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Anais do IX Encontro Nacional de História Oral - 22 a 25/04/2008 - UNISINOS




DE GONZAGA PARA LONDRES: ETNICIDADE E PRECONCEITO NA HISTÓRIA DE
JEAN CHARLES DE MENEZES


                                                                         Gláucia de Oliveira Assis 1

Resumo
Nesse início de século XXI milhares de brasileiros rumam para os Estados Unidos, Japão e
Europa. Esses emigrantes que partem com o sonho de uma vida melhor convivem num contexto
mundial de maior criminalização da migração, pós atentados de 11 de setembro e medidas mais
restritivas a entrada de imigrantes, particularmente nos Estados Unidos, mas também na Europa.
Assim, nesse mundo de intensa movimentação, os trabalhadores imigrantes são os que mais têm
dificuldade de circular. Nesse cenário que essa apresentação pretende reconstruir essa experiência
a partir da história de Jean Charles de Menezes, natural de Gonzaga, Minas Gerais, que migrou
para Londres e morreu em 22 de julho de 2005, “confundido” com um terrorista. Este artigo
pretende reconstruir sua trajetória de vida a partir de relatos dos familiares e relatos na imprensa
nacional de internacional procurando discutir como a trajetória de vida e morte dramática pode
nos ajudar a compreender as trajetórias de vários emigrantes e dos contextos de preconceito,
discriminação nas sociedades de acolhimento. As fontes serão as matérias veiculadas na imprensa
nacional e internacional e relatos dos familiares.
Palavras-chave: migração internacional, etnicidade, história de vida

Title: From Gonzaga to London: ethnics and prejudice in Jean Charles de Menezes’ life
history

In the beginning of the 21st century thousands of Brazilians moved to the United States of
America, Japan and Europe. The migrants who leave dreaming of a better life have to cope with a
global context post September 11th event of higher criminalization of the migration and more
strict measures in relation to the entrance of immigrants, not particularly in the USA, but also in
Europe. So, in a world that spreads images of intense tourists, businesspeople and athletes’
movement, the immigrant workers are the ones who suffer higher circulation restrictions. This
work aims to reconstruct the migratory experience through the history of Jean Charles de
Menezes, born in Gonzaga, Minas Gerais, who migrated to London and died on 22 July 2005,
“mistaken” by the police as a terrorist. As we reconstruct his life history from family and national
and international recounts, we will analyze how the life trajectory and dramatic death can help us
understand the trajectories of several immigrants and the prejudice and discrimination contexts in
the target society.
Key words: international migration; ethnicity; life history

Introdução
       As imagens e notícias, muitas vezes dramáticas, sobre os migrantes internacionais nesta
virada para o século XXI, revelaram o crescimento das migrações, demonstrando diferentes
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facetas desse fenômeno. As imagens de albaneses chegando em barcos na Itália, de vietnamitas à
deriva no mar da China, de chineses viajando em porões de navios para os EUA, de imigrantes
ilegais atravessando a fronteira dos EUA com o México, indicaram um “Planeta em
Movimento”2. Essas imagens revelaram também um novo fluxo da população brasileira – a
emigração de brasileiros para o exterior. As primeiras notícias retratavam as histórias dos
emigrantes brasileiros que, em meados dos anos 80, foram deportados por tentarem entrar
ilegalmente nos EUA.
       A emigração de brasileiros nas últimas décadas do século XX inseriu o Brasil nos novos
fluxos internacionais de mão-de-obra. Ao longo da década de 1990, esse fluxo torna-se continuo
e várias comunidades brasileiras se espalham pelo mundo, os migrantes partem de cidades como
Governador Valadares (MG), Criciúma (SC), Londrina (PR), Maringá (PR) e de seus municípios
vizinhos criando pólos de migração nessas regiões e rumam para alguns pontos específicos no
destino rumo a região de Boston, cidades no Japão, a cidade do Porto e Londres para citar alguns
dos locais onde se concentram os emigrantes brasileiros. (Martes, 1999, Sales, 1999, Assis, 2004,
Fusco 2005, Siqueira, 2006). No entanto, o que nos interessa problematizar é como a partir dessas
redes um mineiro saiu do interior de Minas foi para Londres e se sentiu em casa, até ser
brutalmente assassinado num metrô em Londres.
       A breve história de vida de Jean Charles de Menezes que saiu de Gonzaga rumo a
Londres para “Fazer Londres”, revela como a maior vigilância na fronteira do México, aliada à
dificuldade de conseguir visto de entrada nos Estados Unidos tem levado os brasileiros a
procurarem novas rotas de migração, novas oportunidade e trabalho no mundo globalizado. No
entanto, esses migrantes são vistos como perigosos e, em contexto de guerra contra o terror,
ameaçadores, principalmente se forem homens, jovens e tiverem “aparência” suspeita.
       Da história de vida de Jean Charles temos apenas fragmentos coletados em jornais,
revistas e sites de internet, mas procuraremos demonstrar como sua biografia é reconstruída pelos
jornais por seus familiares e pela policia, quais as memórias são acionadas, procurando discutir
como a trajetória de vida e morte dramática pode nos ajudar a compreender os contextos de
preconceito, discriminação nas sociedades de acolhimento.
       Assim sua biografia é reconstruída a partir de diferentes vozes e perspectivas, e pensando
como Bourdieu, em a ilusão biográfica, que as biografias são reconstruções, que selecionamos
elementos para recompor relatos orais, nesse caso particularmente estamos procurando


                                                                                               2
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compreender quais as memórias são selecionadas para reconstruir a história de vida de Jean
Charles e quem aciona essas imagens. Para tanto, na primeira parte da comunicação3
apresentamos algumas das representações sobre os emigrantes brasileiros na imprensa e nos itens
subseqüentes apresentaremos as histórias de Jean Charles, situando-a no contexto do maior rigor
nas fronteiras e de criminalização da migração, pós atentados de 11 de setembro de 2001 e os
atentados em Madri e na Inglaterra.


