SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 182
Baixar para ler offline
A FORÇA QUE VERTE
   DO CORAÇÃO
                                          O/<6/8 I63D+8.<9 F+>3=>+




A história de duas almas gêmeas que se redescobrem
  e que passarão pela dura prova do amor eterno




(Livro do tipo "open e-book. Concedido à publicação na internet, desde
 que os direitos autorais e a integridade do texto sejam preservados")
A FORÇA QUE VERTE DO
      CORAÇÃO




     O/<6/8 I63D+8.<9 F+>3=>+




  Ainda não impresso em celulose.
       Santa Maria, RS, 2010
Título Original no Brasil:
                    "A Força que Verte do Coração"


               © Copyright 2010 Kerlen Elizandro Batista

                      Direitos Autorais Reservados.
       É proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma
     ou por qualquer meio, salvo com autorização expressa do autor.
               (Lei no 9610, de 19 de Fevereiro de 1998.)




_____________________________________________________________

        Batista, Kerlen Elizandro.
        A Força que Verte do Coração - Idioma original: Português do
Brasil segundo as normas da ABNT e da Nova Reforma Ortográfica de
1998 em vigor.

        1. Auto-ajuda.       2. Romance de ficção dramática.
3. Noções de Espiritismo.    4. Mensagens de Esperança.
5. Baseado em Fato Verídico. 6. Espiritualidade e Espiritismo.
7. Almas Gêmeas.             8. Romênia.
9. Cartas Escritas.          10. Força e Coração.
11. Além-Túmulo.
_____________________________________________________________




                  Índice para Catálogo Sistemático:
   1. A Força que Verte do Coração: Esperança; Amor; Almas Gemeas

                               1a Edição
Dedico esta obra a uma bonita prática que, infelizmente, se
         perdeu, devido à nossa desconfiança ao próximo
                       e ao nosso comodismo sedentário
ÍNDICE



PRÓLOGO ............................................................................... 6
CAPÍTULO 01 .......................................................................... 8
CAPÍTULO 02 .........................................................................15
CAPÍTULO 03 ........................................................................ 20
CAPÍTULO 04 ........................................................................ 25
CAPÍTULO 05 ........................................................................ 30
CAPÍTULO 06 ........................................................................ 37
CAPÍTULO 07 ........................................................................ 56
CAPÍTULO 08 ........................................................................ 64
CAPÍTULO 09 ........................................................................ 68
CAPÍTULO 10 ........................................................................ 77
CAPÍTULO 11 ........................................................................ 91
CAPÍTULO 12 ........................................................................ 99
CAPÍTULO 13 ...................................................................... 116
CAPÍTULO 14 ...................................................................... 123
CAPÍTULO 15 ...................................................................... 136
CAPÍTULO 16 ...................................................................... 144
CAPÍTULO 17 ...................................................................... 153
CAPÍTULO 18 ...................................................................... 170
EPÍLOGO ............................................................................. 178
6


                           PRÓLOGO

       Não sou talentoso, tampouco consagrado literariamente
e nem ambiciono ser rico escrevendo livros. Todavia há algo
que pulula em nossa consciência de vez em quando. E temos
que tomar uma atitude... É como se algo nos chamasse.
       A história (ou, conforme alguns queiram, "Estória") que
trato aqui respeita profundamente alguma coincidência que
porventura poderá ocorrer com alguma família, região geo-
gráfica, situação social ou ainda coincidência com algum outro
romance, publicado em algum lugar. Inspirei-me com parciali-
dade, à cidade onde nasci, Santa Maria/RS, e à Santa Cata-
rina, estado em que sempre sonhei residir.
       O que eu quero transmitir é uma bonita mensagem, tal-
vez uma resposta àlgumas mentes ainda irrequietas: Há real-
mente uma justiça divina? O que Deus tem nos a dizer sobre a
vida? Precisamos nos unir sob uma mesma senda de fé e
crença, sem discordâncias, sem vaidades, sem ódio, sem ego-
ísmo, sem ganância e sem falta de fé? Será que aceitamos
todas as leis naturais que nos é inevitavelmente configurada?
       Quanto aos nomes e situações geo-sociais, fiz o que
pude para maximizar a intenção de romance-ficção dramático.
Baseei-me em um contexto que aconteceu com a vida real de
uma pessoa que conheci (preservarei a identidade) e que ago-
ra está na Espiritualidade. Espero que coincidências não exis-
tam aqui, para este caso. Quero, outrossim, ser responsabiliza-
do por uma contribuição à uma pequena parcela de percenta-
gem, para mais, de pessoas neste país, que despertem para a
delícia da leitura e da não-fronteira ao acesso às letras e à cul-
tura nas supermassas.
7


      Se o amigo leitor quer dizer algo, entre em contato co-
migo por e-mail. Eu adoraria ler qualquer coisa, em se tratando
de opinião, a respeito deste romance. Se ele sobreviveu com
bravura à entrada na lista dos piores, então é sinal que resisti.
      Muito obrigado, querido leitor. Divirta-se.

      kerlen@zipmail.com.br
8


      CAPÍTULO 01

       O céu, acima de mim, rugia! Apesar do frio de seis
graus centígrados, aqui em Santa Madalena, no extremo-sul
do Brasil, a previsão afirmava granizo e mais queda de tem-
peratura.
       O Carlos tinha me ligado para tomarmos chimarrão e fa-
zermos uma autêntica galinhada crioula ao fogão-de-barro,
mas acontece que dos meus dois pares de tênis disponíveis,
um estava completamente encharcado, da chuva. O outro,
mais novo, aguardava o retorno à sala-de-aula que me prome-
tia em 22 de Abril.
       - Kevin! Venha cá me fazer um favor.
       - Fala, mãe.
       - Vai lá no mercado me comprar farinha de milho. Vou
fazer uma polenta amanhã, mas amanhã é feriado de Tiraden-
tes e acho que tudo vai estar fechado.
       - Onde tá o meu guarda-chuva?
       - Lá com teu pai, pega lá.

       Meu pai tinha a árdua mania de pegar qualquer guarda-
chuva da despensa e ir até seu galpão para fumar. Em seus 70
anos de idade não distinguia, não sei se de propósito, qual era
o seu guarda-chuva dos demais. Mas a droga é que faltavam
vinte minutos para o mercado fechar e meu computador tinha
vírus até no fio da tomada; probleminha técnico este que eu ti-
nha que sanar até terça-feira, dia 22, para conseguir imprimir
cerca de cento e trinta e quatro páginas de artigos para meus
alunos do ensino médio do estágio supervisionado.
       - Pai? O guarda-chuva, por favor?
       - Esse é teu? (Ele fazia uma cara de inocente para ter a
esperança de eu levar o dele, que eu nem sabia onde tinha ido
parar...)
9


       - Claro que sim!
       - Ah tá! O meu eu esqueci... foi lá no Vargas. É que
ontem saiu um sol e eu esqueci ele!
       - Preciso ir no mercado, quer alguma coisa?
       - Me traz veneno pra mosquitos. Noite passada foi um
nojo! Entrou tanto mosquito no meu quarto que fiquei quase
louco.

       Bem... abaixo de uma grossa chuva com o céu rugindo
em minha cabeça, cheguei ao mercado encharcado da cintura
para baixo. É como se São Pedro achasse o guarda-chuvas
um invento humano irrelevante ou... ou ele não ia com minha
cara.
       No meu retorno, o Carlos me encontra.
       - Ô, bagual? Vamos fazer a galinhada?
       - Carlos, teremos que adiar. O céu vai desabar mais
água aí em cima, meu computador tá entupido de vírus e te-
nho um cliente para formatar o disco rígido e instalar o Win-
dows. Preferencialmente dia 29, que recebo aquele baita sa-
lário de professor estadual. Daí as peças do frango é por mi-
nha conta. Mas tu paga a cerveja hein?
       Rimos...
       - Parece que o Valdemar irá jantar com a gente. Mas é
preferível adiar-se a galinhada. Este tempo não está para brin-
cadeira! Olha só os relâmpagos, meu Jesus! Tu vai pra casa?
       - Vou passar ali na banca para ver se chegou uma revis-
ta que aguardo. Dali vou embora.
       - Se vemos dia 29 então?
       - Com certeza! Vai pela sombra, Carlos.
       Ele riu de novo...
       - Até breve...

      - Ihhh, parece que o cara aquele mandou fabricar a fa-
10


rinha antes de empacotar?
       - Mãe, por favor! As filas eram grandes, encontrei o Car-
los na faixa e passei na banca da locadora. O que é que tu
quer mais?
       - Tu vai tomar banho agora?
       - Sim! E Eu me viro com a janta, Pode ir dormir.
       - Vê se tu fica com a roupa molhada e amanhã terei que
te levar pro hospital.

       Minha mãe é assim mesmo: Costureira desde tenra
adolescência, gostava de contestar algumas decisões minhas.
Como eu sou portador de rinite alérgica, ela adorava me lem-
brar que amanheceria de nariz congestionado e com forte
tosse, se porventura ficasse com a roupa molhada no corpo
por mais de meia hora.

        Naquela manhã de sábado de Tiradentes, o Sol apare-
cia tímido por entre as nuvens ainda ameaçadoras. A parte
mais difícil foi ter coragem de tomar banho a uma temperatura
de dois graus celsius... Eu tinha muito o que fazer: Defenestrar
cerca de uns quarenta vírus no bendito computador que tei-
mava em travar, trocar minha roupa de cama, imprimir as cento
e trinta e quatro páginas divididas em uns nove artigos para
minhas turmas, ressarcir o sistema operacional do computador
de uma loja de automóveis usados na esquina da minha rua
com a rodovia e... uma outra coisa... ahh sim: dar uma olhada
em uma página de interesse em uma revista que me chamou
atenção e que comprei na video locadora, embora o assunto
predominante nela não fosse de minha alçada.
        E lá fui eu pro batente.
        - Kevin?
        Ih, era o Velho meu pai...
        - O que é?
11


        - Dá uma olhada aqui nesta caderneta, vê se tu encon-
tra o telefone da minha irmã Erotides...
        Meu pai, o Sr Luiz, nos seus 70 anos, tinha tracoma pro-
fundo, consequência de uma diabetes crônica que lhe tirou o
brilho dos olhos aos 60 anos. Precisava da ajuda constante de
alguém para procurar alguma coisa e isso, quase diariamente,
envolvia acima de tudo, futilidades bobas que quase sempre
terminavam em discussão.
        - Do geito que esta caderneta está... o senhor terá que
esperar uns dez minutos...
        - Então deixa... é para isso que se cria os filhos... para
não fazerem nada pela gente...
        Tomou bruscamente a caderneta de minha mão e foi ao
seu galpão. Ele era assim mesmo. Eu me conformava por ele
ser doente, bem "fora da casinha".
        Odiado pela vizinhança e com esperanças depositadas
em seus irmãos e irmãs espalhados por São Paulo e pelo Nor-
deste, que nunca ligavam, o Sr Luis levava uma vida solitária e
desorganizada, tendo como únicas opções o cigarro, a TV,
com mais de 12h por dia ligada, um farto almoço e seu sono
metade da tarde e depois cedo da noite.
        Lá pelo quadragésimo segundo vírus excluído do meu
computador o telefone toca.
        - Alô?
        - Oi. E aí Kevin?
        - Anderson?
        - Ele mesmo. Posso buscar o computador?
        - Bem... o Windows está em seus 78% de instalação e a
notícia boa é que consegui recuperar a planilha de seu
controle de vendas, estoque, clientes e fornecedores...
        - Bah cara! Valeu mesmo! Esta planilha é trabalho de
seis anos! Quanto vai dar tua mão-de-obra?
        - Ainda não sei Anderson e só direi depois de tudo con-
12


figurado e funcionando...
       - Tu me liga depois de tudo feito?
       - Pode deixar.
       Chegou a vez das 134 páginas... e eu já estava pre-
parando os nervos e as orelhas para enfrentar até a uma hora
da tarde uma impressora matricial do final dos anos 80...

       A estas alturas comecei a ler a revista "Planeta Rural",
que se tratava dos assuntos à quem morava exclusivamente
no interior, em meio a lavouras e natureza. Foleei à página 11
onde algo me chamou atenção: Uma página inteira somente de
pessoas querendo conhecer pessoas... uma idéia interessante.
       Em meio a configurações de placas de PC no Windows,
a páginas intermináveis de artigos escolares sobre Física e ao
estrondo de trovões os quais iniciaram uma nova chuva de las-
car, eu me perdia em tudo isso, sem falar no meu pala de in-
verno, do qual me obriguei a vestir ante uma queda de tem-
peratura de -1o C!
       Após o almoço, com minha mãe reclamando do silêncio
de uma impressora matricial de nove agulhas, mas regado a
frango com polenta italiana, lá fui eu tratar de descobrir que
diabos de placa de rede "onboard" o Sr. Anderson possuia,
tarefa que me foi inútil com a simples abertura do tampo do
gabinete. Tive que iniciar o bendito PC com um CD BOOT da
mini distribuição Slackware Live Linux.
       Ante ao comando relevante para tal, lá estava ela:
"Ethernet Controller Device: Davicon inc. PCI 9101." Procurar o
driver para Windows 2000 desta tal, na internet, era mais ou
menos o mesmo que encontrar uma mosca branca em uma
sala com interior pintado de preto fosco em Moscou, na Rús-
sia. Sorte que o Sr Anderson possuía o luxo da internet em sua
concessionária, coisa que eu jurava que eu iria possuir em
minha próxima reencarnação... E para lá fui com o gabinete
13


dele e meu velho e surrado notebook K6 366MHz com placa
de rede PCMCIA, após as 134 páginas impressas finalizadas e
com as orelhas em estado de socorro.

      - Beleza, Kevin!

       Estas palavras entravam como alívio para meus ouvi-
dos... depois de duas horas ininterruptas de pesquisa.
       - Ahhhh este google maravilhoso! Acha até pente de ca-
dáver em banheiro público!
       Rimos...
       Gravei em um CD tudo o que o Anderson precisava... o
serviço deu vinte e cinco reais e pela primeira vez vi um cliente
espantado:
       - Só isso?
       - Só! Afirmei com convicção.
       - Muito obrigado! Vou te chamar de novo quando esta
carroça incomodar, Kevin...
       - Anderson, me faça dois favores?
       - Até dez!
       - Ok: Use um antivirus decente e limpe a ventoinha com
o dissipador do teu processador uma vez por mês, com com-
pressor de ar...
       Ele riu... me despedi e regressei.

       - Sabe quem ligou e perguntou de ti?
       - Quem, mãe?
       - A Terezinha Bueno, te lembra?
       - Sério?? Sim! Lembro... o que ela queria?
       - Ela passará aqui semana que vem para eu fazer uns
"penses" em duas calças delas, que folgaram... só não veio
hoje por que o tempo tá muito nublado e frio. Ela quer esperar
o sol voltar.
14


      - O Sol está aí mãe.
      - Mas como?
      - São as nuvens que tapam ele... mas o Sol sempre
esteve aí no céu...
      Depois de eu rir muito e ouvir os resmungos da velha
costureira minha mãe, fui ler a "Planeta Rural", sem interrup-
ções.
15


      CAPÍTULO 02

        A chuva se foi, mas naquela terça-feira, pela manhã,
Santa Madalena já sofria com as consequências: Inundações
nas periferias. Particularmente, um bairro a apenas 9km do
meu, o Santo Inácio do Oeste, foi tomado pelas águas. Famí-
lias inteiras perderam tudo, desde as roupas até televisores. O
noticiário da manhã focava somente estes pormaiores. Ventos
de até 74km/h destelharam casas e a chuva fez o resto.
        Felizmente houve somente uma morte; um homem de 80
anos que não conseguiu sair a tempo de seu quarto em uma
casa localizada no sopé de uma ribanceira, que veio abaixo,
desmoronando-se.
        Felizmente nosso bairro, Caiçari, situava-se em um pon-
to dos mais altos do município. Nossa casa, embora de mate-
rial, era modesta e houveram só algumas infiltrações.
        - Kevin.
        - Fala, mãe.
        - Dê uma varrida no pátio, que está cheia das folhas dos
pé-de-plátano que cairam com a ventania. Vou sair, entregar
umas verduras para nossa vizinha pobre, ali embaixo.
        - A Dona Marialva?
        - Sim, ela mesma.
        - Diga que eu mandei um abraço!
        - Pode deixar.

        O sol prometia uma terça-feira esplêndida e mesmo a
temperatura estando a sete graus positivos, as pessoas
animavam-se, reorganizando os pátios, jardins e sacadas. Até
nosso vizinho, Seu Odílio, apareceu e perguntou para meu pai
se ele gostaria de reparar as infiltrações. Felizmente Seu Odí-
lio, em seus 68 anos e avô de quatro crianças, tinha uma inve-
jável lucidez. De uma humilde descendência de família italiana,
16


ele sabia consertar qualquer coisa em se tratando de paredes,
teto, encanamentos e eletricidade. A vizinhança toda adorava-
o porque sempre estendia a mão para ajudar quem fosse, de
alguma maneira.

        - Seu Luiz, precisamos de uns três litros de desin-
filtrante. E um pouco de cimento seca-rápido para arrematar os
canais abertos pelo mofo.
        - Kevin.
        - Fala, pai.
        - Vá ali no Portinari e compra três litros de desinfiltrante
e um pacote de um quilo de seca-rápido.
        - Só?
        - Sim, mas vá logo porque amos aproveitar o calor do
sol para isso tudo secar rápido.

         É nessas horas que eu agradecia a Deus por ter um
bom par de pernas e amar minha bicicleta! A ferragem do Por-
tinari ficava a um quilômetro e portanto, era rapidinho. No tra-
jeto, passei nos correios e comprei uns cinco selos e enve-
lopes. Alguma coisa na revista "Planeta Rural" me inquietava e
eu tinha que tentar.

        - Kevin?
        Alguém me chamou... olhei para os lados...
        - Ô Valdemar! Quanto tempo!
        - Vamos almoçar sexta que vem?
        - Depende... se meus clientes me derem espaço e eu te-
nho que fazer outras coisas. Mas se eu for, ligo pra ti para con-
firmar.
        - Certo. Por acaso tu tem um pouco de gasolina?
        - Gasolina?
        - Sim Kevin, gasolina viu... tenho que fazer uma cola
17


com isopor para assentar uns pedaços de brasilit. O granizo
me furou em uns doze lugares naquele bendito telhado.
       - Vamos ver. Tenho que entregar isso aqui lá em casa.
Houve infiltração e meu pai conseguiu um técnico. Que chuva
hein?
       - Estou chateado viu? Lá em casa, em Lorena das
Missões, meu pai perdeu quase todo o fumo que ele plantou e
cuidou com tanto carinho... Agora tenho que enviar dinheiro da
bolsa no final do mês para ele providenciar uma estufa de lona
grossa. Parece que semana que vem choverá mais ainda... e
daí sim né, já viu?
       - Passo lá amanhã tá? Levarei a gasolina para ti.
       - A que horas?
       - Nove?
       - Tenho aula às dez e meia. Mas vai, tudo bem, preparo
até um chimarrão.
       - Combinado.

       Enquanto Seu Odílio consertava a infiltração, que tei-
mava em continuar mofando a parede maior da cozinha, meu
pai preparava as coisas que ele precisava sem descer da
escada e o tempo era economizado. Minha mãe, ao voltar da
Dona Marialva, veio com um pequeno livro debaixo do braço...
       - Kevin. A Dona Marialva te mandou um presente.
       - Ahhh querida! Vejamos.
       Tratava-se de um exemplar do "Nosso Lar", de André
Luiz, que ela tinha adquirido no sebo do camelódromo do Bair-
ro São Caetano, famoso por venderem algumas coisas em sua
maior parte furtadas.
       Com a capa desbotada e bem surrada, indicava que
passou pela mão de inúmeros leitores. Em posse de papel-
contact, reforcei-a e aparei com cola os cantos da lomba. Ficou
quase novo de novo depois que apaguei as marcas feitas a lá-
18


pis. Felizmente não encontrei marcas a caneta, exceto na pri-
meira página. Umas iniciais assinalavam: "D.S.: 18/04/96", jun-
tamente com uma pequena frase, produzida com a mesma
bela letra das iniciais: "Fé raciocinada é a integral aceitação da
nossa condição, na Natureza".
       Pela tardinha, recomeçou-se minhas rotinas escolares.
Com as 134 páginas de artigos, lá fui eu para o Colégio Joa-
nna D´Arc, às seis da tarde, ministrar mais uns capítulos de
Movimento variado, Hidráulica e Eletricidade para as minhas
três turmas de EJA. Tive os cinco períodos completos. Os
meus alunos achavam minha empolgação o máximo...
       - Haja cabeça hein professor?
       - É maravilhoso dar aulas, adoro! Mesmo em se tratan-
do de estágio supervisionado.
       Vez em quando um manifestava-se meio cético e excên-
trico:
       - Mas Física é para quem gosta né?

        Graças a Deus, procurei ser o mais simples possível
nas explicações, nunca corridas. Devagar e com calma,
reexplicava quantas vezes fosse necessário, com o preço do
cronograma atrasar abruptamente. Isto, de uma certa forma me
preocupava, mas nunca me foi cobrado cronograma algum.
Mas como eu gostava de dar aulas de Física! Meus alunos até
riam, quando eu tornava o conteúdo descontraído e divertido,
nunca desviando da pauta do dia, firmemente. Minha
criatividade se modificava a cada dia para esta adaptação. E
as aulas quase geralmente eram um sucesso, exceto nos dias
de forte frio ou forte calor, onde os jovens sofriam com a
temperatura momentânea, mas eu os animava, de pronto.
        Quarta-feira de manhã, após comprar uma sacolada de
seis litros de leite no armazém da faculdade técnica, me con-
centrei de verdade e busquei entusiasmo e argumentos para
19


um anúncio que li na "Planeta Rural", página 11, dentre os do-
ze publicados. Ele era mais ou menos assim:

      "Eu gostaria de me corresponder com garotos de 19 a
28 anos, que não tenham vícios, que sejam solteiros e que
curtam palavras de inteligência e sabedoria. Sou loira, 1,70m,
25 anos, universitária e moro no interior.
      Daiana Stackerborensku
      Rua Cristo Rei, 173, Santo Agostinho (Cidade Alta)
      Nova Romênia da Serra, SC"
      88370-000"
20


      CAPÍTULO 03

       Por mais que eu lesse os outros anúncios de trocas de
correspondências, o que mais me prendia era aquele, seja
pela inteligência das palavras ali colocadas, seja quanto a um
sentimento interno que me ascendeu. Algo que eu sentia mas
não entendia direito. Busquei inspiração e lá fui eu. Arrisquei a
escrever a primeira carta:

        " Santa Madalena do Sul, 23 de Abril de 2000.

      Cordiais saudações, Daiana.

        Descobri teu anúncio na revista "Planeta Rural", deste
mês e resolvi escrever-te. Meu nome é Kevin, um ano mais
novo que você (espero que não se importe), faltando pouco
tempo para me diplomar em Física e já estagiando em uma
escola cujo trabalho durará seis meses. Tenho 1,80m de al-
tura, solteiro, não tenho filhos. Espero que esta seja uma das
várias cartas as quais nos trocaremos. Pelo que vi, a concor-
rência será muito grande porque você deve ser muito bonita e
inteligente.
        Obrigado pela tua valiosa atenção e aguardo-te. Minha
próxima carta virá com foto.
        Beijo.

      Kevin Barreto.
      Av. Olavo Bilac, 633, Caiçari,
      Santa Madalena do Sul, RS
      93230-180"

      Depois da carta enviada, a expectativa... será que eu
escolheria outra pessoa das publicadas na lista da "Planeta
21


Rural"? Esperei uma semana, com rotina normal dos dias. A
chuva foi-se e deixou temperaturas de regenlir os ossos, che-
gando até -1o C, com ventos dando a impressão de ser mais
baixa ainda. Guardei a revista na intenção de, se porventura
Daiana não retornasse com a resposta, eu escolheria outra
pessoa. Haviam mais quatro jovens, mas todas de bem longe:
Minas Gerais, Tocantins e Mato Grosso do Sul.
        Com o decorrer do tempo, com os trabalhos redobrados
e com a aproximação das provas trimestrais, eu me via bem
atarefado entre a Faculdade, meu estágio e meus clientes de
informática. Um dêstes últimos cometeu o absurdo de entortar
dois pinos do seu disco rígido a ponto de me responsabilizar
pelo dano!
        Educadamente, eu afirmei que os pinos 39 e 40 já es-
tavam tortos quando o HD chegou com o PC, motivo este dele
vir aqui. A arrogância do homem, dos do tipo "não gosto de me
deixar perder", fez com que ele virasse as costas sem me pa-
gar e sem sequer a palavra "obrigado". Até hoje o sistema dele
nunca mais falhou devido ao meu empenho, mas a arrogân-
cia... ahhh este veneno que destrói...
        Em uma semana fiz três provas na faculdade e aquilo
me roeu com as idéias. Destas, apenas em uma tirei abaixo de
70%, a média do Instituto Federal Farroupilha. Eu tinha que
esperar a data do exame, em Física Quântica.

