Livro orientacoes curriculares das diversidades educacionais com ficha catalo...
Sustentabilidade no camp omed md8j3qdv
1. Ano I – Número 01 – Abril de 2011
O NOVO
RURAL
ENTREVISTA
Reni Denardi, do Ministério
do Desenvolvimento Agrário:
“O meio rural brasileiro não
é mais sinônimo de atraso.”
2. Nesta edição
Capa 4
O campo tem um novo
modelo de produção familiar 10
Debate 8
“O que há de diferente no Novo Rural?”:
Luciano Philippi e Jaime Ferré Martí
Entrevista 10
Reni Denardi, delegado federal do Ministério do
Desenvolvimento Agrário (MDA) no Paraná
Boas Práticas 14
Rurbano: projeto retrata o Novo Rural brasileiro
Coopaecia: experiência de sucesso na Serra Gaúcha
Jovens em Ação 16
As histórias de Angélica e Jeferson,
que pensavam em abandonar o campo
e hoje investem na área rural
16
Instituto em Foco 18
Espírito Santo será a sede da IV Jornada Nacional do Jovem Rural
Na Bahia, 30 jovens já planejam futuro no campo
Meu Rural 19
A pernambucana Tatiane Faustino, 21 anos, comanda
conversão da propriedade familiar para a agricultura orgânica
SUSTENTABILIDADE DO CAMPO Coordenação: Luiz André Soares
Publicação trimestral do Instituto Souza Cruz Jornalistas responsáveis:
Abril/2011 - Tiragem: 2 mil exemplares Andrea Guedes (Mtb.28246 RJ) e Guilherme Mattoso (Mtb.26674)
Rua da Candelária, 66 / 4º andar – Centro Projeto gráfico e produção editorial:
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www.institutosouzacruz.org.br necessariamente, a opinião do Instituto Souza Cruz
3. Um novo olhar
O foco que tem direcionado as iniciativas do Instituto Souza
Cruz agora confere nome e pauta a nossa nova publicação trimestral.
Com o compromisso de promover a leitura crítica sobre o meio rural
brasileiro, Sustentabilidade do Campo se caracteriza por uma abor-
dagem pluralista: através de reportagens, entrevistas e debates, co-
nheceremos ao longo de suas edições diferentes argumentos em
torno do tema principal. Assim, nosso leitor terá liberdade e ele-
mentos suficientes para construir sua própria interpretação.
Em seu primeiro número, a revista procura motivar a com-
preensão acerca das dinâmicas de mudança que culminaram no cha-
mado “Novo Rural”: a agricultura, em integração crescente com
as economias urbanas (agroindustrialização), já não é mais o único
indicador que delimita o campo. Cada vez mais os agricultores fa-
miliares são pluriativos, ou seja, conjugam a atividade agrícola com
outras formas de trabalho. Mais além, a complementaridade eco-
nômica entre o rural e o urbano atingiu também a dimensão geo-
gráfica: os espaços se encontram entrelaçados, tornando difícil o
exercício de definição precisa de onde um começa e o outro ter-
mina. Esse cenário, descrito com precisão por pesquisadores, traz
como exigência um novo olhar das instâncias do poder público,
com o desenho de políticas contextualizadas, como bem afirma em
entrevista Reni Denardi, delegado federal do Ministério do Desen-
volvimento Agrário (MDA).
Sustentabilidade do Campo discute as principais ideias que
desenham essa nova e promissora realidade, ao mesmo tempo em
que mostra as pessoas que, na prática, desenvolvem seus projetos de
vida no meio rural, com destaque para os jovens talentos de diver-
sas regiões do País. De fato, a juventude rural vem produzindo de
forma inovadora e articulando novos arranjos institucionais, com
uma visão moderna do campo. É, sem dúvida, o segmento priori-
tário para as políticas que visam a permanência qualificada das pes-
soas no meio rural e, consequentemente, o fortalecimento da
agricultura familiar brasileira.
Boa reflexão!
Luiz André Soares
Gerente do
Instituto Souza Cruz
4. Revolução
silenciosa
André com o irmão caçula, Igor, 9 anos,
e os pais, Leonardo e Cledi: renda familiar
complementada com atividades não agrícolas
O modelo de produção familiar no campo mudou nas últimas décadas, com a multiplicação de
Leonardo Luiz Hackenhaar, 56 anos, e Cledi Te-
rezinha, 47, são proprietários de uma área de 7,2
hectares em Linha Santa Emília, no município
gaúcho de Venâncio Aires, onde nasceram. O
casal criou cinco filhos e por décadas se manteve
A família Hackenhaar retrata uma nova reali-
dade do campo, caracterizada principalmente pelo
com a renda da produção agrícola, que envolve processo de dinamização econômica do meio
frutas, verduras, milho, aipim, além de ovos. rural. O chamado “Novo Rural” brasileiro, que
Hoje, no entanto, essa realidade mudou. tem produzido inúmeros estudos acadêmicos, en-
Como Leonardo está com problemas de saúde, globa outra forma de divisão do trabalho dentro
Cledi e os dois filhos mais velhos, André, 27, e do núcleo familiar. Diferentemente de outras épo-
Maicom, 25, assumiram o comando da proprie- cas, nem todos os membros de uma família abra-
dade, mas a vida no campo não é mais a mesma. çam em tempo integral as atividades agrícolas de
“O que se planta aqui em casa não estava mais suas unidades. O modelo anterior deu lugar a
dando para o sustento de toda a família. Eu e meu outro, mais sintonizado com as exigências atuais.
irmão tivemos que procurar outras alternativas No novo padrão, as chamadas famílias pluria-
para complementar a renda”, conta André, que tivas distribuem seus integrantes para novas ati-
vidades econômicas, não agrícolas, dentro ou
divide seu tempo entre o trabalho de agricultor e
fora de seus estabelecimentos. Segundo avaliação
o de pedreiro e operador de máquina. Já Maicom
de alguns estudiosos do tema, é uma tendência
é funcionário de um frigorífico na cidade e ajuda
irreversível no Brasil, que começou a partir da
na produção agrícola nos finais de semana.
década de 1980 e repete o percurso já trilhado
“Era um tempo bom aquele”, diz Leonardo. por países desenvolvidos.