Os emigrantes brasileiros na Imprensa
       Na mídia, as primeiras notícias sobre os emigrantes brasileiros retratavam os imigrantes
como “exilados da crise”, em alusão aos exilados políticos dos anos 1970. Analisando
reportagens com relação os emigrantes na imprensa no início dos anos 1990, Assis (1995)
observou que a imprensa nacional inicialmente enfocou a emigração de brasileiros como
fenômeno exótico, pois o país não tinha tradição de emigração. As notícias relatavam as
aventuras e desventuras de brasileiros nos EUA. As reportagens enfatizavam as estratégias de
migração, as deportações, os relatos das viagens clandestinas, o sucesso daqueles que chegaram
na “América”, construindo representações sobre os emigrantes. Dessa forma, as matérias da
imprensa não apenas revelaram o fenômeno, mas também ajudaram a construí-lo, destacando-se
nesse cenário os relatos e imagens produzidos sobre a cidade de Governador Valadares (MG),
como ponto de partida desse movimento. As reportagens sobre os imigrantes para o Brasil
revelam, em grande parte, a situação de clandestinidade e o preconceito com que os imigrantes,
principalmente os latino-americanos, são recebidos no Brasil e apontam para os problemas que
esses migrantes enfrentam no Brasil4 como as dificuldades de acesso a serviços como a escola
para seus filhos.
       Os atentados de 11 de setembro de 2001 causaram a morte de quase 3.000 pessoas e a
queda das Torres do World Trad Center, tudo isso transmitido ao vivo pela TV – dentro do vem
sendo analisado com a sociedade do espetáculo. Os atentados tiveram ampla cobertura pela
imprensa escrita e televisionada. Nos meses que se seguiram, a invasão do Afeganistão e do
Iraque no que vem sendo chamado de “Guerra contra o terror” significou o massacre de
população civil e uma grande instabilidade no Oriente Médio. No entanto, para os milhares de
imigrantes que circulam no mundo contemporâneo, em condições precárias de trabalho e
documentação, significou também uma maior vigilância nas fronteiras norte-americanas e nos


                                                                                             3
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principais países de entrada de emigrantes na Europa. A migração internacional passa a ser vista
como uma ameaça a segurança nacional e torna-se cada vez mais criminalizada com o aumento
de prisões e deportações de migrantes considerados “indesejados”. Assim no início do século
XXI as reportagens sobre os migrantes indicam brasileiros presos, deportados, ou mortos
tentando cruzar a fronteira do Brasil com o México.
       A morte de Jean Charles vai receber ampla cobertura pela imprensa, pois num momento
no qual a travessia era num certo sentido glamourizada pelas lindas imagens da telenovela
“América5” exibida pela rede Globo de televisão no ano de 2005, e suscita novos sonhos de fazer
a “América”, essa morte trágica trouxe de volta “a vida real”, a condição de migrante
indocumentado e os seus limites.


A trajetória de vida de Jean Charles
       Jean Charles de Menezes, nasceu em Gonzaga no dia 7 de janeiro de 1978 e se criou na
área rural, interior do município. Sai de casa cedo, aos catorze anos, para morar com seu tio em
São Paulo para continuar seus estudos e aos 19 anos recebe diploma técnico em Eletrônica da
Escola Estadual São Sebastião. Assim como muitos outros jovens, não só de Minas Gerais, mas
de várias regiões do Brasil, parte em busca de melhores possibilidades de emprego ou qualidade
de vida. Entra no Reino Unido em 2002 com um visto de estudante e cerca de 3 anos depois é
assassinado com 8 tiros por agentes da polícia ao ser confundido com Hussain Osman, procurado
por suspeita de envolvimento com ataques terroristas.


Os relatos da familia de Jean Charles
       Os relatos dos familiares, veiculados por meio da imprensa, blogs, fóruns on-line e outras
páginas da Internet que tratam da questão, trazem a idéia de um jovem pacato, bem intencionado
e                                                                                         trabalhador.
No dia 23 de julho de 2005, um dia após a morte de Jean, a Rede Globo foi a casa dele em
Gonzaga, a cerca de 300km de Belo Horizonte, entrevistar a família. Um amigo pessoal, Romir
Nascimento, declarou: quot;Ele era amigo pra jogar bola, sair pra apanhar passarinho pelos mato
afora. Por que nós foi criado no município, no interior de Gonzaga... Sei lá, não gosto nem de
lembrar, recordar daqueles momento, por que é dificil perder um amigo como o Jean.quot; A avó de
Jean, com saúde frágil e a quem ele havia visitado meses antes no Brasil, lamenta: quot;Esse neto pra


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mim era um neto do meu coração, um menino muito inteligente, muito trabalhador, muito
educado. Então era um neto que eu podia dizer que eu trazia no meu coração. E tive grande
sentimento    de     ter   acontecido       o   que   aconteceu...    Meu      Deus        do   céu...quot;
No dia seguinte, 24 de julho, o primo de Jean, Alex Alves Pereira, descreveu seu primo à BBC de
Londres como sendo “amigável, trabalhador e alguém que gostava de curtir a vida.” Ele ainda
acrescentou que seu primo nunca correria da polícia pois “Ele nunca teve nenhum problema com
a polícia. A polícia já o abordou antes e ele nunca fugiu.”
       Alex, que mora em Londres e desde morte do primo tem sido o principal representante da
família na busca por justiça para o caso.
Imprensa Britânica
       A imprensa britânica ressalta a condição de Jean como inocente e da família como
injustiçada, principalmente à medida que mais e mais fatos são revelados mostrando como a
polícia mentiu. Nas primeiras notícias veiculadas logo após a morte de Jean Charles foi
informado pela polícia britânica, o jovem teria agido de forma suspeita e fugido da polícia. O
fato, no entanto, foi rapidamente desmentido pelas imagens que veicularam sobre seus últimos
momentos de vida e que mostram o jovem entrando no metrô caminhando demonstrando, que
Jean não agiu de forma suspeita, não correu da polícia e não usava jaqueta volumosa (como
alegaram os policiais).
       Os jornais britânicos parecem evitar discutir a sua condição imigrante com um visto de
permanência falsificado, assim como milhares de outros migrantes em Londres, e de que Jean
provavelmente não teria morrido, não fosse ele classificado como parecido com um grupo étnico
que se assemelha ao daqueles de que são classificados uma ameaça à nação. Percebe-se nelas um
tom burocrático e um enfoque exacerbado sobre o aspecto criminal do acidente. Abordam-se,
assim, as revelações recentes das investigações, as novidades do processo criminal aberto pela
família e quais têm sido as declarações mais recentes por parte dos envolvidos: governantes,
representantes da polícia, advogados e familiares.
Imprensa Brasileira
       A imprensa Brasileira em geral reproduz as reportagens britânicas e por conta disso as
reportagens são menos numerosas e complexas. Percebem-se por vezes declarações mal
traduzidas ou notícias distorcidas. No entanto o enfoque é, também, burocrático e ressalta que a
justiça ainda não foi feita. Abordam o acidente como “Erro fatal da policia britânica” (Jornal