        De resto, no meu estágio, minhas turmas até brincaram
de amigo secreto, nas vésperas de conclusão da Turma 9 do
EJA. Presenteei com um livro sobre pensamentos espíritas
"Todo dia" e ganhei uma caneta-relógio lindíssima. Não acre-
ditei. Quase chorei no discurso de vinte segundos.
        No dia seguinte, lindíssimo, ensolarado três de maio, fui
enfrentar a fila para ler meus e-mails no CPD. Naquela re-
cuada época, ter e-mail era luxo. Os computadores estavam na
22


casa dos 1GHz de processamento, a internet era coisa de grã-
luxo. Eu tinha no máximo 15 minutos para usar um Pentium III
de 700MHz. A conexão não ajudava tal era a lerdeza e só
haviam dois e-mails: Um do Carlos e outro do Valdemar. Êste
me comoveu muito: Seu pai, em Lorena das Missões, teve que
vender algumas coisas de sua propriedade de oito hectares
para pagar as sementes do fumo, endividadas no banco. O
Valdemar largou das aulas para acudir o pai e eu e o Carlos
preparamos a cola para soldar o brasilit no telhado. Felizmente
o sol brilhava lindamente por quatro dias, apesar do frio ab-
surdo que fazia.
       Fedendo a solvente, gasolina e suor, chego em casa.
Na caixa de correios uns comunicados do Banco, uns folhetos
de propaganda de pizza e de partidos políticos e... uma carta.
Seu remetente: Daiana Stackerborensku.

       Juro: não escondi a alegria!!! Inacreditável! Estava ali,
com letras de caneta bic cor de rosa, toda floreadinha e com
um aroma perfumado bem suave, por fora... dentro de mim,
meu coração dava socos e solavancos!!
       Mais do que depressa, tomei um banho. Minha mãe me
seguiu pelo rastro do cheirinho de solvente... dei-a as cartas
de bancos e a de Daiana coloquei em minha gaveta da
escrivaninha.
       - Tu foi no Carlos?
       - Sim, mãe, ajudei a tapar os furos do brasilit da casa
dele com cola de isopor, gasolina e solvente.
       - Depois do almoço tu vai sair?
       - Não. Vou corrigir umas provas de alunos e só depois
darei uma passadinha no mercado.
       - Vou no meu ortopedista ver os raios X da minha colu-
na. Se alguém ligar querendo costura, só depois das cinco da
tarde.
23


      - Ok, entendi.

        Cerca de 63 provas corrigi aquela tarde... com o cora-
ção ainda batendo. Eu aprendi a controlar meus desejos...
Abriria a carta da Daiana após meus afazeres e daí sim, me
preparava para lê-la. E por volta das quatro da tarde foi isso
que eu fiz.
        Ao abrir, meu coração bateu muito mais forte do que de
costume. A primeira coisa que tirei foi um lindo cartão de car-
tolina, desenhado caprichosíssimamente com flores... prova-
velmente flores de palmas e copos-de-leite, adornados com
aquela cola brilhante colorida que as crianças costumam usar
nos carnavais e artes escolares criativas. Abaixo das flores, a
frase: "Oi, meu querido! Você está bem?"
        Confesso... eu já não me sentia mais... anestesiadox
        Juntinho ao cartão, a carta. Alguma coisa caiu dela...
uma foto!!! Daiana tinha enviado-a!
        Não acreditando no real, passei a olhar aquela foto por
quase 40 minutos. Sempre duvidei de anjos, mas ali... EM MI-
NHA FRENTE, um acabou de ser fotografado.
        Daiana era alva de branca, com olhos azul-esverdeados
como uma baía-de-mar caribenho. Seu cabelo, loiro, escorria
lisamente ombos abaixo, como que uma cascata monótona.
        Suas espáduas tinham umas linhas perfeitíssimas. Logo
abaixo da espádua esquerda quase que de encontro ao ombro,
notei uma pequena mancha que parecia de nascença. Mas o
olhar da moça me paralisou!!! Me senti uma presa, capturada e
imobilizada facilmente!
        Os olhos de Daiana, sob sobrancelhas bem desenha-
das, clarinhas na cor e perfeitíssimas, expressavam como se
ela estivesse pedindo ou solicitando alguma coisa... seus olhos
eram penetrantes!
        Haviam covinhas nas maçãs do rosto, quase impercep-
24


tíveis tal a suavidade... mas os olhos... os olhos da moça me
petrificavam! Me imobilizavam! Tal uma deusa ou um anjo con-
forme as antigas lendas latino-européias. Eu... eu estava per-
plexo!
25


      CAPÍTULO 04

       Dei-me conta da carta! A carta! Esperei meus sentidos
voltarem! Pudera!
       Ao ler, as palavras, escritas a mão, foram as seguintes:

        " Nova Romênia da Serra, 02 de maio de 2000.

        Oi Kevin!
        Foi com intensa alegria que recebi tua cartinha, bem bo-
nita e organizada, há três dias atrás. Muito obrigada pela tua
doçura e pela tua sinceridade.
        Sou Daiana, já caracterizada na revista e aqui agora, na
foto. Não tenho namorado, faço faculdade de biologia na
FIPSC e gostaria de me corresponder com pessoas que sejam
verdadeiras, espiritualmente elevadas, que gostem de palavras
inteligentes e que sejam sensíveis.
        Pelo que senti, você é assim. Das cartas que recebi,
mais de 40, a sua foi digna de retorno da minha resposta com
foto. Desculpe se eu te desapontei. Quero apenas ser uma
pessoa comunicativa, amiga em todas as horas, quero me-
lhorar minha comunicação interpessoal e fazer muitas ami-
zades. Se eu encontrar o jovem certo, quem sabe até namorar
(risos...).
        Amo escrever cartas. Desculpe a letra. Ainda não com-
prei um computador; falta-me o tempo ($$).
        Estagiarei em Junho de 2001 aqui mesmo em minha
cidade ou em Joinville, cidade próxima a minha.
        Minha família está economizando para comprarmos um
telefone rural. Onde moro é muito isolado e sua carta vêm para
a casa de uma tia minha que mora na cidade e que ela é uma
segunda mãe para mim: A tia Vera Lúcia. Assim que adquirir-
mos o telefone, te passarei o número.
26


       Beijos. Espero que continue escrevendo para mim. Ado-
rei tuas palavras.
       Até breve.

      Daiana"

       Eu... estava tonto! Não acreditava no que estava ocor-
rendo. Reli-a umas três vezes aquele dia.
       Depois de uma ida ao mercado, fui à escola. Faltou
muita gente àquele dia, devido ao frio que fazia, mas mesmo
assim enriqueci a noite com exercícios e explicações mais
detalhadas e vagarosas. Rendeu desde que a turma entenda...
Ao faltar água lá pelas nove e meia da noite, a direção cortou o
recreio e fomos liberados 40 minutos mais cedo. Ao chegar em
casa lá pelas 10:15 da noite, antes de dormir, reli a carta de
Daiana e vi mais uma vez a foto. Será que eu estava sonhan-
do?? Rezei, fiz uma oração especialmente para ela. Ao deitar,
não sei porque motivo, um calafrio, como se fosse uma micro-
massagem com pomada analgésica mentolada, varreu minha
espinha dorsal de cima abaixo...
       O que fora aquilo??

       No dia seguinte, ajudei minha mãe nas tarefas do dia.
Ela alegava dores na coluna e eu fui solidário: Lavei a louça,
fiz um café para ela e fui ao mercado comprar leite e pão. O
Valdemar me ligou às 10h da manhã:
       - Alô?
       - Alô, Kevin?
       -É ele!
       - Muito obrigado viu?
       - Como assim?
       - Por tu ter ajudado o Carlos no conserto de meu te-
lhado. Só que mesmo assim minha roupa de cama ficou mofa-
27


da! Viajei, fiquei quatro dias lá no pai e a casa ficou chaveada.
Mas muito obrigado.
       - A cola funcionou?
       - Sim, secou e ficou uma rocha! O telhado está pronto
para o próximo granizo.
       - Nem fale! Como está teu pai?
       - Arrasado. Ele deve ainda uns 6 mil pro banco e nem
sabe o que fazer.
       - E o que irão fazer agora?
       - Acho que ele irá vender uma casa que tem na cidade
ou hipotecá-la.
       - Mas a casa vale mais que 6 mil?
       - Sim, vale 34 mil com o terreno. Mas quando se perde
tudo por causa da chuva, enchente e/ou granizo, temos que
muitas vezes apelar para o absurdo. Se ele pegar alguma coi-
sa pelo banco, será uma sobra de uns seis mil. O banco nunca
te dá o valor que vale.
       - É verdade! Olha, comprei as peças de coxa e sobreco-
xa e estão congelados. Quando jantamos?
       - Assim que o Carlos voltar sábado, às seis da tarde, se
não chover.
       - Não vai chover mais por um mês, acho!
       - Até lá então e muito obrigado viu? Quanto deu a ga-
solina?
       - Alguns centavos (menti inocentemente. Dera 2 reais
mas não cobrei.). Deixa assim, de presente.
       - Pessoas assim são difícil viu?
       Rimos...
       - Até sábado Valdemar!
       - Até.

       Piquei vagens e tomate às onze e meia. Minha mãe ti-
nha clientela à toda pela manhã. Era meu dia de folga no EJA,
28


mas não no IFF. Ao voltar das aulas às 18h, comecei a respon-
der a carta de Daiana. Argumentos foram fáceis. Eu estava
inspirado.

        "Santa Madalena do Sul, 16 de Maio de 2000.

      Querida e honrada Daiana Stackerborensku.

        Com imensa alegria recebi sua carta, o lindo e criativís-
simo cartão e... a tua foto.
        Depois de uma paralisia de cinco minutos, seguida de
quase desmaio, conclui que você é... inigualavelmente linda!
        Bem, onde tirar as palavras ideais agora? Quais usar-
se?
        Linda? Palavra ridícula perto do que és;
        Anjo? Idem;
        Inteligente? Eu seria taxado de miserável;
        Um ser sublimado? Bem... é verdade, ÓBVIO, mas o ób-
vio não se afirma por ser automaticamente verdadeiro.
        Penso, logo fede a cabeça, como dizia o Descartes
falsificado. O que dizer?
        Daianinha: As palavras por mim usadas neste planeta
poder-se-ão ser miseráveis perto de uma descrição real de vo-
cê. Uma descrição em uma palavra? ÉS O UNIVERSO!!!
        Muito obrigado por confiar em mim! Muito obrigado por
tudo! Obrigado, Senhor Deus Supremo, pela Daiana existir!
        E isso é pouco... uma miséria ainda... será que você é
deste mundo?
        Uma coisa é certa: A estas alturas você deve ter uns
cento e poucos escreventes de cartas... abobalhados como eu,
olhando uma foto... uma foto de um Anjo, destas que a própria
NASA pagaria para colocar em exposição.
        Que chances eu teria? Uma em cem milhões? Os outros
29


garotos com certeza são mais jovens e mais intelectualizados
que eu, mas mesmo assim, se teu coração pertencer futura-
mente a um deles, saiba que eu fiz o melhor de mim e que O
TEU ROSTO é inesquecível, tal como um anjo, emissário di-
reto do Supremo Deus.
        Aqui está minha foto... calma.... ela espantará as catur-
ritas da lavoura de milho ou girassol se porventura teus pais
resolverem cultivar. Sem veneno.... foto ecológica, os bichos
dão no pé sem morrerem.
        Bem, pergunte o que quiser, por carta ou telefone. Fique
a vontade mesmo, sem medo de perguntar. Aqui segue um
cartão... ele é industrializado... sou péssimo desenhista, isto
prova que minha evolução espiritual não chega a 1% da sua.
Minha preguiça é tanta que até as cartas são digitadas a com-
putador. Meu número é (57) 4226 98 11. Pode ligar a vontade
ok?
        Um grande abraço aos teus pais, à tua amável tia Vera
Lúcia e espero que brilhes com intensidade máxima no teu
curso de Biologia. Só por favor não concorra a Garota Modelo
de Santa Catarina porque as demais concorrentes irão pro-
testar, acharão covardia, acharão injusto, perderão e dirão "As-
sim não valeeeeeee!!!!! Droga!"
        Posso te ensinar informática, Física, Matemática, Xa-
drez (amo jogar xadrez) e te explicar alguma coisa de Astro-
nomia. Tenho uma luneta que dá para ver Marte, Júpiter e Sa-
turno da janela do meu quarto. Posso ser-te útil para algo?
        Peça. Quem sabe trocando conhecimentos a gente não
evolui mais rápido?
        Beijos diversos e aos punhados!
        Conte comigo sempre. Aguardo tua resposta...

      Kevin Barreto."
30


      CAPÍTULO 05

        Naquela ensolaradíssima terça-feira, coloquei a carta de
Daiana no correio e fui no IFF retirar meu tão esperado re-
sultado do exame em Análise Estatística. Tirei 73%. " Raspan-
do a trave" como diziam meus colegas, especialmente o João
Danilo, o mais festeiro deles e o que me estendia a mão quan-
do eu me apertava em alguma disciplina. Fora ele que me
explicou os métodos da regressão linear e curva-sinoidal não-
linearizada. Eram tantos dados para tabelar que quase tive um
troço, mas consegui!!!
        No final de Maio, alguns alunos, colegas meus de Fí-
sica, foram promovidos a bolsistas do CNPq. Eu não tive esta
oportunidade infelizmente. Eu era fraco em disciplinas
altamente científicas como Física Quântica e Mecânica
Estatística das Partículas. Eu as adorava, claro, mas não
compreendia a maioria dos capítulos e aquele surrado
dicionário de português-inglês verde-oliva pouco ou nada
adiantava na hora de traduzir textos inteiros para eu poder
estudar para as provas. Fora o fato da biblioteca do IFF ser
restritíssima. Um livro era disputado. Tinha que tirar fotocópia
de todo ele e devolver rápido. Muita gente esperava-o. O
pessoal sofria mas se divertia.
        Uma vez o João Danilo me ligou:
        - Alô?
        - Kevin? E aí figura?
        - Beleza?
        - Ahan. Tá afim de participar de uma festinha na casa de
um formado? Vamos ter ceva e churrasco.
        - Quando?
        - Amanhã de noite.
        - Levo o quê?
31


       - O casaco! vai estar frio pacas.
       Rimos...
       - Mas sério, Danilo, levo o quê?
       - Uns seis reais para a consumação da ceva apenas.
       - Ok, onde vai ser?
       - Na casa dele, a cinco quadras da tua, na Barão do Ita-
raré, 158.
       - Ao lado da mecânica do Francisco?
       - Exatamente!
       - Estarei lá.
       - Valeu.
       - Até?
       - Até.

       Em 30 de maio compareci ao já mencionado "Happy
Hour", patrocinado por seis físicos, destes quais quatro forma-
ram-se em licenciatura e que eu tive a felicidade de partilhar
alguma idéia. O Ernesto, por exemplo, seguiria para o Mestra-
do em semi-condutância, do qual ele me mencionou qualquer
coisa sobre algumas propriedades do Berílio oxidado.
       Lá pela sétima cerveja (eles estavam recém começando
mas eu já estava dois copos além da conta... de meu fígado),
passamos a contar piadas de nível universitário. Perguntaram
sobre meus planos futuros...
       - Diz aí Kevin?
       - Ahh... sei lá, estou estagiando em uma escola esta-
dual lá em outro bairro, a 17km daqui e estou adorando!
       - Fará mestrado em quê? (pergunta do Fabiano, um dos
mais "crânios", já tendo a convicta certeza de que todos que
ingressam em Física com certeza irão para um mestrado...)
       - Não sei... minha quota de burrice acusa que não ultra-
passarei a uma especialização na Uninter...
       Caíram na risada!
32


       - Tem certeza, kevin?
       - Absoluta. Quem me dera se eu tivesse tino para algu-
ma idéia nova que eu pudesse colocá-la em mestrado e mes-
mo que eu tivesse, não sobreviveria às disciplinas de Me-
cânica Relativística 2 ou Quântica 2... eu entraria pelo halo de
um buraco negro com certeza!
       Novas risadas. O Magnus, um dos bacharelados, adian-
tou-se:
       - Que é isso cara! Você precisa ser otimista e confiante.
       - Concordo contigo, Magnus. Mas meu campo de ta-
lento e competência não vão além da sala-de-aula do Ensino
Médio. Conheceram o Fernando? Ele plantava arroz com o pai
no Bairro Nossa Senhora da Saúde e agora está fazendo o
que farei daqui a um ano, se é que eu passar no concurso
público do estado em Janeiro de 2001. Farei o concuso.
       Os meninos prestavam muita atenção no que eu dizia.
Sabiam que a conclusão de um Mestrado ou Doutorado não
era a garantia de um emprego certo e em se tratando de Brasil,
a sala-de-aula, no Ensino Médio ou Universidade, era inevitá-
vel.
       - Laboratório apinhado de cientistas, meus amigos, é
coisa para NASA, Intel, Pentágono, CIA ou ainda a Nokia. No
Brasil, só Embraer, Aproquímica, Eberle, INMET ou Rio Doce.
E acabou. Muitos cientistas, meus companheiros de ceva, es-
tão procurando trabalho e contentam-se em lecionar onde quer
que esteja...
       - É isso aí Kevin. Pior é que é...

       A churrascada durou até uma da manhã. Voltei antes.
Despedi-me de meus amigos. Na volta para casa, a poucos
metros, não sei se foi ilusão minha ou se eu estava tonto, mas
vi, próximo ao portão de acesso um vulto de aspecto feminino,
com rosto até que bonito, que olhou para mim, meio que sorriu
33


agradavelmente e se evaporou no ar em um segundo mais ou
menos. No dia seguinte não comentei nada por que com cer-
teza, era efeito da minha tontura, graças a Deus leve, pois sei
maneirar na cerveja. Sorte minha que o churrasco não tinha
muito sal.
       No dia 05 de junho, às 11 horas, recebo uma carta da
Daiana... e meu coração começava a dar pulos...
       Depois de ajudar minha mãe na cozinha e de almoçar,
fui correndo lê-la. Ao abrir, outro cartão confeccionado quase
que igual ao primeiro, exceto pelas flores serem rosas e mar-
garidas e pela mensagem ser esta: "Você é o perfume bom do
meu jardim, Kevin." De resto, a misteriosa e deliciosa fragrân-
cia na carta que, escrita a mão, dizia assim:

       "Nova Romênia da Serra, 02 de Junho de 2000.

      Oi, Kevinho?

       Foi com imensa alegria que recebi tua adorável carti-
nha... seu maroto! Quase morri de tanto rir!
       Primeiramente o que dizer com tantos elogios a mim?
Com certeza você exagerou! Não sou assim tão bela e nem tão
anjinho. Tenho lá minhas fraquezas humanas... E tembém digo
que não irei colocar tua foto para as caturritas desaparecerem
porque elas virão igual devastarem o milho plantado pelo meu
pai. Aliás ele, Sr. Cezarino, já me questiona sobre você... ele
ficou curioso em conhecê-lo e eu falei o que sabia.
       Bem... voltando aos teus dulcílimos parágrafos, os quais
eu ria muito (e continuo...), muito obrigada pelos elogios. Claro
que você exagerou, mas amei cada palavra sua... eu tinha
quase certeza que iria te desapontar, o que não ocorreu.
       Emocionei-me com lágrimas ao me chamares de Univer-
so... Eu nunca vi alguém usar as palavras tão bem, tão franca-
34


mente e docemente, além de engraçadas.... Você é um espe-
cialista em poesias hein? As meninas daí não se encantam
contigo?
        Quanto à minha confiança em você, você já a con-
quistou desde a minha primeira carta. E digo que de todos os
rapazes que escreveram-me, você é o que apresentou maior
cordialidade, maior sinceridade e maior disposição em trocar
palavras acadêmicas... e o que mais me fez rir! Seu sapeca!
        Muito obrigada mesmo pelo que você é! E por favor,
continue assim e mais um por favor ainda: Me escreva! Eu
queria ter 10% da tua inteligência em escrever cartas, coisa
que ainda não conquistei.
        Bem, já que você concedeu-me de eu perguntar antes,
lá vai:
        1. Quais são os nomes dos teus pais?
        2. Você almeja outra profissão além da de ser professor
de Física?
        3. Que músicas você curte?
        4. Você confiaria em um namoro a distância? (Risos...
fiquei vermellhinha, desculpe...)
        5. Você gosta de viajar?
        6. Você já namorou antes? Durou muito tempo?
        7. Você é filho único?
        8. Você fuma? Ou bebe?
        9. Qual é sua crença religiosa?

       Desculpe se fui atrevida em algum momento, meu que-
rido, mas não quero te ofender. Quero apenas te conhecer me-
lhor. Saibas que você conquistou um lugar especial em meu
coração. Tua foto coloquei sob minha cabeceira e tuas cartas
releio antes de dormir. Obrigada por tudo, especialmente pelo
que você é...
       Minha tia adorou o abraço que você enviou. Aceito ser
35


tua aluna de xadrez, Informática e Astronomia. Deve ser divino
observar as estrelas e planetas pela tua luneta. percebi que és
um grande gênio de potencialidade ímpar! Puxa... já tens uma
discípula admiradora.
        Beijos, meu querido. Assim que me sobrar uns trocados
aqui, irei te ligar (de orelhão). Esteja certo disso. Estou ini-
ciando um tratamento médico e agora irá mais um pouquinho
das minhas economias. Por sorte, além do estágio, sou remu-
nerada por uma bolsa do Fiex e trabalho em um laboratório de
estudo e análise das Pteridófitas. Amo plantas, especialmente
flores... Acho que tentarei uma vaga para Mestrado daqui a
dois anos se o destino deixar e Deus permitir.
        Olha, eu tive um sonho por estes dias, mais ou menos
na madrugada de 30 de Maio ou coisa assim... Sonhei que vi
teu rosto por poucos segundos. Você estava próximo a um por-
tão de cor escura, frente a uma casa branca e se não me
engano tinham duas palmeiras na calçada, toda de grama.
Mas foi tudo muito rápido... deixa pra lá, acho que estou fican-
do fora da casinha... (risos...)
        Vários beijos para você. Com carinho:

      Daiana."

       As palavras que eu acabara de ler me petrificaram!!! Ao
relatar seu sonho, Daiana não só me descrevera discre-
tamente, como descreveu exatamente como era minha casa,
as árvores e o pátio da frente!!! E o mais incrível, na mesma
data em que eu voltava da festa da casa do João Danilo!
       Teria eu presenciado Daiana, fora do seu corpo mate-
rial? Teria ela afino espiritual apurado a ponto de pensar em
mim e assim vir a meu encontro? Teria ela o desejo de me ver
enquanto dormia?
36


        Tudo na vida tem uma explicação e para estas pergun-
tas faltavam-me algum esclarecimento...
37


      CAPÍTULO 06

        Naquela tarde eu estava desconcertado! Um turbilhão
de perguntas passavam-me pela cabeça: Namoro a distância?
tratamento médico? O sonho? Tudo isso fervia em minha cons-
ciência tal qual a água levada ao fogo para purificar-se...
        Eu encontrava-se na biblioteca do IFF. Eu estava soli-
citando um endereço IP para meu notebook que eu tinha aca-
bado de adquirir, depois de meses de economia e de uma tro-
ca de meu usado e surrado 366MHz. Era um "Duron 900 MHz"
com 256Mb de RAM e Windows 2000. Se eu me descuidasse
ele esquentava demais e tinha que dar um tempo de esfria-
mento...
        No Google comecei a pesquisar sobre interpretações de
sonhos e viagens extra corporais, os quais surpreendi-me ao
aparecerem links sobre espiritismo, Alan Kardec, magnetismo
espiritual e paranormalidade. Baixei alguns textos para ler de-
pois e na própria biblioteca existia um exemplar de "O Livro
dos Espíritos". Evidentemente que o peguei e retirei-o. A
biblioteca me deu um prazo de sete dias, mas minha
curiosidade era tanta que o li em cinco dias, em paralelo com
as disciplinas da faculdade tais como Metodologia de Ensino
em Física, Estrutura da Educação e Metodologia Física La-
boratorial. Mas fora em Física 4 que algo me chamou atenção:
Qualquer coisa sobre os Hádrons e Bárions, que poderiam
assumir dois lugares ao mesmo tempo ou dois tempos em um
mesmo lugar, segundo as Teorias de Einstein, se porventura
eles ultrapassassem a velocidade da luz e se tornassem tá-
quions.
        Minha curiosidade era tanta que descobri um Centro Es-
pírita em minha cidade. Passei a frequentá-lo e a fazer pergun-
tas. Por verter da crença católica, a maior parte dos meus
questionamentos advinham de trivialidades banais típicas de
38


quem começa a se entrosar com o Espiritismo. Eu estava
amando cada momento e conhecimento assimilado.
        As casas espíritas são lugares simples, mas rigidamente
limpos, com pessoas dedicadas ao ser humano como a um
irmão próximo.
        Eu ajudava no que podia... passei a frequentar com
mais perseverança. Com frequência aparecia alguma criança
das classes pobres pedindo roupas, comida e... acreditem...
até atenção e carinho!
        Certo domingo me veio uma idéia:
        Ao conversar com Patrícia, a presidente da casa, tive a
idéia de passar desenhos animados para as crianças. Era fácil
de obtê-los nas locadoras ou baixá-los da internet. E eu ainda
traria alguns doces para as crianças...
        Patrícia adorou a idéia e aceitou-a! Sextas-feiras, o
mais oportuno dos dias da semana, era o melhor, pois serviam
as crianças com leite e pão ao meio-dia. E às duas da tarde eu
costumava ficar livre de meus afazeres até às seis da tarde.
Dia ideal!
        Na locadora, peguei um filme clássico dos Flinstones e
passei-o para uma galerinha de 35 crianças de no máximo 10
anos de idade! Elas amaram. Distribuí grande quantidade de
gominhas doces e coloridas, bombons e pirulitos! Elas ado-
raram. Amauri, de apenas sete anos e com sintomas iniciais do
HIV, me abraçou e me beijou no final do filme! Ele disse:
        - Obrigado, "tio", pelos doces e pelos filmes. Eu queria
que todos os outros tios fossem iguais ao senhor... Espero que
esteja sempre com a gente.
        Após este discurso, as crianças me abraçaram e disse-
ram, em coro:
        - Obrigado, Tio Kevin, pelo teu coração tão bom!