“Há cerca de 10 anos, ganhávamos dinheiro su- Pode-se dizer que André e Maicon continuam
ficiente com o que produzíamos aqui. Agora, agricultores, mas em tempo parcial. Definitiva-
está tudo muito diferente. Trabalhamos muito mente, o meio rural respira outros ares e não
mais e ganhamos cada vez menos”, compara. mais se limita à condição de pólo das atividades
agropecuárias e agroindustriais. Passou a incor-
4 Sustentabilidade do Campo
5. atividades não agrícolas e a complementaridade entre o urbano e o rural
André tem dupla jornada porar novas funções, ligadas ao comércio, lazer,
em busca de ganho extra: habitação e ecoturismo.
divide o tempo entre a
Tudo isso é resultado das mudanças recentes na
agricultura e a construção civil
agricultura familiar e de contiguidade crescente dos
mundos urbano e rural. Se antes o setor produtivo
era autárquico, com seu próprio mercado de tra-
balho e equilíbrio interno, agora se integrou ao res-
tante da economia, não podendo ser dissociado
dos setores que lhe fornecem insumos e/ou com-
pram seus produtos, conforme afirma José Gra-
ziano da Silva, representante Regional da FAO
para a América Latina e o Caribe, em “O Novo
Rural Brasileiro”, minucioso estudo sobre o tema.
Lauro Mattei, professor de Economia da Uni-
versidade Federal de Santa Catarina, que partici-
pou ativamente dos estudos sobre a nova dinâmica
do trabalho rural, explica que a reviravolta come-
çou com a implementação de novas tecnologias no
campo. O fenômeno poupou mão de obra local e
liberou gente do campo para buscar outras formas
de subsistência, redefinindo o modelo tradicional
Fotos: Jô Nunes
do trabalho na agricultura familiar, que vivia só das
atividades agropecuárias.
“A renda média de um estabelecimento agro-
Instituto Souza Cruz 5
6. Paisagem comum no Vale do Itajaí, em Santa Catarina:
pecuário sem pluriatividade é inferior comparada a indústrias instaladas em áreas rurais
dos núcleos familiares que combinam atividades
agrícolas e não agrícolas”, assinala Mattei. “Como
o Brasil tem cinco milhões de estabelecimentos
agropecuários, dos quais 4,2 milhões são de agri-
cultores familiares, basta imaginar a dimensão des-
sas transformações”, acrescenta.
Em Santa Catarina, por exemplo, as indústrias
têxteis instaladas no Vale do Itajaí, próximas às
zonas rurais, absorvem centenas de trabalhadores
do campo. Talvez não seja uma grande novidade,
se levada em consideração a história da migração
Nova realidade
Como as atividades agrícolas não geram mais tantos
clássica no Brasil, hoje em franco declínio. Durante empregos e renda como antigamente, quem ganha
décadas, foi intenso o fluxo de trabalhadores nor- são os setores de prestação de serviços, o comércio e
destinos para metrópoles como São Paulo e Rio a indústria, que absorvem os novos contingentes de
de Janeiro, atrás de atividades temporárias na cons- trabalhadores rurais.
trução civil. Da mesma forma que das lavouras mi- Em linhas gerais, aquilo que pesquisadores com
neiras uma leva de agricultores migrava aos razoável consenso chamam de “Novo Rural“ brasi-
grandes centros à procura de ocupações urbanas leiro foi facilitado por alguns fatores. Cada vez mais
indústrias desembarcam na zona rural, de olho na mi-
com prazo de validade.
nimização de custos (proximidade da matéria-prima,
“À luz da sociologia, o movimento pendular do
mão de obra mais barata, menos impostos). Condo-
trabalho agrícola e não agrícola é assunto batido”, mínios de luxo são erguidos nessas áreas e atraem as
constata Mattei. “No entanto, num ambiente ra- classes médias urbanas. Famílias menos abastadas em
refeito de estudos específicos, conseguimos identi- busca de moradias mais em conta engrossam o cin-
ficar que o meio rural brasileiro, guardadas as suas turão no entorno.
devidas especificidades, passou a ser caracterizado Trata-se de uma equação que intensificou a de-
pela dupla fonte de renda e ocupações dos traba- manda por serviços públicos e domésticos, comércios
lhadores rurais”, finaliza. de mercadorias e alimentos, construção civil, trans-
Não é bem assim
Os estudos pilotados por Graziano, estar integrada ao processo de mo- Aquisição de Alimentos (PAA) e a Po-
Del Grossi e outros acadêmicos da dernização técnica“, explica. lítica Nacional de Alimentação Escolar
Universidade de Campinas (Unicamp) A maioria esmagadora da popu- (Pnae) como iniciativas governamen-
são relativizados por Brancolina Fer- lação rural ainda mantém, segundo tais importantes para manter e po-
reira, coordenadora de Desenvolvi- ela, vínculo estreito com a terra como tencializar a produção de alimentos
mento Rural do Ipea. Ela considera meio de sobrevivência. A pluriativi- baseada na pequena propriedade fa-
que as características estruturais do- dade, nesse sentido, seria a expressão miliar. As duas últimas ações, espe-
minantes dos tempos coloniais ainda da ausência de acesso à terra em cialmente, estariam funcionando
persistem na realidade rural de hoje. qualidade e quantidade suficientes como indutoras de geração de renda
“Acho que o conceito carece de para garantir a reprodução do mo- aos pequenos agricultores e assenta-
especificação e seu sentido é contro- delo de cultivo familiar. “Se existe um dos. “O PAA beneficiou em 2009
verso”, provoca. “Dados da Pesquisa novo rural, ele é apenas um projeto à cerca de 98 mil pequenos produto-
Nacional por Amostra de Domicílio espera de realização, que depende de res, que forneceram alimentos para
(Pnad/IBGE) e do Censo Agropecuá- uma ampla reforma agrária para tor- pouco mais de oito milhões de pes-
rio apontam a persistência de um nar concreta a transformação das soas em situação de vulnerabilidade
velho rural que ainda assegura baixos condições locais”, avalia. alimentar“, conta.
níveis de desenvolvimento socioeco- Brancolina cita o Programa Na- Economista e professor da Univer-
nômico e a concentração de renda cional de Fortalecimento da Agricul- sidade Federal Fluminense (UFF), Car-
no campo, apesar de a agricultura tura Familiar (Pronaf), o Programa de los Guanziroli também questiona o
6 Sustentabilidade do Campo
7. Fotos: Marcelo Martins
porte e lazer. Por conta desse processo de diluição das convencionou denominar de “pluriatividade”, con-
diferenças, aquele conflito histórico entre o urbano, junto de atividades agrícolas e não agrícolas, dentro
como símbolo do novo e da ascensão, e o rural, re- ou fora de seu estabelecimento.
presentante do velho e do declínio, parece ter virado Os novos atores, agricultores em tempo parcial,
peça de museu. Ao contrário até, o que se observa é não são mais os proletários que tanto incomodavam
uma valorização do espaço rural, por meio do apelo os autores marxistas, para quem o acúmulo de tra-
ecológico, a cultura country, lazer (pesque e pague, balho fora do núcleo original significava desagrega-
por exemplo), turismo e habitação. ção familiar e empobrecimento. Como aponta
Graziano e Del Grossi reconhecem que muitas Graziano no estudo, eles trabalham no comércio, ar-
dessas atividades não agrícolas sempre existiram, rumam emprego nas indústrias tradicionais e atuam
mas aconteciam no “fundo do quintal”, como se fos- no terceiro setor.
sem hobbies sem relevância econômica. Com a che- O mais interessante é que, na prática, o Novo Rural
gada das novas tecnologias, que alterou a brasileiro tornou-se via de mão dupla. Assim como pro-
organização do processo de trabalho, reduziu a fissionais liberais urbanos espreitam novas oportunida-
oferta de empregos e levou as famílias a procurarem des de negócios nas atividades agropecuárias, trabalha-
outras formas de sobrevivência, tais práticas ganha- dores rurais buscam formas de prestação de serviços ti-
ram importância na composição do rendimento fa- picamente urbanas, atuando como secretárias, motoris-
miliar. Serviram, inclusive, para disseminar o que se tas de ônibus e contadores, entre outras funções.
