi)comorequisitoindispensávelàconfiguração
da posse, essa doutrina “considera simples detentores o locatário, o comodatário, o depositário, o
mandatário e tantos outros que, por títulos análogos, têm poder físico sobre determinadas coisas”
(GOMES, 2007, p. 33). Esses tais detêm a coisa em virtude de título que importa o reconhecimento
de direito de terceiro, o que exclui a intenção de possuí-la como própria (LAFAYETTE, 1977, p. 35).
Justamente por atribuir relevo ao elemento intencional, só reconhecendo posse em que há animus
domini (ou animus rem sibi habendi), essa teoria foi, não por Savigny, mas por Ihering, qualificada
de subjetiva (ou teoria da vontade).
Já para Ihering, posse nada mais é do que a exteriorização da propriedade. De maneira que, com
apoio em Beviláqua (1976, p. 24-25), podemos dizer que o critério da existência da posse há de ser
o modo pelo qual o proprietário usa, normalmente, sua propriedade, o qual varia segundo o destino
econômico das coisas de que o homem se serve. Há coisas que permanecem sob a proteção ou a
vigilância pessoal ou real, outras não. O lavrador deixa os seus molhos de feno ou de trigo em pleno
campo, o arquiteto deixa, ao lado das obras que está construindo os materiais a elas destinados,
mas ninguém assim procede com relação aos seus objetos preciosos, aos seus móveis etc.; todos
os conservam dentro de casa. O mesmo estado, que é normal para as primeiras dessas coisas,
será anormal para as outras, porque não é esse o modo pelo qual, habitualmente, se manifesta a
exterioridade da propriedade sobre elas. Assim, a posse deve continuar para as primeiras, quando
não há vigilância pessoal ou real, e cessar para as segundas. Se encontramos materiais de construção
junto a obras, sabemos que há uma relação de vontade de alguém, perfeitamente visível, tendo
22
UNIDADE II │ POSSE
por objeto aqueles materiais. Se, porém, é uma joia que aí encontramos, tal relação não existe, e
prestaremos serviço ao possuidor.
Ihering, assim como Savigny, destaca dois elementos constitutivos da posse: corpus e animus. Para
Ihering, sem que exista vontade não há relação possessória (IHERING, 1926, p. 279), ocorrendo,
na verdade, simples relação de proximidade material entre uma pessoa e uma coisa, o que não
apresenta significação jurídica alguma (IHERING, 1926, p. 279).
Diz Ihering que quando esses dois elementos estiverem presentes (corpus et animus), tem-se,
sempre, posse, a menos que exista disposição legal determinando que se trata de mera detenção
(1926, p. 268). Entretanto, segundo Ihering, esses elementos não são separáveis, estando, ao
contrário, imbricados um no outro de forma indissociável (LUSO SOARES, 1980, apud SANTOS
JUSTOS, 2007, p. 149). Para Ihering, o corpus não pode existir sem o animus, assim como o animus
não pode existir sem o corpus (1926, p. 292). No seu entender, corpus e animus são entre si como
a palavra e o pensamento. Assim como, na palavra, o pensamento toma corpo, no corpus, o animus
se concretiza (1926, p. 292). É por esse motivo que sua teoria é denominada objetiva.
O nosso Direito Civil adotou a teoria objetiva da posse. É o que se extrai, facilmente, da definição
legal de possuidor, exposta no art. 1.196 do Código Civil, que diz o seguinte: “Art. 1.196. Considera-
se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes
à propriedade”.
Desualeitura,percebe-sequeodispositivotranscritoestáemconsonânciacomadoutrinadeIhering.
Quem exerce alguns dos poderes inerentes à propriedade, como está no texto legal, evidentemente,
a exterioriza, o que se afina com a doutrina objetiva.
Entretanto, é importante dizer, na esteira de Gomes (2007, p. 39), que, ao consagrar a teoria objetiva
da posse não guardou o nosso Código fidelidade absoluta em relação à ela, na medida em que foram
feitas algumas concessões à doutrina subjetiva.
Além do possuidor, estabelece o nosso Código Civil, desta vez no seu art. 1.198, a definição de
detentor. Confira sua redação: “Art. 1.198. Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação
de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou
instruções suas”.
Detentor, também conhecido como fâmulo da posse, servidor da posse ou servo da posse, é,
portanto, o que “detém a coisa em nome de outrem, seguindo as orientações e as ordens de quem
tem efetivamente a posse dela” (NERY JUNIOR, 2008, p. 848). Existe relação de dependência
quando o possuidor pode, à sua vontade, retirar este poder de fato àquele que o exerce (CARVALHO
SANTOS, 1984, p. 31). Quando, ao contrário, em razão de relação jurídica qualquer, atribuir-se ao
sujeito que exerce poder de fato sobre a coisa certos direitos e independência, por mais limitados
e transitórios que sejam, não mais estaremos perante detenção, mas, sim, de posse (CARVALHO
SANTOS, 1984, p. 31).
23
POSSE │ UNIDADE II
São detentores, por exemplo, o caseiro, em relação ao imóvel de que cuida; os empregados em
geral, quanto aos instrumentos de trabalho; os bibliotecários, em relação aos livros sob sua
responsabilidade; entre outros.
A distinção entre possuidor e detentor é importante porque só aquele, e não a este, assiste o direito
de invocar a proteção possessória. Todavia, assegura-se aos detentores certas prerrogativas que são
próprias dos possuidores, como o desforço imediato, em caso de turbação da posse.
Nos termos do Enunciado no
301, aprovado na IV Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho
da Justiça Federal, é possível a conversão da detenção em posse, desde que rompida a subordinação,
na hipótese de exercício em nome próprio dos atos possessórios. Neste caso, entretanto, a prova
cabe ao detentor, conforme prescreve o parágrafo único do art. 1.198 do Código Civil.
Discute-se, outrossim, na jurisprudência, se é possível ocorrer posse em terras públicas, e,
consequentemente, a possibilidade de se conceder proteção possessória a particulares, em tais casos.
Há que se distinguir, nessa seara, a hipótese de quem simplesmente invade uma área pública e a ocupa
sem qualquer título recebido do poder público, daquele que ocupa uma área pública porque recebeu do
próprio poder público uma permissão de uso. No primeiro caso, haverá invasão ou ocupação irregular.
No segundo, existirá mera detenção. Em ambos os casos, não se tem direito a proteção possessória.
Predomina, na jurisprudência, o entendimento de que a ocupação de terras públicas pode configurar,
quando muito, mera detenção. Nesse sentido, consulte-se o decisum a seguir:
POSSESSÓRIA. ÁREA PÚBLICA. OCUPAÇÃO. MERA DETENÇÃO. 1 – Área
pública é insuscetível de ascendência possessória por particulares. O poder de
fato sobre ela exercido decorre de mera tolerância do Poder Público. Irrelevante
a boa ou má-fé do ocupante e a existência ou a inexistência de destinação
pública específica da área. 2 – Caracteriza, a ocupação, simples detenção,
não passível de se lhe estenderem os efeitos da posse, entre eles a proteção
dos interditos e a indenização por benfeitorias. 3 – Apelação não provida.
(20100112343513APC, Relator JAIR SOARES, 6ª Turma Cível, julgado em
01/06/2011, DJ 09/06/2011 p. 254)
Não obstante, tem-se reconhecido a possibilidade do particular que ocupe área pública, a qualquer
título,obtenharestritaproteçãopossessória,nãocontraopoderpúblico,mascontraoutrosparticulares.
Em tais casos, a disputa pela posse resolve-se em favor de quem detém a coisa com maior aparência de
legítimo possuidor. Veja-se, a esse respeito, a seguinte ementa de decisão, in verbis:
EMENTA: CIVIL E PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE.
OPOSIÇÃO. ÁREA PÚBLICA. PARTICULARES. OCUPAÇÃO IRREGULAR.
POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. POSSE PRECÁRIA. NECESSIDADE
DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. Em relação a terceiros, é juridicamente possível
o pedido de tutela da posse, enquanto fato jurídico, mesmo em se tratando de
terras públicas. Somente há que se falar em mera detenção, indefensável por
meio dos interditos, aquela oponível ao próprio poder público. A disputa da posse
24
UNIDADE II │ POSSE
sobre terras públicas, travada entre particulares, consubstancia questão social
relevante, que em nada afeta o domínio patrimonial do Estado sobre tais bens. A
reintegração de posse ajuizada com lastro na posse como estado de fato, sem que
haja prova do domínio, resolve-se em favor de quem a detém de forma melhor e
com melhor aparência, de forma a viabilizar a outorga da qualificação de legítimo
possuidor. Se a questão possessória tratada nos autos evidencia a necessidade de
dilação probatória, a fim de se esclarecer quais as áreas ocupadas pelas partes,
o tempo que exerceram posse, bem como a ocorrência do alegado esbulho, a
cassação da sentença e o retorno dos autos à instância de origem é medida que se
impõe. Recurso conhecido e provido. Sentença cassada. (20100110028687APC,
Relator ANA MARIA DUARTE AMARANTE BRITO, 6ª Turma Cível, julgado
em 11/05/2011, DJ 19/05/2011 p. 200)
Natureza jurídica
Com relação à natureza jurídica da posse, dividem-se os juristas em três correntes: uns a consideram
um fato (Cujacius, Donnellus, Voet, Windscheid, De Filipis, Trabucchi); alguns, um direito
(Accursius, Bartolo, Ihering, Molitor, Cogliolo, Teixeira de Freitas, Edmundo Lins); e, por fim,
outros, um fato e um direito, simultaneamente Savigny, Merlin, Namur, Domat, Ribas, Lafayette
(PEREIRA, 2006, p. 25).
Entretanto, atualmente, prevalece na doutrina a tese de que a posse é um direito. Dizem os defensores
desta teoria que a posse nada mais é do que um interesse juridicamente protegido (SAVIGNY).
E, sendo um direito, resta saber se tem natureza de direito real ou pessoal. Por ser exercida direta
e imediatamente sobre a coisa, ou seja, sem intermediário, estando, ademais, todas as pessoas
obrigadas a respeitá-la (eficácia erga omnes), a posse é, sem dúvida, um direito real.
25
CAPÍTULO 2
Objeto – Súmula no
228, do STJ
Composse
A princípio, podem ser objeto de posse todas as coisas que puderem ser objeto de propriedade. Isso
porque, segundo o Código Civil, art. 1.196, considera-se possuidor “todo aquele que tem de fato o
exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”.
E, conforme adverte Gomes (2007, p. 112), somente pode ser objeto do direito de propriedade
bens corpóreos, não se estendendo, portanto, a bens incorpóreos (propriedade literária, artística
e científica), a valores (fundo de comércio, nome comercial, clientela, patentes de invenção) e a
direitos.
Assim entendem, também, os lusitanos José de Oliveira Ascensão (2000, p. 63-65) e Santos Justo
(2007, p. 161-163) e o alemão Martin Wolff (1936, p. 30). No Brasil, Nelson Rosenvald e Cristiano
de Chaves Farias (2007, p. 56) comungam desta opinião.
Entretanto, para alguns autores, além dos bens corpóreos, podem ser objeto de
posse os direitos reais, com exceção da hipoteca, cujo bem dado em garantia não
fica sob o poder material do credor (Clóvis Beviláqua, Serpa Lopes, Carvalho Santos,
Tito Fulgêncio e Washington de Barros Monteiro).
Para outros, também constituem objeto da posse os direitos pessoais patrimoniais
ou de crédito, como os direitos do locatário, do comodatário e do depositário, os
quais se encontram em relação direta com a coisa (Vicente Ráo, Astolfo Rezende e
Messineo).
Acrescente-se que, para ser objeto do direito de propriedade, não basta que seja bem corpóreo. Exige-
se mais. Requer-se coisa especificamente determinada, não havendo, por conseguinte, propriedade
de um patrimônio considerado em sua unidade, mas, sim, tantos direitos de propriedade quantos
sejam os bens que o componham (GOMES, 2007, p. 112).
Superada está a doutrina inaugurada por Ruy Barbosa que incluía entre o objeto da posse os direitos
em geral, como é o caso do direito ao exercício de um cargo público. Com a previsão legal do mandado
de segurança, essa construção doutrinária perdeu sua razão de existir.
Entre as coisas corpóreas, não se sujeitam, todavia, à posse:
a.	 as coisas que, por sua própria natureza, são inapropriáveis, por fugirem ao poder
físico dos homens, como a luz, o ar atmosférico, o mar etc.;
b.	 os bens que, por sua destinação, não podem ser objeto de poder jurídico privado
excludente dos demais, como é o caso dos bens de uso comum do povo. E entre as
26
UNIDADE II │ POSSE
relações jurídicas em que se decompõe a propriedade, a hipoteca, cujo bem dado em
garantia não fica sob o poder material do credor.
Muito embora existam controvérsias, não se admite, em nosso sistema, a posse de coisas incorpóreas
e direitos pessoais. Quanto àquelas, isso está bem claro na Súmula no
228 do Superior Tribunal de
Justiça, assim redigida: “É inadmissível o interdito proibitório para a proteção do direito autoral”.
27
CAPÍTULO 3
Espécies de posse, aquisição e perda
de posse
Éspécie de posse
A presença, ou a ausência, de determinados elementos, objetivos ou subjetivos, no âmbito da posse,
a qualifica, diversificando-a, desse modo, em várias espécies.
Com efeito, a posse pode ser obtida de modo lícito ou ilícito. No primeiro caso, a posse é qualificada
como justa; e, no segundo, como injusta. Justa é a posse adquirida por algum dos modos previstos
em lei. Ao contrário, injusta é a posse adquirida mediante violência, clandestinidade ou precariedade
(CC, art. 1.200).
Posse violenta é a que se obtém mediante coação física ou moral. Posse clandestina é a que se
estabelece às ocultas. Posse precária, por fim, é a que se origina do abuso de confiança por parte
daquele que recebera a coisa para, posteriormente, restituí-la e, quando se lhe a exige, recusa-se a
fazê-lo, passando a possuí-la em seu próprio nome.
Em relação aos bens móveis, os vícios possessórios acima delineados configuram,
respectivamente, os crimes de roubo (posse violenta), furto (posse clandestina) e
apropriação indébita (posse precária).
A posse pode, ainda, ser dividida em posse de boa-fé e posse de má-fé. Tem-se posse de boa-fé
quando o possuidor ignora o vício, ou obstáculo, que lhe impede a aquisição da coisa e posse de má-
fé quando, ao invés, o possuidor não ignora esse vício ou obstáculo.
Classifica-se, ainda, a posse em posse natural (ou efetiva) e em posse civil (ou jurídica ou não efetiva).
Posse natural é a que “se constitui pelo exercício de poderes de fato sobre a coisa, ou, segundo
Limongi França, a ‘que se assenta na detenção material e efetiva da coisa’” (apud GONÇALVES,
2008, p. 83). Já a posse civil é a que “se adquire por força da lei, sem a necessidade de atos físicos
ou da apreensão material da coisa” (GONÇALVES, 2008, p. 83). O principal exemplo desse tipo
de posse é o constituto possessório, modo derivado de aquisição da posse em que o possuidor de
uma coisa em nome próprio passa a possuí-la em nome alheio. É o que se verifica quando alguém,
possuindo um bem como proprietário, o aliena, mas continua a possuí-lo, todavia, como locatário.
Outra classificação tradicional é a que divide a posse em nova e velha, sendo posse nova a de menos
de ano e dia e posse velha a de mais de ano e dia. Essa distinção tem importante aplicação nos
interditos possessórios.
28
UNIDADE II │ POSSE
Divide-se a posse, também, em posse ad usucapionem e posse ad interdicta. Posse ad usucapionem
é a que possibilita a aquisição do domínio; e posse ad interdicta é a que permite a utilização dos
interditos possessórios. A diferença entre estas espécies de posse reside nos requisitos de cada uma
delas. Enquanto que, para se valer dos interditos possessórios, basta a affectio tenendi (vontade de
reter a coisa), para a usucapião, requer-se mais, pois se exige animus domini (vontade de ter a coisa
para si). Um exemplo facilitará a compreensão.
Por seu turno, quanto à figura do locatário pode valer-se dos interditos possessórios, porque
apresenta affectio tenendi, mas não sairá vitorioso em eventual ação de usucapião, porque lhe falta
animus domini.
Por fim, classifica-se a posse em direta e indireta. Posse indireta tem quem cede o uso da coisa e
posse direta aquele que, por direito real ou obrigacional, a recebe. As posses diretas e indiretas não
colidem entre si e nem se excluem (PEREIRA, 2006, p. 33). Ambas são igualmente tuteladas. Tanto
o possuidor direto quanto o indireto, podem invocar a proteção possessória em face de terceiros,
permitindo-se, ainda, ao possuidor direto defender a sua posse contra o indireto, nos termos do art.
1.197 do Código Civil.
Aquisição e perda da posse
Diferentemente do anterior, que relacionava os modos aquisitivos da posse, com o que era criticado
pela doutrina, o atual Código Civil apenas estabelece, no art. 1.204, que se adquire a posse “desde o
momento em que se torna possível o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes
à propriedade”.
Como os direitos em geral, os modos de aquisição da posse podem ser classificados em originários
e derivados. No primeiro caso, não há consentimento de possuidor precedente, como ocorre na
apreensão ou no esbulho; no segundo, há anuência do anterior possuidor, como acontece na tradição
precedida de negócio jurídico.
Nos modos originários de aquisição da posse, esta se apresenta livre dos vícios que a contaminavam.
Assim, e o exemplo é dado por Gonçalves (2008, p. 88), se o antigo possuidor era titular de uma
posse de má-fé, por havê-la adquirido clandestinamente ou a non domino, tais vícios desaparecem
ao ser ele esbulhado.
Já nos modos derivados de aquisição da posse, o adquirente a recebe com todos os vícios que a
inquinavam nas mãos do alienante. De modo que, se este desfrutava de posse violenta, aquele a
adquire com o mesmo defeito. Isso é o que está no art. 1.203 do Código Civil.
São modos originários de aquisição da posse:
c.	 a apreensão;
d.	 o exercício do direito;
e.	 a disposição do direito.
29
POSSE │ UNIDADE II
São, todavia, modos derivados de aquisição da posse:
a.	 a tradição;
b.	 o constituto possessório;
c.	 a sucessão mortis causa.
Por outro lado, perde-se a posse quando cessa, embora contra a vontade do possuidor, o poder
sobre o bem, conforme explicita o art. 1.223 do Código Civil. Ou seja, perde-se a posse quando não
é mais possível o exercício, pelo possuidor, de alguns dos poderes inerentes à propriedade. É o que
ocorre no abandono, na destruição ou na perda da coisa, na tradição e no esbulho.
