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Revista Idéia Social 
 
Edição nº 5 
Julho/Agosto/Setembro 2006 
 
http://www.ideiasustentavel.com.br/2006/09/edicao‐5/ 
 
 
 
 
 
 
 
Especial  –  A  distância  entre  uma  boa 
solução e uma tecnologia social 
Por Paula Craveiro 
 
Segundo o IBGE, o terceiro setor brasileiro possui cerca de 276 mil organizações, 
com 1,5 milhão de trabalhadores e algo em torno de 20 milhões de voluntários. 
Em sua maioria minúsculas (77% não têm sequer um empregado), elas nascem 
quase sempre da indignação, do interesse de participação social e do impulso 
de indivíduos na busca de solução para um determinado problema social. Como 
são gestadas no interior de comunidades, com poucos recursos financeiros, e 
por iniciativa cidadã de pessoas que conhecem de perto as necessidades que 
querem atender, suas soluções tendem a ser boas idéias e também de baixo 
custo. Mas nem sempre tão aplicáveis ou efetivas, em grande medida por causa 
de  dificuldades  comuns  de  planejamento,  avaliação,  captação  e  gestão  de 
recursos. Na maioria das vezes, atingem um grupo limitado de pessoas de uma 
localidade,  uma  pequena  fração  daqueles  que,  potencialmente,  poderiam  se 
beneficiar daquele tipo de solução. 
 
Nenhum especialista da área duvida de que, apesar das limitações de porte e 
alcance, essas organizações têm feito a sua parte na melhoria do IDH – Índice de 
Desenvolvimento Humano brasileiro. Mas há quem acredite – e não são poucos 
– que o impacto global de sua atuação poderia ser consideravelmente maior se 
o  terceiro  setor  atuasse  integrado  como  uma  grande  rede.  E  se  as  suas 
instituições  fossem  percebidas  pelas  diferentes  esferas  de  governo  como 
parceiras preferenciais no desenvolvimento e execução de políticas públicas. 
 
São  vários  os  argumentos  de  quem  defende  essa  tese.  Para  o  objetivo  desta 
reportagem, vale destacar apenas um deles: qualquer que seja a solução para 
algum dos nossos problemas sociais, antigos ou recentes, muito provavelmente 
ela já tenha sido elaborada, desenvolvida e testada por uma organização social 
em algum canto do País. Não há, portanto, nenhuma razão para reinventar boas 
práticas. Cada vez mais estudiosos do tema concordam que o mais sensato a 
fazer é dar visibilidade pública às existentes, compartilhar o conhecimento que 
está por trás de sua criação e ampliar o alcance de seus resultados para que 
excedam os limites de uma comunidade restrita. Os governos, nesse sentido, 
têm papel fundamental. Se forem mais atentos e sensíveis, podem identificar as 
práticas exitosas, valorizá‐las e conferir‐lhes a escala necessária. 
 
É justamente a possibilidade de fazer diferença em grande escala que distingue 
uma boa idéia de uma tecnologia social. “Tecnologia social é um conceito que 
engloba  técnicas,  produtos  e  metodologias  com  potencial  para  serem 
reaplicáveis,  elaboradas  a  partir  da  interação  com  uma  comunidade  e  que 
representam  soluções  efetivas  de  transformação  social”,  ensina  Luis  Fumio 
Iwata, responsável por Tecnologia Social da Fundação Banco do Brasil (FBB). 
 
Com baixo custo (menos de R$ 1 por pessoa), uso prático, resultados evidentes, 
e  aplicação  em  qualquer  lugar  do  Brasil  e  do  mundo,  a  multimistura  é  um 
exemplo clássico de tecnologia social. Desenvolvida pela médica nutróloga Clara 
Takaki  Brandão,  adaptada  e  difundida  pela  pediatra  e  sanitarista  Zilda  Arns 
Neumann,  da  Pastoral  da  Criança,  a  farinha  feita  à  base  de  casca  de  ovos  e 
farelos ganhou a escala necessária quando passou a ser distribuída em algumas 
comunidades com elevados índices de desnutrição e mortalidade infantis. Hoje 
é uma política pública de segurança alimentar em diversas regiões do país. Sua 
aplicação  tem  sido  invariavelmente  associada  á  queda  dos  índices  de 
desnutrição no Brasil. 
 
Mas, afinal de contas, o que uma boa idéia precisa ter para ser uma tecnologia 
social  e  se  transformar,  assim  como  a  multimistura,  em  uma  política  pública 
importante? Essa é uma questão cada dia mais comum entre líderes de terceiro 
setor interessados em ampliar o impacto e tornar mais eficazes suas práticas. 
Para  respondê‐la,  Idéiasocial  entrevistou  os  especialistas  Iwata,  da  Fundação 
Banco  do  Brasil,  e  Larissa  Barros,  secretária  executiva  da  Rede de  Tecnologia 
Social. Propôs aos dois analisarem as boas soluções sociais propostas por seis 
organizações de terceiro setor do país, avaliando até que ponto, a partir dos 
elementos  distintivos  do  conceito,  elas  podem  ou  não  ser  consideradas 
tecnologias sociais. 
 
TECNOLOGIA SOCIAL: UM PRODUTO, UMA TÉCNICA OU UMA METODOLOGIA 
APARA APROPRIAÇÃO COLETIVA 
Para  a  socióloga  Larissa  Barros,  tecnologia  social  não  precisa  ser 
necessariamente  um  produto,  como  a  multimistura,  ou  ainda  uma  técnica 
específica, como são as cisternas. “Ela pode ser, por exemplo, uma metodologia 
destinada  a  disseminar  soluções  para  problemas  relacionados  à  alimentação, 
educação,  habitação,  renda,  saúde  e  direitos  de  cidadania,  entre  outros”, 
afirma.  É  exatamente  este  o  caso  das  organizações  apresentadas  na  segunda 
parte  desta  matéria:  Escola  Ambulante,  TV  Janela,  Direito  de  Crescer,  Prosa 
Rural, Pedagogia de Roda e Conexão dos Saberes. 
 