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Nacional, 23/7/2005) e Jean como um jovem inocente, morto por policiais que ainda não foram
punidos. As reportagens do Diário de Rio Doce (proveniente da região de Governador Valadares
e Gonzaga) abordam a figura de Jean com um tom mais pessoal, enaltecem a
comoção/repercussão local e a dor da família, mas não deixam de reproduzir as mesmas
informações e discussões presentes no restante dos veículos nacionais.
As reações de apoio à causa da família
       As inúmeras reportagens que surgiram nestes mais de dois anos da morte de Jean
receberam muito retorno do público. Sendo, sobretudo, comentadas na própria página da Internet
da agência de origem ou em páginas independentes. Partindo da análise de centenas de
comentários em relação às reportagens de grandes agências (a maior parte delas britânicas),
podemos perceber um forte tom de apoio à causa da família, explicitando a inocência de Jean e
clamando por justiça. Ficou muito explicitado o repúdio às práticas da polícia no caso, em
especial a certas pessoas que tiveram papel chave nas decisões que levaram ao assassinato, o
principal sendo o comissário Ian Blair. As reações de apoio, de um modo geral, também evito o
elemento ligado a imigração presente, o que é as vezes trazido à tona por algum dos
“comentantes”, por vezes com tons racistas, mas é logo rechaçado pela maioria que o segue.
        Mas será que esta a voz predominante nos espaços de sociabilidade virtual dos grandes
meios da mídia são a voz da maioria Londrina, ou mesmo Inglesa, ou mesmo a voz de boa parte
dos europeus que vivem nos países onde nasceram e enfrentam atualmente o dilema da imigração
crescente?
       Os atentados de 7 de Julho de 2005 em Londres tiveram como resultado, é claro, um
aumento significativo da xenofobia na Inglaterra e uma injeção de adrenalina e insensatez na
discussão tão atual sobre a presença dos imigrantes em Londres como acontece em todo o Oeste
Europeu. A opinião pública Inglesa, no entanto, parece ter se controlado e minimizado em muito
o aumento que esse incidente poderia ter gerado no conflito social gerado pela migração, como o
foi em Paris, Estados Unidos, etc.
As reações xenófobas
       A Internet, cada vez mais, tem sido um meio sem igual para aqueles que querem praticar a
liberdade de expressão. No caso de Jean Charles a imprensa de grande porte teve papel
determinante junto da opinião pública ao evitar a discussão quanto a situação de Jean como
imigrante em Londres.


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          No caso de Jean os blogs, em especial, tiveram uma tendência a dar mais atenção ao fato
dele ser um imigrante do que a mídia em geral, e sendo ele indocumentado discutiam qual seria a
ligação do status dele como imigrante com sua morte e as medidas que deveriam ser tomadas. Ao
contrário da mídia, no entanto, os blogs não são profissionais e, quem sabe por isso, não
investigam as questões muito a fundo, não se preocupam com as repercussões de um texto muito
sincero ou muito espontâneo. Assim tendem a especular livremente baseados em fatos pouco
claros.
          Por outro lado grupos de direita, conservadores, críticos ou contrários à presença de
imigrantes, sobretudo a dos indocumentados, utilizaram a morte de Jean como um ícone do
“problema”.
          Mesmo assim vimos a repetição de um discurso. Muitos blogs e páginas independentes
abordam o acidente como um erro da polícia, sim, mas não como a morte de um inocente.
Existe, aliás, o blog (demenezeswasanillegal.blogspot.com ou “Menezes era um ilegal” que tem
como título “Não deve se buscar nenhuma compensação pelo caso de Jean Charles– Pois ele era
um criminoso”. O blog foi criado logo após o acidente e é inteiramente dedicado a idéia de que
Jean não morreu por cometer um crime, mas morreu na época em que cometia um crime. O crime
de estar “ilegal” em Londres, atentando, dessa forma segundo o autor, contra a economia e a
qualidade de vida londrina. Dessa forma se buscarem punir oficiais e principalmente indenizar a
família, o contribuinte inglês estaria sendo lesado ainda mais por alguém que “tanto atentou
contra o nosso bem estar”.
          Nove dias depois da morte de Jean, quando ainda se pensava que ele havia corrido da
polícia, um outro site de pequeno porte (rottypup.com ou “Filhote de Rottweiler”) publicou um
artigo intitulado “Jean Charles: de meliante a mártir em oito tiros” (Jean Charles de Menezes:
From Crook To Martyr In Eight Shots) comenta uma reportagem da BBC. O autor afirma que
“Jean Charles era um imigrante ilegal, um mentiroso, um forjador, um fraudante e um fugitivo da
justiça”. O autor segue com eloqüência: “Bem, vamos direto ao ponto: Londres é uma capital
menos rica do que poderia ser se parasitas como Jean Charles não nos estivessem sugando do
jeito que centenas de milhares o fazem.” Chris Wood comenta o texto dez meses após sua
publicação: “Fico contente em ter achado esse comentário e eu senti o mesmo quando eu vi isso
na BBC. Esse cavalheiro tem sido descrito pela mídia, pelo governo, pelo sistema judicial…
advogados etc… e pela polícia com um homem totalmente inocente… […] Nosso país parece


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sempre ficar a favor do lado do criminoso e não ajudar a vítima… aqui sendo o público inglês
que obedece a lei.”
       Os relatos acima descritos são coletados em blogs que a maioria dos brasileiros não
acessa, por não ler, nem escrever em inglês. Os seus relatos, expressam como a xenofobia e
sentimentos anti-imigrante tem aumentado nos últimos anos e revelam como a criminalização
constante da migração e dos emigrantes acabam por justificar para esse grupo a ação da polícia,
pois afinal ele “não era inocente”, conforme procuram frisar no relato, e seu “crime” era ser
imigrante ilegal e sobrecarregar o estado britânico por não pagar impostos.


Os defensores dos direitos dos imigrantes
       Inicialmente esperávamos encontrar, em meio à tamanha repercussão do caso em questão,
muitas declarações por parte dos grupos defensores dos direitos dos imigrantes se apoiando no
exemplo da morte de Jean para argumentar contra a criminalização da imigração, da
discriminação étnica e as ofensas aos direitos humanos. Deparamos-nos, de fato, com várias
declarações nesse sentido, mas elas são ínfimas se comparadas ao número de discursos que
evitam mencionar o fator imigração e àqueles que falam contra os imigrantes. No entanto, nos
relatos Jean Charles é descrito a partir de sua “assinatura corporal” identificado como muçulmano
por sua aparência ou como negro, em ambos os casos é no corpo, nos traços fenotípicos que
aparecem as marcas que os distinguem dos ingleses que o tornaram não-branco e, portanto,
suspeito.
       O artigo “Crescente onda de xenofobia: o multiculturalismo precário da Austrália” de
Ghali Hassan (“Rising Tide of Xenophobia: Australia’s Shallow Multiculturalism”:
http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=1011) comenta o artigo de Richard
Drayton (The Guardian) e afirma:


       “O senhor Menezes não era um “terrorista” muçulmano, mas sabemos que ele se parecia
como um muçulmano e a carregava a “assinatura no corpo” de muçulmano. O jovem brasileiro se
parecia como um muçulmano comum, e por isso ele era um alvo. Com as novas leis draconianas
anti-terrorismo, execuções semelhantes a esta de pessoas inocentes poderiam facilmente ocorrer
na Austrália.”