      Saí às 16:45 da Sociedade Espírita Luz e Esperança
39


Francisco Cândido Xavier, com os olhos estufados... mas me
contive para não chorar!
        Desde este dia, uma vez por semana, eu retornava à
Sociedade Espírita com novos doces e novos filmes. Eu me
sentia novinho em folha, pronto para o que der e vier, depois
deste prazeiroso momento com as crianças! Aquilo me fazia
um bem enorme!!!
        Desde então, ler romances espíritas fez parte da minha
rotina, juntamente com meus clássicos universitários como por
exemplo o Sílvio Salinas, de Mecânica Estatística, ou o
Moyses Nussenzweig, de Física Moderna. Eu patinava em
algumas disciplinas, com notas mais ou menos, mas eliminava-
as nos exames, com garra!
        Em 12 de Junho sobrou-me tempo para escrever para a
Daiana, depois de tantas tarefas.

        "Santa Madalena do Sul, 12 de Junho de 2000

        Cordiais saudações, princesa catarinense.
        Com muita alegria recebi novamente tua correspondên-
cia e eis-me aqui de pronto a respondê-la. Obrigado pelas per-
guntas que me fizestes. Que bom que adquirimos um mutualis-
mo de confiança, carinho e afeto. Isso engrandece, enobrece e
sensibiliza o coração. É bom saber que algumas bobagens mi-
nhas te fazem rir. Isso me deixa imensamente feliz por que
estou melhorando este dom. Sempre gostei de fazer as pes-
soas rirem e sorrirem perto de mim. Mas a distância, bem...
você é pioneira. Parabéns por rir, gatinha linda. Meu coração
está em festa. Obrigado por isso.
        Respondendo às tuas perguntas:
        A) Sou especialista em poesias e com tua permissão
farei-te um poema. Quer?
        B) As meninas não se encantam comigo... elas fogem
40


de mim e temo que você seja a próxima. Calma! Tenho saúde
de ferro e não há nada de errado comigo, mas sou pé-frio para
namoro.
       1. Meu pai: Luis Barreto. Natural da Bahia. Soldado do
Exército Brasileiro aposentado. Não subiu de carreira por nun-
ca gostar de estudar;
       Minha mãe: Tereza Maria Ferrari Barreto, de descen-
dência italiana. Adora uma polenta! Com ela aprendi todos
meus dotes culinários (sei cozinhar muito bem e lido com qual-
quer coisa na cozinha). Fora professora na rede particular de
ensino e se aposentou assim. Lecionava em um internato
católico no centro da minha cidade. Este internato é o mais an-
tigo colégio daqui e foi criado pelos imigrantes italianos por
volta de 1898.
       2. Sim almejo outra profissão: Ser meteorologista ou
astrônomo ou cavar um poço de petróleo na Arábia Saudita e
me aposentar (risos...). Estou brincando, Daiana. Almejo traba-
lhar entre pessoas necessitadas como agora faço na Socieda-
de Espírita Francisco Cândido Xavier.
       3. Exceto sertanejas, funk e pagode, curto as demais.
Adoro ouvir Enya, Kraftwerk, Vangelis, Jean Michel Jarre e se-
melhantes. Das brasileiras, curto Raul Seixas, Ritchie, Enge-
nheiros do Havaí, Titãs e Paralamas do Sucesso.
       4. Sim, confiaria em namoro a distância... ainda mais
depois que te conheci, isto virou um sonho. Também fiquei
vermelho e sem jeito com essa... você é incrível...
       5. Sim, gosto de viajar, e como, mas não conheço tua
cidade nem teu estado. Só as daqui de perto da minha como
São Gabriel, Jaguari, Bagé, Dom Pedrito, Lavras do Sul e as
praias do Cassino e Rio Grande.
       6. Meu último namoro durou um mês. Ela, minha ex, não
era lá essas coisas e o novo namorado dela têm um carro e foi
por isso que ela ficou com ele. O carro: Um opala 1978 com
41


frente rebaixada e motor envenenado. Não quero mais nada
com ela, que inclusive começou a fumar e a beber... Maria An-
tônia é cinco anos mais nova que eu. E parou de estudar...
       7. Tenho uma irmã, a Marilene, seis anos mais velha e
já mãe. Minha sobrinha, Rafaela, tem nove anos.
       8. Nada disso! Nem fumo nem bebo. Uma cerveja so-
cialmente lá de vez em quando ao ser convidado, mas nunca
abusei.
       9. Sou espírita recém-convertido. Fisgado pela curio-
sidade e por várias perguntas em meu subconsciente, leio in-
tensamente as obras de Allan Kardec, Chico Xavier, Divaldo
Franco e Raul Teixeira. Assumi o espiritismo há uma semana.
Minha família é de vertente católica, o que não é de se es-
tranhar, uma vez que 95% dos espíritas atuantes vêm do cato-
licismo e isso é normal.

      Muito bem, Daiana. Das perguntas que me fizeste,
agora refaço-as para você. Acrescentadas de: 10. Como é tua
cidade?

       Daiana: Você não foi atrevida. Pelo contrário; tenho in-
tensa admiração por pessoas tais como você: comunicativas,
verdadeiras, francas, inteligentes e sociáveis, e a você acres-
cento mais um: carinhosa.
       Adorei a notícia de que você colocou minha foto na tua
cabeceira. Pulei de alegria aqui do outro lado. Inacreditável!
       Farei o mesmo com a sua... Obrigado mil vezes mais
pelo que você é e representa para minha esperança.
       Vou tentar te ensinar xadrez na próxima carta. Quer?
       Vamos uma coisa por vez. No que eu concluir Xadrez
passo para Matemática e assim por diante. Quanto ao grande
gênio... julgaste a pessoa errada; pobre de mim... logo quem
um gênio?
42


        Que alegria em saber que tenho uma discípula. Saiba
que estou às tuas ordens para que eu possa ser útil em algu-
ma coisa. Peça! Obrigado desde agora.
        Espero tua ligação com grande expectativa. À noite, es-
tou em casa às sextas-feiras e fins-de-semana. Durante o dia
fico fazendo minhas coisas como enfrentar uma fila daquelas
para usar a internet, que infelizmente ainda é coisa para pou-
cos. Envolvo-me com a faculdade cujas provas são agora mais
frequentes (final de semestre) e aos relatórios de minhas aulas
de estágio supervisionado obrigatório no Colégio Joanna
D'Arc.
        Se você não me levar a mal, poderia me explicar melhor
este teu tratamento médico? Espero que seja coisinha pouca,
como ocorreu comigo estes dias, que senti uma dor de cabeça
forte e o diagnóstico acusou ingestão de leite coalhado, do
qual ataca-me o fígado e a dor de cabeça aflora... Dormi aque-
le dia, à tarde, por quatro horas, faltei duas disciplinas do dia,
mas a dor se foi!
        Amei ao dizeres que relê minhas cartas antes de dormir.
Adotarei esta mania... relerei as tuas, meu coração.
        Diga o que descobristes sobre as pteridófitas. São sa-
mambaias ou coisas assim? Consultei o Aurélio da Língua Por-
tuguesa (Amansa-burrão) e ele mencionou "samambaia".
        Quanto ao sonho que você teve, você descreveu direi-
tinho minha casa. Ela é a única da Avenida Olavo Bilac a ter
duas palmeiras, as grades do portão são marrons, minha casa
é branca (pintamo-la faz um ano e meio) e minha calçada de
frente à rua não tem lages ou lajotas, outrossim é grama mes-
mo. Conclusão: VOCÊ NÃO ESTÁ FORA DA CASINHA... e
naquela noite do teu sonho eu vi um vulto que se desfez em
minha frente e fiquei ali parado completamente, por estar im-
presssionado. Não comentei nada com ninguém do que vi. O
vulto era feminino e tinha a face branca e os cabelos iguais
43


aos seus...
        SERÁ QUE ERA VOCÊ... FORA DO CORPO???
        Vamos estudar este fenômeno e tirar conclusões de-
pois. Foi o que fiz aqui e isso me puxou para publicações espí-
ritas. Agora, as leio muito.
        Leia algo sobre viagens extra corporais. Tente o google.
Eu achei várias coisas aqui sobre isso... fascinantes.
        Ganhei um livro de uma grande amiga nossa daqui do
bairro. "Nosso Lar", psicografado por Francisco Xavier. E o
que descobri? As iniciais D.S. com letra igual à tua e, coin-
cidentemente, as iniciais são do teu nome e sobrenome.
        Incrível, não? Estou mergulhado em pensamentos.
        Beijos multiplicados por mil e com direito a bis... (risos)
        Penso em ti o tempo todo. Existe possibilidade da gen-
te se ver pessoalmente?
        Vamos fazer o carteiro trabalhar?
        Até breve, querida. Com saudade e carinho:
        Kevin."

        Depois de colocá-la no correio, às 16h, no intervalo
entre Física 4 e Estrutura da Matéria, no campus do IFF, dei-
me por conta que era dia dos namorados... mas eu não pude
fazer nada por que afinal, nem nos conhecemos a não ser por
foto, além de eu ser temeroso a precipitações...
        A noite caiu e a notícia de falecimento de um dos pro-
fessores da escola, devido a derrame cerebral, fez com que as
turmas fossem para casa mais cedo, às 21h 30min. Só resolvi
dúvidas àquela noite e ao chegar em casa, constatei que meu
relatório de estágio estava infectado com um vírus perigoso, e
eu não havia feito atualização do antivírus faziam três se-
manas!
        No dia seguinte, em 13 de Junho, abaixo de uma chuva
de encharcar e de uma temperatura agradável, fui no CPD
44


tentar baixar uma atualização para o bendito antivírus. Conse-
gui. Coube, comprimido, em quatro disquetes, mas não percebi
que um deles estava com setores físicos ruins e não consegui
deletar o vírus pois a instalação da atualização falhou em
63%... Meu relatório de estágio foi ralo abaixo e o maldito, um
tal de BUSWORM32.MS, só foi retirado no dia seguinte. Tive
que fazer o almoço e ajudar minha família a limpar e reor-
ganizar a casa, toda prejudicada pela infiltração que intensi-
ficou-se na sala dos fundos. Agradeci a Deus por ter todo o
relatório feito a mão, produzido desde a sala-de-aula conforme
explicava e conforme avançavam os dias do estágio. Redigitei-
o em quatro dias, trabalhando pela manhã. A semana mal deu
tempo de respirar.
       Do dia 16 para o dia 17, meu antivírus identificou e
eliminou cerca de 19 cópias do vírus BUSWORM32.MS. Desde
este dia, com uma caixa de disquetes novinha em folha, eu ia
no CPD e baixava várias cópias da atualização do dia. Desta
maneira, se um disco falhava, tinha outro exatamente igual.
       Mesmo assim o Windows fez mais uma das suas. Não
sei como, mas o arquivo NTDETECT.COM simplesmente su-
miu do sistema e eu tive que reinstalar todo o Windows de
novo... Ócios de um ofício fastidioso.
       No ensolarado dia 19 de Junho, três clientes batem à
minha porta para a resolução de problemas de computadores.
Um deles, o desaparecimento repetino do NTDETECT.COM e
da atitude homicida do BUSWORM32.MS em defenestrar do-
cumentos de editores de texto...
       Em um dos gabinetes, ao ser aberto, pois eu costumava
dar uma limpeza "de cortesia", um ninho com três marimbon-
dos os quais um deles alcançou minha bochecha esquerda.
Todo mundo perguntava do porquê daquele estranho inchaço.
Sou um cara de sorte... meu antivírus não matou os marimbon-
dos. Ao remover o ninho, feito de barro , religuei o computador
45


e o Windows detectou um dispositivo desconhecido... seria o
Modem? Verifiquei. Um marimbondo seco entre dois pontos de
solda, na placa-mãe. O Windows... ahhh o Windows...
        E em meio a tudo isso: Prova de Quântica 2 às 14h 30
min... suei frio naquele dia e voltei cabisbaixo...

         - Alô?
         - Alô, kevin?
         - Deixa eu ver... João Danilo?
         - Ele mesmo. Como anda bicho?
         - Sempre correndo feito rato de gato! Perdi até 4 qui-
los...
        - É o seguinte: Meu PC tem um problema.
        Eu já ia dizer NTDETECT.COM e BUSWORM32. MS...
até que... ele se adiantou:
        - Minha noiva, a Tânia, instalou um jogo aqui. É um bi-
chinho que joga paciência contra você. Mas o tal bichinho co-
meçou a rir depois que ele venceu e os dados sumiram!!! A
tela ficou preta.
        - Ai meu Deus...
        - O que foi Kevin? Grave?
        - Tu tá sentado?
        - Sim... aiaiai... fala vai.
        - Ela baixou, na verdade, uma variante do Tamagoshi.
worm32, que se instala na BIOS e ... detona com tua partição
FAT... tu tinha backup dos teus dados?
        - Não... minha tese de Doutorado... ah não... Não tem
como recuperar?
        - Infelizmente não, João Danilo. Posso tentar gratuita-
mente para ti, mas não garanto nada...
        A voz murcha, triste e mortífera do João Danilo me co-
moveu dali por diante:
        - Eu te daria 400 reais se tu conseguisse Kevin...
46


       - Vou fazer um disquete de boot agorinha... me aguarde
uns 50 minutos e não ligue o PC ok?
       - Certo... vou preparar umas pipocas para nós... tô fer-
radíssimo e acabado...

       Quase uma hora e meia depois cheguei à casa do Da-
nilo. Ouvi da calçada externa. Ele discutia suavemente com al-
guém:
       - Tu, ô cabeça oca, não deveria ter instalado aquela
porcaria de jogo! Lá se vai um trabalho de um ano e sete
meses!

       Toquei a campainha... ele atendeu... mais amarelo que
agricultor tibetano...
       - Kevin, minha única e última esperança...
       Entrei sem rodeios e já comecei um boot pelo disquete.
       - Danilo: O fdisk não acha partição alguma, é como se
ela nunca tivesse existido. E agora?
       - Agora vou sumir de vez! Vou me mudar para o Uru-
guai, em Trinta Y Trés, e plantar soja com meus primos.
       Ao ingressar na BIOS do computador, eu quase encolhi-
me de aterrado. O tal bichinho do jogo de paciência estava lá,
avermelhado, sorrindo cinicamente... estático, com uns medo-
nhos caracteres ASCII em torno dele...
       - Como vou matar este tal tamagoshi agora?
       - Se tu não sabe, Kevin, imagine eu... Ai meu Deus...
estou passando mal...
       Após dizer estas palavras, Danilo foi ao banheiro, cha-
veou-se lá e começou a vomitar...
       Não consegui sequer criar uma partição no PC dele. O
vírus bloqueava... Tânia avisou qualquer coisa que iria para
casa da mãe dela, no Bairro Amadeo Sartori, e sumiu...
       Entardecia e a escola me esperava. Despedi-me do Da-
47


nilo. Ele estava arrasadíssimo. Três dias depois fiquei sabendo
que ele desaparecera. A casa, que ele pagava aluguel, ficou
com os móveis e algumas roupas. Pensei: Ele foi mesmo para
o Uruguai... ledo engano.
        A Polícia encontrou seu corpo na saída para Pinhal da
Serra, ao norte da nossa cidade, enforcado em uma imbira, às
margens da BR 169. Tudo indica que ele percorreu os 17km da
sua casa até ali, na subida para a serra. Meus olhos não acre-
ditavam...
        Rezei para ele. Em seu velório encontrei colegas de
curso e até treze ex-alunos do meu tempo de Ensino Médio no
Colégio Giuseppe Garibaldi. Os pais do Danilo choravam em
pânico e aquilo começou a me fazer mal. Na hora, compilei
mentalmente uma oração aos Espíritos Superiores e curiosa-
mente as pessoas começaram a diminuir a lastimosidade dos
choros e se aliviarem um pouco.
        Nunca me esqueci do Danilo. Esforçado, doce e querido
ele era disputado nas rodas de amigos. Ajudava a tudo e a to-
dos, com sorriso nos lábios.
        Tânia, sua noiva, era quieta, introvertida, de poucos
amigos e com um ar de traiçoeira. Eu não a vi no velório do
seu "querido", mas dezessete dias depois encontrei-a traba-
lhando no camelódromo da Vila São Caetano, a 21km de meu
bairro. Lugar com fama de perigoso devido às classes baixas
da população. Detalhe, ela já estava noiva de um sujeito de
quase dois metros de altura, corpulento, piloto de uma moto de
1100 cilindradas e que vendia cigarros e bebida alcoólica em
uma das outras bancas. E mais: O geito dele lembrava-me o
de um viciado ou traficante de drogas.
        Somente uma coisa me atraía naquele camelódromo:
um cebo de livros usados. Lá encontrei "Memórias de um Sui-
cida" por sete reais, e também "Estela", de Camille Flamma-
rion, que me saiu por quatro reais e meio. Comprei O Livro dos
48


Espíritos e presenteei Dona Vitorina, a mãe do Danilo, quase
um mês depois da morte do filho. Ela me abraçou e o seu es-
poso, Sr. João Batista, ávido lavrador em terras arrendadas,
me convidou para matearmos juntos, com bolinhos fritos e al-
gumas histórias... Eles começaram a ir na Sociedade Chico
Xavier quatro dias após minha visita com o presente e não fo-
ram poucas vezes que os vi chorar. Continuaram a frequentar
a sociedade, fazendo como eu: distribuindo gibis e doces às
crianças portadoras de HIV ou qualquer outro tumor, que ali
frequentavam quando podiam. No que eu disse o nome de mi-
nha mãe à Dona Vitorina, ela quase pulou! Dona Vitorina fora
aluna de minha mãe no Colégio Interno!
        Após a formatura do Antigo Ginásio, Dona Vitorina ca-
sou-se com João Batista e despediu-se de minha mãe. Foram
morar em Bento Gonçalves onde ambos trabalhariam em uma
vinicultura por quinze anos. O casal sempre fora apaixonado
por uvas e vinhos! Poucos dias depois Dona Vitorina visita-nos
com uma rara alegria e minha mãe não acreditou quando ela
apontou no portão. Sem exagerar, "prosearam" até à meia-noi-
te!
        Julho chegou e com ele as provas finais. Infelizmente
não consegui concluir a disciplina de Quântica. A prova fora di-
fícil. Mas não perdi as esperanças, por que das cinco foi a
única que não fui bem sucedido.
        Apesar do vírus ter destruido a primeira versão de meu
relatório de estágio, em quatro dias consegui reconcluir suas
78 páginas... A turma "308" do Colégio Joanna D´Arc des-
pediu-se de mim como despediu-se de um rei: Chás, bolinhos,
doces e um presente ganhei da Equipe de Professores e
Funcionários: Uma linda bússola com inscrições no estilo his-
tórico do século XV, com algarismos romanos e um mapa da
América Antiga no plano-de-fundo da bússola. Diseram-me
que era um agradecimento aos mais de quarenta livros de Físi-
49


ca doados por mim à biblioteca daquela escola.
      O Estágio Supervisionado em Física rendeu-me 97% da
nota semestral e fora a minha mais alta.

       Na noite de 05 de Julho, o telefone:
       - Alô?
       - Kevin?
       - Pois não?
       - É a Dona Vitorina...
       - Que alegria! A senhora está bem?
       - Sim, agora melhor que nunca! Estou me sentindo mui-
to renovada porque um dos médiuns da Sociedade Chico Xa-
vier recebeu uma mensagem, acerca da situação do meu fi-
lho...
       O que eu acabara de ouvir fez meu coração disparar
dentro de mim, como uma bomba desgovernada...
       - A senhora tá brincando??
       - Não, meu querido. Recebi-a hoje. Estou com ela em
mãos! Anotei.
       - Passarei um dia aí para vê-la?
       - Sim. quando quiseres. Conclui a leitura do Livro dos
Espíritos. Três vezes por semana eu e meu esposo vamos ao
"Chico Xavier" para assistir às palestras. Uma delas me como-
veu muito: sobre suicídio.
       - Continuem frequentando e parabéns pela iniciativa!
Até breve!
       - Até breve meu querido!

       A este meio tempo, ao saír para ler meus e-mails, o car-
teiro entrega-me uma papelada nas mãos e em meio às já co-
nhecidíssimas propagandas de lojas e contas a pagar, duas
correspondências de Daiana: Uma era particularmente grande,
excepcionalmente florida e aromática. Ao abri-la, meu coração
50


disparou como um louco desgovernado, de novo!
       Tratava-se de um cartão desses que projeta um pano-
rama sanfonado, como um cartão 3D. Montanhas, árvores,
uma cascata e um aroma de flores e uma musiquinha de fundo
quase me fizeram desmaiar! Lindo! Nele uma inscrição dou-
rada dizia: "O amigo sincero, fiel e verdadeiro não tem preço e
nada se compara ao seu valor!"
       Escrito a mão, outro dizer:
       "Kevin: Minha cidade é assim... mais ou menos! Te
aguardo se vieres. Beijos vários da menina que pensa demais
em ti: Daiana."
       Guardei a bicicleta, nem saí... meus olhos se recusavam
a abandonar o cartão.
       E para minha surpresa, na carta convencional, uma foto
de Daiana, de corpo inteiro. Ela vestia um biquini de banho e
estava com um coco nas mãos, sorvendo a água pelo canu-
dinho. Seu rosto irradiava uma angelicalidade profunda... seu
corpo, perfeito até demais, fez-me estremecer e o coração dis-
parar irremediavelmente. Tive que me sentar e massagear meu
peito!
       A impressão que eu tive foi de meu coração querer abrir
um buraco em mim, tais eram os socos das batidas. Nunca ha-
via até então experimentado uma sensação igual... Eu não
acreditava nos meus olhos.
       E a carta dizia:

      "Nova Romênia da Serra, 28 de Junho de 2000

      Oi, meu doce Kevinho!!