O que distingue a tecnologia social da convencional é o fato de que ela se apóia 
no  desenvolvimento  de  uma  boa  idéia  de  solução  social,  e  considera  a 
participação  coletiva  em  seu  processo  de  organização,  planejamento  e 
implementação.  Pode  nascer  de  um  saber  popular,  caso,  por  exemplo,  das 
benzedeiras  do  projeto  Soros,  Raízes  e  Rezas,  que  aplicam  o  soro  caseiro 
enquanto  rezam  pela  cura  das  crianças,  ou  de  um  conhecimento  técnico‐
científico, como a organização de uma cooperativa de catadores e recicladores 
de  papel.  “Importa  que  seja  efetiva,  isto  é,  após  previamente  testada,  tenha 
alcançado o objetivo que se dispôs a cumprir. E também que seja reaplicável em 
diferentes  regiões,  com  as  adaptações  necessárias,  propiciando 
desenvolvimento social em grande escala”, completa. 
 
A  transparência  nas  ações  e  propostas  é  fundamental.  Assim  como  o 
envolvimento  do  maior  número  possível  de  pessoas  –  beneficiários  diretos  e 
indiretos e suas comunidades. Afinal, um dos objetivos centrais da tecnologia 
social é a sua rápida apropriação coletiva, tarefa para a qual precisa fazer com 
que  o  seu  passo‐a‐passo  seja  conhecido  por  todos  os  interessados  e,  com  o 
tempo, torne‐se de domínio público. “Na tecnologia social, os procedimentos 
devem  estar  ligados  às  formas  de  organização  coletiva.  Sem  isso,  não 
produzirão resultados positivos em escala para a melhora na qualidade de vida 
e inclusão social”, afirma Larissa. 
 
Para  promover  o  impacto  necessário,  uma  tecnologia  social  precisa  ser  um 
produto, uma técnica ou um método simples de compreender e fácil de aplicar 
pelas pessoas de uma comunidade. Quanto mais possibilidade de adaptações às 
singularidades locais, melhores tendem a ser os seus benefícios. Quanto menos 
investimento  financeiro  exigir,  mais  rapidamente  gerará  as  mudanças 
desejadas.  Na  avaliação  dos  dois  especialistas  ouvidos  por  Idéiasocial,  o 
processo deve permitir ainda o monitoramento e a avaliação dos resultados. A 
base para o seu êxito está também na cooperação entre setores e na sintonia 
com políticas públicas. “A aplicação da tecnologia social pressupõe uma atuação 
conjunta  e  cooperada  entre  poder  público,  sociedade  e  organizações”, 
complementa a socióloga. “Se ocorre isoladamente, favorecendo apenas uma 
pequena  parcela  da  comunidade  de  uma  determinada  região  carente,  não  é 
tecnologia social. É projeto pontual”, completa Iwata. 
 
Com a experiência de quem está habituado a selecionar soluções para o banco 
de Tecnologias Sociais que a Fundação Banco do Brasil criou e mantém, Iwata 
ensina:  “Para  que  sua  solução  faça  diferença  e  transforme  realidades,  a 
organização proponente precisa ter recursos humanos, financeiros e, em alguns 
casos, tecnológicos. Do contrário, nada acontecerá. Determinação para superar 
desafios e fazer o projeto decolar é um outro aspecto muito importante.” 
 
Na opinião de Larissa, ao desenvolver uma tecnologia social, a organização deve 
assumir  o  compromisso  de  divulgá‐la  a  quem  quer  que  possa  interessar  ou 
beneficiar.  “É  primordial,  portanto,  que  seus  criadores  realizem  um  bom 
planejamento, coloquem o projeto em teste, chequem os resultados e, estando 
de acordo com a proposta inicial, abandonem qualquer apego autoral do tipo ‘o 
projeto  é  meu’,  dispondo‐se  a  transcrever  a  metodologia  aplicada,  em 
linguagem clara e objetiva, de forma a permitir sua reaplicação”, explica. Veja a 
seguir seis casos de tecnologias sociais propostas por organizações de terceiro 
setor de São Paulo, Ceará, Mato Grosso do Sul, Brasília, Rio de Janeiro e Minas 
Gerais. 
 
CASO 1: ESCOLA AMBULANTE: FÁCIL REAPLICAÇÃO E CUSTO MODERADO 
Retirar crianças e adolescentes das ruas do centro da cidade e devolvê‐los às 
suas famílias e à escola é o objetivo do projeto Escola Ambulante, criado pela 
Associação  Beneficente  Santa  Fé,  de  São  Paulo  “Procuramos  compreender  o 
universo  no  qual  esses  jovens  estão  inseridos  e,  aos  poucos,  nos  aproximar 
deles,  de  forma  a  conhecê‐los  individualmente,  fazendo  com  que  se  sintam 
únicos e respeitados, independentemente de sua história, vivências, medos e 
expectativas. A partir dessa abordagem, traçamos um plano de ação para tentar 
reinseri‐los  à  sociedade,  levá‐los  de  volta  para  casa  e  a  escola”,  explica  José 
Queiroz, coordenador do projeto. 
 
Em  11  anos  de  funcionamento,  a  Escola  Ambulante  já  atendeu  mais  de  600 
jovens.  Segundo  dados  da  organização,  80%  deles  abandonaram  o  uso  de 
drogas, 75% saíram das ruas e voltaram para casa, e 97% freqüentam a escola. 
Apenas 22% continuam nas ruas, por opção. 
 
Na  opinião  dos  especialistas  entrevistados  por  Idéiasocial  uma  das 
características que fazem desse projeto uma tecnologia social em potencial é a 
fácil reaplicação a um custo moderado. “A solução pode ser desenvolvida em 
qualquer lugar do Brasil ou do exterior, onde houver crianças e adolescentes 
vivendo na rua. A transferência depende basicamente da capacitação da equipe 
que  aplicará  o  método  no  local.  Contudo,  recomenda‐se  que  seja  feita  uma 
avaliação  das  especificidades  locais,  como  tráfico,  cultura  e  comércio,  após  a 
realização da pesquisa etnográfica, para verificar a necessidade de adequações 
de conteúdo”, destaca Larissa. 
 
CASO 2: TV JANELA EXIGE PROFISSIONAIS CAPACITADOS PARA TRABALHAR 
COM PÚBLICO JOVEM 
Criado no início da década de 1990, o Bairro Pantanal, na periferia de Fortaleza, 
no Ceará, sempre foi visto como uma das áreas mais críticas da cidade, graças 
aos altos índices de violência e miséria. “Essa comunidade, no entanto, é muito 
mais do que isso”, contesta Valdenor Xavier de Moura, coordenador do Instituto 
de  Desenvolvimento  Social  (IDS),  entidade  responsável  pela  implantação  de 
uma tecnologia social chamada TV Janela. “Desde o início de nosso contato com 
jovens  do  bairro,  notamos  que  era  preciso  reforçar  as  potencialidades  locais 
existentes.  Isso  ajudou  a  elevar  da  auto‐estima  dos  meninos,  pois  o  bairro 
costumava ganhar destaque apenas nas páginas policiais”, diz Moura. 
 