                                                                                               8
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          Richard Drayton segue uma linha de argumentação semelhante ao escrever o artigo “A
prosperidade do Ocidente foi obtida com a exploração da África” (“The wealth of the west was
built on Africa's exploitation”) para o The Guardian:


          “Se a “assinatura Africana” não fosse visível no corpo do brasileiro Jean Charles de
Menezes, teria ele sido morto com tiros em um metrô em Stockwell? O cabelo levemente crespo,
sua pele bege claro, transmitiram algo que foi erroneamente interpretado pela polícia como
perigo estrangeiro6”.
          Uma brasileira também usa o caso de Jean como ícone da violência contra imigrantes:
          “Os brasileiros não podem ser assassinados pelos policiais a todo o momento e ficarem
impunes”, afirmou ela se referindo ao caso de Jean Charles, que havia morrido há pouco mais de
um ano. Ela é irmã de um brasileiro de Minas Gerais, mineiro como Jean, que entrou nos EUA
atravessando o deserto pelo México, trabalhou lá poreserto ando ilegalmente                  construihe
Guardianenezes          ra     um       alvo.cente..ulou       as      a      e      produtiva      do
desejos                                                      por 3 anos e acabou sendo morto pela
polícia em condições suspeitas, aparentemente sem motivo7.


Considerações Finais
          Voltando ao início de nosso relato, Jean Charles de Menezes, de Minas Gerais, morava
em Londres há 3 anos quando, em 22 de Julho de 2005, foi confundido com um terrorista e
alvejado 7 vezes no rosto e uma vez no ombro. Saiu de Gonzaga para Londres para se encontrar
com amigos e parentes que já residiam na região, as redes sociais explicam porque um mineiro de
uma cidade pequena e aparentemente distante se conectou com a global Londres. A tragédia
ocorreu duas semanas após os atentados a bomba que vitimaram 52 pessoas (é relevante ressaltar
que 24 destas eram imigrantes estabelecidos em Londres), e no dia seguinte em que novas
tentativas de atentado ocorreram. A polícia comprovadamente mentiu de várias formas para
tentar justificar a ação, mas tem ficado claro que o maior, se não único, indício contra Menezes
foi sua aparência, sua identidade como estrangeiro, como alguém estranho e assim perigoso à
sociedade. Durante as semanas seguintes aos atentados de Londres, as atitudes e os sentimentos
xenofóbicos foram elevados aos extremos em todo o país. Sendo assim, a morte de um imigrante
virou o ícone de um problema gigantesco, histórico e complexo que é o da crescente xenofobia.


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Como a vida, ou nesse caso a morte, de uma pessoa passa a ser compartilhada por vários como
ícone e material de argumentação, seja de um ponto de vista favorável ou desfavorável à
imigração.
A migração internacional talvez seja uma das facetas mais complexas do mundo globalizado.
Nesse mundo de intensa movimentação, no entanto, os trabalhadores imigrantes são os que mais
têm dificuldade de circular. A migração contemporânea tem colocado questões significativas para
a cidadania em um mundo que aparentemente aboliu as fronteiras nacionais, mas onde nunca foi
tão difícil cruzar as fronteiras, a história de vida de Jean Charles, ou seus fragmentos aqui
apresentados demonstram que para os imigrantes internacionais a circulação é restrita, vigiada e
tratada cada vez mais como uma questão de segurança nacional que coloca os imigrantes como
suspeitos e não com sujeitos, a história de Jean infelizmente demonstra como a luta contra o
terror tem ocasionado medo, perseguição, preconceito e morte entre os imigrantes. ”


REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
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modernidade anômala. São Paulo: HUCITEC, 2000.
SALES, Teresa. Brasileiros longe de casa. São Paulo: Cortez, 1999.
SALES, Teresa. Identidade étnica entre imigrantes brasileiros na região de Boston. In: REIS,
Rossana. & SALES, Teresa. (Org.). Cenas do Brasil Migrante. São Paulo. Boitempo, 1999. p.17-
44.
SIQUEIRA, Sueli. Migrantes e empreendedorismo na Microrregião de Governador Valadares –
Sonhos e frustrações no retorno. 2006. 200f. Tese (Doutorado em Ciências Humanas –
Sociologia e Política) – Faculdade de filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de
Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006.

1
  Professora Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc)
2
   “Planeta em Movimento”, tema do caderno especial procurando discutir como a trajetória de vida e morte
dramática pode nos ajudar a compreender as trajetórias de vários emigrantes e dos contextos de preconceito,
discriminação nas sociedades de acolhimento “World Mídia” da Folha de São Paulo, 18, 29 e 20 de julho de 1991.
3
  Este trabalho é uma versão do artigo apresentado no Simpósio Estadual de História Oral em co-autoria com Tiago
Welter Martins (bolsista PROBIC-UDESC) e faz parte do projeto de pesquisa “As representações sobre os novos
migrantes brasileiros rumo a Europa: gênero, etnicidade e preconceito” financiado pelo PAP.
4
  “Clandestinos do Brasil” (Isto É, 2/09/1998); “O eldorado boliviano” (Veja, 25/08/1999); “Xenofobia na América”
(matéria especial, Caderno Geral do Jornal Zero Hora, 28/08/2994).
5
  Assis e Siqueira (2007) analisam a novela América e as representações que constroem sobre os emigrantes
brasileiros.
6
  “Had Africa's signature not been visible on the body of the Brazilian Jean Charles de Menezes, would he have been
gunned down on a tube at Stockwell? The slight kink of the hair, his pale beige skin, broadcast something misread by
police as foreign danger.” http://www.guardian.co.uk/comment/story/0,,1552921,00.html)
7
    Fonte: http://braziliantimes.com/14.03.07/comunidade/3.htm