30
CAPÍTULO 4
Efeitos da posse e tutelar penal da posse
Efeitos da posse
Independentemente da teoria adotada, é praticamente unânime na doutrina8
que a posse produz
efeitos9
. Divergem os autores, contudo, sobre quais sejam tais efeitos. Se, para uns, a posse produz
um único efeito, qual seja, o de induzir à presunção de propriedade, para outros, são vários os
efeitos da posse10
.
Certo é que, segundo o nosso ordenamento jurídico, a posse produz os seguintes efeitos.
»
» Direito aos interditos
»
» Direito à indenização dos prejuízos sofridos com a turbação ou o esbulho
»
» Direito à percepção de frutos
»
» Direito à indenização das benfeitorias úteis e necessárias
»
» Direito de retenção pelo valor das benfeitorias úteis e necessárias
»
» Direito de levantar as benfeitorias voluptuárias
»
» Direito à usucapião
Adverte Gomes (2007, p. 79) que alguns desses efeitos se produzem em todas as espécies de posse,
enquanto outros são próprios da posse de boa-fé.
Tutela penal da posse
A posse constitui bem jurídico tão importante para o convívio social que alguns atentados contra ela
configuram ilícitos penais. Em outras palavras, não apenas na esfera civil se dá a proteção da posse,
mas, também, no âmbito penal. Essa relação entre o Direito Civil e o Direito Penal é bem explicitada
por Mota Pinto (1999, p. 44):
Quando um comportamento lesivo de outrem, além do prejuízo causado à
pessoa, lesa o interesse social com certa intensidade, a reacção do Direito Civil,
posta em movimento pela pessoa lesada, é reforçada pelo Direito Criminal,
ordenamento dirigido à proteção dos valores da colectividade, isto é, com
especial relevo comunitário.
8
	Praticamente porque, conforme refere Pereira (2006, p. 59), não faltou quem lhe negasse qualquer efeito.
9
	Aliás, é precisamente a existência desses efeitos a razão de toda a celeuma que se trava em torno da natureza jurídica da posse.
10
	Consoante Pereira (2006, p. 59) e Gomes (2007, p. 77), houve quem atribuisse à posse 72 (setenta e dois) efeitos.
31
POSSE │ UNIDADE II
Dessarte, os atos de violência contra a posse são tipificados como crimes nos arts. 157 e 161, § 1o
,
II, do Código Penal. Em relação aos bens móveis, esta agressão à posse recebe o nomen iuris de
roubo e, no tocante aos bens imóveis, o de usurpação, mais especificamente esbulho possessório. No
primeiro, a pena é de reclusão e multa; no segundo, de detenção e multa.
Também a clandestinidade é combatida na esfera penal. No que diz respeito aos bens móveis, é
regulada pelo art. 155 do Código Penal, conhecida por furto e punida com reclusão e multa. Em
relação aos bens imóveis, vem expressa no art. 161 do Código Penal, recebe o nome de usurpação,
mais especificamente alteração de limites, sendo sancionada com detenção e multa.
Por fim, a precariedade, a qual é tipificada no art. 168 do Código Penal e punida com reclusão e
multa, sendo, ademais, referente, apenas, aos bens móveis.
32
UNIDADE III
DA PROPRIEDADE
CAPÍTULO 1
Noções gerais
Segundo Gomes (2007, p. 109), o direito de propriedade pode ser conceituado à luz de três critérios,
a saber, o sintético, o analítico e o descritivo. Para o saudoso jurista, nenhum desses critérios satisfaz
isoladamente, mas, juntos, permitem ter do direito de propriedade noção suficientemente clara.
Sinteticamente, pode-se definir a propriedade como “a submissão de uma coisa, em todas as suas
relações, a uma pessoa” (GOMES, 2007, p. 109); analiticamente, como “o direito de usar, fruir
e dispor de um bem, e de reavê-lo de quem injustamente o possua” (GOMES, 2007, p. 109); e,
descritivamente, como “o direito complexo, absoluto, perpétuo e exclusivo, pelo qual uma coisa fica
submetida à vontade de uma pessoa, com as limitações da lei” (GOMES, 2007, p. 109).
A propriedade é um direito: a) complexo, na medida em que consubstancia as faculdades de usar,
gozar, dispor e reivindicar a coisa que lhe serve de objeto; b) absoluto, porquanto cabe ao titular o
poder de decidir “se deve usar a coisa, abandoná-la, aliená-la, destruí-la, e, ainda, se lhe convém
limitá-lo, constituindo, por desmembramento, outros direitos reais em favor de terceiros” (GOMES,
2007, p. 109); c) perpétuo, tendo em vista que apresenta duração ilimitada; d) exclusivo, porquanto
“sobre a mesma coisa só pode haver um direito de propriedade” (SANTOS JUSTO, 2007, p. 218),
atribuindo-se ao proprietário meios jurídicos destinados a “proibir que terceiros exerçam sobre
a coisa qualquer senhorio” (GOMES, 2007, p. 110); e e) elástico, “pois pode ser distendido ou
contraído, no seu exercício, conforme se lhe agreguem ou retirem faculdades destacáveis” (GOMES,
2007, p. 110).
O nosso atual Código Civil, assim como o anterior, não define o direito de propriedade. Limita-
se a descrever, genericamente, as faculdades concedidas ao proprietário, dizendo o seguinte: “Art.
1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do
poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”.
Tais poderes consubstanciam o conteúdo do direito de propriedade, sob o aspecto intrínseco.
De fato, o conteúdo do direito de propriedade pode ser analisado sob dois aspectos, extrínseco e
intrínseco.
33
DA PROPRIEDADE │ UNIDADE III
Soboaspectoextrínseco,deve-se“determinaroslimitesquecircunscrevemobjetivamenteopoderdo
proprietário” (GOMES, 2007, p. 113), ou seja, suas extensões horizontal e vertical. Essa investigação
será feita por nós mais a frente, no item 6.3, destinado ao objeto do direito de propriedade.
Já sob o aspecto intrínseco, deve-se determinar os poderes e faculdades que são concernentes
ao direito de propriedade. Com relação a esse aspecto, diz-se que tais poderes e faculdades são
indeterminados. Conforme Oliveira Ascensão (2000, p. 448), no direito de propriedade, os poderes
são atribuídos ao proprietário de maneira global (uti universi), de modo que “tudo o que nele se
inclua vai implicitamente atribuído”. Assim também entende Santos Justo (2007, p. 216), que,
citando Menezes Cordeiro, leciona ser “possível determinar, com precisão, o que o proprietário não
pode fazer”, mas o que pode fazer “só poderia ser exemplificado”.
Mas isso não quer dizer que os poderes e as faculdades atribuíveis ao proprietário são ilimitados.
Não se deve confundir indeterminação com ilimitação. Desde os tempos mais antigos, houve o
cuidado de limitar a utilização das coisas para satisfazer interesses públicos, privados, religiosos
e morais (SANTOS JUSTO, 2007, p. 229). Sempre se impôs uma dimensão social, mais ou menos
acentuada consoante o sistema político-econômico consagrado (SANTOS JUSTO, 2007, p. 229).
Sobre as limitações ao direito de propriedade, interessante a reflexão feita por
SANTOS JUSTO (2007, p. 229), afastando ideia largamente difundida, no sentido de
que, no Direito Romano, o direito de propriedade era absoluto:
Mesmo no direito romano, a propriedade nunca deixou de ser
limitada por motivos de interesse público, religioso e privado. Por
isso, é injusta a acusação feita por economistas e sociólogos de
inspiração socialista que, no século XX, invocavam a propriedade
romana como paradigma da propriedade capitalista. Fundavam
esta acusação na velha fórmula medieval que via naquela
propriedade o ius utendi, fruendi et abutendi erradamente
traduzida por direito de usar, fruir e abusar (abrangendo destruir),
em vez de usar, fruir e consumir (ou usar completamente).
As limitações ao direito de propriedade, refere Gomes (2007, p.143-144), podem ser classificadas
segundo a fonte, a extensão e o fundamento.
Considerando-se a fonte, as limitações ao direito de propriedade são legais, jurídicas e voluntárias,
conforme provenham, respectivamente, da lei, dos princípios gerais de direito e da vontade do
proprietário.
Quanto à extensão, a limitação pode atingir o direito em si ou alguma de suas faculdades. Diz-se que
uma pessoa tem a propriedade plena se ela reúne consigo todos os elementos da propriedade, sem
que terceiros tenham qualquer direito sobre o bem. Em oposição, limitada, restrita ou onerada, é
a propriedade objeto de algum ônus real. É o caso, por exemplo, do nu-proprietário, que conserva
apenas o domínio direto sobre o bem, enquanto o domínio útil, o direito de usar, gozar e dispor da
coisa, é deferido ao titular do direito real que onera a propriedade, como na hipótese do usufrutuário.
34
UNIDADE III │ DA PROPRIEDADE
Por fim, do ponto de vista do fundamento, as limitações podem ser reunidas conforme se inspirem
no interesse público ou no interesse privado, de terceiros ou do proprietário. No primeiro caso, há
subordinação do interesse privado aos interesses da coletividade; no segundo, há coordenação entre
interesses privados, visando sua coexistência harmônica.
Em relação ao tema ora em estudo, deve-se preferir a terminologia limitações a
restrições. Isso porque, segundo Santos Justo, com apoio em Oliveira Ascensão, o
vocábulo restrições faz crer que todas as intervenções apresentam caráter negativo,
quando, no entanto, podem, também, recair sobre o proprietário obrigações
positivas (SANTOS JUSTO, 2007, p. 231).
Entre os critérios utilizados para classificar as limitações ao direito de propriedade, o mais
interessante, porque mais abrangente, é o relativo à fonte. Ao tratarmos desse critério, teremos
oportunidade de fazer referência aos demais. Passemos, então, à sua análise.
As limitações legais estão expressas em leis, no que se inclui o próprio Código Civil, e atos
administrativos normativos, também conhecidos como regulamentos administrativos. Apresentam
como fundamento, de um lado, o interesse público e, de outro, interesses privados, ora em benefício
de proprietários de outros bens, ora em favor de qualquer outra pessoa.
Aduz Gomes (2007, p. 144-145) que as limitações legais impostas em favor do interesse público
pertencem ao campo do Direito Administrativo e caracterizam-se pela unilateralidade, na medida
em que não estabelecem vínculos recíprocos, enquanto que as prescritas em atenção aos interesses
privados pertencem ao campo do Direito Civil e caracterizam-se pela bilateralidade, tendo em vista
que criam vínculos recíprocos, como no caso dos direitos de vizinhança, que atingem, igualmente,
todos os vizinhos.
As limitações legais impostas em favor do interesse público, também chamadas limitações de
Direito Administrativo, quanto à sua extensão, pode atingir o direito em si ou alguma de suas
faculdades. Dentre as medidas dessa natureza, a mais extensa é a desapropriação, mediante a qual
o Estado priva, definitivamente, o proprietário do seu direito, por necessidade pública, utilidade
pública, interesse social ou para fins de reforma agrária, adquirindo-o mediante indenização
prévia e justa (Constituição Federal, art. 5o
., inc. XIV e 184). Já a requisição não importa perda
da propriedade, atingindo, entretanto, uma (ou algumas, mas não todas) de suas faculdades,
privando, temporariamente, o proprietário do gozo da coisa (CF, art. 5o
., inc. XXV). Outras espécies
de limitações de ordem administrativas são as que decorrem de tombamento administrativo, para
proteção do patrimônio histórico e paisagístico, bem como as chamadas posturas administrativas
e regras de gabarito, que impõe restrições variadas sobre as construções, como sobre alinhamento,
altura, área máxima permitida para construção, recuo etc., por razões das mais diversas, como de
ordenamento urbanístico, estético, ou mesmo por razões de segurança, inclusive militar.
35
DA PROPRIEDADE │ UNIDADE III
Gomes (2007, p. 145-146) elenca diversos interesses públicos a serem utilizados
como justificativa para a imposição de limitações de Direito Administrativo, como
a segurança pública, a saúde pública, a prosperidade pública, a economia popular,
entre outros. Além disso, exemplifica o referido autor algumas das medidas que a
proteção desses interesses poderão dar ensejo, como quando o Estado, em nome
da segurança pública, dita a localização e o funcionamento dos estabelecimentos
perigosos, ou quando, no interesse da saúde pública, proíbe culturas nocivas ou
interdita o uso de águas.
As limitações jurídicas, por sua vez, decorrem da aplicação, sobre o direito de propriedade,
de princípios jurídicos, tendo inspiração desde o Direito Romano, como no caso da servidão de
passagem, que permite ao proprietário de imóvel encravado passar pelo imóvel contíguo. Alguns
são referidos em lei11
, outros são extraídos do sistema jurídico como um todo.
Ensina Gomes (2007, p. 149) que, dentre os princípios que importam limitações ao direito de
propriedade, “salienta-se o da normalidade do exercício dos direitos, segundo o qual o uso pode
transformar-se em abuso, se o titular exercer sobre eles o direito sem legítimo interesse ou de modo
contrário à sua destinação social. O desvio da normalidade é inadmissível. Quem o pratica comete
abuso de direito”. Em seguida, exemplifica: “A literatura jurídica registra, como caso típico de
aplicação dessa teoria ao direito de propriedade, a atitude daquele proprietário de terreno vizinho a
um campo de atracação de dirigíveis, que construiu, sem qualquer interesse, enormes torres, como
manifesto perigo ao pouso das aeronaves”.
As limitações ao direito de propriedade podem resultar, ainda, da própria vontade do proprietário.
São as limitações voluntárias. É o que ocorre, por exemplo, quando o proprietário se priva das
faculdades de uso e gozo da coisa por tê-la dado em usufruto a outrem.
Segundo Gomes (2007, p. 150), também constituem limitações voluntárias aquelas determinadas
pelo proprietário, por ato unilateral ou mediante contrato, no sentido de que “o bem por ele
transmitido a outrem obrigue este a satisfazer determinados encargos, ou que, durante certo prazo,
não se transmita a outra pessoa, ou, ainda, que permaneça inalienável por certo tempo, bem como
seja conservado para transmissão a outra pessoa, realizada certa condição ou verificado o termo a
que esteja subordinado”.
11
	Não há que se confundir as limitações jurídicas cujos princípios são referidos em lei com as limitações legais.
36
CAPÍTULO 2
Função social e dimensão
constitucional da propriedade
Função e dimensão
Segundo Luís Roberto Barroso (cf. Ref.), após o fim da Segunda Guerra Mundial, e sob os ares do
pós-positivismo, corrente de pensamento que, em suas palavras, “busca ir além da legalidade estrita,
mas não despreza o direito posto”, ocorreram três grandes transformações no âmbito do Direito
Constitucional: a) o reconhecimento de força normativa à Constituição; b) expansão da jurisdição
constitucional; e c) o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional.
Em meio a tudo isso, sucedeu interessante fenômeno, conhecido como “constitucionalização do
Direito”, que, conforme Luís Roberto Barroso (cf. Ref.), está associado “a um efeito expansivo das
normasconstitucionais,cujoconteúdomaterialeaxiológicoseirradia,comforçanormativa,portodo
o sistema jurídico”, de modo que os “valores, os fins públicos e os comportamentos contemplados
nos princípios e regras da Constituição passam a condicionar a validade e o sentido de todas as
normas do Direito Infraconstitucional”.
É a partir daí que se passa a falar em “constitucionalização do Direito Civil”. E nesta seara é que
entra o princípio da função social da propriedade.
A Constituição Federal assegura, em seu art. 5o
, inciso XXII, o direito à propriedade. Mas, no
dispositivo seguinte, isto é, inciso XXIII do art. 5o
, prescreve que “a propriedade atenderá a sua
função social”. Também, no art. 170, incisos II e III, ao relacionar os princípios regentes da ordem
econômica, faz, novamente, alusão à “propriedade privada” e à “função social da propriedade”.
Por tudo isso, concluem Tepedino e Schreiber (2003) que a postura refletida nestes dispositivos, e
em outras passagens do texto constitucional, “conduz inevitavelmente à conclusão de que, no direito
brasileiro, a garantia da propriedade não pode ser compreendida sem atenção à sua função social”,
e, posteriormente, arrematam: “não há, no texto constitucional brasileiro, garantia à propriedade,
mas tão somente garantia à propriedade que cumpre a sua função social”.
Em relação à propriedade imóvel, tanto urbana, quanto rural, traça a Constituição Federal alguns
dos requisitos que devem ser cumpridos para o atendimento da função social. Confira-se:
Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público
municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar
o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar
de seus habitantes.
(...)
37
DA PROPRIEDADE │ UNIDADE III
§ 2o
– A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às
exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.
(...)
Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende,
simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei,
aos seguintes requisitos:
I – aproveitamento racional e adequado;
II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do
meio ambiente;
III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
O próprio Código Civil, em seu art. 1.228, § 1o
, atendendo a esses ditames constitucionais, estabelece:
“O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e
sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a
flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem
como evitada a poluição do ar e das águas”.
Afunçãosocialdapropriedadenãoconstituilimitaçãoaesta.Ouseja,nãoéalgoexternoàpropriedade,
mas, sim, um de seus elementos. “A função social compõe a propriedade. A propriedade é, ao menos
neste sentido, função social, como todo instituto é o complexo que resulta de sua estrutura e de sua
função”, referem Tepedino e Schreiber (2003).
Objeto e extensão
Conforme fizemos referência quando do estudo do objeto da posse, apenas os bens corpóreos
podem ser objeto do direito de propriedade. Também vimos que, além da materialidade, exige-se
coisa especificamente determinada, não havendo, por conseguinte, propriedade de um patrimônio
considerado em sua unidade, mas, sim, tantos direitos de propriedade quantos sejam os bens que o
componham (GOMES, 2007, p. 112).
Mas, até onde vai o poder do proprietário? Em outras palavras, qual a extensão do direito de
propriedade?
Quanto aos bens móveis, dificuldade alguma se apresenta, tendo em vista “que ocupam no espaço
lugar nitidamente definido” (GOMES, 2007, p. 133).
Entretanto, no caso de bens imóveis, a “extensão do poder do proprietário sobre o solo não se
delimita pela superfície. Vai além. Ao espaço aéreo correspondente à superfície e ao subsolo pode
estender-se o poder do proprietário, surgindo, assim, o problema da delimitação” (GOMES, 2007,
p. 133).
38
UNIDADE III │ DA PROPRIEDADE
Mas não só em relação ao espaço aéreo e ao subsolo reside o problema da extensão do direito
de propriedade. Essa questão deve ser analisada, também, no que diz respeito aos bens móveis
incorporados aos imóveis, destes tornando-se, portanto, parte integrante.
