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Ano I – Número 01 – Abril de 2011




O NOVO
RURAL
ENTREVISTA
Reni Denardi, do Ministério
do Desenvolvimento Agrário:
“O meio rural brasileiro não
é mais sinônimo de atraso.”
Nesta edição
                                                          Capa 4
                                         O campo tem um novo
                                     modelo de produção familiar                                                                  10

                                                      Debate 8
                     “O que há de diferente no Novo Rural?”:
                         Luciano Philippi e Jaime Ferré Martí

                                                   Entrevista 10
              Reni Denardi, delegado federal do Ministério do
                 Desenvolvimento Agrário (MDA) no Paraná

                                                 Boas Práticas 14
             Rurbano: projeto retrata o Novo Rural brasileiro
            Coopaecia: experiência de sucesso na Serra Gaúcha

                                              Jovens em Ação 16
                           As histórias de Angélica e Jeferson,
                        que pensavam em abandonar o campo
                                 e hoje investem na área rural

                                                                                                                                  16
                                              Instituto em Foco 18
Espírito Santo será a sede da IV Jornada Nacional do Jovem Rural
               Na Bahia, 30 jovens já planejam futuro no campo

                                                    Meu Rural 19
        A pernambucana Tatiane Faustino, 21 anos, comanda
  conversão da propriedade familiar para a agricultura orgânica




                         SUSTENTABILIDADE DO CAMPO                       Coordenação: Luiz André Soares
                         Publicação trimestral do Instituto Souza Cruz   Jornalistas responsáveis:
                         Abril/2011 - Tiragem: 2 mil exemplares          Andrea Guedes (Mtb.28246 RJ) e Guilherme Mattoso (Mtb.26674)
                         Rua da Candelária, 66 / 4º andar – Centro       Projeto gráfico e produção editorial:
                         CEP 20091-900 - Rio de Janeiro (RJ)             Via Corporativa Comunicação (www.viacorporativa.com.br)
                         Tel.: (21) 3849-9619 – Fax: (21) 3849-9778
                                                                         Os conceitos emitidos nos artigos e matérias assinadas
                         institutosouzacruz@institutosouzacruz.org.br    são deresponsabilidade dos autores, não refletindo,
                         www.institutosouzacruz.org.br                   necessariamente, a opinião do Instituto Souza Cruz
Um novo olhar
                       O      foco que tem direcionado as iniciativas do Instituto Souza
                       Cruz agora confere nome e pauta a nossa nova publicação trimestral.
                       Com o compromisso de promover a leitura crítica sobre o meio rural
                       brasileiro, Sustentabilidade do Campo se caracteriza por uma abor-
                       dagem pluralista: através de reportagens, entrevistas e debates, co-
                       nheceremos ao longo de suas edições diferentes argumentos em
                       torno do tema principal. Assim, nosso leitor terá liberdade e ele-
                       mentos suficientes para construir sua própria interpretação.

                           Em seu primeiro número, a revista procura motivar a com-
                       preensão acerca das dinâmicas de mudança que culminaram no cha-
                       mado “Novo Rural”: a agricultura, em integração crescente com
                       as economias urbanas (agroindustrialização), já não é mais o único
                       indicador que delimita o campo. Cada vez mais os agricultores fa-
                       miliares são pluriativos, ou seja, conjugam a atividade agrícola com
                       outras formas de trabalho. Mais além, a complementaridade eco-
                       nômica entre o rural e o urbano atingiu também a dimensão geo-
                       gráfica: os espaços se encontram entrelaçados, tornando difícil o
                       exercício de definição precisa de onde um começa e o outro ter-
                       mina. Esse cenário, descrito com precisão por pesquisadores, traz
                       como exigência um novo olhar das instâncias do poder público,
                       com o desenho de políticas contextualizadas, como bem afirma em
                       entrevista Reni Denardi, delegado federal do Ministério do Desen-
                       volvimento Agrário (MDA).

                            Sustentabilidade do Campo discute as principais ideias que
                       desenham essa nova e promissora realidade, ao mesmo tempo em
                       que mostra as pessoas que, na prática, desenvolvem seus projetos de
                       vida no meio rural, com destaque para os jovens talentos de diver-
                       sas regiões do País. De fato, a juventude rural vem produzindo de
                       forma inovadora e articulando novos arranjos institucionais, com
                       uma visão moderna do campo. É, sem dúvida, o segmento priori-
                       tário para as políticas que visam a permanência qualificada das pes-
                       soas no meio rural e, consequentemente, o fortalecimento da
                       agricultura familiar brasileira.

                       Boa reflexão!
Luiz André Soares
Gerente do
Instituto Souza Cruz
Revolução
 silenciosa
                                                                 André com o irmão caçula, Igor, 9 anos,
                                                                 e os pais, Leonardo e Cledi: renda familiar
                                                                 complementada com atividades não agrícolas




    O modelo de produção familiar no campo mudou nas últimas décadas, com a multiplicação de


       Leonardo Luiz Hackenhaar, 56 anos, e Cledi Te-
       rezinha, 47, são proprietários de uma área de 7,2
       hectares em Linha Santa Emília, no município
       gaúcho de Venâncio Aires, onde nasceram. O
       casal criou cinco filhos e por décadas se manteve
                                                           A     família Hackenhaar retrata uma nova reali-
                                                           dade do campo, caracterizada principalmente pelo
       com a renda da produção agrícola, que envolve       processo de dinamização econômica do meio
       frutas, verduras, milho, aipim, além de ovos.       rural. O chamado “Novo Rural” brasileiro, que
           Hoje, no entanto, essa realidade mudou.         tem produzido inúmeros estudos acadêmicos, en-
       Como Leonardo está com problemas de saúde,          globa outra forma de divisão do trabalho dentro
       Cledi e os dois filhos mais velhos, André, 27, e    do núcleo familiar. Diferentemente de outras épo-
       Maicom, 25, assumiram o comando da proprie-         cas, nem todos os membros de uma família abra-
       dade, mas a vida no campo não é mais a mesma.       çam em tempo integral as atividades agrícolas de
       “O que se planta aqui em casa não estava mais       suas unidades. O modelo anterior deu lugar a
       dando para o sustento de toda a família. Eu e meu   outro, mais sintonizado com as exigências atuais.
       irmão tivemos que procurar outras alternativas          No novo padrão, as chamadas famílias pluria-
       para complementar a renda”, conta André, que        tivas distribuem seus integrantes para novas ati-
                                                           vidades econômicas, não agrícolas, dentro ou
       divide seu tempo entre o trabalho de agricultor e
                                                           fora de seus estabelecimentos. Segundo avaliação
       o de pedreiro e operador de máquina. Já Maicom
                                                           de alguns estudiosos do tema, é uma tendência
       é funcionário de um frigorífico na cidade e ajuda
                                                           irreversível no Brasil, que começou a partir da
       na produção agrícola nos finais de semana.
                                                           década de 1980 e repete o percurso já trilhado
           “Era um tempo bom aquele”, diz Leonardo.        por países desenvolvidos.
       “Há cerca de 10 anos, ganhávamos dinheiro su-           Pode-se dizer que André e Maicon continuam
       ficiente com o que produzíamos aqui. Agora,         agricultores, mas em tempo parcial. Definitiva-
       está tudo muito diferente. Trabalhamos muito        mente, o meio rural respira outros ares e não
       mais e ganhamos cada vez menos”, compara.           mais se limita à condição de pólo das atividades
                                                           agropecuárias e agroindustriais. Passou a incor-


4   Sustentabilidade do Campo
atividades não agrícolas e a complementaridade entre o urbano e o rural




       André tem dupla jornada                                        porar novas funções, ligadas ao comércio, lazer,
       em busca de ganho extra:                                       habitação e ecoturismo.
       divide o tempo entre a
                                                                          Tudo isso é resultado das mudanças recentes na
       agricultura e a construção civil
                                                                      agricultura familiar e de contiguidade crescente dos
                                                                      mundos urbano e rural. Se antes o setor produtivo
                                                                      era autárquico, com seu próprio mercado de tra-
                                                                      balho e equilíbrio interno, agora se integrou ao res-
                                                                      tante da economia, não podendo ser dissociado
                                                                      dos setores que lhe fornecem insumos e/ou com-
                                                                      pram seus produtos, conforme afirma José Gra-
                                                                      ziano da Silva, representante Regional da FAO
                                                                      para a América Latina e o Caribe, em “O Novo
                                                                      Rural Brasileiro”, minucioso estudo sobre o tema.
                                                                          Lauro Mattei, professor de Economia da Uni-
                                                                      versidade Federal de Santa Catarina, que partici-
                                                                      pou ativamente dos estudos sobre a nova dinâmica
                                                                      do trabalho rural, explica que a reviravolta come-
                                                                      çou com a implementação de novas tecnologias no
                                                                      campo. O fenômeno poupou mão de obra local e
                                                                      liberou gente do campo para buscar outras formas
                                                                      de subsistência, redefinindo o modelo tradicional
                                                    Fotos: Jô Nunes




                                                                      do trabalho na agricultura familiar, que vivia só das
                                                                      atividades agropecuárias.
                                                                          “A renda média de um estabelecimento agro-


                                                                                                         Instituto Souza Cruz   5
Paisagem comum no Vale do Itajaí, em Santa Catarina:
    pecuário sem pluriatividade é inferior comparada a             indústrias instaladas em áreas rurais
    dos núcleos familiares que combinam atividades
    agrícolas e não agrícolas”, assinala Mattei. “Como
    o Brasil tem cinco milhões de estabelecimentos
    agropecuários, dos quais 4,2 milhões são de agri-
    cultores familiares, basta imaginar a dimensão des-
    sas transformações”, acrescenta.
        Em Santa Catarina, por exemplo, as indústrias
    têxteis instaladas no Vale do Itajaí, próximas às
    zonas rurais, absorvem centenas de trabalhadores
    do campo. Talvez não seja uma grande novidade,
    se levada em consideração a história da migração
                                                                         Nova realidade
                                                                         Como as atividades agrícolas não geram mais tantos
    clássica no Brasil, hoje em franco declínio. Durante                 empregos e renda como antigamente, quem ganha
    décadas, foi intenso o fluxo de trabalhadores nor-                   são os setores de prestação de serviços, o comércio e
    destinos para metrópoles como São Paulo e Rio                        a indústria, que absorvem os novos contingentes de
    de Janeiro, atrás de atividades temporárias na cons-                 trabalhadores rurais.
    trução civil. Da mesma forma que das lavouras mi-                        Em linhas gerais, aquilo que pesquisadores com
    neiras uma leva de agricultores migrava aos                          razoável consenso chamam de “Novo Rural“ brasi-
    grandes centros à procura de ocupações urbanas                       leiro foi facilitado por alguns fatores. Cada vez mais
                                                                         indústrias desembarcam na zona rural, de olho na mi-
    com prazo de validade.
                                                                         nimização de custos (proximidade da matéria-prima,
        “À luz da sociologia, o movimento pendular do
                                                                         mão de obra mais barata, menos impostos). Condo-
    trabalho agrícola e não agrícola é assunto batido”,                  mínios de luxo são erguidos nessas áreas e atraem as
    constata Mattei. “No entanto, num ambiente ra-                       classes médias urbanas. Famílias menos abastadas em
    refeito de estudos específicos, conseguimos identi-                  busca de moradias mais em conta engrossam o cin-
    ficar que o meio rural brasileiro, guardadas as suas                 turão no entorno.
    devidas especificidades, passou a ser caracterizado                      Trata-se de uma equação que intensificou a de-
    pela dupla fonte de renda e ocupações dos traba-                     manda por serviços públicos e domésticos, comércios
    lhadores rurais”, finaliza.                                          de mercadorias e alimentos, construção civil, trans-




    Não é bem assim
      Os estudos pilotados por Graziano,        estar integrada ao processo de mo-          Aquisição de Alimentos (PAA) e a Po-
      Del Grossi e outros acadêmicos da         dernização técnica“, explica.               lítica Nacional de Alimentação Escolar
      Universidade de Campinas (Unicamp)            A maioria esmagadora da popu-           (Pnae) como iniciativas governamen-
      são relativizados por Brancolina Fer-     lação rural ainda mantém, segundo           tais importantes para manter e po-
      reira, coordenadora de Desenvolvi-        ela, vínculo estreito com a terra como      tencializar a produção de alimentos
      mento Rural do Ipea. Ela considera        meio de sobrevivência. A pluriativi-        baseada na pequena propriedade fa-
      que as características estruturais do-    dade, nesse sentido, seria a expressão      miliar. As duas últimas ações, espe-
      minantes dos tempos coloniais ainda       da ausência de acesso à terra em            cialmente, estariam funcionando
      persistem na realidade rural de hoje.     qualidade e quantidade suficientes          como indutoras de geração de renda
          “Acho que o conceito carece de        para garantir a reprodução do mo-           aos pequenos agricultores e assenta-
      especificação e seu sentido é contro-     delo de cultivo familiar. “Se existe um     dos. “O PAA beneficiou em 2009
      verso”, provoca. “Dados da Pesquisa       novo rural, ele é apenas um projeto à       cerca de 98 mil pequenos produto-
      Nacional por Amostra de Domicílio         espera de realização, que depende de        res, que forneceram alimentos para
      (Pnad/IBGE) e do Censo Agropecuá-         uma ampla reforma agrária para tor-         pouco mais de oito milhões de pes-
      rio apontam a persistência de um          nar concreta a transformação das            soas em situação de vulnerabilidade
      velho rural que ainda assegura baixos     condições locais”, avalia.                  alimentar“, conta.
      níveis de desenvolvimento socioeco-           Brancolina cita o Programa Na-               Economista e professor da Univer-
      nômico e a concentração de renda          cional de Fortalecimento da Agricul-        sidade Federal Fluminense (UFF), Car-
      no campo, apesar de a agricultura         tura Familiar (Pronaf), o Programa de       los Guanziroli também questiona o


6   Sustentabilidade do Campo
Fotos: Marcelo Martins
                                  porte e lazer. Por conta desse processo de diluição das                 convencionou denominar de “pluriatividade”, con-
                                  diferenças, aquele conflito histórico entre o urbano,                   junto de atividades agrícolas e não agrícolas, dentro
                                  como símbolo do novo e da ascensão, e o rural, re-                      ou fora de seu estabelecimento.
                                  presentante do velho e do declínio, parece ter virado                        Os novos atores, agricultores em tempo parcial,
                                  peça de museu. Ao contrário até, o que se observa é                     não são mais os proletários que tanto incomodavam
                                  uma valorização do espaço rural, por meio do apelo                      os autores marxistas, para quem o acúmulo de tra-
                                  ecológico, a cultura country, lazer (pesque e pague,                    balho fora do núcleo original significava desagrega-
                                  por exemplo), turismo e habitação.                                      ção familiar e empobrecimento. Como aponta
                                      Graziano e Del Grossi reconhecem que muitas                         Graziano no estudo, eles trabalham no comércio, ar-
                                  dessas atividades não agrícolas sempre existiram,                       rumam emprego nas indústrias tradicionais e atuam
                                  mas aconteciam no “fundo do quintal”, como se fos-                      no terceiro setor.
                                  sem hobbies sem relevância econômica. Com a che-                             O mais interessante é que, na prática, o Novo Rural
                                  gada das novas tecnologias, que alterou a                               brasileiro tornou-se via de mão dupla. Assim como pro-
                                  organização do processo de trabalho, reduziu a                          fissionais liberais urbanos espreitam novas oportunida-
                                  oferta de empregos e levou as famílias a procurarem                     des de negócios nas atividades agropecuárias, trabalha-
                                  outras formas de sobrevivência, tais práticas ganha-                    dores rurais buscam formas de prestação de serviços ti-
                                  ram importância na composição do rendimento fa-                         picamente urbanas, atuando como secretárias, motoris-
                                  miliar. Serviram, inclusive, para disseminar o que se                   tas de ônibus e contadores, entre outras funções.