O projeto consistia, inicialmente, na capacitação profissional para produção e 
projeção de vídeos. Com o tempo, surgiu o interesse em apresentar o material 
criado para a comunidade local. Todos os vídeos produzidos possuem relação 
direta com o Bairro Pantanal e apresentam temas que variam desde a origem 
das ruas da região até as profissões mais comuns no bairro, quadros de humor e 
grupos  musicais.  “Esse  tipo  de  atividade  contribuiu  não  apenas  para  a 
qualificação profissional e a inserção deles mercado de trabalho, como também 
melhorou bastante o relacionamento com a comunidade”, finaliza Moura. Para 
Iwata,  da  Fundação  Banco  do  Brasil,  a  TV  Janela  é  eficaz  por  causa  da 
simplicidade do método e, por tabela, do seu inegável potencial de reaplicação. 
“O  único  cuidado  a  tomar,  além,  é  claro,  de  captar  os  recursos  e  apoiadores 
necessários, é realizar um levantamento sobre a região e preparar uma equipe 
para  atuar  com  público  jovem,  trabalhando  conforme  as  necessidades 
levantadas”, ressalta. 
 
CASO 3: DIREITO DE CRESCER REPRESENTA MÉTODO PRÁTICO PARA REGIÕES 
MARCADAS POR EXPLORAÇÃO DE MÃO DE OBRA INFANTIL 
A tecnologia social Direito de Crescer, desenvolvida pela ONG Girassolidário e 
sob  comando  do  Instituto  Kinder  do  Brasil  (braço  da  Fundação Kinder  in 
Brasilien, sediada na Suíça), tem como objetivo tirar crianças do trabalho infantil 
em  carvoarias  na  região  de  Ribas  do  Rio  Pardo,  em  Mato  Grosso  do  Sul.  “O 
programa  tem  duração  estimada  de  sete  anos  e consiste  na  remoção  das 
crianças  das  minas  em  troca  de  uma  bolsa  mensal  de  R$  110  por  criança, 
utilizada na sua formação e na manutenção da subsistência familiar. Além disso, 
as famílias contam com o apoio de um grupo de assistência social, com oficinas 
de  educação  complementar,  que  enfatizam  o  crescimento  do  saber,  a  auto‐
estima  e  uma  postura  mais  responsável, e  programas  de  geração  de renda  e 
habitação”,  explica  Carl  Stephan  Hoffman,  presidente  da  Girassolidário,  para 
quem o projeto tem gerado importante redução do trabalho infantil na região. 
 
Na avaliação de Iwata, uma metodologia simples e eficaz como essa, testada e 
aprovada,  pode  ser  bem‐sucedida  em  qualquer  região  onde  haja  carvoarias, 
pedreiras  e  plantações  de  cana,  com  exploração  de  mão‐de‐obra  infantil  e 
famílias  vivendo  em  condições  muito  precárias.  “Como  nos  projetos 
mencionados  anteriormente,  as  organizações,  governos  e  empresas 
interessados em implantá‐la devem ficar atentos para a adequação à cultura e 
realidades locais”, destaca. 
 
CASO 4: NO PROSA RURAL, OS CONTEÚDOS PODEM VARIAR DEPENDENDO 
DA REGIÃO ONDE É APLICADO 
“O Prosa Rural é um programa semanal de rádio produzido pela Embrapa (DF), 
a partir da percepção da necessidade de divulgar soluções para a questão da 
agropecuária, e alternativas para os problemas mais comumente enfrentados, 
como  a  seca  e  as  formas  de  criação  e  cultivo”,  conta  Fernando  do  Amaral 
Pereira, responsável pela tecnologia. 
 
Para a produção dos conteúdos, o projeto conta com uma rede de voluntariado, 
que envolve contatos com emissoras comerciais e comunitárias e entidades do 
setor.  Além  do  trabalho  dos  voluntários,  essa  tecnologia  social  tem  ainda  o 
apoio de mais de 500 emissoras, distribuídas em 379 municípios. 
 
Segundo  Pereira,  a  Embrapa,  organização  responsável  pela  elaboração  do 
projeto, não possui um instrumento de medição dos resultados alcançados pelo 
Prosa Rural. Entretanto, destaca: “Conseguimos ter uma boa noção de como o 
programa é  recebido  pelos  ouvintes  por  conta  das constantes solicitações  de 
emissoras para uso do conteúdo em suas grades de programação”. 
 
Para  Iwata,  o  fato  de  ser  um  projeto  de  baixo  custo,  e  eficaz  para  o  que  se 
propõe,  facilita  a  reprodução  do  Prosa  Rural  em  qualquer  lugar  do  país.  “Os 
conteúdos veiculados devem se adequar evidentemente às carências de cada 
localidade. No Nordeste, poderia ser, por exemplo, algo voltado à questão da 
água. No Centro‐Oeste, algum tema mais direcionado à agronomia”, sugere o 
especialista da Fundação Banco do Brasil. “Todas as entidades que disponham 
de tecnologias ou produtos úteis à sociedade ou que precisem chegar a públicos 
definidos  podem  adotar  a  metodologia  usada  pelo  Prosa  Rural.  As  rádios  do 
Brasil se mostram abertas às informações de cunho educativo e à prestação de 
serviço, que é bastante valorizada pelos ouvintes. A educação pelos meios de 
comunicação é viável, desde que se adote a linguagem adequada para o meio 
escolhido”, destaca Larissa, da RTS. 
 