Segundo Brancolina, o conceito carece de especificação e seu sentido é controverso
Sidney Murrieta/divulgação Ipea
tência de atributos específicos do mesma forma que a renda, o que
local, que não se repetem nem se ge- não é verdade”, assinala.
neralizam no mundo rural. Em alguns Guanziroli destaca ainda que boa
casos, até geram um complemento parte do que se chama de renda não
de renda importante, porém, margi- agrícola são empregos fora do esta-
nal no conjunto. belecimento, como ocupações do-
“Por se tratarem de atividades mésticas, que não representam al-
de demanda elástica, não garantem gum dinamismo para a zona rural.
preços satisfatórios. Exatamente ao “Não dá para ignorar que a fatia mais
conceito de Novo Rural defendido por contrário das funções agrícolas, ine- expressiva da renda tem origem nas
alguns de seus colegas. “As atividades lásticas em demanda – as pessoas atividades agrícolas ou agroindus-
rurais não agrícolas não têm nada de não podem deixar de comer –, mas triais”, diz. Nesse sentido, para ele, a
novo no Brasil. Elas sempre existiram, com preços ascendentes, como melhor estratégia para potencializar
desde os tempos da colônia, e sempre vemos agora”, explica. Ele lembra o campo seria dar apoio à agricultura
foram marginais na geração de renda que a Pnad não só não capta satis- familiar, à agregação de valor e à in-
no mundo rural”, afirma. fatoriamente a renda agrícola, tegração nas cadeias produtivas do
Ocupações como artesanato, tu- como a subestima (é declaratória). agronegócio, aliado a investimentos
rismo rural e pesque e pague são “Estes estudos baseados na Pnad sociais em educação, saúde e infra-
muito ligadas, na visão dele, à exis- acreditam que o emprego evolui da estrutura (terras e hídrica).
Instituto Souza Cruz 7
8. O que há
de diferente
Novo Rural?
no
Duas visões acerca do tema, que vem motivando
I nicialmente, o termo foi usado para repaginar a
falida agricultura no interior do Brasil. As mudanças
ocorridas foram tecnicistas. Como José Graziano da
Silva e Mauro Eduardo Del Grossi colocam, as
novas atividades passaram a integrar cadeias pro- para a pecuária dos países do Norte.
dutivas. Ou seja, resultam da agregação de serviços Há acadêmicos que defendem a tese de que
relativamente artesanais, porém de alta especiali- não houve a tal revolução no campo, argumen-
zação e conteúdo tecnológico, associados a pro- tando que o perfil estrutural dos tempos coloniais
dutos animais e vegetais não tradicionalmente ainda sobrevive na realidade rural de hoje. Eles se
destinados à alimentação e vestuário. No Nordeste, referem, talvez, à “Revolução Verde” que, de fato,
a produção de castanha-de-caju, um serviço arte- não transformou as relações no meio rural. Ao
sanal, virou um produto de exportação. Antes, tais contrário, até aumentou a desigualdade social. Isso
funções não tinham o devido valor. porque concentrou as terras, expulsou as famílias e
Foi um processo bastante acelerado. Com a fez com que muitos trabalhadores rurais traba-
abertura política, a partir dos anos 1980, empre- lhassem em condições desfavoráveis, em regime de
sas internacionais se instalaram no Brasil e outras escravidão, o que persiste até hoje em diversas ati-
surgiram aqui com o intuito de modernizar a pro- vidades, como a de produção de cana-de-açúcar.
dução agrícola. O cultivo de grãos, como soja e O “Novo Rural” brasileiro chamou a atenção
milho, foi incentivado para gerar divisas destinadas para a existência do modelo da pluriatividade, uma
a pagar as dívidas acumuladas durante o regime forma de diversificar as fontes de renda e garantir
militar. Hoje, o meio rural está esvaziado. Cin- uma maior sustentabilidade das famílias no
quenta e seis por cento da nossa área agrícola pro- campo, sem que estas dependam mais de uma
duz soja. E o Brasil, sabemos, exporta os grãos única fonte de subsistência. A diversificação, por
JAIME sinal, também é proposta pela agroecologia.
FERRÉ MARTÍ Atualmente, a remuneração no campo está vin-
culada aos programas assistenciais ou à aposenta-
40 anos, é engenheiro doria. O Governo Lula criou o Ministério de
agrônomo e consultor externo Desenvolvimento Agrário para atender a classe da
da Associação Científica de agricultura familiar que, ao avançar bastante, asse-
Estudos Agrários (Aceg).
Foi coordenador técnico
gurou o abastecimento da população brasileira
geral do projeto Agricultura com alimentos básicos, não garantidos pelo agro-
Familiar, Agroecologia negócio. É necessário se criar mecanismos para evi-
e Mercado, da Fundação tar que grandes áreas sejam exploradas para
Konrad Adenauer, e escreveu
os livros Agricultura Familiar,
atender o mercado globalizado, o que prejudicaria
Arquivo pessoal
Agroecologia e Mercado a população brasileira. Realizar uma reforma agrá-
e Política Pública ria efetiva e reestruturar o campo e a cidade são
para o Semiárido. formas de garantir a autossuficiência.
8 Sustentabilidade do Campo
9. LUCIANO
PHILIPPI
41 anos, é engenheiro agrônomo
e educador do Centro de
Desenvolvimento do Jovem Rural (Cedejor).