                                                                                                                 11

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Glaucia De Oliveira Assis

  • 1. Anais do IX Encontro Nacional de História Oral - 22 a 25/04/2008 - UNISINOS DE GONZAGA PARA LONDRES: ETNICIDADE E PRECONCEITO NA HISTÓRIA DE JEAN CHARLES DE MENEZES Gláucia de Oliveira Assis 1 Resumo Nesse início de século XXI milhares de brasileiros rumam para os Estados Unidos, Japão e Europa. Esses emigrantes que partem com o sonho de uma vida melhor convivem num contexto mundial de maior criminalização da migração, pós atentados de 11 de setembro e medidas mais restritivas a entrada de imigrantes, particularmente nos Estados Unidos, mas também na Europa. Assim, nesse mundo de intensa movimentação, os trabalhadores imigrantes são os que mais têm dificuldade de circular. Nesse cenário que essa apresentação pretende reconstruir essa experiência a partir da história de Jean Charles de Menezes, natural de Gonzaga, Minas Gerais, que migrou para Londres e morreu em 22 de julho de 2005, “confundido” com um terrorista. Este artigo pretende reconstruir sua trajetória de vida a partir de relatos dos familiares e relatos na imprensa nacional de internacional procurando discutir como a trajetória de vida e morte dramática pode nos ajudar a compreender as trajetórias de vários emigrantes e dos contextos de preconceito, discriminação nas sociedades de acolhimento. As fontes serão as matérias veiculadas na imprensa nacional e internacional e relatos dos familiares. Palavras-chave: migração internacional, etnicidade, história de vida Title: From Gonzaga to London: ethnics and prejudice in Jean Charles de Menezes’ life history In the beginning of the 21st century thousands of Brazilians moved to the United States of America, Japan and Europe. The migrants who leave dreaming of a better life have to cope with a global context post September 11th event of higher criminalization of the migration and more strict measures in relation to the entrance of immigrants, not particularly in the USA, but also in Europe. So, in a world that spreads images of intense tourists, businesspeople and athletes’ movement, the immigrant workers are the ones who suffer higher circulation restrictions. This work aims to reconstruct the migratory experience through the history of Jean Charles de Menezes, born in Gonzaga, Minas Gerais, who migrated to London and died on 22 July 2005, “mistaken” by the police as a terrorist. As we reconstruct his life history from family and national and international recounts, we will analyze how the life trajectory and dramatic death can help us understand the trajectories of several immigrants and the prejudice and discrimination contexts in the target society. Key words: international migration; ethnicity; life history Introdução As imagens e notícias, muitas vezes dramáticas, sobre os migrantes internacionais nesta virada para o século XXI, revelaram o crescimento das migrações, demonstrando diferentes
  • 2. Anais do IX Encontro Nacional de História Oral - 22 a 25/04/2008 - UNISINOS facetas desse fenômeno. As imagens de albaneses chegando em barcos na Itália, de vietnamitas à deriva no mar da China, de chineses viajando em porões de navios para os EUA, de imigrantes ilegais atravessando a fronteira dos EUA com o México, indicaram um “Planeta em Movimento”2. Essas imagens revelaram também um novo fluxo da população brasileira – a emigração de brasileiros para o exterior. As primeiras notícias retratavam as histórias dos emigrantes brasileiros que, em meados dos anos 80, foram deportados por tentarem entrar ilegalmente nos EUA. A emigração de brasileiros nas últimas décadas do século XX inseriu o Brasil nos novos fluxos internacionais de mão-de-obra. Ao longo da década de 1990, esse fluxo torna-se continuo e várias comunidades brasileiras se espalham pelo mundo, os migrantes partem de cidades como Governador Valadares (MG), Criciúma (SC), Londrina (PR), Maringá (PR) e de seus municípios vizinhos criando pólos de migração nessas regiões e rumam para alguns pontos específicos no destino rumo a região de Boston, cidades no Japão, a cidade do Porto e Londres para citar alguns dos locais onde se concentram os emigrantes brasileiros. (Martes, 1999, Sales, 1999, Assis, 2004, Fusco 2005, Siqueira, 2006). No entanto, o que nos interessa problematizar é como a partir dessas redes um mineiro saiu do interior de Minas foi para Londres e se sentiu em casa, até ser brutalmente assassinado num metrô em Londres. A breve história de vida de Jean Charles de Menezes que saiu de Gonzaga rumo a Londres para “Fazer Londres”, revela como a maior vigilância na fronteira do México, aliada à dificuldade de conseguir visto de entrada nos Estados Unidos tem levado os brasileiros a procurarem novas rotas de migração, novas oportunidade e trabalho no mundo globalizado. No entanto, esses migrantes são vistos como perigosos e, em contexto de guerra contra o terror, ameaçadores, principalmente se forem homens, jovens e tiverem “aparência” suspeita. Da história de vida de Jean Charles temos apenas fragmentos coletados em jornais, revistas e sites de internet, mas procuraremos demonstrar como sua biografia é reconstruída pelos jornais por seus familiares e pela policia, quais as memórias são acionadas, procurando discutir como a trajetória de vida e morte dramática pode nos ajudar a compreender os contextos de preconceito, discriminação nas sociedades de acolhimento. Assim sua biografia é reconstruída a partir de diferentes vozes e perspectivas, e pensando como Bourdieu, em a ilusão biográfica, que as biografias são reconstruções, que selecionamos elementos para recompor relatos orais, nesse caso particularmente estamos procurando 2
  • 3. Anais do IX Encontro Nacional de História Oral - 22 a 25/04/2008 - UNISINOS compreender quais as memórias são selecionadas para reconstruir a história de vida de Jean Charles e quem aciona essas imagens. Para tanto, na primeira parte da comunicação3 apresentamos algumas das representações sobre os emigrantes brasileiros na imprensa e nos itens subseqüentes apresentaremos as histórias de Jean Charles, situando-a no contexto do maior rigor nas fronteiras e de criminalização da migração, pós atentados de 11 de setembro de 2001 e os atentados em Madri e na Inglaterra. Os emigrantes brasileiros na Imprensa Na mídia, as primeiras notícias sobre os emigrantes brasileiros retratavam os imigrantes como “exilados da crise”, em alusão aos exilados políticos dos anos 1970. Analisando reportagens com relação os emigrantes na imprensa no início dos anos 1990, Assis (1995) observou que a imprensa nacional inicialmente enfocou a emigração de brasileiros como fenômeno exótico, pois o país não tinha tradição de emigração. As notícias relatavam as aventuras e desventuras de brasileiros nos EUA. As reportagens enfatizavam as estratégias de migração, as deportações, os relatos das viagens clandestinas, o