       Que alegria receber e responder tuas cartas. Estou tão
animada e feliz que anexei uma foto minha que tirei em fe-
vereiro no Balneário Orquídeas, perto de onde moro. Vamos
51


ver agora se eu te decepcionarei ou não... porque estou com
uns quilinhos a mais... pois bem, agora eu quero que você me
faça o poema conforme me prometeu... já pensou se eu me
apaixono por você? Pobrezinho do Kevin... sobrará para ti me
aturar (risos...).
       Quanto a você ser pé-frio para namoro, eu duvido muito.
Você é lindo... então já que estás livre eu acho que vou querer
te namorar... hahahaha... querido! Você nem imagina as poten-
cialidades que tens... vá que você conheça uma concorrente
minha por aí e esqueça desta chata que só te amola?
       Com imenso prazer te responderei às perguntas que
agora eu te devo:
       1. Meu pai: Sr. Cezarino Stackerborensku, de 58 anos,
natural daqui mesmo, agricultor, sapateiro e exímio confec-
cionador de selas para cavalos, ama tudo o que faz. Ah, ele
tem lavouras de trigo e milho. Sua descendência é romena.
       Minha mãe: Sra. Verenita Radensku Stackerborensku, é
costureira, foi professora e agora é aposentada em seus 56
anos. Doceira de mão cheia, é cabelereira e floriculturista. Ela
montou a microempresinha dela aqui em casa. Vende flores,
costura para fora e faz uns bolos e doces que, em parte, ex-
plicam meus quilinhos em excesso (risos...). Ela é muito in-
teligente e vez em quando andamos de bicicleta.
       2. Minha profissão dos sonhos? Ser bióloga e tanto faz
se professora ou pesquisadora. E quero ser como minha mãe:
muito inteligente, aprender a cultivar flores e fazer doces.
       Bem... já sei fazer isso, mas quero ser tão profissional
quanto ela, que tem um dom mágico!
       3. É... também não gosto de funk e pagode, mas não
dispenso uma música sertaneja de vez em quando. Meu pai
tem uma coleção de mais ou menos uns 1000 discos de vinil.
Ele não é fã dos CDs, gosta dos velhos tempos... e eu vi que
dentre a imensa coleção dele tem um disco de vinil do Kraft-
52


werk. Ainda não ouvi mas farei isso... No demais temos muito
em comum com música. Tenho uns CDs do Raul Seixas, En-
genheiros e Titãs. Se quiseres, faço um CD para você com
umas coletâneas, quer?
        4. Eu também confiaria um namoro a distância... mas...
será que daria certo? Nunca tentei. Eu até gostaria de experi-
mentar. O problema é aguentar a saudade, mas por outro lado
não se brigam... A distância impede isto...
        5. Viajei pouco, mas adoro. Do teu estado, só conheço
algumas cidades: Erechim, Iraí e Santa Rosa. Minha mãe tem
uma prima que mora em Erechim. Aqui em SC conheço umas
doze cidades, pertinho da minha. Cito três como exemplo: Rio
Negrinho, Joinville e Timbó".
        6. Comovi-me muito do seu relato sobre sua primeira
namorada. Eu cheguei a "ficar" só uma vez com um garoto dos
meus tempos de ensino médio. Eu tinha algumas espinhas e
uns quilinhos a mais. Ele, conheceu uma moça mais velha que
eu e até mais bonita. Mas depois foi ficando com outras... um
grande galinhão! Ele, o José Alcides, sumiu daqui. Dizem que
foi a Florianópolis trabalhar como confeiteiro de restaurante.
        Nunca mais namorei ninguém pois me frustrei. Decidi
esperar para ver o que o tempo irá decidir. E descobri que amo
escrever cartas...
        7. Sou filha única. Mas não era para ser. Verônica, nas-
cida quatro anos mais tarde que eu, faleceu de uma doença
rara após o nascimento, que lhe atrofiou o sistema nervoso e
imunológico. Viveu entre nós por apenas dois anos... Ela tinha
os olhos azuis mais lindos que eu já vira em minha vida! Era
inteligentíssima! Aos nove meses de vida já arriscava em ler as
palavras grandes nas capas de revistas e jornais e isso
chamava atenção das pessoas.
        8. Sou frontalmente contra os vícios do fumo e do ál-
cool. Em meu aniversário só consumo refrigerante e veja lá.
53


Cerveja é bom, mas devemos nos cuidar acima de tudo. Meu
pai adora cerveja mas ele exemplifica tomando raríssimas ve-
zes.
       9. A princípio, minha família é de religião ortodoxa, tais
como meus avós e antepassados que vieram da Romênia. Já li
uns romances espíritas e achei bem interessantes. Eu tive um
livro há muito tempo atrás: "Nosso Lar", do Chico Xavier e tudo
indica que ele está em tuas mãos agora!! Por acaso ele não
tem uma frase mais ou menos assim: "Fé raciocinada é a
integral aceitação da nossa condição, na Natureza"? O menino
que tentei namorar furtou-me o livro depois que emprestei para
ele na época que o danado sumiu para a capital e não mais
voltou. Como foi parar aí o livro??
       Bem, conforta-me a possibilidade de voltarmos, pela re-
encarnação, para termos novas chances, novas possibilidades,
novas tentativas.
       Nunca tinha pensado sobre isso e comecei a refletir.
Tomara que seja possível e real, porque nossa vida é pequena
demais para tantos aperfeiçoamentos, responsabilidades e ro-
deios. Li um livro lindíssimo estes dias: "Violetas na janela".
Você já o leu? Espero que ocorra de verdade aquela passa-
gem após a morte. A vida eterna não pode ser assim triste e
sem esperança no horizonte conforme dizem os cristãos tradi-
cionais. A fé inteligente deveria se sobrepor à fé burra. Infeliz-
mente isso não ocorre entre os fiéis.
       10. Minha cidade? É bem pequena, 4500 habitantes,
montanhosa, no topo da Serra do Contestado (885m acima do
nível do mar), faz um frio danado nos meses de inverno e no
verão nunca subiu dos 260 C. Mas é bonita: Cuidada, canteiros
floridos, casas enfeitadas com flores, tinta nova, essas coisas.
A prefeitura dá imenso valor à preservação, tanto, que o ria-
chinho que passa no centro não é poluído e as crianças pes-
cam lambaris! Temos o Festival das Flores e Doces, que
54


dura seis dias e tem até bailes, festas e divertimento noturno.
A paisagem aqui é muito bonita, produz-se trigo, centeio, fumo,
soja, milho, amendoim e alho. Tem duas vinícolas famosas:
São Valentim e Sangue da Serra. As vindimas são enormes.
Os vinhos, deliciosos. Quase todo mundo conhece todo mun-
do. O prefeito joga baralho com meu pai e saem até para caçar
lebre juntos. Aliás, lebres por aqui é o que não falta.
        Moramos a 5km do centro. A cidade é uma paz que
dói... O último e único homicídio ocorreu em 1982. Disputa de
terras entre pai e filho...
        OBS: A Avenida principal: São Gotardo, concentra a
prefeitura, a câmara de vereadores e todas as lojas da cidade.
E ainda possui imbiras e carvalhos de mais de 200 anos!

       Obrigada pelos teus elogios, meu querido kevinho! são
tantos... obrigada por confiar em mim. Nunca pensei que al-
guém me achasse carinhosa. Será que sou? Bem... gostaria
de que você me conhecesse e experimentasse minha persona-
lidade para realmente comprovar. Eu adoraria ser carinhosa
com alguém que mereça meu coração. Será este alguém vo-
cê? Eu queria que fosse... (fiquei vermelhinha...). Eu queria te
conhecer e te abraçar, Kevinho...
       Quanto ao xadrez, aceito as aulas, mas não sei onde
conseguir um tabuleiro com as peças. Os bazares daqui não
tem muita variedade mas irei tentar e estarei pronta para a pri-
meira aula. Você é sim... um gênio! Um cientista! Te considero
um menino muito devotado à cultura, aos estudos, ao futuro...
       Por favor, se não for abusar da tua vontade, você des-
cobriria um livro para mim? Trata-se do "Dendrologia das Pteri-
dófitas". Aqui não existe, nem em lugar nenhum que eu co-
nheça. Esqueci até o autor. Diga-me o preço do xerox que eu
te enviarei, certo? Seria um favor e tanto...
       Não vejo a hora de começar o meu estágio supervisio-
55


nado no Colégio Cristo Rei. Adoro dar aulas! Vou te ligar daqui
a uma semana, aguarde...
        Quanto ao meu tratamento médico, o laboratório ainda
não liberou os resultados por que os exames vão a Florianópo-
lis e demoram semanas para virem. Mas é coisa pequena. O
preço dos medicamentos é que me preocupam. Provavelmente
eu terei que depurar o sangue com remédios. Mas está tudo
bem; não sinto nada de errado.
        Quanto ao meu menino, cuide para que não fique mais
dodói... já que estou longe de ti, peço-te para que te cuides...
Você é meu poeta!
        Bem, quanto ao sonho que tivemos, temos que estudar
melhor o caso para não nos precipitarmos em conclusões. Foi
estranho, de fato. Naquela noite eu adormeci pensando em ti e
provavelmente nos aproximamos espiritualmente. Pelo que po-
demos ver, Deus é muito mais do que aquilo que supunha-
mos. O amor vence barreiras e quanto à espiritualidade, minha
intuição me diz que devemos aprender muitas coisas indepen-
dentemente da nossa crença ou religião. Algo me diz que nos-
sa vida material é ilusão e que a espiritual é verdadeira.
        Procurarei na biblioteca da minha faculdade ou na bib-
lioteca da nossa igreja ortodoxa alguma coisa sobre o assunto
e te direi o que descobri.
        Se você quiser vir me ver, fique a vontade. Avise-me,
para que possamos ver se o tempo e a ocasião sejam opor-
tunos para mim e para você. A propósito, qual é tua data de
aniversário? A minha foi 12 de Junho. Fiz 26 anos.
        Aguardo tua cartinha, meu anjo amado, hoje e sempre.
Beijinhos doces de chocolate. Já estou com saudade, querido.
        Da tua discípula espiritual: Daiana."
56


      CAPÍTULO 07

        De tudo o que li na carta, Daiana demonstrou-me ser
uma moça muito segura de si, confiante na sua intuição e nas
coisas que lê e descobre, além de ser excepcionalmente sim-
ples e ter convicta franqueza. Qualidades raras em um ser-
humano. Mas o que me deixou triste foi de eu ter perdido o ani-
versário dela sem enviar nada. Em parte, foi bom, por que evi-
tou precipitações de minha pessoa, mas quando ela afirmou
que seu aniversário fora em 12 de Junho, dia dos namorados...
daí sim meu coração inquietou-se... mas o jeito era dar tempo
ao tempo e ver as coisas amadurecerem devagar. Eu estava
esperançoso de namorá-la, mas como? Nossas cidades se-
paravam-se a uma distância de 685km aproximadamente.
        Eu nunca tinha conhecido alguém de descendência ro-
mena no Brasil. Há pouco tempo descobri, por pesquisas na
internet, que os romenos vieram junto com os alemães e ita-
lianos no século XIX, de 1850 a 1870, na mão-de-obra agrícola
que o Brasil tanto precisava.
        Agora, se Nova Romênia da Serra fora fundada só por
eles, isso seria uma novidade para mim, por que a maior parte
das cidades no Sul do Brasil foram fundadas por italianos, ale-
mães, poloneses ou russos, mas romenos era algo que eu
nunca imaginaria. Eu entusiasmava-me com a História da imi-
gração no Brasil e vez por outra, dava uma olhadinha na Inter-
net a respeito da Romênia.
        E o que descobri me fascinou:
        Terra do Imperador Vlad, o Drácula, que sacrificava
pessoas e animais para banhar-se em sangue, há mais ou
menos 700 anos atrás. Terra tembém das últimas florestas
intocadas da Europa, de inúmeras grutas e cavernas e de uma
fauna fascinante. Ali, parte do povo europeu ainda vive nas ati-
vidades agropastoris mais ou menos como a Europa era antes
57


da revolução Industrial. E as mulheres... são lindas, na Romê-
nia!
       Deduzi que as leis ambientais por lá são rigorosíssimas
tal é a beleza do país em se tratando de florestas, montanhas
e animais.
       Mas a realidade cotidiana me voltou quando o telefone
tocou.
       - Alô?
       - Kevin?
       - Sim!
       - Aqui é a Patrícia, presidente do Chico Xavier com a
boa notícia...
       - E qual?
       - Consegui o espaço físico para você montar a sala dos
computadores para as crianças...
       Do outro lado, quase explodi de alegria...
       - Tá brincando???
       - Não. É sério, você já pode desencaixotar os micros do-
ados e começar a instalar...
       - Neste sábado?
       - Pode ser!
       - Patrícia! Muito obrigado!! Não tenho palavras! Sábado
às 14h estarei aí.
       - Feito. Até lá e um abraço!

        A notícia, para mim, fora espetacular. O que me preocu-
pava era o fato das pessoas, e muitas, doarem computadores
em excesso, obsoletos para elas, e me faltar espaço para tra-
balhar, mas eu usei a cabeça...
        No sábado marcado, já na segunda metade de julho, lá
fui eu com uma pendenga de coisas na minha mochila e na bi-
cicleta: um soldador de estanho, um jogo de sete chaves-
phillips, cinco de chaves-de-boca e oito chaves-estrela, além
58


de um potinho entupido de parafusos pequenos de todos os ta-
manhos, alguns mouses, extensão elétrica, pilhas-de-BIOS e
por aí foi...
       Entusiasmado, nem olhei a palestra da tarde e me perdi
no tempo... Dos quinze gabinetes doados, dois tornaram-se
inúteis e deixei seis funcionando, prontos para receber o Win-
dows. O chato foi os estabilizadores. Dos dez, um apenas con-
tava com o fusível bom, os demais com os fusíveis queimados.
No domingo seguinte eu já tinha tirado as cópias das chaves-
de-acesso ao prédio e recomecei... só terminei à noite, sem
cessar e nem a chuva que começou a cair às quatro da tarde
me desanimou.
       A sorte é que o vizinho da frente da Sociedade Chico
Xavier tinha sete fusíveis e deixei sete dos nove esta-
bilizadores inoperantes funcionando. Seu Aldo Corrêa ainda
me cedeu três teclados, três mouses e quatro caixas de dis-
quetes de 1.44Mb. Abracei-o tal a generosidade do coração e
continuei meu trabalho, tapado de poeira e óxidos de ferrugem
impregnados nas mãos.
       Na hora de voltar, e o fiz às 8h da noite, onze com-
putadores estavam com o Windows e um com placa-mãe pi-
fada. Voltei para casa e na semana entrante providenciei os
fusíveis faltantes, alguns mouses, drives de CD, Hub de rede e
placas de rede. No finalzinho de julho eu já estava com o
laboratório quase pronto, com suas mesas e cadeiras. Ainda
me faltavam os cabos de rede que, pacientemente, medi as
distâncias dos gabinetes até a hub, na parede, para provi-
denciar.
       A sala para mim cedida possuía uma área de 40m2 ,
tinha prateleiras e uma mesa da qual era a "mesa de cirurgia"
dos computadores. Já em agosto, com a retomada das aulas
no IFF, eu já estava com tudo pronto para começar com as
crianças matriculadas no Xico Xavier. Onze crianças pobres
59


cujos olhinhos brilhavam de contentamento. Comecei em uma
segunda-feira, distribuindo doces, lápis, borrachas, cadernos e
apontadores para eles.
        Minhas sextas-feiras eram quase livres, apenas com Fí-
sica Quântica às 8h da manhã. As demais disciplinas que me
matriculei eram nas terças e quintas. Sexta-feira de tarde era
meu dia sagrado para com as crianças pobres. Eu ensinava
noções triviais e elementares de datilografia e introdução ao
Windows. Pacientemente resolvia as dúvidas dos pequenos e
os fazia rir muito às vezes.
        Como fora gostosa esta partilha de existências! Porém
às vezes, o destino nos testa os parâmetros do amor e do
sofrimento. No meio de Agosto um dos meus alunos, o Amauri,
de apenas 11 anos, falece, vítima do HIV que possuía.
        Naquele dia fomos ao velório, mas fiquei por 10
minutos; os demais de minha classe de alunos ficaram. Tive
que correr para a aula de "Metodologia de Cálculo Com-
putacional". No mesmo sábado da semana corrente, o tema na
palestra espírita no Chico Xavier fora justamente sobre a Es-
piritualidade e as Doenças Incuráveis.
        Ao chegar em casa, por volta das 9h da noite, exausto,
vi o que parecia o vulto de um gato branco pular a grade do
jardim da frente. Ele parou, me olhou por dois segundos e
sumiu na folhagem das hortências. Verifiquei cada arbusto e
nada... O bicho evaporara como que por encanto. Ele não es-
tava onde deveria estar!!
        Entrando na cozinha, com fome de cão, minha mãe co-
mentou:
        - Kevin, Daiana te ligou...
        Após ouvir isso, meu coração parou... eu não acreditei!
        - A que horas? (quase gaguejando...)
        - Foi às oito. Ela disse que tentará te ligar às dez...
        - Ai! Puxa vida!!! Terei que tomar um banho rápido, co-
60


mer algo e esperar...
        Foi o que eu fiz. Às nove e cinquenta o telefone toca e
eu vôo em direção a ele:
        - Alô?
        - Oi? O Kevin, por favor?
        - E... ele! (quase gaguejando...)
        - Oi meu amor?
        - Daiana!!!! Que alegria!!! Não acredito, Deus!
        - Tudo bem contigo, meu querido?
        - Agora mil vezes mais! Estou ouvindo a tua voz! E con-
tigo, princesa do Universo?
        - Nem tanto.
        - Uai! O que houve desta vez, doçura?
        - Branquinho morreu atropelado anteontem. Era meu
único gatinho de estimação. Ele se meteu em um buraco entre
duas pedras para caçar um ratinho, em meio à nossa estrada
municipal. Daí veio uma patrola da prefeitura para começar a
terraplanagem, a lâmina passou em cima das duas pedras e
ele morreu esmagado. Chorei o dia todo. Ainda choro. Ele fal-
tava falar.
        - Ele era todo branco?????
        - Sim. Como uma bolinha de neve... e adorava se es-
conder em arbustos ralos.
        Naquele instante um arrepio me percorreu a espinha da
cabeça aos pés, me dando uma sensação de gelo até no co-
ração.
        - Daiana! Nossa! Ahh meu Deus! Ontem vi um vulto de
um gato branco como se pulasse a grade de nosso jardim na
frente. Ele me olhou rapidamente e se evaporou próximo a um
arbusto de hortências. Fui lá verificar para ver se ele con-
tinuaria a fugir se me visse, com o barulho típico da folhagem
de arbustos... mas ele não estava lá!!!!!
        - Aconteceu de novo então?
61


       - Sim! De novo... os animais são seres espirituais como
nós!
       - Eu queria muito que isso não fosse simplesmente uma
frase de consolo ou de auto-ajuda, Kevinho...
       - Daianinha: A medida que nossa educação moral e
nossa integridade de caráter se aprimora, o que é místico
passa a ser oficialmente científico. Creio em Deus que fez as
criaturas, mas não no deus fajuto que o homem fez.
       - Você é um amor, meu coração. Estou me sentindo
melhor agora... Só você mesmo para voltar a me fazer sorrir.
       - E teus exames médicos?
       - Chegarão amanhã. Terei que retirá-los. Senti uma dor
estranha na altura do baço e do fígado. Não sei explicar.
       - Estou preocupado, Daiana!! Ai...
       - Calma. Vai dar tudo certo. Segunda feira tenho exame
geral marcado, de sangue e de amostras de urina e fezes.
       Agora a boa notícia: Meus pais compraram nosso tele-
fone, anote: 42 3006 6005. Pegou?
       - Que alegria!!! Anotei! Vou te ligar aos domingos, ser-
ve?
       - Amanhã?
       - Sim! À noite?
       - Tudo bem.
       - Que alegria Daiana!!! Teu gatinho não sofre mais...
não fique triste! Com o tempo, você conseguirá outro filhoti-
nho...
       - Igual ao Branquinho vai ser difícil...
       - Otimismo, menina! Força! És fortíssima, mais do que
eu com certeza!
       - Certo! Você não existe! Teu dia foi bom?
       - Terminei a construção do laboratório de informática
das crianças no Chico Xavier e dois dias depois um dos meus
alunos falece de HIV. Fiquei tão triste...
62


       - Mas precisamos ser fortes. Somos imortais.
       - Sim, Daianinha, e você é minha força, minha esperan-
ça! E o teu dia?
       - Ajudei a mãe hoje. A clientela dos doces e dos cortes
de cabelo disparou e eu tive que botar a mão na massa...
       - E as aulas?
       - Matriculei-me em quatro disciplinas apenas. Ainda bem
que não repeti nenhuma. A mais importante é sobre a Dendro-
logia das Pteridófitas. Base para as gimnospermas, depois.
       - Claro! Teu livro! Consegui um usado, serve?
       - Sim! Sério mesmo?
       - Te mandarei por sedex.
       - Quanto custa?
       - Vamos ver... a calculadora... hãhã... aqui.
       - Quanto?
       - Nada. É de grátis!
       - Kevinho, seu sapeca!
       - É presente de aniversário atrasado. Já era tarde quan-
do tomei conhecimento. Mas te devo outro ainda e irei mandar.
       - Dois? Como assim?
       - Sim: Por ser teu aniversário e... pelo doze de junho. (fi-
quei absolutamente vermelho).
       - Ahhh... namorados!!! Que doce!!! Você me namoraria,
Kevin?
       - (engoli seco e... quase gaguejando, tasquei) Sim!
       - Eu também, Kevin!
       (segundos de silêncio... que pareceram mil anos)
       - Aguarde os presentes, minha namorada... Você é tudo
de bom!!!
       - Sim, meu doce amado e querido! Quero te ver pes-
soalmente! És lindo!
       (Mais um pouco daqueles segundos-mil-anos)
       - Puxa! Obrigado! Quero te amar!
63


      - Qual a data do teu aniversário?
      - Dezoito de dezembro... tá longe...
      - Não vou esquecer mais! Tenha uma boa noite, meu
gatinho amado! Sonharei contigo.
      - Boa noite, doce dos doces! Anjo mil anos a frente da
Humanidade! Nunca hei de esquecer tuas palavras e voz! És
Deus! Beijos!
      - Beijos e até amanhã.
64


      CAPÍTULO 08

       A ligação de Daiana encheu-me de energia, disposição
e alegria. Mas o que me embatucava eram as coisas que ocor-
riam no decorrer do tempo. Novamente presenciei uma
materialização espiritual? O gato de estimação dela havia mor-
rido e um dia depois eis que um gato exatamente igual aparece
em nosso jardim. Nossa vizinhança não possui gatos brancos,
a não ser de raça, como ciameses, persas e birmaneses, mas
nenhum gato comum branco!
       Ao dormir, naquela noite, sonhei primeiramente que
Amauri, meu ex-aluno falecido, veio a mim e me disse: "Estou
bem, sem dores como antes e aqui onde estou há compu-
tadores e estou aprendendo! Obrigado, professor, pelo teu
amor e pelos doces! Nunca vou te esquecer!"
       Acordei às 2h da manhã, com o coração aos pulos! To-
mei água com açúcar e voltei a dormir... e no segundo sonho,
veio-me Daiana!! Não foi nada bom. Ela encontrava-se eferma
sob um leito hospitalar. Todo o ambiente era branco e límpido,
mas ela sofria com dores. E ela me disse: "Não se preocupe.
Sofro mas as dores se irão. O amor legítimo é eterno e é para
sempre. E é isto que eu sinto por ti".

