O autor descreve sua paixão pela pintura desde a infância, porém reconhece que se dedicou demais à sua arte em detrimento de sua família. Agora, no fim da vida, vê que deveria ter sido mais presente para os filhos, participando mais de suas vidas ao invés de se concentrar tanto em sua carreira artística. Ele lamenta o tempo perdido e gostaria de ter outra chance para ser um melhor pai.
2. Minha paixão pela pintura iniciou ainda na infância. Em meio aos livros que traziam reproduções dos grandes mestres da pintura, fui descobrindo as cores, as tintas, as telas, a arte. Desde então, me sinto totalmente envolvido e arrebatado.
3. A dedicação foi total e então vieram as mostras, as exposições, os títulos. Na ponta dos pincéis coloco minha vida há muito tempo. É impressionante como a expressão da nossa arte nos torna transparentes, retrata nossa alma e nos aprisiona. Minhas telas mostram, hoje, muitas nuvens, sombras e cores tristes...
4. Vislumbrando agora o crepúsculo da vida, já com a visão um pouco turva, e certamente sem a mesma destreza com os pincéis, continuo concordando plenamente com a afirmação de Picasso: “parar de pintar seria dar fim à minha vida”.
5. d Bem sei que minhas mãos, que agora insistem em tremer, são as mesmas que não estiveram nos ombros dos meus filhos; meus olhos, com os quais já não posso mais estudar os mestres da pintura, são os mesmos que não tiveram tempo para se encantar com seus primeiros passos, nem celebrar suas conquistas, pois estive preocupado e envolvido em demasia comigo mesmo durante muito tempo. Tempo demais.
6. d Desde sempre me perdi nas datas dos aniversários, nos horários das apresentações da escola, nas reuniões de pais, nas apresentações de balé. Mal sabia eu que talvez fossem esses os mais importantes momentos, os mais sérios compromissos.
7. d Envolto em mim mesmo e na minha arte, não vi meus filhos crescerem, desabrocharem e ganharem o mundo. Bem sei que o tempo, bandido implacável, jamais devolve o que nos tira. Fosse diferente, voltaria eu no tempo e estaria mais presente na vida dos meus filhos, nas brincadeiras que não fiz, nas reuniões que não fui, nas festas e comemorações que não participei, nos conselhos que não dei, nas confidências que não ouvi, no amparo que não fui.
8. d Hoje sei o quanto os beijaria mais e o quanto valorizaria seu riso. Sei do quanto iria mais vezes ao seu quarto, abençoar seu sono. Encheria meus dias com suas brincadeiras, depois com seus devaneios adolescentes, partilharia de seus sonhos.
9. d Pudesse eu ter mais uma chance, seria o grande cúmplice de meus filhos e seu porto seguro. Saberia dos seus medos, conheceria seus ídolos e heróis, suas canções prediletas, aprenderia suas gírias, seria amigo de seus amigos.
10. d Isso explica os álbuns de família onde raramente apareço, as cartas que não chegam, as visitas que não vêm, os vazios aniversários, natais e páscoas. Tivesse eu pintado minha vida com outros pincéis, equilibrado melhor as cores e usado as tonalidades certas, talvez minhas telas hoje não fossem opacas e cinzentas, mas sim cheias de luz, brilho e vivacidade. Só eu sei o que perdi.
11. d Um Abraço! Imagem:RDMBeatriz (Ernest Davis) Música: Em algum lugar Formatação: adsrcatyb@terra.com.br Site: www.momentos-pps.com.br