CASO  5:  QUANTIDADE  FLEXÍVEL  DE  RECURSOS  FAVORECE  APLICAÇÃO  DO 
CONEXÕES DE SABERES EM DIFERENTES REALIDADES 
Apesar de existirem algumas iniciativas relacionadas ao ingresso de jovens de 
baixa renda nas universidades públicas, como pré‐vestibulares comunitários e o 
sistema  de  cotas,  a  maioria  das  universidades  públicas  seleciona  e  cria  uma 
estrutura  de  cursos  que  contemplam,  em  geral,  alunos  com  perfil  típico  dos 
grupos  sociais  mais  privilegiados.  Foi  com  base  nesse  quadro  que  nasceu 
o Conexão  dos  Saberes.  “Criado  em  2001  pela  ONG  Observatório  de  Favelas 
(RJ), o projeto seleciona e oferece bolsas de graduação para 25 estudantes com 
base  nos  seguintes  critérios:  morar  ou  ser  oriundo  de  favelas  ou  periferias, 
escolaridade dos pais não superior a ensino fundamental, renda mensal dos pais 
inferior a seis salários mínimos, proveniência de escolas públicas, ser negro ou 
indígena,  e  ter  histórico  de  engajamento  em  atividades  coletivas  cidadãs  em 
suas comunidades. A intenção dessa tecnologia é possibilitar o acesso de jovens 
pobres  ao  ensino  superior”,  explica  Elionalva  Sousa  Silva,  responsável  pelo 
projeto.  Atualmente  o  Conexão  dos  Saberes  vem  sendo  desenvolvido  em  31 
institutos  federais  de  ensino  superior  (IFES)  do  país.  O  número  de  bolsistas 
saltou de 175 para 775. 
 
Na  análise  de  Iwata,  o  Conexão  de  Saberes  é  uma  boa  tecnologia  social.  “O 
projeto  pode  ser  desenvolvido  por  qualquer  instituição  de  ensino,  seja 
fundamental, médio ou superior, que conte com alunos de origem popular. A 
maior  vantagem  dessa  tecnologia  é  que  ela  pode  ser  aplicada  com  uma 
quantidade flexível de recursos, de acordo com a natureza da instituição onde 
será  organizada  e  a  sua  capacidade  de  captação  e  aplicação  de  recursos 
financeiros e humanos”, ensina. 
 
CASO 6: PRESENTE EM 20 CIDADES E TRÊS PAÍSES, PEDAGOGIA DE RODA É 
FÓRMULA  EDUCACIONAL  QUE  NÃO  EXIGE  INVESTIMENTO  EM  ESTRUTURA 
FÍSICA 
Ultrapassando os limites das salas de aula, o Pedagogia de Roda mostra que é 
possível ensinar e aprender substituindo a estrutura tradicional, de tijolos, pela 
construção  do  saber  em  rodas,  ao  pé  de  uma  mangueira.  “Essa  metodologia 
pede a colaboração de cada um de seus participantes. A matéria‐prima de todo 
o processo de ensino são as pessoas, pois todo aprendizado ocorre em grupo, é 
plural”, define Sebastião Rocha, coordenador do projeto. 
 
A idéia surgiu como resposta ao quadro de escassez de escolas na comunidade 
de Curvelo (MG). “A Pedagogia de Roda transforma a desvantagem da falta de 
um prédio escolar na vantagem de transportar o espaço de aprendizagem para 
qualquer  lugar.  Assim,  qualquer  parte  de  um  bairro  é  uma  escola.  Cada  um 
dentro  da  roda  é,  ao  mesmo  tempo,  educador  e  educando.  Ao  invés  de 
trabalhar  com  idéias  massificadas  de  cultura,  a  roda  prefere  fortalecer  as 
identidades culturais locais, o que se converte em mais solidariedade e espírito 
comunitário.  A  roda  gira  em  qualquer  espaço  onde  haja  disposição  para  a 
reflexão coletiva”, explica Rocha. 
 
A  iniciativa  do  Centro  Popular  de  Cultura  e  Desenvolvimento  (CPCD)  deu  tão 
certo que o trabalho foi expandido para mais de 20 cidades em cinco estados 
brasileiros, e também para Moçambique e Portugal. “É uma tecnologia social 
que pode ser aplicada não apenas em escolas, mas também em empresas ou 
projetos educacionais, possibilitando a melhoria da comunicação, o estímulo à 
participação,  a  formação  da  identidade,  o  fortalecimento  da  auto‐estima,  a 
integração  da  equipe,  a  idealização  de  espaço  solidário  e  a  igualdade  entre 
todos os educandos‐educadores”, destaca o coordenador. Larissa considera que 
a Pedagogia da Roda é uma autêntica tecnologia social, na medida em que se 
trata  de  um  método  simples,  transformador,  de  baixo  custo,  adaptável  às 
singularidades das diferentes culturas locais e, portanto, de fácil reaplicação. “A 
Pedagogia da Roda, como técnica, não exige espaço físico próprio e dispensa, 
portanto, todos os custos nele incluídos”, diz. 
 
O QUE CARACTERIZA UMA TECNOLOGIA SOCIAL 
• Praticidade 
• Eficácia 
• Baixo custo 
• Reprodutibilidade em larga escala (Reaplicabilidade) 
• Capacidade de promover transformação social 
• Facilidade de ser compreendida e apropriada pela comunidade 
• Sintonia com alguma política pública 
• Possibilidade de ter resultados monitorados e avaliados 
 
OS TRÊS MOMENTOS NA ELABORAÇÃO DE UMA TECNOLOGIA SOCIAL 
Da boa iniciativa à larga escala, uma tecnologia social enfrenta basicamente três 
momentos. O primeiro deles diz respeito ao desafio técnico de transformar a 
idéia  em  um  conjunto  de  procedimentos  padrão,  que  possibilitem  sua 
reaplicação, com as devidas adaptações quase sempre necessárias, a qualquer 
região do país. 
 
O segundo refere‐se ao seu referendamento público, quando a tecnologia social 
em  questão  passa  a  ser  recomendada  por  organizações  e  especialistas  como 
sendo a melhor maneira de se solucionar um determinado problema social. 
 
A apropriação coletiva dessa metodologia é a terceira e última etapa, quando 
uma rede de diferentes atores sociais (públicos e privados) é criada para dar 
apoio  à  sua  implantação,  proporcionando  as  condições  essenciais  para  que  a 
tecnologia se incorpore a uma política pública. 
 