        Eram 6h 30min da manhã. Eu repensava os sonhos com
meu aluno falecido e com Daiana. Apesar de ser domingo de
sol, fui reparar o que faltava no Laboratório do Chico Xavier.
Durante a configuração via CD de drivers de quatro placas de
rede faltantes, senti que alguém estava me observando e virei-
me. Nada vi. Ao concluir a instalação, senti a mesma sensa-
ção. Nada via. Procurava pelo CD no 3 dos drivers de placas
de rede... saco! Cadê ele?? Já nervoso pois era quase meio-
dia, alguém ao meu lado sussurrou: "- Está na mochilinha da
bicicleta, professor."
65


       Ao verificar, lá estava ele: "KEVIN DRIVERS LAN ETH0
CD 03". Em dez minutos terminei o que faltava do serviço...
       À tarde daquele dia, peguei uma sessão no planetário.
Havia tempos que eu não ia. A sessão, intitulada "Urânia", fora
baseada em um livro de Camille Flammarion. Urânia, a per-
sonagem central da viagem artificial, levou o público pelos pla-
netas do sistema solar e por outros planetas situados em ou-
tras estrelas. Explicou o Universo, a vida e a importância do
progresso da humanidade.
       Urânia, em suas características tais como feitas no Pla-
netário, lembraram-me, pela incrível semelhança, Daiana. Saí
do Planetário com os olhos estufados e a saudade, em meio
ao perfume das plantas circundantes ao prédio do Planetário,
entrava em meu espírito furiosamente...
       À noite, liguei para ela:
       - Boa noite?
       - Boa noite! Pois não? (era voz de um homem)
       - É o Sr. Cesarino?
       - Ele mesmo! Quem é?
       - É o Kevin, do Rio Grande do Sul. A Daiana está, por
favor?
       - Ela acabou de sair do banho. Você espera?
       - Sim! O senhor está bem?
       - Claro, sim, e você?
       - Melhor que isso não tem graça!
       (Ele do outro lado riu...)
       - Um abraço ao senhor.
       - Outro, querido.
       (Mudou-se o atendente...)
       - Oi?
       - Da...ia...na! A maior mulher do Universo!!! A Luz das
galáxias!
       - Seu exageradinho... tudo bem contigo?
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração
A força que verte do coração

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados (19)

Dias de outono
Dias de outonoDias de outono
Dias de outono
 
Macn062
Macn062Macn062
Macn062
 
Cubas
CubasCubas
Cubas
 
Missao impossivel e-book
Missao impossivel e-book Missao impossivel e-book
Missao impossivel e-book
 
115
115115
115
 
Machado de assis frei simão
Machado de assis   frei simãoMachado de assis   frei simão
Machado de assis frei simão
 
Agarotadopenhasco trecho
Agarotadopenhasco trechoAgarotadopenhasco trecho
Agarotadopenhasco trecho
 
Esau e jaco
Esau e jacoEsau e jaco
Esau e jaco
 
Os 100 Contos de Reis - livro 5
Os 100 Contos de Reis - livro 5  Os 100 Contos de Reis - livro 5
Os 100 Contos de Reis - livro 5
 
Ideias do canario
Ideias do canarioIdeias do canario
Ideias do canario
 
LpdfMissao impossivel
LpdfMissao impossivelLpdfMissao impossivel
LpdfMissao impossivel
 
Popopooo
PopopoooPopopooo
Popopooo
 
A pequena flor do campo
A pequena flor do campoA pequena flor do campo
A pequena flor do campo
 
Memorias postumas de bras cubas
Memorias postumas de bras cubasMemorias postumas de bras cubas
Memorias postumas de bras cubas
 
Livro Sexo e Destino Cap.7
Livro Sexo e Destino Cap.7Livro Sexo e Destino Cap.7
Livro Sexo e Destino Cap.7
 
Série contos 2010 (vampire)
Série contos 2010 (vampire)Série contos 2010 (vampire)
Série contos 2010 (vampire)
 
A Lenda do Conde Drácula pdf
A Lenda do Conde Drácula pdfA Lenda do Conde Drácula pdf
A Lenda do Conde Drácula pdf
 
O espelho
O espelhoO espelho
O espelho
 
19 quando felisberto voltou
19   quando felisberto voltou19   quando felisberto voltou
19 quando felisberto voltou
 

Semelhante a A força que verte do coração

Diário de Kassandra: a marca da bruxa
Diário de Kassandra:  a marca da bruxaDiário de Kassandra:  a marca da bruxa
Diário de Kassandra: a marca da bruxaRaquel Alves
 
A ceia-dos-mortos-salma-ferraz
A ceia-dos-mortos-salma-ferrazA ceia-dos-mortos-salma-ferraz
A ceia-dos-mortos-salma-ferrazLRede
 
livro gay-Enquanto-eu-não-te-encontro.pdf
livro gay-Enquanto-eu-não-te-encontro.pdflivro gay-Enquanto-eu-não-te-encontro.pdf
livro gay-Enquanto-eu-não-te-encontro.pdfAlissonDeLimaPadilha
 
Suplemento acre 0011 e book
Suplemento acre 0011 e book Suplemento acre 0011 e book
Suplemento acre 0011 e book AMEOPOEMA Editora
 
O natal das bruxas
O natal das bruxasO natal das bruxas
O natal das bruxasFatimapedro
 
Prova 2010 uerj portugues e literatura brasileira
Prova 2010 uerj portugues e literatura brasileiraProva 2010 uerj portugues e literatura brasileira
Prova 2010 uerj portugues e literatura brasileiracavip
 
CHAGAS CRÔNICAS DAS ALMAS
CHAGAS CRÔNICAS DAS ALMASCHAGAS CRÔNICAS DAS ALMAS
CHAGAS CRÔNICAS DAS ALMASThemistocles Sn
 
DUAS HORAS MUITO LOUCAS I
DUAS HORAS MUITO LOUCAS IDUAS HORAS MUITO LOUCAS I
DUAS HORAS MUITO LOUCAS IWendell Santos
 
Paciencia
Paciencia Paciencia
Paciencia Marcos M
 
Paciencia
PacienciaPaciencia
PacienciaJNR
 
Tabacaria - Álvaro de Campos
Tabacaria - Álvaro de CamposTabacaria - Álvaro de Campos
Tabacaria - Álvaro de CamposAMLDRP
 

Semelhante a A força que verte do coração (20)

Diário de Kassandra: a marca da bruxa
Diário de Kassandra:  a marca da bruxaDiário de Kassandra:  a marca da bruxa
Diário de Kassandra: a marca da bruxa
 
A ceia-dos-mortos-salma-ferraz
A ceia-dos-mortos-salma-ferrazA ceia-dos-mortos-salma-ferraz
A ceia-dos-mortos-salma-ferraz
 
livro gay-Enquanto-eu-não-te-encontro.pdf
livro gay-Enquanto-eu-não-te-encontro.pdflivro gay-Enquanto-eu-não-te-encontro.pdf
livro gay-Enquanto-eu-não-te-encontro.pdf
 
A+redação+ +o+game
A+redação+ +o+gameA+redação+ +o+game
A+redação+ +o+game
 
Suplemento acre 0011 e book
Suplemento acre 0011 e book Suplemento acre 0011 e book
Suplemento acre 0011 e book
 
O natal das bruxas
O natal das bruxasO natal das bruxas
O natal das bruxas
 
Prova 2010 uerj portugues e literatura brasileira
Prova 2010 uerj portugues e literatura brasileiraProva 2010 uerj portugues e literatura brasileira
Prova 2010 uerj portugues e literatura brasileira
 
CHAGAS CRÔNICAS DAS ALMAS
CHAGAS CRÔNICAS DAS ALMASCHAGAS CRÔNICAS DAS ALMAS
CHAGAS CRÔNICAS DAS ALMAS
 
DUAS HORAS MUITO LOUCAS I
DUAS HORAS MUITO LOUCAS IDUAS HORAS MUITO LOUCAS I
DUAS HORAS MUITO LOUCAS I
 
André breton
André bretonAndré breton
André breton
 
Machado de assis idéias do canário
Machado de assis   idéias do canárioMachado de assis   idéias do canário
Machado de assis idéias do canário
 
Paciencia
PacienciaPaciencia
Paciencia
 
Paciencia
PacienciaPaciencia
Paciencia
 
Paciencia
Paciencia Paciencia
Paciencia
 
Paciencia som
Paciencia somPaciencia som
Paciencia som
 
Paciencia
PacienciaPaciencia
Paciencia
 
Paciencia som
Paciencia somPaciencia som
Paciencia som
 
Zeli pausa
Zeli pausaZeli pausa
Zeli pausa
 
Eclipse
EclipseEclipse
Eclipse
 
Tabacaria - Álvaro de Campos
Tabacaria - Álvaro de CamposTabacaria - Álvaro de Campos
Tabacaria - Álvaro de Campos
 