sucesso daqueles que chegaram na “América”, construindo representações sobre os emigrantes. Dessa forma, as matérias da imprensa não apenas revelaram o fenômeno, mas também ajudaram a construí-lo, destacando-se nesse cenário os relatos e imagens produzidos sobre a cidade de Governador Valadares (MG), como ponto de partida desse movimento. As reportagens sobre os imigrantes para o Brasil revelam, em grande parte, a situação de clandestinidade e o preconceito com que os imigrantes, principalmente os latino-americanos, são recebidos no Brasil e apontam para os problemas que esses migrantes enfrentam no Brasil4 como as dificuldades de acesso a serviços como a escola para seus filhos. Os atentados de 11 de setembro de 2001 causaram a morte de quase 3.000 pessoas e a queda das Torres do World Trad Center, tudo isso transmitido ao vivo pela TV – dentro do vem sendo analisado com a sociedade do espetáculo. Os atentados tiveram ampla cobertura pela imprensa escrita e televisionada. Nos meses que se seguiram, a invasão do Afeganistão e do Iraque no que vem sendo chamado de “Guerra contra o terror” significou o massacre de população civil e uma grande instabilidade no Oriente Médio. No entanto, para os milhares de imigrantes que circulam no mundo contemporâneo, em condições precárias de trabalho e documentação, significou também uma maior vigilância nas fronteiras norte-americanas e nos 3
  • 4. Anais do IX Encontro Nacional de História Oral - 22 a 25/04/2008 - UNISINOS principais países de entrada de emigrantes na Europa. A migração internacional passa a ser vista como uma ameaça a segurança nacional e torna-se cada vez mais criminalizada com o aumento de prisões e deportações de migrantes considerados “indesejados”. Assim no início do século XXI as reportagens sobre os migrantes indicam brasileiros presos, deportados, ou mortos tentando cruzar a fronteira do Brasil com o México. A morte de Jean Charles vai receber ampla cobertura pela imprensa, pois num momento no qual a travessia era num certo sentido glamourizada pelas lindas imagens da telenovela “América5” exibida pela rede Globo de televisão no ano de 2005, e suscita novos sonhos de fazer a “América”, essa morte trágica trouxe de volta “a vida real”, a condição de migrante indocumentado e os seus limites. A trajetória de vida de Jean Charles Jean Charles de Menezes, nasceu em Gonzaga no dia 7 de janeiro de 1978 e se criou na área rural, interior do município. Sai de casa cedo, aos catorze anos, para morar com seu tio em São Paulo para continuar seus estudos e aos 19 anos recebe diploma técnico em Eletrônica da Escola Estadual São Sebastião. Assim como muitos outros jovens, não só de Minas Gerais, mas de várias regiões do Brasil, parte em busca de melhores possibilidades de emprego ou qualidade de vida. Entra no Reino Unido em 2002 com um visto de estudante e cerca de 3 anos depois é assassinado com 8 tiros por agentes da polícia ao ser confundido com Hussain Osman, procurado por suspeita de envolvimento com ataques terroristas. Os relatos da familia de Jean Charles Os relatos dos familiares, veiculados por meio da imprensa, blogs, fóruns on-line e outras páginas da Internet que tratam da questão, trazem a idéia de um jovem pacato, bem intencionado e trabalhador. No dia 23 de julho de 2005, um dia após a morte de Jean, a Rede Globo foi a casa dele em Gonzaga, a cerca de 300km de Belo Horizonte, entrevistar a família. Um amigo pessoal, Romir Nascimento, declarou: quot;Ele era amigo pra jogar bola, sair pra apanhar passarinho pelos mato afora. Por que nós foi criado no município, no interior de Gonzaga... Sei lá, não gosto nem de lembrar, recordar daqueles momento, por que é dificil perder um amigo como o Jean.quot; A avó de Jean, com saúde frágil e a quem ele havia visitado meses antes no Brasil, lamenta: quot;Esse neto pra 4
  • 5. Anais do IX Encontro Nacional de História Oral - 22 a 25/04/2008 - UNISINOS mim era um neto do meu coração, um menino muito inteligente, muito trabalhador, muito educado. Então era um neto que eu podia dizer que eu trazia no meu coração. E tive grande sentimento de ter acontecido o que aconteceu... Meu Deus do céu...quot; No dia seguinte, 24 de julho, o primo de Jean, Alex Alves Pereira, descreveu seu primo à BBC de Londres como sendo “amigável, trabalhador e alguém que gostava de curtir a vida.” Ele ainda acrescentou que seu primo nunca correria da polícia pois “Ele nunca teve nenhum problema com a polícia. A polícia já o abordou antes e ele nunca fugiu.” Alex, que mora em Londres e desde morte do primo tem sido o principal representante da família na busca por justiça para o caso. Imprensa Britânica A imprensa britânica ressalta a condição de Jean como inocente e da família como injustiçada, principalmente à medida que mais e mais fatos são revelados mostrando como a polícia mentiu. Nas primeiras notícias veiculadas logo após a morte de Jean Charles foi informado pela polícia britânica, o jovem teria agido de forma suspeita e fugido da polícia. O fato, no entanto, foi rapidamente desmentido pelas imagens que veicularam sobre seus últimos momentos de vida e que mostram o jovem entrando no metrô caminhando demonstrando, que Jean não agiu de forma suspeita, não correu da polícia e não usava jaqueta volumosa (como alegaram os policiais). Os jornais britânicos parecem evitar discutir a sua condição imigrante com um visto de permanência falsificado, assim como milhares de outros migrantes em Londres, e de que Jean provavelmente não teria morrido, não fosse ele classificado como parecido com um grupo étnico que se assemelha ao daqueles de que são classificados uma ameaça à nação. Percebe-se nelas um tom burocrático e um enfoque exacerbado sobre o aspecto criminal do acidente. Abordam-se, assim, as revelações recentes das investigações, as novidades do processo criminal aberto pela família e quais têm sido as declarações mais recentes por parte dos envolvidos: governantes, representantes da polícia, advogados e familiares. Imprensa Brasileira A imprensa Brasileira em geral reproduz as reportagens britânicas e por conta disso as reportagens são menos numerosas e complexas. Percebem-se por vezes declarações mal traduzidas ou notícias distorcidas. No entanto o enfoque é, também, burocrático e ressalta que a justiça ainda não foi feita. Abordam o acidente como “Erro fatal da policia britânica” (Jornal 5