                                                                           Segundo Brancolina, o conceito carece de especificação e seu sentido é controverso
Sidney Murrieta/divulgação Ipea




                                                                           tência de atributos específicos do           mesma forma que a renda, o que
                                                                           local, que não se repetem nem se ge-         não é verdade”, assinala.
                                                                           neralizam no mundo rural. Em alguns              Guanziroli destaca ainda que boa
                                                                           casos, até geram um complemento              parte do que se chama de renda não
                                                                           de renda importante, porém, margi-           agrícola são empregos fora do esta-
                                                                           nal no conjunto.                             belecimento, como ocupações do-
                                                                               “Por se tratarem de atividades           mésticas, que não representam al-
                                                                           de demanda elástica, não garantem            gum dinamismo para a zona rural.
                                                                           preços satisfatórios. Exatamente ao          “Não dá para ignorar que a fatia mais
                  conceito de Novo Rural defendido por                     contrário das funções agrícolas, ine-        expressiva da renda tem origem nas
                  alguns de seus colegas. “As atividades                   lásticas em demanda – as pessoas             atividades agrícolas ou agroindus-
                  rurais não agrícolas não têm nada de                     não podem deixar de comer –, mas             triais”, diz. Nesse sentido, para ele, a
                  novo no Brasil. Elas sempre existiram,                   com preços ascendentes, como                 melhor estratégia para potencializar
                  desde os tempos da colônia, e sempre                     vemos agora”, explica. Ele lembra            o campo seria dar apoio à agricultura
                  foram marginais na geração de renda                      que a Pnad não só não capta satis-           familiar, à agregação de valor e à in-
                  no mundo rural”, afirma.                                 fatoriamente a renda agrícola,               tegração nas cadeias produtivas do
                      Ocupações como artesanato, tu-                       como a subestima (é declaratória).           agronegócio, aliado a investimentos
                  rismo rural e pesque e pague são                         “Estes estudos baseados na Pnad              sociais em educação, saúde e infra-
                  muito ligadas, na visão dele, à exis-                    acreditam que o emprego evolui da            estrutura (terras e hídrica).


                                                                                                                                                Instituto Souza Cruz                            7
O que há
       de diferente
         Novo Rural?
           no

                                                                                    Duas visões acerca do tema, que vem motivando


    I  nicialmente, o termo foi usado para repaginar a
    falida agricultura no interior do Brasil. As mudanças
    ocorridas foram tecnicistas. Como José Graziano da
    Silva e Mauro Eduardo Del Grossi colocam, as
    novas atividades passaram a integrar cadeias pro-                                   para a pecuária dos países do Norte.
    dutivas. Ou seja, resultam da agregação de serviços                                     Há acadêmicos que defendem a tese de que
    relativamente artesanais, porém de alta especiali-                                  não houve a tal revolução no campo, argumen-
    zação e conteúdo tecnológico, associados a pro-                                     tando que o perfil estrutural dos tempos coloniais
    dutos animais e vegetais não tradicionalmente                                       ainda sobrevive na realidade rural de hoje. Eles se
    destinados à alimentação e vestuário. No Nordeste,                                  referem, talvez, à “Revolução Verde” que, de fato,
    a produção de castanha-de-caju, um serviço arte-                                    não transformou as relações no meio rural. Ao
    sanal, virou um produto de exportação. Antes, tais                                  contrário, até aumentou a desigualdade social. Isso
    funções não tinham o devido valor.                                                  porque concentrou as terras, expulsou as famílias e
        Foi um processo bastante acelerado. Com a                                       fez com que muitos trabalhadores rurais traba-
    abertura política, a partir dos anos 1980, empre-                                   lhassem em condições desfavoráveis, em regime de
    sas internacionais se instalaram no Brasil e outras                                 escravidão, o que persiste até hoje em diversas ati-
    surgiram aqui com o intuito de modernizar a pro-                                    vidades, como a de produção de cana-de-açúcar.
    dução agrícola. O cultivo de grãos, como soja e                                         O “Novo Rural” brasileiro chamou a atenção
    milho, foi incentivado para gerar divisas destinadas                                para a existência do modelo da pluriatividade, uma
    a pagar as dívidas acumuladas durante o regime                                      forma de diversificar as fontes de renda e garantir
    militar. Hoje, o meio rural está esvaziado. Cin-                                    uma maior sustentabilidade das famílias no
    quenta e seis por cento da nossa área agrícola pro-                                 campo, sem que estas dependam mais de uma
    duz soja. E o Brasil, sabemos, exporta os grãos                                     única fonte de subsistência. A diversificação, por
                                                  JAIME                                 sinal, também é proposta pela agroecologia.
                                                  FERRÉ MARTÍ                               Atualmente, a remuneração no campo está vin-
                                                                                        culada aos programas assistenciais ou à aposenta-
                                                  40 anos, é engenheiro                 doria. O Governo Lula criou o Ministério de
                                                  agrônomo e consultor externo          Desenvolvimento Agrário para atender a classe da
                                                  da Associação Científica de           agricultura familiar que, ao avançar bastante, asse-
                                                  Estudos Agrários (Aceg).
                                                  Foi coordenador técnico
                                                                                        gurou o abastecimento da população brasileira
                                                  geral do projeto Agricultura          com alimentos básicos, não garantidos pelo agro-
                                                  Familiar, Agroecologia                negócio. É necessário se criar mecanismos para evi-
                                                  e Mercado, da Fundação                tar que grandes áreas sejam exploradas para
                                                  Konrad Adenauer, e escreveu
                                                  os livros Agricultura Familiar,
                                                                                        atender o mercado globalizado, o que prejudicaria
                                Arquivo pessoal




                                                  Agroecologia e Mercado                a população brasileira. Realizar uma reforma agrá-
                                                  e Política Pública                    ria efetiva e reestruturar o campo e a cidade são
                                                  para o Semiárido.                     formas de garantir a autossuficiência.


8   Sustentabilidade do Campo
LUCIANO
                                                                                                      PHILIPPI

                                                                                                      41 anos, é engenheiro agrônomo
                                                                                                      e educador do Centro de
                                                                                                      Desenvolvimento do Jovem Rural (Cedejor).
                                                                                                      Coordenou o Fórum Municipal de
                                                                                                      Desenvolvimento Local em
                                                                                                      Passos Maia (SC), entre 1995 e 2000,
                                                                                                      e foi coordenador de um grupo de trabalho
                                                                                                      sobre o Meio Ambiente em Chapecó (SC),




                                                             Arquivo pessoal
                                                                                                      durante o biênio 2003/2004, que fazia
                                                                                                      parte das discussões em torno
                                                                                                      do novo Plano Diretor da cidade.




calorosos debates entre estudiosos




     C    om as novas atividades rurais não agrícolas e
     a prática da pluriatividade pelas famílias que resi-
                                                                               eram pluriativas. A sondagem foi realizada pelo
                                                                               Centro de Desenvolvimento do Jovem Rural das
     dem no campo, a realidade rural brasileira mu-                            Encostas da Serra Geral (Cedejor/ESG-SC), uma
     dou. No chamado “Novo Rural” brasileiro, a                                organização não governamental instalada no sul do
     produção agrícola representa apenas uma parte                             Brasil que, em parceria com o Instituto Souza
     do trabalho e da renda das famílias rurais. É neste                       Cruz, implanta o PEJR nessa região. O programa
     contexto de transformações que nasce o fenô-                              mescla demandas das juventudes rurais e temas li-
     meno da pluriatividade, caracterizado pela com-                           gados ao conceito do “Novo Rural” brasileiro para
     binação de múltiplas ocupações, agrícolas e não                           fomentar e sustentar o desenvolvimento rural no
     agrícolas, assumidas pelos membros de uma                                 ambiente agrário.
     mesma unidade familiar.                                                       Diversos estudos confirmam a importância da
         Uma série de fatores contribui para o surgi-                          pluriatividade e da multifuncionalidade, que en-
     mento de novas funções no espaço rural e a busca                          cara a agricultura como um estilo de desenvolvi-
     de outras fontes de rendas. Entre eles, a moder-                          mento e não mero setor da economia. Em
     nização da agricultura e dos sistemas agrários                            conjunto, elevam a renda das unidades familia-
     convencionais, a mudança de perfil no mercado                             res, minimizando sua sazonalidade, inibem o
     de trabalho, a baixa remuneração agrícola, a in-                          êxodo rural, diversificam a produção e a econo-
     teriorização das indústrias e o reconhecimento da                         mia locais, geram trabalho e fortalecem a agri-
     sociedade para a importância da agricultura fa-                           cultura familiar. A multifuncionalidade agrícola,
     miliar. Não é mais verdade que quem mora no                               por exemplo, tem sido associada à segurança ali-
     meio rural está ocupado somente com atividades                            mentar, que contempla desde a qualidade e ori-
     agropecuárias. A pluriatividade, agora, é uma rea-                        gem dos produtos à proteção do meio ambiente.
     lidade irreversível.                                                          Os jovens do campo já perceberam que a va-
         Há um conjunto de ocupações profissionais li-                         lorização da agricultura familiar pode ser estraté-
     gadas ao lazer, à prestação de serviços, ao benefi-                       gica para o desenvolvimento dos territórios
     ciamento de produtos, ao comércio e à organização                         rurais. Aproximadamente 100% dos alunos que
     dos agricultores familiares. São atividades que divi-                     passaram pelo processo de formação do PEJR de-
     dem espaço com as tradicionais práticas rurais,                           cidiram permanecer no local de origem. Cerca de
     como plantar e colher, criar e vender animais. Em                         70% da turma elaborou e executou na prática
     pesquisa feita com jovens do Programa Empreen-                            seus projetos de vida em áreas agrícolas, não agrí-
     dedorismo do Jovem Rural (PEJR), constatou-se                             colas e pára-agrícolas. Sinal de que os novos tem-
     que 60% das unidades familiares dos pesquisados                           pos são bem-vindos.


                                                                                                                  Instituto Souza Cruz   9
RENI DENARDI        Delegado federal do Ministério do Desenvolvimento Agrário no Paraná




                                                                                                                            Daniel Caron
     O      cenário rural brasileiro do século XXI não é
     mais sinônimo de atraso e de lá emergiu um novo                     O que
                                                                                      Uma das principais diferenças, nesta
                                                                                      primeira década do século XXI, é a
     personagem, o agricultor familiar. Quem afirma é                   existe de
                                                                                      emergência do chamado agricultor
     Reni Denardi, delegado federal do Ministério do                  novidade no
                                                                                      familiar, um ator que saiu da condi-
                                                                      cenário rural
     Desenvolvimento Agrário (MDA) no Paraná, em                                      ção de invisibilidade. Na verdade,
                                                                       brasileiro?
     entrevista exclusiva à Revista Sustentabilidade do                               aquilo que denominamos de agri-
     Campo. “Mesmo com desigualdades sociais e re-                                    cultura familiar é um conjunto for-
     gionais, o meio rural virou um espaço de múltiplas                               mado por populações rurais bastante
     finalidades”, destaca.                                                           diversificadas. Nesse universo in-
                                                                                      cluem-se, entre outros segmentos,
         Nos últimos anos, censos e pesquisas produzidos
                                                                                      mais de 900 mil famílias de assenta-
     por respeitados institutos já observaram o fenômeno
                                                                                      dos (aproximadamente três milhões
     que transformou o campo. Os dados levantados têm                                 de pessoas), bem como comunida-
     confirmado a importância social e econômica da agri-                             des tradicionais de quilombolas, in-
     cultura familiar. “Em função disso, o Governo Fede-                              dígenas, extrativistas, pescadores,
     ral está implementando uma série de políticas voltadas                           ribeirinhos e varzeteiros. A agricul-
     para o campo, como universalizar o acesso das po-                                tura familiar brasileira é formada
                                                                                      hoje por mais de 4,3 milhões de es-
     pulações rurais aos direitos básicos da cidadania em
                                                                                      tabelecimentos. As políticas públicas
     suas diversas áreas”, conta. Nesta entrevista, Denardi
                                                                                      começaram a valorizar essa diversi-
     aborda o “Novo Rural” brasileiro, sua repercussão                                dade. E já estão em curso ações afir-
     socioeconômica e a participação do Governo Fede-                                 mativas específicas para atender esses
     ral nesse contexto de transformações.                                            públicos distintos.