A força que verte do coração

  • 1. A FORÇA QUE VERTE DO CORAÇÃO O/<6/8 I63D+8.<9 F+>3=>+ A história de duas almas gêmeas que se redescobrem e que passarão pela dura prova do amor eterno (Livro do tipo "open e-book. Concedido à publicação na internet, desde que os direitos autorais e a integridade do texto sejam preservados")
  • 2. A FORÇA QUE VERTE DO CORAÇÃO O/<6/8 I63D+8.<9 F+>3=>+ Ainda não impresso em celulose. Santa Maria, RS, 2010
  • 3. Título Original no Brasil: "A Força que Verte do Coração" © Copyright 2010 Kerlen Elizandro Batista Direitos Autorais Reservados. É proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma ou por qualquer meio, salvo com autorização expressa do autor. (Lei no 9610, de 19 de Fevereiro de 1998.) _____________________________________________________________ Batista, Kerlen Elizandro. A Força que Verte do Coração - Idioma original: Português do Brasil segundo as normas da ABNT e da Nova Reforma Ortográfica de 1998 em vigor. 1. Auto-ajuda. 2. Romance de ficção dramática. 3. Noções de Espiritismo. 4. Mensagens de Esperança. 5. Baseado em Fato Verídico. 6. Espiritualidade e Espiritismo. 7. Almas Gêmeas. 8. Romênia. 9. Cartas Escritas. 10. Força e Coração. 11. Além-Túmulo. _____________________________________________________________ Índice para Catálogo Sistemático: 1. A Força que Verte do Coração: Esperança; Amor; Almas Gemeas 1a Edição
  • 4. Dedico esta obra a uma bonita prática que, infelizmente, se perdeu, devido à nossa desconfiança ao próximo e ao nosso comodismo sedentário
  • 5. ÍNDICE PRÓLOGO ............................................................................... 6 CAPÍTULO 01 .......................................................................... 8 CAPÍTULO 02 .........................................................................15 CAPÍTULO 03 ........................................................................ 20 CAPÍTULO 04 ........................................................................ 25 CAPÍTULO 05 ........................................................................ 30 CAPÍTULO 06 ........................................................................ 37 CAPÍTULO 07 ........................................................................ 56 CAPÍTULO 08 ........................................................................ 64 CAPÍTULO 09 ........................................................................ 68 CAPÍTULO 10 ........................................................................ 77 CAPÍTULO 11 ........................................................................ 91 CAPÍTULO 12 ........................................................................ 99 CAPÍTULO 13 ...................................................................... 116 CAPÍTULO 14 ...................................................................... 123 CAPÍTULO 15 ...................................................................... 136 CAPÍTULO 16 ...................................................................... 144 CAPÍTULO 17 ...................................................................... 153 CAPÍTULO 18 ...................................................................... 170 EPÍLOGO ............................................................................. 178
  • 6. 6 PRÓLOGO Não sou talentoso, tampouco consagrado literariamente e nem ambiciono ser rico escrevendo livros. Todavia há algo que pulula em nossa consciência de vez em quando. E temos que tomar uma atitude... É como se algo nos chamasse. A história (ou, conforme alguns queiram, "Estória") que trato aqui respeita profundamente alguma coincidência que porventura poderá ocorrer com alguma família, região geo- gráfica, situação social ou ainda coincidência com algum outro romance, publicado em algum lugar. Inspirei-me com parciali- dade, à cidade onde nasci, Santa Maria/RS, e à Santa Cata- rina, estado em que sempre sonhei residir. O que eu quero transmitir é uma bonita mensagem, tal- vez uma resposta àlgumas mentes ainda irrequietas: Há real- mente uma justiça divina? O que Deus tem nos a dizer sobre a vida? Precisamos nos unir sob uma mesma senda de fé e crença, sem discordâncias, sem vaidades, sem ódio, sem ego- ísmo, sem ganância e sem falta de fé? Será que aceitamos todas as leis naturais que nos é inevitavelmente configurada? Quanto aos nomes e situações geo-sociais, fiz o que pude para maximizar a intenção de romance-ficção dramático. Baseei-me em um contexto que aconteceu com a vida real de uma pessoa que conheci (preservarei a identidade) e que ago- ra está na Espiritualidade. Espero que coincidências não exis- tam aqui, para este caso. Quero, outrossim, ser responsabiliza- do por uma contribuição à uma pequena parcela de percenta- gem, para mais, de pessoas neste país, que despertem para a delícia da leitura e da não-fronteira ao acesso às letras e à cul- tura nas supermassas.
  • 7. 7 Se o amigo leitor quer dizer algo, entre em contato co- migo por e-mail. Eu adoraria ler qualquer coisa, em se tratando de opinião, a respeito deste romance. Se ele sobreviveu com bravura à entrada na lista dos piores, então é sinal que resisti. Muito obrigado, querido leitor. Divirta-se. kerlen@zipmail.com.br
  • 8. 8 CAPÍTULO 01 O céu, acima de mim, rugia! Apesar do frio de seis graus centígrados, aqui em Santa Madalena, no extremo-sul do Brasil, a previsão afirmava granizo e mais queda de tem- peratura. O Carlos tinha me ligado para tomarmos chimarrão e fa- zermos uma autêntica galinhada crioula ao fogão-de-barro, mas acontece que dos meus dois pares de tênis disponíveis, um estava completamente encharcado, da chuva. O outro, mais novo, aguardava o retorno à sala-de-aula que me prome- tia em 22 de Abril. - Kevin! Venha cá me fazer um favor. - Fala, mãe. - Vai lá no mercado me comprar farinha de milho. Vou fazer uma polenta amanhã, mas amanhã é feriado de Tiraden- tes e acho que tudo vai estar fechado. - Onde tá o meu guarda-chuva? - Lá com teu pai, pega lá. Meu pai tinha a árdua mania de pegar qualquer guarda- chuva da despensa e ir até seu galpão para fumar. Em seus 70 anos de idade não distinguia, não sei se de propósito, qual era o seu guarda-chuva dos demais. Mas a droga é que faltavam vinte minutos para o mercado fechar e meu computador tinha vírus até no fio da tomada; probleminha técnico este que eu ti- nha que sanar até terça-feira, dia 22, para conseguir imprimir cerca de cento e trinta e quatro páginas de artigos para meus alunos do ensino médio do estágio supervisionado. - Pai? O guarda-chuva, por favor? - Esse é teu? (Ele fazia uma cara de inocente para ter a esperança de eu levar o dele, que eu nem sabia onde tinha ido parar...)
  • 9. 9 - Claro que sim! - Ah tá! O meu eu esqueci... foi lá no Vargas. É que ontem saiu um sol e eu esqueci ele! - Preciso ir no mercado, quer alguma coisa? - Me traz veneno pra mosquitos. Noite passada foi um nojo! Entrou tanto mosquito no meu quarto que fiquei quase louco. Bem... abaixo de uma grossa chuva com o céu rugindo em minha cabeça, cheguei ao mercado encharcado da cintura para baixo. É como se São Pedro achasse o guarda-chuvas um invento humano irrelevante ou... ou ele não ia com minha cara. No meu retorno, o Carlos me encontra. - Ô, bagual? Vamos fazer a galinhada? - Carlos, teremos que adiar. O céu vai desabar mais água aí em cima, meu computador tá entupido de vírus e te- nho um cliente para formatar o disco rígido e instalar o Win- dows. Preferencialmente dia 29, que recebo aquele baita sa- lário de professor estadual. Daí as peças do frango é por mi- nha conta. Mas tu paga a cerveja hein? Rimos... - Parece que o Valdemar irá jantar com a gente. Mas é preferível adiar-se a galinhada. Este tempo não está para brin- cadeira! Olha só os relâmpagos, meu Jesus! Tu vai pra casa? - Vou passar ali na banca para ver se chegou uma revis- ta que aguardo. Dali vou embora. - Se vemos dia 29 então? - Com certeza! Vai pela sombra, Carlos. Ele riu de novo... - Até breve... - Ihhh, parece que o cara aquele mandou fabricar a fa-
  • 10. 10 rinha antes de empacotar? - Mãe, por favor! As filas eram grandes, encontrei o Car- los na faixa e passei na banca da locadora. O que é que tu quer mais? - Tu vai tomar banho agora? - Sim! E Eu me viro com a janta, Pode ir dormir. - Vê se tu fica com a roupa molhada e amanhã terei que te levar pro hospital. Minha mãe é assim mesmo: Costureira desde tenra adolescência, gostava de contestar algumas decisões minhas. Como eu sou portador de rinite alérgica, ela adorava me lem- brar que amanheceria de nariz congestionado e com forte tosse, se porventura ficasse com a roupa molhada no corpo por mais de meia hora. Naquela manhã de sábado de Tiradentes, o Sol apare- cia tímido por entre as nuvens ainda ameaçadoras. A parte mais difícil foi ter coragem de tomar banho a uma temperatura de dois graus celsius... Eu tinha muito o que fazer: Defenestrar cerca de uns quarenta vírus no bendito computador que tei- mava em travar, trocar minha roupa de cama, imprimir as cento e trinta e quatro páginas divididas em uns nove artigos para minhas turmas, ressarcir o sistema operacional do computador de uma loja de automóveis usados na esquina da minha rua com a rodovia e... uma outra coisa... ahh sim: dar uma olhada em uma página de interesse em uma revista que me chamou atenção e que comprei na video locadora, embora o assunto predominante nela não fosse de minha alçada. E lá fui eu pro batente. - Kevin? Ih, era o Velho meu pai... - O que é?
  • 11. 11 - Dá uma olhada aqui nesta caderneta, vê se tu encon- tra o telefone da minha irmã Erotides... Meu pai, o Sr Luiz, nos seus 70 anos, tinha tracoma pro- fundo, consequência de uma diabetes crônica que lhe tirou o brilho dos olhos aos 60 anos. Precisava da ajuda constante de alguém para procurar alguma coisa e isso, quase diariamente, envolvia acima de tudo, futilidades bobas que quase sempre terminavam em discussão. - Do geito que esta caderneta está... o senhor terá que esperar uns dez minutos... - Então deixa... é para isso que se cria os filhos... para não fazerem nada pela gente... Tomou bruscamente a caderneta de minha mão e foi ao seu galpão. Ele era assim mesmo. Eu me conformava por ele ser doente, bem "fora da casinha". Odiado pela vizinhança e com esperanças depositadas em seus irmãos e irmãs espalhados por São Paulo e pelo Nor- deste, que nunca ligavam, o Sr Luis levava uma vida solitária e desorganizada, tendo como únicas opções o cigarro, a TV, com mais de 12h por dia ligada, um farto almoço e seu sono metade da tarde e depois cedo da noite. Lá pelo quadragésimo segundo vírus excluído do meu computador o telefone toca. - Alô? - Oi. E aí Kevin? - Anderson? - Ele mesmo. Posso buscar o computador? - Bem... o Windows está em seus 78% de instalação e a notícia boa é que consegui recuperar a planilha de seu controle de vendas, estoque, clientes e fornecedores... - Bah cara! Valeu mesmo! Esta planilha é trabalho de seis anos! Quanto vai dar tua mão-de-obra? - Ainda não sei Anderson e só direi depois de tudo con-
  • 12. 12 figurado e funcionando... - Tu me liga depois de tudo feito? - Pode deixar. Chegou a vez das 134 páginas... e eu já estava pre- parando os nervos e as orelhas para enfrentar até a uma hora da tarde uma impressora matricial do final dos anos 80... A estas alturas comecei a ler a revista "Planeta Rural", que se tratava dos assuntos à quem morava exclusivamente no interior, em meio a lavouras e natureza. Foleei à página 11 onde algo me chamou atenção: Uma página inteira somente de pessoas querendo conhecer pessoas... uma idéia interessante. Em meio a configurações de placas de PC no Windows, a páginas intermináveis de artigos escolares sobre Física e ao estrondo de trovões os quais iniciaram uma nova chuva de las- car, eu me perdia em tudo isso, sem falar no meu pala de in- verno, do qual me obriguei a vestir ante uma queda de tem- peratura de -1o C! Após o almoço, com minha mãe reclamando do silêncio de uma impressora matricial de nove agulhas, mas regado a frango com polenta italiana, lá fui eu tratar de descobrir que diabos de placa de rede "onboard" o Sr. Anderson possuia, tarefa que me foi inútil com a simples abertura do tampo do gabinete. Tive que iniciar o bendito PC com um CD BOOT da mini distribuição Slackware Live Linux. Ante ao comando relevante para tal, lá estava ela: "Ethernet Controller Device: Davicon inc. PCI 9101." Procurar o driver para Windows 2000 desta tal, na internet, era mais ou menos o mesmo que encontrar uma mosca branca em uma sala com interior pintado de preto fosco em Moscou, na Rús- sia. Sorte que o Sr Anderson possuía o luxo da internet em sua concessionária, coisa que eu jurava que eu iria possuir em minha próxima reencarnação... E para lá fui com o gabinete
  • 13. 13 dele e meu velho e surrado notebook K6 366MHz com placa de rede PCMCIA, após as 134 páginas impressas finalizadas e com as orelhas em estado de socorro. - Beleza, Kevin! Estas palavras entravam como alívio para meus ouvi- dos... depois de duas horas ininterruptas de pesquisa. - Ahhhh este google maravilhoso! Acha até pente de ca- dáver em banheiro público! Rimos... Gravei em um CD tudo o que o Anderson precisava... o serviço deu vinte e cinco reais e pela primeira vez vi um cliente espantado: - Só isso? - Só! Afirmei com convicção. - Muito obrigado! Vou te chamar de novo quando esta carroça incomodar, Kevin... - Anderson, me faça dois favores? - Até dez! - Ok: Use um antivirus decente e limpe a ventoinha com o dissipador do teu processador uma vez por mês, com com- pressor de ar... Ele riu... me despedi e regressei. - Sabe quem ligou e perguntou de ti? - Quem, mãe? - A Terezinha Bueno, te lembra? - Sério?? Sim! Lembro... o que ela queria? - Ela passará aqui semana que vem para eu fazer uns "penses" em duas calças delas, que folgaram... só não veio hoje por que o tempo tá muito nublado e frio. Ela quer esperar o sol voltar.
  • 14. 14 - O Sol está aí mãe. - Mas como? - São as nuvens que tapam ele... mas o Sol sempre esteve aí no céu... Depois de eu rir muito e ouvir os resmungos da velha costureira minha mãe, fui ler a "Planeta Rural", sem interrup- ções.
  • 15. 15 CAPÍTULO 02 A chuva se foi, mas naquela terça-feira, pela manhã, Santa Madalena já sofria com as consequências: Inundações nas periferias. Particularmente, um bairro a apenas 9km do meu, o Santo Inácio do Oeste, foi tomado pelas águas. Famí- lias inteiras perderam tudo, desde as roupas até televisores. O noticiário da manhã focava somente estes pormaiores. Ventos de até 74km/h destelharam casas e a chuva fez o resto. Felizmente houve somente uma morte; um homem de 80 anos que não conseguiu sair a tempo de seu quarto em uma casa localizada no sopé de uma ribanceira, que veio abaixo, desmoronando-se. Felizmente nosso bairro, Caiçari, situava-se em um pon- to dos mais altos do município. Nossa casa, embora de mate- rial, era modesta e houveram só algumas infiltrações. - Kevin. - Fala, mãe. - Dê uma varrida no pátio, que está cheia das folhas dos pé-de-plátano que cairam com a ventania. Vou sair, entregar umas verduras para nossa vizinha pobre, ali embaixo. - A Dona Marialva? - Sim, ela mesma. - Diga que eu mandei um abraço! - Pode deixar. O sol prometia uma terça-feira esplêndida e mesmo a temperatura estando a sete graus positivos, as pessoas animavam-se, reorganizando os pátios, jardins e sacadas. Até nosso vizinho, Seu Odílio, apareceu e perguntou para meu pai se ele gostaria de reparar as infiltrações. Felizmente Seu Odí- lio, em seus 68 anos e avô de quatro crianças, tinha uma inve- jável lucidez. De uma humilde descendência de família italiana,
  • 16. 16 ele sabia consertar qualquer coisa em se tratando de paredes, teto, encanamentos e eletricidade. A vizinhança toda adorava- o porque sempre estendia a mão para ajudar quem fosse, de alguma maneira. - Seu Luiz, precisamos de uns três litros de desin- filtrante. E um pouco de cimento seca-rápido para arrematar os canais abertos pelo mofo. - Kevin. - Fala, pai. - Vá ali no Portinari e compra três litros de desinfiltrante e um pacote de um quilo de seca-rápido. - Só? - Sim, mas vá logo porque amos aproveitar o calor do sol para isso tudo secar rápido. É nessas horas que eu agradecia a Deus por ter um bom par de pernas e amar minha bicicleta! A ferragem do Por- tinari ficava a um quilômetro e portanto, era rapidinho. No tra- jeto, passei nos correios e comprei uns cinco selos e enve- lopes. Alguma coisa na revista "Planeta Rural" me inquietava e eu tinha que tentar. - Kevin? Alguém me chamou... olhei para os lados... - Ô Valdemar! Quanto tempo! - Vamos almoçar sexta que vem? - Depende... se meus clientes me derem espaço e eu te- nho que fazer outras coisas. Mas se eu for, ligo pra ti para con- firmar. - Certo. Por acaso tu tem um pouco de gasolina? - Gasolina? - Sim Kevin, gasolina viu... tenho que fazer uma cola
  • 17. 17 com isopor para assentar uns pedaços de brasilit. O granizo me furou em uns doze lugares naquele bendito telhado. - Vamos ver. Tenho que entregar isso aqui lá em casa. Houve infiltração e meu pai conseguiu um técnico. Que chuva hein? - Estou chateado viu? Lá em casa, em Lorena das Missões, meu pai perdeu quase todo o fumo que ele plantou e cuidou com tanto carinho... Agora tenho que enviar dinheiro da bolsa no final do mês para ele providenciar uma estufa de lona grossa. Parece que semana que vem choverá mais ainda... e daí sim né, já viu? - Passo lá amanhã tá? Levarei a gasolina para ti. - A que horas? - Nove? - Tenho aula às dez e meia. Mas vai, tudo bem, preparo até um chimarrão. - Combinado. Enquanto Seu Odílio consertava a infiltração, que tei- mava em continuar mofando a parede maior da cozinha, meu pai preparava as coisas que ele precisava sem descer da escada e o tempo era economizado. Minha mãe, ao voltar da Dona Marialva, veio com um pequeno livro debaixo do braço... - Kevin. A Dona Marialva te mandou um presente. - Ahhh querida! Vejamos. Tratava-se de um exemplar do "Nosso Lar", de André Luiz, que ela tinha adquirido no sebo do camelódromo do Bair- ro São Caetano, famoso por venderem algumas coisas em sua maior parte furtadas. Com a capa desbotada e bem surrada, indicava que passou pela mão de inúmeros leitores. Em posse de papel- contact, reforcei-a e aparei com cola os cantos da lomba. Ficou quase novo de novo depois que apaguei as marcas feitas a lá-
  • 18. 18 pis. Felizmente não encontrei marcas a caneta, exceto na pri- meira página. Umas iniciais assinalavam: "D.S.: 18/04/96", jun- tamente com uma pequena frase, produzida com a mesma bela letra das iniciais: "Fé raciocinada é a integral aceitação da nossa condição, na Natureza". Pela tardinha, recomeçou-se minhas rotinas escolares. Com as 134 páginas de artigos, lá fui eu para o Colégio Joa- nna D´Arc, às seis da tarde, ministrar mais uns capítulos de Movimento variado, Hidráulica e Eletricidade para as minhas três turmas de EJA. Tive os cinco períodos completos. Os meus alunos achavam minha empolgação o máximo... - Haja cabeça hein professor? - É maravilhoso dar aulas, adoro! Mesmo em se tratan- do de estágio supervisionado. Vez em quando um manifestava-se meio cético e excên- trico: - Mas Física é para quem gosta né? Graças a Deus, procurei ser o mais simples possível nas explicações, nunca corridas. Devagar e com calma, reexplicava quantas vezes fosse necessário, com o preço do cronograma atrasar abruptamente. Isto, de uma certa forma me preocupava, mas nunca me foi cobrado cronograma algum. Mas como eu gostava de dar aulas de Física! Meus alunos até riam, quando eu tornava o conteúdo descontraído e divertido, nunca desviando da pauta do dia, firmemente. Minha criatividade se modificava a cada dia para esta adaptação. E as aulas quase geralmente eram um sucesso, exceto nos dias de forte frio ou forte calor, onde os jovens sofriam com a temperatura momentânea, mas eu os animava, de pronto. Quarta-feira de manhã, após comprar uma sacolada de seis litros de leite no armazém da faculdade técnica, me con- centrei de verdade e busquei entusiasmo e argumentos para
  • 19. 19 um anúncio que li na "Planeta Rural", página 11, dentre os do- ze publicados. Ele era mais ou menos assim: "Eu gostaria de me corresponder com garotos de 19 a 28 anos, que não tenham vícios, que sejam solteiros e que curtam palavras de inteligência e sabedoria. Sou loira, 1,70m, 25 anos, universitária e moro no interior. Daiana Stackerborensku Rua Cristo Rei, 173, Santo Agostinho (Cidade Alta) Nova Romênia da Serra, SC" 88370-000"
  • 20. 20 CAPÍTULO 03 Por mais que eu lesse os outros anúncios de trocas de correspondências, o que mais me prendia era aquele, seja pela inteligência das palavras ali colocadas, seja quanto a um sentimento interno que me ascendeu. Algo que eu sentia mas não entendia direito. Busquei inspiração e lá fui eu. Arrisquei a escrever a primeira carta: " Santa Madalena do Sul, 23 de Abril de 2000. Cordiais saudações, Daiana. Descobri teu anúncio na revista "Planeta Rural", deste mês e resolvi escrever-te. Meu nome é Kevin, um ano mais novo que você (espero que não se importe), faltando pouco tempo para me diplomar em Física e já estagiando em uma escola cujo trabalho durará seis meses. Tenho 1,80m de al- tura, solteiro, não tenho filhos. Espero que esta seja uma das várias cartas as quais nos trocaremos. Pelo que vi, a concor- rência será muito grande porque você deve ser muito bonita e inteligente. Obrigado pela tua valiosa atenção e aguardo-te. Minha próxima carta virá com foto. Beijo. Kevin Barreto. Av. Olavo Bilac, 633, Caiçari, Santa Madalena do Sul, RS 93230-180" Depois da carta enviada, a expectativa... será que eu escolheria outra pessoa das publicadas na lista da "Planeta
  • 21. 21 Rural"? Esperei uma semana, com rotina normal dos dias. A chuva foi-se e deixou temperaturas de regenlir os ossos, che- gando até -1o C, com ventos dando a impressão de ser mais baixa ainda. Guardei a revista na intenção de, se porventura Daiana não retornasse com a resposta, eu escolheria outra pessoa. Haviam mais quatro jovens, mas todas de bem longe: Minas Gerais, Tocantins e Mato Grosso do Sul. Com o decorrer do tempo, com os trabalhos redobrados e com a aproximação das provas trimestrais, eu me via bem atarefado entre a Faculdade, meu estágio e meus clientes de informática. Um dêstes últimos cometeu o absurdo de entortar dois pinos do seu disco rígido a ponto de me responsabilizar pelo dano! Educadamente, eu afirmei que os pinos 39 e 40 já es- tavam tortos quando o HD chegou com o PC, motivo este dele vir aqui. A arrogância do homem, dos do tipo "não gosto de me deixar perder", fez com que ele virasse as costas sem me pa- gar e sem sequer a palavra "obrigado". Até hoje o sistema dele nunca mais falhou devido ao meu empenho, mas a arrogân- cia... ahhh este veneno que destrói... Em uma semana fiz três provas na faculdade e aquilo me roeu com as idéias. Destas, apenas em uma tirei abaixo de 70%, a média do Instituto Federal Farroupilha. Eu tinha que esperar a data do exame, em Física Quântica. De resto, no meu estágio, minhas turmas até brincaram de amigo secreto, nas vésperas de conclusão da Turma 9 do EJA. Presenteei com um livro sobre pensamentos espíritas "Todo dia" e ganhei uma caneta-relógio lindíssima. Não acre- ditei. Quase chorei no discurso de vinte segundos. No dia seguinte, lindíssimo, ensolarado três de maio, fui enfrentar a fila para ler meus e-mails no CPD. Naquela re- cuada época, ter e-mail era luxo. Os computadores estavam na
  • 22. 22 casa dos 1GHz de processamento, a internet era coisa de grã- luxo. Eu tinha no máximo 15 minutos para usar um Pentium III de 700MHz. A conexão não ajudava tal era a lerdeza e só haviam dois e-mails: Um do Carlos e outro do Valdemar. Êste me comoveu muito: Seu pai, em Lorena das Missões, teve que vender algumas coisas de sua propriedade de oito hectares para pagar as sementes do fumo, endividadas no banco. O Valdemar largou das aulas para acudir o pai e eu e o Carlos preparamos a cola para soldar o brasilit no telhado. Felizmente o sol brilhava lindamente por quatro dias, apesar do frio ab- surdo que fazia. Fedendo a solvente, gasolina e suor, chego em casa. Na caixa de correios uns comunicados do Banco, uns folhetos de propaganda de pizza e de partidos políticos e... uma carta. Seu remetente: Daiana Stackerborensku. Juro: não escondi a alegria!!! Inacreditável! Estava ali, com letras de caneta bic cor de rosa, toda floreadinha e com um aroma perfumado bem suave, por fora... dentro de mim, meu coração dava socos e solavancos!! Mais do que depressa, tomei um banho. Minha mãe me seguiu pelo rastro do cheirinho de solvente... dei-a as cartas de bancos e a de Daiana coloquei em minha gaveta da escrivaninha. - Tu foi no Carlos? - Sim, mãe, ajudei a tapar os furos do brasilit da casa dele com cola de isopor, gasolina e solvente. - Depois do almoço tu vai sair? - Não. Vou corrigir umas provas de alunos e só depois darei uma passadinha no mercado. - Vou no meu ortopedista ver os raios X da minha colu- na. Se alguém ligar querendo costura, só depois das cinco da tarde.
  • 23. 23 - Ok, entendi. Cerca de 63 provas corrigi aquela tarde... com o cora- ção ainda batendo. Eu aprendi a controlar meus desejos... Abriria a carta da Daiana após meus afazeres e daí sim, me preparava para lê-la. E por volta das quatro da tarde foi isso que eu fiz. Ao abrir, meu coração bateu muito mais forte do que de costume. A primeira coisa que tirei foi um lindo cartão de car- tolina, desenhado caprichosíssimamente com flores... prova- velmente flores de palmas e copos-de-leite, adornados com aquela cola brilhante colorida que as crianças costumam usar nos carnavais e artes escolares criativas. Abaixo das flores, a frase: "Oi, meu querido! Você está bem?" Confesso... eu já não me sentia mais... anestesiadox Juntinho ao cartão, a carta. Alguma coisa caiu dela... uma foto!!! Daiana tinha enviado-a! Não acreditando no real, passei a olhar aquela foto por quase 40 minutos. Sempre duvidei de anjos, mas ali... EM MI- NHA FRENTE, um acabou de ser fotografado. Daiana era alva de branca, com olhos azul-esverdeados como uma baía-de-mar caribenho. Seu cabelo, loiro, escorria lisamente ombos abaixo, como que uma cascata monótona. Suas espáduas tinham umas linhas perfeitíssimas. Logo abaixo da espádua esquerda quase que de encontro ao ombro, notei uma pequena mancha que parecia de nascença. Mas o olhar da moça me paralisou!!! Me senti uma presa, capturada e imobilizada facilmente! Os olhos de Daiana, sob sobrancelhas bem desenha- das, clarinhas na cor e perfeitíssimas, expressavam como se ela estivesse pedindo ou solicitando alguma coisa... seus olhos eram penetrantes! Haviam covinhas nas maçãs do rosto, quase impercep-
  • 24. 24 tíveis tal a suavidade... mas os olhos... os olhos da moça me petrificavam! Me imobilizavam! Tal uma deusa ou um anjo con- forme as antigas lendas latino-européias. Eu... eu estava per- plexo!
  • 25. 25 CAPÍTULO 04 Dei-me conta da carta! A carta! Esperei meus sentidos voltarem! Pudera! Ao ler, as palavras, escritas a mão, foram as seguintes: " Nova Romênia da Serra, 02 de maio de 2000. Oi Kevin! Foi com intensa alegria que recebi tua cartinha, bem bo- nita e organizada, há três dias atrás. Muito obrigada pela tua doçura e pela tua sinceridade. Sou Daiana, já caracterizada na revista e aqui agora, na foto. Não tenho namorado, faço faculdade de biologia na FIPSC e gostaria de me corresponder com pessoas que sejam verdadeiras, espiritualmente elevadas, que gostem de palavras inteligentes e que sejam sensíveis. Pelo que senti, você é assim. Das cartas que recebi, mais de 40, a sua foi digna de retorno da minha resposta com foto. Desculpe se eu te desapontei. Quero apenas ser uma pessoa comunicativa, amiga em todas as horas, quero me- lhorar minha comunicação interpessoal e fazer muitas ami- zades. Se eu encontrar o jovem certo, quem sabe até namorar (risos...). Amo escrever cartas. Desculpe a letra. Ainda não com- prei um computador; falta-me o tempo ($$). Estagiarei em Junho de 2001 aqui mesmo em minha cidade ou em Joinville, cidade próxima a minha. Minha família está economizando para comprarmos um telefone rural. Onde moro é muito isolado e sua carta vêm para a casa de uma tia minha que mora na cidade e que ela é uma segunda mãe para mim: A tia Vera Lúcia. Assim que adquirir- mos o telefone, te passarei o número.
  • 26. 26 Beijos. Espero que continue escrevendo para mim. Ado- rei tuas palavras. Até breve. Daiana" Eu... estava tonto! Não acreditava no que estava ocor- rendo. Reli-a umas três vezes aquele dia. Depois de uma ida ao mercado, fui à escola. Faltou muita gente àquele dia, devido ao frio que fazia, mas mesmo assim enriqueci a noite com exercícios e explicações mais detalhadas e vagarosas. Rendeu desde que a turma entenda... Ao faltar água lá pelas nove e meia da noite, a direção cortou o recreio e fomos liberados 40 minutos mais cedo. Ao chegar em casa lá pelas 10:15 da noite, antes de dormir, reli a carta de Daiana e vi mais uma vez a foto. Será que eu estava sonhan- do?? Rezei, fiz uma oração especialmente para ela. Ao deitar, não sei porque motivo, um calafrio, como se fosse uma micro- massagem com pomada analgésica mentolada, varreu minha espinha dorsal de cima abaixo... O que fora aquilo?? No dia seguinte, ajudei minha mãe nas tarefas do dia. Ela alegava dores na coluna e eu fui solidário: Lavei a louça, fiz um café para ela e fui ao mercado comprar leite e pão. O Valdemar me ligou às 10h da manhã: - Alô? - Alô, Kevin? -É ele! - Muito obrigado viu? - Como assim? - Por tu ter ajudado o Carlos no conserto de meu te- lhado. Só que mesmo assim minha roupa de cama ficou mofa-