Coordenou o Fórum Municipal de
Desenvolvimento Local em
Passos Maia (SC), entre 1995 e 2000,
e foi coordenador de um grupo de trabalho
sobre o Meio Ambiente em Chapecó (SC),
Arquivo pessoal
durante o biênio 2003/2004, que fazia
parte das discussões em torno
do novo Plano Diretor da cidade.
calorosos debates entre estudiosos
C om as novas atividades rurais não agrícolas e
a prática da pluriatividade pelas famílias que resi-
eram pluriativas. A sondagem foi realizada pelo
Centro de Desenvolvimento do Jovem Rural das
dem no campo, a realidade rural brasileira mu- Encostas da Serra Geral (Cedejor/ESG-SC), uma
dou. No chamado “Novo Rural” brasileiro, a organização não governamental instalada no sul do
produção agrícola representa apenas uma parte Brasil que, em parceria com o Instituto Souza
do trabalho e da renda das famílias rurais. É neste Cruz, implanta o PEJR nessa região. O programa
contexto de transformações que nasce o fenô- mescla demandas das juventudes rurais e temas li-
meno da pluriatividade, caracterizado pela com- gados ao conceito do “Novo Rural” brasileiro para
binação de múltiplas ocupações, agrícolas e não fomentar e sustentar o desenvolvimento rural no
agrícolas, assumidas pelos membros de uma ambiente agrário.
mesma unidade familiar. Diversos estudos confirmam a importância da
Uma série de fatores contribui para o surgi- pluriatividade e da multifuncionalidade, que en-
mento de novas funções no espaço rural e a busca cara a agricultura como um estilo de desenvolvi-
de outras fontes de rendas. Entre eles, a moder- mento e não mero setor da economia. Em
nização da agricultura e dos sistemas agrários conjunto, elevam a renda das unidades familia-
convencionais, a mudança de perfil no mercado res, minimizando sua sazonalidade, inibem o
de trabalho, a baixa remuneração agrícola, a in- êxodo rural, diversificam a produção e a econo-
teriorização das indústrias e o reconhecimento da mia locais, geram trabalho e fortalecem a agri-
sociedade para a importância da agricultura fa- cultura familiar. A multifuncionalidade agrícola,
miliar. Não é mais verdade que quem mora no por exemplo, tem sido associada à segurança ali-
meio rural está ocupado somente com atividades mentar, que contempla desde a qualidade e ori-
agropecuárias. A pluriatividade, agora, é uma rea- gem dos produtos à proteção do meio ambiente.
lidade irreversível. Os jovens do campo já perceberam que a va-
Há um conjunto de ocupações profissionais li- lorização da agricultura familiar pode ser estraté-
gadas ao lazer, à prestação de serviços, ao benefi- gica para o desenvolvimento dos territórios
ciamento de produtos, ao comércio e à organização rurais. Aproximadamente 100% dos alunos que
dos agricultores familiares. São atividades que divi- passaram pelo processo de formação do PEJR de-
dem espaço com as tradicionais práticas rurais, cidiram permanecer no local de origem. Cerca de
como plantar e colher, criar e vender animais. Em 70% da turma elaborou e executou na prática
pesquisa feita com jovens do Programa Empreen- seus projetos de vida em áreas agrícolas, não agrí-
dedorismo do Jovem Rural (PEJR), constatou-se colas e pára-agrícolas. Sinal de que os novos tem-
que 60% das unidades familiares dos pesquisados pos são bem-vindos.
Instituto Souza Cruz 9
10. RENI DENARDI Delegado federal do Ministério do Desenvolvimento Agrário no Paraná
Daniel Caron
O cenário rural brasileiro do século XXI não é
mais sinônimo de atraso e de lá emergiu um novo O que
Uma das principais diferenças, nesta
primeira década do século XXI, é a
personagem, o agricultor familiar. Quem afirma é existe de
emergência do chamado agricultor
Reni Denardi, delegado federal do Ministério do novidade no
familiar, um ator que saiu da condi-
cenário rural
Desenvolvimento Agrário (MDA) no Paraná, em ção de invisibilidade. Na verdade,
brasileiro?
entrevista exclusiva à Revista Sustentabilidade do aquilo que denominamos de agri-
Campo. “Mesmo com desigualdades sociais e re- cultura familiar é um conjunto for-
gionais, o meio rural virou um espaço de múltiplas mado por populações rurais bastante
finalidades”, destaca. diversificadas. Nesse universo in-
cluem-se, entre outros segmentos,
Nos últimos anos, censos e pesquisas produzidos
mais de 900 mil famílias de assenta-
por respeitados institutos já observaram o fenômeno
dos (aproximadamente três milhões
que transformou o campo. Os dados levantados têm de pessoas), bem como comunida-
confirmado a importância social e econômica da agri- des tradicionais de quilombolas, in-
cultura familiar. “Em função disso, o Governo Fede- dígenas, extrativistas, pescadores,
ral está implementando uma série de políticas voltadas ribeirinhos e varzeteiros. A agricul-
para o campo, como universalizar o acesso das po- tura familiar brasileira é formada
hoje por mais de 4,3 milhões de es-
pulações rurais aos direitos básicos da cidadania em
tabelecimentos. As políticas públicas
suas diversas áreas”, conta. Nesta entrevista, Denardi
começaram a valorizar essa diversi-
aborda o “Novo Rural” brasileiro, sua repercussão dade. E já estão em curso ações afir-
socioeconômica e a participação do Governo Fede- mativas específicas para atender esses
ral nesse contexto de transformações. públicos distintos.
10 Sustentabilidade do Campo
11. Foi outra mudança, consequência Estão sendo construídos novos ar-
Aquela desse processo. Essa regra geral co- Quais são ranjos institucionais, muitos deles
ideia de meça a mudar, embora ainda existam os novos derivados de uma abordagem ou
que o rural significativas desigualdades sociais e arranjos enfoque territorial do desenvolvi-
é sinônimo regionais. De fato, verifica-se que em institucionais mento. Fóruns, conselhos e cole-
de atraso muitas microrregiões rurais as condi- e as novas giados territoriais nasceram como
deixou de ções de vida melhoraram. Há mais metodologias espaços de discussão, onde partici-
existir? cidadania e novas oportunidades. A que pam os governos e também a so-
agricultura e o campo brasileiro pas- possibilitam o ciedade civil. Isso favorece a análise
sam a ser, cada vez mais, um espaço fortalecimento das potencialidades locais e a valo-
de múltiplas finalidades. Há segu- da rização dos recursos latentes.
rança alimentar (produção de ali- pluriatividade Assim, o processo de planejamento
mentos), mudança da matriz no campo? torna-se mais democrático, de cima
energética (produção de energia da para baixo e de baixo para cima, e
biomassa) e atividades não agrícolas confere mais qualidade para as po-
(como produção de água e serviços líticas públicas. Com sentido seme-
ambientais). Essas três agendas con- lhante, estão sendo criados con-
temporâneas estão associadas à agri- sórcios públicos de municípios para
cultura familiar e ao conceito do enfrentar problemas comuns na
desenvolvimento rural que quere- área ambiental (destinação do lixo e
mos. A síntese disso é a ideia, a ima- preservação de mananciais) e de in-
gem de um Brasil rural formado por fraestrutura (como conservação de
gente feliz. estradas), além de agências regio-
nais de desenvolvimento.