A ENGENHARIA DE UMA TECNOLOGIA SOCIAL DEVE CONSIDERAR… 
• O reconhecimento da autoria, tornando mais conhecidos as pessoas ou 
grupos  responsáveis  pela  criação  do  produto,  da  técnica  ou  da 
metodologia. 
• O registro da experiência, documentando‐a em texto, filme e fotografias. 
• A concessão de um status de excelência pela inovação. 
• A sistematização  dos  processos de  construção,  transformando 
conhecimento tácito em conhecimento explícito. 
• A manualização com  vistas  á  reaplicação,  explicando  como  se  faz, 
criando referências e proporcionando contatos para a formação de uma 
rede. 
Fonte: Capítulo Tecnologias Sociais e Políticas Públicas (Antonio E. Lassance Jr. E Juçara 
Santiago Pedreira) do livro Tecnologia Social: Uma Estratégia para o Desenvolvimento 
(Fundação banco do Brasil/2004) 
 
 
Link:  http://www.ideiasustentavel.com.br/2006/09/especial‐a‐distancia‐entre‐uma‐
boa‐solucao‐e‐uma‐tecnologia‐social/  

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Como boas ideias sociais se transformam em tecnologias sociais de impacto

  • 1. Revista Idéia Social    Edição nº 5  Julho/Agosto/Setembro 2006    http://www.ideiasustentavel.com.br/2006/09/edicao‐5/                Especial  –  A  distância  entre  uma  boa  solução e uma tecnologia social  Por Paula Craveiro    Segundo o IBGE, o terceiro setor brasileiro possui cerca de 276 mil organizações,  com 1,5 milhão de trabalhadores e algo em torno de 20 milhões de voluntários.  Em sua maioria minúsculas (77% não têm sequer um empregado), elas nascem  quase sempre da indignação, do interesse de participação social e do impulso  de indivíduos na busca de solução para um determinado problema social. Como  são gestadas no interior de comunidades, com poucos recursos financeiros, e  por iniciativa cidadã de pessoas que conhecem de perto as necessidades que  querem atender, suas soluções tendem a ser boas idéias e também de baixo  custo. Mas nem sempre tão aplicáveis ou efetivas, em grande medida por causa  de  dificuldades  comuns  de  planejamento,  avaliação,  captação  e  gestão  de  recursos. Na maioria das vezes, atingem um grupo limitado de pessoas de uma  localidade,  uma  pequena  fração  daqueles  que,  potencialmente,  poderiam  se  beneficiar daquele tipo de solução.    Nenhum especialista da área duvida de que, apesar das limitações de porte e  alcance, essas organizações têm feito a sua parte na melhoria do IDH – Índice de  Desenvolvimento Humano brasileiro. Mas há quem acredite – e não são poucos  – que o impacto global de sua atuação poderia ser consideravelmente maior se  o  terceiro  setor  atuasse  integrado  como  uma  grande  rede.  E  se  as  suas 
  • 2. instituições  fossem  percebidas  pelas  diferentes  esferas  de  governo  como  parceiras preferenciais no desenvolvimento e execução de políticas públicas.    São  vários  os  argumentos  de  quem  defende  essa  tese.  Para  o  objetivo  desta  reportagem, vale destacar apenas um deles: qualquer que seja a solução para  algum dos nossos problemas sociais, antigos ou recentes, muito provavelmente  ela já tenha sido elaborada, desenvolvida e testada por uma organização social  em algum canto do País. Não há, portanto, nenhuma razão para reinventar boas  práticas. Cada vez mais estudiosos do tema concordam que o mais sensato a  fazer é dar visibilidade pública às existentes, compartilhar o conhecimento que  está por trás de sua criação e ampliar o alcance de seus resultados para que  excedam os limites de uma comunidade restrita. Os governos, nesse sentido,  têm papel fundamental. Se forem mais atentos e sensíveis, podem identificar as  práticas exitosas, valorizá‐las e conferir‐lhes a escala necessária.    É justamente a possibilidade de fazer diferença em grande escala que distingue  uma boa idéia de uma tecnologia social. “Tecnologia social é um conceito que  engloba  técnicas,  produtos  e  metodologias  com  potencial  para  serem  reaplicáveis,  elaboradas  a  partir  da  interação  com  uma  comunidade  e  que  representam  soluções  efetivas  de  transformação  social”,  ensina  Luis  Fumio  Iwata, responsável por Tecnologia Social da Fundação Banco do Brasil (FBB).    Com baixo custo (menos de R$ 1 por pessoa), uso prático, resultados evidentes,  e  aplicação  em  qualquer  lugar  do  Brasil  e  do  mundo,  a  multimistura  é  um  exemplo clássico de tecnologia social. Desenvolvida pela médica nutróloga Clara  Takaki  Brandão,  adaptada  e  difundida  pela  pediatra  e  sanitarista  Zilda  Arns  Neumann,  da  Pastoral  da  Criança,  a  farinha  feita  à  base  de  casca  de  ovos  e  farelos ganhou a escala necessária quando passou a ser distribuída em algumas  comunidades com elevados índices de desnutrição e mortalidade infantis. Hoje  é uma política pública de segurança alimentar em diversas regiões do país. Sua  aplicação  tem  sido  invariavelmente  associada  á  queda  dos  índices  de  desnutrição no Brasil.    Mas, afinal de contas, o que uma boa idéia precisa ter para ser uma tecnologia  social  e  se  transformar,  assim  como  a  multimistura,  em  uma  política  pública  importante? Essa é uma questão cada dia mais comum entre líderes de terceiro 