  • 27. 27 da! Viajei, fiquei quatro dias lá no pai e a casa ficou chaveada. Mas muito obrigado. - A cola funcionou? - Sim, secou e ficou uma rocha! O telhado está pronto para o próximo granizo. - Nem fale! Como está teu pai? - Arrasado. Ele deve ainda uns 6 mil pro banco e nem sabe o que fazer. - E o que irão fazer agora? - Acho que ele irá vender uma casa que tem na cidade ou hipotecá-la. - Mas a casa vale mais que 6 mil? - Sim, vale 34 mil com o terreno. Mas quando se perde tudo por causa da chuva, enchente e/ou granizo, temos que muitas vezes apelar para o absurdo. Se ele pegar alguma coi- sa pelo banco, será uma sobra de uns seis mil. O banco nunca te dá o valor que vale. - É verdade! Olha, comprei as peças de coxa e sobreco- xa e estão congelados. Quando jantamos? - Assim que o Carlos voltar sábado, às seis da tarde, se não chover. - Não vai chover mais por um mês, acho! - Até lá então e muito obrigado viu? Quanto deu a ga- solina? - Alguns centavos (menti inocentemente. Dera 2 reais mas não cobrei.). Deixa assim, de presente. - Pessoas assim são difícil viu? Rimos... - Até sábado Valdemar! - Até. Piquei vagens e tomate às onze e meia. Minha mãe ti- nha clientela à toda pela manhã. Era meu dia de folga no EJA,
  • 28. 28 mas não no IFF. Ao voltar das aulas às 18h, comecei a respon- der a carta de Daiana. Argumentos foram fáceis. Eu estava inspirado. "Santa Madalena do Sul, 16 de Maio de 2000. Querida e honrada Daiana Stackerborensku. Com imensa alegria recebi sua carta, o lindo e criativís- simo cartão e... a tua foto. Depois de uma paralisia de cinco minutos, seguida de quase desmaio, conclui que você é... inigualavelmente linda! Bem, onde tirar as palavras ideais agora? Quais usar- se? Linda? Palavra ridícula perto do que és; Anjo? Idem; Inteligente? Eu seria taxado de miserável; Um ser sublimado? Bem... é verdade, ÓBVIO, mas o ób- vio não se afirma por ser automaticamente verdadeiro. Penso, logo fede a cabeça, como dizia o Descartes falsificado. O que dizer? Daianinha: As palavras por mim usadas neste planeta poder-se-ão ser miseráveis perto de uma descrição real de vo- cê. Uma descrição em uma palavra? ÉS O UNIVERSO!!! Muito obrigado por confiar em mim! Muito obrigado por tudo! Obrigado, Senhor Deus Supremo, pela Daiana existir! E isso é pouco... uma miséria ainda... será que você é deste mundo? Uma coisa é certa: A estas alturas você deve ter uns cento e poucos escreventes de cartas... abobalhados como eu, olhando uma foto... uma foto de um Anjo, destas que a própria NASA pagaria para colocar em exposição. Que chances eu teria? Uma em cem milhões? Os outros
  • 29. 29 garotos com certeza são mais jovens e mais intelectualizados que eu, mas mesmo assim, se teu coração pertencer futura- mente a um deles, saiba que eu fiz o melhor de mim e que O TEU ROSTO é inesquecível, tal como um anjo, emissário di- reto do Supremo Deus. Aqui está minha foto... calma.... ela espantará as catur- ritas da lavoura de milho ou girassol se porventura teus pais resolverem cultivar. Sem veneno.... foto ecológica, os bichos dão no pé sem morrerem. Bem, pergunte o que quiser, por carta ou telefone. Fique a vontade mesmo, sem medo de perguntar. Aqui segue um cartão... ele é industrializado... sou péssimo desenhista, isto prova que minha evolução espiritual não chega a 1% da sua. Minha preguiça é tanta que até as cartas são digitadas a com- putador. Meu número é (57) 4226 98 11. Pode ligar a vontade ok? Um grande abraço aos teus pais, à tua amável tia Vera Lúcia e espero que brilhes com intensidade máxima no teu curso de Biologia. Só por favor não concorra a Garota Modelo de Santa Catarina porque as demais concorrentes irão pro- testar, acharão covardia, acharão injusto, perderão e dirão "As- sim não valeeeeeee!!!!! Droga!" Posso te ensinar informática, Física, Matemática, Xa- drez (amo jogar xadrez) e te explicar alguma coisa de Astro- nomia. Tenho uma luneta que dá para ver Marte, Júpiter e Sa- turno da janela do meu quarto. Posso ser-te útil para algo? Peça. Quem sabe trocando conhecimentos a gente não evolui mais rápido? Beijos diversos e aos punhados! Conte comigo sempre. Aguardo tua resposta... Kevin Barreto."
  • 30. 30 CAPÍTULO 05 Naquela ensolaradíssima terça-feira, coloquei a carta de Daiana no correio e fui no IFF retirar meu tão esperado re- sultado do exame em Análise Estatística. Tirei 73%. " Raspan- do a trave" como diziam meus colegas, especialmente o João Danilo, o mais festeiro deles e o que me estendia a mão quan- do eu me apertava em alguma disciplina. Fora ele que me explicou os métodos da regressão linear e curva-sinoidal não- linearizada. Eram tantos dados para tabelar que quase tive um troço, mas consegui!!! No final de Maio, alguns alunos, colegas meus de Fí- sica, foram promovidos a bolsistas do CNPq. Eu não tive esta oportunidade infelizmente. Eu era fraco em disciplinas altamente científicas como Física Quântica e Mecânica Estatística das Partículas. Eu as adorava, claro, mas não compreendia a maioria dos capítulos e aquele surrado dicionário de português-inglês verde-oliva pouco ou nada adiantava na hora de traduzir textos inteiros para eu poder estudar para as provas. Fora o fato da biblioteca do IFF ser restritíssima. Um livro era disputado. Tinha que tirar fotocópia de todo ele e devolver rápido. Muita gente esperava-o. O pessoal sofria mas se divertia. Uma vez o João Danilo me ligou: - Alô? - Kevin? E aí figura? - Beleza? - Ahan. Tá afim de participar de uma festinha na casa de um formado? Vamos ter ceva e churrasco. - Quando? - Amanhã de noite. - Levo o quê?
  • 31. 31 - O casaco! vai estar frio pacas. Rimos... - Mas sério, Danilo, levo o quê? - Uns seis reais para a consumação da ceva apenas. - Ok, onde vai ser? - Na casa dele, a cinco quadras da tua, na Barão do Ita- raré, 158. - Ao lado da mecânica do Francisco? - Exatamente! - Estarei lá. - Valeu. - Até? - Até. Em 30 de maio compareci ao já mencionado "Happy Hour", patrocinado por seis físicos, destes quais quatro forma- ram-se em licenciatura e que eu tive a felicidade de partilhar alguma idéia. O Ernesto, por exemplo, seguiria para o Mestra- do em semi-condutância, do qual ele me mencionou qualquer coisa sobre algumas propriedades do Berílio oxidado. Lá pela sétima cerveja (eles estavam recém começando mas eu já estava dois copos além da conta... de meu fígado), passamos a contar piadas de nível universitário. Perguntaram sobre meus planos futuros... - Diz aí Kevin? - Ahh... sei lá, estou estagiando em uma escola esta- dual lá em outro bairro, a 17km daqui e estou adorando! - Fará mestrado em quê? (pergunta do Fabiano, um dos mais "crânios", já tendo a convicta certeza de que todos que ingressam em Física com certeza irão para um mestrado...) - Não sei... minha quota de burrice acusa que não ultra- passarei a uma especialização na Uninter... Caíram na risada!
  • 32. 32 - Tem certeza, kevin? - Absoluta. Quem me dera se eu tivesse tino para algu- ma idéia nova que eu pudesse colocá-la em mestrado e mes- mo que eu tivesse, não sobreviveria às disciplinas de Me- cânica Relativística 2 ou Quântica 2... eu entraria pelo halo de um buraco negro com certeza! Novas risadas. O Magnus, um dos bacharelados, adian- tou-se: - Que é isso cara! Você precisa ser otimista e confiante. - Concordo contigo, Magnus. Mas meu campo de ta- lento e competência não vão além da sala-de-aula do Ensino Médio. Conheceram o Fernando? Ele plantava arroz com o pai no Bairro Nossa Senhora da Saúde e agora está fazendo o que farei daqui a um ano, se é que eu passar no concurso público do estado em Janeiro de 2001. Farei o concuso. Os meninos prestavam muita atenção no que eu dizia. Sabiam que a conclusão de um Mestrado ou Doutorado não era a garantia de um emprego certo e em se tratando de Brasil, a sala-de-aula, no Ensino Médio ou Universidade, era inevitá- vel. - Laboratório apinhado de cientistas, meus amigos, é coisa para NASA, Intel, Pentágono, CIA ou ainda a Nokia. No Brasil, só Embraer, Aproquímica, Eberle, INMET ou Rio Doce. E acabou. Muitos cientistas, meus companheiros de ceva, es- tão procurando trabalho e contentam-se em lecionar onde quer que esteja... - É isso aí Kevin. Pior é que é... A churrascada durou até uma da manhã. Voltei antes. Despedi-me de meus amigos. Na volta para casa, a poucos metros, não sei se foi ilusão minha ou se eu estava tonto, mas vi, próximo ao portão de acesso um vulto de aspecto feminino, com rosto até que bonito, que olhou para mim, meio que sorriu
  • 33. 33 agradavelmente e se evaporou no ar em um segundo mais ou menos. No dia seguinte não comentei nada por que com cer- teza, era efeito da minha tontura, graças a Deus leve, pois sei maneirar na cerveja. Sorte minha que o churrasco não tinha muito sal. No dia 05 de junho, às 11 horas, recebo uma carta da Daiana... e meu coração começava a dar pulos... Depois de ajudar minha mãe na cozinha e de almoçar, fui correndo lê-la. Ao abrir, outro cartão confeccionado quase que igual ao primeiro, exceto pelas flores serem rosas e mar- garidas e pela mensagem ser esta: "Você é o perfume bom do meu jardim, Kevin." De resto, a misteriosa e deliciosa fragrân- cia na carta que, escrita a mão, dizia assim: "Nova Romênia da Serra, 02 de Junho de 2000. Oi, Kevinho? Foi com imensa alegria que recebi tua adorável carti- nha... seu maroto! Quase morri de tanto rir! Primeiramente o que dizer com tantos elogios a mim? Com certeza você exagerou! Não sou assim tão bela e nem tão anjinho. Tenho lá minhas fraquezas humanas... E tembém digo que não irei colocar tua foto para as caturritas desaparecerem porque elas virão igual devastarem o milho plantado pelo meu pai. Aliás ele, Sr. Cezarino, já me questiona sobre você... ele ficou curioso em conhecê-lo e eu falei o que sabia. Bem... voltando aos teus dulcílimos parágrafos, os quais eu ria muito (e continuo...), muito obrigada pelos elogios. Claro que você exagerou, mas amei cada palavra sua... eu tinha quase certeza que iria te desapontar, o que não ocorreu. Emocionei-me com lágrimas ao me chamares de Univer- so... Eu nunca vi alguém usar as palavras tão bem, tão franca-
  • 34. 34 mente e docemente, além de engraçadas.... Você é um espe- cialista em poesias hein? As meninas daí não se encantam contigo? Quanto à minha confiança em você, você já a con- quistou desde a minha primeira carta. E digo que de todos os rapazes que escreveram-me, você é o que apresentou maior cordialidade, maior sinceridade e maior disposição em trocar palavras acadêmicas... e o que mais me fez rir! Seu sapeca! Muito obrigada mesmo pelo que você é! E por favor, continue assim e mais um por favor ainda: Me escreva! Eu queria ter 10% da tua inteligência em escrever cartas, coisa que ainda não conquistei. Bem, já que você concedeu-me de eu perguntar antes, lá vai: 1. Quais são os nomes dos teus pais? 2. Você almeja outra profissão além da de ser professor de Física? 3. Que músicas você curte? 4. Você confiaria em um namoro a distância? (Risos... fiquei vermellhinha, desculpe...) 5. Você gosta de viajar? 6. Você já namorou antes? Durou muito tempo? 7. Você é filho único? 8. Você fuma? Ou bebe? 9. Qual é sua crença religiosa? Desculpe se fui atrevida em algum momento, meu que- rido, mas não quero te ofender. Quero apenas te conhecer me- lhor. Saibas que você conquistou um lugar especial em meu coração. Tua foto coloquei sob minha cabeceira e tuas cartas releio antes de dormir. Obrigada por tudo, especialmente pelo que você é... Minha tia adorou o abraço que você enviou. Aceito ser
  • 35. 35 tua aluna de xadrez, Informática e Astronomia. Deve ser divino observar as estrelas e planetas pela tua luneta. percebi que és um grande gênio de potencialidade ímpar! Puxa... já tens uma discípula admiradora. Beijos, meu querido. Assim que me sobrar uns trocados aqui, irei te ligar (de orelhão). Esteja certo disso. Estou ini- ciando um tratamento médico e agora irá mais um pouquinho das minhas economias. Por sorte, além do estágio, sou remu- nerada por uma bolsa do Fiex e trabalho em um laboratório de estudo e análise das Pteridófitas. Amo plantas, especialmente flores... Acho que tentarei uma vaga para Mestrado daqui a dois anos se o destino deixar e Deus permitir. Olha, eu tive um sonho por estes dias, mais ou menos na madrugada de 30 de Maio ou coisa assim... Sonhei que vi teu rosto por poucos segundos. Você estava próximo a um por- tão de cor escura, frente a uma casa branca e se não me engano tinham duas palmeiras na calçada, toda de grama. Mas foi tudo muito rápido... deixa pra lá, acho que estou fican- do fora da casinha... (risos...) Vários beijos para você. Com carinho: Daiana." As palavras que eu acabara de ler me petrificaram!!! Ao relatar seu sonho, Daiana não só me descrevera discre- tamente, como descreveu exatamente como era minha casa, as árvores e o pátio da frente!!! E o mais incrível, na mesma data em que eu voltava da festa da casa do João Danilo! Teria eu presenciado Daiana, fora do seu corpo mate- rial? Teria ela afino espiritual apurado a ponto de pensar em mim e assim vir a meu encontro? Teria ela o desejo de me ver enquanto dormia?
  • 36. 36 Tudo na vida tem uma explicação e para estas pergun- tas faltavam-me algum esclarecimento...
  • 37. 37 CAPÍTULO 06 Naquela tarde eu estava desconcertado! Um turbilhão de perguntas passavam-me pela cabeça: Namoro a distância? tratamento médico? O sonho? Tudo isso fervia em minha cons- ciência tal qual a água levada ao fogo para purificar-se... Eu encontrava-se na biblioteca do IFF. Eu estava soli- citando um endereço IP para meu notebook que eu tinha aca- bado de adquirir, depois de meses de economia e de uma tro- ca de meu usado e surrado 366MHz. Era um "Duron 900 MHz" com 256Mb de RAM e Windows 2000. Se eu me descuidasse ele esquentava demais e tinha que dar um tempo de esfria- mento... No Google comecei a pesquisar sobre interpretações de sonhos e viagens extra corporais, os quais surpreendi-me ao aparecerem links sobre espiritismo, Alan Kardec, magnetismo espiritual e paranormalidade. Baixei alguns textos para ler de- pois e na própria biblioteca existia um exemplar de "O Livro dos Espíritos". Evidentemente que o peguei e retirei-o. A biblioteca me deu um prazo de sete dias, mas minha curiosidade era tanta que o li em cinco dias, em paralelo com as disciplinas da faculdade tais como Metodologia de Ensino em Física, Estrutura da Educação e Metodologia Física La- boratorial. Mas fora em Física 4 que algo me chamou atenção: Qualquer coisa sobre os Hádrons e Bárions, que poderiam assumir dois lugares ao mesmo tempo ou dois tempos em um mesmo lugar, segundo as Teorias de Einstein, se porventura eles ultrapassassem a velocidade da luz e se tornassem tá- quions. Minha curiosidade era tanta que descobri um Centro Es- pírita em minha cidade. Passei a frequentá-lo e a fazer pergun- tas. Por verter da crença católica, a maior parte dos meus questionamentos advinham de trivialidades banais típicas de
  • 38. 38 quem começa a se entrosar com o Espiritismo. Eu estava amando cada momento e conhecimento assimilado. As casas espíritas são lugares simples, mas rigidamente limpos, com pessoas dedicadas ao ser humano como a um irmão próximo. Eu ajudava no que podia... passei a frequentar com mais perseverança. Com frequência aparecia alguma criança das classes pobres pedindo roupas, comida e... acreditem... até atenção e carinho! Certo domingo me veio uma idéia: Ao conversar com Patrícia, a presidente da casa, tive a idéia de passar desenhos animados para as crianças. Era fácil de obtê-los nas locadoras ou baixá-los da internet. E eu ainda traria alguns doces para as crianças... Patrícia adorou a idéia e aceitou-a! Sextas-feiras, o mais oportuno dos dias da semana, era o melhor, pois serviam as crianças com leite e pão ao meio-dia. E às duas da tarde eu costumava ficar livre de meus afazeres até às seis da tarde. Dia ideal! Na locadora, peguei um filme clássico dos Flinstones e passei-o para uma galerinha de 35 crianças de no máximo 10 anos de idade! Elas amaram. Distribuí grande quantidade de gominhas doces e coloridas, bombons e pirulitos! Elas ado- raram. Amauri, de apenas sete anos e com sintomas iniciais do HIV, me abraçou e me beijou no final do filme! Ele disse: - Obrigado, "tio", pelos doces e pelos filmes. Eu queria que todos os outros tios fossem iguais ao senhor... Espero que esteja sempre com a gente. Após este discurso, as crianças me abraçaram e disse- ram, em coro: - Obrigado, Tio Kevin, pelo teu coração tão bom! Saí às 16:45 da Sociedade Espírita Luz e Esperança
  • 39. 39 Francisco Cândido Xavier, com os olhos estufados... mas me contive para não chorar! Desde este dia, uma vez por semana, eu retornava à Sociedade Espírita com novos doces e novos filmes. Eu me sentia novinho em folha, pronto para o que der e vier, depois deste prazeiroso momento com as crianças! Aquilo me fazia um bem enorme!!! Desde então, ler romances espíritas fez parte da minha rotina, juntamente com meus clássicos universitários como por exemplo o Sílvio Salinas, de Mecânica Estatística, ou o Moyses Nussenzweig, de Física Moderna. Eu patinava em algumas disciplinas, com notas mais ou menos, mas eliminava- as nos exames, com garra! Em 12 de Junho sobrou-me tempo para escrever para a Daiana, depois de tantas tarefas. "Santa Madalena do Sul, 12 de Junho de 2000 Cordiais saudações, princesa catarinense. Com muita alegria recebi novamente tua correspondên- cia e eis-me aqui de pronto a respondê-la. Obrigado pelas per- guntas que me fizestes. Que bom que adquirimos um mutualis- mo de confiança, carinho e afeto. Isso engrandece, enobrece e sensibiliza o coração. É bom saber que algumas bobagens mi- nhas te fazem rir. Isso me deixa imensamente feliz por que estou melhorando este dom. Sempre gostei de fazer as pes- soas rirem e sorrirem perto de mim. Mas a distância, bem... você é pioneira. Parabéns por rir, gatinha linda. Meu coração está em festa. Obrigado por isso. Respondendo às tuas perguntas: A) Sou especialista em poesias e com tua permissão farei-te um poema. Quer? B) As meninas não se encantam comigo... elas fogem
  • 40. 40 de mim e temo que você seja a próxima. Calma! Tenho saúde de ferro e não há nada de errado comigo, mas sou pé-frio para namoro. 1. Meu pai: Luis Barreto. Natural da Bahia. Soldado do Exército Brasileiro aposentado. Não subiu de carreira por nun- ca gostar de estudar; Minha mãe: Tereza Maria Ferrari Barreto, de descen- dência italiana. Adora uma polenta! Com ela aprendi todos meus dotes culinários (sei cozinhar muito bem e lido com qual- quer coisa na cozinha). Fora professora na rede particular de ensino e se aposentou assim. Lecionava em um internato católico no centro da minha cidade. Este internato é o mais an- tigo colégio daqui e foi criado pelos imigrantes italianos por volta de 1898. 2. Sim almejo outra profissão: Ser meteorologista ou astrônomo ou cavar um poço de petróleo na Arábia Saudita e me aposentar (risos...). Estou brincando, Daiana. Almejo traba- lhar entre pessoas necessitadas como agora faço na Socieda- de Espírita Francisco Cândido Xavier. 3. Exceto sertanejas, funk e pagode, curto as demais. Adoro ouvir Enya, Kraftwerk, Vangelis, Jean Michel Jarre e se- melhantes. Das brasileiras, curto Raul Seixas, Ritchie, Enge- nheiros do Havaí, Titãs e Paralamas do Sucesso. 4. Sim, confiaria em namoro a distância... ainda mais depois que te conheci, isto virou um sonho. Também fiquei vermelho e sem jeito com essa... você é incrível... 5. Sim, gosto de viajar, e como, mas não conheço tua cidade nem teu estado. Só as daqui de perto da minha como São Gabriel, Jaguari, Bagé, Dom Pedrito, Lavras do Sul e as praias do Cassino e Rio Grande. 6. Meu último namoro durou um mês. Ela, minha ex, não era lá essas coisas e o novo namorado dela têm um carro e foi por isso que ela ficou com ele. O carro: Um opala 1978 com
  • 41. 41 frente rebaixada e motor envenenado. Não quero mais nada com ela, que inclusive começou a fumar e a beber... Maria An- tônia é cinco anos mais nova que eu. E parou de estudar... 7. Tenho uma irmã, a Marilene, seis anos mais velha e já mãe. Minha sobrinha, Rafaela, tem nove anos. 8. Nada disso! Nem fumo nem bebo. Uma cerveja so- cialmente lá de vez em quando ao ser convidado, mas nunca abusei. 9. Sou espírita recém-convertido. Fisgado pela curio- sidade e por várias perguntas em meu subconsciente, leio in- tensamente as obras de Allan Kardec, Chico Xavier, Divaldo Franco e Raul Teixeira. Assumi o espiritismo há uma semana. Minha família é de vertente católica, o que não é de se es- tranhar, uma vez que 95% dos espíritas atuantes vêm do cato- licismo e isso é normal. Muito bem, Daiana. Das perguntas que me fizeste, agora refaço-as para você. Acrescentadas de: 10. Como é tua cidade? Daiana: Você não foi atrevida. Pelo contrário; tenho in- tensa admiração por pessoas tais como você: comunicativas, verdadeiras, francas, inteligentes e sociáveis, e a você acres- cento mais um: carinhosa. Adorei a notícia de que você colocou minha foto na tua cabeceira. Pulei de alegria aqui do outro lado. Inacreditável! Farei o mesmo com a sua... Obrigado mil vezes mais pelo que você é e representa para minha esperança. Vou tentar te ensinar xadrez na próxima carta. Quer? Vamos uma coisa por vez. No que eu concluir Xadrez passo para Matemática e assim por diante. Quanto ao grande gênio... julgaste a pessoa errada; pobre de mim... logo quem um gênio?
  • 42. 42 Que alegria em saber que tenho uma discípula. Saiba que estou às tuas ordens para que eu possa ser útil em algu- ma coisa. Peça! Obrigado desde agora. Espero tua ligação com grande expectativa. À noite, es- tou em casa às sextas-feiras e fins-de-semana. Durante o dia fico fazendo minhas coisas como enfrentar uma fila daquelas para usar a internet, que infelizmente ainda é coisa para pou- cos. Envolvo-me com a faculdade cujas provas são agora mais frequentes (final de semestre) e aos relatórios de minhas aulas de estágio supervisionado obrigatório no Colégio Joanna D'Arc. Se você não me levar a mal, poderia me explicar melhor este teu tratamento médico? Espero que seja coisinha pouca, como ocorreu comigo estes dias, que senti uma dor de cabeça forte e o diagnóstico acusou ingestão de leite coalhado, do qual ataca-me o fígado e a dor de cabeça aflora... Dormi aque- le dia, à tarde, por quatro horas, faltei duas disciplinas do dia, mas a dor se foi! Amei ao dizeres que relê minhas cartas antes de dormir. Adotarei esta mania... relerei as tuas, meu coração. Diga o que descobristes sobre as pteridófitas. São sa- mambaias ou coisas assim? Consultei o Aurélio da Língua Por- tuguesa (Amansa-burrão) e ele mencionou "samambaia". Quanto ao sonho que você teve, você descreveu direi- tinho minha casa. Ela é a única da Avenida Olavo Bilac a ter duas palmeiras, as grades do portão são marrons, minha casa é branca (pintamo-la faz um ano e meio) e minha calçada de frente à rua não tem lages ou lajotas, outrossim é grama mes- mo. Conclusão: VOCÊ NÃO ESTÁ FORA DA CASINHA... e naquela noite do teu sonho eu vi um vulto que se desfez em minha frente e fiquei ali parado completamente, por estar im- presssionado. Não comentei nada com ninguém do que vi. O vulto era feminino e tinha a face branca e os cabelos iguais
  • 43. 43 aos seus... SERÁ QUE ERA VOCÊ... FORA DO CORPO??? Vamos estudar este fenômeno e tirar conclusões de- pois. Foi o que fiz aqui e isso me puxou para publicações espí- ritas. Agora, as leio muito. Leia algo sobre viagens extra corporais. Tente o google. Eu achei várias coisas aqui sobre isso... fascinantes. Ganhei um livro de uma grande amiga nossa daqui do bairro. "Nosso Lar", psicografado por Francisco Xavier. E o que descobri? As iniciais D.S. com letra igual à tua e, coin- cidentemente, as iniciais são do teu nome e sobrenome. Incrível, não? Estou mergulhado em pensamentos. Beijos multiplicados por mil e com direito a bis... (risos) Penso em ti o tempo todo. Existe possibilidade da gen- te se ver pessoalmente? Vamos fazer o carteiro trabalhar? Até breve, querida. Com saudade e carinho: Kevin." Depois de colocá-la no correio, às 16h, no intervalo entre Física 4 e Estrutura da Matéria, no campus do IFF, dei- me por conta que era dia dos namorados... mas eu não pude fazer nada por que afinal, nem nos conhecemos a não ser por foto, além de eu ser temeroso a precipitações... A noite caiu e a notícia de falecimento de um dos pro- fessores da escola, devido a derrame cerebral, fez com que as turmas fossem para casa mais cedo, às 21h 30min. Só resolvi dúvidas àquela noite e ao chegar em casa, constatei que meu relatório de estágio estava infectado com um vírus perigoso, e eu não havia feito atualização do antivírus faziam três se- manas! No dia seguinte, em 13 de Junho, abaixo de uma chuva de encharcar e de uma temperatura agradável, fui no CPD
  • 44. 44 tentar baixar uma atualização para o bendito antivírus. Conse- gui. Coube, comprimido, em quatro disquetes, mas não percebi que um deles estava com setores físicos ruins e não consegui deletar o vírus pois a instalação da atualização falhou em 63%... Meu relatório de estágio foi ralo abaixo e o maldito, um tal de BUSWORM32.MS, só foi retirado no dia seguinte. Tive que fazer o almoço e ajudar minha família a limpar e reor- ganizar a casa, toda prejudicada pela infiltração que intensi- ficou-se na sala dos fundos. Agradeci a Deus por ter todo o relatório feito a mão, produzido desde a sala-de-aula conforme explicava e conforme avançavam os dias do estágio. Redigitei- o em quatro dias, trabalhando pela manhã. A semana mal deu tempo de respirar. Do dia 16 para o dia 17, meu antivírus identificou e eliminou cerca de 19 cópias do vírus BUSWORM32.MS. Desde este dia, com uma caixa de disquetes novinha em folha, eu ia no CPD e baixava várias cópias da atualização do dia. Desta maneira, se um disco falhava, tinha outro exatamente igual. Mesmo assim o Windows fez mais uma das suas. Não sei como, mas o arquivo NTDETECT.COM simplesmente su- miu do sistema e eu tive que reinstalar todo o Windows de novo... Ócios de um ofício fastidioso. No ensolarado dia 19 de Junho, três clientes batem à minha porta para a resolução de problemas de computadores. Um deles, o desaparecimento repetino do NTDETECT.COM e da atitude homicida do BUSWORM32.MS em defenestrar do- cumentos de editores de texto... Em um dos gabinetes, ao ser aberto, pois eu costumava dar uma limpeza "de cortesia", um ninho com três marimbon- dos os quais um deles alcançou minha bochecha esquerda. Todo mundo perguntava do porquê daquele estranho inchaço. Sou um cara de sorte... meu antivírus não matou os marimbon- dos. Ao remover o ninho, feito de barro , religuei o computador
  • 45. 45 e o Windows detectou um dispositivo desconhecido... seria o Modem? Verifiquei. Um marimbondo seco entre dois pontos de solda, na placa-mãe. O Windows... ahhh o Windows... E em meio a tudo isso: Prova de Quântica 2 às 14h 30 min... suei frio naquele dia e voltei cabisbaixo... - Alô? - Alô, kevin? - Deixa eu ver... João Danilo? - Ele mesmo. Como anda bicho? - Sempre correndo feito rato de gato! Perdi até 4 qui- los... - É o seguinte: Meu PC tem um problema. Eu já ia dizer NTDETECT.COM e BUSWORM32. MS... até que... ele se adiantou: - Minha noiva, a Tânia, instalou um jogo aqui. É um bi- chinho que joga paciência contra você. Mas o tal bichinho co- meçou a rir depois que ele venceu e os dados sumiram!!! A tela ficou preta. - Ai meu Deus... - O que foi Kevin? Grave? - Tu tá sentado? - Sim... aiaiai... fala vai. - Ela baixou, na verdade, uma variante do Tamagoshi. worm32, que se instala na BIOS e ... detona com tua partição FAT... tu tinha backup dos teus dados? - Não... minha tese de Doutorado... ah não... Não tem como recuperar? - Infelizmente não, João Danilo. Posso tentar gratuita- mente para ti, mas não garanto nada... A voz murcha, triste e mortífera do João Danilo me co- moveu dali por diante: - Eu te daria 400 reais se tu conseguisse Kevin...
  • 46. 46 - Vou fazer um disquete de boot agorinha... me aguarde uns 50 minutos e não ligue o PC ok? - Certo... vou preparar umas pipocas para nós... tô fer- radíssimo e acabado... Quase uma hora e meia depois cheguei à casa do Da- nilo. Ouvi da calçada externa. Ele discutia suavemente com al- guém: - Tu, ô cabeça oca, não deveria ter instalado aquela porcaria de jogo! Lá se vai um trabalho de um ano e sete meses! Toquei a campainha... ele atendeu... mais amarelo que agricultor tibetano... - Kevin, minha única e última esperança... Entrei sem rodeios e já comecei um boot pelo disquete. - Danilo: O fdisk não acha partição alguma, é como se ela nunca tivesse existido. E agora? - Agora vou sumir de vez! Vou me mudar para o Uru- guai, em Trinta Y Trés, e plantar soja com meus primos. Ao ingressar na BIOS do computador, eu quase encolhi- me de aterrado. O tal bichinho do jogo de paciência estava lá, avermelhado, sorrindo cinicamente... estático, com uns medo- nhos caracteres ASCII em torno dele... - Como vou matar este tal tamagoshi agora? - Se tu não sabe, Kevin, imagine eu... Ai meu Deus... estou passando mal... Após dizer estas palavras, Danilo foi ao banheiro, cha- veou-se lá e começou a vomitar... Não consegui sequer criar uma partição no PC dele. O vírus bloqueava... Tânia avisou qualquer coisa que iria para casa da mãe dela, no Bairro Amadeo Sartori, e sumiu... Entardecia e a escola me esperava. Despedi-me do Da-
