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Da Ilíada ao twitter, ou em
 busca da leitura perdida



PERGUNTAS E DESAFIOS PARA BIBLIOTECAS
   PREOCUPADAS COM A PROMOÇÃO DA
               LEITURA

          MANUELA BARRETO NUNES
        UNIVERSIDADE PORTUCALENSE
Da Ilíada…

O José tem 14 anos e, em conversa com os pais, ouviu
  uma expressão nova: “o calcanhar de Aquiles”;
Já tinha ouvido falar vagamente do nome de Aquiles, e
  quis saber o que aquilo significava.
A mãe começou, então, a contar-lhe a história da bela
  Helena e da guerra de Tróia, cantadas num poema
  épico chamado a Ilíada.
Curioso, o José quis saber mais….
Da Ilíada…

Terá ido o José procurar o livro à biblioteca pública, ou
 à biblioteca da escola?

Não, o José começou por ir procurar à Internet:
O José escreveu “Ilíada” no google e recebeu 2 milhões
quinhentos e trinta resultados como resposta à sua pesquisa
… sendo o primeiro uma entrada da wikipedia:
Canta, ó deusa, a cólera de Aquiles, o Pelida
(mortífera!, que tantas dores trouxe aos Aqueus...
A fúria de Aquiles, a cólera de Aquiles… o José ficou curioso e
    quis ler mais. Foi então parar a uma biblioteca digital:
… mas só tinham versões em inglês, incluindo uma versão sonora para crianças e
 jovens; e então, regressando à página do google, encontrou uma tradução em
                              língua portuguesa…
… que depressa verificou datar de 1874, e ser muito difícil de ler:
… e de novo regressou à página do google, para
descobrir… EUREKA!, uma banda desenhada:
… embora em espanhol…
la_iliada_tomo_01comic_23248.exe
E descobriu ainda vídeos no You Tube (em galego…)
http://www.youtube.com/watch?v=7YDM0jDrP4Q&feature=related
descobriu também que havia um filme chamado Tróia, que tinha boas opiniões do
   público, e que com as ferramentas certas haveria de descarregar para o seu
                              próprio computador:
À procura da Ilíada em português para um rapaz de 14 anos


Mas José é teimoso, e continua a querer descobrir um
 texto em português que consiga ler. Lembra-se de
 uma lista de livros que havia no final do artigo da
 wikipedia, e encontra uma tradução de 2005, de
 alguém chamado Frederico Lourenço.

Estranho… aqui não há hiperligação… como fazer para
 encontrar o livro?

HOMERO. Ilíada. Trad. Frederico Lourenço. Lisboa:
 Livros Cotovia, 2005
José é um rapaz
 esperto: copia a
 referência do livro e
 cola-a no google:
 obtém… 160
 respostas

A primeira, da
 editora:
Poderia José ter procurado numa biblioteca?

Sim, mas recordem-se:
em todas as pesquisas
que fez até agora, só
uma vez lhe apareceu
uma biblioteca, e
americana: o projecto
Gutenberg. Nesta
última pesquisa, pelo
nome do livro e do
tradutor, aparece pela
primeira vez uma
biblioteca portuguesa, e
na terceira posição -
trata-se do catálogo da
BM de Sta Maria da
Feira:
Porque será que os catálogos das
bibliotecas continuam escondidos
         na web cinzenta?

               PIOR :
   PORQUE SERÁ QUE, NA RESPOSTA A UMA
    QUESTÃO SOBRE UM LIVRO, APARECEM
   RESULTADOS ADVINDOS DE LIVRARIAS,
      EDITORAS, UNIVERSIDADES, E ATÉ

      CURIOSOS, MAS   NADA     DE
              BIBLIOTECAS?
E, no entanto, finalmente…

Esta tradução parece límpida, legível para o olhar
 contemporâneo, mesmo aos 14 anos:

Canta, ó deusa, a cólera de Aquiles, o Pelida
 (mortífera!, que tantas dores trouxe aos Aqueus
 e tantas almas valentes de heróis lançou no Hades,
 ficando seus corpos como presa para cães e aves
 de rapina, enquanto se cumpria a vontade de Zeus),
 desde o momento em que primeiro se
 desentenderam
 o Atrida, soberano dos homens, e o divino Aquiles.
José, que nem é grande leitor, fica com vontade de
ler mais. Parece estranho mas, às vezes, gosta de ler
           devagar e saborear as palavras.
Mas o livro custa 35 euros,
  está lá o preço na página
  da editora.
E José pode agora ser uma
  de três pessoas:
- Pode ter na escola uma
  biblioteca da RBE e
  lembrar-se de ir lá
  procurar, ou até saber
  que a biblioteca tem web
  OPAC. Invariavelmente,
  a obra estará lá:
José, que nem é grande leitor, fica com vontade de ler mais.