Temos de superar a separação entre o
Mudou rural e o urbano como aparece nas Há um grande esforço governa-
então estatísticas do IBGE. O ideal é tra- Como o mental para universalizar o acesso
o conceito balhar com a noção de um rural am- Governo das populações rurais aos direitos
de rural? pliado. Com base em critérios Federal está básicos da cidadania, nas áreas de
adotados em países europeus, José se integrando habitação, saúde e saneamento,
Eli da Veiga (economista e professor a essa nova educação, segurança alimentar, tra-
da USP) considera espaço rural o realidade? balho e previdência social. O go-
conjunto de todos os municípios verno vem diversificando também
com menos de 50 mil habitantes e os instrumentos de políticas, com
densidade populacional de até 80 ha- foco em públicos, temas e objetivos
bitantes por quilômetro quadrado. específicos. O MDA e outros mi-
nistérios e órgãos federais, por
exemplo, têm lançado editais e cha-
madas públicas de vários projetos.
São programas voltados para mu-
lheres, jovens, populações tradicio-
A renda média da agricultura familiar brasileira nais, agroindústria, biocombustíveis,
artesanato e turismo rural, além de
cresceu mais de 30%, quase três vezes mais que a renda
produtos da sociobiodiversidade,
média do conjunto da população do País” cooperativismo e comercialização.
Instituto Souza Cruz 11
12. RENI DENARDI
Exatamente. Outro exemplo é o Instituto Nacional de Colonização e
É uma apoio que o Governo Federal vem Reforma Agrária (Incra) divulgou os
política que dando a iniciativas de educação no resultados preliminares da Pesquisa
procura campo baseadas na Pedagogia da sobre a Qualidade de Vida, Produção
englobar Alternância, que promovem a cida- e Renda nos Assentamentos do Bra-
todas as dania e o empreendedorismo em di- sil. Essa inédita pesquisa abrangeu
vertentes? versas áreas. Ou seja, além da todas as 804.867 famílias assentadas
produção agrícola, o governo está entre 1985 e 2008, por meio de
valorizando outros aspectos que in- 16.153 entrevistas em 1.164 assen-
teressam e são demandados por or- tamentos de todo o País. Um marco
ganizações e movimentos sociais do inicial importante na caracterização
campo. É importante destacar que das mudanças no rural brasileiro nas
essa sintonia entre governo e socie- últimas décadas foi o projeto temá-
dade só ocorre porque há bastante tico denominado Projeto Rurbano:
diálogo. Os canais de negociação Caracterização do Novo Rural Bra-
estão funcionando, o que é muito sileiro, 1981/99, que envolveu du-
bom para a democracia. rante anos dezenas de pesquisadores
de diversas universidades.
Sim. Apesar dos reparos feitos sobre
Dados do o recorte entre urbano e rural ado- Primeiramente, um número cres-
IBGE ou da Como as cente de ministérios e governos esta-
tado pelo IBGE, essas mudanças já
Pnad já políticas duais adotou a abordagem territorial
aparecem nas pesquisas e censos rea-
contemplam o públicas de do desenvolvimento. Essa forma de
lizados pelo instituto, casos do Pro-
“Novo Rural” enfoque planejamento, que valoriza as inicia-
grama Nacional de Alimentação
brasileiro? territorial tivas e dinâmicas territoriais e abre
Escolar (Pnae), Censo Demográfico
atuam no espaço para os atores locais, permite
e Censo Agropecuário. A nova reali-
cenário desse maior aproximação das políticas pú-
dade rural também desponta em pes-
“Novo Rural” blicas com as distintas realidades que
quisas e análises realizadas pelo Ipea,
brasileiro? dão forma à diversidade do campo
por universidades e outros órgãos
públicos e privados. O Núcleo de Es- brasileiro. Criada em 2003 pelo
tudos Agrários e Desenvolvimento MDA, a Secretaria de Desenvolvi-
Rural (Nead), do MDA, tem patro- mento Territorial foi precursora de
cinado diversos estudos que mostram importantes políticas públicas,
esse processo de mudanças em curso como o Programa de Desenvolvi-
no meio rural brasileiro. mento Sustentável dos Territórios
Rurais (Pronat), que alcançou
Por exemplo, a grande importância 2.500 municípios de 164 territó-
O que as social e econômica da agricultura fa- rios, no ano passado. Inspirado na
pesquisas já miliar, que se tornou visível nas esta- experiência do Pronat, o Governo
revelaram? tísticas derivadas do último Censo Federal ousou muito mais em 2008
Agropecuário. O IBGE, com a cola- ao criar o Programa Territórios da
boração do MDA, passou a adotar Cidadania, que busca articular
conceitos e critérios definidos pela quase 200 ações de duas dezenas de
Lei 11.326/2006 (Lei da Agricul- ministérios, em 120 territórios.
tura Familiar). No final de 2010, o
O fato é que um grande número de jovens não veem no campo suficientes oportunidades para
O enfrentamento desse problema passa por mais investimentos rurais em educação, inclusão
12 Sustentabilidade do Campo
13. Denardi: incentivo
a iniciativas de
educação no campo
baseadas na Pedagogia
da Alternância
Bem, nem tudo são flores e os avan-
Que ços não ocorrem de forma homogê-
avanços nea em todo o País. No entanto,
concretos além de melhorias na articulação das
foram políticas públicas federais e de alguns
obtidos? Estados, há avanços no fortaleci-
mento da gestão social. Já é possível
observar a formação de algumas
redes sociais de cooperação, bem
Daniel Caron
como avanços na dinamização eco-
nômica em muitos territórios. Como
resultado concreto, verifica-se uma
significativa redução da pobreza: 5,5
milhões de moradores do campo su-
peraram a pobreza nos últimos oito Estudos já realizados evidenciam que
anos, o que corresponde a 20% da O êxodo a migração de jovens rurais é um
população rural. Nesse período, a rural é um problema complexo e vincula-se, em
renda média da agricultura familiar problema parte, à cultura da sucessão familiar.
brasileira cresceu mais de 30%, quase grave... O fato é que um grande número de
três vezes mais que a renda média do jovens não veem no campo suficien-
conjunto da população do País. tes oportunidades para realizar seus
projetos de vida. O enfrentamento
Existem algumas limitações estrutu- desse problema passa por mais inves-
São muitas as rais, como o controle da terra e a má timentos rurais em educação, inclu-
dificuldades distribuição de outros ativos, caso da são digital, acesso a meios de
e barreiras infraestrutura, financiamento e capa- produção e de vida. Um terceiro
enfrentadas? citação técnica. Para romper esses bloco de dificuldades diz respeito às
obstáculos é preciso investir em ações carências de empreendedorismo e
de reforma agrária, regularização cooperativismo, a despeito de alguns
fundiária, crédito fundiário, demar- avanços verificados nos últimos anos.