  • 6. Anais do IX Encontro Nacional de História Oral - 22 a 25/04/2008 - UNISINOS Nacional, 23/7/2005) e Jean como um jovem inocente, morto por policiais que ainda não foram punidos. As reportagens do Diário de Rio Doce (proveniente da região de Governador Valadares e Gonzaga) abordam a figura de Jean com um tom mais pessoal, enaltecem a comoção/repercussão local e a dor da família, mas não deixam de reproduzir as mesmas informações e discussões presentes no restante dos veículos nacionais. As reações de apoio à causa da família As inúmeras reportagens que surgiram nestes mais de dois anos da morte de Jean receberam muito retorno do público. Sendo, sobretudo, comentadas na própria página da Internet da agência de origem ou em páginas independentes. Partindo da análise de centenas de comentários em relação às reportagens de grandes agências (a maior parte delas britânicas), podemos perceber um forte tom de apoio à causa da família, explicitando a inocência de Jean e clamando por justiça. Ficou muito explicitado o repúdio às práticas da polícia no caso, em especial a certas pessoas que tiveram papel chave nas decisões que levaram ao assassinato, o principal sendo o comissário Ian Blair. As reações de apoio, de um modo geral, também evito o elemento ligado a imigração presente, o que é as vezes trazido à tona por algum dos “comentantes”, por vezes com tons racistas, mas é logo rechaçado pela maioria que o segue. Mas será que esta a voz predominante nos espaços de sociabilidade virtual dos grandes meios da mídia são a voz da maioria Londrina, ou mesmo Inglesa, ou mesmo a voz de boa parte dos europeus que vivem nos países onde nasceram e enfrentam atualmente o dilema da imigração crescente? Os atentados de 7 de Julho de 2005 em Londres tiveram como resultado, é claro, um aumento significativo da xenofobia na Inglaterra e uma injeção de adrenalina e insensatez na discussão tão atual sobre a presença dos imigrantes em Londres como acontece em todo o Oeste Europeu. A opinião pública Inglesa, no entanto, parece ter se controlado e minimizado em muito o aumento que esse incidente poderia ter gerado no conflito social gerado pela migração, como o foi em Paris, Estados Unidos, etc. As reações xenófobas A Internet, cada vez mais, tem sido um meio sem igual para aqueles que querem praticar a liberdade de expressão. No caso de Jean Charles a imprensa de grande porte teve papel determinante junto da opinião pública ao evitar a discussão quanto a situação de Jean como imigrante em Londres. 6
  • 7. Anais do IX Encontro Nacional de História Oral - 22 a 25/04/2008 - UNISINOS No caso de Jean os blogs, em especial, tiveram uma tendência a dar mais atenção ao fato dele ser um imigrante do que a mídia em geral, e sendo ele indocumentado discutiam qual seria a ligação do status dele como imigrante com sua morte e as medidas que deveriam ser tomadas. Ao contrário da mídia, no entanto, os blogs não são profissionais e, quem sabe por isso, não investigam as questões muito a fundo, não se preocupam com as repercussões de um texto muito sincero ou muito espontâneo. Assim tendem a especular livremente baseados em fatos pouco claros. Por outro lado grupos de direita, conservadores, críticos ou contrários à presença de imigrantes, sobretudo a dos indocumentados, utilizaram a morte de Jean como um ícone do “problema”. Mesmo assim vimos a repetição de um discurso. Muitos blogs e páginas independentes abordam o acidente como um erro da polícia, sim, mas não como a morte de um inocente. Existe, aliás, o blog (demenezeswasanillegal.blogspot.com ou “Menezes era um ilegal” que tem como título “Não deve se buscar nenhuma compensação pelo caso de Jean Charles– Pois ele era um criminoso”. O blog foi criado logo após o acidente e é inteiramente dedicado a idéia de que Jean não morreu por cometer um crime, mas morreu na época em que cometia um crime. O crime de estar “ilegal” em Londres, atentando, dessa forma segundo o autor, contra a economia e a qualidade de vida londrina. Dessa forma se buscarem punir oficiais e principalmente indenizar a família, o contribuinte inglês estaria sendo lesado ainda mais por alguém que “tanto atentou contra o nosso bem estar”. Nove dias depois da morte de Jean, quando ainda se pensava que ele havia corrido da polícia, um outro site de pequeno porte (rottypup.com ou “Filhote de Rottweiler”) publicou um artigo intitulado “Jean Charles: de meliante a mártir em oito tiros” (Jean Charles de Menezes: From Crook To Martyr In Eight Shots) comenta uma reportagem da BBC. O autor afirma que “Jean Charles era um imigrante ilegal, um mentiroso, um forjador, um fraudante e um fugitivo da justiça”. O autor segue com eloqüência: “Bem, vamos direto ao ponto: Londres é uma capital menos rica do que poderia ser se parasitas como Jean Charles não nos estivessem sugando do jeito que centenas de milhares o fazem.” Chris Wood comenta o texto dez meses após sua publicação: “Fico contente em ter achado esse comentário e eu senti o mesmo quando eu vi isso na BBC. Esse cavalheiro tem sido descrito pela mídia, pelo governo, pelo sistema judicial… advogados etc… e pela polícia com um homem totalmente inocente… […] Nosso país parece 7
  • 8. Anais do IX Encontro Nacional de História Oral - 22 a 25/04/2008 - UNISINOS sempre ficar a favor do lado do criminoso e não ajudar a vítima… aqui sendo o público inglês que obedece a lei.” Os relatos acima descritos são coletados em blogs que a maioria dos brasileiros não acessa, por não ler, nem escrever em inglês. Os seus relatos, expressam como a xenofobia e sentimentos anti-imigrante tem aumentado nos últimos anos e revelam como a criminalização constante da migração e dos emigrantes acabam por justificar para esse grupo a ação da polícia, pois afinal ele “não era inocente”, conforme procuram frisar no relato, e seu “crime” era ser imigrante ilegal e sobrecarregar o estado britânico por não pagar impostos. Os defensores dos direitos dos imigrantes Inicialmente esperávamos encontrar, em meio à tamanha repercussão do caso em questão, muitas declarações por parte dos grupos defensores dos direitos dos imigrantes se apoiando no exemplo da morte de Jean para argumentar contra a criminalização da imigração, da discriminação étnica e as ofensas aos direitos humanos. Deparamos-nos, de fato, com várias declarações nesse sentido, mas elas são ínfimas se comparadas ao número de discursos que evitam mencionar o fator imigração e àqueles que falam contra os imigrantes. No entanto, nos relatos Jean Charles é descrito a partir de sua “assinatura corporal” identificado como muçulmano por sua aparência ou como negro, em ambos os casos é no corpo, nos traços fenotípicos que aparecem as marcas que os distinguem dos ingleses que o tornaram não-branco e, portanto, suspeito. O artigo “Crescente onda de xenofobia: o multiculturalismo precário da Austrália” de Ghali Hassan (“Rising Tide of Xenophobia: Australia’s Shallow Multiculturalism”: http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=1011) comenta o artigo de Richard Drayton (The Guardian) e afirma: “O senhor Menezes não era um “terrorista” muçulmano, mas sabemos que ele se parecia como um muçulmano e a carregava a “assinatura no corpo” de muçulmano. O jovem brasileiro se parecia como um muçulmano comum, e por isso ele era um alvo. Com as novas leis draconianas anti-terrorismo, execuções semelhantes a esta de pessoas inocentes poderiam facilmente ocorrer na Austrália.” 8