10   Sustentabilidade do Campo
Foi outra mudança, consequência                            Estão sendo construídos novos ar-
   Aquela     desse processo. Essa regra geral co-        Quais são      ranjos institucionais, muitos deles
  ideia de    meça a mudar, embora ainda existam           os novos      derivados de uma abordagem ou
que o rural   significativas desigualdades sociais e       arranjos      enfoque territorial do desenvolvi-
é sinônimo    regionais. De fato, verifica-se que em    institucionais   mento. Fóruns, conselhos e cole-
 de atraso    muitas microrregiões rurais as condi-       e as novas     giados territoriais nasceram como
deixou de     ções de vida melhoraram. Há mais          metodologias     espaços de discussão, onde partici-
   existir?   cidadania e novas oportunidades. A              que        pam os governos e também a so-
              agricultura e o campo brasileiro pas-     possibilitam o   ciedade civil. Isso favorece a análise
              sam a ser, cada vez mais, um espaço      fortalecimento    das potencialidades locais e a valo-
              de múltiplas finalidades. Há segu-              da         rização dos recursos latentes.
              rança alimentar (produção de ali-         pluriatividade   Assim, o processo de planejamento
              mentos), mudança da matriz                 no campo?       torna-se mais democrático, de cima
              energética (produção de energia da                         para baixo e de baixo para cima, e
              biomassa) e atividades não agrícolas                       confere mais qualidade para as po-
              (como produção de água e serviços                          líticas públicas. Com sentido seme-
              ambientais). Essas três agendas con-                       lhante, estão sendo criados con-
              temporâneas estão associadas à agri-                       sórcios públicos de municípios para
              cultura familiar e ao conceito do                          enfrentar problemas comuns na
              desenvolvimento rural que quere-                           área ambiental (destinação do lixo e
              mos. A síntese disso é a ideia, a ima-                     preservação de mananciais) e de in-
              gem de um Brasil rural formado por                         fraestrutura (como conservação de
              gente feliz.                                               estradas), além de agências regio-
                                                                         nais de desenvolvimento.
              Temos de superar a separação entre o
  Mudou       rural e o urbano como aparece nas                          Há um grande esforço governa-
  então       estatísticas do IBGE. O ideal é tra-         Como o        mental para universalizar o acesso
o conceito    balhar com a noção de um rural am-          Governo        das populações rurais aos direitos
 de rural?    pliado. Com base em critérios             Federal está     básicos da cidadania, nas áreas de
              adotados em países europeus, José        se integrando     habitação, saúde e saneamento,
              Eli da Veiga (economista e professor      a essa nova      educação, segurança alimentar, tra-
              da USP) considera espaço rural o           realidade?      balho e previdência social. O go-
              conjunto de todos os municípios                            verno vem diversificando também
              com menos de 50 mil habitantes e                           os instrumentos de políticas, com
              densidade populacional de até 80 ha-                       foco em públicos, temas e objetivos
              bitantes por quilômetro quadrado.                          específicos. O MDA e outros mi-
                                                                         nistérios e órgãos federais, por
                                                                         exemplo, têm lançado editais e cha-
                                                                         madas públicas de vários projetos.
                                                                         São programas voltados para mu-
                                                                         lheres, jovens, populações tradicio-
  A renda média da agricultura familiar brasileira                       nais, agroindústria, biocombustíveis,
                                                                         artesanato e turismo rural, além de
  cresceu mais de 30%, quase três vezes mais que a renda
                                                                         produtos da sociobiodiversidade,
  média do conjunto da população do País”                                cooperativismo e comercialização.


                                                                                              Instituto Souza Cruz   11
RENI DENARDI



                          Exatamente. Outro exemplo é o                             Instituto Nacional de Colonização e
           É uma          apoio que o Governo Federal vem                           Reforma Agrária (Incra) divulgou os
       política que       dando a iniciativas de educação no                        resultados preliminares da Pesquisa
          procura         campo baseadas na Pedagogia da                            sobre a Qualidade de Vida, Produção
         englobar         Alternância, que promovem a cida-                         e Renda nos Assentamentos do Bra-
         todas as         dania e o empreendedorismo em di-                         sil. Essa inédita pesquisa abrangeu
        vertentes?        versas áreas. Ou seja, além da                            todas as 804.867 famílias assentadas
                          produção agrícola, o governo está                         entre 1985 e 2008, por meio de
                          valorizando outros aspectos que in-                       16.153 entrevistas em 1.164 assen-
                          teressam e são demandados por or-                         tamentos de todo o País. Um marco
                          ganizações e movimentos sociais do                        inicial importante na caracterização
                          campo. É importante destacar que                          das mudanças no rural brasileiro nas
                          essa sintonia entre governo e socie-                      últimas décadas foi o projeto temá-
                          dade só ocorre porque há bastante                         tico denominado Projeto Rurbano:
                          diálogo. Os canais de negociação                          Caracterização do Novo Rural Bra-
                          estão funcionando, o que é muito                          sileiro, 1981/99, que envolveu du-
                          bom para a democracia.                                    rante anos dezenas de pesquisadores
                                                                                    de diversas universidades.
                          Sim. Apesar dos reparos feitos sobre
        Dados do          o recorte entre urbano e rural ado-                       Primeiramente, um número cres-
       IBGE ou da                                                      Como as      cente de ministérios e governos esta-
                          tado pelo IBGE, essas mudanças já
         Pnad já                                                       políticas    duais adotou a abordagem territorial
                          aparecem nas pesquisas e censos rea-
      contemplam o                                                   públicas de    do desenvolvimento. Essa forma de
                          lizados pelo instituto, casos do Pro-
      “Novo Rural”                                                     enfoque      planejamento, que valoriza as inicia-
                          grama Nacional de Alimentação
        brasileiro?                                                   territorial   tivas e dinâmicas territoriais e abre
                          Escolar (Pnae), Censo Demográfico
                                                                      atuam no      espaço para os atores locais, permite
                          e Censo Agropecuário. A nova reali-
                                                                    cenário desse   maior aproximação das políticas pú-
                          dade rural também desponta em pes-
                                                                    “Novo Rural”    blicas com as distintas realidades que
                          quisas e análises realizadas pelo Ipea,
                                                                      brasileiro?   dão forma à diversidade do campo
                          por universidades e outros órgãos
                          públicos e privados. O Núcleo de Es-                      brasileiro. Criada em 2003 pelo
                          tudos Agrários e Desenvolvimento                          MDA, a Secretaria de Desenvolvi-
                          Rural (Nead), do MDA, tem patro-                          mento Territorial foi precursora de
                          cinado diversos estudos que mostram                       importantes políticas públicas,
                          esse processo de mudanças em curso                        como o Programa de Desenvolvi-
                          no meio rural brasileiro.                                 mento Sustentável dos Territórios
                                                                                    Rurais (Pronat), que alcançou
                          Por exemplo, a grande importância                         2.500 municípios de 164 territó-
        O que as          social e econômica da agricultura fa-                     rios, no ano passado. Inspirado na
       pesquisas já       miliar, que se tornou visível nas esta-                   experiência do Pronat, o Governo
       revelaram?         tísticas derivadas do último Censo                        Federal ousou muito mais em 2008
                          Agropecuário. O IBGE, com a cola-                         ao criar o Programa Territórios da
                          boração do MDA, passou a adotar                           Cidadania, que busca articular
                          conceitos e critérios definidos pela                      quase 200 ações de duas dezenas de
                          Lei 11.326/2006 (Lei da Agricul-                          ministérios, em 120 territórios.
                          tura Familiar). No final de 2010, o




         O fato é que um grande número de jovens não veem no campo suficientes oportunidades para
         O enfrentamento desse problema passa por mais investimentos rurais em educação, inclusão


12   Sustentabilidade do Campo
Denardi: incentivo
                                                                                        a iniciativas de
                                                                                        educação no campo
                                                                                        baseadas na Pedagogia
                                                                                        da Alternância
                      Bem, nem tudo são flores e os avan-
          Que         ços não ocorrem de forma homogê-
        avanços       nea em todo o País. No entanto,
       concretos      além de melhorias na articulação das
         foram        políticas públicas federais e de alguns
        obtidos?      Estados, há avanços no fortaleci-
                      mento da gestão social. Já é possível
                      observar a formação de algumas
                      redes sociais de cooperação, bem




                                                                Daniel Caron
                      como avanços na dinamização eco-
                      nômica em muitos territórios. Como
                      resultado concreto, verifica-se uma
                      significativa redução da pobreza: 5,5
                      milhões de moradores do campo su-
                      peraram a pobreza nos últimos oito                                     Estudos já realizados evidenciam que
                      anos, o que corresponde a 20% da                          O êxodo      a migração de jovens rurais é um
                      população rural. Nesse período, a                        rural é um    problema complexo e vincula-se, em
                      renda média da agricultura familiar                      problema      parte, à cultura da sucessão familiar.
                      brasileira cresceu mais de 30%, quase                     grave...     O fato é que um grande número de
                      três vezes mais que a renda média do                                   jovens não veem no campo suficien-
                      conjunto da população do País.                                         tes oportunidades para realizar seus
                                                                                             projetos de vida. O enfrentamento
                      Existem algumas limitações estrutu-                                    desse problema passa por mais inves-
      São muitas as   rais, como o controle da terra e a má                                  timentos rurais em educação, inclu-
       dificuldades   distribuição de outros ativos, caso da                                 são digital, acesso a meios de
        e barreiras   infraestrutura, financiamento e capa-                                  produção e de vida. Um terceiro
      enfrentadas?    citação técnica. Para romper esses                                     bloco de dificuldades diz respeito às
                      obstáculos é preciso investir em ações                                 carências de empreendedorismo e
                      de reforma agrária, regularização                                      cooperativismo, a despeito de alguns
                      fundiária, crédito fundiário, demar-                                   avanços verificados nos últimos anos.
                      cação de reservas indígenas e reco-                                    Por fim, faltam quadros qualificados
                      nhecimento de terras quilombolas.                                      em grande parte dos pequenos mu-
                      Outra dificuldade é a evasão da ju-                                    nicípios, o que também está ligado a
                      ventude e o consequente envelheci-                                     sua baixa atratividade e à evasão de
                      mento da população rural. Embora                                       jovens talentos.
                      não seja um fenômeno homogêneo
                      em todo o País, os dados mostram                                       Precisamos construir dinâmicas de
                      que, em diversas microrregiões, há                       Como esses    planejamento e preparar pessoas e or-
                      um esvaziamento de jovens, o que                          gargalos     ganizações para que tenham a capa-
                      compromete o futuro da agricultura                       podem ser     cidade de implantar ações adequadas
                      familiar e o desenvolvimento rural                       superados?    e fazê-las funcionar. Precisamos esti-
                      sustentável. Em muitas comunidades                                     mular a formação de alianças, articu-
                      camponesas, é grande a quantidade                                      lações e redes que sejam capazes de
                      de estabelecimentos comandados por                                     dar continuidade aos bons projetos,
                      pessoas idosas e sem sucessor.                                         mesmo quando ocorre a troca do
                                                                                             prefeito e a mudança do governo.
                                                                                             Enfim, acho que a palavra de ordem
                                                                                             deve ser melhorar o planejamento e a
realizar seus projetos de vida.                                                              gestão dos processos de desenvolvi-
                                                                                             mento do imenso e diversificado
digital, acesso a meios de produção e de vida”                                               campo brasileiro.


                                                                                                                  Instituto Souza Cruz   13
Diagnóstico do campo




                                                                                                          Fotos: arquivo Coopaecia
     Pesquisadores da Unicamp se debruçaram sobre a
     realidade rural brasileira e constataram que o seu perfil mudou,
     tornando-se cada vez mais dinâmico e atrativo

     Um trabalho de fôlego, que continua até               dando análises das ocupações e composi-                                          Cultivo de uvas
     os dias atuais. Coordenado pelo Instituto             ções das rendas.                                                              e maçãs orgânicas
     de Economia da Unicamp, o Projeto                         Criado e coordenado pelo professor                                        gera subprodutos
     Rurbano radiografou a nova realidade                  José Graziano da Silva, o projeto ganhou                                    como doces e sucos:
                                                                                                                                         nicho de mercado
     rural brasileira e constatou mudanças ex-             prestígio no âmbito acadêmico e político-
                                                                                                                                          conquistado com
     pressivas. Uma delas, a de que o número               institucional no Brasil. Foram mobilizados
                                                                                                                                             cuidados que
     de trabalhadores rurais e famílias dedica-            mais de 40 pesquisadores universitários                                   incluem a certificação
     das exclusivamente às atividades agríco-              (25 com título de doutor) de 11 Estados
     las vem despencando em ritmo veloz,                   brasileiros e de 20 diferentes instituições.
     acompanhado por um crescimento no                     Como resultado, gerou cinco dissertações
     contingente daqueles que se ocupam de                 de mestrado e quatro teses de doutorado.
     funções não agrícolas. Outra se refere à                  Com a crescente urbanização do meio
     derrubada de um velho e incômodo                      rural, que trouxe expressões e conceitos
     mito: o mundo rural brasileiro não é mais             inovadores como pluriatividade e “Novo
     sinônimo de atraso e o êxodo do campo                 Rural” brasileiro, é possível afirmar que
     deixou de ser irreversível.                           campo e cidade parecem cada vez mais
         O projeto teve início em 1996. A pri-             ambientes iguais, especialmente no que
     meira fase versou sobre as ocupações dos              se refere ao mercado de trabalho. Os es-
     residentes no meio rural. Na segunda, o               tudos, ainda contínuos, apontam que
     foco foram as famílias rurais, a pluriativi-          30% das 14 milhões de pessoas que for-
     dade, a composição das rendas agrícolas e             mam a população rural do País, não
     não agrícolas, transferências governa-                vivem mais de atividades agrícolas. Nos
     mentais e previdência rural. Por último,              últimos anos, elas ocupam funções para-
     entre 2001 e 2003, mergulhou-se na ca-                lelas e típicas de centros urbanos, relacio-
     racterização das famílias rurais, aprofun-            nadas a lazer, moradia e indústria.
                                                               No cenário rurbano brasileiro, tanto os
                                                           profissionais das metrópoles quanto os tra-
                                                           balhadores do campo não podem se quei-
                                                           xar. A fusão beneficiou ambos os lados. O
                                                           morador da cidade fareja negócios no meio
                                                           rural, como a instalação de empresa de
                                                           prestação de serviço. Esta, por sua vez, ga-
                                                           nhará vida por meio da mão de obra local.


