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Saber viver
22 • CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, terça-feira, 17 de novembro de 2009
Editora: Ana Paula Macedo //
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Estudo internacional aponta que os castigos físicos, mesmo de forma moderada, podem prejudicar o desenvolvimento da
criança, afetando a autoestima e a criatividade. Especialistas dizem ser fundamental insistir no caminho do diálogo
Viola Júnior/Esp. CB/D.A Press
Educar
Projeto parado
na Câmara
De acordo com o Relatório
sobre o castigo corporal e os di-
reitos humanos de crianças e
adolescentes 2009, da Comissão
Interamericana de Direitos Hu-
sem
manos (CIDH), apenas 24 países
em todo o mundo possuem leis
que proíbem o castigo físico e
humilhante, entre eles o Uru-
guai e a Venezuela. Outros paí-
ses, como o Canadá e a Nicará-
gua, mantêm iniciativas de leis
para a proibição do castigo físico
e da violência doméstica contra
bater
crianças, que podem ser aprova-
das nos próximos anos.
No Brasil, o Projeto de Lei
2654/03 pretende alterar arti-
gos do Estatuto da Criança e do
Cássia às vezes recorre à palmada, mas condena o exagero: “Você está educando e não descontando a raiva” Adolescente (ECA) e do Código
Civil para tornar crime a puni-
ção corporal de qualquer inten-
sidade contra menores de 18
apa, beliscão ou chinelada. the Children. De acordo com a ofi- Para ela o limite é o primeiro outros, as manifestações voltam- anos. O projeto, que ficou co-
T A maioria dos pais já teve
que apelar para castigos fí-
sicos na hora de impor li-
mites aos filhos. Entretanto, uma
cial para a América Latina e o Ca-
ribe da entidade, Márcia Oliveira,
a medida pode transmitir mensa-
gens de violência. “Qualquer tipo
tapa. “Se você passa para a segun-
da ou a terceira palmada, é por-
que já está extrapolando. É preci-
so lembrar que você está educan-
se principalmente para o próprio
indivíduo, como a baixa estima, a
excessiva passividade e a timidez
exagerada”, explica Leslie.
nhecido como “Lei da Palma-
da”, foi aprovado na Câmara dos
Deputados pelas Comissões de
Educação e Cultura (CEC), Se-
pesquisa da Comissão Interame- de atitude violenta transmite uma do e não descontando a raiva na Para elas, a grande falha desse guridade Social e Família (CS-
ricana de Direitos Humanos (CI- mensagem errada. Quando a criança”, diz Cássia, garantindo modelo está no fato de que ele SF) e de Constituição e Justiça e
DH) divulgada recentemente con- criança vê os pais resolvendo as que só recorre a esse método não proporciona a construção da de Cidadania (CCJC).
dena o uso da força como forma questões com um tapa ou uma quando já tentou resolver o pro- capacidade de sentir culpa. “A Com as decisões, o texto po-
de educação. Intitulado Relatório chinelada, ela entende que essa é blema através do diálogo. “Quan- criança não aprende a se respon- deria seguir direto para análise
sobre o castigo corporal e os direi- uma maneira válida de lidar com do eles me deixam muito nervo- sabilizar pelos próprios atos, pois do Senado, mas os deputados
tos humanos de crianças e adoles- conflitos e carrega isso para outras sa, peço que nem cheguem perto, este aprendizado pressupõe que Neucimar Fraga (PR-ES) e Jair
centes 2009, o estudo afirma que, áreas de vida”, explica. para evitar que eu perca a cabeça o indivíduo possa vivenciar a ex- Bolsonaro (PP-RJ) entraram
mesmo de forma moderada, me- Márcia lembra ainda que, em O discurso de que e extrapole”, completa. periência de ter provocado um com recursos pedindo que a
didas desse tipo podem ser preju- alguns casos, o uso da força po- bater é necessário dano e, a partir daí, sinta a neces- proposta também seja analisa-
diciais para o desenvolvimento de diminuir a criatividade e a cu- Marcas psicológicas sidade e as possibilidades de re- da em plenário da Casa. Assim,
das crianças. Segundo os especia- riosidade das crianças. “Explorar
é egoísta, já que pará-lo”, completa a promotora. desde 2006 o projeto está para-
listas, os malefícios do castigo vão o desconhecido é muito impor- faz bem apenas A assistente social Ludimila de Marina Praia, mãe de João, 6 do, aguardando a análise dessas