  • 3. setor interessados em ampliar o impacto e tornar mais eficazes suas práticas.  Para  respondê‐la,  Idéiasocial  entrevistou  os  especialistas  Iwata,  da  Fundação  Banco  do  Brasil,  e  Larissa  Barros,  secretária  executiva  da  Rede de  Tecnologia  Social. Propôs aos dois analisarem as boas soluções sociais propostas por seis  organizações de terceiro setor do país, avaliando até que ponto, a partir dos  elementos  distintivos  do  conceito,  elas  podem  ou  não  ser  consideradas  tecnologias sociais.    TECNOLOGIA SOCIAL: UM PRODUTO, UMA TÉCNICA OU UMA METODOLOGIA  APARA APROPRIAÇÃO COLETIVA  Para  a  socióloga  Larissa  Barros,  tecnologia  social  não  precisa  ser  necessariamente  um  produto,  como  a  multimistura,  ou  ainda  uma  técnica  específica, como são as cisternas. “Ela pode ser, por exemplo, uma metodologia  destinada  a  disseminar  soluções  para  problemas  relacionados  à  alimentação,  educação,  habitação,  renda,  saúde  e  direitos  de  cidadania,  entre  outros”,  afirma.  É  exatamente  este  o  caso  das  organizações  apresentadas  na  segunda  parte  desta  matéria:  Escola  Ambulante,  TV  Janela,  Direito  de  Crescer,  Prosa  Rural, Pedagogia de Roda e Conexão dos Saberes.    O que distingue a tecnologia social da convencional é o fato de que ela se apóia  no  desenvolvimento  de  uma  boa  idéia  de  solução  social,  e  considera  a  participação  coletiva  em  seu  processo  de  organização,  planejamento  e  implementação.  Pode  nascer  de  um  saber  popular,  caso,  por  exemplo,  das  benzedeiras  do  projeto  Soros,  Raízes  e  Rezas,  que  aplicam  o  soro  caseiro  enquanto  rezam  pela  cura  das  crianças,  ou  de  um  conhecimento  técnico‐ científico, como a organização de uma cooperativa de catadores e recicladores  de  papel.  “Importa  que  seja  efetiva,  isto  é,  após  previamente  testada,  tenha  alcançado o objetivo que se dispôs a cumprir. E também que seja reaplicável em  diferentes  regiões,  com  as  adaptações  necessárias,  propiciando  desenvolvimento social em grande escala”, completa.    A  transparência  nas  ações  e  propostas  é  fundamental.  Assim  como  o  envolvimento  do  maior  número  possível  de  pessoas  –  beneficiários  diretos  e  indiretos e suas comunidades. Afinal, um dos objetivos centrais da tecnologia  social é a sua rápida apropriação coletiva, tarefa para a qual precisa fazer com 
  • 4. que  o  seu  passo‐a‐passo  seja  conhecido  por  todos  os  interessados  e,  com  o  tempo, torne‐se de domínio público. “Na tecnologia social, os procedimentos  devem  estar  ligados  às  formas  de  organização  coletiva.  Sem  isso,  não  produzirão resultados positivos em escala para a melhora na qualidade de vida  e inclusão social”, afirma Larissa.    Para  promover  o  impacto  necessário,  uma  tecnologia  social  precisa  ser  um  produto, uma técnica ou um método simples de compreender e fácil de aplicar  pelas pessoas de uma comunidade. Quanto mais possibilidade de adaptações às  singularidades locais, melhores tendem a ser os seus benefícios. Quanto menos  investimento  financeiro  exigir,  mais  rapidamente  gerará  as  mudanças  desejadas.  Na  avaliação  dos  dois  especialistas  ouvidos  por  Idéiasocial,  o  processo deve permitir ainda o monitoramento e a avaliação dos resultados. A  base para o seu êxito está também na cooperação entre setores e na sintonia  com políticas públicas. “A aplicação da tecnologia social pressupõe uma atuação  conjunta  e  cooperada  entre  poder  público,  sociedade  e  organizações”,  complementa a socióloga. “Se ocorre isoladamente, favorecendo apenas uma  pequena  parcela  da  comunidade  de  uma  determinada  região  carente,  não  é  tecnologia social. É projeto pontual”, completa Iwata.    Com a experiência de quem está habituado a selecionar soluções para o banco  de Tecnologias Sociais que a Fundação Banco do Brasil criou e mantém, Iwata  ensina:  “Para  que  sua  solução  faça  diferença  e  transforme  realidades,  a  organização proponente precisa ter recursos humanos, financeiros e, em alguns  casos, tecnológicos. Do contrário, nada acontecerá. Determinação para superar  desafios e fazer o projeto decolar é um outro aspecto muito importante.”    Na opinião de Larissa, ao desenvolver uma tecnologia social, a organização deve  assumir  o  compromisso  de  divulgá‐la  a  quem  quer  que  possa  interessar  ou  beneficiar.  “É  primordial,  portanto,  que  seus  criadores  realizem  um  bom  planejamento, coloquem o projeto em teste, chequem os resultados e, estando  de acordo com a proposta inicial, abandonem qualquer apego autoral do tipo ‘o  projeto  é  meu’,  dispondo‐se  a  transcrever  a  metodologia  aplicada,  em  linguagem clara e objetiva, de forma a permitir sua reaplicação”, explica. Veja a  seguir seis casos de tecnologias sociais propostas por organizações de terceiro 
  • 5. setor de São Paulo, Ceará, Mato Grosso do Sul, Brasília, Rio de Janeiro e Minas  Gerais.    CASO 1: ESCOLA AMBULANTE: FÁCIL REAPLICAÇÃO E CUSTO MODERADO  Retirar crianças e adolescentes das ruas do centro da cidade e devolvê‐los às  suas famílias e à escola é o objetivo do projeto Escola Ambulante, criado pela  Associação  Beneficente  Santa  Fé,  de  São  Paulo  “Procuramos  compreender  o  universo  no  qual  esses  jovens  estão  inseridos  e,  aos  poucos,  nos  aproximar  deles,  de  forma  a  conhecê‐los  individualmente,  fazendo  com  que  se  sintam  únicos e respeitados, independentemente de sua história, vivências, medos e  expectativas. A partir dessa abordagem, traçamos um plano de ação para tentar  reinseri‐los  à  sociedade,  levá‐los  de  volta  para  casa  e  a  escola”,  explica  José  Queiroz, coordenador do projeto.    Em  11  anos  de  funcionamento,  a  Escola  Ambulante  já  atendeu  mais  de  600  jovens.  Segundo  dados  da  organização,  80%  deles  abandonaram  o  uso  de  drogas, 75% saíram das ruas e voltaram para casa, e 97% freqüentam a escola.  Apenas 22% continuam nas ruas, por opção.    Na  opinião  dos  especialistas  entrevistados  por  Idéiasocial  uma  das  características que fazem desse projeto uma tecnologia social em potencial é a  fácil reaplicação a um custo moderado. “A solução pode ser desenvolvida em  qualquer lugar do Brasil ou do exterior, onde houver crianças e adolescentes  vivendo na rua. A transferência depende basicamente da capacitação da equipe  que  aplicará  o  método  no  local.  Contudo,  recomenda‐se  que  seja  feita  uma  avaliação  das  especificidades  locais,  como  tráfico,  cultura  e  comércio,  após  a  realização da pesquisa etnográfica, para verificar a necessidade de adequações  de conteúdo”, destaca Larissa.    CASO 2: TV JANELA EXIGE PROFISSIONAIS CAPACITADOS PARA TRABALHAR  COM PÚBLICO JOVEM  Criado no início da década de 1990, o Bairro Pantanal, na periferia de Fortaleza,  no Ceará, sempre foi visto como uma das áreas mais críticas da cidade, graças  aos altos índices de violência e miséria. “Essa comunidade, no entanto, é muito 