         30%                     da população rural brasileira ocupa funções típicas
                                     de centros urbanos, relacionadas ao lazer, moradia e indústria.




14   Sustentabilidade do Campo
Alternativa ecológica
Produtores rurais da serra gaúcha adotaram
a cultura orgânica para melhorar a renda,
frear o êxodo rural e eliminar o uso de agrotóxicos

Nas cidades gaúchas de Ipê e Antônio Prado, a pro-                                           cadora de produtos orgânicos Ecocert. A Coopaecia
dução ecológica ou orgânica tem proporcionado qua-                                           é um dos membros fundadores também da Rede
lidade de vida, saúde, satisfação e harmonia com o meio                                      Ecovida de Agroecologia, ação que reúne organiza-
ambiente. Cada vez mais consolidada, a chamada                                               ções de assessoria, consumidores e produtores dos
agroecologia despontou na década de 1980 e acabou                                            três Estados do Sul do País. O trabalho da coopera-
revolucionando o cenário local. Tudo começou                                                 tiva anda repercutindo e tem servido de referência
quando um grupo de agricultores decidiu dar um basta                                         para inúmeros grupos de agricultores familiares e téc-
na tendência de empobrecimento do produtor rural,                                            nicos seduzidos pela agricultura ecológica.
no êxodo do campo e na contaminação dos recursos                                                 Quem ganha são os consumidores. Os alimentos
naturais por agrotóxicos. Uma das primeiras iniciativas                                      cultivados ali são submetidos ao controle de pragas
foi aposentar técnicas ancestrais de cultivo e trabalho e                                    e doenças de forma natural, dispensando o uso de
substituí-las por tecnologias modernas. O passo se-                                          fertilizantes ou agrotóxicos. Esterco e outros mate-
guinte foi a formação de cooperativas ecológicas que                                         riais orgânicos são usados para alimentar a terra e a
apostaram, com sucesso, no novo e diferenciado nicho                                         convivência das plantas com os insetos é monitorada
de mercado – a geração orgânica de itens naturais e de                                       e controlada constantemente, para evitar infestações
produtos processados e industrializados, como sucos e                                        indesejadas. Paralelamente, a cooperativa desenvol-
doces. Todos devidamente certificados.                                                       veu um trabalho eficiente de industrialização e co-
    Foi dentro desse contexto favorável que surgiu                                           mercialização – os itens produzidos chegam ao
em 1989 a Cooperativa Aecia, a partir das discussões                                         consumidor final sem a ação de intermediários que
estimuladas pela Pastoral da Juventude Rural da                                              não pertencem à comunidade. “Nossa região é
Igreja Católica de Antônio Prado e pelo Centro de                                            muito próspera e as famílias de um modo geral têm
Agricultura Ecológica de Ipê. “Entre 1960 e 1980,                                            uma boa renda”, assinala Bellé. “A produção ecoló-
a agricultura moderna propunha um aumento da                                                 gica garante não só estabilidade de preços e renda
produtividade baseada no uso de fertilizantes quími-                                         como induz à harmonia com a natureza”, conclui.
cos e pesticidas, padronização de variedades, meca-
nização e monoculturas”, conta Gilmar Bellé,
                                                                  Fotos: arquivo Coopaecia




coordenador comercial da entidade. “Mas começa-
mos a notar, a partir dos anos 1980, que a tal Revo-
lução Verde gerava a degradação do solo, ameaçava
contaminar as pessoas e os animais e que estávamos
transferindo renda para os fornecedores de semen-
tes e fertilizantes. Tínhamos que dar um freio nisso.”
    Hoje, a entidade distribui-se por quatro unida-
des de produção industrial, devidamente registradas,
e segue fielmente os padrões e normas da Secretaria
da Saúde, do Ministério da Agricultura e da certifi-


                    Bellé: os produtos chegam ao consumidor
                               final sem ação de intermediários




                                                                                                                                 Instituto Souza Cruz   15
JOVENS EM AÇÃO




                  Fortes
                  razões

                  Jovens identificam
                  oportunidades                    “ ntes, achava que o município
                                                   A                                                                                 Foi assim que ele começou a de-
                  para se manter                   de Reserva seria pequeno para mim.                                            senhar seu projeto de empreendedo-
                                                   Agora, não tenho dúvida de que o                                              rismo, exigido para a conclusão do
                  no campo                         meu futuro está aqui”. As palavras de                                         programa. “Durante o PEJR fiz um
                                                   Jeferson Martins de Almeida, 19                                               estudo e percebi que no município
                                                   anos, refletem um novo olhar sobre                                            havia mercado para a avicultura de
                                                   a região em que reside no Paraná.                                             postura”, explica. Com a ideia defi-
                                                   Anos atrás, ao pensar no futuro, ele                                          nida, o jovem iniciou a compra das
                                                   considerava o campo limitado em                                               aves e a construção do aviário para
                                                   oportunidades. Hoje, essa percepção                                           300 animais.
                                                   mudou: “Depois que ingressei no                                                   Atualmente, meses após ter con-
                                                   Programa Empreendedorismo do                                                  cluído o programa, ele continua in-
                                                   Jovem Rural (PEJR), percebi que                                               vestindo no projeto, que está
                                                   minha propriedade tinha potenciais                                            incrementando a renda da família.
                                                   inexplorados e poderia ser mais bem                                           Com 120 aves, ele comercializa os
                                                   aproveitada”, conta o jovem, que                                              ovos diretamente em quatro estabe-
                                                   mora com os avós em uma área agrí-                                            lecimentos de Reserva. “Como a ati-
                                                   cola de meio alqueire.                                                        vidade exige pouco tempo, ainda me
                                                       Ao longo da formação no PEJR,                                             permite trabalhar como diarista na
                                                   do Instituto Souza Cruz, ele procu-                                           produção de tomate”, completa.
                                                   rou identificar uma oportunidade de                                               Através da pluriatividade, uma
                                                   negócio que contemplasse a sua rea-                                           das características do Novo Rural
                                                   lidade. “Como moro numa comuni-                                               brasileiro, ele fortaleceu ainda mais
                                                   dade em que a maioria da população                                            suas raízes no campo: “Eu tinha von-
                                                   sobrevive do tomate, e meu terreno                                            tade de sair daqui, como todo
                  Almeida desenvolveu no           agricultável é pequeno, pensei em                                             mundo que entrou no programa.
                  PEJR projeto de avicultura       desenvolver uma atividade que aten-                                           Minha intenção era ir para a cidade,
                  de postura que pôs em prática,   desse à demanda local e que necessi-                                          apesar de saber que não seria tão
                  com sucesso, na propriedade      tasse de pouco espaço para ser                                                bom, mas eu não tinha oportuni-
                  em que vive com os avós          implantada”, relata.                                                          dade, não tinha opção. Hoje, sei que
                                                                                                                                 o campo é meu futuro”, reitera.
                                                                                           Fotos: arquivo Instituto Souza Cruz




                                                                                                                                     Um fututo, ao que tudo indica,
                                                                                                                                 promissor. Almeida planeja cursar fa-
                                                                                                                                 culdade de Administração e aumen-
                                                                                                                                 tar a produção, chegando às 300
                                                                                                                                 aves, conforme havia programado.
                                                                                                                                 O PEJR foi implantado no território Cami-
                                                                                                                                 nhos do Tibagi (PR), do qual o município de
                                                                                                                                 Reserva faz parte, através de uma parceria
                                                                                                                                 entre o Instituto Souza Cruz, o Ministério do
                                                                                                                                 Desenvolvimento Agrário (MDA), Secretaria
                                                                                                                                 de Agricultura e Abastecimento do Paraná
                                                                                                                                 (Seab), Instituto Paranaense de Assistência
                                                                                                                                 Técnica e Extensão Rural (Emater-PR), Fun-
                                                                                                                                 dação Terra e as prefeituras locais.



    16   Sustentabilidade do Campo
Angélica: experiência no PEJR
                                                                                         está mudando a história da família,
                                                                                         que passou novamente a
                                                                                         acreditar no potencial da propriedade




                                                                                         novembro do ano passado, a jovem
                                                                                         já havia colocado em prática o pro-
                                                                                         jeto que começou a amadurecer no
                                                                                         início do programa: Hortaliças Or-
                                                                                         gânicas e Panificados. “Optei pelo
                                                                                         cultivo de alimentos sem agrotóxi-
                                                                                         cos pensando na saúde da minha fa-
                                                                                         mília e pelo fato de o nosso solo ser
                                                                                         de excelente qualidade para a ativi-
                                                                                         dade. Incluí também os panificados
                                                                                         porque na região há bastante pro-
                                                                                         cura, ainda que as ofertas sejam es-
                                                                                         cassas. Claro, somos descendentes de
                                                                                         italianos e adoramos pães”, explica.
                                                                                              Um passo importante para o de-
                                                                                         senvolvimento do projeto foi a sua
                                                                                         participação no Programa de Aqui-
                                                                                         sição de Alimentos (PAA), do Mi-
                                                                                         nistério do Desenvolvimento Agrá-
                                                                                         rio. Atualmente, Angélica fornece

Q      uando decidiu entrar no PEJR,
do Instituto Souza Cruz, Angélica
                                                                                         para o PAA todo o aipim que pro-
                                                                                         duz e comercializa as hortaliças (al-
                                                                                         face, tomate e beterraba) para os
Cavagnóli Geremias alimentava mui-                                                       restaurantes da região. A produção
tas dúvidas em relação ao seu futuro                                                     de panificados, em fase de captação
                                                                  Fotos: Geovânio Wens




profissional. As incertezas, embora                                                      de recursos, exige uma estrutura
naturais para uma jovem de 17 anos                                                       maior, mas a jovem empreendedora
cheia de inquietações e sonhos, ti-                                                      já está articulando parcerias com as-
nham uma razão especial: a falta de                                                      sociações de agricultores para a im-
oportunidades em sua região.                                                             plementação da agroindústria.
     Angélica mora no município de                                                            “Através do PAA consegui co-
Pedras Grandes, no território catari-                                                    mercializar o aipim, gerando renda
nense das Encostas da Serra Geral.      zontes sem precisar abrir mão dos                extra para seguir adiante e viabilizar
Como muitos dos seus amigos, iden-      seus sonhos. “Até então eu me via                a agroindústria. Nesse ponto, a ex-
tificava apenas um caminho possível     sem alternativa, porém, a última coisa           periência adquirida no PEJR está
para o sucesso profissional: deixar o   que queria era deixar minha casa e o             sendo fundamental porque consegui
meio rural em busca de estudo e em-     trabalho no campo. Entrar no pro-                envolver toda a família. Temos uma
prego na cidade.                        grama me proporcionou a possibili-               outra visão de trabalho, com foco na
     Hoje, um ano após ter ingressado   dade de permanecer, de forma digna,              gestão, organização e qualidade de
no PEJR, implementado naquele ter-      transformando a propriedade em                   vida. Meus pais, que antes não acre-
ritório em parceria com o Centro de     uma fonte de renda sustentável, com              ditavam no potencial da proprie-
Desenvolvimento do Jovem Rural          qualidade de vida”, comemora.                    dade, hoje sonham e executam o
(Cedejor), ela vislumbra novos hori-        Antes de concluir a formação, em             projeto comigo”, emociona-se.


                                                                                                             Instituto Souza Cruz   17
Preparação para a IV Jornada
         A IV Jornada Nacional do Jovem
         Rural já tem local e data definidos.
         O grande encontro da juventude
         brasileira do campo será em Do-
         mingos Martins (ES), entre os dias
         23 e 26 de agosto próximo.
             Em reunião realizada no final de
         fevereiro passado, membros da
         Rede Jovem Rural estiveram na co-
         munidade de Pedra Azul, naquele                                                           Para Wanzete Krüger,
         município, e firmaram uma parce-                                                          prefeito de Domingos Martins,
         ria com a prefeitura local para a                                                         será uma rica experiência para os
         realização do evento.                                                                     participantes da Rede Jovem Rural
             “Para nós, será um prazer aco-
         lher tantos jovens de diferentes re-
                                                                               Apoena Medeiros




         giões do Brasil. A cidade irá re-
         ceber a Jornada de braços abertos
         e feliz e a Rede Jovem Rural já tem
         nosso apoio”, declarou o prefeito
         Wanzete Krüger.                                                                         esses jovens descubram um novo        ção anfitriã da Jornada.
             “A região das montanhas capi-                                                       campo, próspero, criativo e inova-       Promovido pela Rede Jovem
         xabas irá proporcionar aos partici-                                                     dor”, complementou padre Fir-         Rural, e capitaneado pelo Instituto
         pantes uma rica experiência em                                                          mino Costa Martins, do Movimen-       Souza Cruz, o grande encontro
         cultura, agroturismo e agricultura                                                      to de Educação Promocional do         reunirá cerca de 500 participantes
         familiar, dando insumos para que                                                        Espírito Santo (Mepes), organiza-     de todo o Brasil.