Ou pode conhecer ou
 frequentar a biblioteca
 municipal da terra onde
 vive, onde imagina que
 também encontrará o
 mesmo livro:
Finalmente, o José pode experimentar ler o livro!

Mas o livro é imenso, e
 difícil de ler.              O que pode
Se calhar, bastaria ao José
  ler a banda desenhada,
                                    a
  mesmo em espanhol, ver
  os vídeos, tentar
                               Biblioteca
  descarregar o filme
  Tróia, ou vê-lo na BM,         fazer?
  mesmo não sendo a
  mesma coisa…
Lembremo-nos:
As bibliotecas praticamente não
  apareceram nas pesquisas que o
  José fez na Internet, e a Internet   E as bibliotecas, estão nas redes
  é o seu meio natural para
  encontrar informação.
                                         sociais?
                                       As bibliotecas estão na web 2.0 a
Aliás é ali que o José troca
   impressões e combina coisas com       comunicar?
   os amigos, à noite, aos fins-de-
   semana, ou com aqueles que só       As bibliotecas animam e promovem
   encontra nas férias.                  a leitura indo ao encontro dos
                                         seus leitores?
O José e os amigos participam em
  redes sociais, e até interagem       Ou ainda não perceberam que
  com instituições que os
  convidam a conhecer coisas,            estão a entregar o
  principalmente jogos.
                                         ouro ao bandido?
Bibliotecas públicas nas redes sociais

No facebook             No Hi5
Bibliotecas públicas nas redes sociais


No twitter
A pergunta é:

     Para que usam as bibliotecas as redes sociais?


As bibliotecas públicas
 usam as funcionalidades
 das redes sociais para,
 por exemplo, criar
 comunidades de leitura?
Como esta, por
 exemplo, que o
 José criou para a
 sua biblioteca?
A presença das bibliotecas na Web é

desinteressante             desactualizada




       Não
     aliciante          Estática
ALEPH OU A METÁFORA DA BIBLIOTECA
         CONTEMPORÂNEA
No livro de Jorge Luís
Borges, Aleph, o
protagonista, depara-se
com a possibilidade de
     o ponto
conhecer

do espaço que
abarca toda
          a
realidade do
universo num local
bastante inusitado: no
porão de um
casarão situado
em Buenos Aires, prestes a
ser demolido. Este ponto
recebe a alcunha
de Aleph - a letra inicial
do alfabeto hebraico,
correspondente
                             Vieira da Silva visionária
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Da Ilíada ao Twitter, a busca da leitura perdida