  • 47. 47 nilo. Ele estava arrasadíssimo. Três dias depois fiquei sabendo que ele desaparecera. A casa, que ele pagava aluguel, ficou com os móveis e algumas roupas. Pensei: Ele foi mesmo para o Uruguai... ledo engano. A Polícia encontrou seu corpo na saída para Pinhal da Serra, ao norte da nossa cidade, enforcado em uma imbira, às margens da BR 169. Tudo indica que ele percorreu os 17km da sua casa até ali, na subida para a serra. Meus olhos não acre- ditavam... Rezei para ele. Em seu velório encontrei colegas de curso e até treze ex-alunos do meu tempo de Ensino Médio no Colégio Giuseppe Garibaldi. Os pais do Danilo choravam em pânico e aquilo começou a me fazer mal. Na hora, compilei mentalmente uma oração aos Espíritos Superiores e curiosa- mente as pessoas começaram a diminuir a lastimosidade dos choros e se aliviarem um pouco. Nunca me esqueci do Danilo. Esforçado, doce e querido ele era disputado nas rodas de amigos. Ajudava a tudo e a to- dos, com sorriso nos lábios. Tânia, sua noiva, era quieta, introvertida, de poucos amigos e com um ar de traiçoeira. Eu não a vi no velório do seu "querido", mas dezessete dias depois encontrei-a traba- lhando no camelódromo da Vila São Caetano, a 21km de meu bairro. Lugar com fama de perigoso devido às classes baixas da população. Detalhe, ela já estava noiva de um sujeito de quase dois metros de altura, corpulento, piloto de uma moto de 1100 cilindradas e que vendia cigarros e bebida alcoólica em uma das outras bancas. E mais: O geito dele lembrava-me o de um viciado ou traficante de drogas. Somente uma coisa me atraía naquele camelódromo: um cebo de livros usados. Lá encontrei "Memórias de um Sui- cida" por sete reais, e também "Estela", de Camille Flamma- rion, que me saiu por quatro reais e meio. Comprei O Livro dos
  • 48. 48 Espíritos e presenteei Dona Vitorina, a mãe do Danilo, quase um mês depois da morte do filho. Ela me abraçou e o seu es- poso, Sr. João Batista, ávido lavrador em terras arrendadas, me convidou para matearmos juntos, com bolinhos fritos e al- gumas histórias... Eles começaram a ir na Sociedade Chico Xavier quatro dias após minha visita com o presente e não fo- ram poucas vezes que os vi chorar. Continuaram a frequentar a sociedade, fazendo como eu: distribuindo gibis e doces às crianças portadoras de HIV ou qualquer outro tumor, que ali frequentavam quando podiam. No que eu disse o nome de mi- nha mãe à Dona Vitorina, ela quase pulou! Dona Vitorina fora aluna de minha mãe no Colégio Interno! Após a formatura do Antigo Ginásio, Dona Vitorina ca- sou-se com João Batista e despediu-se de minha mãe. Foram morar em Bento Gonçalves onde ambos trabalhariam em uma vinicultura por quinze anos. O casal sempre fora apaixonado por uvas e vinhos! Poucos dias depois Dona Vitorina visita-nos com uma rara alegria e minha mãe não acreditou quando ela apontou no portão. Sem exagerar, "prosearam" até à meia-noi- te! Julho chegou e com ele as provas finais. Infelizmente não consegui concluir a disciplina de Quântica. A prova fora di- fícil. Mas não perdi as esperanças, por que das cinco foi a única que não fui bem sucedido. Apesar do vírus ter destruido a primeira versão de meu relatório de estágio, em quatro dias consegui reconcluir suas 78 páginas... A turma "308" do Colégio Joanna D´Arc des- pediu-se de mim como despediu-se de um rei: Chás, bolinhos, doces e um presente ganhei da Equipe de Professores e Funcionários: Uma linda bússola com inscrições no estilo his- tórico do século XV, com algarismos romanos e um mapa da América Antiga no plano-de-fundo da bússola. Diseram-me que era um agradecimento aos mais de quarenta livros de Físi-
  • 49. 49 ca doados por mim à biblioteca daquela escola. O Estágio Supervisionado em Física rendeu-me 97% da nota semestral e fora a minha mais alta. Na noite de 05 de Julho, o telefone: - Alô? - Kevin? - Pois não? - É a Dona Vitorina... - Que alegria! A senhora está bem? - Sim, agora melhor que nunca! Estou me sentindo mui- to renovada porque um dos médiuns da Sociedade Chico Xa- vier recebeu uma mensagem, acerca da situação do meu fi- lho... O que eu acabara de ouvir fez meu coração disparar dentro de mim, como uma bomba desgovernada... - A senhora tá brincando?? - Não, meu querido. Recebi-a hoje. Estou com ela em mãos! Anotei. - Passarei um dia aí para vê-la? - Sim. quando quiseres. Conclui a leitura do Livro dos Espíritos. Três vezes por semana eu e meu esposo vamos ao "Chico Xavier" para assistir às palestras. Uma delas me como- veu muito: sobre suicídio. - Continuem frequentando e parabéns pela iniciativa! Até breve! - Até breve meu querido! A este meio tempo, ao saír para ler meus e-mails, o car- teiro entrega-me uma papelada nas mãos e em meio às já co- nhecidíssimas propagandas de lojas e contas a pagar, duas correspondências de Daiana: Uma era particularmente grande, excepcionalmente florida e aromática. Ao abri-la, meu coração
  • 50. 50 disparou como um louco desgovernado, de novo! Tratava-se de um cartão desses que projeta um pano- rama sanfonado, como um cartão 3D. Montanhas, árvores, uma cascata e um aroma de flores e uma musiquinha de fundo quase me fizeram desmaiar! Lindo! Nele uma inscrição dou- rada dizia: "O amigo sincero, fiel e verdadeiro não tem preço e nada se compara ao seu valor!" Escrito a mão, outro dizer: "Kevin: Minha cidade é assim... mais ou menos! Te aguardo se vieres. Beijos vários da menina que pensa demais em ti: Daiana." Guardei a bicicleta, nem saí... meus olhos se recusavam a abandonar o cartão. E para minha surpresa, na carta convencional, uma foto de Daiana, de corpo inteiro. Ela vestia um biquini de banho e estava com um coco nas mãos, sorvendo a água pelo canu- dinho. Seu rosto irradiava uma angelicalidade profunda... seu corpo, perfeito até demais, fez-me estremecer e o coração dis- parar irremediavelmente. Tive que me sentar e massagear meu peito! A impressão que eu tive foi de meu coração querer abrir um buraco em mim, tais eram os socos das batidas. Nunca ha- via até então experimentado uma sensação igual... Eu não acreditava nos meus olhos. E a carta dizia: "Nova Romênia da Serra, 28 de Junho de 2000 Oi, meu doce Kevinho!! Que alegria receber e responder tuas cartas. Estou tão animada e feliz que anexei uma foto minha que tirei em fe- vereiro no Balneário Orquídeas, perto de onde moro. Vamos
  • 51. 51 ver agora se eu te decepcionarei ou não... porque estou com uns quilinhos a mais... pois bem, agora eu quero que você me faça o poema conforme me prometeu... já pensou se eu me apaixono por você? Pobrezinho do Kevin... sobrará para ti me aturar (risos...). Quanto a você ser pé-frio para namoro, eu duvido muito. Você é lindo... então já que estás livre eu acho que vou querer te namorar... hahahaha... querido! Você nem imagina as poten- cialidades que tens... vá que você conheça uma concorrente minha por aí e esqueça desta chata que só te amola? Com imenso prazer te responderei às perguntas que agora eu te devo: 1. Meu pai: Sr. Cezarino Stackerborensku, de 58 anos, natural daqui mesmo, agricultor, sapateiro e exímio confec- cionador de selas para cavalos, ama tudo o que faz. Ah, ele tem lavouras de trigo e milho. Sua descendência é romena. Minha mãe: Sra. Verenita Radensku Stackerborensku, é costureira, foi professora e agora é aposentada em seus 56 anos. Doceira de mão cheia, é cabelereira e floriculturista. Ela montou a microempresinha dela aqui em casa. Vende flores, costura para fora e faz uns bolos e doces que, em parte, ex- plicam meus quilinhos em excesso (risos...). Ela é muito in- teligente e vez em quando andamos de bicicleta. 2. Minha profissão dos sonhos? Ser bióloga e tanto faz se professora ou pesquisadora. E quero ser como minha mãe: muito inteligente, aprender a cultivar flores e fazer doces. Bem... já sei fazer isso, mas quero ser tão profissional quanto ela, que tem um dom mágico! 3. É... também não gosto de funk e pagode, mas não dispenso uma música sertaneja de vez em quando. Meu pai tem uma coleção de mais ou menos uns 1000 discos de vinil. Ele não é fã dos CDs, gosta dos velhos tempos... e eu vi que dentre a imensa coleção dele tem um disco de vinil do Kraft-
  • 52. 52 werk. Ainda não ouvi mas farei isso... No demais temos muito em comum com música. Tenho uns CDs do Raul Seixas, En- genheiros e Titãs. Se quiseres, faço um CD para você com umas coletâneas, quer? 4. Eu também confiaria um namoro a distância... mas... será que daria certo? Nunca tentei. Eu até gostaria de experi- mentar. O problema é aguentar a saudade, mas por outro lado não se brigam... A distância impede isto... 5. Viajei pouco, mas adoro. Do teu estado, só conheço algumas cidades: Erechim, Iraí e Santa Rosa. Minha mãe tem uma prima que mora em Erechim. Aqui em SC conheço umas doze cidades, pertinho da minha. Cito três como exemplo: Rio Negrinho, Joinville e Timbó". 6. Comovi-me muito do seu relato sobre sua primeira namorada. Eu cheguei a "ficar" só uma vez com um garoto dos meus tempos de ensino médio. Eu tinha algumas espinhas e uns quilinhos a mais. Ele, conheceu uma moça mais velha que eu e até mais bonita. Mas depois foi ficando com outras... um grande galinhão! Ele, o José Alcides, sumiu daqui. Dizem que foi a Florianópolis trabalhar como confeiteiro de restaurante. Nunca mais namorei ninguém pois me frustrei. Decidi esperar para ver o que o tempo irá decidir. E descobri que amo escrever cartas... 7. Sou filha única. Mas não era para ser. Verônica, nas- cida quatro anos mais tarde que eu, faleceu de uma doença rara após o nascimento, que lhe atrofiou o sistema nervoso e imunológico. Viveu entre nós por apenas dois anos... Ela tinha os olhos azuis mais lindos que eu já vira em minha vida! Era inteligentíssima! Aos nove meses de vida já arriscava em ler as palavras grandes nas capas de revistas e jornais e isso chamava atenção das pessoas. 8. Sou frontalmente contra os vícios do fumo e do ál- cool. Em meu aniversário só consumo refrigerante e veja lá.
  • 53. 53 Cerveja é bom, mas devemos nos cuidar acima de tudo. Meu pai adora cerveja mas ele exemplifica tomando raríssimas ve- zes. 9. A princípio, minha família é de religião ortodoxa, tais como meus avós e antepassados que vieram da Romênia. Já li uns romances espíritas e achei bem interessantes. Eu tive um livro há muito tempo atrás: "Nosso Lar", do Chico Xavier e tudo indica que ele está em tuas mãos agora!! Por acaso ele não tem uma frase mais ou menos assim: "Fé raciocinada é a integral aceitação da nossa condição, na Natureza"? O menino que tentei namorar furtou-me o livro depois que emprestei para ele na época que o danado sumiu para a capital e não mais voltou. Como foi parar aí o livro?? Bem, conforta-me a possibilidade de voltarmos, pela re- encarnação, para termos novas chances, novas possibilidades, novas tentativas. Nunca tinha pensado sobre isso e comecei a refletir. Tomara que seja possível e real, porque nossa vida é pequena demais para tantos aperfeiçoamentos, responsabilidades e ro- deios. Li um livro lindíssimo estes dias: "Violetas na janela". Você já o leu? Espero que ocorra de verdade aquela passa- gem após a morte. A vida eterna não pode ser assim triste e sem esperança no horizonte conforme dizem os cristãos tradi- cionais. A fé inteligente deveria se sobrepor à fé burra. Infeliz- mente isso não ocorre entre os fiéis. 10. Minha cidade? É bem pequena, 4500 habitantes, montanhosa, no topo da Serra do Contestado (885m acima do nível do mar), faz um frio danado nos meses de inverno e no verão nunca subiu dos 260 C. Mas é bonita: Cuidada, canteiros floridos, casas enfeitadas com flores, tinta nova, essas coisas. A prefeitura dá imenso valor à preservação, tanto, que o ria- chinho que passa no centro não é poluído e as crianças pes- cam lambaris! Temos o Festival das Flores e Doces, que
  • 54. 54 dura seis dias e tem até bailes, festas e divertimento noturno. A paisagem aqui é muito bonita, produz-se trigo, centeio, fumo, soja, milho, amendoim e alho. Tem duas vinícolas famosas: São Valentim e Sangue da Serra. As vindimas são enormes. Os vinhos, deliciosos. Quase todo mundo conhece todo mun- do. O prefeito joga baralho com meu pai e saem até para caçar lebre juntos. Aliás, lebres por aqui é o que não falta. Moramos a 5km do centro. A cidade é uma paz que dói... O último e único homicídio ocorreu em 1982. Disputa de terras entre pai e filho... OBS: A Avenida principal: São Gotardo, concentra a prefeitura, a câmara de vereadores e todas as lojas da cidade. E ainda possui imbiras e carvalhos de mais de 200 anos! Obrigada pelos teus elogios, meu querido kevinho! são tantos... obrigada por confiar em mim. Nunca pensei que al- guém me achasse carinhosa. Será que sou? Bem... gostaria de que você me conhecesse e experimentasse minha persona- lidade para realmente comprovar. Eu adoraria ser carinhosa com alguém que mereça meu coração. Será este alguém vo- cê? Eu queria que fosse... (fiquei vermelhinha...). Eu queria te conhecer e te abraçar, Kevinho... Quanto ao xadrez, aceito as aulas, mas não sei onde conseguir um tabuleiro com as peças. Os bazares daqui não tem muita variedade mas irei tentar e estarei pronta para a pri- meira aula. Você é sim... um gênio! Um cientista! Te considero um menino muito devotado à cultura, aos estudos, ao futuro... Por favor, se não for abusar da tua vontade, você des- cobriria um livro para mim? Trata-se do "Dendrologia das Pteri- dófitas". Aqui não existe, nem em lugar nenhum que eu co- nheça. Esqueci até o autor. Diga-me o preço do xerox que eu te enviarei, certo? Seria um favor e tanto... Não vejo a hora de começar o meu estágio supervisio-
  • 55. 55 nado no Colégio Cristo Rei. Adoro dar aulas! Vou te ligar daqui a uma semana, aguarde... Quanto ao meu tratamento médico, o laboratório ainda não liberou os resultados por que os exames vão a Florianópo- lis e demoram semanas para virem. Mas é coisa pequena. O preço dos medicamentos é que me preocupam. Provavelmente eu terei que depurar o sangue com remédios. Mas está tudo bem; não sinto nada de errado. Quanto ao meu menino, cuide para que não fique mais dodói... já que estou longe de ti, peço-te para que te cuides... Você é meu poeta! Bem, quanto ao sonho que tivemos, temos que estudar melhor o caso para não nos precipitarmos em conclusões. Foi estranho, de fato. Naquela noite eu adormeci pensando em ti e provavelmente nos aproximamos espiritualmente. Pelo que po- demos ver, Deus é muito mais do que aquilo que supunha- mos. O amor vence barreiras e quanto à espiritualidade, minha intuição me diz que devemos aprender muitas coisas indepen- dentemente da nossa crença ou religião. Algo me diz que nos- sa vida material é ilusão e que a espiritual é verdadeira. Procurarei na biblioteca da minha faculdade ou na bib- lioteca da nossa igreja ortodoxa alguma coisa sobre o assunto e te direi o que descobri. Se você quiser vir me ver, fique a vontade. Avise-me, para que possamos ver se o tempo e a ocasião sejam opor- tunos para mim e para você. A propósito, qual é tua data de aniversário? A minha foi 12 de Junho. Fiz 26 anos. Aguardo tua cartinha, meu anjo amado, hoje e sempre. Beijinhos doces de chocolate. Já estou com saudade, querido. Da tua discípula espiritual: Daiana."
  • 56. 56 CAPÍTULO 07 De tudo o que li na carta, Daiana demonstrou-me ser uma moça muito segura de si, confiante na sua intuição e nas coisas que lê e descobre, além de ser excepcionalmente sim- ples e ter convicta franqueza. Qualidades raras em um ser- humano. Mas o que me deixou triste foi de eu ter perdido o ani- versário dela sem enviar nada. Em parte, foi bom, por que evi- tou precipitações de minha pessoa, mas quando ela afirmou que seu aniversário fora em 12 de Junho, dia dos namorados... daí sim meu coração inquietou-se... mas o jeito era dar tempo ao tempo e ver as coisas amadurecerem devagar. Eu estava esperançoso de namorá-la, mas como? Nossas cidades se- paravam-se a uma distância de 685km aproximadamente. Eu nunca tinha conhecido alguém de descendência ro- mena no Brasil. Há pouco tempo descobri, por pesquisas na internet, que os romenos vieram junto com os alemães e ita- lianos no século XIX, de 1850 a 1870, na mão-de-obra agrícola que o Brasil tanto precisava. Agora, se Nova Romênia da Serra fora fundada só por eles, isso seria uma novidade para mim, por que a maior parte das cidades no Sul do Brasil foram fundadas por italianos, ale- mães, poloneses ou russos, mas romenos era algo que eu nunca imaginaria. Eu entusiasmava-me com a História da imi- gração no Brasil e vez por outra, dava uma olhadinha na Inter- net a respeito da Romênia. E o que descobri me fascinou: Terra do Imperador Vlad, o Drácula, que sacrificava pessoas e animais para banhar-se em sangue, há mais ou menos 700 anos atrás. Terra tembém das últimas florestas intocadas da Europa, de inúmeras grutas e cavernas e de uma fauna fascinante. Ali, parte do povo europeu ainda vive nas ati- vidades agropastoris mais ou menos como a Europa era antes
  • 57. 57 da revolução Industrial. E as mulheres... são lindas, na Romê- nia! Deduzi que as leis ambientais por lá são rigorosíssimas tal é a beleza do país em se tratando de florestas, montanhas e animais. Mas a realidade cotidiana me voltou quando o telefone tocou. - Alô? - Kevin? - Sim! - Aqui é a Patrícia, presidente do Chico Xavier com a boa notícia... - E qual? - Consegui o espaço físico para você montar a sala dos computadores para as crianças... Do outro lado, quase explodi de alegria... - Tá brincando??? - Não. É sério, você já pode desencaixotar os micros do- ados e começar a instalar... - Neste sábado? - Pode ser! - Patrícia! Muito obrigado!! Não tenho palavras! Sábado às 14h estarei aí. - Feito. Até lá e um abraço! A notícia, para mim, fora espetacular. O que me preocu- pava era o fato das pessoas, e muitas, doarem computadores em excesso, obsoletos para elas, e me faltar espaço para tra- balhar, mas eu usei a cabeça... No sábado marcado, já na segunda metade de julho, lá fui eu com uma pendenga de coisas na minha mochila e na bi- cicleta: um soldador de estanho, um jogo de sete chaves- phillips, cinco de chaves-de-boca e oito chaves-estrela, além
  • 58. 58 de um potinho entupido de parafusos pequenos de todos os ta- manhos, alguns mouses, extensão elétrica, pilhas-de-BIOS e por aí foi... Entusiasmado, nem olhei a palestra da tarde e me perdi no tempo... Dos quinze gabinetes doados, dois tornaram-se inúteis e deixei seis funcionando, prontos para receber o Win- dows. O chato foi os estabilizadores. Dos dez, um apenas con- tava com o fusível bom, os demais com os fusíveis queimados. No domingo seguinte eu já tinha tirado as cópias das chaves- de-acesso ao prédio e recomecei... só terminei à noite, sem cessar e nem a chuva que começou a cair às quatro da tarde me desanimou. A sorte é que o vizinho da frente da Sociedade Chico Xavier tinha sete fusíveis e deixei sete dos nove esta- bilizadores inoperantes funcionando. Seu Aldo Corrêa ainda me cedeu três teclados, três mouses e quatro caixas de dis- quetes de 1.44Mb. Abracei-o tal a generosidade do coração e continuei meu trabalho, tapado de poeira e óxidos de ferrugem impregnados nas mãos. Na hora de voltar, e o fiz às 8h da noite, onze com- putadores estavam com o Windows e um com placa-mãe pi- fada. Voltei para casa e na semana entrante providenciei os fusíveis faltantes, alguns mouses, drives de CD, Hub de rede e placas de rede. No finalzinho de julho eu já estava com o laboratório quase pronto, com suas mesas e cadeiras. Ainda me faltavam os cabos de rede que, pacientemente, medi as distâncias dos gabinetes até a hub, na parede, para provi- denciar. A sala para mim cedida possuía uma área de 40m2 , tinha prateleiras e uma mesa da qual era a "mesa de cirurgia" dos computadores. Já em agosto, com a retomada das aulas no IFF, eu já estava com tudo pronto para começar com as crianças matriculadas no Xico Xavier. Onze crianças pobres
  • 59. 59 cujos olhinhos brilhavam de contentamento. Comecei em uma segunda-feira, distribuindo doces, lápis, borrachas, cadernos e apontadores para eles. Minhas sextas-feiras eram quase livres, apenas com Fí- sica Quântica às 8h da manhã. As demais disciplinas que me matriculei eram nas terças e quintas. Sexta-feira de tarde era meu dia sagrado para com as crianças pobres. Eu ensinava noções triviais e elementares de datilografia e introdução ao Windows. Pacientemente resolvia as dúvidas dos pequenos e os fazia rir muito às vezes. Como fora gostosa esta partilha de existências! Porém às vezes, o destino nos testa os parâmetros do amor e do sofrimento. No meio de Agosto um dos meus alunos, o Amauri, de apenas 11 anos, falece, vítima do HIV que possuía. Naquele dia fomos ao velório, mas fiquei por 10 minutos; os demais de minha classe de alunos ficaram. Tive que correr para a aula de "Metodologia de Cálculo Com- putacional". No mesmo sábado da semana corrente, o tema na palestra espírita no Chico Xavier fora justamente sobre a Es- piritualidade e as Doenças Incuráveis. Ao chegar em casa, por volta das 9h da noite, exausto, vi o que parecia o vulto de um gato branco pular a grade do jardim da frente. Ele parou, me olhou por dois segundos e sumiu na folhagem das hortências. Verifiquei cada arbusto e nada... O bicho evaporara como que por encanto. Ele não es- tava onde deveria estar!! Entrando na cozinha, com fome de cão, minha mãe co- mentou: - Kevin, Daiana te ligou... Após ouvir isso, meu coração parou... eu não acreditei! - A que horas? (quase gaguejando...) - Foi às oito. Ela disse que tentará te ligar às dez... - Ai! Puxa vida!!! Terei que tomar um banho rápido, co-
  • 60. 60 mer algo e esperar... Foi o que eu fiz. Às nove e cinquenta o telefone toca e eu vôo em direção a ele: - Alô? - Oi? O Kevin, por favor? - E... ele! (quase gaguejando...) - Oi meu amor? - Daiana!!!! Que alegria!!! Não acredito, Deus! - Tudo bem contigo, meu querido? - Agora mil vezes mais! Estou ouvindo a tua voz! E con- tigo, princesa do Universo? - Nem tanto. - Uai! O que houve desta vez, doçura? - Branquinho morreu atropelado anteontem. Era meu único gatinho de estimação. Ele se meteu em um buraco entre duas pedras para caçar um ratinho, em meio à nossa estrada municipal. Daí veio uma patrola da prefeitura para começar a terraplanagem, a lâmina passou em cima das duas pedras e ele morreu esmagado. Chorei o dia todo. Ainda choro. Ele fal- tava falar. - Ele era todo branco????? - Sim. Como uma bolinha de neve... e adorava se es- conder em arbustos ralos. Naquele instante um arrepio me percorreu a espinha da cabeça aos pés, me dando uma sensação de gelo até no co- ração. - Daiana! Nossa! Ahh meu Deus! Ontem vi um vulto de um gato branco como se pulasse a grade de nosso jardim na frente. Ele me olhou rapidamente e se evaporou próximo a um arbusto de hortências. Fui lá verificar para ver se ele con- tinuaria a fugir se me visse, com o barulho típico da folhagem de arbustos... mas ele não estava lá!!!!! - Aconteceu de novo então?
  • 61. 61 - Sim! De novo... os animais são seres espirituais como nós! - Eu queria muito que isso não fosse simplesmente uma frase de consolo ou de auto-ajuda, Kevinho... - Daianinha: A medida que nossa educação moral e nossa integridade de caráter se aprimora, o que é místico passa a ser oficialmente científico. Creio em Deus que fez as criaturas, mas não no deus fajuto que o homem fez. - Você é um amor, meu coração. Estou me sentindo melhor agora... Só você mesmo para voltar a me fazer sorrir. - E teus exames médicos? - Chegarão amanhã. Terei que retirá-los. Senti uma dor estranha na altura do baço e do fígado. Não sei explicar. - Estou preocupado, Daiana!! Ai... - Calma. Vai dar tudo certo. Segunda feira tenho exame geral marcado, de sangue e de amostras de urina e fezes. Agora a boa notícia: Meus pais compraram nosso tele- fone, anote: 42 3006 6005. Pegou? - Que alegria!!! Anotei! Vou te ligar aos domingos, ser- ve? - Amanhã? - Sim! À noite? - Tudo bem. - Que alegria Daiana!!! Teu gatinho não sofre mais... não fique triste! Com o tempo, você conseguirá outro filhoti- nho... - Igual ao Branquinho vai ser difícil... - Otimismo, menina! Força! És fortíssima, mais do que eu com certeza! - Certo! Você não existe! Teu dia foi bom? - Terminei a construção do laboratório de informática das crianças no Chico Xavier e dois dias depois um dos meus alunos falece de HIV. Fiquei tão triste...
  • 62. 62 - Mas precisamos ser fortes. Somos imortais. - Sim, Daianinha, e você é minha força, minha esperan- ça! E o teu dia? - Ajudei a mãe hoje. A clientela dos doces e dos cortes de cabelo disparou e eu tive que botar a mão na massa... - E as aulas? - Matriculei-me em quatro disciplinas apenas. Ainda bem que não repeti nenhuma. A mais importante é sobre a Dendro- logia das Pteridófitas. Base para as gimnospermas, depois. - Claro! Teu livro! Consegui um usado, serve? - Sim! Sério mesmo? - Te mandarei por sedex. - Quanto custa? - Vamos ver... a calculadora... hãhã... aqui. - Quanto? - Nada. É de grátis! - Kevinho, seu sapeca! - É presente de aniversário atrasado. Já era tarde quan- do tomei conhecimento. Mas te devo outro ainda e irei mandar. - Dois? Como assim? - Sim: Por ser teu aniversário e... pelo doze de junho. (fi- quei absolutamente vermelho). - Ahhh... namorados!!! Que doce!!! Você me namoraria, Kevin? - (engoli seco e... quase gaguejando, tasquei) Sim! - Eu também, Kevin! (segundos de silêncio... que pareceram mil anos) - Aguarde os presentes, minha namorada... Você é tudo de bom!!! - Sim, meu doce amado e querido! Quero te ver pes- soalmente! És lindo! (Mais um pouco daqueles segundos-mil-anos) - Puxa! Obrigado! Quero te amar!
  • 63. 63 - Qual a data do teu aniversário? - Dezoito de dezembro... tá longe... - Não vou esquecer mais! Tenha uma boa noite, meu gatinho amado! Sonharei contigo. - Boa noite, doce dos doces! Anjo mil anos a frente da Humanidade! Nunca hei de esquecer tuas palavras e voz! És Deus! Beijos! - Beijos e até amanhã.
  • 64. 64 CAPÍTULO 08 A ligação de Daiana encheu-me de energia, disposição e alegria. Mas o que me embatucava eram as coisas que ocor- riam no decorrer do tempo. Novamente presenciei uma materialização espiritual? O gato de estimação dela havia mor- rido e um dia depois eis que um gato exatamente igual aparece em nosso jardim. Nossa vizinhança não possui gatos brancos, a não ser de raça, como ciameses, persas e birmaneses, mas nenhum gato comum branco! Ao dormir, naquela noite, sonhei primeiramente que Amauri, meu ex-aluno falecido, veio a mim e me disse: "Estou bem, sem dores como antes e aqui onde estou há compu- tadores e estou aprendendo! Obrigado, professor, pelo teu amor e pelos doces! Nunca vou te esquecer!" Acordei às 2h da manhã, com o coração aos pulos! To- mei água com açúcar e voltei a dormir... e no segundo sonho, veio-me Daiana!! Não foi nada bom. Ela encontrava-se eferma sob um leito hospitalar. Todo o ambiente era branco e límpido, mas ela sofria com dores. E ela me disse: "Não se preocupe. Sofro mas as dores se irão. O amor legítimo é eterno e é para sempre. E é isto que eu sinto por ti". Eram 6h 30min da manhã. Eu repensava os sonhos com meu aluno falecido e com Daiana. Apesar de ser domingo de sol, fui reparar o que faltava no Laboratório do Chico Xavier. Durante a configuração via CD de drivers de quatro placas de rede faltantes, senti que alguém estava me observando e virei- me. Nada vi. Ao concluir a instalação, senti a mesma sensa- ção. Nada via. Procurava pelo CD no 3 dos drivers de placas de rede... saco! Cadê ele?? Já nervoso pois era quase meio- dia, alguém ao meu lado sussurrou: "- Está na mochilinha da bicicleta, professor."
  • 65. 65 Ao verificar, lá estava ele: "KEVIN DRIVERS LAN ETH0 CD 03". Em dez minutos terminei o que faltava do serviço... À tarde daquele dia, peguei uma sessão no planetário. Havia tempos que eu não ia. A sessão, intitulada "Urânia", fora baseada em um livro de Camille Flammarion. Urânia, a per- sonagem central da viagem artificial, levou o público pelos pla- netas do sistema solar e por outros planetas situados em ou- tras estrelas. Explicou o Universo, a vida e a importância do progresso da humanidade. Urânia, em suas características tais como feitas no Pla- netário, lembraram-me, pela incrível semelhança, Daiana. Saí do Planetário com os olhos estufados e a saudade, em meio ao perfume das plantas circundantes ao prédio do Planetário, entrava em meu espírito furiosamente... À noite, liguei para ela: - Boa noite? - Boa noite! Pois não? (era voz de um homem) - É o Sr. Cesarino? - Ele mesmo! Quem é? - É o Kevin, do Rio Grande do Sul. A Daiana está, por favor? - Ela acabou de sair do banho. Você espera? - Sim! O senhor está bem? - Claro, sim, e você? - Melhor que isso não tem graça! (Ele do outro lado riu...) - Um abraço ao senhor. - Outro, querido. (Mudou-se o atendente...) - Oi? - Da...ia...na! A maior mulher do Universo!!! A Luz das galáxias! - Seu exageradinho... tudo bem contigo?