                                                                                            Na Bahia, jovens do PEJR
                                                Arquivo Instituto Souza Cruz




                                                                                            planejam futuro no campo
                                                                                                 Os jovens da primeira turma do        tas e melhoramento genético na
                                                                                                 PEJR baiano, implementado na          criação de ovinos e caprinos. “Já
                                                                                                 Região do Sisal em parceria com o     comecei a plantar os canteiros,
                                                                                                 Movimento de Organização Co-          cerquei a área e montei uma es-
                                                                                                 munitária (MOC), já estão se pre-     tufa. A comercialização das horta-
                                                                                                 parando para a reta final do pro-     liças está garantida através do
                                                                                                 grama. Em fase de elaboração de       Programa de Aquisição de Ali-
                                                                                                 projetos, os 30 rapazes e moças       mentos (PAA)”, festeja Maria Au-
                                                                                                 que compõem a turma estão pla-        riele Araújo, 19 anos, cujo projeto
                                                                                                 nejando seu futuro empreende-         de quintais orgânicos está bas-
                                                                                                 dor, por meio de variadas inicia-     tante adiantado. “O foco agora é
                                                                                                 tivas que vão de projetos não         organizar a redação, preparar
                                                                                                 agrícolas, como sorveterias e lan-    minha defesa e colocar o quintal
                                                                                                 houses, à implementação de hor-       efetivamente em prática”, finaliza.

                                                                               Maria Auriele participou do PAA e, agora, está projetando quintal orgânico


18   Sustentabilidade do Campo
MEU RURAL




O negócio
 é aqui
S    ou Tatiane Faustino da Silva, uma jovem agri-
cultora, feminista e técnica em Agroecologia. Tenho
21 anos e moro com meus pais e irmãos na comuni-
dade ribeirinha de Umburanas, em Afogados da In-
gazeira, município localizado no Sertão do Pajeú
(PE). Nossa família é grande! Somos três irmãs (sou




                                                                                                                               Fotos: Claudio Gomes
a caçula das mulheres) e seis irmãos, e continuamos
crescendo. Atualmente, moram 14 pessoas na pro-
priedade, que tem como base a agricultura familiar.
    Grande parte da nossa alimentação vem da uni-
dade familiar, onde produzimos milho, variedades de
feijão, quiabo, banana, goiaba e laranja, entre outros               empreendedora depois que ingressei em 2008 no
itens. Criamos, também, ovinos, caprinos, bovinos e                  curso de Técnico em Agroecologia, com ênfase na
aves em pequenas quantidades.                                        agricultura familiar, do Serviço de Tecnologia Alter-
    Além de produzir para a subsistência, comercia-                  nativa (Serta). Atualmente, nossa propriedade está em
lizamos os produtos na feira livre do município há                   processo de conversão para a agricultura orgânica.
14 anos. Antes, vendíamos a atravessadores, que fi-                      Simultaneamente ao trabalho com minha família
cavam com a maior parte dos lucros. Agora, passa-                    na propriedade, desenvolvo atividades voluntárias no
mos a ser donos do nosso próprio negócio.                            grupo de mulheres Beija-flor, onde compartilhamos
    Comecei a enxergar a propriedade com olhar de                    nossas experiências em diversas áreas.



 Outros horizontes
  Outra experiência marcante na
  minha vida foi participar do III Inter-
  câmbio da Juventude Rural, no mu-
  nicípio de Boa Vista do Ramos (AM),
  em 2010. Eles têm um modo dife-
  rente de praticar agricultura, pois
  plantam de um jeito bem natural,
  com grande diversidade.
      A produção é totalmente orgâ-
  nica e, geralmente, também criam          liar Rural do município, ligada à As-       Essas experiências me transfor-
  animais, como galinhas e porcos.          sociação Regional das Casas Familia-    maram em uma sonhadora que
  Vivem da agricultura familiar e as        res Rurais do Amazonas (Arcafar/        nunca vai deixar o campo. Planejo
  mulheres representam uma grande           AM), vem ajudando a transformar a       alcançar as quatro seguranças
  força nas atividades agrícolas e do-      realidade local, entendi uma frase do   (água, energia, nutrientes e alimen-
  mésticas. Eu trouxe dessa vivência al-    educador André Mello: “Buscamos         tos) e espero que a minha família
  guns princípios importantes para          fazer pedagogia e não apenas alter-     possa abandonar totalmente a agri-
  minha vida como, por exemplo, que         nância”. Voltei para casa com a cer-    cultura dos agrotóxicos. Desejo
  o limite da terra muitas vezes signi-     teza de que a Amazônia é a alma do      também, futuramente, cursar facul-
  fica o respeito ao vizinho e não às       planeta. Somos abençoados por tê-       dade e contribuir para uma educa-
  cercas. E, ao ver como a Casa Fami-       la em nosso país.                       ção no campo e para o campo.


                                                                                                        Instituto Souza Cruz                          19
Campo de preservação




                “Vou transformar
                a nossa propriedade
                em uma referência
                de sustentabilidade.”
                Através do projeto desenvolvido
                no Programa Empreendedorismo
                do Jovem Rural, Luís Roberto Iaceki
                implantou manejos ecológicos
                na propriedade da família, em
                Prudentópolis (PR), contribuindo para
                a preservação dos recursos naturais.
                                        Arquivo Instituto Souza Cruz

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Sustentabilidade no camp omed md8j3qdv