Ensina Gomes (2007, p. 134) que o poder do proprietário de um bem imóvel seria inútil se recaísse
apenas em sua superfície, devendo, por conseguinte, estender-se “para cima e para baixo a
determinada altura e a determinada profundidade. Se quer, por exemplo, edificar, terá de implantar
os alicerces da construção do subsolo e erguê-la acima da superfície. Seu direito estende-se, portanto,
verticalmente”.
Mas esse poder do proprietário não é ilimitado. Ao contrário do que pensavam os romanos, não
vai “usque ad sidera et usque ad inferos”, ou seja, até o astros e às profundezas, mas, sim, até onde
houver interesse prático (SANTOS JUSTO, 2007, p. 217). A respeito, estabelece o Código Civil que a
“propriedade do solo abrange a do espaço aéreo e subsolo correspondentes, em altura e profundidade
úteis ao seu exercício, não podendo o proprietário opor-se a atividades que sejam realizadas, por
terceiros, a uma altura ou profundidade tais, que não tenha ele interesse legítimo em impedi-las”
(art. 1.229).
A propriedade do solo não abrange, todavia, “as jazidas, minas e demais recursos minerais, os
potenciais de energia hidráulica, os monumentos arqueológicos e outros bens referidos por leis
especiais” (Código Civil, art. 1.230), mas é permitido ao proprietário do solo “explorar os recursos
minerais de emprego imediato na construção civil, desde que não submetidos a transformação
industrial” (Código Civil, art. 1.230, parágrafo único).
Estende-se, também, o direito de propriedade sobre tudo quanto for “incorporado
permanentemente ao solo, de modo que se não possa retirar sem destruição, modificação, fratura
ou dano ou intencionalmente empregado no imóvel pelo proprietário em sua exploração industrial,
aformoseamento ou comodidade”, porque constituem partes integrantes do bem principal (GOMES,
2007, p. 133).
Modalidades
As principais modalidades, ou espécies, do direito de propriedade são estas:
»
» propriedade plena ou restrita;
»
» propriedade perpétua ou resolúvel.
A propriedade é plena quando todos os direitos elementares que a formam se acham reunidos na
pessoa do proprietário e restrita (ou limitada) quando algum ou vários desses direitos elementares
estão destacados e atribuídos a outrem, sendo, por esse processo, que se formam os direitos reais
na alheia (GOMES, 2007, p. 114).
Já se disse, em linhas anteriores, que, por possuir, normalmente, duração ilimitada, a propriedade
apresenta, como uma de suas características, a perpetuidade. Mas, segundo Gomes (2007, p. 114),
admite-se, por exceção, propriedade revogável ou resolúvel, “que se configura quando, no
39
DA PROPRIEDADE │ UNIDADE III
próprio título de sua constituição, por sua própria natureza ou pela vontade do agente ou das partes,
se contém condição resolutiva”, como ocorre, “no fideicomisso, com a propriedade do fiduciário, e,
na retrovenda, com a propriedade do comprador”. Não são casos de propriedade resolúvel, todavia,
aqueles nos quais a revogação se funda em causa superveniente à aquisição (GOMES, 2007, p. 114).
Constitui, ainda, caso de propriedade resolúvel a propriedade superficiária, que decorre de direito
de superfície que se tenha, hipótese que será estudada mais adiante, e a propriedade fiduciária.
Entende-se por propriedade fiduciária a propriedade resolúvel que o credor, geralmente um banco
ou instituição financeira, recebe, como garantia, de uma coisa móvel infungível que está sendo
adquirida a prazo pelo devedor, cedendo em troca ao devedor a posse direta sobre esse bem,
ficando o devedor como seu fiel depositário. Constitui-se com o registro de instrumento público ou
particular no cartório de registro de títulos e documentos do domicílio do devedor. Caso o devedor
pague todas as prestações, ficará com a propriedade do bem. Se não o fizer, eventual terceiro que o
fizer se sub-rogará desse direito.
Modos de aquisição
A aquisição da propriedade não é uniforme nas legislações. Discute-se, basicamente, se “é bastante
o ato constitutivo da relação jurídica para que se produza o efeito translativo ou se é necessário
outro ato para que a aquisição se torne perfeita e acabada. Por outras palavras mais simples: o
contrato, ou outro ato jurídico, transfere, de si só, o domínio de uma coisa?” (GOMES, 2007, p. 157).
Ao ato jurídico pelo qual uma pessoa manifesta a vontade de adquirir uma coisa, dá-se, na doutrina, o
nome de título; já o ato jurídico, posterior ao título, e necessário para a transferência da propriedade,
em algumas legislações, recebe o nome de modo.
Os sistemas de aquisição da propriedade, em virtude de suas origens, são, basicamente, três, a saber,
o francês, o alemão e o romano.
Pelo sistema francês (também conhecido como sistema consensual ou privatista), “o título é
suficiente para transferir a propriedade. Não se reputa necessário um modus. Numa palavra, os
contratos têm efeito translativo. (...) A propriedade se transfere solu consensu” (GOMES, 2007, p.
158).
Pelo sistema alemão (ou sistema publicista), “o ato jurídico que cria a obrigação de transferir a
propriedade é independente do ato pelo qual a propriedade se transfere. Esta é uma convenção feita
com esse objetivo especial, que, tendo embora como causa o outro negócio jurídico, a ele não está
condicionado, porque, na transmissão da propriedade, abstrai-se a causa” (GOMES, 2007, p. 158).
Nesse sistema, “o contrato, que serve de causa à aquisição da propriedade, não é suficiente para
produzi-la. Outro negócio se faz necessário, e é, por seu intermédio, que se verifica a inscrição no
Registro Imobiliário de que resulta a transmissão do domínio” (GOMES, 2007, p. 158).
Pelo sistema romano, para a aquisição da propriedade é necessário um modo, sendo insuficiente,
para tanto, a existência do título. “É preciso que esse ato jurídico se complete pela observância de
uma forma, a que a lei atribui a virtude de transferir o domínio da coisa” (GOMES, 2007, p. 157).
40
UNIDADE III │ DA PROPRIEDADE
Esse sistema muito se assemelha ao alemão. Dele difere, todavia, porque a causa não é abstraída.
Mantém, ao contrário, estrita vinculação entre o modo e o título, a tal ponto que o vício deste atinge
aquele.
No Brasil, segue-se o sistema romano. De maneira que, para aquisição da propriedade, são
necessários tanto o título, quanto o modo. Varia este, todavia, em razão da natureza da coisa, se
móvel ou imóvel.
Para os bens móveis, o modo peculiar e mais corriqueiro é a tradição. Confira-se, a respeito, o que
diz o art. 1.267 do Código Civil: “A propriedade das coisas não se transfere pelos negócios jurídicos
antes da tradição”. Assim, “na aquisição da propriedade de uma coisa móvel por meio de compra,
o título é o contrato de venda, do qual nasce, tão só, a obrigação de transmitir a propriedade da
coisa; o modo é a tradição dessa coisa, isto é, a sua entrega, feita pelo vendedor ao comprador, com
a intenção de lhe transferir a propriedade, ainda que essa entrega seja simbólica” (GOMES, 2007,
p. 159). Isso porque a tradição pode ser: real, jurídica e simbólica (também conhecida como virtual
ou consensual). Ensina Gomes (2007, p. 208) que, na tradição real, “o alienante faz ao adquirente a
entrega material do bem”; já na tradição jurídica, “a transmissão se opera, sem entrega material, por
força de determinações de uma norma jurídica”; enquanto que, na tradição simbólica, “a entrega
da coisa é feita operando-se por processos jurídicos que fazem presumi-la”, como acontece no
constituto possessório e na traditio brevi manu.
Mas, além da tradição, existem outros modos de aquisição da propriedade móvel. Uns são peculiares
aos móveis; outros, comuns aos móveis e imóveis.
Os modos de adquirir peculiares aos móveis são: a ocupação, a especificação, a confusão, a comistão
e a adjunção. E os modos comuns aos móveis e imóveis: a sucessão, a usucapião e a acessão.
No que se refere aos bens imóveis, o único modo peculiar, e mais frequente, é o registro. Com efeito,
estabelece o art. 1.245 do Código Civil que somente se transfere, entre vivos, a propriedade mediante
o registro do título translativo no Registro de Imóveis. Diz, ainda, o § 1o
desse mesmo dispositivo
que, enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do
imóvel; e, no § 2o
, preceitua que, enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação
de invalidade do registro, e o respectivo cancelamento, o adquirente continua a ser havido como
dono do imóvel.
Os serviços de registro exercem, em nossa sociedade, importante função. Confira-se, a respeito,
elucidativo ensino de Seabra Lopes (2005, p. 13):
Qualquer relação jurídica reclama a existência de certeza nos seus
pressupostos. Na falta de uma memória pública fidedigna, os particulares
teriam que defrontar-se muito frequentemente com a necessidade de efetuar
numerosas averiguações, porventura demoradas e dispendiosas, para adquirir
uma certeza: para saber, por exemplo, se quem quer casar não está ligado por
casamento anterior; se quem se diz administrador de determinada sociedade o
é ou não e até se esta existe; se quem quer vender é ou não o proprietário e se
a propriedade está ou não onerada com encargos; se o parente falecido deixou
41
DA PROPRIEDADE │ UNIDADE III
testamento, em que cartório notarial teria sido lavrado ou depositado etc. (...)
Foi para responder a esta necessidade de certeza que o Estado organizou os
registos públicos, isto é, os registos a que qualquer pessoa pode recorrer para
conhecer a situação jurídica em que está interessado.
Nos países em que o registro é necessário para a aquisição da propriedade imobiliária, vislumbra-se,
em geral, dois sistemas diversos. Um dito alemão, em que o registro estabelece presunção absoluta
de propriedade (ou presunção juris et de jure de propriedade); outro, dito romano, em que o registro
firma presunção relativa de propriedade (ou presunção juris tantum de propriedade).
No sistema de registro alemão, aquele em cujo nome se acha transcrita, a propriedade de um
imóvel tem a seu favor a presunção absoluta de que esse bem lhe pertence. Seu direito “não pode
ser contestado porque a presunção legal não admite prova em contrário. Com toda segurança, pois,
e sem nenhum receio, pode alguém adquirir o domínio da coisa imóvel devidamente registrada”
(GOMES, 2007, p. 165-166). Isso é assim porque, diz Gomes (2007, p. 166) o registro, no Direito
Alemão, “resulta de um ‘acordo formal de transmissão’, no qual as partes manifestam consentimento
específico para que se efetive. Assim, além do negócio jurídico hábil à transferência da propriedade,
chamado negócio causal, porque é, concretamente, a causa da transmissão, faz-se necessário que as
partes realizem o convênio jurídico-real, isto é, a conjunta declaração de vontade para a transcrição.
O importante é, porém, que esse convênio é inteiramente dissociado do negócio causal. Não se leva
este em conta; abstrai-se a causa. Em consequência, a nulidade do negócio causal não contamina o
convênio, vale dizer, o contrato estipulado para o registro”.
No sistema de registro romano, a presunção que se estabelece em favor da pessoa em cujo nome
encontra-se registrado o imóvel é apenas relativa, valendo, portanto, até que seja destruída por
prova em contrário. As características desse sistema são bem delineadas por Gomes (2007, p. 167).
Confira-se:
Nesse sistema o negócio causal há de ser válido para que a transcrição produza
seu efeito normal. Dito por outras palavras, a transcrição apenas completa,
ainda que necessariamente, a operação iniciada com o contrato ou qualquer
outro negócio translativo. O modus é condicionado pelo titulus. Não basta
que este seja eficaz, porque não possui a virtude de efetuar a transferência da
propriedade, mas, se é defeituoso, o vício contamina a transcrição que nele há
de se fundar, inevitavelmente. Essa vinculação do modo ao título não deixa,
assim, de ser vantajosa.
Uma vez que, nesse sistema, não se faz abstração da causa, desnecessário se
torna um segundo contrato para a efetivação do registro. Independentemente
de outra declaração de vontade, efetua-se a transcrição mediante a simples
apresentação ao oficial do registro do titulus adquirendi.
No Brasil, em regra, o sistema de registro adotado é o romano. Aqui, assim como nos sistemas
dessa natureza, o registro cria presunção relativa de propriedade. É o que estabelece, em outros
termos, o art. 1.247, caput, do Código Civil: “Se o teor do registro não exprimir a verdade, poderá
o interessado reclamar que se retifique ou anule”. E, no seu parágrafo único, dispõe: “Cancelado o
42
UNIDADE III │ DA PROPRIEDADE
registro, poderá o proprietário reivindicar o imóvel, independentemente da boa-fé ou do título do
terceiro adquirente”.
Mas nem todo registro, em nosso país, submete-se a essas regras. Pelo menos em um caso, adotaram-
se princípios que o aproximam do sistema alemão. Trata-se do Registro Torrens, disciplinado
nos arts. 277 a 288 da Lei de Registros Públicos (Lei no
6.015, de 31 de dezembro de 1973). Tal
modalidade de registro é facultativa, não dispensa, portanto, o registro que acima se fez referência,
necessário para toda e qualquer transferência inter vivos de bens imóveis. Além disso, o Registro
Torrens só pode ser aplicado a imóveis rurais. A principal característica desse registro especial é a
de, após o transcurso de processo composto por uma fase extrajudicial, levada a efeito pelo Oficial
de Registro de Imóveis, e de uma fase judicial, “tornar certo e incontestável o domínio, mediante
sentença judicial transitada em julgado” (PONTES, 1982, p. 229). Em outras palavras, a presunção
que do registro deriva, nesse caso, é absoluta, não admitindo prova em contrário.
A par do registro, são, ainda, modos de aquisição da propriedade imobiliária, comuns aos modos de
aquisição da propriedade mobiliária: a sucessão, a usucapião e a acessão.
Nesse sentido, releva notar que, pelo assim denominado princípio de saisine, com a morte do
proprietário da coisa, dá-se a abertura da sucessão, sendo que a herança se transmite, de imediato,
aos herdeiros, sucedendo estes ao de cujus, por meio do ente personificado espólio, em todos os
direitos e obrigações, até a partilha.
Por seu turno, a usucapião, também denominada de prescrição aquisitiva, é a aquisição do domínio
pela posse prolongada no tempo, independentemente da vontade do titular anterior. Com efeito,
à exceção dos bens públicos, ter a posse de um imóvel, com ânimo de dono, por certo tempo, sem
interrupção ou oposição, pode redundar no reconhecimento da respectiva propriedade, o que se dá
por sentença judicial, que vale como título a ser registrada no cartório competente.
Há cinco espécies de usucapião possíveis. Duas delas são mais tradicionais, chamadas de ordinária
e extraordinária. A ordinária, prevista no art. 1.242 do Código Civil, demanda, além de justo título
e boa-fé, posse mansa, pacífica e com ânimo de dono pelo prazo de 10 anos, que pode ser reduzido
pela metade, se o imóvel for adquirido onerosamente e o possuidor dele faça sua moradia ou dele
extraia proveio econômico. Por justo título entende-se o título escrito de transferência imprestável
para produzir os efeitos que normalmente deveria produzir, porquanto eivado de algum vício.
A boa-fé, por sua vez, consiste na ignorância de tais vício. Já na usucapião extraordinária, ficam
dispensados o justo título e a boa-fé, mas o prazo de permanência no imóvel, com posse livre,
mansa e pacífica, aumenta para 15 anos, podendo ser diminuída de um terço na mesma hipótese da
usucapião ordinária.
As outras três espécies de usucapião inserem-se no contexto das iniciativas legislativas orientadas a
permitir às pessoas de baixa renda que possam alcançar a dignidade da moradia própria e condições
mínimas de subsistência. Nenhuma delas exige justo título ou boa-fé, mas todas circunscrevem-se
a pequenas porções de terra. Há, nesse contexto, a usucapião especial rural, para que o lavrador
que não seja dono de qualquer imóvel e que tenha tornado produtiva área não superior a 50
hectares, destinando-a a sua moradia e a de sua família, possa adquiri-la pela posse por pelo 5
anos ininterrupta e sem oposição. As demais, a usucapião especial urbana e a usucapião coletiva
43
DA PROPRIEDADE │ UNIDADE III
do Estatuto das Cidades, são ambas limitadas à aquisição de 250m2
, com as mesmas exigências
da usucapião especial rural, distinguindo-se a última da primeira pelo fato de que nesta, não se
mostra possível identificar os terrenos ocupados de cada possuidor, atribuindo o juiz a cada um dos
possuidores uma fração ideal.
Merece ainda referência a usucapião de bens móveis, que tem por fundamento as mesmas regras
da usucapião ordinária e extraordinária, apenas com prazos mais reduzidos, de três e cinco anos,
respectivamente.
Por fim, há a acessão, regulada pelo art. 1.248 do Código Civil, que é o direito que tem o proprietário
de acrescer a seus domínios tudo o que se incorporar a eles, natural ou artificialmente.
Entre as possibilidades de acessão, podem ser mencionadas as ilhas formadas pelo rebaixamento
das águas: nos rios navegáveis, traça-se uma linha imaginária mediana no leito do rio, considerando-
se a ilha pertencente à margem mais próxima. O mesmo ocorre quando um rio seca ou desvia seu
curso de forma natural e permanente. É o chamado abandono de álveo. Também há a aluvião, que
é o lento acréscimo de terras às margens dos rios: será própria se as terras forem provenientes dos
terrenos vizinhos, ou imprópria se provier do leito do rio. Mesmo na aluvião própria, não há falar-
se em indenização. Pode ocorrer, ainda, a avulsão, que é o repentino deslocamento de significativa
porção de terra por força natural violenta. Nesse caso, o dono do imóvel que tiver perdido a porção
pode obter indenização, respeitado o prazo decadencial de um ano para o pedido, ou então obter o
direito de remover de volta a parte acrescida.
44
CAPÍTULO 3
Condomínio
Dá-se o nome de condomínio ou camunhão quando a mesma coisa pertence a mais de uma pessoa. De
fato, a mesma coisa pode ser objeto de direito real, simultaneamente, de várias pessoas. Consoante
assevera Dantas (1981, p. 127), além da propriedade, todos os direitos reais de fruição, direitos reais
à substância da coisa, como o usufruto, a enfiteuse e as servidões, toleram a comunhão. E, quando
esta se refere ao direito de propriedade, recebe o nome de condomínio ou compropriedade.
Com regramento previsto nos arts. 1.314 e segs. do Código Civil, no condomínio cada condômino
exerce o direito de propriedade sobre a coisa toda, delimitado por igual direito dos condôminos.