  • 6. mais do que isso”, contesta Valdenor Xavier de Moura, coordenador do Instituto  de  Desenvolvimento  Social  (IDS),  entidade  responsável  pela  implantação  de  uma tecnologia social chamada TV Janela. “Desde o início de nosso contato com  jovens  do  bairro,  notamos  que  era  preciso  reforçar  as  potencialidades  locais  existentes.  Isso  ajudou  a  elevar  da  auto‐estima  dos  meninos,  pois  o  bairro  costumava ganhar destaque apenas nas páginas policiais”, diz Moura.    O projeto consistia, inicialmente, na capacitação profissional para produção e  projeção de vídeos. Com o tempo, surgiu o interesse em apresentar o material  criado para a comunidade local. Todos os vídeos produzidos possuem relação  direta com o Bairro Pantanal e apresentam temas que variam desde a origem  das ruas da região até as profissões mais comuns no bairro, quadros de humor e  grupos  musicais.  “Esse  tipo  de  atividade  contribuiu  não  apenas  para  a  qualificação profissional e a inserção deles mercado de trabalho, como também  melhorou bastante o relacionamento com a comunidade”, finaliza Moura. Para  Iwata,  da  Fundação  Banco  do  Brasil,  a  TV  Janela  é  eficaz  por  causa  da  simplicidade do método e, por tabela, do seu inegável potencial de reaplicação.  “O  único  cuidado  a  tomar,  além,  é  claro,  de  captar  os  recursos  e  apoiadores  necessários, é realizar um levantamento sobre a região e preparar uma equipe  para  atuar  com  público  jovem,  trabalhando  conforme  as  necessidades  levantadas”, ressalta.    CASO 3: DIREITO DE CRESCER REPRESENTA MÉTODO PRÁTICO PARA REGIÕES  MARCADAS POR EXPLORAÇÃO DE MÃO DE OBRA INFANTIL  A tecnologia social Direito de Crescer, desenvolvida pela ONG Girassolidário e  sob  comando  do  Instituto  Kinder  do  Brasil  (braço  da  Fundação Kinder  in  Brasilien, sediada na Suíça), tem como objetivo tirar crianças do trabalho infantil  em  carvoarias  na  região  de  Ribas  do  Rio  Pardo,  em  Mato  Grosso  do  Sul.  “O  programa  tem  duração  estimada  de  sete  anos  e consiste  na  remoção  das  crianças  das  minas  em  troca  de  uma  bolsa  mensal  de  R$  110  por  criança,  utilizada na sua formação e na manutenção da subsistência familiar. Além disso,  as famílias contam com o apoio de um grupo de assistência social, com oficinas  de  educação  complementar,  que  enfatizam  o  crescimento  do  saber,  a  auto‐ estima  e  uma  postura  mais  responsável, e  programas  de  geração  de renda  e 
  • 7. habitação”,  explica  Carl  Stephan  Hoffman,  presidente  da  Girassolidário,  para  quem o projeto tem gerado importante redução do trabalho infantil na região.    Na avaliação de Iwata, uma metodologia simples e eficaz como essa, testada e  aprovada,  pode  ser  bem‐sucedida  em  qualquer  região  onde  haja  carvoarias,  pedreiras  e  plantações  de  cana,  com  exploração  de  mão‐de‐obra  infantil  e  famílias  vivendo  em  condições  muito  precárias.  “Como  nos  projetos  mencionados  anteriormente,  as  organizações,  governos  e  empresas  interessados em implantá‐la devem ficar atentos para a adequação à cultura e  realidades locais”, destaca.    CASO 4: NO PROSA RURAL, OS CONTEÚDOS PODEM VARIAR DEPENDENDO  DA REGIÃO ONDE É APLICADO  “O Prosa Rural é um programa semanal de rádio produzido pela Embrapa (DF),  a partir da percepção da necessidade de divulgar soluções para a questão da  agropecuária, e alternativas para os problemas mais comumente enfrentados,  como  a  seca  e  as  formas  de  criação  e  cultivo”,  conta  Fernando  do  Amaral  Pereira, responsável pela tecnologia.    Para a produção dos conteúdos, o projeto conta com uma rede de voluntariado,  que envolve contatos com emissoras comerciais e comunitárias e entidades do  setor.  Além  do  trabalho  dos  voluntários,  essa  tecnologia  social  tem  ainda  o  apoio de mais de 500 emissoras, distribuídas em 379 municípios.    Segundo  Pereira,  a  Embrapa,  organização  responsável  pela  elaboração  do  projeto, não possui um instrumento de medição dos resultados alcançados pelo  Prosa Rural. Entretanto, destaca: “Conseguimos ter uma boa noção de como o  programa é  recebido  pelos  ouvintes  por  conta  das constantes solicitações  de  emissoras para uso do conteúdo em suas grades de programação”.    Para  Iwata,  o  fato  de  ser  um  projeto  de  baixo  custo,  e  eficaz  para  o  que  se  propõe,  facilita  a  reprodução  do  Prosa  Rural  em  qualquer  lugar  do  país.  “Os  conteúdos veiculados devem se adequar evidentemente às carências de cada  localidade. No Nordeste, poderia ser, por exemplo, algo voltado à questão da  água. No Centro‐Oeste, algum tema mais direcionado à agronomia”, sugere o 
  • 8. especialista da Fundação Banco do Brasil. “Todas as entidades que disponham  de tecnologias ou produtos úteis à sociedade ou que precisem chegar a públicos  definidos  podem  adotar  a  metodologia  usada  pelo  Prosa  Rural.  As  rádios  do  Brasil se mostram abertas às informações de cunho educativo e à prestação de  serviço, que é bastante valorizada pelos ouvintes. A educação pelos meios de  comunicação é viável, desde que se adote a linguagem adequada para o meio  escolhido”, destaca Larissa, da RTS.    CASO  5:  QUANTIDADE  FLEXÍVEL  DE  RECURSOS  FAVORECE  APLICAÇÃO  DO  CONEXÕES DE SABERES EM DIFERENTES REALIDADES  Apesar de existirem algumas iniciativas relacionadas ao ingresso de jovens de  baixa renda nas universidades públicas, como pré‐vestibulares comunitários e o  sistema  de  cotas,  a  maioria  das  universidades  públicas  seleciona  e  cria  uma  estrutura  de  cursos  que  contemplam,  em  geral,  alunos  com  perfil  típico  dos  grupos  sociais  mais  privilegiados.  