  • 1. Ano I – Número 01 – Abril de 2011 O NOVO RURAL ENTREVISTA Reni Denardi, do Ministério do Desenvolvimento Agrário: “O meio rural brasileiro não é mais sinônimo de atraso.”
  • 2. Nesta edição Capa 4 O campo tem um novo modelo de produção familiar 10 Debate 8 “O que há de diferente no Novo Rural?”: Luciano Philippi e Jaime Ferré Martí Entrevista 10 Reni Denardi, delegado federal do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) no Paraná Boas Práticas 14 Rurbano: projeto retrata o Novo Rural brasileiro Coopaecia: experiência de sucesso na Serra Gaúcha Jovens em Ação 16 As histórias de Angélica e Jeferson, que pensavam em abandonar o campo e hoje investem na área rural 16 Instituto em Foco 18 Espírito Santo será a sede da IV Jornada Nacional do Jovem Rural Na Bahia, 30 jovens já planejam futuro no campo Meu Rural 19 A pernambucana Tatiane Faustino, 21 anos, comanda conversão da propriedade familiar para a agricultura orgânica SUSTENTABILIDADE DO CAMPO Coordenação: Luiz André Soares Publicação trimestral do Instituto Souza Cruz Jornalistas responsáveis: Abril/2011 - Tiragem: 2 mil exemplares Andrea Guedes (Mtb.28246 RJ) e Guilherme Mattoso (Mtb.26674) Rua da Candelária, 66 / 4º andar – Centro Projeto gráfico e produção editorial: CEP 20091-900 - Rio de Janeiro (RJ) Via Corporativa Comunicação (www.viacorporativa.com.br) Tel.: (21) 3849-9619 – Fax: (21) 3849-9778 Os conceitos emitidos nos artigos e matérias assinadas institutosouzacruz@institutosouzacruz.org.br são deresponsabilidade dos autores, não refletindo, www.institutosouzacruz.org.br necessariamente, a opinião do Instituto Souza Cruz
  • 3. Um novo olhar O foco que tem direcionado as iniciativas do Instituto Souza Cruz agora confere nome e pauta a nossa nova publicação trimestral. Com o compromisso de promover a leitura crítica sobre o meio rural brasileiro, Sustentabilidade do Campo se caracteriza por uma abor- dagem pluralista: através de reportagens, entrevistas e debates, co- nheceremos ao longo de suas edições diferentes argumentos em torno do tema principal. Assim, nosso leitor terá liberdade e ele- mentos suficientes para construir sua própria interpretação. Em seu primeiro número, a revista procura motivar a com- preensão acerca das dinâmicas de mudança que culminaram no cha- mado “Novo Rural”: a agricultura, em integração crescente com as economias urbanas (agroindustrialização), já não é mais o único indicador que delimita o campo. Cada vez mais os agricultores fa- miliares são pluriativos, ou seja, conjugam a atividade agrícola com outras formas de trabalho. Mais além, a complementaridade eco- nômica entre o rural e o urbano atingiu também a dimensão geo- gráfica: os espaços se encontram entrelaçados, tornando difícil o exercício de definição precisa de onde um começa e o outro ter- mina. Esse cenário, descrito com precisão por pesquisadores, traz como exigência um novo olhar das instâncias do poder público, com o desenho de políticas contextualizadas, como bem afirma em entrevista Reni Denardi, delegado federal do Ministério do Desen- volvimento Agrário (MDA). Sustentabilidade do Campo discute as principais ideias que desenham essa nova e promissora realidade, ao mesmo tempo em que mostra as pessoas que, na prática, desenvolvem seus projetos de vida no meio rural, com destaque para os jovens talentos de diver- sas regiões do País. De fato, a juventude rural vem produzindo de forma inovadora e articulando novos arranjos institucionais, com uma visão moderna do campo. É, sem dúvida, o segmento priori- tário para as políticas que visam a permanência qualificada das pes- soas no meio rural e, consequentemente, o fortalecimento da agricultura familiar brasileira. Boa reflexão! Luiz André Soares Gerente do Instituto Souza Cruz
  • 4. Revolução silenciosa André com o irmão caçula, Igor, 9 anos, e os pais, Leonardo e Cledi: renda familiar complementada com atividades não agrícolas O modelo de produção familiar no campo mudou nas últimas décadas, com a multiplicação de Leonardo Luiz Hackenhaar, 56 anos, e Cledi Te- rezinha, 47, são proprietários de uma área de 7,2 hectares em Linha Santa Emília, no município gaúcho de Venâncio Aires, onde nasceram. O casal criou cinco filhos e por décadas se manteve A família Hackenhaar retrata uma nova reali- dade do campo, caracterizada principalmente pelo com a renda da produção agrícola, que envolve processo de dinamização econômica do meio frutas, verduras, milho, aipim, além de ovos. rural. O chamado “Novo Rural” brasileiro, que Hoje, no entanto, essa realidade mudou. tem produzido inúmeros estudos acadêmicos, en- Como Leonardo está com problemas de saúde, globa outra forma de divisão do trabalho dentro Cledi e os dois filhos mais velhos, André, 27, e do núcleo familiar. Diferentemente de outras épo- Maicom, 25, assumiram o comando da proprie- cas, nem todos os membros de uma família abra- dade, mas a vida no campo não é mais a mesma. çam em tempo integral as atividades agrícolas de “O que se planta aqui em casa não estava mais suas unidades. O modelo anterior deu lugar a dando para o sustento de toda a família. Eu e meu outro, mais sintonizado com as exigências atuais. irmão tivemos que procurar outras alternativas No novo padrão, as chamadas famílias pluria- para complementar a renda”, conta André, que tivas distribuem seus integrantes para novas ati- vidades econômicas, não agrícolas, dentro ou divide seu tempo entre o trabalho de agricultor e fora de seus estabelecimentos. Segundo avaliação o de pedreiro e operador de máquina. Já Maicom de alguns estudiosos do tema, é uma tendência é funcionário de um frigorífico na cidade e ajuda irreversível no Brasil, que começou a partir da na produção agrícola nos finais de semana. década de 1980 e repete o percurso já trilhado “Era um tempo bom aquele”, diz Leonardo. por países desenvolvidos. “Há cerca de 10 anos, ganhávamos dinheiro su- Pode-se dizer que André e Maicon continuam ficiente com o que produzíamos aqui. Agora, agricultores, mas em tempo parcial. Definitiva- está tudo muito diferente. Trabalhamos muito mente, o meio rural respira outros ares e não mais e ganhamos cada vez menos”, compara. mais se limita à condição de pólo das atividades agropecuárias e agroindustriais. Passou a incor- 4 Sustentabilidade do Campo
  • 5. atividades não agrícolas e a complementaridade entre o urbano e o rural André tem dupla jornada porar novas funções, ligadas ao comércio, lazer, em busca de ganho extra: habitação e ecoturismo. divide o tempo entre a Tudo isso é resultado das mudanças recentes na agricultura e a construção civil agricultura familiar e de contiguidade crescente dos mundos urbano e rural. Se antes o setor produtivo era autárquico, com seu próprio mercado de tra- balho e equilíbrio interno, agora se integrou ao res- tante da economia, não podendo ser dissociado dos setores que lhe fornecem insumos e/ou com- pram seus produtos, conforme afirma José Gra- ziano da Silva, representante Regional da FAO para a América Latina e o Caribe, em “O Novo Rural Brasileiro”, minucioso estudo sobre o tema. Lauro Mattei, professor de Economia da Uni- versidade Federal de Santa Catarina, que partici- pou ativamente dos estudos sobre a nova dinâmica do trabalho rural, explica que a reviravolta come- çou com a implementação de novas tecnologias no campo. O fenômeno poupou mão de obra local e liberou gente do campo para buscar outras formas de subsistência, redefinindo o modelo tradicional Fotos: Jô Nunes do trabalho na agricultura familiar, que vivia só das atividades agropecuárias. “A renda média de um estabelecimento agro- Instituto Souza Cruz 5
  • 6. Paisagem comum no Vale do Itajaí, em Santa Catarina: pecuário sem pluriatividade é inferior comparada a indústrias instaladas em áreas rurais dos núcleos familiares que combinam atividades agrícolas e não agrícolas”, assinala Mattei. “Como o Brasil tem cinco milhões de estabelecimentos agropecuários, dos quais 4,2 milhões são de agri- cultores familiares, basta imaginar a dimensão des- sas transformações”, acrescenta. Em Santa Catarina, por exemplo, as indústrias têxteis instaladas no Vale do Itajaí, próximas às zonas rurais, absorvem centenas de trabalhadores do campo. Talvez não seja uma grande novidade, se levada em consideração a história da migração Nova realidade Como as atividades agrícolas não geram mais tantos clássica no Brasil, hoje em franco declínio. Durante empregos e renda como antigamente, quem ganha décadas, foi intenso o fluxo de trabalhadores nor- são os setores de prestação de serviços, o comércio e destinos para metrópoles como São Paulo e Rio a indústria, que absorvem os novos contingentes de de Janeiro, atrás de atividades temporárias na cons- trabalhadores rurais. trução civil. Da mesma forma que das lavouras mi- Em linhas gerais, aquilo que pesquisadores com neiras uma leva de agricultores migrava aos razoável consenso chamam de “Novo Rural“ brasi- grandes centros à procura de ocupações urbanas leiro foi facilitado por alguns fatores. Cada vez mais indústrias desembarcam na zona rural, de olho na mi- com prazo de validade. nimização de custos (proximidade da matéria-prima, “À luz da sociologia, o movimento pendular do mão de obra mais barata, menos impostos). Condo- trabalho agrícola e não agrícola é assunto batido”, mínios de luxo são erguidos nessas áreas e atraem as constata Mattei. “No entanto, num ambiente ra- classes médias urbanas. Famílias menos abastadas em refeito de estudos específicos, conseguimos identi- busca de moradias mais em conta engrossam o cin- ficar que o meio rural brasileiro, guardadas as suas turão no entorno. devidas especificidades, passou a ser caracterizado Trata-se de uma equação que intensificou a de- pela dupla fonte de renda e ocupações dos traba- manda por serviços públicos e domésticos, comércios lhadores rurais”, finaliza. de mercadorias e alimentos, construção civil, trans- Não é bem assim Os estudos pilotados por Graziano, estar integrada ao processo de mo- Aquisição de Alimentos (PAA) e a Po- Del Grossi e outros acadêmicos da dernização técnica“, explica. lítica Nacional de Alimentação Escolar Universidade de Campinas (Unicamp) A maioria esmagadora da popu- (Pnae) como iniciativas governamen- são relativizados por Brancolina Fer- lação rural ainda mantém, segundo tais importantes para manter e po- reira, coordenadora de Desenvolvi- ela, vínculo estreito com a terra como tencializar a produção de alimentos mento Rural do Ipea. Ela considera meio de sobrevivência. A pluriativi- baseada na pequena propriedade fa- que as características estruturais do- dade, nesse sentido, seria a expressão miliar. As duas últimas ações, espe- minantes dos tempos coloniais ainda da ausência de acesso à terra em cialmente, estariam funcionando persistem na realidade rural de hoje. qualidade e quantidade suficientes como indutoras de geração de renda “Acho que o conceito carece de para garantir a reprodução do mo- aos pequenos agricultores e assenta- especificação e seu sentido é contro- delo de cultivo familiar. “Se existe um dos. “O PAA beneficiou em 2009 verso”, provoca. “Dados da Pesquisa novo rural, ele é apenas um projeto à cerca de 98 mil pequenos produto- Nacional por Amostra de Domicílio espera de realização, que depende de res, que forneceram alimentos para (Pnad/IBGE) e do Censo Agropecuá- uma ampla reforma agrária para tor- pouco mais de oito milhões de pes- rio apontam a persistência de um nar concreta a transformação das soas em situação de vulnerabilidade velho rural que ainda assegura baixos condições locais”, avalia. alimentar“, conta. níveis de desenvolvimento socioeco- Brancolina cita o Programa Na- Economista e professor da Univer- nômico e a concentração de renda cional de Fortalecimento da Agricul- sidade Federal Fluminense (UFF), Car- no campo, apesar de a agricultura tura Familiar (Pronaf), o Programa de los Guanziroli também questiona o 6 Sustentabilidade do Campo
  • 7. Fotos: Marcelo Martins porte e lazer. Por conta desse processo de diluição das convencionou denominar de “pluriatividade”, con- diferenças, aquele conflito histórico entre o urbano, junto de atividades agrícolas e não agrícolas, dentro como símbolo do novo e da ascensão, e o rural, re- ou fora de seu estabelecimento. presentante do velho e do declínio, parece ter virado Os novos atores, agricultores em tempo parcial, peça de museu. Ao contrário até, o que se observa é não são mais os proletários que tanto incomodavam uma valorização do espaço rural, por meio do apelo os autores marxistas, para quem o acúmulo de tra- ecológico, a cultura country, lazer (pesque e pague, balho fora do núcleo original significava desagrega- por exemplo), turismo e habitação. ção familiar e empobrecimento. Como aponta Graziano e Del Grossi reconhecem que muitas Graziano no estudo, eles trabalham no comércio, ar- dessas atividades não agrícolas sempre existiram, rumam emprego nas indústrias tradicionais e atuam mas aconteciam no “fundo do quintal”, como se fos- no terceiro setor. sem hobbies sem relevância econômica. Com a che- O mais interessante é que, na prática, o Novo Rural gada das novas tecnologias, que alterou a brasileiro tornou-se via de mão dupla. Assim como pro- organização do processo de trabalho, reduziu a fissionais liberais urbanos espreitam novas oportunida- oferta de empregos e levou as famílias a procurarem des de negócios nas atividades agropecuárias, trabalha- outras formas de sobrevivência, tais práticas ganha- dores rurais buscam formas de prestação de serviços ti- ram importância na composição do rendimento fa- picamente urbanas, atuando como secretárias, motoris- miliar. Serviram, inclusive, para disseminar o que se tas de ônibus e contadores, entre outras funções. Segundo Brancolina, o conceito carece de especificação e seu sentido é controverso Sidney Murrieta/divulgação Ipea tência de atributos específicos do mesma forma que a renda, o que local, que não se repetem nem se ge- não é verdade”, assinala. neralizam no mundo rural. Em alguns Guanziroli destaca ainda que boa casos, até geram um complemento parte do que se chama de renda não de renda importante, porém, margi- agrícola são empregos fora do esta- nal no conjunto. belecimento, como ocupações do- “Por se tratarem de atividades mésticas, que não representam al- de demanda elástica, não garantem gum dinamismo para a zona rural. preços satisfatórios. Exatamente ao “Não dá para ignorar que a fatia mais conceito de Novo Rural defendido por contrário das funções agrícolas, ine- expressiva da renda tem origem nas alguns de seus colegas. “As atividades lásticas em demanda – as pessoas atividades agrícolas ou agroindus- rurais não agrícolas não têm nada de não podem deixar de comer –, mas triais”, diz. Nesse sentido, para ele, a novo no Brasil. Elas sempre existiram, com preços ascendentes, como melhor estratégia para potencializar desde os tempos da colônia, e sempre vemos agora”, explica. Ele lembra o campo seria dar apoio à agricultura foram marginais na geração de renda que a Pnad não só não capta satis- familiar, à agregação de valor e à in- no mundo rural”, afirma. fatoriamente a renda agrícola, tegração nas cadeias produtivas do Ocupações como artesanato, tu- como a subestima (é declaratória). agronegócio, aliado a investimentos rismo rural e pesque e pague são “Estes estudos baseados na Pnad sociais em educação, saúde e infra- muito ligadas, na visão dele, à exis- acreditam que o emprego evolui da estrutura (terras e hídrica). Instituto Souza Cruz 7