Ainda, o direito de cada condômino ante terceiros abrange a totalidade dos poderes da propriedade,
por isto que um condômino pode mover, por exemplo, ação de despejo contra o locatário, mesmo
na inércia dos demais.
Segue-se que, todos os condôminos têm direitos qualitativamente iguais sobre a totalidade da coisa,
limitados, contudo, na proporção quantitativa em que concorre com os outros comproprietários na
titularidade sobre o conjunto (PEREIRA, 2006, p. 176). Outrossim, a cada condômino é assegurada
uma quota ou fração ideal da coisa, e não uma parcela material desta (PEREIRA, 2006, p. 176).
A comunhão pode, inicialmente, decorrer da vontade dos interessados, sendo então denominada de
comunhão voluntária. A comunhão voluntária deriva tanto de ato bilateral (contrato, por exemplo),
quanto de ato unilateral (testamento, por exemplo).
No condomínio convencional (arts. 1.314-1.326 do Código Civil), releva destacar, dentre os direitos
dos condôminos: a) o de usar a coisa conforme a sua destinação e o de exercer os direitos compatíveis
com a indivisão, como o de dar em garantia, mediante hipoteca, a parte de que dispõe; b) o de
reivindicar a posse e defendê-la de terceiros; c) o direito de requerer a divisão da coisa e o de vender
a respectiva parte indivisa, respeitado, nesse caso, o direito de preferência dos demais condôminos,
em caso de igualdade de oferta, de molde que uma venda feita sem respeitar essa preferência pode
ser anulada judicialmente, observado, todavia, um prazo decadencial de 180 dias para se postular
tal providência.
De outra parte, no que tange aos deveres dos condôminos, devem eles responder, perante os outros
condôminos, pelos frutos percebidos e por dano que tenham causado, sendo-lhes vedado também
alterarem a coisa sem o consentimento dos demais. Ainda, devem concorrer, na proporção de suas
respectivas quotas, para as despesas de conservação e divisão da coisa. Outrossim, na divisão da
coisa, que pode ser amigável, mediante escritura pública, ou ação judicial, de natureza imprescritível,
um dos condôminos pode pagar o preço proporcional aos demais, caso em que o juiz, por meio da
adjudicação, lhe transfere todos os direitos de possuidor e proprietário. Se isso não for possível, o
bem será vendido, e o preço alcançado com a venda será partilhado entre todos os condôminos.
Podem os condôminos, ainda, optarem pela indivisibilidade da coisa comum, por prazo não superior
a 5 anos, prorrogável por igual período.
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Direito das coisas e registro de imóveis

  • 1. Brasília-DF. Direito das Coisas e Registro de Imóveis
  • 2. Elaboração João Pedro Ribeiro Sampaio de Arruda Camara Equipe Técnica da SPA Igor França Produção Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração
  • 3. Sumário APRESENTAÇÃO................................................................................................................................... 6 ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA...................................................................... 7 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 9 UNIDADE I DO DIREITO DAS COISAS..................................................................................................................... 13 CAPÍTULO 1 CONCEITO, DISTINÇÕES E CLASSIFICAÇÃO............................................................................ 14 CAPÍTULO 2 CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS REAIS: OPONIBILIDADE ERGA OMNES, SEQUELA, TAXATIVIDADE E PREFERÊNCIA........................................................................................................................ 18 UNIDADE II POSSE................................................................................................................................................ 20 CAPÍTULO 1 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA .......................................................................................... 20 CAPÍTULO 2 OBJETO – SÚMULA NO 228, DO STJ......................................................................................... 25 CAPÍTULO 3 ESPÉCIES DE POSSE, AQUISIÇÃO E PERDA DE POSSE............................................................... 27 CAPÍTULO 4 EFEITOS DA POSSE E TUTELAR PENAL DA POSSE........................................................................ 30 UNIDADE III DA PROPRIEDADE............................................................................................................................... 32 CAPÍTULO 1 NOÇÕES GERAIS................................................................................................................... 32 CAPÍTULO 2 FUNÇÃO SOCIAL E DIMENSÃO CONSTITUCIONAL DA PROPRIEDADE ....................................... 36 CAPÍTULO 3 CONDOMÍNIO ...................................................................................................................... 44
  • 4. UNIDADE IV DIREITOS REAIS SOBRE COISA ALHEIA................................................................................................... 50 CAPÍTULO 1 DIREITOS REAIS ...................................................................................................................... 50 UNIDADE V DOS DIREITOS DE VIZINHAÇA............................................................................................................... 58 CAPÍTULO 1 QUESTÕES AFETAS À VIZINHANÇA........................................................................................... 58 UNIDADE VI OBJETO DO DIREITO REGISTRAL IMOBILIÁRIO........................................................................................ 62 CAPÍTULO 1 CONCEITUAÇÃO................................................................................................................... 62 CAPÍTULO 2 DIREITOS REAIS VERSUS DIREITOS PESSOAIS.............................................................................. 64 CAPÍTULO 3 DIREITOS REAIS EM ESPÉCIE.................................................................................................... 65 CAPÍTULO 4 CONSTITUIÇÃO, TRANSFERÊNCIA E EXTINÇÃO DOS DIREITOS REAIS IMOBILIÁRIOS...................... 68 UNIDADE VII SISTEMAS DE REGISTRO DE IMÓVEIS NO MUNDO.................................................................................. 70 CAPÍTULO 1 CLASSIFICAÇÃO DOS SISTEMAS REGISTRAIS............................................................................ 70 UNIDADE VIII EVOLUÇÃO DO REGISTRO DE.............................................................................................................. 73 IMÓVEIS NO BRASIL............................................................................................................................. 73 CAPÍTULO 1 PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA E DO REGISTRO DE IMÓVEIS NO BRASIL.......................................... 73 CAPÍTULO 2 REGISTRO TORRENS............................................................................................................... 77 CAPÍTULO 3 SISTEMA DO FÓLIO PESSOAL E DO FÓLIO REAL....................................................................... 80 UNIDADE IX ESTRUTURA DO REGISTRO DE IMÓVEIS BRASILEIRO................................................................................ 84
  • 5. CAPÍTULO 1 PREVISÃO LEGAL E FUNÇÕES DO REGISTRO DE IMÓVEIS......................................................... 84 CAPÍTULO 2 PRINCÍPIOS INFORMADORES DO DIREITO REGISTRAL IMOBILIÁRIO............................................ 86 CAPÍTULO 3 TÍTULOS SUJEITOS AO REGISTRO IMOBILIÁRIO........................................................................... 89 UNIDADE X QUALIFICAÇÃO REGISTRAL E PROCEDIMENTO DE REGISTRO................................................................. 91 CAPÍTULO 1 CONCEITO, PREVISÃO LEGAL E CARACTERÍSTICAS DA QUALIFICAÇÃO..................................... 91 UNIDADE XI DÚVIDA REGISTRÁRIA........................................................................................................................... 96 CAPÍTULO 1 NATUREZA JURÍDICA E PROCEDIMENTO DA DÚVIDA................................................................. 96 UNIDADE XII PARCELAMENTO DO SOLO, CONDOMÍNIO EDILÍCIO E INCORPORAÇÕES........................................... 100 CAPÍTULO 1 NOÇÕES GERAIS SOBRE O PARCELAMENTO DO SOLO.......................................................... 100 CAPÍTULO 2 CONDOMÍNIO EDILÍCIO....................................................................................................... 109 CAPÍTULO 3 INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA.............................................................................................. 112 CAPÍTULO 4 LOTEAMENTO FECHADO...................................................................................................... 117 CAPÍTULO 5 CONDOMÍNIO URBANÍSTICO................................................................................................ 120 UNIDADE XIII OFÍCIO DE REGISTRO DE DISTRIBUIÇÃO............................................................................................. 121 CAPÍTULO 1 PREVISÃO LEGAL E ATRIBUIÇÕES........................................................................................... 121 PARA (NÃO) FINALIZAR..................................................................................................................... 124 REFERÊNCIAS................................................................................................................................... 125
  • 6. 6 Apresentação Caro aluno A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD. Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo. Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira. Conselho Editorial
  • 7. 7 Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta, para aprofundar os estudos com leituras e pesquisas complementares. A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos e Pesquisa. Provocação Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor conteudista. Pararefletir Questõesinseridasnodecorrerdoestudoafimdequeoalunofaçaumapausaereflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões. Sugestãodeestudocomplementar Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo, discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso. Praticando Sugestão de atividades, no decorrer das leituras, com o objetivo didático de fortalecer o processo de aprendizagem do aluno. Atenção Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a síntese/conclusão do assunto abordado.
  • 8. 8 Saiba mais Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões sobre o assunto abordado. Sintetizando Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos. Exercício de fixação Atividades que buscam reforçar a assimilação e fixação dos períodos que o autor/ conteudista achar mais relevante em relação a aprendizagem de seu módulo (não há registro de menção). Avaliação Final Questionário com 10 questões objetivas, baseadas nos objetivos do curso, que visam verificar a aprendizagem do curso (há registro de menção). É a única atividade do curso que vale nota, ou seja, é a atividade que o aluno fará para saber se pode ou não receber a certificação. Para (não) finalizar Textointegrador,aofinaldomódulo,quemotivaoalunoacontinuaraaprendizagem ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado.
  • 9. 9 Introdução O Registro de Imóveis compõe um setor destacado dentro dos registros públicos, tanto é assim que a Lei no 6.015/73 (Lei dos Registros Públicos) dedica metade de seus artigos à regulação do registro imobiliário. Existe uma gama de situações juridicamente relevantes que são tuteladas pelo sistema registral imobiliário, nem sempre relacionadas com bens imóveis propriamente ditos, mas invariavelmente com a finalidade de garantir autenticidade, segurança e eficácia a atos e fatos juridicamente relevantes. Para cumprir suas finalidades, o Direito Registral imobiliário conta com normas e princípios próprios, que necessitam ser estudados não de maneira isolada, estanque, mas à luz do Direito Civil-Constitucional, inclusive para a concreção dos princípios da dignidade da pessoa humana, da função social do contrato, da função social da propriedade, do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e outros. Não é difícil perceber que em determinados tipos contratuais, como aqueles que constituem os direitos reais imobiliários, a publicidade registral é indispensável para a eficácia erga omnes desses direitos, gerando presunção absoluta de conhecimento para toda a sociedade, que poderá, se assim desejar, fiscalizar o cumprimento da função social desses contratos em todas as suas vertentes (econômica, ambiental, urbanística etc.). O Registro de Imóveis é o guardião daquilo que foi, tem sido, e, provavelmente, sempre será, um dos pilares da economia mundial – a propriedade imóvel. É impossível estudar a propriedade e todos os outros direitos reais que recaem sobre os imóveis sem se aprofundar no Direito Registral Imobiliário. E a recíproca é verdadeira. Ao mesmo tempo em que é instrumento de defesa da sociedade, o serviço registral protege e realça os direitos individuais fundamentais, especialmente a segurança jurídica, a liberdade e a propriedade de bens imóveis e outros direitos, gerando diversas consequências na órbita dos direitos subjetivos de todas as pessoas. Compreender o objeto de estudo do registro de imóveis, evolução e sistemática, os atos inscritíveis e o procedimento de registro, inclusive o procedimento de dúvida registrária, é fundamental para qualquer operador do Direito, pois uma infinidade de atos e fatos jurídicos oriundos ou relativos às mais diversas áreas do conhecimento jurídico (família, sucessões, das coisas, empresarial, administrativo, urbanístico, ambiental, trabalhista, falimentar, tributário, previdenciário etc.) desembocam nos livros da serventia imobiliária. Há também, nesta mesma disciplina, a abordagem àquela que é a caçula das serventias registrais, qual seja, o Ofício de Registro de Distribuição. Este é um serviço bastante contestado, porém, como se verá, tem sua razão de ser no princípio da publicidade.
  • 10. 10 A presente Apostila pretende dar uma visão ampla do que vem a ser o Registro de Imóveis e o Registro de Distribuição no Brasil, lançando os fundamentos para uma reflexão crítica dos mesmos, com vistas não só à compreensão do sistema registral, como também à identificação de suas vicissitudes e possibilidades de aperfeiçoamento. Ademais, com o fim de continuarmos os estudos e para uma melhor aprendizagem da disciplina de Registro de Imóveis, faz-se extremamente necessário que o aluno tenha o domínio sobre o Direito das Coisas, visto que tais ramos estão intimamente ligados e correlacionados. Entre os diversos ramos do Direito Civil, disciplina das mais importantes é, sem dúvida alguma, o Direito das Coisas, compreendendo as regras que regem as relações entre pessoas e coisas suscetíveis de apropriação por particulares. Nesse sentido, releva notar que no capitalismo pós-moderno atual, a propriedade ainda constitui valor jurídico fundamental para a raça humana. A propriedade continua a incidir sobre os meios de trabalho e de produção, mesmo que tenha deixado de constituir um valor absoluto, sendo necessariamente mitigada pelos interesses da coletividade, que justificam a intervenção estatal na vida privada. O momento atual da ideologia político-econômica mundial refletiu-se nas diretrizes traçadas pela Constituição Federal e pelo Código Civil de 2002 acerca do Direito das Coisas. A partir desses marcos legislativos, debruçam-se sobre o Direito das Coisas, diariamente, notários, registradores, juízes, membros do Ministério Público e advogados. Assim, por exemplo, na elaboração de escrituras públicas, na formalização de atos de registro e solução de dúvidas registrarias, esses profissionais do Direito utilizam os conhecimentos dessa fascinante disciplina jurídica. Destarte, para melhor capacitação nessa seara, apresenta-se nesta oportunidade o Direito das Coisas de forma inovadora e atualizada, valorizando-se necessidades cotidianas dos que labutam na área jurídica, com o enfrentamento das questões práticas que lhe são ínsitas, inclusive as controversas, como a delicada questão da proteção possessória em terras públicas. O aluno encontrará material teórico contendo a abordagem dos principais tópicos de Direito das Coisas: posse e propriedade, relação possessória, aquisição, efeitos, limitações, proteção e perda da posse e da propriedade, e direitos reais, com destaque para as novidades, como a reincorporação ao ordenamento positivo do direito de superfície. Mereceram destaque, de igual modo, temas de grande interesse prático, como os referentes às regras do usucapião, da desapropriação em suas diferentes formas, da propriedade resolúvel e a fiduciária, da propriedade em condomínio e suas novas formas e regras, estas últimas bastante alteradas em relação ao Código Civil de 1916. Não obstante tais considerações, por uma questão de didática, sistematizaremos o nosso estudo na sequência apresentada, a fim de permitir que o aluno tenha um melhor entendimento sobre o estudo da presente disciplina. Bons estudos!
  • 11. 11 Objetivos » » Compreender o universo conceitual do Direito Registral Imobiliário. » » Examinar criticamente os institutos de direito relacionados com a atividade registral. » » Identificar os atos e os fatos jurídicos que têm ingresso no sistema de registro de imóveis; aqueles que deveriam tê-lo; e, porventura, aqueles que não precisariam da formalidade e da publicidade registral. » » Compreender os efeitos jurídicos dos atos registrados pelos Oficiais de Registro. » » Entender os procedimentos registrais, identificando seus acertos e desacertos, com vistas ao aperfeiçoamento do sistema. » » Identificar e compreender as interfaces do Direito Registral com as várias áreas da Ciência Jurídica. » » Identificar a função do Ofício de Registro de Distribuição. » » Promover o estudo lógico-sistemático do Código Civil, de molde a proporcionar um entendimento geral da correlação da parte geral com as diferentes matérias do Código e delas entre si. » » Explicar o estado atual do Direito das Coisas no Brasil, em especial levando em conta as inovações trazidas a efeito com o advento do vigente Código Civil e também da legislação posterior aplicável ao tema. » » Proporcionar ao aluno conhecimentos fundamentais e avançados dos conteúdos e institutos concernentes ao Direito das Coisas. » » Preparar o aluno para a advocacia judicial e extrajudicial na área de Direito das Coisas, com destaque para a correta apreensão das principais medidas processuais e ações possíveis. » » Estudar, analisar e compreender a doutrina e a jurisprudência pátria acerca da matéria pelos Tribunais estaduais e Superior Tribunal de Justiça.
  • 12.
  • 13. 13 UNIDADE I DO DIREITO DAS COISAS Desde tempos imemoriais, as pessoas procuraram apropriar-se das coisas, e isso para satisfazerem diversas necessidades. Tais necessidades podem ser classificadas, segundo a “pirâmide das necessidades”, idealizada por Abraham Maslow, obedecendo-se a seguinte hierarquia: primeiro o ser humanopreocupa-seematendersuasnecessidadesfisiológicas(comida,água,excreçãoetc.);depois, ocupa-se de suas necessidades de segurança (do corpo, da família etc.); em terceiro lugar, de suas necessidades sociais (amizade, compreensão, aceitação etc.); em seguida, preocupa-se em atender suas necessidades de estima (confiança, respeito, reconhecimento, ego etc.); e, por fim, preocupa- se em atender suas necessidades de realização pessoal (autorrealização, autodesenvolvimento, autosatisfação etc.). Entretanto, a apropriação e o gozo das coisas por uma pessoa, para a satisfação de suas necessidades, pressupõe a exclusão da apropriação e do gozo dessas mesmas coisas por outras pessoas. Salvo alguns bens públicos, como as ruas e praças, que, ainda assim, e eventualmente, podem ter sua utilização restrita a algumas pessoas, como no caso de um show artístico, as coisas são utilizadas por quem delas se apropriou ou por quem o seu proprietário consinta. Em razão dessa sua natureza excludente, e de sua conhecida escassez, a apropriação das coisas, inevitavelmente, gera diversos conflitos. E o Direito, atento a esse fato, o eleva à categoria de fato jurídico, fixando, por consequência, as normas que entende necessárias para garantir a paz social.