  • 9. Anais do IX Encontro Nacional de História Oral - 22 a 25/04/2008 - UNISINOS Richard Drayton segue uma linha de argumentação semelhante ao escrever o artigo “A prosperidade do Ocidente foi obtida com a exploração da África” (“The wealth of the west was built on Africa's exploitation”) para o The Guardian: “Se a “assinatura Africana” não fosse visível no corpo do brasileiro Jean Charles de Menezes, teria ele sido morto com tiros em um metrô em Stockwell? O cabelo levemente crespo, sua pele bege claro, transmitiram algo que foi erroneamente interpretado pela polícia como perigo estrangeiro6”. Uma brasileira também usa o caso de Jean como ícone da violência contra imigrantes: “Os brasileiros não podem ser assassinados pelos policiais a todo o momento e ficarem impunes”, afirmou ela se referindo ao caso de Jean Charles, que havia morrido há pouco mais de um ano. Ela é irmã de um brasileiro de Minas Gerais, mineiro como Jean, que entrou nos EUA atravessando o deserto pelo México, trabalhou lá poreserto ando ilegalmente construihe Guardianenezes ra um alvo.cente..ulou as a e produtiva do desejos por 3 anos e acabou sendo morto pela polícia em condições suspeitas, aparentemente sem motivo7. Considerações Finais Voltando ao início de nosso relato, Jean Charles de Menezes, de Minas Gerais, morava em Londres há 3 anos quando, em 22 de Julho de 2005, foi confundido com um terrorista e alvejado 7 vezes no rosto e uma vez no ombro. Saiu de Gonzaga para Londres para se encontrar com amigos e parentes que já residiam na região, as redes sociais explicam porque um mineiro de uma cidade pequena e aparentemente distante se conectou com a global Londres. A tragédia ocorreu duas semanas após os atentados a bomba que vitimaram 52 pessoas (é relevante ressaltar que 24 destas eram imigrantes estabelecidos em Londres), e no dia seguinte em que novas tentativas de atentado ocorreram. A polícia comprovadamente mentiu de várias formas para tentar justificar a ação, mas tem ficado claro que o maior, se não único, indício contra Menezes foi sua aparência, sua identidade como estrangeiro, como alguém estranho e assim perigoso à sociedade. Durante as semanas seguintes aos atentados de Londres, as atitudes e os sentimentos xenofóbicos foram elevados aos extremos em todo o país. Sendo assim, a morte de um imigrante virou o ícone de um problema gigantesco, histórico e complexo que é o da crescente xenofobia. 9
  • 10. Anais do IX Encontro Nacional de História Oral - 22 a 25/04/2008 - UNISINOS Como a vida, ou nesse caso a morte, de uma pessoa passa a ser compartilhada por vários como ícone e material de argumentação, seja de um ponto de vista favorável ou desfavorável à imigração. A migração internacional talvez seja uma das facetas mais complexas do mundo globalizado. Nesse mundo de intensa movimentação, no entanto, os trabalhadores imigrantes são os que mais têm dificuldade de circular. A migração contemporânea tem colocado questões significativas para a cidadania em um mundo que aparentemente aboliu as fronteiras nacionais, mas onde nunca foi tão difícil cruzar as fronteiras, a história de vida de Jean Charles, ou seus fragmentos aqui apresentados demonstram que para os imigrantes internacionais a circulação é restrita, vigiada e tratada cada vez mais como uma questão de segurança nacional que coloca os imigrantes como suspeitos e não com sujeitos, a história de Jean infelizmente demonstra como a luta contra o terror tem ocasionado medo, perseguição, preconceito e morte entre os imigrantes. ” REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ASSIS, Gláucia de O e SIQUERIA, Sueli. Entre o Brasil e os Estados Unidos: as representações de gênero na novela América. In: SILVA, Cristiani B, ASSIS, Gláucia de O. , KAMITA, Rosana. Gênero em movimento: novos olhares, muitos lugares. Ilha de Sta Catarina, Editora Mulheres, 2007, p. 167-184. ASSIS, Gláucia de O. e MARTINS, Tiago W. De Gonzaga para Londres, a história de Jean Charles de Menezes e seus significados no contexto da migração contemporânea. IV Encontro Regional Sul de Historia Oral, Florianópolis, 12 a 14 de novembro de 2007 ASSIS, Gláucia de O. De Criciúma para o mundo: rearranjos familiares e de gênero nas vivências dos novos migrantes brasileiros. Tese de Doutorado. Programa de Doutorado em Ciências Sociais, IFCH, Campinas, 2004. ASSIS, Gláucia de O. Estar aqui... estar lá o retorno dos emigrantes ou a construção de uma identidade transnacional. Travessia. Revista do Migrante, mai-ago 1995a. p.08-14. DEMARTINI, Zeila B. F. Pesquisa histórico-sociológica, relatos orais e migração. In: DEMARTINI, Zeila B e TRUZZI, Osvaldo. Estudos migratórios: perspectivas metodológicas. São Paulo: EDUFSCar, 2005. p. 87-115. MARTES, Ana Cristina. B. Brasileiros nos Estados Unidos: um estudo sobre imigrantes em Massachusetts. São Paulo, Paz e Terra, 1999, 204p. 10
  • 11. Anais do IX Encontro Nacional de História Oral - 22 a 25/04/2008 - UNISINOS SALES, Teresa. Brasileiros longe de casa. São Paulo: Cortez, 1999. THOMAS, William. & ZANANIECKI, Florian. The polish peasant in Europe and America. Chicago, University of Illiois Press, 1984. MARTINS, José de Souza. A sociabilidade do homem simples: o cotidiano e a história na modernidade anômala. São Paulo: HUCITEC, 2000. SALES, Teresa. Brasileiros longe de casa. São Paulo: Cortez, 1999. SALES, Teresa. Identidade étnica entre imigrantes brasileiros na região de Boston. In: REIS, Rossana. & SALES, Teresa. (Org.). Cenas do Brasil Migrante. São Paulo. Boitempo, 1999. p.17- 44. SIQUEIRA, Sueli. Migrantes e empreendedorismo na Microrregião de Governador Valadares – Sonhos e frustrações no retorno. 2006. 200f. Tese (Doutorado em Ciências Humanas – Sociologia e Política) – Faculdade de filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006. 1 Professora Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) 2 “Planeta em Movimento”, tema do caderno especial procurando discutir como a trajetória de vida e morte dramática pode nos ajudar a compreender as trajetórias de vários emigrantes e dos contextos de preconceito, discriminação nas sociedades de acolhimento “World Mídia” da Folha de São Paulo, 18, 29 e 20 de julho de 1991. 3 Este trabalho é uma versão do artigo apresentado no Simpósio Estadual de História Oral em co-autoria com Tiago Welter Martins (bolsista PROBIC-UDESC) e faz parte do projeto de pesquisa “As representações sobre os novos migrantes brasileiros rumo a Europa: gênero, etnicidade e preconceito” financiado pelo PAP. 4 “Clandestinos do Brasil” (Isto É, 2/09/1998); “O eldorado boliviano” (Veja, 25/08/1999); “Xenofobia na América” (matéria especial, Caderno Geral do Jornal Zero Hora, 28/08/2994). 5 Assis e Siqueira (2007) analisam a novela América e as representações que constroem sobre os emigrantes brasileiros. 6 “Had Africa's signature not been visible on the body of the Brazilian Jean Charles de Menezes, would he have been gunned down on a tube at Stockwell? The slight kink of the hair, his pale beige skin, broadcast something misread by police as foreign danger.” http://www.guardian.co.uk/comment/story/0,,1552921,00.html) 7 Fonte: http://braziliantimes.com/14.03.07/comunidade/3.htm 11