  • 8. O que há de diferente Novo Rural? no Duas visões acerca do tema, que vem motivando I nicialmente, o termo foi usado para repaginar a falida agricultura no interior do Brasil. As mudanças ocorridas foram tecnicistas. Como José Graziano da Silva e Mauro Eduardo Del Grossi colocam, as novas atividades passaram a integrar cadeias pro- para a pecuária dos países do Norte. dutivas. Ou seja, resultam da agregação de serviços Há acadêmicos que defendem a tese de que relativamente artesanais, porém de alta especiali- não houve a tal revolução no campo, argumen- zação e conteúdo tecnológico, associados a pro- tando que o perfil estrutural dos tempos coloniais dutos animais e vegetais não tradicionalmente ainda sobrevive na realidade rural de hoje. Eles se destinados à alimentação e vestuário. No Nordeste, referem, talvez, à “Revolução Verde” que, de fato, a produção de castanha-de-caju, um serviço arte- não transformou as relações no meio rural. Ao sanal, virou um produto de exportação. Antes, tais contrário, até aumentou a desigualdade social. Isso funções não tinham o devido valor. porque concentrou as terras, expulsou as famílias e Foi um processo bastante acelerado. Com a fez com que muitos trabalhadores rurais traba- abertura política, a partir dos anos 1980, empre- lhassem em condições desfavoráveis, em regime de sas internacionais se instalaram no Brasil e outras escravidão, o que persiste até hoje em diversas ati- surgiram aqui com o intuito de modernizar a pro- vidades, como a de produção de cana-de-açúcar. dução agrícola. O cultivo de grãos, como soja e O “Novo Rural” brasileiro chamou a atenção milho, foi incentivado para gerar divisas destinadas para a existência do modelo da pluriatividade, uma a pagar as dívidas acumuladas durante o regime forma de diversificar as fontes de renda e garantir militar. Hoje, o meio rural está esvaziado. Cin- uma maior sustentabilidade das famílias no quenta e seis por cento da nossa área agrícola pro- campo, sem que estas dependam mais de uma duz soja. E o Brasil, sabemos, exporta os grãos única fonte de subsistência. A diversificação, por JAIME sinal, também é proposta pela agroecologia. FERRÉ MARTÍ Atualmente, a remuneração no campo está vin- culada aos programas assistenciais ou à aposenta- 40 anos, é engenheiro doria. O Governo Lula criou o Ministério de agrônomo e consultor externo Desenvolvimento Agrário para atender a classe da da Associação Científica de agricultura familiar que, ao avançar bastante, asse- Estudos Agrários (Aceg). Foi coordenador técnico gurou o abastecimento da população brasileira geral do projeto Agricultura com alimentos básicos, não garantidos pelo agro- Familiar, Agroecologia negócio. É necessário se criar mecanismos para evi- e Mercado, da Fundação tar que grandes áreas sejam exploradas para Konrad Adenauer, e escreveu os livros Agricultura Familiar, atender o mercado globalizado, o que prejudicaria Arquivo pessoal Agroecologia e Mercado a população brasileira. Realizar uma reforma agrá- e Política Pública ria efetiva e reestruturar o campo e a cidade são para o Semiárido. formas de garantir a autossuficiência. 8 Sustentabilidade do Campo
  • 9. LUCIANO PHILIPPI 41 anos, é engenheiro agrônomo e educador do Centro de Desenvolvimento do Jovem Rural (Cedejor). Coordenou o Fórum Municipal de Desenvolvimento Local em Passos Maia (SC), entre 1995 e 2000, e foi coordenador de um grupo de trabalho sobre o Meio Ambiente em Chapecó (SC), Arquivo pessoal durante o biênio 2003/2004, que fazia parte das discussões em torno do novo Plano Diretor da cidade. calorosos debates entre estudiosos C om as novas atividades rurais não agrícolas e a prática da pluriatividade pelas famílias que resi- eram pluriativas. A sondagem foi realizada pelo Centro de Desenvolvimento do Jovem Rural das dem no campo, a realidade rural brasileira mu- Encostas da Serra Geral (Cedejor/ESG-SC), uma dou. No chamado “Novo Rural” brasileiro, a organização não governamental instalada no sul do produção agrícola representa apenas uma parte Brasil que, em parceria com o Instituto Souza do trabalho e da renda das famílias rurais. É neste Cruz, implanta o PEJR nessa região. O programa contexto de transformações que nasce o fenô- mescla demandas das juventudes rurais e temas li- meno da pluriatividade, caracterizado pela com- gados ao conceito do “Novo Rural” brasileiro para binação de múltiplas ocupações, agrícolas e não fomentar e sustentar o desenvolvimento rural no agrícolas, assumidas pelos membros de uma ambiente agrário. mesma unidade familiar. Diversos estudos confirmam a importância da Uma série de fatores contribui para o surgi- pluriatividade e da multifuncionalidade, que en- mento de novas funções no espaço rural e a busca cara a agricultura como um estilo de desenvolvi- de outras fontes de rendas. Entre eles, a moder- mento e não mero setor da economia. Em nização da agricultura e dos sistemas agrários conjunto, elevam a renda das unidades familia- convencionais, a mudança de perfil no mercado res, minimizando sua sazonalidade, inibem o de trabalho, a baixa remuneração agrícola, a in- êxodo rural, diversificam a produção e a econo- teriorização das indústrias e o reconhecimento da mia locais, geram trabalho e fortalecem a agri- sociedade para a importância da agricultura fa- cultura familiar. A multifuncionalidade agrícola, miliar. Não é mais verdade que quem mora no por exemplo, tem sido associada à segurança ali- meio rural está ocupado somente com atividades mentar, que contempla desde a qualidade e ori- agropecuárias. A pluriatividade, agora, é uma rea- gem dos produtos à proteção do meio ambiente. lidade irreversível. Os jovens do campo já perceberam que a va- Há um conjunto de ocupações profissionais li- lorização da agricultura familiar pode ser estraté- gadas ao lazer, à prestação de serviços, ao benefi- gica para o desenvolvimento dos territórios ciamento de produtos, ao comércio e à organização rurais. Aproximadamente 100% dos alunos que dos agricultores familiares. São atividades que divi- passaram pelo processo de formação do PEJR de- dem espaço com as tradicionais práticas rurais, cidiram permanecer no local de origem. Cerca de como plantar e colher, criar e vender animais. Em 70% da turma elaborou e executou na prática pesquisa feita com jovens do Programa Empreen- seus projetos de vida em áreas agrícolas, não agrí- dedorismo do Jovem Rural (PEJR), constatou-se colas e pára-agrícolas. Sinal de que os novos tem- que 60% das unidades familiares dos pesquisados pos são bem-vindos. Instituto Souza Cruz 9
  • 10. RENI DENARDI Delegado federal do Ministério do Desenvolvimento Agrário no Paraná Daniel Caron O cenário rural brasileiro do século XXI não é mais sinônimo de atraso e de lá emergiu um novo O que Uma das principais diferenças, nesta primeira década do século XXI, é a personagem, o agricultor familiar. Quem afirma é existe de emergência do chamado agricultor Reni Denardi, delegado federal do Ministério do novidade no familiar, um ator que saiu da condi- cenário rural Desenvolvimento Agrário (MDA) no Paraná, em ção de invisibilidade. Na verdade, brasileiro? entrevista exclusiva à Revista Sustentabilidade do aquilo que denominamos de agri- Campo. “Mesmo com desigualdades sociais e re- cultura familiar é um conjunto for- gionais, o meio rural virou um espaço de múltiplas mado por populações rurais bastante finalidades”, destaca. diversificadas. Nesse universo in- cluem-se, entre outros segmentos, Nos últimos anos, censos e pesquisas produzidos mais de 900 mil famílias de assenta- por respeitados institutos já observaram o fenômeno dos (aproximadamente três milhões que transformou o campo. Os dados levantados têm de pessoas), bem como comunida- confirmado a importância social e econômica da agri- des tradicionais de quilombolas, in- cultura familiar. “Em função disso, o Governo Fede- dígenas, extrativistas, pescadores, ral está implementando uma série de políticas voltadas ribeirinhos e varzeteiros. A agricul- para o campo, como universalizar o acesso das po- tura familiar brasileira é formada hoje por mais de 4,3 milhões de es- pulações rurais aos direitos básicos da cidadania em tabelecimentos. As políticas públicas suas diversas áreas”, conta. Nesta entrevista, Denardi começaram a valorizar essa diversi- aborda o “Novo Rural” brasileiro, sua repercussão dade. E já estão em curso ações afir- socioeconômica e a participação do Governo Fede- mativas específicas para atender esses ral nesse contexto de transformações. públicos distintos. 10 Sustentabilidade do Campo
  • 11. Foi outra mudança, consequência Estão sendo construídos novos ar- Aquela desse processo. Essa regra geral co- Quais são ranjos institucionais, muitos deles ideia de meça a mudar, embora ainda existam os novos derivados de uma abordagem ou que o rural significativas desigualdades sociais e arranjos enfoque territorial do desenvolvi- é sinônimo regionais. De fato, verifica-se que em institucionais mento. Fóruns, conselhos e cole- de atraso muitas microrregiões rurais as condi- e as novas giados territoriais nasceram como deixou de ções de vida melhoraram. Há mais metodologias espaços de discussão, onde partici- existir? cidadania e novas oportunidades. A que pam os governos e também a so- agricultura e o campo brasileiro pas- possibilitam o ciedade civil. Isso favorece a análise sam a ser, cada vez mais, um espaço fortalecimento das potencialidades locais e a valo- de múltiplas finalidades. Há segu- da rização dos recursos latentes. rança alimentar (produção de ali- pluriatividade Assim, o processo de planejamento mentos), mudança da matriz no campo? torna-se mais democrático, de cima energética (produção de energia da para baixo e de baixo para cima, e biomassa) e atividades não agrícolas confere mais qualidade para as po- (como produção de água e serviços líticas públicas. Com sentido seme- ambientais). Essas três agendas con- lhante, estão sendo criados con- temporâneas estão associadas à agri- sórcios públicos de municípios para cultura familiar e ao conceito do enfrentar problemas comuns na desenvolvimento rural que quere- área ambiental (destinação do lixo e mos. A síntese disso é a ideia, a ima- preservação de mananciais) e de in- gem de um Brasil rural formado por fraestrutura (como conservação de gente feliz. estradas), além de agências regio- nais de desenvolvimento. Temos de superar a separação entre o Mudou rural e o urbano como aparece nas Há um grande esforço governa- então estatísticas do IBGE. O ideal é tra- Como o mental para universalizar o acesso o conceito balhar com a noção de um rural am- Governo das populações rurais aos direitos de rural? pliado. Com base em critérios Federal está básicos da cidadania, nas áreas de adotados em países europeus, José se integrando habitação, saúde e saneamento, Eli da Veiga (economista e professor a essa nova educação, segurança alimentar, tra- da USP) considera espaço rural o realidade? balho e previdência social. O go- conjunto de todos os municípios verno vem diversificando também com menos de 50 mil habitantes e os instrumentos de políticas, com densidade populacional de até 80 ha- foco em públicos, temas e objetivos bitantes por quilômetro quadrado. específicos. O MDA e outros mi- nistérios e órgãos federais, por exemplo, têm lançado editais e cha- madas públicas de vários projetos. São programas voltados para mu- lheres, jovens, populações tradicio- A renda média da agricultura familiar brasileira nais, agroindústria, biocombustíveis, artesanato e turismo rural, além de cresceu mais de 30%, quase três vezes mais que a renda produtos da sociobiodiversidade, média do conjunto da população do País” cooperativismo e comercialização. Instituto Souza Cruz 11
  • 12. RENI DENARDI Exatamente. Outro exemplo é o Instituto Nacional de Colonização e É uma apoio que o Governo Federal vem Reforma Agrária (Incra) divulgou os política que dando a iniciativas de educação no resultados preliminares da Pesquisa procura campo baseadas na Pedagogia da sobre a Qualidade de Vida, Produção englobar Alternância, que promovem a cida- e Renda nos Assentamentos do Bra- todas as dania e o empreendedorismo em di- sil. Essa inédita pesquisa abrangeu vertentes? versas áreas. Ou seja, além da todas as 804.867 famílias assentadas produção agrícola, o governo está entre 1985 e 2008, por meio de valorizando outros aspectos que in- 16.153 entrevistas em 1.164 assen- teressam e são demandados por or- tamentos de todo o País. Um marco ganizações e movimentos sociais do inicial importante na caracterização campo. É importante destacar que das mudanças no rural brasileiro nas essa sintonia entre governo e socie- últimas décadas foi o projeto temá- dade só ocorre porque há bastante tico denominado Projeto Rurbano: diálogo. Os canais de negociação Caracterização do Novo Rural Bra- estão funcionando, o que é muito sileiro, 1981/99, que envolveu du- bom para a democracia. rante anos dezenas de pesquisadores de diversas universidades. Sim. Apesar dos reparos feitos sobre Dados do o recorte entre urbano e rural ado- Primeiramente, um número cres- IBGE ou da Como as cente de ministérios e governos esta- tado pelo IBGE, essas mudanças já Pnad já políticas duais adotou a abordagem territorial aparecem nas pesquisas e censos rea- contemplam o públicas de do desenvolvimento. Essa forma de lizados pelo instituto, casos do Pro- “Novo Rural” enfoque planejamento, que valoriza as inicia- grama Nacional de Alimentação brasileiro? territorial tivas e dinâmicas territoriais e abre Escolar (Pnae), Censo Demográfico atuam no espaço para os atores locais, permite e Censo Agropecuário. A nova reali- cenário desse maior aproximação das políticas pú- dade rural também desponta em pes- “Novo Rural” blicas com as distintas realidades que quisas e análises realizadas pelo Ipea, brasileiro? dão forma à diversidade do campo por universidades e outros órgãos públicos e privados. O Núcleo de Es- brasileiro. Criada em 2003 pelo tudos Agrários e Desenvolvimento MDA, a Secretaria de Desenvolvi- Rural (Nead), do MDA, tem patro- mento Territorial foi precursora de cinado diversos estudos que mostram importantes políticas públicas, esse processo de mudanças em curso como o Programa de Desenvolvi- no meio rural brasileiro. mento Sustentável dos Territórios Rurais (Pronat), que alcançou Por exemplo, a grande importância 2.500 municípios de 164 territó- O que as social e econômica da agricultura fa- rios, no ano passado. Inspirado na pesquisas já miliar, que se tornou visível nas esta- experiência do Pronat, o Governo revelaram? tísticas derivadas do último Censo Federal ousou muito mais em 2008 Agropecuário. O IBGE, com a cola- ao criar o Programa Territórios da boração do MDA, passou a adotar Cidadania, que busca articular conceitos e critérios definidos pela quase 200 ações de duas dezenas de Lei 11.326/2006 (Lei da Agricul- ministérios, em 120 territórios. tura Familiar). No final de 2010, o O fato é que um grande número de jovens não veem no campo suficientes oportunidades para O enfrentamento desse problema passa por mais investimentos rurais em educação, inclusão 12 Sustentabilidade do Campo
  • 13. Denardi: incentivo a iniciativas de educação no campo baseadas na Pedagogia da Alternância Bem, nem tudo são flores e os avan- Que ços não ocorrem de forma homogê- avanços nea em todo o País. No entanto, concretos além de melhorias na articulação das foram políticas públicas federais e de alguns obtidos? Estados, há avanços no fortaleci- mento da gestão social. Já é possível observar a formação de algumas redes sociais de cooperação, bem Daniel Caron como avanços na dinamização eco- nômica em muitos territórios. Como resultado concreto, verifica-se uma significativa redução da pobreza: 5,5 milhões de moradores do campo su- peraram a pobreza nos últimos oito Estudos já realizados evidenciam que anos, o que corresponde a 20% da O êxodo a migração de jovens rurais é um população rural. Nesse período, a rural é um problema complexo e vincula-se, em renda média da agricultura familiar problema parte, à cultura da sucessão familiar. brasileira cresceu mais de 30%, quase grave... O fato é que um grande número de três vezes mais que a renda média do jovens não veem no campo suficien- conjunto da população do País. tes oportunidades para realizar seus projetos de vida. O enfrentamento Existem algumas limitações estrutu- desse problema passa por mais inves- São muitas as rais, como o controle da terra e a má timentos rurais em educação, inclu- dificuldades distribuição de outros ativos, caso da são digital, acesso a meios de e barreiras infraestrutura, financiamento e capa- produção e de vida. Um terceiro enfrentadas? citação técnica. Para romper esses bloco de dificuldades diz respeito às obstáculos é preciso investir em ações carências de empreendedorismo e de reforma agrária, regularização cooperativismo, a despeito de alguns fundiária, crédito fundiário, demar- avanços verificados nos últimos anos. cação de reservas indígenas e reco- Por fim, faltam quadros qualificados nhecimento de terras quilombolas. em grande parte dos pequenos mu- Outra dificuldade é a evasão da ju- nicípios, o que também está ligado a ventude e o consequente envelheci- sua baixa atratividade e à evasão de mento da população rural. Embora jovens talentos. não seja um fenômeno homogêneo em todo o País, os dados mostram Precisamos construir dinâmicas de que, em diversas microrregiões, há Como esses planejamento e preparar pessoas e or- um esvaziamento de jovens, o que gargalos ganizações para que tenham a capa- compromete o futuro da agricultura podem ser cidade de implantar ações adequadas familiar e o desenvolvimento rural superados? e fazê-las funcionar. Precisamos esti- sustentável. Em muitas comunidades mular a formação de alianças, articu- camponesas, é grande a quantidade lações e redes que sejam capazes de de estabelecimentos comandados por dar continuidade aos bons projetos, pessoas idosas e sem sucessor. mesmo quando ocorre a troca do prefeito e a mudança do governo. Enfim, acho que a palavra de ordem deve ser melhorar o planejamento e a realizar seus projetos de vida. gestão dos processos de desenvolvi- mento do imenso e diversificado digital, acesso a meios de produção e de vida” campo brasileiro. Instituto Souza Cruz 13