cação de reservas indígenas e reco- Por fim, faltam quadros qualificados
nhecimento de terras quilombolas. em grande parte dos pequenos mu-
Outra dificuldade é a evasão da ju- nicípios, o que também está ligado a
ventude e o consequente envelheci- sua baixa atratividade e à evasão de
mento da população rural. Embora jovens talentos.
não seja um fenômeno homogêneo
em todo o País, os dados mostram Precisamos construir dinâmicas de
que, em diversas microrregiões, há Como esses planejamento e preparar pessoas e or-
um esvaziamento de jovens, o que gargalos ganizações para que tenham a capa-
compromete o futuro da agricultura podem ser cidade de implantar ações adequadas
familiar e o desenvolvimento rural superados? e fazê-las funcionar. Precisamos esti-
sustentável. Em muitas comunidades mular a formação de alianças, articu-
camponesas, é grande a quantidade lações e redes que sejam capazes de
de estabelecimentos comandados por dar continuidade aos bons projetos,
pessoas idosas e sem sucessor. mesmo quando ocorre a troca do
prefeito e a mudança do governo.
Enfim, acho que a palavra de ordem
deve ser melhorar o planejamento e a
realizar seus projetos de vida. gestão dos processos de desenvolvi-
mento do imenso e diversificado
digital, acesso a meios de produção e de vida” campo brasileiro.
Instituto Souza Cruz 13
14. Diagnóstico do campo
Fotos: arquivo Coopaecia
Pesquisadores da Unicamp se debruçaram sobre a
realidade rural brasileira e constataram que o seu perfil mudou,
tornando-se cada vez mais dinâmico e atrativo
Um trabalho de fôlego, que continua até dando análises das ocupações e composi- Cultivo de uvas
os dias atuais. Coordenado pelo Instituto ções das rendas. e maçãs orgânicas
de Economia da Unicamp, o Projeto Criado e coordenado pelo professor gera subprodutos
Rurbano radiografou a nova realidade José Graziano da Silva, o projeto ganhou como doces e sucos:
nicho de mercado
rural brasileira e constatou mudanças ex- prestígio no âmbito acadêmico e político-
conquistado com
pressivas. Uma delas, a de que o número institucional no Brasil. Foram mobilizados
cuidados que
de trabalhadores rurais e famílias dedica- mais de 40 pesquisadores universitários incluem a certificação
das exclusivamente às atividades agríco- (25 com título de doutor) de 11 Estados
las vem despencando em ritmo veloz, brasileiros e de 20 diferentes instituições.
acompanhado por um crescimento no Como resultado, gerou cinco dissertações
contingente daqueles que se ocupam de de mestrado e quatro teses de doutorado.
funções não agrícolas. Outra se refere à Com a crescente urbanização do meio
derrubada de um velho e incômodo rural, que trouxe expressões e conceitos
mito: o mundo rural brasileiro não é mais inovadores como pluriatividade e “Novo
sinônimo de atraso e o êxodo do campo Rural” brasileiro, é possível afirmar que
deixou de ser irreversível. campo e cidade parecem cada vez mais
O projeto teve início em 1996. A pri- ambientes iguais, especialmente no que
meira fase versou sobre as ocupações dos se refere ao mercado de trabalho. Os es-
residentes no meio rural. Na segunda, o tudos, ainda contínuos, apontam que
foco foram as famílias rurais, a pluriativi- 30% das 14 milhões de pessoas que for-
dade, a composição das rendas agrícolas e mam a população rural do País, não
não agrícolas, transferências governa- vivem mais de atividades agrícolas. Nos
mentais e previdência rural. Por último, últimos anos, elas ocupam funções para-
entre 2001 e 2003, mergulhou-se na ca- lelas e típicas de centros urbanos, relacio-
racterização das famílias rurais, aprofun- nadas a lazer, moradia e indústria.
No cenário rurbano brasileiro, tanto os
profissionais das metrópoles quanto os tra-
balhadores do campo não podem se quei-
xar. A fusão beneficiou ambos os lados. O
morador da cidade fareja negócios no meio
rural, como a instalação de empresa de
prestação de serviço. Esta, por sua vez, ga-
nhará vida por meio da mão de obra local.
30% da população rural brasileira ocupa funções típicas
de centros urbanos, relacionadas ao lazer, moradia e indústria.
14 Sustentabilidade do Campo
15. Alternativa ecológica
Produtores rurais da serra gaúcha adotaram
a cultura orgânica para melhorar a renda,
frear o êxodo rural e eliminar o uso de agrotóxicos
Nas cidades gaúchas de Ipê e Antônio Prado, a pro- cadora de produtos orgânicos Ecocert. A Coopaecia
dução ecológica ou orgânica tem proporcionado qua- é um dos membros fundadores também da Rede
lidade de vida, saúde, satisfação e harmonia com o meio Ecovida de Agroecologia, ação que reúne organiza-
ambiente. Cada vez mais consolidada, a chamada ções de assessoria, consumidores e produtores dos
agroecologia despontou na década de 1980 e acabou três Estados do Sul do País. O trabalho da coopera-
revolucionando o cenário local. Tudo começou tiva anda repercutindo e tem servido de referência
quando um grupo de agricultores decidiu dar um basta para inúmeros grupos de agricultores familiares e téc-
na tendência de empobrecimento do produtor rural, nicos seduzidos pela agricultura ecológica.
no êxodo do campo e na contaminação dos recursos Quem ganha são os consumidores. Os alimentos
naturais por agrotóxicos. Uma das primeiras iniciativas cultivados ali são submetidos ao controle de pragas
foi aposentar técnicas ancestrais de cultivo e trabalho e e doenças de forma natural, dispensando o uso de
substituí-las por tecnologias modernas. O passo se- fertilizantes ou agrotóxicos. Esterco e outros mate-
guinte foi a formação de cooperativas ecológicas que riais orgânicos são usados para alimentar a terra e a
apostaram, com sucesso, no novo e diferenciado nicho convivência das plantas com os insetos é monitorada
de mercado – a geração orgânica de itens naturais e de e controlada constantemente, para evitar infestações
produtos processados e industrializados, como sucos e indesejadas. Paralelamente, a cooperativa desenvol-
doces. Todos devidamente certificados. veu um trabalho eficiente de industrialização e co-
Foi dentro desse contexto favorável que surgiu mercialização – os itens produzidos chegam ao
em 1989 a Cooperativa Aecia, a partir das discussões consumidor final sem a ação de intermediários que
estimuladas pela Pastoral da Juventude Rural da não pertencem à comunidade. “Nossa região é
Igreja Católica de Antônio Prado e pelo Centro de muito próspera e as famílias de um modo geral têm
Agricultura Ecológica de Ipê. “Entre 1960 e 1980, uma boa renda”, assinala Bellé. “A produção ecoló-
a agricultura moderna propunha um aumento da gica garante não só estabilidade de preços e renda
produtividade baseada no uso de fertilizantes quími- como induz à harmonia com a natureza”, conclui.
cos e pesticidas, padronização de variedades, meca-
nização e monoculturas”, conta Gilmar Bellé,
Fotos: arquivo Coopaecia
coordenador comercial da entidade. “Mas começa-
mos a notar, a partir dos anos 1980, que a tal Revo-
lução Verde gerava a degradação do solo, ameaçava
contaminar as pessoas e os animais e que estávamos
transferindo renda para os fornecedores de semen-
tes e fertilizantes. Tínhamos que dar um freio nisso.”