  • 1. Da Ilíada ao twitter, ou em busca da leitura perdida PERGUNTAS E DESAFIOS PARA BIBLIOTECAS PREOCUPADAS COM A PROMOÇÃO DA LEITURA MANUELA BARRETO NUNES UNIVERSIDADE PORTUCALENSE
  • 2. Da Ilíada… O José tem 14 anos e, em conversa com os pais, ouviu uma expressão nova: “o calcanhar de Aquiles”; Já tinha ouvido falar vagamente do nome de Aquiles, e quis saber o que aquilo significava. A mãe começou, então, a contar-lhe a história da bela Helena e da guerra de Tróia, cantadas num poema épico chamado a Ilíada. Curioso, o José quis saber mais….
  • 3. Da Ilíada… Terá ido o José procurar o livro à biblioteca pública, ou à biblioteca da escola? Não, o José começou por ir procurar à Internet:
  • 4. O José escreveu “Ilíada” no google e recebeu 2 milhões quinhentos e trinta resultados como resposta à sua pesquisa
  • 5. … sendo o primeiro uma entrada da wikipedia:
  • 6. Canta, ó deusa, a cólera de Aquiles, o Pelida (mortífera!, que tantas dores trouxe aos Aqueus...
  • 7. A fúria de Aquiles, a cólera de Aquiles… o José ficou curioso e quis ler mais. Foi então parar a uma biblioteca digital:
  • 8. … mas só tinham versões em inglês, incluindo uma versão sonora para crianças e jovens; e então, regressando à página do google, encontrou uma tradução em língua portuguesa…
  • 9. … que depressa verificou datar de 1874, e ser muito difícil de ler:
  • 10. … e de novo regressou à página do google, para descobrir… EUREKA!, uma banda desenhada:
  • 11. … embora em espanhol… la_iliada_tomo_01comic_23248.exe
  • 12. E descobriu ainda vídeos no You Tube (em galego…) http://www.youtube.com/watch?v=7YDM0jDrP4Q&feature=related
  • 13. descobriu também que havia um filme chamado Tróia, que tinha boas opiniões do público, e que com as ferramentas certas haveria de descarregar para o seu próprio computador:
  • 14. À procura da Ilíada em português para um rapaz de 14 anos Mas José é teimoso, e continua a querer descobrir um texto em português que consiga ler. Lembra-se de uma lista de livros que havia no final do artigo da wikipedia, e encontra uma tradução de 2005, de alguém chamado Frederico Lourenço. Estranho… aqui não há hiperligação… como fazer para encontrar o livro? HOMERO. Ilíada. Trad. Frederico Lourenço. Lisboa: Livros Cotovia, 2005
  • 15. José é um rapaz esperto: copia a referência do livro e cola-a no google: obtém… 160 respostas A primeira, da editora:
  • 16. Poderia José ter procurado numa biblioteca? Sim, mas recordem-se: em todas as pesquisas que fez até agora, só uma vez lhe apareceu uma biblioteca, e americana: o projecto Gutenberg. Nesta última pesquisa, pelo nome do livro e do tradutor, aparece pela primeira vez uma biblioteca portuguesa, e na terceira posição - trata-se do catálogo da BM de Sta Maria da Feira:
  • 17. Porque será que os catálogos das bibliotecas continuam escondidos na web cinzenta? PIOR : PORQUE SERÁ QUE, NA RESPOSTA A UMA QUESTÃO SOBRE UM LIVRO, APARECEM RESULTADOS ADVINDOS DE LIVRARIAS, EDITORAS, UNIVERSIDADES, E ATÉ CURIOSOS, MAS NADA DE BIBLIOTECAS?
  • 18. E, no entanto, finalmente… Esta tradução parece límpida, legível para o olhar contemporâneo, mesmo aos 14 anos: Canta, ó deusa, a cólera de Aquiles, o Pelida (mortífera!, que tantas dores trouxe aos Aqueus e tantas almas valentes de heróis lançou no Hades, ficando seus corpos como presa para cães e aves de rapina, enquanto se cumpria a vontade de Zeus), desde o momento em que primeiro se desentenderam o Atrida, soberano dos homens, e o divino Aquiles.
  • 19. José, que nem é grande leitor, fica com vontade de ler mais. Parece estranho mas, às vezes, gosta de ler devagar e saborear as palavras. Mas o livro custa 35 euros, está lá o preço na página da editora. E José pode agora ser uma de três pessoas: - Pode ter na escola uma biblioteca da RBE e lembrar-se de ir lá procurar, ou até saber que a biblioteca tem web OPAC. Invariavelmente, a obra estará lá:
  • 20. José, que nem é grande leitor, fica com vontade de ler mais. Ou pode conhecer ou frequentar a biblioteca municipal da terra onde vive, onde imagina que também encontrará o mesmo livro:
  • 21. Finalmente, o José pode experimentar ler o livro! Mas o livro é imenso, e difícil de ler. O que pode Se calhar, bastaria ao José ler a banda desenhada, a mesmo em espanhol, ver os vídeos, tentar Biblioteca descarregar o filme Tróia, ou vê-lo na BM, fazer? mesmo não sendo a mesma coisa…
  • 22. Lembremo-nos: As bibliotecas praticamente não apareceram nas pesquisas que o José fez na Internet, e a Internet E as bibliotecas, estão nas redes é o seu meio natural para encontrar informação. sociais? As bibliotecas estão na web 2.0 a Aliás é ali que o José troca impressões e combina coisas com comunicar? os amigos, à noite, aos fins-de- semana, ou com aqueles que só As bibliotecas animam e promovem encontra nas férias. a leitura indo ao encontro dos seus leitores? O José e os amigos participam em redes sociais, e até interagem Ou ainda não perceberam que com instituições que os convidam a conhecer coisas, estão a entregar o principalmente jogos. ouro ao bandido?
  • 23. Bibliotecas públicas nas redes sociais No facebook No Hi5
  • 24. Bibliotecas públicas nas redes sociais No twitter
  • 25. A pergunta é: Para que usam as bibliotecas as redes sociais? As bibliotecas públicas usam as funcionalidades das redes sociais para, por exemplo, criar comunidades de leitura? Como esta, por exemplo, que o José criou para a sua biblioteca?
  • 26. A presença das bibliotecas na Web é desinteressante desactualizada Não aliciante Estática
  • 27. ALEPH OU A METÁFORA DA BIBLIOTECA CONTEMPORÂNEA
  • 28. No livro de Jorge Luís Borges, Aleph, o protagonista, depara-se com a possibilidade de o ponto conhecer do espaço que abarca toda a realidade do universo num local bastante inusitado: no porão de um casarão situado em Buenos Aires, prestes a ser demolido. Este ponto recebe a alcunha de Aleph - a letra inicial do alfabeto hebraico, correspondente Vieira da Silva visionária ao alfagrego e ao a dos alfabetos romanos.
  • 29. 2. Homero: Canta, oh, musa, a fúria de Aquiles. Mas seja breve, por favor. #epic O que 30 escritores famosos diriam no Twitter em menos de 140 caracteres Maio 31, 2009 por тяiиiтy