  • 14. Diagnóstico do campo Fotos: arquivo Coopaecia Pesquisadores da Unicamp se debruçaram sobre a realidade rural brasileira e constataram que o seu perfil mudou, tornando-se cada vez mais dinâmico e atrativo Um trabalho de fôlego, que continua até dando análises das ocupações e composi- Cultivo de uvas os dias atuais. Coordenado pelo Instituto ções das rendas. e maçãs orgânicas de Economia da Unicamp, o Projeto Criado e coordenado pelo professor gera subprodutos Rurbano radiografou a nova realidade José Graziano da Silva, o projeto ganhou como doces e sucos: nicho de mercado rural brasileira e constatou mudanças ex- prestígio no âmbito acadêmico e político- conquistado com pressivas. Uma delas, a de que o número institucional no Brasil. Foram mobilizados cuidados que de trabalhadores rurais e famílias dedica- mais de 40 pesquisadores universitários incluem a certificação das exclusivamente às atividades agríco- (25 com título de doutor) de 11 Estados las vem despencando em ritmo veloz, brasileiros e de 20 diferentes instituições. acompanhado por um crescimento no Como resultado, gerou cinco dissertações contingente daqueles que se ocupam de de mestrado e quatro teses de doutorado. funções não agrícolas. Outra se refere à Com a crescente urbanização do meio derrubada de um velho e incômodo rural, que trouxe expressões e conceitos mito: o mundo rural brasileiro não é mais inovadores como pluriatividade e “Novo sinônimo de atraso e o êxodo do campo Rural” brasileiro, é possível afirmar que deixou de ser irreversível. campo e cidade parecem cada vez mais O projeto teve início em 1996. A pri- ambientes iguais, especialmente no que meira fase versou sobre as ocupações dos se refere ao mercado de trabalho. Os es- residentes no meio rural. Na segunda, o tudos, ainda contínuos, apontam que foco foram as famílias rurais, a pluriativi- 30% das 14 milhões de pessoas que for- dade, a composição das rendas agrícolas e mam a população rural do País, não não agrícolas, transferências governa- vivem mais de atividades agrícolas. Nos mentais e previdência rural. Por último, últimos anos, elas ocupam funções para- entre 2001 e 2003, mergulhou-se na ca- lelas e típicas de centros urbanos, relacio- racterização das famílias rurais, aprofun- nadas a lazer, moradia e indústria. No cenário rurbano brasileiro, tanto os profissionais das metrópoles quanto os tra- balhadores do campo não podem se quei- xar. A fusão beneficiou ambos os lados. O morador da cidade fareja negócios no meio rural, como a instalação de empresa de prestação de serviço. Esta, por sua vez, ga- nhará vida por meio da mão de obra local. 30% da população rural brasileira ocupa funções típicas de centros urbanos, relacionadas ao lazer, moradia e indústria. 14 Sustentabilidade do Campo
  • 15. Alternativa ecológica Produtores rurais da serra gaúcha adotaram a cultura orgânica para melhorar a renda, frear o êxodo rural e eliminar o uso de agrotóxicos Nas cidades gaúchas de Ipê e Antônio Prado, a pro- cadora de produtos orgânicos Ecocert. A Coopaecia dução ecológica ou orgânica tem proporcionado qua- é um dos membros fundadores também da Rede lidade de vida, saúde, satisfação e harmonia com o meio Ecovida de Agroecologia, ação que reúne organiza- ambiente. Cada vez mais consolidada, a chamada ções de assessoria, consumidores e produtores dos agroecologia despontou na década de 1980 e acabou três Estados do Sul do País. O trabalho da coopera- revolucionando o cenário local. Tudo começou tiva anda repercutindo e tem servido de referência quando um grupo de agricultores decidiu dar um basta para inúmeros grupos de agricultores familiares e téc- na tendência de empobrecimento do produtor rural, nicos seduzidos pela agricultura ecológica. no êxodo do campo e na contaminação dos recursos Quem ganha são os consumidores. Os alimentos naturais por agrotóxicos. Uma das primeiras iniciativas cultivados ali são submetidos ao controle de pragas foi aposentar técnicas ancestrais de cultivo e trabalho e e doenças de forma natural, dispensando o uso de substituí-las por tecnologias modernas. O passo se- fertilizantes ou agrotóxicos. Esterco e outros mate- guinte foi a formação de cooperativas ecológicas que riais orgânicos são usados para alimentar a terra e a apostaram, com sucesso, no novo e diferenciado nicho convivência das plantas com os insetos é monitorada de mercado – a geração orgânica de itens naturais e de e controlada constantemente, para evitar infestações produtos processados e industrializados, como sucos e indesejadas. Paralelamente, a cooperativa desenvol- doces. Todos devidamente certificados. veu um trabalho eficiente de industrialização e co- Foi dentro desse contexto favorável que surgiu mercialização – os itens produzidos chegam ao em 1989 a Cooperativa Aecia, a partir das discussões consumidor final sem a ação de intermediários que estimuladas pela Pastoral da Juventude Rural da não pertencem à comunidade. “Nossa região é Igreja Católica de Antônio Prado e pelo Centro de muito próspera e as famílias de um modo geral têm Agricultura Ecológica de Ipê. “Entre 1960 e 1980, uma boa renda”, assinala Bellé. “A produção ecoló- a agricultura moderna propunha um aumento da gica garante não só estabilidade de preços e renda produtividade baseada no uso de fertilizantes quími- como induz à harmonia com a natureza”, conclui. cos e pesticidas, padronização de variedades, meca- nização e monoculturas”, conta Gilmar Bellé, Fotos: arquivo Coopaecia coordenador comercial da entidade. “Mas começa- mos a notar, a partir dos anos 1980, que a tal Revo- lução Verde gerava a degradação do solo, ameaçava contaminar as pessoas e os animais e que estávamos transferindo renda para os fornecedores de semen- tes e fertilizantes. Tínhamos que dar um freio nisso.” Hoje, a entidade distribui-se por quatro unida- des de produção industrial, devidamente registradas, e segue fielmente os padrões e normas da Secretaria da Saúde, do Ministério da Agricultura e da certifi- Bellé: os produtos chegam ao consumidor final sem ação de intermediários Instituto Souza Cruz 15
  • 16. JOVENS EM AÇÃO Fortes razões Jovens identificam oportunidades “ ntes, achava que o município A Foi assim que ele começou a de- para se manter de Reserva seria pequeno para mim. senhar seu projeto de empreendedo- Agora, não tenho dúvida de que o rismo, exigido para a conclusão do no campo meu futuro está aqui”. As palavras de programa. “Durante o PEJR fiz um Jeferson Martins de Almeida, 19 estudo e percebi que no município anos, refletem um novo olhar sobre havia mercado para a avicultura de a região em que reside no Paraná. postura”, explica. Com a ideia defi- Anos atrás, ao pensar no futuro, ele nida, o jovem iniciou a compra das considerava o campo limitado em aves e a construção do aviário para oportunidades. Hoje, essa percepção 300 animais. mudou: “Depois que ingressei no Atualmente, meses após ter con- Programa Empreendedorismo do cluído o programa, ele continua in- Jovem Rural (PEJR), percebi que vestindo no projeto, que está minha propriedade tinha potenciais incrementando a renda da família. inexplorados e poderia ser mais bem Com 120 aves, ele comercializa os aproveitada”, conta o jovem, que ovos diretamente em quatro estabe- mora com os avós em uma área agrí- lecimentos de Reserva. “Como a ati- cola de meio alqueire. vidade exige pouco tempo, ainda me Ao longo da formação no PEJR, permite trabalhar como diarista na do Instituto Souza Cruz, ele procu- produção de tomate”, completa. rou identificar uma oportunidade de Através da pluriatividade, uma negócio que contemplasse a sua rea- das características do Novo Rural lidade. “Como moro numa comuni- brasileiro, ele fortaleceu ainda mais dade em que a maioria da população suas raízes no campo: “Eu tinha von- sobrevive do tomate, e meu terreno tade de sair daqui, como todo Almeida desenvolveu no agricultável é pequeno, pensei em mundo que entrou no programa. PEJR projeto de avicultura desenvolver uma atividade que aten- Minha intenção era ir para a cidade, de postura que pôs em prática, desse à demanda local e que necessi- apesar de saber que não seria tão com sucesso, na propriedade tasse de pouco espaço para ser bom, mas eu não tinha oportuni- em que vive com os avós implantada”, relata. dade, não tinha opção. Hoje, sei que o campo é meu futuro”, reitera. Fotos: arquivo Instituto Souza Cruz Um fututo, ao que tudo indica, promissor. Almeida planeja cursar fa- culdade de Administração e aumen- tar a produção, chegando às 300 aves, conforme havia programado. O PEJR foi implantado no território Cami- nhos do Tibagi (PR), do qual o município de Reserva faz parte, através de uma parceria entre o Instituto Souza Cruz, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Paraná (Seab), Instituto Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater-PR), Fun- dação Terra e as prefeituras locais. 16 Sustentabilidade do Campo
  • 17. Angélica: experiência no PEJR está mudando a história da família, que passou novamente a acreditar no potencial da propriedade novembro do ano passado, a jovem já havia colocado em prática o pro- jeto que começou a amadurecer no início do programa: Hortaliças Or- gânicas e Panificados. “Optei pelo cultivo de alimentos sem agrotóxi- cos pensando na saúde da minha fa- mília e pelo fato de o nosso solo ser de excelente qualidade para a ativi- dade. Incluí também os panificados porque na região há bastante pro- cura, ainda que as ofertas sejam es- cassas. Claro, somos descendentes de italianos e adoramos pães”, explica. Um passo importante para o de- senvolvimento do projeto foi a sua participação no Programa de Aqui- sição de Alimentos (PAA), do Mi- nistério do Desenvolvimento Agrá- rio. Atualmente, Angélica fornece Q uando decidiu entrar no PEJR, do Instituto Souza Cruz, Angélica para o PAA todo o aipim que pro- duz e comercializa as hortaliças (al- face, tomate e beterraba) para os Cavagnóli Geremias alimentava mui- restaurantes da região. A produção tas dúvidas em relação ao seu futuro de panificados, em fase de captação Fotos: Geovânio Wens profissional. As incertezas, embora de recursos, exige uma estrutura naturais para uma jovem de 17 anos maior, mas a jovem empreendedora cheia de inquietações e sonhos, ti- já está articulando parcerias com as- nham uma razão especial: a falta de sociações de agricultores para a im- oportunidades em sua região. plementação da agroindústria. Angélica mora no município de “Através do PAA consegui co- Pedras Grandes, no território catari- mercializar o aipim, gerando renda nense das Encostas da Serra Geral. zontes sem precisar abrir mão dos extra para seguir adiante e viabilizar Como muitos dos seus amigos, iden- seus sonhos. “Até então eu me via a agroindústria. Nesse ponto, a ex- tificava apenas um caminho possível sem alternativa, porém, a última coisa periência adquirida no PEJR está para o sucesso profissional: deixar o que queria era deixar minha casa e o sendo fundamental porque consegui meio rural em busca de estudo e em- trabalho no campo. Entrar no pro- envolver toda a família. Temos uma prego na cidade. grama me proporcionou a possibili- outra visão de trabalho, com foco na Hoje, um ano após ter ingressado dade de permanecer, de forma digna, gestão, organização e qualidade de no PEJR, implementado naquele ter- transformando a propriedade em vida. Meus pais, que antes não acre- ritório em parceria com o Centro de uma fonte de renda sustentável, com ditavam no potencial da proprie- Desenvolvimento do Jovem Rural qualidade de vida”, comemora. dade, hoje sonham e executam o (Cedejor), ela vislumbra novos hori- Antes de concluir a formação, em projeto comigo”, emociona-se. Instituto Souza Cruz 17
  • 18. Preparação para a IV Jornada A IV Jornada Nacional do Jovem Rural já tem local e data definidos. O grande encontro da juventude brasileira do campo será em Do- mingos Martins (ES), entre os dias 23 e 26 de agosto próximo. Em reunião realizada no final de fevereiro passado, membros da Rede Jovem Rural estiveram na co- munidade de Pedra Azul, naquele Para Wanzete Krüger, município, e firmaram uma parce- prefeito de Domingos Martins, ria com a prefeitura local para a será uma rica experiência para os realização do evento. participantes da Rede Jovem Rural “Para nós, será um prazer aco- lher tantos jovens de diferentes re- Apoena Medeiros giões do Brasil. A cidade irá re- ceber a Jornada de braços abertos e feliz e a Rede Jovem Rural já tem nosso apoio”, declarou o prefeito Wanzete Krüger. esses jovens descubram um novo ção anfitriã da Jornada. “A região das montanhas capi- campo, próspero, criativo e inova- Promovido pela Rede Jovem xabas irá proporcionar aos partici- dor”, complementou padre Fir- Rural, e capitaneado pelo Instituto pantes uma rica experiência em mino Costa Martins, do Movimen- Souza Cruz, o grande encontro cultura, agroturismo e agricultura to de Educação Promocional do reunirá cerca de 500 participantes familiar, dando insumos para que Espírito Santo (Mepes), organiza- de todo o Brasil. Na Bahia, jovens do PEJR Arquivo Instituto Souza Cruz planejam futuro no campo Os jovens da primeira turma do tas e melhoramento genético na PEJR baiano, implementado na criação de ovinos e caprinos. “Já Região do Sisal em parceria com o comecei a plantar os canteiros, Movimento de Organização Co- cerquei a área e montei uma es- munitária (MOC), já estão se pre- tufa. A comercialização das horta- parando para a reta final do pro- liças está garantida através do grama. Em fase de elaboração de Programa de Aquisição de Ali- projetos, os 30 rapazes e moças mentos (PAA)”, festeja Maria Au- que compõem a turma estão pla- riele Araújo, 19 anos, cujo projeto nejando seu futuro empreende- de quintais orgânicos está bas- dor, por meio de variadas inicia- tante adiantado. “O foco agora é tivas que vão de projetos não organizar a redação, preparar agrícolas, como sorveterias e lan- minha defesa e colocar o quintal houses, à implementação de hor- efetivamente em prática”, finaliza. Maria Auriele participou do PAA e, agora, está projetando quintal orgânico 18 Sustentabilidade do Campo
  • 19. MEU RURAL O negócio é aqui S ou Tatiane Faustino da Silva, uma jovem agri- cultora, feminista e técnica em Agroecologia. Tenho 21 anos e moro com meus pais e irmãos na comuni- dade ribeirinha de Umburanas, em Afogados da In- gazeira, município localizado no Sertão do Pajeú (PE). Nossa família é grande! Somos três irmãs (sou Fotos: Claudio Gomes a caçula das mulheres) e seis irmãos, e continuamos crescendo. Atualmente, moram 14 pessoas na pro- priedade, que tem como base a agricultura familiar. Grande parte da nossa alimentação vem da uni- dade familiar, onde produzimos milho, variedades de feijão, quiabo, banana, goiaba e laranja, entre outros empreendedora depois que ingressei em 2008 no itens. Criamos, também, ovinos, caprinos, bovinos e curso de Técnico em Agroecologia, com ênfase na aves em pequenas quantidades. agricultura familiar, do Serviço de Tecnologia Alter- Além de produzir para a subsistência, comercia- nativa (Serta). Atualmente, nossa propriedade está em lizamos os produtos na feira livre do município há processo de conversão para a agricultura orgânica. 14 anos. Antes, vendíamos a atravessadores, que fi- Simultaneamente ao trabalho com minha família cavam com a maior parte dos lucros. Agora, passa- na propriedade, desenvolvo atividades voluntárias no mos a ser donos do nosso próprio negócio. grupo de mulheres Beija-flor, onde compartilhamos Comecei a enxergar a propriedade com olhar de nossas experiências em diversas áreas. Outros horizontes Outra experiência marcante na minha vida foi participar do III Inter- câmbio da Juventude Rural, no mu- nicípio de Boa Vista do Ramos (AM), em 2010. Eles têm um modo dife- rente de praticar agricultura, pois plantam de um jeito bem natural, com grande diversidade. A produção é totalmente orgâ- nica e, geralmente, também criam liar Rural do município, ligada à As- Essas experiências me transfor- animais, como galinhas e porcos. sociação Regional das Casas Familia- maram em uma sonhadora que Vivem da agricultura familiar e as res Rurais do Amazonas (Arcafar/ nunca vai deixar o campo. Planejo mulheres representam uma grande AM), vem ajudando a transformar a alcançar as quatro seguranças força nas atividades agrícolas e do- realidade local, entendi uma frase do (água, energia, nutrientes e alimen- mésticas. Eu trouxe dessa vivência al- educador André Mello: “Buscamos tos) e espero que a minha família guns princípios importantes para fazer pedagogia e não apenas alter- possa abandonar totalmente a agri- minha vida como, por exemplo, que nância”. Voltei para casa com a cer- cultura dos agrotóxicos. Desejo o limite da terra muitas vezes signi- teza de que a Amazônia é a alma do também, futuramente, cursar facul- fica o respeito ao vizinho e não às planeta. Somos abençoados por tê- dade e contribuir para uma educa- cercas. E, ao ver como a Casa Fami- la em nosso país. ção no campo e para o campo. Instituto Souza Cruz 19
  • 20. Campo de preservação “Vou transformar a nossa propriedade em uma referência de sustentabilidade.” Através do projeto desenvolvido no Programa Empreendedorismo do Jovem Rural, Luís Roberto Iaceki implantou manejos ecológicos na propriedade da família, em Prudentópolis (PR), contribuindo para a preservação dos recursos naturais. Arquivo Instituto Souza Cruz