Hoje, a entidade distribui-se por quatro unida-
des de produção industrial, devidamente registradas,
e segue fielmente os padrões e normas da Secretaria
da Saúde, do Ministério da Agricultura e da certifi-
Bellé: os produtos chegam ao consumidor
final sem ação de intermediários
Instituto Souza Cruz 15
16. JOVENS EM AÇÃO
Fortes
razões
Jovens identificam
oportunidades “ ntes, achava que o município
A Foi assim que ele começou a de-
para se manter de Reserva seria pequeno para mim. senhar seu projeto de empreendedo-
Agora, não tenho dúvida de que o rismo, exigido para a conclusão do
no campo meu futuro está aqui”. As palavras de programa. “Durante o PEJR fiz um
Jeferson Martins de Almeida, 19 estudo e percebi que no município
anos, refletem um novo olhar sobre havia mercado para a avicultura de
a região em que reside no Paraná. postura”, explica. Com a ideia defi-
Anos atrás, ao pensar no futuro, ele nida, o jovem iniciou a compra das
considerava o campo limitado em aves e a construção do aviário para
oportunidades. Hoje, essa percepção 300 animais.
mudou: “Depois que ingressei no Atualmente, meses após ter con-
Programa Empreendedorismo do cluído o programa, ele continua in-
Jovem Rural (PEJR), percebi que vestindo no projeto, que está
minha propriedade tinha potenciais incrementando a renda da família.
inexplorados e poderia ser mais bem Com 120 aves, ele comercializa os
aproveitada”, conta o jovem, que ovos diretamente em quatro estabe-
mora com os avós em uma área agrí- lecimentos de Reserva. “Como a ati-
cola de meio alqueire. vidade exige pouco tempo, ainda me
Ao longo da formação no PEJR, permite trabalhar como diarista na
do Instituto Souza Cruz, ele procu- produção de tomate”, completa.
rou identificar uma oportunidade de Através da pluriatividade, uma
negócio que contemplasse a sua rea- das características do Novo Rural
lidade. “Como moro numa comuni- brasileiro, ele fortaleceu ainda mais
dade em que a maioria da população suas raízes no campo: “Eu tinha von-
sobrevive do tomate, e meu terreno tade de sair daqui, como todo
Almeida desenvolveu no agricultável é pequeno, pensei em mundo que entrou no programa.
PEJR projeto de avicultura desenvolver uma atividade que aten- Minha intenção era ir para a cidade,
de postura que pôs em prática, desse à demanda local e que necessi- apesar de saber que não seria tão
com sucesso, na propriedade tasse de pouco espaço para ser bom, mas eu não tinha oportuni-
em que vive com os avós implantada”, relata. dade, não tinha opção. Hoje, sei que
o campo é meu futuro”, reitera.
Fotos: arquivo Instituto Souza Cruz
Um fututo, ao que tudo indica,
promissor. Almeida planeja cursar fa-
culdade de Administração e aumen-
tar a produção, chegando às 300
aves, conforme havia programado.
O PEJR foi implantado no território Cami-
nhos do Tibagi (PR), do qual o município de
Reserva faz parte, através de uma parceria
entre o Instituto Souza Cruz, o Ministério do
Desenvolvimento Agrário (MDA), Secretaria
de Agricultura e Abastecimento do Paraná
(Seab), Instituto Paranaense de Assistência
Técnica e Extensão Rural (Emater-PR), Fun-
dação Terra e as prefeituras locais.
16 Sustentabilidade do Campo
17. Angélica: experiência no PEJR
está mudando a história da família,
que passou novamente a
acreditar no potencial da propriedade
novembro do ano passado, a jovem
já havia colocado em prática o pro-
jeto que começou a amadurecer no
início do programa: Hortaliças Or-
gânicas e Panificados. “Optei pelo
cultivo de alimentos sem agrotóxi-
cos pensando na saúde da minha fa-
mília e pelo fato de o nosso solo ser
de excelente qualidade para a ativi-
dade. Incluí também os panificados
porque na região há bastante pro-
cura, ainda que as ofertas sejam es-
cassas. Claro, somos descendentes de
italianos e adoramos pães”, explica.
Um passo importante para o de-
senvolvimento do projeto foi a sua
participação no Programa de Aqui-
sição de Alimentos (PAA), do Mi-
nistério do Desenvolvimento Agrá-
rio. Atualmente, Angélica fornece
Q uando decidiu entrar no PEJR,
do Instituto Souza Cruz, Angélica
para o PAA todo o aipim que pro-
duz e comercializa as hortaliças (al-
face, tomate e beterraba) para os
Cavagnóli Geremias alimentava mui- restaurantes da região. A produção
tas dúvidas em relação ao seu futuro de panificados, em fase de captação
Fotos: Geovânio Wens
profissional. As incertezas, embora de recursos, exige uma estrutura
naturais para uma jovem de 17 anos maior, mas a jovem empreendedora
cheia de inquietações e sonhos, ti- já está articulando parcerias com as-
nham uma razão especial: a falta de sociações de agricultores para a im-
oportunidades em sua região. plementação da agroindústria.
Angélica mora no município de “Através do PAA consegui co-
Pedras Grandes, no território catari- mercializar o aipim, gerando renda
nense das Encostas da Serra Geral. zontes sem precisar abrir mão dos extra para seguir adiante e viabilizar
Como muitos dos seus amigos, iden- seus sonhos. “Até então eu me via a agroindústria. Nesse ponto, a ex-
tificava apenas um caminho possível sem alternativa, porém, a última coisa periência adquirida no PEJR está
para o sucesso profissional: deixar o que queria era deixar minha casa e o sendo fundamental porque consegui
meio rural em busca de estudo e em- trabalho no campo. Entrar no pro- envolver toda a família. Temos uma
prego na cidade. grama me proporcionou a possibili- outra visão de trabalho, com foco na
Hoje, um ano após ter ingressado dade de permanecer, de forma digna, gestão, organização e qualidade de
no PEJR, implementado naquele ter- transformando a propriedade em vida. Meus pais, que antes não acre-
ritório em parceria com o Centro de uma fonte de renda sustentável, com ditavam no potencial da proprie-
Desenvolvimento do Jovem Rural qualidade de vida”, comemora. dade, hoje sonham e executam o
(Cedejor), ela vislumbra novos hori- Antes de concluir a formação, em projeto comigo”, emociona-se.