  • 14. 14 CAPÍTULO 1 Conceito, distinções e classificação Conceito O Direito das Coisas regula o poder dos homens sobre os bens e os modos de sua utilização econômica (GOMES, 2007, p. 7). Ou seja, disciplina a relação entre os homens e as coisas. Enfim, estabelece princípios e regras destinados a regulamentar a aquisição, a modificação, o exercício, a conservação e a perda do poder dos homens sobre as coisas, bem como os meios para sua utilização econômica (DINIZ, 2002, p. 3). Entretanto, nem todos os bens constituem objeto do direito das coisas. Só os bens materiais (ou corpóreos), móveis ou imóveis, integram o presente estudo. Ficam de fora, portanto, os bens imateriais (ou incorpóreos), como, por exemplo, as prestações (ações ou comportamentos humanos, positivos ou negativos), objeto do Direito das Obrigações, e os direitos autorais. Não há uniformidade na doutrina sobre os conceitos de bem e coisa. Enquanto, para uns, bem é gênero de que a coisa constitui espécie (Clóvis Beviláqua, Agostinho Alvim1 , Orlando Gomes), para outros, ocorre o inverso (Serpa Lopes2 , Trabucchi, Lomanaco, Chauveau, Berio). Mas, segundo observa Agostinho Alvim (1968, p. 221), não há nenhuma atecnia em nos referirmos ora a bem, ora a coisa. Para chegar a tal conclusão, estabelece o autor paralelo com o empréstimo. Veja-se: O empréstimo é gênero compreensivo de duas espécies: comodato e mútuo. Referindo-se ao comodato, o legislador, sem errar, pode falar em comodato ou em empréstimo; idem, quando falar do mútuo, ou empréstimo. Só não pode confundir as espécies: mútuo com comodato. Portanto, falar em bem (gênero), em vez de coisa, e vice versa, isso é possível. Quanto aos direitos autorais, uma corrente doutrinária entende que fazem parte do direito das coisas, porque constituem modalidade especial de propriedade (propriedade imaterial ou intelectual3 ). Assim pensam, por exemplo, Clóvis Beviláqua, Maria Helena Diniz, Pires de Lima e Antunes Varela. Em síntese, tais juristas baseiam-se, principalmente, na exclusividade dos direitos do autor sobre sua produção intelectual, marcante característica do direito de propriedade, e, em segundo plano, na extensão, feita pelo direito positivo, direta ou indiretamente, aos direitos autorais do regramento aplicável ao direito de propriedade. 1 Confira o que nos diz esse autor (1968, p. 221): “O ponto de vista certo, ao nosso ver, é o que considera bem como gênero, compreensivo de duas espécies: coisas materiais e imateriais.” 2 Veja o ensinamento desse saudoso jurista (1996, p. 9): “A noção de coisas é demasiadamente ampla. Envolvendo bens, sobrepuja-a em extensão, por isso que, como já afirmamos, todos os bens são coisas mas nem todas as coisas são bens (cfr. v. 1. n. 202).” 3 No que respeita aos direitos autorais, além dessa teoria, que os considera uma modalidade do direito de propriedade, existem outras, que os tem por direito da personalidade ou que, inclusive, negam-lhe natureza jurídica, em razão do caráter social das ideias. Sobre o tema, cf. Maria Helena Diniz, 2002, pp. 284-285.
  • 15. 15 DO DIREITO DAS COISAS │ UNIDADE I Outra corrente defende que referidos direito não integram o objeto do direito das coisas. Assim entendem, por exemplo, Orlando Gomes, Caio Mário da Silva Pereira, José de Oliveira Ascensão e Martin Wolff. Dizem eles, basicamente, que a exclusividade que caracteriza do direito de propriedade não é própria dele, mas de um conjunto mais amplo de direitos, no qual o Direito de Propriedade se insere. Veja, a respeito, a lição de Oliveira Ascensão (2000, p. 39): Osbensintelectuaisnãosãoobjetodepropriedade,masdedireitosdeexclusivo, de natureza diferente. Nenhum dos preceitos aplicáveis à propriedade, que não sejam resultantes de características comuns a todos os direitos absolutos, se aplica aos direitos intelectuais. Por isso concluímos há pouco que os bens intelectuais não são objeto de direitos reais; e a aplicação subsidiária das regras do direito real só poderá fazer-se em relação a disposições não características da propriedade, como as dos arts. 1208o e 1309o , por exemplo4 . Distinções entre direitos reais e pessoais Não é pacífica a distinção entre os direitos reais e os direitos pessoais. Para alguns, não há sequer diferença, como é o caso de Demogue, a quem os direitos reais nada mais são do que direitos pessoais, porquanto, assim como estes, são constituídos por relações intersubjetivas (entre pessoas), só que com eficácia erga omnes (sujeito passivo universal), de modo que todas as pessoas são obrigadas a respeitá-los (teoria monista personalista); e de Gaudemet, que defende que os direitos pessoais nada mais são do que direitos reais, tendo em vista que ambos incidem sobre coisas, sendo que estes atuam sobre coisas determinadas e aqueles sobre o patrimônio do devedor (teoria monista realista)5 . Não obstante as teorias acima referidas possuam respeitáveis adeptos, o fato é que a doutrina majoritária distingue os direitos reais dos direitos pessoais (teoria eclética ou mista). E são muitos os critérios utilizados para tanto. Vejamos: » » Em relação ao sujeito de direito: nos direitos pessoais, os sujeitos ativo (credor) e passivo (devedor) são determinados ou determináveis (em uma compra e venda, por exemplo celebrada entre João e Maria, são sujeitos ativo e passivo, João e Maria); já nos direitos reais, o sujeito ativo é sempre determinado, enquanto que o sujeito passivo é indeterminado (na propriedade, por exemplo: sabe-se perfeitamente quem é o sujeito ativo, o proprietário, mas não se sabe, até que haja violação a este direito, quem é o sujeito passivo). » » Quanto ao objeto: os direitos pessoais têm sempre por objeto uma prestação do devedor, que pode ser de dar, fazer ou não fazer (nos direitos pessoais, o objeto pode ser, por exemplo, o de dar um determinado bem, como ocorre na compra e venda, ou o de fazer alguma coisa, como na prestação de serviços, ou, por fim, o de não fazer algo, como no caso em que alguém se obriga a não alienar determinado bem a certa pessoa); enquanto que, nos direitos reais, o objeto é sempre uma coisa (uma casa, um apartamento, um carro, um relógio). 4 Os artigos citados referem-se, logicamente, ao Código Civil Português. 5 Sobre essas teorias, bem como seus precursores, cf. Santos Justo (2007, p. 101-103).
  • 16. 16 UNIDADE I │ DO DIREITO DAS COISAS » » Em relação ao limite: os direitos pessoais são ilimitados (numerus apertus), ou seja, permite a criação de novas figuras contratuais, mesmo que não previstas na legislação (em se tratando de direitos pessoais, as pessoas não estão vinculadas aos modelos jurídicos previstos em lei); os direitos reais, por sua vez, são limitados (numerus clausus), não se permitindo a criação de novas espécies que não as constantes da legislação. » » Quanto à extinção: os direitos pessoais extinguem-se pela inércia do sujeito ativo (caso a pretensão surgida com o nascimento do direito pessoal não seja exercida dentro dos prazos previstos em lei, ocorrerá a prescrição, fulminando o poder de exigir o cumprimento da obrigação); já os direitos reais conservam-se até que se continua uma situação contrária em proveito de outra pessoa (por meio da usucapião e da morte, basicamente.) Classificação Os direitos reais são tradicionalmente classificados em jus in re propria (direito sobre coisa própria) e jura in re aliena (direito sobre coisa alheia). Direito sobre coisa própria é a propriedade; e direitos sobre coisa alheia, os demais. Os direitos sobre coisa alheia (também chamados direitos reais limitados) subdividem-se, por sua vez, quanto à função6 , em direitos de gozo ou fruição, direitos de garantia e direitos de aquisição. Os direitos de gozo ou fruição “conferem ao seu titular o poder ou faculdade de utilizar, total ou parcialmente, a coisa que têm por objeto e, por vezes, também de se apropriar (total ou parcialmente) dos frutos produzidos” (SANTOS JUSTO, 2007, p. 42-43). É o caso da superfície, das servidões, do usufruto, do uso, da concessão de uso especial para fins de moradia, da concessão de direito real de uso e da habitação. Os direitos reais de garantia, por sua vez, “conferem ao credor o poder ou faculdade de se pagar pelo valor (ou rendimentos) de certos bens, com preferência sobre os demais credores” (SANTOS JUSTO, 2007, p. 44). São, portanto, “direitos que visam assegurar a satisfação de direitos de crédito, colocando seus titulares numa posição preferencial em relação aos restantes credores do mesmo devedor” (SANTOS JUSTO, 2007, p. 44). São direitos de garantia a hipoteca, o penhor e a anticrese. Já os direitos reais de aquisição “conferem ao titular o direito de converter-se em proprietário de determinada coisa” (GOMES, 2007, p. 19). Desta espécie é o direito do promitente comprador. Com relação aos direitos reais na coisa alheia, outras classificações existem, menos difundidas, mas não menos importantes, porque enaltecem algumas características dos direitos reais. Façamos referência a duas, apenas. Em relação ao conteúdo, os direitos reais limitados classificam-se em direitos sobre a substância e direitos sobre o valor. Segundo Gomes (2007, p. 18), “nos primeiros, a substância da coisa fica 6 E o termo “função”, nunca antes visto em outra obra, é bem empregado por Oliveira Ascensão (2000, p. 176).
  • 17. 17 DO DIREITO DAS COISAS │ UNIDADE I imediatamente a serviço do titular, enquanto, nos segundos, o titular não pode tocá-la, pertencendo- lhes, apenas, o valor do dinheiro ínsito na coisa”. São direitos reais sobre o valor o penhor, a hipoteca e a anticrese, e sobre a substância, os demais. Em relação à pessoa do titular, os direitos reais sobre coisa alheia classificam-se em subjetivamente pessoais e subjetivamente reais. Para Gomes (2007, p. 18), os primeiros são os que pertencem a pessoa individualmente determinada; enquanto que os segundos, a quem, em cada momento, seja o proprietário de certo imóvel. De modo que, conclui Gomes (2007, p. 18), subjetivamente pessoal “é, por exemplo, o usufruto, que se constitui sempre em favor de pessoa determinada e insubstituível na relação jurídica real” e subjetivamente real “a servidão, que grava o prédio seja quem for seu dono, pouco importando, assim, que tenha sido ele quem admitiu o ônus ou seu sucessor na propriedade do imóvel”.
  • 18. 18 CAPÍTULO 2 Características dos direitos reais: oponibilidade erga omnes, sequela, taxatividade e preferência Em razão das características que apresenta, é que os direitos reais assumem identidade própria, formando, portanto, um sistema jurídico. São essas peculiaridades que os distanciam dos direitos pessoais, e de outros sistemas ou institutos jurídicos. Os direitos reais são oponíveis contra todas as pessoas (erga omnes). “Ao poder directo e imediato que o titular de um direito real tem sobre a coisa objecto do seu direito corresponde a obrigação de todas as pessoas o respeitarem, nada devendo fazer que possa impedir ou dificultar o seu exercício” (SANTOS JUSTO, 2007, p. 15). É o que se denomina sujeição (ou obrigação) passiva universal. Por esse motivo, os direitos reais são caracterizados, também, como direitos absolutos, em contraposição aos direitos relativos, cujos sujeitos passivos são pessoas determinadas. Por serem oponíveis contra todas as pessoas, os direitos reais necessitam, evidentemente, de um meio pelo qual possam tornar-se conhecidos. Sobre o assunto, confira-se a lição de Leonardo Brandelli (2007, p. 239-240): Os direitos reais somente serão efetivamente direitos reais, dotados da característica da oponibilidade “erga omnes”, se o direito fornecer algum instrumento adequado de publicidade que permita à coletividade tomar conhecimento da existência de tal direito, sem o que não poderá afetar a terceiros de boa-fé, sob pena de haver afronta ao princípio da segurança jurídica, da boa-fé objetiva e até mesmo da justiça. Para dar publicidade aos direitos reais, o sistema jurídico prevê dois meios específicos: a tradição, para os bens móveis, e o registro, para os bens imóveis, conforme veremos, com mais vagar. Essa constitui, sem dúvida, a principal característica dos direitos reais. É exatamente sobre ela que outras se estruturam, como é o caso da sequela e da taxatividade (numerus clausus). Sequela é o direito “que tem o titular do direito real de seguir a coisa em poder de todo e qualquer detentor ou possuidor” (GOMES, 2007, p. 19). Tal direito está previsto no Código Civil, expressamente, em relação ao direito de propriedade: Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. Assim, e apenas para exemplificar, se “A” vende a “B” imóvel pertencente a “C”, este poderá reaver de “B” o seu imóvel.
  • 19. 19 DO DIREITO DAS COISAS │ UNIDADE I Mas não só o proprietário tem o direito de reaver a coisa do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. Essa faculdade se manifesta, em maior ou menor grau, em todos os direitos reais, principalmente naqueles que envolvam contato direto com a coisa, como é o caso do usufruto, do uso, da habitação, do penhor, entre outros. A taxatividade, é também conhecida como tipicidade ou princípio do numerus clausus. Significa que os direitos reais são somente aqueles previstos em lei. Não é dado às pessoas criar novos institutos, nem modificar os existentes, diferentemente do que se passa no âmbito do direito das obrigações. A principal razão para a imposição dessa limitação está exatamente na oponibilidade erga omnes dos direitos reais. De modo que o sistema jurídico proscreve “a possibilidade de alguns agravarem a liberdade dos restantes membros da comunidade” (SANTOS JUSTO, 2007, p. 36). Há quem entenda, como é o caso de Oliveira Ascensão (2000, p. 154-155), que o sistema aberto seria preferível, por melhor atender as necessidades reais e porque os inconvenientes que lhes são assinalados podem ser prevenidos desde que se tracem os limites de atuação da autonomia privada e se exija publicidade de todo o direito real inominado. A preferência é característica que se restringe aos direitos reais de garantia. Consiste, segundo Gomes (2007, p. 20), “no privilégio de obter o pagamento de uma dívida com o valor do bem aplicado exclusivamente à sua satisfação”. É o direito que assiste ao credor pignoratício, ou hipotecário, de ser pago antes de qualquer outro credor7 com o produto da venda do bem empenhado ou hipotecado. Imagine que “A”, proprietário de imóvel no valor de $110, o tenha hipotecado a “B”, em garantia do pagamento de dívida com este contraída no valor de $80. Suponha, ainda, que “A” deva a “C” $ 100 e a “D”, $ 50, meros credores quirografários. Assim, em eventual execução coletiva, o produto da venda do imóvel de “A” não seria rateado entre todos os credores, mas, sim, em razão da preferência, seria primeiro pago “B”, e o saldo apurado dividido, proporcionalmente aos respectivos créditos, entre os demais credores, “C” e “D”. 7 Existem, logicamente, exceções, como, inclusive, prescreve o próprio art. 1.422, p. u., do Código Civil: Art. 1.422. O credor hipotecário e o pignoratício têm o direito de excutir a coisa hipotecada ou empenhada, e preferir, no pagamento, a outros credores, observada, quanto à hipoteca, a prioridade no registro. Parágrafo único. Excetuam-se da regra estabelecida neste artigo as dívidas que, em virtude de outras leis, devam ser pagas precipuamente a quaisquer outros créditos.
  • 20. 20 UNIDADE II POSSE CAPÍTULO 1 Conceito e natureza jurídica Conceito Atéosdiasdehoje,inúmerasdivergênciasdoutrináriaspersistem em relaçãoàposse, principalmente no que diz respeito ao seu conceito, à sua natureza jurídica e ao seu objeto. Desde os primórdios da humanidade, os homens submeteram ao seu poder as coisas que entendiam convenientes à satisfação de suas necessidades. E esse poder, como não poderia deixar de ser, é disciplinado pelo Direito, porquanto constitui um dos elementos necessários à existência da vida em comum. Confira-se, a respeito, importante lição de Mota Pinto (1999, p. 131): O poder de fato sobre as coisas submete-se materialmente à vontade do homem. Mas, se o direito se desinteressasse, por absurdo, de submeter os poderes dos homens sobre as coisas à sua disciplina, o poder de fato sobre as coisas não se impunha ao respeito das outras pessoas. Tornar-se-ia inseguro, exposto a agressões, seria defendido com força própria do seu titular. Uma tal situação seria a negação da ordenação jurídica da sociedade. Seria o reino da força, pois sendo os bens escassos em relação às necessidades sentidas pelos homens, e procurando estes subtrair-se ao império das necessidades, seria inevitável a luta pela sua apropriação. Seria impossível, pois, a vida em comum. Constitui, assim, missão fundamental do direito organizar, segundo os valores jurídicos, os poderes dos homens sobre as coisas e o conteúdo das relações entre os homens a respeito das coisas. Atento a essas peculiaridades, o Direito regula três situações distintas, em que se manifesta o poder dos homens sobre as coisas, quais sejam: a propriedade, a posse e a detenção. Da propriedade, nos ocuparemos na Unidade seguinte. Passemos, então, ao estudo da posse e da detenção.