Foi  com  base  nesse  quadro  que  nasceu  o Conexão  dos  Saberes.  “Criado  em  2001  pela  ONG  Observatório  de  Favelas  (RJ), o projeto seleciona e oferece bolsas de graduação para 25 estudantes com  base  nos  seguintes  critérios:  morar  ou  ser  oriundo  de  favelas  ou  periferias,  escolaridade dos pais não superior a ensino fundamental, renda mensal dos pais  inferior a seis salários mínimos, proveniência de escolas públicas, ser negro ou  indígena,  e  ter  histórico  de  engajamento  em  atividades  coletivas  cidadãs  em  suas comunidades. A intenção dessa tecnologia é possibilitar o acesso de jovens  pobres  ao  ensino  superior”,  explica  Elionalva  Sousa  Silva,  responsável  pelo  projeto.  Atualmente  o  Conexão  dos  Saberes  vem  sendo  desenvolvido  em  31  institutos  federais  de  ensino  superior  (IFES)  do  país.  O  número  de  bolsistas  saltou de 175 para 775.    Na  análise  de  Iwata,  o  Conexão  de  Saberes  é  uma  boa  tecnologia  social.  “O  projeto  pode  ser  desenvolvido  por  qualquer  instituição  de  ensino,  seja  fundamental, médio ou superior, que conte com alunos de origem popular. A  maior  vantagem  dessa  tecnologia  é  que  ela  pode  ser  aplicada  com  uma  quantidade flexível de recursos, de acordo com a natureza da instituição onde  será  organizada  e  a  sua  capacidade  de  captação  e  aplicação  de  recursos  financeiros e humanos”, ensina. 
  • 9.   CASO 6: PRESENTE EM 20 CIDADES E TRÊS PAÍSES, PEDAGOGIA DE RODA É  FÓRMULA  EDUCACIONAL  QUE  NÃO  EXIGE  INVESTIMENTO  EM  ESTRUTURA  FÍSICA  Ultrapassando os limites das salas de aula, o Pedagogia de Roda mostra que é  possível ensinar e aprender substituindo a estrutura tradicional, de tijolos, pela  construção  do  saber  em  rodas,  ao  pé  de  uma  mangueira.  “Essa  metodologia  pede a colaboração de cada um de seus participantes. A matéria‐prima de todo  o processo de ensino são as pessoas, pois todo aprendizado ocorre em grupo, é  plural”, define Sebastião Rocha, coordenador do projeto.    A idéia surgiu como resposta ao quadro de escassez de escolas na comunidade  de Curvelo (MG). “A Pedagogia de Roda transforma a desvantagem da falta de  um prédio escolar na vantagem de transportar o espaço de aprendizagem para  qualquer  lugar.  Assim,  qualquer  parte  de  um  bairro  é  uma  escola.  Cada  um  dentro  da  roda  é,  ao  mesmo  tempo,  educador  e  educando.  Ao  invés  de  trabalhar  com  idéias  massificadas  de  cultura,  a  roda  prefere  fortalecer  as  identidades culturais locais, o que se converte em mais solidariedade e espírito  comunitário.  A  roda  gira  em  qualquer  espaço  onde  haja  disposição  para  a  reflexão coletiva”, explica Rocha.    A  iniciativa  do  Centro  Popular  de  Cultura  e  Desenvolvimento  (CPCD)  deu  tão  certo que o trabalho foi expandido para mais de 20 cidades em cinco estados  brasileiros, e também para Moçambique e Portugal. “É uma tecnologia social  que pode ser aplicada não apenas em escolas, mas também em empresas ou  projetos educacionais, possibilitando a melhoria da comunicação, o estímulo à  participação,  a  formação  da  identidade,  o  fortalecimento  da  auto‐estima,  a  integração  da  equipe,  a  idealização  de  espaço  solidário  e  a  igualdade  entre  todos os educandos‐educadores”, destaca o coordenador. Larissa considera que  a Pedagogia da Roda é uma autêntica tecnologia social, na medida em que se  trata  de  um  método  simples,  transformador,  de  baixo  custo,  adaptável  às  singularidades das diferentes culturas locais e, portanto, de fácil reaplicação. “A  Pedagogia da Roda, como técnica, não exige espaço físico próprio e dispensa,  portanto, todos os custos nele incluídos”, diz.   
  • 10. O QUE CARACTERIZA UMA TECNOLOGIA SOCIAL  • Praticidade  • Eficácia  • Baixo custo  • Reprodutibilidade em larga escala (Reaplicabilidade)  • Capacidade de promover transformação social  • Facilidade de ser compreendida e apropriada pela comunidade  • Sintonia com alguma política pública  • Possibilidade de ter resultados monitorados e avaliados    OS TRÊS MOMENTOS NA ELABORAÇÃO DE UMA TECNOLOGIA SOCIAL  Da boa iniciativa à larga escala, uma tecnologia social enfrenta basicamente três  momentos. O primeiro deles diz respeito ao desafio técnico de transformar a  idéia  em  um  conjunto  de  procedimentos  padrão,  que  possibilitem  sua  reaplicação, com as devidas adaptações quase sempre necessárias, a qualquer  região do país.    O segundo refere‐se ao seu referendamento público, quando a tecnologia social  em  questão  passa  a  ser  recomendada  por  organizações  e  especialistas  como  sendo a melhor maneira de se solucionar um determinado problema social.    A apropriação coletiva dessa metodologia é a terceira e última etapa, quando  uma rede de diferentes atores sociais (públicos e privados) é criada para dar  apoio  à  sua  implantação,  proporcionando  as  condições  essenciais  para  que  a  tecnologia se incorpore a uma política pública.    A ENGENHARIA DE UMA TECNOLOGIA SOCIAL DEVE CONSIDERAR…  • O reconhecimento da autoria, tornando mais conhecidos as pessoas ou  grupos  responsáveis  pela  criação  do  produto,  da  técnica  ou  da  metodologia.  • O registro da experiência, documentando‐a em texto, filme e fotografias.  • A concessão de um status de excelência pela inovação.  • A sistematização  dos  processos de  construção,  transformando  conhecimento tácito em conhecimento explícito. 
  • 11. • A manualização com  vistas  á  reaplicação,  explicando  como  se  faz,  criando referências e proporcionando contatos para a formação de uma  rede.  Fonte: Capítulo Tecnologias Sociais e Políticas Públicas (Antonio E. Lassance Jr. E Juçara  Santiago Pedreira) do livro Tecnologia Social: Uma Estratégia para o Desenvolvimento  (Fundação banco do Brasil/2004)      Link:  http://www.ideiasustentavel.com.br/2006/09/especial‐a‐distancia‐entre‐uma‐ boa‐solucao‐e‐uma‐tecnologia‐social/