Instituto Souza Cruz 17
18. Preparação para a IV Jornada
A IV Jornada Nacional do Jovem
Rural já tem local e data definidos.
O grande encontro da juventude
brasileira do campo será em Do-
mingos Martins (ES), entre os dias
23 e 26 de agosto próximo.
Em reunião realizada no final de
fevereiro passado, membros da
Rede Jovem Rural estiveram na co-
munidade de Pedra Azul, naquele Para Wanzete Krüger,
município, e firmaram uma parce- prefeito de Domingos Martins,
ria com a prefeitura local para a será uma rica experiência para os
realização do evento. participantes da Rede Jovem Rural
“Para nós, será um prazer aco-
lher tantos jovens de diferentes re-
Apoena Medeiros
giões do Brasil. A cidade irá re-
ceber a Jornada de braços abertos
e feliz e a Rede Jovem Rural já tem
nosso apoio”, declarou o prefeito
Wanzete Krüger. esses jovens descubram um novo ção anfitriã da Jornada.
“A região das montanhas capi- campo, próspero, criativo e inova- Promovido pela Rede Jovem
xabas irá proporcionar aos partici- dor”, complementou padre Fir- Rural, e capitaneado pelo Instituto
pantes uma rica experiência em mino Costa Martins, do Movimen- Souza Cruz, o grande encontro
cultura, agroturismo e agricultura to de Educação Promocional do reunirá cerca de 500 participantes
familiar, dando insumos para que Espírito Santo (Mepes), organiza- de todo o Brasil.
Na Bahia, jovens do PEJR
Arquivo Instituto Souza Cruz
planejam futuro no campo
Os jovens da primeira turma do tas e melhoramento genético na
PEJR baiano, implementado na criação de ovinos e caprinos. “Já
Região do Sisal em parceria com o comecei a plantar os canteiros,
Movimento de Organização Co- cerquei a área e montei uma es-
munitária (MOC), já estão se pre- tufa. A comercialização das horta-
parando para a reta final do pro- liças está garantida através do
grama. Em fase de elaboração de Programa de Aquisição de Ali-
projetos, os 30 rapazes e moças mentos (PAA)”, festeja Maria Au-
que compõem a turma estão pla- riele Araújo, 19 anos, cujo projeto
nejando seu futuro empreende- de quintais orgânicos está bas-
dor, por meio de variadas inicia- tante adiantado. “O foco agora é
tivas que vão de projetos não organizar a redação, preparar
agrícolas, como sorveterias e lan- minha defesa e colocar o quintal
houses, à implementação de hor- efetivamente em prática”, finaliza.
Maria Auriele participou do PAA e, agora, está projetando quintal orgânico
18 Sustentabilidade do Campo
19. MEU RURAL
O negócio
é aqui
S ou Tatiane Faustino da Silva, uma jovem agri-
cultora, feminista e técnica em Agroecologia. Tenho
21 anos e moro com meus pais e irmãos na comuni-
dade ribeirinha de Umburanas, em Afogados da In-
gazeira, município localizado no Sertão do Pajeú
(PE). Nossa família é grande! Somos três irmãs (sou
Fotos: Claudio Gomes
a caçula das mulheres) e seis irmãos, e continuamos
crescendo. Atualmente, moram 14 pessoas na pro-
priedade, que tem como base a agricultura familiar.
Grande parte da nossa alimentação vem da uni-
dade familiar, onde produzimos milho, variedades de
feijão, quiabo, banana, goiaba e laranja, entre outros empreendedora depois que ingressei em 2008 no
itens. Criamos, também, ovinos, caprinos, bovinos e curso de Técnico em Agroecologia, com ênfase na
aves em pequenas quantidades. agricultura familiar, do Serviço de Tecnologia Alter-
Além de produzir para a subsistência, comercia- nativa (Serta). Atualmente, nossa propriedade está em
lizamos os produtos na feira livre do município há processo de conversão para a agricultura orgânica.
14 anos. Antes, vendíamos a atravessadores, que fi- Simultaneamente ao trabalho com minha família
cavam com a maior parte dos lucros. Agora, passa- na propriedade, desenvolvo atividades voluntárias no
mos a ser donos do nosso próprio negócio. grupo de mulheres Beija-flor, onde compartilhamos
Comecei a enxergar a propriedade com olhar de nossas experiências em diversas áreas.
Outros horizontes
Outra experiência marcante na
minha vida foi participar do III Inter-
câmbio da Juventude Rural, no mu-
nicípio de Boa Vista do Ramos (AM),
em 2010. Eles têm um modo dife-
rente de praticar agricultura, pois
plantam de um jeito bem natural,
com grande diversidade.
A produção é totalmente orgâ-
nica e, geralmente, também criam liar Rural do município, ligada à As- Essas experiências me transfor-
animais, como galinhas e porcos. sociação Regional das Casas Familia- maram em uma sonhadora que
Vivem da agricultura familiar e as res Rurais do Amazonas (Arcafar/ nunca vai deixar o campo. Planejo
mulheres representam uma grande AM), vem ajudando a transformar a alcançar as quatro seguranças
força nas atividades agrícolas e do- realidade local, entendi uma frase do (água, energia, nutrientes e alimen-
mésticas. Eu trouxe dessa vivência al- educador André Mello: “Buscamos tos) e espero que a minha família
guns princípios importantes para fazer pedagogia e não apenas alter- possa abandonar totalmente a agri-
minha vida como, por exemplo, que nância”. Voltei para casa com a cer- cultura dos agrotóxicos. Desejo
o limite da terra muitas vezes signi- teza de que a Amazônia é a alma do também, futuramente, cursar facul-
fica o respeito ao vizinho e não às planeta. Somos abençoados por tê- dade e contribuir para uma educa-
cercas. E, ao ver como a Casa Fami- la em nosso país. ção no campo e para o campo.
Instituto Souza Cruz 19
20. Campo de preservação
“Vou transformar
a nossa propriedade
em uma referência
de sustentabilidade.”
Através do projeto desenvolvido
no Programa Empreendedorismo
do Jovem Rural, Luís Roberto Iaceki
implantou manejos ecológicos
na propriedade da família, em
Prudentópolis (PR), contribuindo para
a preservação dos recursos naturais.
Arquivo Instituto Souza Cruz