  • 21. 21 POSSE │ UNIDADE II A definição de posse não é unânime na doutrina. Desde muito tempo, duas teorias “procuraram fixar a noção de posse por meio de meticulosa análise dos elementos que consideram essenciais à sua conceituação” (GOMES, 2007, p. 29). Trata-se da teoria subjetiva, idealizada por Friedrich Carl von Savigny, e da teoria objetiva, de autoria de Rudolf Von Ihering. Segundo Savigny, posse é o poder de dispor, fisicamente, da coisa, com ânimo de a considerar sua e de defendê-la contra a intervenção de outrem (BEVILÁQUA, 1976, p. 19). Desse modo, a posse requer, para sua existência, a presença de dois elementos, a saber, o corpus e o animus. “O corpus é o elemento material que se traduz no poder físico da pessoa sobre a coisa. O animus, o elemento intelectual, representa a vontade de ter a coisa como sua. Não basta o corpus, como não basta o animus. (...) Se não existe a vontade de ter a coisa como própria, haverá simples detenção” (GOMES, 2007, p. 32). E se, apesar do contato físico com a coisa, não existe corpus e animus, não se há que falar em posse, nem detenção, mas, apenas, relação de lugar com a coisa ou mera “justaposição local” (KIPER, 2004, p. 151). Na concepção de Savigny, o corpus consiste na possibilidade material de fazer da coisa o que quisermos e afastar dela toda ação estranha, sem que haja, sempre e constantemente, necessidade de contato físico (BEVILÁQUA, 1976, p. 21). Já o animus consiste na vontade de ter a coisa como própria. Esta vontade não deve ser confundida com a vontade do proprietário (opinio domini). O salteador, que, à força, esbulha a posse do proprietário, tem consciência de que não é titular de direito de propriedade algum, mas, nem por isso, está impedido de se portar em relação à coisa como se ela fosse sua. Porexigiroanimusdomini(ouanimusremsibihabendi)comorequisitoindispensávelàconfiguração da posse, essa doutrina “considera simples detentores o locatário, o comodatário, o depositário, o mandatário e tantos outros que, por títulos análogos, têm poder físico sobre determinadas coisas” (GOMES, 2007, p. 33). Esses tais detêm a coisa em virtude de título que importa o reconhecimento de direito de terceiro, o que exclui a intenção de possuí-la como própria (LAFAYETTE, 1977, p. 35). Justamente por atribuir relevo ao elemento intencional, só reconhecendo posse em que há animus domini (ou animus rem sibi habendi), essa teoria foi, não por Savigny, mas por Ihering, qualificada de subjetiva (ou teoria da vontade). Já para Ihering, posse nada mais é do que a exteriorização da propriedade. De maneira que, com apoio em Beviláqua (1976, p. 24-25), podemos dizer que o critério da existência da posse há de ser o modo pelo qual o proprietário usa, normalmente, sua propriedade, o qual varia segundo o destino econômico das coisas de que o homem se serve. Há coisas que permanecem sob a proteção ou a vigilância pessoal ou real, outras não. O lavrador deixa os seus molhos de feno ou de trigo em pleno campo, o arquiteto deixa, ao lado das obras que está construindo os materiais a elas destinados, mas ninguém assim procede com relação aos seus objetos preciosos, aos seus móveis etc.; todos os conservam dentro de casa. O mesmo estado, que é normal para as primeiras dessas coisas, será anormal para as outras, porque não é esse o modo pelo qual, habitualmente, se manifesta a exterioridade da propriedade sobre elas. Assim, a posse deve continuar para as primeiras, quando não há vigilância pessoal ou real, e cessar para as segundas. Se encontramos materiais de construção junto a obras, sabemos que há uma relação de vontade de alguém, perfeitamente visível, tendo
  • 22. 22 UNIDADE II │ POSSE por objeto aqueles materiais. Se, porém, é uma joia que aí encontramos, tal relação não existe, e prestaremos serviço ao possuidor. Ihering, assim como Savigny, destaca dois elementos constitutivos da posse: corpus e animus. Para Ihering, sem que exista vontade não há relação possessória (IHERING, 1926, p. 279), ocorrendo, na verdade, simples relação de proximidade material entre uma pessoa e uma coisa, o que não apresenta significação jurídica alguma (IHERING, 1926, p. 279). Diz Ihering que quando esses dois elementos estiverem presentes (corpus et animus), tem-se, sempre, posse, a menos que exista disposição legal determinando que se trata de mera detenção (1926, p. 268). Entretanto, segundo Ihering, esses elementos não são separáveis, estando, ao contrário, imbricados um no outro de forma indissociável (LUSO SOARES, 1980, apud SANTOS JUSTOS, 2007, p. 149). Para Ihering, o corpus não pode existir sem o animus, assim como o animus não pode existir sem o corpus (1926, p. 292). No seu entender, corpus e animus são entre si como a palavra e o pensamento. Assim como, na palavra, o pensamento toma corpo, no corpus, o animus se concretiza (1926, p. 292). É por esse motivo que sua teoria é denominada objetiva. O nosso Direito Civil adotou a teoria objetiva da posse. É o que se extrai, facilmente, da definição legal de possuidor, exposta no art. 1.196 do Código Civil, que diz o seguinte: “Art. 1.196. Considera- se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”. Desualeitura,percebe-sequeodispositivotranscritoestáemconsonânciacomadoutrinadeIhering. Quem exerce alguns dos poderes inerentes à propriedade, como está no texto legal, evidentemente, a exterioriza, o que se afina com a doutrina objetiva. Entretanto, é importante dizer, na esteira de Gomes (2007, p. 39), que, ao consagrar a teoria objetiva da posse não guardou o nosso Código fidelidade absoluta em relação à ela, na medida em que foram feitas algumas concessões à doutrina subjetiva. Além do possuidor, estabelece o nosso Código Civil, desta vez no seu art. 1.198, a definição de detentor. Confira sua redação: “Art. 1.198. Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas”. Detentor, também conhecido como fâmulo da posse, servidor da posse ou servo da posse, é, portanto, o que “detém a coisa em nome de outrem, seguindo as orientações e as ordens de quem tem efetivamente a posse dela” (NERY JUNIOR, 2008, p. 848). Existe relação de dependência quando o possuidor pode, à sua vontade, retirar este poder de fato àquele que o exerce (CARVALHO SANTOS, 1984, p. 31). Quando, ao contrário, em razão de relação jurídica qualquer, atribuir-se ao sujeito que exerce poder de fato sobre a coisa certos direitos e independência, por mais limitados e transitórios que sejam, não mais estaremos perante detenção, mas, sim, de posse (CARVALHO SANTOS, 1984, p. 31).
  • 23. 23 POSSE │ UNIDADE II São detentores, por exemplo, o caseiro, em relação ao imóvel de que cuida; os empregados em geral, quanto aos instrumentos de trabalho; os bibliotecários, em relação aos livros sob sua responsabilidade; entre outros. A distinção entre possuidor e detentor é importante porque só aquele, e não a este, assiste o direito de invocar a proteção possessória. Todavia, assegura-se aos detentores certas prerrogativas que são próprias dos possuidores, como o desforço imediato, em caso de turbação da posse. Nos termos do Enunciado no 301, aprovado na IV Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal, é possível a conversão da detenção em posse, desde que rompida a subordinação, na hipótese de exercício em nome próprio dos atos possessórios. Neste caso, entretanto, a prova cabe ao detentor, conforme prescreve o parágrafo único do art. 1.198 do Código Civil. Discute-se, outrossim, na jurisprudência, se é possível ocorrer posse em terras públicas, e, consequentemente, a possibilidade de se conceder proteção possessória a particulares, em tais casos. Há que se distinguir, nessa seara, a hipótese de quem simplesmente invade uma área pública e a ocupa sem qualquer título recebido do poder público, daquele que ocupa uma área pública porque recebeu do próprio poder público uma permissão de uso. No primeiro caso, haverá invasão ou ocupação irregular. No segundo, existirá mera detenção. Em ambos os casos, não se tem direito a proteção possessória. Predomina, na jurisprudência, o entendimento de que a ocupação de terras públicas pode configurar, quando muito, mera detenção. Nesse sentido, consulte-se o decisum a seguir: POSSESSÓRIA. ÁREA PÚBLICA. OCUPAÇÃO. MERA DETENÇÃO. 1 – Área pública é insuscetível de ascendência possessória por particulares. O poder de fato sobre ela exercido decorre de mera tolerância do Poder Público. Irrelevante a boa ou má-fé do ocupante e a existência ou a inexistência de destinação pública específica da área. 2 – Caracteriza, a ocupação, simples detenção, não passível de se lhe estenderem os efeitos da posse, entre eles a proteção dos interditos e a indenização por benfeitorias. 3 – Apelação não provida. (20100112343513APC, Relator JAIR SOARES, 6ª Turma Cível, julgado em 01/06/2011, DJ 09/06/2011 p. 254) Não obstante, tem-se reconhecido a possibilidade do particular que ocupe área pública, a qualquer título,obtenharestritaproteçãopossessória,nãocontraopoderpúblico,mascontraoutrosparticulares. Em tais casos, a disputa pela posse resolve-se em favor de quem detém a coisa com maior aparência de legítimo possuidor. Veja-se, a esse respeito, a seguinte ementa de decisão, in verbis: EMENTA: CIVIL E PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. OPOSIÇÃO. ÁREA PÚBLICA. PARTICULARES. OCUPAÇÃO IRREGULAR. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. POSSE PRECÁRIA. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. Em relação a terceiros, é juridicamente possível o pedido de tutela da posse, enquanto fato jurídico, mesmo em se tratando de terras públicas. Somente há que se falar em mera detenção, indefensável por meio dos interditos, aquela oponível ao próprio poder público. A disputa da posse
  • 24. 24 UNIDADE II │ POSSE sobre terras públicas, travada entre particulares, consubstancia questão social relevante, que em nada afeta o domínio patrimonial do Estado sobre tais bens. A reintegração de posse ajuizada com lastro na posse como estado de fato, sem que haja prova do domínio, resolve-se em favor de quem a detém de forma melhor e com melhor aparência, de forma a viabilizar a outorga da qualificação de legítimo possuidor. Se a questão possessória tratada nos autos evidencia a necessidade de dilação probatória, a fim de se esclarecer quais as áreas ocupadas pelas partes, o tempo que exerceram posse, bem como a ocorrência do alegado esbulho, a cassação da sentença e o retorno dos autos à instância de origem é medida que se impõe. Recurso conhecido e provido. Sentença cassada. (20100110028687APC, Relator ANA MARIA DUARTE AMARANTE BRITO, 6ª Turma Cível, julgado em 11/05/2011, DJ 19/05/2011 p. 200) Natureza jurídica Com relação à natureza jurídica da posse, dividem-se os juristas em três correntes: uns a consideram um fato (Cujacius, Donnellus, Voet, Windscheid, De Filipis, Trabucchi); alguns, um direito (Accursius, Bartolo, Ihering, Molitor, Cogliolo, Teixeira de Freitas, Edmundo Lins); e, por fim, outros, um fato e um direito, simultaneamente Savigny, Merlin, Namur, Domat, Ribas, Lafayette (PEREIRA, 2006, p. 25). Entretanto, atualmente, prevalece na doutrina a tese de que a posse é um direito. Dizem os defensores desta teoria que a posse nada mais é do que um interesse juridicamente protegido (SAVIGNY). E, sendo um direito, resta saber se tem natureza de direito real ou pessoal. Por ser exercida direta e imediatamente sobre a coisa, ou seja, sem intermediário, estando, ademais, todas as pessoas obrigadas a respeitá-la (eficácia erga omnes), a posse é, sem dúvida, um direito real.
  • 25. 25 CAPÍTULO 2 Objeto – Súmula no 228, do STJ Composse A princípio, podem ser objeto de posse todas as coisas que puderem ser objeto de propriedade. Isso porque, segundo o Código Civil, art. 1.196, considera-se possuidor “todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”. E, conforme adverte Gomes (2007, p. 112), somente pode ser objeto do direito de propriedade bens corpóreos, não se estendendo, portanto, a bens incorpóreos (propriedade literária, artística e científica), a valores (fundo de comércio, nome comercial, clientela, patentes de invenção) e a direitos. Assim entendem, também, os lusitanos José de Oliveira Ascensão (2000, p. 63-65) e Santos Justo (2007, p. 161-163) e o alemão Martin Wolff (1936, p. 30). No Brasil, Nelson Rosenvald e Cristiano de Chaves Farias (2007, p. 56) comungam desta opinião. Entretanto, para alguns autores, além dos bens corpóreos, podem ser objeto de posse os direitos reais, com exceção da hipoteca, cujo bem dado em garantia não fica sob o poder material do credor (Clóvis Beviláqua, Serpa Lopes, Carvalho Santos, Tito Fulgêncio e Washington de Barros Monteiro). Para outros, também constituem objeto da posse os direitos pessoais patrimoniais ou de crédito, como os direitos do locatário, do comodatário e do depositário, os quais se encontram em relação direta com a coisa (Vicente Ráo, Astolfo Rezende e Messineo). Acrescente-se que, para ser objeto do direito de propriedade, não basta que seja bem corpóreo. Exige- se mais. Requer-se coisa especificamente determinada, não havendo, por conseguinte, propriedade de um patrimônio considerado em sua unidade, mas, sim, tantos direitos de propriedade quantos sejam os bens que o componham (GOMES, 2007, p. 112). Superada está a doutrina inaugurada por Ruy Barbosa que incluía entre o objeto da posse os direitos em geral, como é o caso do direito ao exercício de um cargo público. Com a previsão legal do mandado de segurança, essa construção doutrinária perdeu sua razão de existir. Entre as coisas corpóreas, não se sujeitam, todavia, à posse: a. as coisas que, por sua própria natureza, são inapropriáveis, por fugirem ao poder físico dos homens, como a luz, o ar atmosférico, o mar etc.; b. os bens que, por sua destinação, não podem ser objeto de poder jurídico privado excludente dos demais, como é o caso dos bens de uso comum do povo. E entre as
  • 26. 26 UNIDADE II │ POSSE relações jurídicas em que se decompõe a propriedade, a hipoteca, cujo bem dado em garantia não fica sob o poder material do credor. Muito embora existam controvérsias, não se admite, em nosso sistema, a posse de coisas incorpóreas e direitos pessoais. Quanto àquelas, isso está bem claro na Súmula no 228 do Superior Tribunal de Justiça, assim redigida: “É inadmissível o interdito proibitório para a proteção do direito autoral”.
  • 27. 27 CAPÍTULO 3 Espécies de posse, aquisição e perda de posse Éspécie de posse A presença, ou a ausência, de determinados elementos, objetivos ou subjetivos, no âmbito da posse, a qualifica, diversificando-a, desse modo, em várias espécies. Com efeito, a posse pode ser obtida de modo lícito ou ilícito. No primeiro caso, a posse é qualificada como justa; e, no segundo, como injusta. Justa é a posse adquirida por algum dos modos previstos em lei. Ao contrário, injusta é a posse adquirida mediante violência, clandestinidade ou precariedade (CC, art. 1.200). Posse violenta é a que se obtém mediante coação física ou moral. Posse clandestina é a que se estabelece às ocultas. Posse precária, por fim, é a que se origina do abuso de confiança por parte daquele que recebera a coisa para, posteriormente, restituí-la e, quando se lhe a exige, recusa-se a fazê-lo, passando a possuí-la em seu próprio nome. Em relação aos bens móveis, os vícios possessórios acima delineados configuram, respectivamente, os crimes de roubo (posse violenta), furto (posse clandestina) e apropriação indébita (posse precária). A posse pode, ainda, ser dividida em posse de boa-fé e posse de má-fé. Tem-se posse de boa-fé quando o possuidor ignora o vício, ou obstáculo, que lhe impede a aquisição da coisa e posse de má- fé quando, ao invés, o possuidor não ignora esse vício ou obstáculo. Classifica-se, ainda, a posse em posse natural (ou efetiva) e em posse civil (ou jurídica ou não efetiva). Posse natural é a que “se constitui pelo exercício de poderes de fato sobre a coisa, ou, segundo Limongi França, a ‘que se assenta na detenção material e efetiva da coisa’” (apud GONÇALVES, 2008, p. 83). Já a posse civil é a que “se adquire por força da lei, sem a necessidade de atos físicos ou da apreensão material da coisa” (GONÇALVES, 2008, p. 83). O principal exemplo desse tipo de posse é o constituto possessório, modo derivado de aquisição da posse em que o possuidor de uma coisa em nome próprio passa a possuí-la em nome alheio. É o que se verifica quando alguém, possuindo um bem como proprietário, o aliena, mas continua a possuí-lo, todavia, como locatário. Outra classificação tradicional é a que divide a posse em nova e velha, sendo posse nova a de menos de ano e dia e posse velha a de mais de ano e dia. Essa distinção tem importante aplicação nos interditos possessórios.
  • 28. 28 UNIDADE II │ POSSE Divide-se a posse, também, em posse ad usucapionem e posse ad interdicta. Posse ad usucapionem é a que possibilita a aquisição do domínio; e posse ad interdicta é a que permite a utilização dos interditos possessórios. A diferença entre estas espécies de posse reside nos requisitos de cada uma delas. Enquanto que, para se valer dos interditos possessórios, basta a affectio tenendi (vontade de reter a coisa), para a usucapião, requer-se mais, pois se exige animus domini (vontade de ter a coisa para si). Um exemplo facilitará a compreensão. Por seu turno, quanto à figura do locatário pode valer-se dos interditos possessórios, porque apresenta affectio tenendi, mas não sairá vitorioso em eventual ação de usucapião, porque lhe falta animus domini. Por fim, classifica-se a posse em direta e indireta. Posse indireta tem quem cede o uso da coisa e posse direta aquele que, por direito real ou obrigacional, a recebe. As posses diretas e indiretas não colidem entre si e nem se excluem (PEREIRA, 2006, p. 33). Ambas são igualmente tuteladas. Tanto o possuidor direto quanto o indireto, podem invocar a proteção possessória em face de terceiros, permitindo-se, ainda, ao possuidor direto defender a sua posse contra o indireto, nos termos do art. 1.197 do Código Civil. Aquisição e perda da posse Diferentemente do anterior, que relacionava os modos aquisitivos da posse, com o que era criticado pela doutrina, o atual Código Civil apenas estabelece, no art. 1.204, que se adquire a posse “desde o momento em que se torna possível o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade”. Como os direitos em geral, os modos de aquisição da posse podem ser classificados em originários e derivados. No primeiro caso, não há consentimento de possuidor precedente, como ocorre na apreensão ou no esbulho; no segundo, há anuência do anterior possuidor, como acontece na tradição precedida de negócio jurídico. Nos modos originários de aquisição da posse, esta se apresenta livre dos vícios que a contaminavam. Assim, e o exemplo é dado por Gonçalves (2008, p. 88), se o antigo possuidor era titular de uma posse de má-fé, por havê-la adquirido clandestinamente ou a non domino, tais vícios desaparecem ao ser ele esbulhado. Já nos modos derivados de aquisição da posse, o adquirente a recebe com todos os vícios que a inquinavam nas mãos do alienante. De modo que, se este desfrutava de posse violenta, aquele a adquire com o mesmo defeito. Isso é o que está no art. 1.203 do Código Civil. São modos originários de aquisição da posse: c. a apreensão; d. o exercício do direito; e. a disposição do direito.
  • 29. 29 POSSE │ UNIDADE II São, todavia, modos derivados de aquisição da posse: a. a tradição; b. o constituto possessório; c. a sucessão mortis causa. Por outro lado, perde-se a posse quando cessa, embora contra a vontade do possuidor, o poder sobre o bem, conforme explicita o art. 1.223 do Código Civil. Ou seja, perde-se a posse quando não é mais possível o exercício, pelo possuidor, de alguns dos poderes inerentes à propriedade. É o que ocorre no abandono, na destruição ou na perda da coisa, na tradição e no esbulho.
  • 30. 30 CAPÍTULO 4 Efeitos da posse e tutelar penal da posse Efeitos da posse Independentemente da teoria adotada, é praticamente unânime na doutrina8 que a posse produz efeitos9 . Divergem os autores, contudo, sobre quais sejam tais efeitos. Se, para uns, a posse produz um único efeito, qual seja, o de induzir à presunção de propriedade, para outros, são vários os efeitos da posse10 . Certo é que, segundo o nosso ordenamento jurídico, a posse produz os seguintes efeitos. » » Direito aos interditos » » Direito à indenização dos prejuízos sofridos com a turbação ou o esbulho » » Direito à percepção de frutos » » Direito à indenização das benfeitorias úteis e necessárias » » Direito de retenção pelo valor das benfeitorias úteis e necessárias » » Direito de levantar as benfeitorias voluptuárias » » Direito à usucapião Adverte Gomes (2007, p. 79) que alguns desses efeitos se produzem em todas as espécies de posse, enquanto outros são próprios da posse de boa-fé. Tutela penal da posse A posse constitui bem jurídico tão importante para o convívio social que alguns atentados contra ela configuram ilícitos penais. Em outras palavras, não apenas na esfera civil se dá a proteção da posse, mas, também, no âmbito penal. Essa relação entre o Direito Civil e o Direito Penal é bem explicitada por Mota Pinto (1999, p. 44): Quando um comportamento lesivo de outrem, além do prejuízo causado à pessoa, lesa o interesse social com certa intensidade, a reacção do Direito Civil, posta em movimento pela pessoa lesada, é reforçada pelo Direito Criminal, ordenamento dirigido à proteção dos valores da colectividade, isto é, com especial relevo comunitário. 8 Praticamente porque, conforme refere Pereira (2006, p. 59), não faltou quem lhe negasse qualquer efeito. 9 Aliás, é precisamente a existência desses efeitos a razão de toda a celeuma que se trava em torno da natureza jurídica da posse. 10 Consoante Pereira (2006, p. 59) e Gomes (2007, p. 77), houve quem atribuisse à posse 72 (setenta e dois) efeitos.