desde a diminuição da criativida- tante para o desenvolvimento para o adulto, Ávila Pacheco e a promotora de anos, concorda com as especialis- solicitações. Autora da propos-
de até a baixa da autoestima. social e motor de qualquer crian- Justiça de Defesa da Infância e da tas e diz que a palmada deve ser ta, a deputada Maria do Rosário
O coordenador no Brasil do ça. Se ela fica curiosa, mexe em que não precisa Juventude do Ministério Público evitada. Segundo ela, é necessário (PT-RS) pretende apresentar
Programa de Cidadania Adoles- algo que não deve e acaba apa- dedicar muito do Distrito Federal e Territórios ter em mente a diferença entre o novo projeto de lei e tentar fazer
cente do Fundo das Nações Uni- nhando por isso, logo se sentirá (MPDFT), Leslie Marques de Car- adulto e a criança. “Nós não po- com que ele tramite em caráter
das para a Infância (Unicef), Ma- desestimulada a pesquisar e des- mais tempo valho, engrossam o time de espe- demos esquecer que somos mui- conclusivo, ou seja, sem preci-
rio Volpi, acredita que os castigos cobrir o novo, pois teme apa- e esforço cialistas que condenam os casti- to mais fortes que eles. Depen- sar ser votado no plenário da
físicos são uma forma de violên- nhar novamente. Isso é uma for- conversando gos físicos. “Eles nem sempre dei- dendo da situação, bater pode ser Casa. “Em todas as comissões,
cia doméstica. “O castigo físico, ma de impedir o desenvolvi- xam marcas no corpo, mas, sem uma covardia”, diz. Sobre o filho, ele foi aprovado por unanimi-
mesmo em pequena escala, gera mento pleno”, analisa. com a criança” dúvida, deixam marcas psicoló- ela afirma que nunca precisou us- dade. Agora, vamos incorporar
impactos negativos na autoesti- Mesmo concordando que o gicas na pessoa. Essas marcas po- ar esse recurso. “Desde pequeno sugestões que foram dadas du-
ma e na autonomia da criança”, método pode trazer prejuízos, Mario Volpi, dem se manifestar de várias ma- eu sempre procurei conversar e rante esse tempo e apresentar
diz. Para ele, a solução está no muitos pais acreditam que, coordenador no Brasil do neiras, tanto na infância e adoles- explicar. Talvez até por isso ele se- uma nova proposta”, comenta a
diálogo. “O discurso de que bater eventualmente, um tapa pode Programa de Cidadania cência, quanto na fase adulta”, ja tão calmo. Nunca precisei bater parlamentar.
é necessário é egoísta, já que faz ser saudável. Essa é a opinião de Adolescente do Unicef aponta a assistente social. e espero nunca precisar.” Segundo Maria do Rosário,
bem apenas para o adulto, que Cássia Pacheco, mãe de Victória, Segundo a promotora da in- que é pedagoga e especialista
não precisa dedicar muito mais 10 anos, e Augusto, 7. Ela acredi- fância, existem várias formas de em violência doméstica pelo La-
tempo e esforço conversando ta que em alguma situações a manifestação desses prejuízos. www.correiobraziliense.com.br boratório de Estudo da Criança
com a criança. Batendo, ele acha palmada pode servir para que os Em alguns casos, os castigos for- da Universidade de São Paulo
uma solução muito mais rápida e filhos percebam a gravidade de mam indivíduos que estabelecem (USP), não existem no projeto
falsamente eficaz”, completa. seus atos. “Eventualmente, eu relações conflituosas com a socie- medidas de intervenção fami-
Outra organização que atesta acredito que ela tem o seu lugar. dade. “Essas relações podem ser a Leia a íntegra do relatório (em espanhol); liar. “O objetivo é conscientizar a
os malefícios dos castigos físicos O que as pessoas precisam ter delinquência, o transtorno men- ouça entrevistas com a deputada Maria do população do quão prejudicial
para os pequenos é a organização em mente é que há certos limi- tal e alguns tipos de compulsivi- Rosário e com Mario Volpi, do Unicef; e pode ser educar com o uso da
não governamental sueca Save tes”, afirma a mãe. dade — como o uso de drogas. Em participe de enquete sobre o tema violência”, completa.
Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
Marina sempre buscou conversar
com o filho João: “Nunca
precisei bater e espero nunca precisar”
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