  • 31. 31 POSSE │ UNIDADE II Dessarte, os atos de violência contra a posse são tipificados como crimes nos arts. 157 e 161, § 1o , II, do Código Penal. Em relação aos bens móveis, esta agressão à posse recebe o nomen iuris de roubo e, no tocante aos bens imóveis, o de usurpação, mais especificamente esbulho possessório. No primeiro, a pena é de reclusão e multa; no segundo, de detenção e multa. Também a clandestinidade é combatida na esfera penal. No que diz respeito aos bens móveis, é regulada pelo art. 155 do Código Penal, conhecida por furto e punida com reclusão e multa. Em relação aos bens imóveis, vem expressa no art. 161 do Código Penal, recebe o nome de usurpação, mais especificamente alteração de limites, sendo sancionada com detenção e multa. Por fim, a precariedade, a qual é tipificada no art. 168 do Código Penal e punida com reclusão e multa, sendo, ademais, referente, apenas, aos bens móveis.
  • 32. 32 UNIDADE III DA PROPRIEDADE CAPÍTULO 1 Noções gerais Segundo Gomes (2007, p. 109), o direito de propriedade pode ser conceituado à luz de três critérios, a saber, o sintético, o analítico e o descritivo. Para o saudoso jurista, nenhum desses critérios satisfaz isoladamente, mas, juntos, permitem ter do direito de propriedade noção suficientemente clara. Sinteticamente, pode-se definir a propriedade como “a submissão de uma coisa, em todas as suas relações, a uma pessoa” (GOMES, 2007, p. 109); analiticamente, como “o direito de usar, fruir e dispor de um bem, e de reavê-lo de quem injustamente o possua” (GOMES, 2007, p. 109); e, descritivamente, como “o direito complexo, absoluto, perpétuo e exclusivo, pelo qual uma coisa fica submetida à vontade de uma pessoa, com as limitações da lei” (GOMES, 2007, p. 109). A propriedade é um direito: a) complexo, na medida em que consubstancia as faculdades de usar, gozar, dispor e reivindicar a coisa que lhe serve de objeto; b) absoluto, porquanto cabe ao titular o poder de decidir “se deve usar a coisa, abandoná-la, aliená-la, destruí-la, e, ainda, se lhe convém limitá-lo, constituindo, por desmembramento, outros direitos reais em favor de terceiros” (GOMES, 2007, p. 109); c) perpétuo, tendo em vista que apresenta duração ilimitada; d) exclusivo, porquanto “sobre a mesma coisa só pode haver um direito de propriedade” (SANTOS JUSTO, 2007, p. 218), atribuindo-se ao proprietário meios jurídicos destinados a “proibir que terceiros exerçam sobre a coisa qualquer senhorio” (GOMES, 2007, p. 110); e e) elástico, “pois pode ser distendido ou contraído, no seu exercício, conforme se lhe agreguem ou retirem faculdades destacáveis” (GOMES, 2007, p. 110). O nosso atual Código Civil, assim como o anterior, não define o direito de propriedade. Limita- se a descrever, genericamente, as faculdades concedidas ao proprietário, dizendo o seguinte: “Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”. Tais poderes consubstanciam o conteúdo do direito de propriedade, sob o aspecto intrínseco. De fato, o conteúdo do direito de propriedade pode ser analisado sob dois aspectos, extrínseco e intrínseco.
  • 33. 33 DA PROPRIEDADE │ UNIDADE III Soboaspectoextrínseco,deve-se“determinaroslimitesquecircunscrevemobjetivamenteopoderdo proprietário” (GOMES, 2007, p. 113), ou seja, suas extensões horizontal e vertical. Essa investigação será feita por nós mais a frente, no item 6.3, destinado ao objeto do direito de propriedade. Já sob o aspecto intrínseco, deve-se determinar os poderes e faculdades que são concernentes ao direito de propriedade. Com relação a esse aspecto, diz-se que tais poderes e faculdades são indeterminados. Conforme Oliveira Ascensão (2000, p. 448), no direito de propriedade, os poderes são atribuídos ao proprietário de maneira global (uti universi), de modo que “tudo o que nele se inclua vai implicitamente atribuído”. Assim também entende Santos Justo (2007, p. 216), que, citando Menezes Cordeiro, leciona ser “possível determinar, com precisão, o que o proprietário não pode fazer”, mas o que pode fazer “só poderia ser exemplificado”. Mas isso não quer dizer que os poderes e as faculdades atribuíveis ao proprietário são ilimitados. Não se deve confundir indeterminação com ilimitação. Desde os tempos mais antigos, houve o cuidado de limitar a utilização das coisas para satisfazer interesses públicos, privados, religiosos e morais (SANTOS JUSTO, 2007, p. 229). Sempre se impôs uma dimensão social, mais ou menos acentuada consoante o sistema político-econômico consagrado (SANTOS JUSTO, 2007, p. 229). Sobre as limitações ao direito de propriedade, interessante a reflexão feita por SANTOS JUSTO (2007, p. 229), afastando ideia largamente difundida, no sentido de que, no Direito Romano, o direito de propriedade era absoluto: Mesmo no direito romano, a propriedade nunca deixou de ser limitada por motivos de interesse público, religioso e privado. Por isso, é injusta a acusação feita por economistas e sociólogos de inspiração socialista que, no século XX, invocavam a propriedade romana como paradigma da propriedade capitalista. Fundavam esta acusação na velha fórmula medieval que via naquela propriedade o ius utendi, fruendi et abutendi erradamente traduzida por direito de usar, fruir e abusar (abrangendo destruir), em vez de usar, fruir e consumir (ou usar completamente). As limitações ao direito de propriedade, refere Gomes (2007, p.143-144), podem ser classificadas segundo a fonte, a extensão e o fundamento. Considerando-se a fonte, as limitações ao direito de propriedade são legais, jurídicas e voluntárias, conforme provenham, respectivamente, da lei, dos princípios gerais de direito e da vontade do proprietário. Quanto à extensão, a limitação pode atingir o direito em si ou alguma de suas faculdades. Diz-se que uma pessoa tem a propriedade plena se ela reúne consigo todos os elementos da propriedade, sem que terceiros tenham qualquer direito sobre o bem. Em oposição, limitada, restrita ou onerada, é a propriedade objeto de algum ônus real. É o caso, por exemplo, do nu-proprietário, que conserva apenas o domínio direto sobre o bem, enquanto o domínio útil, o direito de usar, gozar e dispor da coisa, é deferido ao titular do direito real que onera a propriedade, como na hipótese do usufrutuário.
  • 34. 34 UNIDADE III │ DA PROPRIEDADE Por fim, do ponto de vista do fundamento, as limitações podem ser reunidas conforme se inspirem no interesse público ou no interesse privado, de terceiros ou do proprietário. No primeiro caso, há subordinação do interesse privado aos interesses da coletividade; no segundo, há coordenação entre interesses privados, visando sua coexistência harmônica. Em relação ao tema ora em estudo, deve-se preferir a terminologia limitações a restrições. Isso porque, segundo Santos Justo, com apoio em Oliveira Ascensão, o vocábulo restrições faz crer que todas as intervenções apresentam caráter negativo, quando, no entanto, podem, também, recair sobre o proprietário obrigações positivas (SANTOS JUSTO, 2007, p. 231). Entre os critérios utilizados para classificar as limitações ao direito de propriedade, o mais interessante, porque mais abrangente, é o relativo à fonte. Ao tratarmos desse critério, teremos oportunidade de fazer referência aos demais. Passemos, então, à sua análise. As limitações legais estão expressas em leis, no que se inclui o próprio Código Civil, e atos administrativos normativos, também conhecidos como regulamentos administrativos. Apresentam como fundamento, de um lado, o interesse público e, de outro, interesses privados, ora em benefício de proprietários de outros bens, ora em favor de qualquer outra pessoa. Aduz Gomes (2007, p. 144-145) que as limitações legais impostas em favor do interesse público pertencem ao campo do Direito Administrativo e caracterizam-se pela unilateralidade, na medida em que não estabelecem vínculos recíprocos, enquanto que as prescritas em atenção aos interesses privados pertencem ao campo do Direito Civil e caracterizam-se pela bilateralidade, tendo em vista que criam vínculos recíprocos, como no caso dos direitos de vizinhança, que atingem, igualmente, todos os vizinhos. As limitações legais impostas em favor do interesse público, também chamadas limitações de Direito Administrativo, quanto à sua extensão, pode atingir o direito em si ou alguma de suas faculdades. Dentre as medidas dessa natureza, a mais extensa é a desapropriação, mediante a qual o Estado priva, definitivamente, o proprietário do seu direito, por necessidade pública, utilidade pública, interesse social ou para fins de reforma agrária, adquirindo-o mediante indenização prévia e justa (Constituição Federal, art. 5o ., inc. XIV e 184). Já a requisição não importa perda da propriedade, atingindo, entretanto, uma (ou algumas, mas não todas) de suas faculdades, privando, temporariamente, o proprietário do gozo da coisa (CF, art. 5o ., inc. XXV). Outras espécies de limitações de ordem administrativas são as que decorrem de tombamento administrativo, para proteção do patrimônio histórico e paisagístico, bem como as chamadas posturas administrativas e regras de gabarito, que impõe restrições variadas sobre as construções, como sobre alinhamento, altura, área máxima permitida para construção, recuo etc., por razões das mais diversas, como de ordenamento urbanístico, estético, ou mesmo por razões de segurança, inclusive militar.
  • 35. 35 DA PROPRIEDADE │ UNIDADE III Gomes (2007, p. 145-146) elenca diversos interesses públicos a serem utilizados como justificativa para a imposição de limitações de Direito Administrativo, como a segurança pública, a saúde pública, a prosperidade pública, a economia popular, entre outros. Além disso, exemplifica o referido autor algumas das medidas que a proteção desses interesses poderão dar ensejo, como quando o Estado, em nome da segurança pública, dita a localização e o funcionamento dos estabelecimentos perigosos, ou quando, no interesse da saúde pública, proíbe culturas nocivas ou interdita o uso de águas. As limitações jurídicas, por sua vez, decorrem da aplicação, sobre o direito de propriedade, de princípios jurídicos, tendo inspiração desde o Direito Romano, como no caso da servidão de passagem, que permite ao proprietário de imóvel encravado passar pelo imóvel contíguo. Alguns são referidos em lei11 , outros são extraídos do sistema jurídico como um todo. Ensina Gomes (2007, p. 149) que, dentre os princípios que importam limitações ao direito de propriedade, “salienta-se o da normalidade do exercício dos direitos, segundo o qual o uso pode transformar-se em abuso, se o titular exercer sobre eles o direito sem legítimo interesse ou de modo contrário à sua destinação social. O desvio da normalidade é inadmissível. Quem o pratica comete abuso de direito”. Em seguida, exemplifica: “A literatura jurídica registra, como caso típico de aplicação dessa teoria ao direito de propriedade, a atitude daquele proprietário de terreno vizinho a um campo de atracação de dirigíveis, que construiu, sem qualquer interesse, enormes torres, como manifesto perigo ao pouso das aeronaves”. As limitações ao direito de propriedade podem resultar, ainda, da própria vontade do proprietário. São as limitações voluntárias. É o que ocorre, por exemplo, quando o proprietário se priva das faculdades de uso e gozo da coisa por tê-la dado em usufruto a outrem. Segundo Gomes (2007, p. 150), também constituem limitações voluntárias aquelas determinadas pelo proprietário, por ato unilateral ou mediante contrato, no sentido de que “o bem por ele transmitido a outrem obrigue este a satisfazer determinados encargos, ou que, durante certo prazo, não se transmita a outra pessoa, ou, ainda, que permaneça inalienável por certo tempo, bem como seja conservado para transmissão a outra pessoa, realizada certa condição ou verificado o termo a que esteja subordinado”. 11 Não há que se confundir as limitações jurídicas cujos princípios são referidos em lei com as limitações legais.
  • 36. 36 CAPÍTULO 2 Função social e dimensão constitucional da propriedade Função e dimensão Segundo Luís Roberto Barroso (cf. Ref.), após o fim da Segunda Guerra Mundial, e sob os ares do pós-positivismo, corrente de pensamento que, em suas palavras, “busca ir além da legalidade estrita, mas não despreza o direito posto”, ocorreram três grandes transformações no âmbito do Direito Constitucional: a) o reconhecimento de força normativa à Constituição; b) expansão da jurisdição constitucional; e c) o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional. Em meio a tudo isso, sucedeu interessante fenômeno, conhecido como “constitucionalização do Direito”, que, conforme Luís Roberto Barroso (cf. Ref.), está associado “a um efeito expansivo das normasconstitucionais,cujoconteúdomaterialeaxiológicoseirradia,comforçanormativa,portodo o sistema jurídico”, de modo que os “valores, os fins públicos e os comportamentos contemplados nos princípios e regras da Constituição passam a condicionar a validade e o sentido de todas as normas do Direito Infraconstitucional”. É a partir daí que se passa a falar em “constitucionalização do Direito Civil”. E nesta seara é que entra o princípio da função social da propriedade. A Constituição Federal assegura, em seu art. 5o , inciso XXII, o direito à propriedade. Mas, no dispositivo seguinte, isto é, inciso XXIII do art. 5o , prescreve que “a propriedade atenderá a sua função social”. Também, no art. 170, incisos II e III, ao relacionar os princípios regentes da ordem econômica, faz, novamente, alusão à “propriedade privada” e à “função social da propriedade”. Por tudo isso, concluem Tepedino e Schreiber (2003) que a postura refletida nestes dispositivos, e em outras passagens do texto constitucional, “conduz inevitavelmente à conclusão de que, no direito brasileiro, a garantia da propriedade não pode ser compreendida sem atenção à sua função social”, e, posteriormente, arrematam: “não há, no texto constitucional brasileiro, garantia à propriedade, mas tão somente garantia à propriedade que cumpre a sua função social”. Em relação à propriedade imóvel, tanto urbana, quanto rural, traça a Constituição Federal alguns dos requisitos que devem ser cumpridos para o atendimento da função social. Confira-se: Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. (...)
  • 37. 37 DA PROPRIEDADE │ UNIDADE III § 2o – A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor. (...) Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I – aproveitamento racional e adequado; II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. O próprio Código Civil, em seu art. 1.228, § 1o , atendendo a esses ditames constitucionais, estabelece: “O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas”. Afunçãosocialdapropriedadenãoconstituilimitaçãoaesta.Ouseja,nãoéalgoexternoàpropriedade, mas, sim, um de seus elementos. “A função social compõe a propriedade. A propriedade é, ao menos neste sentido, função social, como todo instituto é o complexo que resulta de sua estrutura e de sua função”, referem Tepedino e Schreiber (2003). Objeto e extensão Conforme fizemos referência quando do estudo do objeto da posse, apenas os bens corpóreos podem ser objeto do direito de propriedade. Também vimos que, além da materialidade, exige-se coisa especificamente determinada, não havendo, por conseguinte, propriedade de um patrimônio considerado em sua unidade, mas, sim, tantos direitos de propriedade quantos sejam os bens que o componham (GOMES, 2007, p. 112). Mas, até onde vai o poder do proprietário? Em outras palavras, qual a extensão do direito de propriedade? Quanto aos bens móveis, dificuldade alguma se apresenta, tendo em vista “que ocupam no espaço lugar nitidamente definido” (GOMES, 2007, p. 133). Entretanto, no caso de bens imóveis, a “extensão do poder do proprietário sobre o solo não se delimita pela superfície. Vai além. Ao espaço aéreo correspondente à superfície e ao subsolo pode estender-se o poder do proprietário, surgindo, assim, o problema da delimitação” (GOMES, 2007, p. 133).
  • 38. 38 UNIDADE III │ DA PROPRIEDADE Mas não só em relação ao espaço aéreo e ao subsolo reside o problema da extensão do direito de propriedade. Essa questão deve ser analisada, também, no que diz respeito aos bens móveis incorporados aos imóveis, destes tornando-se, portanto, parte integrante. Ensina Gomes (2007, p. 134) que o poder do proprietário de um bem imóvel seria inútil se recaísse apenas em sua superfície, devendo, por conseguinte, estender-se “para cima e para baixo a determinada altura e a determinada profundidade. Se quer, por exemplo, edificar, terá de implantar os alicerces da construção do subsolo e erguê-la acima da superfície. Seu direito estende-se, portanto, verticalmente”. Mas esse poder do proprietário não é ilimitado. Ao contrário do que pensavam os romanos, não vai “usque ad sidera et usque ad inferos”, ou seja, até o astros e às profundezas, mas, sim, até onde houver interesse prático (SANTOS JUSTO, 2007, p. 217). A respeito, estabelece o Código Civil que a “propriedade do solo abrange a do espaço aéreo e subsolo correspondentes, em altura e profundidade úteis ao seu exercício, não podendo o proprietário opor-se a atividades que sejam realizadas, por terceiros, a uma altura ou profundidade tais, que não tenha ele interesse legítimo em impedi-las” (art. 1.229). A propriedade do solo não abrange, todavia, “as jazidas, minas e demais recursos minerais, os potenciais de energia hidráulica, os monumentos arqueológicos e outros bens referidos por leis especiais” (Código Civil, art. 1.230), mas é permitido ao proprietário do solo “explorar os recursos minerais de emprego imediato na construção civil, desde que não submetidos a transformação industrial” (Código Civil, art. 1.230, parágrafo único). Estende-se, também, o direito de propriedade sobre tudo quanto for “incorporado permanentemente ao solo, de modo que se não possa retirar sem destruição, modificação, fratura ou dano ou intencionalmente empregado no imóvel pelo proprietário em sua exploração industrial, aformoseamento ou comodidade”, porque constituem partes integrantes do bem principal (GOMES, 2007, p. 133). Modalidades As principais modalidades, ou espécies, do direito de propriedade são estas: » » propriedade plena ou restrita; » » propriedade perpétua ou resolúvel. A propriedade é plena quando todos os direitos elementares que a formam se acham reunidos na pessoa do proprietário e restrita (ou limitada) quando algum ou vários desses direitos elementares estão destacados e atribuídos a outrem, sendo, por esse processo, que se formam os direitos reais na alheia (GOMES, 2007, p. 114). Já se disse, em linhas anteriores, que, por possuir, normalmente, duração ilimitada, a propriedade apresenta, como uma de suas características, a perpetuidade. Mas, segundo Gomes (2007, p. 114), admite-se, por exceção, propriedade revogável ou resolúvel, “que se configura quando, no
  • 39. 39 DA PROPRIEDADE │ UNIDADE III próprio título de sua constituição, por sua própria natureza ou pela vontade do agente ou das partes, se contém condição resolutiva”, como ocorre, “no fideicomisso, com a propriedade do fiduciário, e, na retrovenda, com a propriedade do comprador”. Não são casos de propriedade resolúvel, todavia, aqueles nos quais a revogação se funda em causa superveniente à aquisição (GOMES, 2007, p. 114). Constitui, ainda, caso de propriedade resolúvel a propriedade superficiária, que decorre de direito de superfície que se tenha, hipótese que será estudada mais adiante, e a propriedade fiduciária. Entende-se por propriedade fiduciária a propriedade resolúvel que o credor, geralmente um banco ou instituição financeira, recebe, como garantia, de uma coisa móvel infungível que está sendo adquirida a prazo pelo devedor, cedendo em troca ao devedor a posse direta sobre esse bem, ficando o devedor como seu fiel depositário. Constitui-se com o registro de instrumento público ou particular no cartório de registro de títulos e documentos do domicílio do devedor. Caso o devedor pague todas as prestações, ficará com a propriedade do bem. Se não o fizer, eventual terceiro que o fizer se sub-rogará desse direito. Modos de aquisição A aquisição da propriedade não é uniforme nas legislações. Discute-se, basicamente, se “é bastante o ato constitutivo da relação jurídica para que se produza o efeito translativo ou se é necessário outro ato para que a aquisição se torne perfeita e acabada. Por outras palavras mais simples: o contrato, ou outro ato jurídico, transfere, de si só, o domínio de uma coisa?” (GOMES, 2007, p. 157). Ao ato jurídico pelo qual uma pessoa manifesta a vontade de adquirir uma coisa, dá-se, na doutrina, o nome de título; já o ato jurídico, posterior ao título, e necessário para a transferência da propriedade, em algumas legislações, recebe o nome de modo. Os sistemas de aquisição da propriedade, em virtude de suas origens, são, basicamente, três, a saber, o francês, o alemão e o romano. Pelo sistema francês (também conhecido como sistema consensual ou privatista), “o título é suficiente para transferir a propriedade. Não se reputa necessário um modus. Numa palavra, os contratos têm efeito translativo. (...) A propriedade se transfere solu consensu” (GOMES, 2007, p. 158). Pelo sistema alemão (ou sistema publicista), “o ato jurídico que cria a obrigação de transferir a propriedade é independente do ato pelo qual a propriedade se transfere. Esta é uma convenção feita com esse objetivo especial, que, tendo embora como causa o outro negócio jurídico, a ele não está condicionado, porque, na transmissão da propriedade, abstrai-se a causa” (GOMES, 2007, p. 158). Nesse sistema, “o contrato, que serve de causa à aquisição da propriedade, não é suficiente para produzi-la. Outro negócio se faz necessário, e é, por seu intermédio, que se verifica a inscrição no Registro Imobiliário de que resulta a transmissão do domínio” (GOMES, 2007, p. 158). Pelo sistema romano, para a aquisição da propriedade é necessário um modo, sendo insuficiente, para tanto, a existência do título. “É preciso que esse ato jurídico se complete pela observância de uma forma, a que a lei atribui a virtude de transferir o domínio da coisa” (GOMES, 2007, p. 157).
  • 40. 40 UNIDADE III │ DA PROPRIEDADE Esse sistema muito se assemelha ao alemão. Dele difere, todavia, porque a causa não é abstraída. Mantém, ao contrário, estrita vinculação entre o modo e o título, a tal ponto que o vício deste atinge aquele. No Brasil, segue-se o sistema romano. De maneira que, para aquisição da propriedade, são necessários tanto o título, quanto o modo. Varia este, todavia, em razão da natureza da coisa, se móvel ou imóvel. Para os bens móveis, o modo peculiar e mais corriqueiro é a tradição. Confira-se, a respeito, o que diz o art. 1.267 do Código Civil: “A propriedade das coisas não se transfere pelos negócios jurídicos antes da tradição”. Assim, “na aquisição da propriedade de uma coisa móvel por meio de compra, o título é o contrato de venda, do qual nasce, tão só, a obrigação de transmitir a propriedade da coisa; o modo é a tradição dessa coisa, isto é, a sua entrega, feita pelo vendedor ao comprador, com a intenção de lhe transferir a propriedade, ainda que essa entrega seja simbólica” (GOMES, 2007, p. 159). Isso porque a tradição pode ser: real, jurídica e simbólica (também conhecida como virtual ou consensual). Ensina Gomes (2007, p. 208) que, na tradição real, “o alienante faz ao adquirente a entrega material do bem”; já na tradição jurídica, “a transmissão se opera, sem entrega material, por força de determinações de uma norma jurídica”; enquanto que, na tradição simbólica, “a entrega da coisa é feita operando-se por processos jurídicos que fazem presumi-la”, como acontece no constituto possessório e na traditio brevi manu. Mas, além da tradição, existem outros modos de aquisição da propriedade móvel. Uns são peculiares aos móveis; outros, comuns aos móveis e imóveis. Os modos de adquirir peculiares aos móveis são: a ocupação, a especificação, a confusão, a comistão e a adjunção. E os modos comuns aos móveis e imóveis: a sucessão, a usucapião e a acessão. No que se refere aos bens imóveis, o único modo peculiar, e mais frequente, é o registro. Com efeito, estabelece o art. 1.245 do Código Civil que somente se transfere, entre vivos, a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis. Diz, ainda, o § 1o desse mesmo dispositivo que, enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel; e, no § 2o , preceitua que, enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação de invalidade do registro, e o respectivo cancelamento, o adquirente continua a ser havido como dono do imóvel. Os serviços de registro exercem, em nossa sociedade, importante função. Confira-se, a respeito, elucidativo ensino de Seabra Lopes (2005, p. 13): Qualquer relação jurídica reclama a existência de certeza nos seus pressupostos. Na falta de uma memória pública fidedigna, os particulares teriam que defrontar-se muito frequentemente com a necessidade de efetuar numerosas averiguações, porventura demoradas e dispendiosas, para adquirir uma certeza: para saber, por exemplo, se quem quer casar não está ligado por casamento anterior; se quem se diz administrador de determinada sociedade o é ou não e até se esta existe; se quem quer vender é ou não o proprietário e se a propriedade está ou não onerada com encargos; se o parente falecido deixou
  • 41. 41 DA PROPRIEDADE │ UNIDADE III testamento, em que cartório notarial teria sido lavrado ou depositado etc. (...) Foi para responder a esta necessidade de certeza que o Estado organizou os registos públicos, isto é, os registos a que qualquer pessoa pode recorrer para conhecer a situação jurídica em que está interessado. Nos países em que o registro é necessário para a aquisição da propriedade imobiliária, vislumbra-se, em geral, dois sistemas diversos. Um dito alemão, em que o registro estabelece presunção absoluta de propriedade (ou presunção juris et de jure de propriedade); outro, dito romano, em que o registro firma presunção relativa de propriedade (ou presunção juris tantum de propriedade). No sistema de registro alemão, aquele em cujo nome se acha transcrita, a propriedade de um imóvel tem a seu favor a presunção absoluta de que esse bem lhe pertence. Seu direito “não pode ser contestado porque a presunção legal não admite prova em contrário. Com toda segurança, pois, e sem nenhum receio, pode alguém adquirir o domínio da coisa imóvel devidamente registrada” (GOMES, 2007, p. 165-166). Isso é assim porque, diz Gomes (2007, p. 166) o registro, no Direito Alemão, “resulta de um ‘acordo formal de transmissão’, no qual as partes manifestam consentimento específico para que se efetive. Assim, além do negócio jurídico hábil à transferência da propriedade, chamado negócio causal, porque é, concretamente, a causa da transmissão, faz-se necessário que as partes realizem o convênio jurídico-real, isto é, a conjunta declaração de vontade para a transcrição. O importante é, porém, que esse convênio é inteiramente dissociado do negócio causal. Não se leva este em conta; abstrai-se a causa. Em consequência, a nulidade do negócio causal não contamina o convênio, vale dizer, o contrato estipulado para o registro”. No sistema de registro romano, a presunção que se estabelece em favor da pessoa em cujo nome encontra-se registrado o imóvel é apenas relativa, valendo, portanto, até que seja destruída por prova em contrário. As características desse sistema são bem delineadas por Gomes (2007, p. 167). Confira-se: Nesse sistema o negócio causal há de ser válido para que a transcrição produza seu efeito normal. Dito por outras palavras, a transcrição apenas completa, ainda que necessariamente, a operação iniciada com o contrato ou qualquer outro negócio translativo. O modus é condicionado pelo titulus. Não basta que este seja eficaz, porque não possui a virtude de efetuar a transferência da propriedade, mas, se é defeituoso, o vício contamina a transcrição que nele há de se fundar, inevitavelmente. Essa vinculação do modo ao título não deixa, assim, de ser vantajosa. Uma vez que, nesse sistema, não se faz abstração da causa, desnecessário se torna um segundo contrato para a efetivação do registro. Independentemente de outra declaração de vontade, efetua-se a transcrição mediante a simples apresentação ao oficial do registro do titulus adquirendi. No Brasil, em regra, o sistema de registro adotado é o romano. Aqui, assim como nos sistemas dessa natureza, o registro cria presunção relativa de propriedade. É o que estabelece, em outros termos, o art. 1.247, caput, do Código Civil: “Se o teor do registro não exprimir a verdade, poderá o interessado reclamar que se retifique ou anule”. E, no seu parágrafo único, dispõe: “Cancelado o
  • 42. 42 UNIDADE III │ DA PROPRIEDADE registro, poderá o proprietário reivindicar o imóvel, independentemente da boa-fé ou do título do terceiro adquirente”. Mas nem todo registro, em nosso país, submete-se a essas regras. Pelo menos em um caso, adotaram- se princípios que o aproximam do sistema alemão. Trata-se do Registro Torrens, disciplinado nos arts. 277 a 288 da Lei de Registros Públicos (Lei no 6.015, de 31 de dezembro de 1973). Tal modalidade de registro é facultativa, não dispensa, portanto, o registro que acima se fez referência, necessário para toda e qualquer transferência inter vivos de bens imóveis. Além disso, o Registro Torrens só pode ser aplicado a imóveis rurais. A principal característica desse registro especial é a de, após o transcurso de processo composto por uma fase extrajudicial, levada a efeito pelo Oficial de Registro de Imóveis, e de uma fase judicial, “tornar certo e incontestável o domínio, mediante sentença judicial transitada em julgado” (PONTES, 1982, p. 229). Em outras palavras, a presunção que do registro deriva, nesse caso, é absoluta, não admitindo prova em contrário. A par do registro, são, ainda, modos de aquisição da propriedade imobiliária, comuns aos modos de aquisição da propriedade mobiliária: a sucessão, a usucapião e a acessão. Nesse sentido, releva notar que, pelo assim denominado princípio de saisine, com a morte do proprietário da coisa, dá-se a abertura da sucessão, sendo que a herança se transmite, de imediato, aos herdeiros, sucedendo estes ao de cujus, por meio do ente personificado espólio, em todos os direitos e obrigações, até a partilha. Por seu turno, a usucapião, também denominada de prescrição aquisitiva, é a aquisição do domínio pela posse prolongada no tempo, independentemente da vontade do titular anterior. Com efeito, à exceção dos bens públicos, ter a posse de um imóvel, com ânimo de dono, por certo tempo, sem interrupção ou oposição, pode redundar no reconhecimento da respectiva propriedade, o que se dá por sentença judicial, que vale como título a ser registrada no cartório competente. Há cinco espécies de usucapião possíveis. Duas delas são mais tradicionais, chamadas de ordinária e extraordinária. A ordinária, prevista no art. 1.242 do Código Civil, demanda, além de justo título e boa-fé, posse mansa, pacífica e com ânimo de dono pelo prazo de 10 anos, que pode ser reduzido pela metade, se o imóvel for adquirido onerosamente e o possuidor dele faça sua moradia ou dele extraia proveio econômico. Por justo título entende-se o título escrito de transferência imprestável para produzir os efeitos que normalmente deveria produzir, porquanto eivado de algum vício. A boa-fé, por sua vez, consiste na ignorância de tais vício. Já na usucapião extraordinária, ficam dispensados o justo título e a boa-fé, mas o prazo de permanência no imóvel, com posse livre, mansa e pacífica, aumenta para 15 anos, podendo ser diminuída de um terço na mesma hipótese da usucapião ordinária. As outras três espécies de usucapião inserem-se no contexto das iniciativas legislativas orientadas a permitir às pessoas de baixa renda que possam alcançar a dignidade da moradia própria e condições mínimas de subsistência. Nenhuma delas exige justo título ou boa-fé, mas todas circunscrevem-se a pequenas porções de terra. Há, nesse contexto, a usucapião especial rural, para que o lavrador que não seja dono de qualquer imóvel e que tenha tornado produtiva área não superior a 50 hectares, destinando-a a sua moradia e a de sua família, possa adquiri-la pela posse por pelo 5 anos ininterrupta e sem oposição. As demais, a usucapião especial urbana e a usucapião coletiva
  • 43. 43 DA PROPRIEDADE │ UNIDADE III do Estatuto das Cidades, são ambas limitadas à aquisição de 250m2 , com as mesmas exigências da usucapião especial rural, distinguindo-se a última da primeira pelo fato de que nesta, não se mostra possível identificar os terrenos ocupados de cada possuidor, atribuindo o juiz a cada um dos possuidores uma fração ideal. Merece ainda referência a usucapião de bens móveis, que tem por fundamento as mesmas regras da usucapião ordinária e extraordinária, apenas com prazos mais reduzidos, de três e cinco anos, respectivamente. Por fim, há a acessão, regulada pelo art. 1.248 do Código Civil, que é o direito que tem o proprietário de acrescer a seus domínios tudo o que se incorporar a eles, natural ou artificialmente. Entre as possibilidades de acessão, podem ser mencionadas as ilhas formadas pelo rebaixamento das águas: nos rios navegáveis, traça-se uma linha imaginária mediana no leito do rio, considerando- se a ilha pertencente à margem mais próxima. O mesmo ocorre quando um rio seca ou desvia seu curso de forma natural e permanente. É o chamado abandono de álveo. Também há a aluvião, que é o lento acréscimo de terras às margens dos rios: será própria se as terras forem provenientes dos terrenos vizinhos, ou imprópria se provier do leito do rio. Mesmo na aluvião própria, não há falar- se em indenização. Pode ocorrer, ainda, a avulsão, que é o repentino deslocamento de significativa porção de terra por força natural violenta. Nesse caso, o dono do imóvel que tiver perdido a porção pode obter indenização, respeitado o prazo decadencial de um ano para o pedido, ou então obter o direito de remover de volta a parte acrescida.
  • 44. 44 CAPÍTULO 3 Condomínio Dá-se o nome de condomínio ou camunhão quando a mesma coisa pertence a mais de uma pessoa. De fato, a mesma coisa pode ser objeto de direito real, simultaneamente, de várias pessoas. Consoante assevera Dantas (1981, p. 127), além da propriedade, todos os direitos reais de fruição, direitos reais à substância da coisa, como o usufruto, a enfiteuse e as servidões, toleram a comunhão. E, quando esta se refere ao direito de propriedade, recebe o nome de condomínio ou compropriedade. Com regramento previsto nos arts. 1.314 e segs. do Código Civil, no condomínio cada condômino exerce o direito de propriedade sobre a coisa toda, delimitado por igual direito dos condôminos. Ainda, o direito de cada condômino ante terceiros abrange a totalidade dos poderes da propriedade, por isto que um condômino pode mover, por exemplo, ação de despejo contra o locatário, mesmo na inércia dos demais. Segue-se que, todos os condôminos têm direitos qualitativamente iguais sobre a totalidade da coisa, limitados, contudo, na proporção quantitativa em que concorre com os outros comproprietários na titularidade sobre o conjunto (PEREIRA, 2006, p. 176). Outrossim, a cada condômino é assegurada uma quota ou fração ideal da coisa, e não uma parcela material desta (PEREIRA, 2006, p. 176). A comunhão pode, inicialmente, decorrer da vontade dos interessados, sendo então denominada de comunhão voluntária. A comunhão voluntária deriva tanto de ato bilateral (contrato, por exemplo), quanto de ato unilateral (testamento, por exemplo). No condomínio convencional (arts. 1.314-1.326 do Código Civil), releva destacar, dentre os direitos dos condôminos: a) o de usar a coisa conforme a sua destinação e o de exercer os direitos compatíveis com a indivisão, como o de dar em garantia, mediante hipoteca, a parte de que dispõe; b) o de reivindicar a posse e defendê-la de terceiros; c) o direito de requerer a divisão da coisa e o de vender a respectiva parte indivisa, respeitado, nesse caso, o direito de preferência dos demais condôminos, em caso de igualdade de oferta, de molde que uma venda feita sem respeitar essa preferência pode ser anulada judicialmente, observado, todavia, um prazo decadencial de 180 dias para se postular tal providência. De outra parte, no que tange aos deveres dos condôminos, devem eles responder, perante os outros condôminos, pelos frutos percebidos e por dano que tenham causado, sendo-lhes vedado também alterarem a coisa sem o consentimento dos demais. Ainda, devem concorrer, na proporção de suas respectivas quotas, para as despesas de conservação e divisão da coisa. Outrossim, na divisão da coisa, que pode ser amigável, mediante escritura pública, ou ação judicial, de natureza imprescritível, um dos condôminos pode pagar o preço proporcional aos demais, caso em que o juiz, por meio da adjudicação, lhe transfere todos os direitos de possuidor e proprietário. Se isso não for possível, o bem será vendido, e o preço alcançado com a venda será partilhado entre todos os condôminos. Podem os condôminos, ainda, optarem pela indivisibilidade da coisa comum, por prazo não superior a 5 anos, prorrogável por igual período.